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CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 71, p. 417-429, Maio/Ago. 2014 417 Ilse Scherer-Warren MANIFESTAÇÕES DE RUA NO BRASIL 2013: encontros e desencontros na política Ilse Scherer-Warren * O presente texto visa a analisar em que medida as manifestações de rua de 2013 no nosso país se diferenciam organizacional e politicamente das grandes manifestações do século XX e como se deu a relação entre movimentos sociais organizados e manifestações nos dois momentos históri- cos. Tendo em vista a grande quantidade de pautas nas manifestações recentes, que vão do desejo de transformações nos sistemas social, cultural e político a demandas por institucionalização de novos direitos humanos e por políticas públicas mais ampliadas, foram analisados os compartilhamentos e as articulações que produziram alguma unidade ou identificação na política. Concluiu-se que os protestos em relação ao campo institucional da política e às carên- cias no campo dos direitos humanos foram relevantes para uma subjetivação que explicasse a presença compartilhada nas ruas de atores sociais com orientações políticas diversas. PALAVRAS-CHAVE: Manifestação pública. Movimento social. Ativismo. Redes sociais virtuais. UM BREVE HISTÓRICO: das manifestações de rua no Brasil Para entender a pluralidade de forças soci- ais nas manifestações de rua de 2013 no Brasil e suas peculiaridades, é esclarecedor contextualizá- las no processo histórico das manifestações em nosso país. Não é verdade que as grandes mani- festações são um fato inédito no Brasil, como apa- receu em algumas falas. Temos uma história de manifestações nas quais a juventude ou os estu- dantes foram protagonistas relevantes ou princi- pais. Comparando com as grandes manifestações anteriores no Brasil, desde meados do século XX – como as mobilizações contra a ditadura, as Dire- tas Já, os Caras Pintadas e o Movimento pela Ética na política, além das manifestações mais regula- res, como o Grito dos Excluídos, as Marchas das Margaridas, os movimentos pela Reforma Agrária, ou dos atingidos por barragens, movimentos ne- gro, indígena, etc. –, há fatos comuns, mas tam- bém diferenciações que merecem serem lembradas. Hoje, uma das diferenças está na convocatória pe- las redes sociais virtuais, o que trouxe o povo para rua quase em tempo real, ampliando o número de manifestantes e os locais de protestos. Isso causou uma enorme visibilidade na mídia e o respectivo impacto político, produzindo uma resposta rápi- da da parte do sistema político. Mas também pro- duziu uma diversidade de demandas, muitas ve- zes conflitivas e antagônicas entre si, sobre as quais voltaremos a tratar. A juventude é, e historicamente tem sido, bastante idealista e, muitas vezes, quer mudar o mundo, o sistema político e relações do cotidiano. Isso não é novo, apesar de nem sempre ter tido visibilidade. Teve visibilidade em 1968, em várias partes do mundo e no Brasil, com o movimento estudantil que foi às ruas e teve de enfrentar o regi- me militar, além de, paralelamente, propor mudan- ças no sistema político e nos valores culturais. Em relação a 1968, para o Brasil, são mais lembrados a Passeata dos Cem Mil, que reuniu universitários, intelectuais, artistas e muitos cida- * Doutora em Sociologia. Professor titular da Universida- de Federal de Santa Catarina. Campus Universitário Trindade. Trindade. Cep: 88040-900. Florianopolis – Santa Catarina – Brasil [email protected]

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MANIFESTAÇÕES DE RUA NO BRASIL 2013: encontros edesencontros na política

Ilse Scherer-Warren*

O presente texto visa a analisar em que medida as manifestações de rua de 2013 no nosso país sediferenciam organizacional e politicamente das grandes manifestações do século XX e como sedeu a relação entre movimentos sociais organizados e manifestações nos dois momentos históri-cos. Tendo em vista a grande quantidade de pautas nas manifestações recentes, que vão do desejode transformações nos sistemas social, cultural e político a demandas por institucionalização denovos direitos humanos e por políticas públicas mais ampliadas, foram analisados oscompartilhamentos e as articulações que produziram alguma unidade ou identificação napolítica. Concluiu-se que os protestos em relação ao campo institucional da política e às carên-cias no campo dos direitos humanos foram relevantes para uma subjetivação que explicasse apresença compartilhada nas ruas de atores sociais com orientações políticas diversas.PALAVRAS-CHAVE: Manifestação pública. Movimento social. Ativismo. Redes sociais virtuais.

UM BREVE HISTÓRICO: das manifestaçõesde rua no Brasil

Para entender a pluralidade de forças soci-ais nas manifestações de rua de 2013 no Brasil esuas peculiaridades, é esclarecedor contextualizá-las no processo histórico das manifestações emnosso país. Não é verdade que as grandes mani-festações são um fato inédito no Brasil, como apa-receu em algumas falas. Temos uma história demanifestações nas quais a juventude ou os estu-dantes foram protagonistas relevantes ou princi-pais. Comparando com as grandes manifestaçõesanteriores no Brasil, desde meados do século XX– como as mobilizações contra a ditadura, as Dire-tas Já, os Caras Pintadas e o Movimento pela Éticana política, além das manifestações mais regula-res, como o Grito dos Excluídos, as Marchas dasMargaridas, os movimentos pela Reforma Agrária,ou dos atingidos por barragens, movimentos ne-

gro, indígena, etc. –, há fatos comuns, mas tam-bém diferenciações que merecem serem lembradas.Hoje, uma das diferenças está na convocatória pe-las redes sociais virtuais, o que trouxe o povo pararua quase em tempo real, ampliando o número demanifestantes e os locais de protestos. Isso causouuma enorme visibilidade na mídia e o respectivoimpacto político, produzindo uma resposta rápi-da da parte do sistema político. Mas também pro-duziu uma diversidade de demandas, muitas ve-zes conflitivas e antagônicas entre si, sobre as quaisvoltaremos a tratar.

