2015-2- Guia de Estudos Ética e Sociedade(1)

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Apostila de Ética e Sociedade da Unoesc.

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  • tica e Sociedade

    Graduao

    SUMRIO RP

    IDO

    APRESENTAOA IMPORTNCIA DA TICA NA SOCIEDADE

    TICA, MORAL E CULTURAO PENSAMENTO FILOSFICO E A TICAS

    A GLOBALIZAO E A TICA

    7

    11

    24

    48

    74

    90OS CONFLITOS TICOS DA SOCIEDADE ATUAL126REFERNCIAS

    2 edio revisada, ampliada e atualizada.

  • Claudio Luiz Oro Organizador

    Ancelmo Pereira de OliveiraArdinete RoverCarlos WeinmanDiego BealElizandra IopEvandro Ricardo GuindaniIdovino BaldisseraMarcio TrevisolRejane Ramborger

    Joaaba 2015

    tica e Sociedade

  • 2015 Editora Unoesc Direitos desta edio reservados Editora UnoescRua Getlio Vargas, 2125, Bairro Flor da Serra, CEP 89600-000 Joaaba, SC, BrasilFone: (49) 3551-2065 Fax: (49) 3551-2000 E-mail: [email protected] proibida a reproduo desta obra, no todo ou em parte, sob quaisquer meios, sem a permisso expressa da Editora Unoesc.E84 tica e sociedade / Claudio Luiz Oro... [et al.]. 2.ed.rev.; ampl. e atual. Joaaba: Ed. Unoesc, 2015.131 p. ; 30 cm. -- (Srie Unoesc Virtual)

    Bibliografia: 126-131 p.ISBN1. tica social. 2. Filosofia. I. Oro, Claudio Luiz. CDD 177Universidade do Oeste de Santa Catarina UnoescReitorAristides CimadonVice-reitores de Campi

    Campus de ChapecRicardo Antonio De MarcoCampus de So Miguel do OesteVitor Carlos DAgostini

    Campus de VideiraAntonio Carlos de SouzaCampus de XanxerGenesio To

    Diretor Executivo da ReitoriaAlciomar MarinCoordenao Geral da Unoesc VirtualLucivani Gazzla

    Coordenao PedaggicaPatrcia Aparecida PedrosoCoordenaes Locais da Unoesc Virtual

    Campus de So Miguel do OesteAnderson Tiago BortolottiCampus de VideiraDaniela Medeiros dos Santos Stedile Campus de XanxerJanine Lauschner Secretaria Executiva e LogsticaElisabete Cristina GelatiDesigner InstrucionalGreici Fernandes da Silva

    Coordenao Editora UnoescDbora Diersmann Silva PereiraReviso Lingustica e MetodolgicaBianca Regina PaganiniGiovana Patrcia BizinelaWanessa Franco Sobral

    Produo Grfica e DiagramaoDaniely A. Terao Guedes

    Pr-reitor de GraduaoRicardo Marcelo de Menezes Pr-reitor de Pesquisa, Ps-graduao e ExtensoFbio Lazzarotti

  • SUMRIOAPRESENTAO .......................................................................................................................................... 7PLANO DE ENSINO-APRENDIZAGEM ................................................................................................8UNIDADE 1 A IMPORTNCIA DA TICA NA SOCIEDADE ........................................................11SEO 1 A importncia do outro ..................................................................................................... 12SEO 2 A tica e a vida social .......................................................................................................... 17SEO 3 tica e sociedade na universidade ................................................................................ 20UNIDADE 2 TICA, MORAL E CULTURA .........................................................................................24SEO 1 As culturas brasileiras ........................................................................................................ 25SEO 2 A cultura, a moral e a violncia ...................................................................................... 37SEO 3 Preconceito e discriminao: violncia contra o outro diferentea ................. 43SEO 4 Os valores morais e a liberdade de conscincia ....................................................... 45UNIDADE 3 O PENSAMENTO FILOSFICO E A TICA ..............................................................49SEO 1 A filosofia e a tica ................................................................................................................ 50SEO 2 Um percurso entre as correntes filosficas: dos gregos at a atualidade..... 53SEO 3 Reflexo sobre a construo da moral ......................................................................... 67UNIDADE 4 A GLOBALIZAO E A TICA ......................................................................................74SEO 1 Querer poder: as consequncias ticas desse modelo de sociedade ........75SEO 2 O fenmeno da globalizao..............................................................................................78SEO 3 O fundamentalismo da globalizao econmica ......................................................81SEO 4 O avano tecnolgico e a tica ..........................................................................................83UNIDADE 5 OS CONFLITOS TICOS DA SOCIEDADE ATUAL .................................................90SEO 1 Grandes questes ticas de contemporaneidade .................................................... 91SEO 2 tica e Meio Ambiente ........................................................................................................ 97SEO 3 tica e Direitos Humanos ...............................................................................................106SEO 4 A legitimao da concentrao de renda e da corrupo no Brasil ..............118SEO 5 Esperana tica ...................................................................................................................122REFERNCIAS..........................................................................................................................................126

  • Continua na prxima pginaPerguntaSaiba mais

    Veja como aproveitar a sua apostila

    Este espao permiteque voc faa suas

    anotaes!

    Para refletir Exclamao

  • 7APRESENTAO SEJA BEM-VINDO AO COMPONENTE CURRICULAR TICA E SOCIEDADE! Apresentamos a voc, aluno da Unoesc na modalidade a distncia, o Guia de Estudo do componente curricular tica e Sociedade. Ele foi elaborado visando a uma apren-dizagem autnoma; os contedos foram cuidadosamente selecionados e a linguagem utilizada facilitar seus estudos a distncia.O componente tica e Sociedade tem fundamental importncia para a reflexo acerca

    do significado de nossa ao no mundo. Na perspectiva de construir nosso ser tico,

    precisamos refletir teoricamente sobre os valores que norteiam nossas aes. Nes-te componente curricular, procuramos lanar um olhar acadmico sobre o tema da tica, revelando sua real importncia para o desenvolvimento das atividades cotidia-nas em sociedade e, tambm, no desempenho das atividades profissionais. Com isso, buscamos reconhecer, nas contradies sociais, a carncia de uma discusso sobre a tica em suas instncias normativas e prescritivas do agir humano.Desejamos que voc tenha muito sucesso neste componente curricular e em todo o curso.Bons estudos!Equipe Unoesc Virtual.