A juventude é, e historicamente tem sido,bastante idealista e, muitas vezes, quer mudar omundo, o sistema político e relações do cotidiano.Isso não é novo, apesar de nem sempre ter tidovisibilidade. Teve visibilidade em 1968, em váriaspartes do mundo e no Brasil, com o movimentoestudantil que foi às ruas e teve de enfrentar o regi-me militar, além de, paralelamente, propor mudan-ças no sistema político e nos valores culturais.

Em relação a 1968, para o Brasil, são maislembrados a Passeata dos Cem Mil, que reuniuuniversitários, intelectuais, artistas e muitos cida-

* Doutora em Sociologia. Professor titular da Universida-de Federal de Santa Catarina.Campus Universitário Trindade. Trindade. Cep: 88040-900.Florianopolis – Santa Catarina – Brasil [email protected]

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dãos no centro do Rio, e o confronto da Rua MariaAntônia em São Paulo, entre estudantes da USP edo Mackenzie, em alguma medida defensores delados ideológicos opostos. Houve ainda manifes-tações políticas e de adeptos de uma contraculturajuvenil em outras cidades do país e que tambémdeixaram seu legado. Porém a luta contra a ditaduratambém obscureceu, em certa medida, o própriomovimento de contracultura juvenil, sendo queessas duas formas de atuação são, muitas vezes,consideradas antagônicas, como para alguns que sereferem ao “grupo dos politizados” versus o “grupodo desbunde”. O fato é que a contracultura tambémpenetrou fortemente no movimento estudantil, mes-mo dentre aqueles que participavam nas manifesta-ções de resistência contra a ditadura, e deixou oseu legado em modos de vida, em pensamentos eideários que se manifestaram na criação dos novosmovimentos sociais, como o feminismo e outros.

No campo das manifestações, para além dasque foram geradas e promovidas a partir do sistemapolítico institucional, como as Diretas Já, vieramoutras que foram frutos das iniciativas da socieda-de civil, especialmente a dos Caras Pintadas, algunsaté filhos da geração de 1968, que também solicita-ram ética na política e autonomia em relação aospartidos políticos, como agora. Enfim, a história éfeita de continuidades e descontinuidades. O quehavia em comum nessas manifestações do século20 era a articulação em torno de uma demanda ouprotesto comum, com a tendência de se construiruma identificação em torno de um ideário políti-co-ideológico mais unificado. Essa condição deunidade na política não se reproduziu sem frag-mentações e, às vezes, até com antagonismos, nasmanifestações atuais, conforme veremos no decor-rer deste texto.

A PLURALIDADE DE FORÇAS SOCIAIS NASATUAIS MANIFESTAÇÕES DE RUA

Face à pluralidade de demandas e significa-dos dos protestos políticos nas manifestações de2013, optamos por iniciar essa avaliação com foco

em dois tipos principais de contestação – as lutassistêmicas e as lutas por direitos humanos –, osquais permitem referenciar a maioria das pautas,expressas em cartazes, palavras de ordem e ex-pressões estéticas.

A luta por mudanças sistêmicas

O Movimento do Passe Livre (MPL) se tor-nou o ícone das manifestações e dos protestos dejunho de 2013, como a expressão de uma novaforma política de agir. Porém temos que lembrarque o MPL já tinha uma articulação nacional des-de meados dos anos 2000, em várias cidades, comideários políticos coletivamente definidos por seusparticipantes. Suas pautas não se reduziam ao pre-ço da passagem dos ônibus, ainda que essa temsido uma estratégia política relevante. Esse movi-mento tem se referido mais amplamente aos direi-tos do cidadão no que diz respeito à mobilidadeurbana de uma forma geral, a qual deveria ser con-siderada como um direito fundamental, tal como odireito à educação, à saúde, etc. Assim, propunham,já historicamente, a desmercantilização do transportecoletivo, alicerçando-se num ideário de transforma-ção sistêmica, como outros movimentos estudantistiveram no passado ou têm no presente.

Por sua vez, Cardoso e Di Fatima (2013),diferentemente da atribuição da grande mídia domês de junho de 2013 para o início das manifesta-ções no Brasil, indicam esse início numa nova tem-porada de reivindicações do MPL a partir de feve-reiro de 2013, quando, em Porto Alegre, o Blocode Luta por um Transporte Público reuniu cerca de200 pessoas, contra o novo aumento do preço dapassagem, a qual, assim mesmo, aumentou umasemana após. Relatam que a luta teve continuida-de depois do aumento da passagem, sendo que,em abril, a Justiça concedeu liminar que revertia oreajuste no preço e, assim sendo, as comemora-ções daquela vitória reuniram então 3,5 mil pesso-as, segundo a Polícia Militar, e 10 mil na contagemdo Bloco de Luta, segundo a mesma fonte. Portan-to, foi uma ampla manifestação. Acrescentam ain-

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da que, nos meses seguintes, foram registradasdiversas mobilizações similares, nas ruas e nociberespaço, contra a subida no preço das passa-gens em vários estados.

Já os protestos em São Paulo começaram a 3de junho, convocados pelo Movimento Passe Li-vre, que se autodenomina como “horizontal, autô-nomo, independente e apartidário, mas não anti-partidário” (2013, p. 159).

Mas, a partir de junho de 2013, as manifes-tações se ampliam e se diversificam em resposta àrepressão policial dirigida à manifestação paulistaorganizada pelo MPL local. Nesse momento, o re-púdio à repressão legitimada pelo Estado, por umlado, e a solidariedade à liberdade de expressãoda cidadania, por outro, formaram o mote para aampliação das manifestações em todo o país. Odireito ao exercício da cidadania, da voz e da opi-nião pública a partir do povo propriamente ditoera o que estava em jogo. Esse foi um sentimentoque se transformou numa articulação discursivade defesa da participação cidadã, num sentidoexcessivamente genérico, estimulado através de umdiscurso mediático de longo alcance, mas de pou-co aprofundamento. O resultado foi o aumentoexponencial do número de participantes e a mul-tiplicação, em vários territórios urbanos, de mani-festações autônomas, expressando solidariedades,mas também, frequentemente, antagonismos ver-bais e, às vezes, físicos entre subgrupos, devido àexpressão de alinhamentos políticos e (ou) parti-dários em disputa. A manifestação, como “movi-mento”, se diluía na “multidão”, num sentido maisamplo. Brown e Szeman (2006), reportando-se aHardt e Negri, afirmam que, para esses autores, oconceito de multidão diz respeito ao “poder cons-tituinte das massas desejantes contra a nova formade soberania global [...]” (2006, p. 93), ou as res-pectivas formas que assumem no capitalismo con-temporâneo. Podemos perguntar: em que medidaesse sentido pode ser captado no conjunto maisamplo e indefinido de manifestantes?

Por outro lado, para Hardt e Negri (Brown;Szeman, 2006, p.108), a “multidão” expressa a“singularidade somada à cooperação, ao reconhe-

cimento da diferença e do benefício de uma rela-ção comum”. Isso ocorreu nas manifestações re-centes no Brasil, porém com várias contradiçõesinternas em relação aos ideários do conjunto deseus participantes. A cooperação, nas manifesta-ções de 2013, focava-se na defesa do direito a darvoz pública a demandas plurais, mas, assim mes-mo, o entendimento sobre a legitimidade dessasdemandas foi conflitivo entre vários subgrupos demanifestantes. Portanto, as singularidades nãoeram revertidas, necessariamente, no reconheci-mento da diferença, como será visto nos exemplosexpostos a seguir.

Em relação ao sistema político-partidário,as manifestações também expressaram antagonis-mos na política, desde a opção por siglas partidá-rias ate à intolerância em relação a sua presença napraça pública. Assim sendo, as expressões estéti-cas e verbais foram de partidarismo, apartidarismoe antipartidarismo, cujas explicitações se repro-duziram nas redes sociais, demonstrando, frequen-temente, intolerâncias recíprocas.

Como somos herdeiros, no Brasil, tanto detradições políticas conservadoras, elitistas, como deoutras mais progressistas ou emancipatórias, issose refletiu também na diversidade dos protestos nasmanifestações de junho. Para exemplificar a exis-tência de polos antagônicos, observou-se, nessemovimento: de um lado, os jovens do MPL defen-dendo políticas de sentido emancipatório e lutan-do por mudanças sistêmicas e político-culturais; deoutro, alguns grupos de jovens médicos se opondoa uma política pública (Mais Médicos) a favor depopulações carentes, para defender o status quo einteresses corporativistas da classe, inclusive ten-tando interferir, de forma meramente corporativista,no sistema institucional, como ficou evidenciadopor seus atos em relação a esse projeto.

Outro conflito foi referente às formas de atu-ação política nas manifestações, entre grupos queoptaram pelo uso da violência física e outros quedefendiam manifestações simbólicas, mas sem vi-olência. Os primeiros são divididos, de forma maisvisível, em dois grupos: os Anonymous, que re-produzem manifestações de anos recentes nos EUA,

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mas aqui com pouca clareza de pautas (relatos deoutros participantes), e o Black Bloc, já com umatradição como movimento antiglobalização, portantoantissistêmico em várias partes do mundo. Esseúltimo, aqui no Brasil, não apresenta uma pautaexplícita publicamente, nem uma adequação de suapauta internacional genérica ao Brasil, conformeafirmou um de seus membros: “a nossa pauta sãotodas pautas que estão nas ruas”. Esses grupospretendem ser uma tática de ação, por meio deuma forma estética de protesto político, a fim depromover um espetáculo midiático. E a grandemídia, ao centrar-se preferencialmente na transmis-são dessa forma de manifestações, promoveu oespetáculo. Em relação a essa tática, a questão quese colocava é: Qual é o limite para a violência nosprotestos, nos parâmetros da democracia, ou seja,que possa ser caracterizado como resistência ativaou desobediência civil, sem ultrapassar os limitesda convivência democrática?

Enfim, em relação a questões sistêmicas,essas últimas manifestações foram muito maisreativas ao status quo social ou político na socie-dade brasileira do que propriamente propositivasou transmissoras de utopias bem definidas para amudança social.

A luta por direitos humanos

Devido à diversidade de indivíduos mobi-lizados a partir da repressão à manifestação de 13de junho, o comparecimento aos protestos de ruanão só cresceu exponencialmente, como as pautasde luta se multiplicaram, especialmente no campodos direitos humanos. Cada agrupamento, dentrode sua autonomia no evento, apresentava sua de-manda ou protesto por meio de cartazes, represen-tações estéticas ou palavras de ordem.

O primeiro direito a ser reivindicado foi ode liberdade de manifestação de rua, de expressãoe de participação na política. Porém, no próprioato de participação na rua, as contradições e con-flitos se fizeram presentes. Dois conflitos foramexpressivos: em relação ao sistema de informação

e ao sistema político-partidário.No sistema de informação, foram relevantes

as redes sociais virtuais, as redes sociais presenciaise as mídias (a grande e as alternativas).

Os jovens vêm se manifestando cada vezmais pelas redes sociais, na internet, usando osuporte das novas tecnologias para se organizar.Mas isso tem sido, acima de tudo, um meio, e nãoexplica o sentido político da ação, ou melhor, osentido pode ser conflitivo ou antagônico numamesma rede ou entre sub-redes, como resultantetransversalidade desse tipo de comunicação. Alémdisso, as redes virtuais divulgam, convocam e ex-pressam posicionamentos, mas quase nunca pos-sibilitam o aprofundamento do debate político,ainda que, em algumas situações, é no interior desub-redes que interagem com outras sub-redes quemensagens conflitivas aquecem o debate. As redespresenciais dos MS organizados continuam tendoum papel político e pedagógico relevante e são,frequentemente, espaços para aprofundar os de-bates (Scherer-Warren, 2012a).

A grande mídia teve um papel bastante am-bíguo nas manifestações de 2013. Habituada a,historicamente, criminalizar os movimentos soci-ais, o que vinha ocorrendo desde a ditadura atérecentemente, de acordo com algumas pesquisasdas ciências sociais, ela dispensou um tratamentoinicial adverso às recentes manifestações e aosmanifestantes, após um deslumbre em relação àsvozes da rua e, finalmente, uma atitude que revelanão saber claramente como agir em relação àcriminalização ou não dos manifestantes, como nocaso do Black Bloc. Por parte de manifestantes,quase de uma forma generalizada, houve reaçõesexplicitas aos comprometimentos políticos tradi-cionais da grande mídia.