  • 8 tica e SociedadePLANO

    DE ENSINO-A

    PRENDIZAGEM

    PLANO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

    EMEN

    TA Conceituao (tica x moral). Fundamentos histricos e filosficos. Doutrinas ticas. Conflitos ticos da sociedade atual. tica e cidadania no Brasil. tica da diferena (diversidade cultural). Arqueologia da tica brasileira. tica e direitos humanos. Meio ambiente e tica.

    OBJETIVO GERAL

    COMPREENDER e ANALISAR a tica dentro do contexto scio-histrico, conside-rando suas diferentes concepes.OBJETIVOS ESPECFICOS

    PERCEBER as implicaes da reflexo tica no conjunto das aes sociais do homem.CONHECER o processo de construo histrico-social da moral.COMPREENDER a complexidade das questes ticas na sociedade.METODOLOGIAO componente curricular ser desenvolvido por meio do Portal de Ensino Unoesc, que a sala de aula virtual. As aulas sero acompanhadas por um grupo de profes-sores que presta assistncia metodolgica e pedaggica para o desenvolvimento da aprendizagem. Alm disso, o Guia de Estudo serve para orientar o aprendizado por meio de um dilogo, facilitando a compreenso dos contedos que sero trabalhados.

  • 9PLANO DE EN

    SINO-APREND

    IZAGEM

    tica e SociedadeFORMAS E MOMENTO DE AVALIAONa avaliao de aprendizagem do componente curricular so atribudas notas de zero a dez pontos, considerando-se as atividades avaliativas a distncia. Sero no m-nimo duas avaliaes por componente curricular, denominadas de AD e uma prova escrita individual, abrangente e presencial, denominada de AP, das quais resultar a nota da mdia semestral, denominada A1, com os seguintes pesos: As atividades avaliativas a distncia denominadas AD tero peso 4,0; A atividade avaliativa denominada AP ter peso 6,0. fundamental que voc leia as unidades de estudo deste componente curricular para realizar as atividades avaliativas!CRONOGRAMA

    EVENTO ATIVIDADE DATAIncio do componente curricular Aula presencial Leitura do programa de aprendizagem e orien-taes iniciais _______/______Unidade 1 Leitura da Unidade _______/______Realizao das atividades de autoavaliao _______/______Realizao das atividades avaliativas a distncia _______/______Unidade 2 Leitura da Unidade _______/______Realizao das atividades de autoavaliaoUnidade 3 Leitura da Unidade _______/______Realizao das atividades de autoavaliao _______/______Unidade 4 Leitura da Unidade _______/______Realizao das atividades de autoavaliaoUnidade 5 Leitura da unidade _______/______Realizao das atividades de autoavaliao _______/______Avaliao presencial (AP)Avaliao presencial (AP) 2 chamadaAvaliao presencial (A2) - Exame

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    PLANO DE EN

    SINO-APREND

    IZAGEM

    tica e SociedadeBIBLIOGRAFIA BSICA BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mnimo entre os humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2009.SANDEL, Michael J. Justia: o que fazer a coisa certa. 6. ed. Rio de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 2012.VALLS, lvaro Luiz Monteiro. O que tica. 3. ed. So Paulo: Brasiliense, 2004.BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTARSUNG, Jung Mo; SILVA, Josu Cndido da. Conversando sobre tica e sociedade. 17. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.TUGENDHAT, Ernst. Lies sobre tica. 6. ed. Petrpolis: Vozes, 2007.RIGOTTO, Germano. tica e desenvolvimento: caminhos para um novo brasil. Porto Alegre: Fundao Ulisses Guimares, 2006.PINSKY, Jaime; ELUF, Luiza Nagib. Brasileiro(a) assim mesmo: cidadania e pre-conceito. So Paulo: Contexto, 1993.OLIVEIRA, Manfredo Arajo de. Correntes fundamentais da tica contempornea. 4. ed. Petrpolis: Vozes, 2009.

  • UNIDADE 1A IMPORTNCIA DA TICA NA SOCIEDADE

    OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

    Ao final desta unidade, voc ter condies de: COMPREENDER a importncia da tica na sociedade; IDENTIFICAR os elementos que unificam as categorias ticas, o outro e a sociedade; REFLETIR sobre as implicaes ticas na vida cotidiana.ROTEIRO DE ESTUDOCom o objetivo de alcanar o que est proposto a esta unidade, o contedo est dividido nas seguintes sees:

    SEO 1A importncia do outro SEO 2A tica e a vida social SEO 3tica e sociedade na universidade

  • 12A IMPO

    RTNCIA DA

    TICA NA SOCI

    EDADEtica e Sociedade

    PARA INICIAR NOSSOS ESTUDOS

    Uma das capacidades mais requeridas pela sociedade atual a de conviver com as diferenas, sejam elas de ideias, comportamentos, atitudes, raas ou culturas.A vida em sociedade exige que reconheamos a importncia do outro e sejamos compreensi-vos, tolerantes e sensveis aos desafios que nos rodeiam!Como nossa cultura ainda muito individualista, precisamos de um longo caminho para nos tornar mais ticos. esse caminho que o convidamos a trilhar no componente curricular tica e Sociedade.Ento, vamos iniciar nossos estudos de tica e Sociedade? Para isso, precisamos entender por que se estuda a tica e em que momento surge a preocupao tica na sociedade. Inicialmen-te, vamos falar daquilo que o eixo central da tica: o reconhecimento do outro.

    SEO 1 A importncia do outro

    Com a correria do dia a dia, somos levados a nos preocupar bastante com ns mesmos. Nesta seo, vamos pensar sobre o papel que o outro ocupa em nossa vida.Quais os motivos de sua alegria ou tristeza? Procure fazer uma retrospectiva em sua memria emocional e destaque seus principais motivos de alegria e tristeza no dia a dia. Reflita sobre sua famlia, amigos, universidade. O que, em sua

    famlia, afeta os seus sentimentos? Se as condies financeiras so as melhores possveis, voc j se sente plenamente feliz? Vivemos grande parte da vida em funo de nossas necessida-des e desejos, mas por que ser que existe o ditado popular de que dinheiro no traz felicidade?Vamos auxiliar essas reflexes com uma dinmica? Escolha, para cada item, o que for solicitado.Um bem material muito importante para voc:_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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    A IMPORTNC

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    tica e SociedadeUm sonho que almeja:_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________Um local para onde gostaria de viajar:_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________Uma pessoa ou grupo de pessoas muito importantes na sua vida:_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Se voc precisar se desfazer de uma dessas coisas, qual ser? Elimine uma de suas escolhas.E se voc precisar abrir mo de mais duas coisas? Elimine ou-tras duas respostas.Enfim, o que restou? Essa dinmica nos ajuda a perceber o papel que o outro ocupa na nossa vida. Praticamente ningum se desfaz das pessoas, nesse exerccio. Geralmente, os grandes responsveis pelos nos-sos sentimentos de alegria ou tristeza provm das relaes que temos com as pessoas. Quantas vezes perdemos o sono ou no acordamos bem por ter algum problema de relacionamento interpessoal? Voc j se sentiu assim?Voc imaginaria a sua vida isolada dos outros? Enfim, o outro a causa de nossa alegria e de nossa tristeza, contribui e prejudica em nossa busca pelo sentido da vida. im-portante percebermos que nossa condio humana marcada

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    RTNCIA DA

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    EDADEtica e Sociedade

    Mas, quem o outro?

    pela incompletude e inacabamento; a todo o momento buscamos o outro, ou para partilhar, ou para nos completar como indivduos.Quantas vezes voc est desanimado, chateado, e ao conversar com outra pessoa parece ficar mais leve e tranquilo?Isso tudo nos ajuda a entender que o outro nos completa em nossos pensamentos e aes.

    O outro pode ser a pessoa que est sua frente, um familiar, um amigo, ou qualquer ser humano de qualquer raa e cultura, uma criana, um trabalhador, um portador de HIV. Podemos, tambm, compreender o outro como os animais e a nature-za; as ideias de outras culturas, de outras religies, de outros partidos polticos; o mundo exterior que se apresenta a ns a todo momento. O outro tambm pode ser a nossa prpria capacidade de reflexo, quando se volta sobre si mesma, anali-sa a conscincia, capta os apelos que nela se manifestam (dio, compaixo, solidariedade, vontade de dominao ou de coope-rao, sentido de responsabilidade) e percebe os seus atos e as consequncias que deles derivam; quando analisamos nossas prprias ideias (BOFF, 2003a).Em relao ao reconhecimento do outro, Boff (2003a) tam-bm se refere ao meio ambiente, ao planeta Terra, a tudo o que sai da nossa esfera individual. Reconhecer o outro-animal, o outro-natureza, na sua dignidade, reorganizar toda uma forma de ver o mundo, , como sugere o autor, produzir uma nova tica: A tese de base desta tica afirma que a lei suprema do universo a da interdependncia de todos com todos. Tudo est relacionado com tudo em todos os pontos e em todos mo-mentos. Ningum vive fora da relao. (BOFF, 2003a).Percebemos, assim, que o outro faz parte de nossa vida.A necessidade que temos de nos comunicar tambm evidencia a importncia do outro. Observe, atualmente, os sites de rela-cionamento e os programas de comunicao instantnea. Por que as pessoas buscam, de forma obsessiva, outros colegas, outras comunidades? Ser que isso no revela uma constante

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    A SOCIEDADE

    tica e Sociedadebusca pelo outro, s vezes ofuscada pela ideologia do individualismo competitivo da nossa sociedade?

    Por que precisamos tanto falar da importncia do outro para falarmos de tica?

    A base de toda a construo tica fundamenta-se nesta pressuposio: a tica sur-ge quando o outro emerge diante de ns. Boff (2003a) leva-nos a perceber que sempre temos uma postura diante do outro: ou nos distanciamos, ou nos aproximamos, ou ignoramos. nessa relao que so-mos considerados ticos ou no.A tica surge a partir do modo como se estabelece a relao com esses diferentes tipos de outro. Pode fechar-se ou abrir-se ao outro, pode querer do-minar o outro, pode entrar numa aliana com ele, pode negar o outro como alteridade, no respeitan-do-o, mas incorporando-o, submetendo-o ou, sim-plesmente, destruindo-o. (BOFF, 2003a).

    A todo momento estamos em relao com o outro, e isso nos ca-racteriza como seres morais moralmente bons ou ruins no h como negar essa condio humana; temos nossa dimenso moral.

    nossa dimenso relacional, o nosso ser social. Somos seres morais medida que vivemos em sociedade, que buscamos adaptar nossas aes ao meio em que vivemos, aos outros que nos circundam. Cada cultura, cada cdigo moral vai determinando um tipo de relao com o outro. Na antiga Palestina, os leprosos eram considerados impuros, por isso as pessoas deveriam ignor-los e romper relaes com eles. Isso fazia parte de uma regra moral aceita por todos.

    O que essa dimenso moral?