Numa outra direção, o Movimento pela De-mocratização da Informação já é histórico no Bra-sil. Mas, durante as manifestações, vários coleti-vos midiativistas criaram visibilidade crescente elegitimidade nas redes mais progressistas, comono caso da Mídia Ninja, que está construindo ummovimento sociocultural nas linhas gerais de um“neoanarquismo” que inclui novos modos de

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vivência e de organização do trabalho, denomina-do de “Fora do Eixo” (FdE). A Mídia Ninja teveum papel relevante durante as manifestações, nosentido de divulgação dos fatos a partir de umaperspectiva mais próxima dos movimentos queocuparam as ruas.

Por sua vez, os protestos de rua em relaçãoao sistema político foram mais direcionados contraa corrupção e ao modo de operacionalização dosparlamentos. Porém a proposta governamental pos-terior de realização de um plebiscito para decidirsobre mudanças institucionais nesse sistema teveresistência de parte de parlamentares, políticos ar-raigados aos modos tradicionais de fazer política.

As reivindicações no campo das políticassociais (saúde, educação, mobilidade urbana, po-líticas de gênero, geracionais, políticas de promo-ção da igualdade racial, etc.) foram maisconsensuais, mas bastante genéricas, não permi-tindo, assim, os possíveis confrontos de opiniãoou de ideologias. A exceção ocorreu com o Progra-ma Mais Médicos, que dividiu a própria classemédica. Porém, a partir de sua implementação, oPrograma vem criando uma legitimidade crescentena sociedade civil.

MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS EMANIFESTAÇÕES DE RUA: aproximações ediferenças

Para se entender o caráter das novas mani-festações de rua no mundo e, especialmente, noBrasil, é necessário considerar a mudança em or-ganizações de base e a complexidade dos movi-mentos sociais na sociedade atual, conforme nosalerta Raúl Zibechi:

Los principales movimientos populares de Bra-sil fueron, desde la Colonia, movimientos ruralesya que en esas áreas se afincaba la resistencia alsistema. Ahora, las resistencias se están concen-trando en las ciudades. Los principalesmovimientos urbanos (MPL, MTST, Comités dela Copa, CMI, y otros) encarnan algo similar a lalucha por la reforma agraria, que es la lucha porla reforma urbana. El latifundio y el agronegocio

son el equivalente, en la ciudad, a la segregaciónespacial y la especulación inmobiliaria (Zibechi,2013, p. 32).

Além dessa mudança em relação a uma novacentralidade espacial da segregação, transferindo ofoco das lutas rurais para as urbanas, há outros fa-tores estruturantes da sociedade a serem menciona-dos, tais como: demográficos (dimensão da popula-ção atingida por novas formas segregacionistas, de-vido à concentração urbana) e econômicos (preca-riedades em relação ao mundo do trabalho, mora-dia, mobilidade urbana, qualidade de vida, etc.).Mas também há fatores vinculados à política (defi-ciências nos sistemas de representação e de parti-cipação efetiva da cidadania) e à cultura (deman-das por reconhecimento, liberdade de opções eexpressões simbólicas em termos de gênero, se-xismo, raças e etnias, gerações, etc.). Essas deman-das, na sociedade da informação, permitem diálo-gos transversais entre atores de redes sociais e (ou)de organizações civis distintas, possibilitando asarticulações políticas e a transversalidade de iden-tidades, conforme exemplo abaixo apresentado:

La identidad del movimiento se expresa, desdeeste punto de vista, en el posicionamiento contraun conjunto de opresiones de clase, de género, deraza y, aunque no lo explicitan, tambiéngeneracionales. En suma, un rechazo a todas lasopresiones, lo que supone que, en las actividades,procuran evitar la clásica división del trabajo enfunción de los géneros y del color de piel. El MPLcomienza a reflejar, en su composición, elcompromiso con los más pobres, los negros, lasmujeres y los que no tienen acceso al transportey a la ciudad. Negros y pardos (o mestizos), sujetosa un mismo sistema de discriminación, seacercaron al movimiento por ver en él unainterlocución con sus luchas y porque los negrosque integraban el MPL participaban en lasacciones del movimiento anti-racista (Zibechi,2013, p. 24).

Entretanto, para examinar essas novas for-mas de políticas transidentitárias, Walter Mignolo(2008) nos auxilia ao afirmar que é necessário distin-guir uma política de identidade de uma identidadeem política. A primeira “opera na suposição deque identidades essenciais entre as comunidadesmarginalizadas (por razões raciais, de gênero e se-

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xuais, etc.) são as que merecem reconhecimento”(2008, p.312). Nessa direção, podemos incluir osnovos movimentos sociais em suas origens no sé-culo passado, como o feminismo, os movimentosétnicos e outros. Por sua vez, a identidade em po-lítica se constrói com autonomia em relação aos“partidos políticos” e à dominação estatal e podeser geradora de “atos de desobediência epistêmicaque afetam o estado e a economia” (p.324). A iden-tidade em política se dá também através das arti-culações discursivas diferenciadas, mas que seassemelham nas consequências de suas vivênciasna subalternidade, na pobreza, na discriminaçãosociocultural, na precariedade das condições ru-rais e urbanas, etc. Dentro dessa forma, podemospensar no MPL, que vem se constituindo no Bra-sil em subgrupos com autonomia política e seempoderando através de suas lutas, como podeser observado nas manifestações de junho. Mastambém, conforme coloca Zibechi (2013), atravésde seu compromisso político-cultural com as cau-sas dos pobres, dos negros e das mulheres, sub-metidos às mesmas formas de precariedade no sis-tema urbano contemporâneo.