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    RTNCIA DA

    TICA NA SOCI

    EDADEtica e Sociedade

    Na caa s bruxas, durante a Idade Mdia, as mulheres eram consideradas demon-acas, portanto, podiam ser destrudas, mortas. As tribos maias, incas e astecas, na Amrica, tambm foram praticamente extingui-das pelos espanhis porque eram consideradas pags e inferiores.No incio da colonizao brasileira, negros e ndios podiam ser escravizados, eram considerados inferiores aos brancos. A relao do branco (proprietrio) com o ne-gro e o ndio era de dominao e submisso.Observe como a cultura e a moral de cada tempo determinam a forma como nos relacionamos com os outros.Como a sua relao com o outro? Com o outro diferente de voc, com o outro de outras raas,

    culturas, classes sociais? Como a sua cultura familiar o educou a se relacionar com o outro?

    Boff (2003a) nos alerta: O outro determinante. Sem passar pelo outro (que posso ser eu mesmo), toda tica anti-tica.As consideraes de Boff (2003a) nos levam a perceber que no podemos falar de tica sem antes resgatar o reconhecimento do outro em nossa vida pessoal. Hoje, isso se torna muito necessrio; nossa sociedade est mar-cada por um modelo de relaes predatrias, no qual o outro importante at o momento em que tem utilidade. Boff (2003a) afirma que nossa sociedade [...] magnifica o indivduo que constri sozinho sua vida. O que isso quer dizer? Que se costu-ma admirar, magnificar as pessoas que tm sucesso individual-mente, por intermdio da fama e da riqueza, mesmo que, para isso, acreditem que no precisam ser ticas, que h sempre um jeito para tudo, que podem usar a sua influncia para conseguir o que querem e que devem ser egostas!

    Se voc quiser aprofundar suas percepes sobre a importncia do outro na vida de cada um, assista ao

    filme Shyrlei Valentine. O filme narra a histria de uma mulher que durante, praticamente, toda a sua vida

    cuidou da casa e dos filhos, passa o dia s e tem uma relao muito diferente e peculiar com as paredes de

    sua casa.

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    A IMPORTNC

    IA DA TICA N

    A SOCIEDADE

    tica e Sociedade

    Consigo compreender que minha vida pessoal est vinculada sociedade? Tenho conscincia de que

    minhas aes individuais tm consequncias sobre o meio que habito? Por que nosso componente curricular

    se chama tica e Sociedade, e no apenas tica?

    Precisamos discutir a tica dentro da sociedade em que vive-mos, na qual buscamos concretizar nossas aspiraes individu-ais. Sociedade e indivduo formam um todo inseparvel; no h como negarmos essa relao entre aes individuais e socieda-de. Esta possui uma lgica de funcionamento que acaba deter-minando grande parte de nossas aes individuais.

    Antes de tentar entender o que seja a tica, devemos estar conscientes de que ela surge no momento

    em que aparece o outro, no momento em que reconhecemos nossa dimenso de vida social.

    Precisamos discutir a tica num mbito social; do contrrio, acreditaremos que cada um deve ter sua tica e no haver sociedade, mas um conjunto de

    indivduos lutando por interesses particulares. o que veremos na prxima seo.

    SEO 2 A tica e a vida social

    Mas, o que isso tem a ver com a tica?

    Basicamente, a relao que a sociedade tem com a tica que o meio social (econmico, poltico, cultural, educacional) de-termina e condiciona em grande parte o comportamento das pessoas. Para analisarmos eticamente o comportamento dos indivduos, precisamos, antes de tudo, analisar a relao entre as atitudes individuais e o meio onde esto inseridos.

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    RTNCIA DA

    TICA NA SOCI

    EDADEtica e Sociedade

    EXEMPLO

    Fonte: Um Mundo Mgico (2005).

    Figura 1 Tio Patinhas

    Como percebemos isso concretamente?

    Procure analisar a nossa sociedade capitalista: as ideias presentes no mundo publi-citrio, no cinema, na televiso esto centradas na busca pelo sucesso.Voc lembra do desenho do Pica-pau? Que ideias esse personagem transmite? Que devemos obter sucesso a qualquer custo. E o Tio Patinhas? Para ele, ganhar dinhei-ro o mais importante.

    A lgica da sociedade capitalista assenta-se sobre a busca ilimitada pelo dinheiro e pelo sucesso. Se voc tem uma casa, vai querer melhor-la, ampli-la; depois vai querer comprar mais uma. Voc acha que em nossa sociedade algum diria que j tem dinheiro suficiente para viver? Dificilmente. As pessoas sempre se consideram insatisfeitas e canalizam seus desejos para acumular e consumir, independentemente de a sociedade estar com altos ndices de misria e de pobreza.A sociedade constri modelos de relaes entre as pessoas, es-tabelece normas de convivncia. Nas grandes capitais, comum tropear em algum dormindo nas caladas, faz parte do coti-diano da cidade haver crianas pedindo dinheiro nas ruas; essa indiferena comea a fazer parte do costume, da vida cotidiana.

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    A IMPORTNC

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    A SOCIEDADE

    tica e Sociedade

    Por esses e outros motivos, no podemos discutir tica sem antes entender a lgica de funcionamento da sociedade em que vivemos.

    Fonte: Rulli (2005).

    Figura 2 Criana de rua

    Estudamos tica e sociedade, justamente, porque a sociedade determina valores, princpios, normas e regras de sobrevivn-cia e convivncia.Uma reflexo tica precisa entender as concepes de homem e de sociedade; em cada perodo histrico, h uma ideologia vigente que norteia o comportamento dos indivduos, por isso a tica se fundamenta em uma anlise filosfica e sociolgica. Na sociedade medieval, o comportamento das pessoas estava pautado em bases religiosas. O medo e a concepo de peca-do eram fundamentados na ideia de que Deus estava sempre vigiando as atitudes humanas. As pessoas temiam ir alm dos limites impostos pelas regras sociais. O bem e o mal, Deus e o demnio estavam sempre presentes no imaginrio das pessoas.Outra importante caracterstica da sociedade medieval era a ligao entre poder terreno e divino. As pessoas acreditavam que o Rei ou Imperador possua ligao direta com Deus, por isso o respeito e a obedincia aos governantes eram algo incon-testvel.Voc percebeu que o limite e a obedincia foram fatores que marcaram a sociedade medieval? Isso acabava determinando comportamentos e atitudes das pessoas.