Neste ponto, é necessário se distinguir mo-vimento social organizado de manifestação de rua.Os movimentos sociais organizados têm uma relati-va permanência temporal e tendem, no mundo con-temporâneo, a se estruturar sob a forma de redes demilitância que operam como uma estratégia para aconstrução de significados políticos ou culturais emcomum, tendo em vista a conquista e a mobilizaçãode ativistas, a produção de ações de advocacia e deinterferência nas políticas públicas, ou a produçãode mudanças na cultura, na política ou no sistemasocial de forma mais abrangente.

Portanto, o movimento social em rede ten-de a possuir, no mundo contemporâneo, quatromomentos constitutivos relevantes. O frame organizacional, para garantir continui-

dade e interatividade, o que inclui organizaçõesde base e entidades articuladoras e mediadoras,como fóruns ou assemelhados, onde se realiza aconstrução de significados comuns para as lutasna esfera pública.

Articulações discursivas, resultantes desses sig-nificados comuns, para a construção de deman-das, ideários e projeto comuns para uma mu-dança social.

Demandas e ideários que serão traduzidas emações jurídicas por direitos, para a incidêncianas políticas públicas ou para mudançassistêmicas.

Enfim, o movimento busca, na manifestação, omomento de protesto, reivindicação ou visibili-dade, mas tem uma continuidade para além des-se momento mobilizatório público. Os movimen-tos sociais promovem, participam ou estão nasmanifestações, mas não se reduzem a elas.

No caso brasileiro, são históricas as mani-festações vinculadas aos movimentos organizados,conforme já foi mencionado. Assim, temos tidomanifestações específicas, organizadas por movi-mentos juvenis, de mulheres, de negros, de indí-genas, do mundo do trabalho, dentre outros, os quaisdialogam entre si e, em momentos estratégicos, seunem em manifestações conjuntas, como ocorreu nodia 11 de julho e no dia 7 de setembro de 2013. Taismanifestações expressaram uma variedade de pau-tas dos movimentos organizados e possuem algu-mas particularidades a serem lembradas.

A Marcha de 11 de julho 2013

Em 2013, os movimentos sociais organiza-dos, de uma forma geral, para além do MPL, de-moraram a se colocar no palco (ou nas ruas) deforma mais autônoma, com pouco destaquemidiático para suas demandas. Quando o fizeram,em 11 de julho, reproduziram suas pautas históri-cas, algumas bastante corporativistas, principal-mente as do sindicalismo, mas não se restringin-do a elas, manifestaram-se favoráveis à inclusãode pautas de outros movimentos, conforme cons-ta das Bandeira de Lutas das Centrais Sindicais: Reduzir o preço e melhorar a qualidade dos

transportes coletivos;  Mais investimentos na saúde e na educação pú-

blica;

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Fim do fator previdenciário e aumento das apo-sentadorias; 

Redução da jornada de trabalho;  Fim dos leilões das reservas de petróleo; Contra o PL 4330, da terceirização; Reforma agrária.

Além dessas bandeiras, definidasunitariamente, cada setor deveria agregar outras,relacionadas à sua situação concreta. Tudo deviaser feito para fortalecer as possibilidades demobilização da base para participar desse dia degreves e manifestações.

Como resultado, outras pautas jurídicas,relativas às políticas sociais e (ou) a mudançaspolíticas e culturais, também foram protagonizadasno cenário público no dia das manifestações, taiscomo criar um marco regulatório dos meios decomunicação, o que se transformou numa amplamanifestação contra o monopólio da mídia. Alémdessas, havia a pauta das manifestações anterio-res, como aquelas em relação a transporte público,saúde, educação, moradia, violência policial,corrupção, e outras por mudanças político-cultu-rais, como a luta contra a homofobia e a favor daunião civil homoafetiva, e pautas feministas comoas da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), den-tre outras.

A Manifestação do Grito dos Excluídos em 7

de setembro 2013

Essa foi uma manifestação histórica das re-des do chamado Movimento Popular no Brasil.Em 2013, esse movimento entrou no espírito dasmanifestações mais desterritorializadas e se orga-nizou nas principais cidades brasileiras. Foi bemexpressiva numericamente, com pautas visíveis, efez uma festa alternativa à comemoração oficial daIndependência do Brasil, mas com pouca visibili-dade midiática.

A grande mídia tratou marginalmente o Gri-to dos Excluídos, como sempre fez. A Rede Glo-bo, por exemplo, preferiu, estrategicamente, centrar-se no pequeno grupo Black Bloc em Brasília, in-

clusive cancelando sua programação normal parase centrar na transmissão das ações desse grupo.De fato, avaliadores independentes consideram tersido um grande fracasso o chamado feito pelosgrupos de anônimos para a manifestação de rua.Conforme o Observatório da Imprensa, essa foi aestratégia midiática do Black Bloc, que

[...] “salvou o protesto”, do ponto de vista de ga-rantir espaço de mídia (Globo) narrativa críticaao governo federal. Dois outros grupos, que ope-ram na internet, foram citados pelos jornais, alémdos Blocs: o Anonymous Brasil (que se reivin-dica apenas uma “ideia” e diz lutar contra acorrupção) e a Anel – Assembleia Nacional deEstudantes Livres. Por seu lado, militantes deentidades que organizam, há 20 anos, o Grito dosExcluídos ocuparam praças e ruas, resgatandoantigas bandeiras (reforma agrária, reforma ur-bana, políticas de inclusão social, pelo fim daviolência etc.) e fizeram um caminho distinto,evitando confrontos. O Grito nasceu da luta doSetor Pastoral Social da Conferência Nacional dosBispos do Brasil (CNBB), em 1993. (referência)

Pode-se concluir que os movimentos soci-ais organizados utilizam a manifestação públicacomo um momento relevante para dar visibilidadea seus protestos, reivindicações e posicionamentospolíticos. Por outro lado, o cidadão que se juntaesporadicamente a uma manifestação, porque ésimpatizante de sua causa, como ocorreu em gran-de medida nas denominadas manifestações de ju-nho, não se transforma necessariamente em atorde um movimento organizado ou não cria novosmovimentos. Porém, para parte desses participan-tes, trata-se de um exercício de cidadania, especi-almente para aqueles que buscaram aprofundar seuconhecimento de políticas públicas e das princi-pais pautas políticas e sociais. Contribuíram tam-bém para a construção de uma memória históricadas lutas sociais por direitos.

Entretanto, face à diversidade e à pluralidadepolítica dos manifestantes de 2013, uma convivên-cia que permitiria uma articulação propositiva de-mocrática das múltiplas pautas políticas exigiria umanova forma de relacionamento na política, atravésde consensos possíveis e provisórios, por meio deum “pluralismo agonístico”, nos termos de ChantalMouffe (2008, p.19), pois, segundo a autora:

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Tal pluralismo está ancorado no reconhecimentoda multiplicidade de cada um e das posições con-traditórias a que esta multiplicidade subjaz. Suaaceitação do outro não consiste meramente emtolerar as diferenças, mas em celebrá-las positi-vamente porque admite que, sem alteridade e ooutro, nenhuma identidade poderia se afirmar.Este é um pluralismo que valoriza a diversidade eo dissenso e não tenta estabelecer uma esfera pú-blica a partir da sua eliminação, uma vez quereconhece neles a real condição da possibilidadede uma vida democrática a ser conquistada.

Porém, no Brasil, nossa democracia, aindabastante emergente, dificulta a negociação demo-crática de grupos antagônicos, como os que estive-ram presentes nas manifestações. Eles iam de umaesquerda mais radical, que busca mudanças maissistêmicas, a uma direita conservadora, que buscaproteção em direitos humanos, mas garantindo seustatus quo, ou até propondo retrocessos em rela-ção a políticas públicas de inclusão. Além de ou-tros, que estavam lá pelo protesto em si mesmo,numa simulação de participação e, possivelmen-te, para alguns, com resultados políticos poucoexpressivos para si mesmos ou para a sociedade.Ou, enfim, para outros, apenas para celebrar ummomento significativo para sua futura memóriahistórica de participação política. Um exemplo sig-nificativo observado em Florianópolis (e, talvez,em outras cidades) pode ser ilustrado em três ce-nários ou momentos: Cenário 1 – Jovens mobilizadas a comparecer às

manifestações através de suas redes sociais naInternet. Produziram-se fisicamente muito bempara o evento público.

Cenário 2 – Na praça pública, buscavam a posi-ção mais adequada fotograficamente e, com pose,solicitavam a uma amiga fazer a foto ou seautofotografavam (Selfie, conforme denominaçãocorrente em inglês).

Cenário 3 – Ainda no evento ou no retorno paracasa, imediatamente reproduziam e divulgavam,nas redes sociais, as fotos que registravam suapresença na manifestação, tentando marcar suaestreia na “praça pública”. Só o tempo dirá qualo impacto para o futuro desse tipo de participa-ção cidadã.

A CONSTITUIÇÃO DOS SUJEITOS NASMANIFESTAÇÕES

Segundo Bittencourt (2011, p. 13), as estra-tégias de resistência, na contemporaneidade, de-vem ser e estão sendo vistas mais como lutas con-tra as diferentes formas de assujeitamento, do quelutas contra formas de dominação (uma classe so-bre outra, por exemplo). Nessa direção, seguindoDeleuze e Guattari (2008), ele afirma que se “buscacompreender é a produção de subjetividades quederivam de técnicas cada vez mais sofisticadas deassujeitamento, bem como as estratégias de resis-tências que fazem frente a esses processos de cap-tura”. Acrescenta ainda que, no “campo das Ciên-cias Políticas, também têm surgido trabalhos preo-cupados com as políticas de subjetivação, com asmicro-resistências elaboradas pelos movimentossociais da contemporaneidade” (2008). Enfim, oautor busca, no pensamento de Deleuze e Guattari,o que denominou de “movimento das paisagenssubjetivas” e, assim, propõe-se a construir umacartografia das múltiplas subjetividadesmovimentalistas contemporâneas. Esses pressu-postos poderão trazer algumas luzes para o enten-dimento da constituição dos sujeitos nas e a partirdas manifestações recentes em nosso país, sobreseus encontros e seus desencontros nos proces-sos de subjetivação.

Ainda nessa direção metodológica, Prato Fi-lho e Teti (2013, p. 1) acrescentam que “uma carto-grafia social faz diagramas de relações, enfrentamentose cruzamentos entre forças, agenciamentos, jogos deverdade, enunciações, jogos de objetivação esubjetivação, produções e estetizações de si mesmo,práticas de resistência e liberdade”, que são pressu-postos relevantes para se pensar a relação entre su-jeitos sociais, movimentos e manifestações de rua,especialmente as mais recentes. Ainda que de formabastante emergencial e provisória, tentaremos seguiressa orientação, discutindo e refletindo sobre as múl-tiplas formas de subjetividades na política e na cul-tura que se fizeram presentes nas manifestações de2013 no Brasil, e seus encontros e desencontros nacena pública.

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O evento inicial, que desencadeou umamanifestação mais ampla, foi o organizado peloMPL, que foi às ruas junho de 2013 em São Paulo,com uma proposta concreta, conforme já foi vistoacima. Entretanto, a ampliação da manifestaçãoquase em tempo real foi a subjetivação construídaem reação à repressão e à violência policial utiliza-da no evento. Nesse caso juntaram-se, ao MPL esimpatizantes, membros de outros movimentos,cidadãos não organizados em movimentos sociais,em especial os membros de redes sociais virtuaismobilizadoras, bem como subgrupos mais rebel-des, que fizeram uso da violência material, mas,para os quais, tratava-se apenas de uma violênciasimbólica. Após a repressão policial, a motivaçãopara a mobilização se ampliou em termos de parti-cipantes e de abrangência territorial nas manifesta-ções seguintes, especialmente nas ocorridas em SãoPaulo e em várias outras cidades brasileiras de 17a 29 de junho de 2013.