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    TICA NA SOCI

    EDADEtica e Sociedade

    E a sociedade moderna, que tipo de transformao ela traz?

    A primeira grande transformao que a religio perde espao e o homem passa, lentamente, a assumir o lugar de Deus. No perodo medieval, as pessoas acredita-vam que o Paraso, a plenitude da felicidade, viria aps a morte, e que nesta vida deveriam suportar as privaes e o sacrifcio. O advento da modernidade faz com que a razo humana passe a ocupar o lugar da f e da crena em Deus. Outra gran-de transformao da sociedade moderna a perda do limite e a busca pelo infinito, tanto do conhecimento quanto do lucro. A Igreja, que no perodo medieval atuava como inibidora de atitudes, vai perdendo espao na sociedade moderna.

    Enfim, como percebemos, a sociedade est em constante trans-formao, alterando seus valores, crenas, concepes de certo e errado e, consequentemente, a moral e a tica.A universidade busca formar pessoas e est inserida em uma sociedade, por isso surge o desafio: que modelos de ser humano

    e de profissional esto presentes em nossa sociedade? Quais os valores morais e ticos de nossa sociedade? Quais atitudes so fundamentais em um profissional que atua na sociedade do sculo XXI? Essa uma das muitas razes, como voc percebeu, de estudar-mos tica e sociedade na universidade.

    SEO 3 tica e sociedade na universidade

    Na seo anterior, procuramos esclarecer que no possvel estudar a tica desvinculada da sociedade.Por que estudar tica e sociedade na universidade? O que

    isso tem a ver com minha profisso?

    Muitos cientistas do sculo XIX acreditavam que a cincia deve-ria aprimorar seus inventos e descobertas, debruar-se apenas sobre seu campo especfico do saber para evoluir a partir de suas prprias pesquisas.

    Sabe qual foi o resultado disso?

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    A IMPORTNC

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    A SOCIEDADE

    tica e SociedadeO lanamento da bomba atmica em Hiroshima e Nagasaki, a morte de milhares de judeus em campos de concentrao, a dizimao de tribos africanas e indgenas, a degradao ambiental quase irreversvel, a desigualdade de renda, a excluso social.O conhecimento cientfico que no leva a tica para dentro de sua rea especfica corre o risco de desenvolver srios prejuzos sociedade e a todo o planeta Terra. Os acontecimentos citados tiveram como causa principal a crena de que a cincia possui poderes absolutos e sempre fonte de verdade e de certeza. A produo do conhecimento, em qualquer rea, precisa discutir e refletir sobre

    a relao do conhecimento com a realidade, com a sociedade. O profissional, pro-fessor ou aluno, deve sempre levantar questes sobre a sua rea de conhecimento: para quem se destina esse conhecimento? Qual a sua finalidade?

    Quem pode ser beneficiado ou prejudicado com a sua aplicao? Por que estamos realizando pesquisas e descobertas nessa rea?Essas questes so necessrias, pois discutem a finalidade do conhecimento e sua relao com a sociedade, com as pessoas, com o presente e o futuro da sociedade.

    O conhecimento pode ser utilizado tanto para o benefcio quanto para o malefcio da sociedade. De acordo com a forma com que empregarmos o conhecimento aprendido na univer-

    sidade, poderemos ser timos ou pssimos profissionais. O que nos conferir excelncia profissional na nossa rea, alm dos conhecimentos tcnicos, o modo como utilizaremos esses conhecimentos.

    A universidade precisa buscar respostas para os desafios do sculo XXI, to complexos que um campo do conhecimento no pode alcan-los sozinho, por isso da necessidade de abertura e dilogo, de rever posturas profissionais e acadmicas que no sculo XX eram tidas como verdadeiras.

    Mas, quais so os desafios?

    A fome, a misria, novas doenas...Esses desafios globais que afetam nossa realidade local no podem ser enfrentados e resolvidos por uma nica cincia, possuem grande dimenso socioeconmica, ambiental, polti-ca. Portanto, o profissional do sculo XXI precisa dialogar com

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    TICA NA SOCI

    EDADEtica e Sociedade

    outras reas do conhecimento. Precisa, assim, reconhecer a importncia do outro, do outro-profissional, do outro-cincia.

    Os desafios do terceiro milnio possuem alto grau de complexidade, de inter--relaes e interdependncias. O profissional da Economia no consegue resolver

    sozinho o problema da fome; o profissional da Educao no consegue educar

    sozinho; o profissional da Sade no consegue, sozinho, garantir sade a todos; o

    profissional do Direito no consegue, somente por meio da lei, criar uma sociedade

    justa e organizada; o profissional de Engenharia precisa discutir as finalidades de

    sua tcnica numa perspectiva humana e social. Nenhum desses profissionais conse-gue resolver sozinho todos esses problemas. Em razo de um perodo acentuado de especializao, a cincia acabou se fechando no seu objeto de conhecimento e perden-do um pouco a relao com a sociedade e com outras reas do saber. muito comum encontrarmos algumas cincias conside-rando-se superiores a outras, ou profissionais que se fecham ao

    dilogo com outros profissionais por consider-los inferiores ou pouco relevantes. Assim, a tica nos convida a reconhecer a importncia do di-logo e da conscincia do inacabamento, porque nunca estamos prontos, sempre precisamos aprender com o outro diferente. Autoavaliao 11 Qual a importncia da tica no meio em que voc vive? Como a

    tica pode contribuir para a melhoria desse lugar, desse ambiente?____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________2 A tica surge no momento em que aparece o outro. Por que o outro o centro da tica? Assinale V para as alternativas verdadeiras e F para as falsas:( ) Porque o outro aquele que nos julga se agimos corretamente ou no.( ) Porque somente quando estamos diante do outro que podemos ser ou no considerados ticos.( ) Porque o outro sempre nossa referncia de certo ou errado.( ) Porque diante do outro sempre precisamos tomar uma atitude, po-demos nos fechar a ele, abrir-nos ou neg-lo, ou seja, essa relao que ser ou no tica.