Pergunta-se, como foi possível a participan-tes tão diversos o compartilhamento simultâneoda mesma “rua”, em diversas cidades, ainda que,muitas vezes, os encontros grupais não fossem isen-tos de conflitos e até, de alguma forma, de violên-cia simbólica e física. O compartilhamento da ruase dava porque tinha como referência umasubjetivação mais ampla: no primeiro momento, ado direito às vozes da cidadania nos espaços pú-blicos, com o que todos concordavam. Todavia osconflitos entre grupos de manifestantes ocorriam,porque o sentido mais profundo de suas opçõespolíticas produziam contradições, conforme foiinterpretado por um dos grupos: “no movimento,havia os mais radicais e libertários, os partidários,os apartidários democráticos e os antipartidários,compreendendo o leque que vai dos fascistas aosanarquistas, com a diferença que não se asseme-lham em nada”. Apesar dessa diversidade e dasdiferenças políticas, o que queremos mostrar aquié a existência de alguns elos articuladores na “mul-tidão” de manifestantes (cf. Negri, 2003).

Para avançar um pouco mais, recorremos ateoria do assujeitamento de Eni Orlandi (2007), aqual nos permite analisar como se dá o processo

de constituição dos sujeitos e como isso pode re-percutir na sua relação com o movimento e na suarelação com as manifestações. A autora usa comorecurso analítico a língua e a história para pensaro processo de constituição do sujeito: “algo domundo tem de ressoar ‘no teatro da consciência’do sujeito para que faça sentido”. A constituiçãodo “sentido” e da “identificação do sujeito” se dáa partir das formações discursivas às quais o su-jeito está assujeitado, mas não de formadeterminista, e sim na relação entre sua históriade vida e a história de suas relações institucionais.O exemplo da autora ilustra essa relação: “É emrelação às formações discursivas que podemos di-zer que a palavra ‘terra’, por exemplo, significa di-ferentemente para os índios, para os grandes pro-prietários rurais, para o MST, etc. Isto porque elesestão em posições de sujeitos inscritos em dife-rentes formações discursivas que, em última ins-tância, refletem, no discurso, as posições ideológi-cas e determinam seus sentidos.” (2007, p. 2).

Acrescenta, ainda, que a interpelação ideo-lógica do sujeito capitalista é diferente da do sujei-to medieval, pois:

[...] a interpelação do sujeito capitalista faz inter-vir o direito, a lógica, a identificação[...] o sujeitomoderno – capitalista – é ao mesmo tempo livree submisso, determinado pela exterioridade edeterminador do que diz: essa é a condição desua responsabilidade (sujeito jurídico, sujeito dedireitos e deveres) e de sua coerência (não con-tradição) que lhe garantem, em conjunto, suaimpressão de unidade [...]

Podemos buscar, nas razões para o compare-cimento às manifestações de junho, algunsindicativos das interpelações para a participação, ondeos sujeitos aparecem como cidadãos que reivindi-cam direitos e como contestadores de contradiçõesda própria ordem política a que estão submetidos.

Alguns resultados de pesquisa do IBOPEilustram a multiplicidade de identificação dos su-jeitos participantes nas manifestações de junho de2013, centradas especialmente em torno das de-mandas por direitos sociais e por modificações nosistema político:

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1- RAZÕES DAS MANIFESTAÇÕES (apenas a 1ªrazão é dada):

Transporte público: 37,6%Contra a PEC 37:5%Ambiente político: 29,9%Saúde: 12,1%Educação: 5,3%Gastos com a copa do mundo: 4,5%Reação à ação violenta da polícia:1,3%Justiça/segurança pública: 1,3%Outros: 0,6%

2 - RAZÕES DAS MANIFESTAÇÕES (soma dastrês razões indicadas pelo manifestante):

Ambiente político: 65,0%Transporte público: 53,7%Saúde: 36,7%Gastos com a copa do mundo: 30,9%Educação: 29,8%Contra a PEC 37: 11,9%Justiça/Segurnaça pública: 10,2%Outros: Com menos de 3%

A partir desse agrupamento das três razõesindicadas pelos manifestantes para o compareci-mento às ruas, podemos observar certo equilíbrioentre as demandas para modificações no sistemapolítico (ambiente político, PEC 37 e justiça) e paraconquistas nas políticas públicas (transporte, saú-de, educação e contra gastos com a copa que secolocava versus gastos com políticas públicas). Por-tanto, havia dois núcleos articuladores principaisdos protestos, um no campo do sistema político eda respectiva necessidade de reformas e outro nocampo das políticas sociais e da necessidade deprioridade governamental em relação a elas.

Foi essa condição de identificação de sersujeito jurídico, sujeito de direitos e deveres – emoutras palavras, sujeito livre para as manifestaçõesde rua e em reação a formas institucionais de con-tenção ou violação desses direitos – que permitiuuma primeira articulação discursiva entre sujeitosplurais, ideologicamente bastantes diferenciadose, às vezes, opostos, a qual justifica seu compare-cimento simultâneo às ruas. As contradições e

conflitos apenas apareceram após as convocatórias,nas manifestações linguísticas e estéticas que sefizeram presentes nas ruas (cartazes, bandeiras,palavras de ordem e expressões de violência físi-ca, simbólica e verbal). A unidade entre sujeitospara o comparecimento às ruas se construiu tam-bém na identificação quanto ao questionamento eà reprovação das políticas institucionais. Esclare-cendo através de Orlandi:

No caso do capitalismo, tem a forma de um indi-víduo livre de coerções e responsável, que deveassim responder, como sujeito de direito, frenteao Estado e aos outros sujeitos[...][…] na individualização do sujeito pelo Estado,pode sim ocorrer a resistência. Há possíveis des-locamentos do sujeito aos modos pelos quais oEstado o individualiza, deslocamentos que afe-tam os modos como o sujeito, com sua forma his-tórica, relaciona-se com as instituições e isso poderesultar em rupturas, transformações no proces-so de sua individualização (2007, p. 3).

Além disso, essa ambiguidade também resul-ta em mais de uma forma de identificação na políticados sujeitos-atores que compareceram às ruas em2013: por um lado, os identificados com movimen-tos sociais e (ou) partidos políticos; por outro, osparticipantes individuais, convocados, sobretudo,pelas mídias digitais. Essas duas formas de ser sujei-to político geraram as contradições e os conflitos po-líticos presentes no processo mobilizatório, o quelevou os vários analistas das manifestações às incer-tezas sobre as possibilidades ou não de novas mani-festações em 2014 e (ou) sobre o futuro político dosprocessos mobilizatórios nas ruas.

CONCLUINDO

As grandes manifestações do século XX noBrasil passavam por um processo organizativo an-terior à realização dos eventos de rua e em torno deuma pauta comum de protesto, conforme foi lem-brado acima. Movimentos sociais organizados ten-deram a construir a unidade dessa pauta, articulan-do-se discursivamente com outros movimentoscongêneres ou com simpatizantes (Scherer-Warren,2012a, 2012b). Aquelas manifestações buscavam

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visibilidade pública, reconhecimento e legitimida-de para suas lutas historicamente construídas.

Em 2013, as manifestações se iniciaram deforma semelhante, em torno das pautas do MPL,relativas à necessidade de mudanças estruturais nosistema de mobilidade urbana e dos direitos doscidadãos à cidade e a seus equipamentos públicos.Como no passado, a luta buscava mudanças no sis-tema social e no campo dos direitos humanos e dacidadania. Entretanto, as manifestações foram setransformando numa diversidade de lutas específi-cas. Inicialmente, havia alguma identidade, o pro-testo ao que foi caracterizado como o excesso derepressão policial à livre manifestação dos cidadãos.Em seguida, elas situaram-se em torno de umapluralidade, às vezes antagônica, de protestos edemandas relativos ao desempenho das instituiçõessociais e políticas, à carência de políticas públicas eà necessidade de legitimidade e legalidade no cam-po das mudanças culturais. Do ponto de vistaorganizacional, mesclavam-se participantes de mo-vimentos organizados, de partidos políticos, mem-bros de grupos semiorganizados de expressão esté-tica e cidadãos individualizados, simpatizantes comas causas em pauta. O que articulava a diversidadede atores ao evento era, num primeiro momento, odireito às vozes da cidadania nos espaços públicose às respectivas manifestações; num segundo mo-mento, foram os questionamentos e a reprovação àspolíticas institucionais de uma forma geral, os quaisse construíram através de uma espécie de articula-ção discursiva informal e efêmera, pois realizadabasicamente através de redes virtuais, com poucaorganicidade, de uma forma geral. Esse segundo tipode articulação, pela forma como se deu, sem a exis-tência ou com uma frágil “identificação na política”(Mignolo, 2008), ou seja, sem o trabalho de cons-trução de um compartilhamento ou uma articula-ção discursiva em torno de um projeto de mudan-ça, ainda que provisório e inacabado, é o que carac-teriza a efemeridade do grito das ruas de 2013 noBrasil, e a incerteza sobre sua continuidade para amaioria dos analistas.

Todavia, numa outra direção, pode-se ob-servar que, apesar de antagonismos oriundos de

posicionamentos políticos muito diferenciados,uma unidade, ainda que mais subjetiva do queprogramática, foi se construindo no desenrolar dasmanifestações de 2013, em torno do desejo de pro-mover modificações no campo institucional dapolítica e buscar caminhos para a ampliação nocampo dos direitos humanos, ouvindo-se as vo-zes da cidadania.

Recebido para publicação em 16 de outubro de 2013Aceito em 12 de dezembro de 2013

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MANIFESTATIONS DANS LES RUES AUBRÉSIL EN 2013: convergences et divergences

dans la politique

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Ce texte analyse dans quelle mesure lesmanifestations qui ont eu lieu dans les rues de notrepays en 2013 sont différentes quant à l’organisationet du point de vue politique des grandesmanifestations du XXe siècle. Comment le lien a-t-ilété établi entre les mouvements sociaux organisés etles manifestations à ces deux moments historiques.Etant donné la quantité de sujets abordés au coursdes manifestations récentes , qui vont du désir detransformation des systèmes sociaux, culturels etpolitiques à la demande d’institutionnalisation denouveaux droits de l’homme ainsi que de politiquespubliques plus étendues, nous avons fait une analysedes points communs et des articulations qui ontpermis une certaine unité ou une identification dansla politique. Nous en avons conclu que lesprotestations liées au domaine institutionnel de lapolitique et les besoins dans le champ des droits del’homme occupaient une place importante pour unesubjectivation capable d’expliquer la présenced’acteurs sociaux de tendances politiques différentes.

MOTS-CLÉS: Manifestations publiques. Mouvementsocial. Activisme. Réseaux sociaux virtuels.

THE 2013 DEMONSTRATIONS IN BRAZIL:match and mismatch in politics

Ilse Scherer-Warren

The aim of this article is to analyze the extentto which the 2013 demonstrations in our countrydiffer, both politically and in organizational terms,from the great demonstrations of the 20th century.How the relationship between organized socialmovements and demonstrations occurred in bothhistorical moments. In view of the many agendasin recent demonstrations, from desires for changesin the social, cultural, and political systems, todemands for institutionalizing new human rightsand expanding public policies, we analyzed thesharing and articulating that produced some unityor identification in politics. We conclude that theprotests, both in relation to the institutional fieldof politics and to the insufficiencies in the field ofhuman rights, were relevant for a subjectivationthat might explain the common presence in thestreets of social actors with different politicalorientations.

KEYWORDS: Public demonstrations. Socialmovement. Activism. Virtual social networks.

Ilse Scherer-Warren - Doutora em Sociologia. Pos-doutorado na Universidade de Londres. Professortitular da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfaseem Sociologias especiais, atuando, principalmente, nos seguintes temas: movimentos sociais, redes,cidadania, globalização, ações coletivas, democracia, participação, exclusão e inclusão social , direitoshumanos e multiculturalismo. Publicações recentes: Redes e movimentos sociais projetando o futuro.Revista Brasileira de Sociologia, v. 01, p. 187-217, 2013; Redes de movimientos y territorios: lasmediaciones entre lo global y lo local. Escenarios XXI, v. 14, p. 122, 2012; Movimentos sociais e partici-pação institucional: introduzindo o debate. Politica & Sociedade, v. 10, p. 09-24, 2011.

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