  • 23

    A IMPORTNC

    IA DA TICA N

    A SOCIEDADE

    tica e SociedadeNesta Unidade, refletimos sobre a dimenso social de nossa vida. Em uma sociedade marcada pelo individua-lismo, antes de definir o que tica e moral, precisamos reconhecer a importncia e a presena do outro na nos-sa vida, precisamos reconhecer nossa interdependncia, na qual vamos construindo e definindo nosso ser moral, nossa forma de nos relacionar com o outro. De acordo com nossas preferncias, vamos incluindo e excluindo pessoas de nosso convvio. Definimos nosso crculo de amigos e pessoas indesejveis a partir de nossos crit-rios do que seja uma pessoa boa e ruim, assim deter-minamos nossos valores morais. Cada sociedade define e determina alguns valores e crenas, e isso influencia muito a forma como as pessoas vivem em sociedade.Na universidade, precisamos incluir a tica na produ-o e na construo do conhecimento. Um conhecimen-to sem tica pode se tornar prejudicial sociedade, bem como um profissional sem tica pode no ser conside-rado bom, por mais conhecimento tcnico que possua.A prxima Unidade nos ajudar a compreender melhor a relao entre a tica e a sociedade e como ocorre a construo dos valores morais.

  • UNIDADE 2TICA, MORALE CULTURA

    OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

    Ao final desta unidade, voc ter condies de: COMPREENDER o que tica e cidadania no contexto atual, percebendo diferentes implicaes ticas e morais nas condutas sociais; IDENTIFICAR a cultura e suas implicaes no convvio social; PROPICIAR uma reflexo sobre as questes atuais que envolvem preconceitos, discriminao, violncia e valores.ROTEIRO DE ESTUDOCom o objetivo de alcanar o que est proposto a esta unidade, o contedo est dividido nas se-guintes sees:

    SEO 1tica e Cidadania SEO 2A cultura, a moral e a violncia

    SEO 3Preconceito e discri-minao: violncia contra o outro dife-renteSEO 4Os valores morais e a liberdade de conscincia

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    tica e SociedadePARA INICIAR NOSSOS ESTUDOSNesta Unidade, voc vai saber como a nossa educao cultural contribui ou no para sermos mais ticos, como viver como cidados e como somos educados na relao com o outro, principalmente com o outro de cultura diferente.Para compreender a importncia do outro e o modo como a cultura determina essa relao, vamos fazer uma reflexo sobre a tica e a cidadania, a conduta moral, a forma pela qual os indivduos concebem o certo e o errado numa determinada cultura e num determinado tempo e como se estabelecem relaes com diferentes usos e costumes na sociedade atual.Vamos l?!

    Na atualidade, h questionamentos em torno do que essencial e do que secundrio para um convvio social harmnico, o que leva a so-ciedade, por diversas vezes, a uma inverso de valores e sentimentos.Embora esses questionamentos paream mais latentes na atuali-dade, segundo Boudoux (2014, p. 1), Na verdade eles nasceram no momento em que o homem passou a viver em sociedade e, para tanto, comeou a perceber a necessidade de regras que regula-mentassem esse convvio. Diante da necessidade de regular o con-vvio, aos poucos vo surgindo normas e regras, a fim de se obter o bom relacionamento social. Desse contexto emerge a tica, que ser objeto de nosso estudo, quanto prtica da cidadania.A tica vem sendo estudada, desde os tempos da Grcia antiga at o presente, com o mesmo interesse, porque um fenmeno humano e, como tal, mutante, uma vez que a evoluo humana uma constante.A tica questiona valores a partir do modo de ser de determinado grupo ou sociedade, que produz determinada cultura com intuito de viver bem e buscar a felicidade. Ela busca indicar, por meio de comparaes, mudanas que podem ocorrer no comportamento das pessoas e nas prprias regras de convivncia. Isso explica a dinmica do desenvolvimento tico.A tica considera o interesse da sociedade como um todo, en-quanto a moral se preocupa com o que bom ou ruim para determinado grupo. A tica indica o que mais justo ou menos

    SEO 1 tica e Cidadania

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    injusto perante as escolhas que temos que fazer, as quais podem afetar ou no as situaes cotidianas.A tica j fazia parte do estudo da filosofia, especialmente a de ascendncia grega, e, du-rante toda a histria, muitos pensadores se ocuparam em entend-la, esclarec-la e at conceitu-la, sempre visando melhoria nas relaes sociais. As normas ticas revelam a melhor forma de o homem agir e relacionar-se com a sociedade e consigo mesmo.Segundo Boudoux (2014, p. 1), Scrates, considerado o pai da filosofia antropolgi-ca, relaciona o agir moral com a sabedoria, afirmando que s quem tem conhecimen-to pode ver com clareza o melhor modo de agir em cada situao. Podemos, ento, deduzir que a preocupao com o modo de viver em sociedade constante, e, assim como a teoria socrtica, muitas outras foram formuladas ao longo da histria de alguma forma para a melhoria do agir humano e, consequentemente, para o exerccio da cidadania e para o bom convvio social. Lembre-se de que na Grcia, a escravido era prtica comum e indiscutvel; hoje, abominvel. No entanto, podemos perceber que outras formas de escravido surgiram e que, do ponto de vista tico, tambm no so aceitveis, e, embo-ra as formas e as compreenses tenham evoludo, o que contraria a dignidade humana ser sempre motivo de rejeio.Diante do atual cenrio poltico-social-cultural no qual nos in-serimos, percebe-se a necessidade de um estudo e aplicao de normas ticas, para que se possa recuperar formas dignas de con-vivncia, haja vista tanta violncia contra a pessoa e o patrimnio pblico ou privado.

    Ento, perceba que sem uma retomada dos princpios fundamentais basilares, ou seja, dos valores perenes de

    justia, responsabilidade, honestidade, legitimidade, liberdade, entre outros tendo sempre como pano de

    fundo a vida como o valor primordial, em todas as suas manifestaes no se vislumbram melhores condies

    de qualidade de vida, e sem um reposicionamento favorvel ao desenvolvimento da vida plena, no h

    como fazer acontecer o desenvolvimento de um povo, de uma nao, de um pas.

    Situando a tica

    tica a parte da filosofia que se ocupa com o estudo do com-portamento humano, no que se refere prtica dos valores que norteiam o destino humano e investiga o sentido que o homem atribui s suas aes na busca da verdadeira felicidade, para alcanar o bem viver, no sentido grego.

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    tica e SociedadeVeja o que alguns autores dizem sobre isso:Para Vasconcelos (2011, p. 199), A tica, tambm vista como julgamento do ca-rter moral de uma pessoa, aplicada em diversos setores da sociedade, entre os quais, economia e poltica, assim como nas situaes do dia a dia. Assim, a tica, desde os tempos remotos at hoje, uma necessidade premente e est sempre presente no cotidiano, pois em todas as nossas relaes e atos, em algum grau, utilizamos nossos valores de vivncia tica. Assim, eles nos auxiliam e facilitam os relacionamentos, porque os valores praticados para o bem nos fazem ver e sentir que estamos avanando, progredindo em direo a um mundo melhor.Conforme Vzquez, as doutrinas ticas fundamentais nascem e se desenvolvem em diferentes pocas e sociedades como respostas aos problemas bsicos apresenta-dos pelas relaes entre os homens e, em particular, pelo seu comportamento moral efetivo. Pode-se constatar que uma moral primitiva surgiu com o prprio homem, na qual a sobrevivn-cia bsica se constitua na norma tica fundamental. A Moral Tribal se resumia em trabalhar para comer, matar para no morrer. Dessa forma, podemos compreender que cada tempo e cada lugar gera seus prprios costumes, modos de vida e jeito de viver.Em um sentido amplo, a tica engloba um conjunto de valores que se traduzem em regras e preceitos de ordem valorativa, que esto ligados prtica do bem e a evitar a prtica do mal, apro-vando ou desaprovando a ao dos homens de um grupo social ou de uma sociedade inteira.A palavra tica, derivada do grego ethos, significa comporta-mento, que, segundo Boff (2000), pode ser tambm traduzida por [...] morada moradia no como algo acabado, mas aberto a ser feito. Heidegger atribui ao termo ethos o significado de morada do ser. Para Aristteles, o centro do ethos (moradia) a felicidade, para Plato, o bem. De qualquer forma, a tica se si-tua no convvio humano como a forma de conduta, no qualquer conduta, mas aquela que conduz o homem prtica dos bons costumes, que edificam o humano, distanciando-se da barbrie,

    da brutalidade e do confinamento egosta da vida.

    Voc compreendeu esses conceitos?

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    Em caso negativo, melhor voltar e retomar a leitura, ou solicite ajuda ao professor tutor. Perceba que a tica pode ser interpretada e traduzida em atos de duas for-mas: tica normativa e metatica. A primeira prope e estabelece os princpios da conduta correta, enquanto a segunda investiga o uso de conceitos como bem e mal, certo e errado, virtude e vcio, etc.Em razo dos valores estabelecidos pela conscincia do ser humano, a tica pode ser entendida como objetiva e subjetiva. A primeira pressupe que os valores so constitudos individualmente, impossibilitando formas de colocar valores para os outros, enquanto na segunda, os valores so vlidos para todos os seres humanos, tornando todos seus defensores.O estudo da tica quer demonstrar que a conscincia moral nos inclina para o caminho da virtude, que seria uma qualidade prpria da natureza humana, de praticar o bem e evitar o mal. Portanto, um homem somente ser tico se, necessariamente, for virtuoso, ou seja, praticar o bem usando a liberdade com responsabilidade constantemente. Lembrando que a liberdade tem a mesma extenso da responsabilidade. No h como se ter liberdade sem responsabilidade; portanto, no podemos con-fundir liberdade com libertinagem (praticar atos sem a devida responsabilidade).Podemos dizer que:Dessa forma, percebe-se que o agir depende do ser. A caneta deve escrever, de sua natureza escrever; a gua deve ume-decer, hidratar, pois de sua natureza faz-lo, e ela deve agir dessa forma, no se pode esperar outra ao se no esta. Logo, a nica obrigao do homem ser virtuoso, de sua natureza ser virtuoso e agir como homem, ser humano. Infelizmente, o mal que nos tem assolado o de homens que no agem como tal (desumanizados).Ainda, segundo Boudoux ([20--]), Os preceitos ticos de um grupo ou de uma sociedade so baseados em seus valores, princpios, ideais e regras, que se consolidam durante a for-mao do carter do ser humano em seu convvio social [...] Concordando com o autor, pode-se acrescentar que, de acordo com o conjunto de valores praticados pelo grupo, certamente fomentar-se- a cultura do grupo e de cada membro individual que pertence a esse grupo, podendo-se esperar comportamento similar de todos os seus membros. Ento, para mudar ou criar valores, no basta um indivduo do grupo querer, mas que

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    tica e Sociedadehaja um contgio que atinja a maioria. Deduz-se, dessa forma, que a formao de valores passa pela formao cultural, que na maioria das vezes se baseia no senso comum de um grupo.Percebeu, ento, que a formao de conceitos se baseia no senso comum da socie-dade, pois sentido por toda uma comunidade, um povo ou uma nao, inferindo--se que cada indivduo, embora seja influenciado pelo grupo com o qual convive,

    pode e deve, tambm, influenciar o grupo, fazendo a simbiose na construo da sociedade do futuro. Agora, pergunta-se: para qual sociedade do futuro esto sendo voltadas as aes humanas?As prticas humanizadas certamente conduziro a um futuro de boas possibilida-des (prtica de valores bons virtudes) ou ento, diferente disso, sem destino e sem rumo.Quando se trata de tica como algo presente no convvio huma-no, no se quer dizer que j se nasa assim, com a conscincia plena do que bom ou mau. Essa conscincia existe, mas se desenvolve somente mediante o relacionamento, o convvio com o meio social, introjetando a cultura e autodescobrindo-se como membro desse grupo. Nas palavras do intelectual baiano Divaldo Franco (apud BOU-DOUX, 2014), A conscincia tica a conquista da iluminao, da lucidez intelecto-moral, do dever solidrio e humano.Podemos afirmar, sem sombras de dvidas, que a tica funda-mental para termos uma vida plena, uma vez que se situar na vida cotidiana basilar, porm, somente quando h coragem para se decifrar como um ser confiante na prpria vida, no amor como a maior manifestao do ser humano no grupo social , com respeito por si e pelo outro e, principalmente, aliado verdade, estando acima de quaisquer interpretaes, ideias ou opinies.Situando a moral

    Segundo Boudoux (2014) e Boff (2000), o termo moral deriva do latim mos-mores e significa costumes, valores de determi-nada cultura. Portanto, a moral a ferramenta de trabalho da tica. Assim, desempenha o papel primordial de gerar juzos de valor para o grupo que a pratica, pois, sem juzos de valor aplica-dos pela moral, seria impossvel determinar se a ao do homem boa ou m, uma vez que quem percebe, faz ou sofre a ao sempre algum intrinsecamente ligado a um grupo humano.

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    A moral o conjunto de normas, livres e conscientes, adotadas, que visam orga-nizar as relaes humanas, tendo como base o bem e o mal, com vistas aos costu-mes sociais praticados em determinado local e por determinado tempo, podendo estender-se de forma mais duradoura e tambm abrangendo maiores espaos, dependendo da aceitao ou da rejeio de acordo com costumes e/ou hbitos praticados.Lembre-se de que apesar de serem semelhantes, e por vrias vezes se confundirem, tica e moral so termos

    aplicados diferentemente. Enquanto o primeiro trata o comportamento humano como objeto de estudo e norma-tizao geral e ampla, o segundo se ocupa de atribuir um valor ao local e imediata, e diz respeito aos costumes

    e hbitos praticados por grupos mais restritos. Como exemplo, pode-se citar o aborto, tomado em sentido geral,

    que tratado como antitico, pois atenta contra a vida e, portanto, fere um valor fundamental. Por outro lado,

    tratando-se de situaes particulares (fecundao resul-tante de um estupro, ou uma m-formao congnita), o

    aborto pode ser moralmente aceito. H pases que adotam a prtica de aborto como ato de controle de natalidade,

    portanto, naquele pas abortar moral.Note que o valor moral tem como referncias as normas e os conceitos do que vem a ser o bem e o mal, baseado em um senso comum de determinado grupo. Isso significa que a moral possui um carter subjetivo, que faz com que ela seja influenciada por vrios fatores (sociais, histricos, geogrficos, etc.), o que altera os conceitos morais de um grupo para outro. Observa-se, ento, que a moral dinmica, quer dizer que ela pode mudar seus juzos de valor de acordo com o contexto em que esteja inserida.Aristteles, em seu livro A Poltica, descreve que Os pais sem-pre parecero antiquados para os seus filhos. Essa afirmao demonstra que, na passagem de uma gerao familiar para outra, os valores morais mudam radicalmente. Outro exemplo o de que quando est em veraneio na praia, um casal de na-morados pode passear tranquilamente, ela vestida apenas com biquni e ele com uma sunga, que ningum ir estranhar ou molest-los por causa disso. Porm, se esse mesmo casal for para a faculdade com esses trajes, certamente ser censurado por isso. Essa mudana de comportamento e juzo de valor provocada, simplesmente, pelo meio geogrfico.Conforme nos ensina Boudoux (2014, p. 3):

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    tica e SociedadeO ato moral tem em sua estrutura dois importantes aspectos: o normativo e o factual. O normativo so as normas e imperativos que enunciam o de-ver ser. Ex.: cumpra suas obrigaes, no minta, no roube, etc. Os factuais so os atos humanos que se realizam efetivamente, ou seja, a aplicao da norma no dia a dia no convvio social.

    O ato moral tem consequncias medida que afeta no somente a pessoa que pra-tica, mas tambm aqueles que a cercam e a prpria sociedade. Ento, para que um ato seja considerado moral, ou seja, julgado como bom, deve ser livre, consciente, intencional e solidrio.Podemos afirmar que do ato moral decorre a responsabi-lidade, exigindo da pessoa que assuma as consequncias por todos os seus atos, livre e conscientemente, para que

    seja considerado bom, salutar, construtivo.

    Por todos os aspectos aqui abordados, pode-se concluir que os valores do que vem a ser bom ou justo e, aliando-se diversi-ficao de informaes culturais que o mundo contemporneo globalizado nos revela em uma velocidade espantosa, a tica e a moral tornam-se cada vez mais importantes, exigindo que sua aplicabilidade se torne cada vez mais adequada ao contexto em que est inserida.

    Fique atento! Isso pode ajud-lo. Leia o que Boudox (2014) sintetiza:

    Alguns diferenciam tica e moral de vrios modos:

    tica princpio, moral so aspectos de condutas especficas;

    tica permanente, moral temporal;

    tica universal, moral cultural;

    tica regra, moral conduta da regra;

    tica teoria, moral prtica.

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    Situando a cidadania

    O termo cidado tem origem em cidade, habitante da cidade, parafraseando a Gr-cia antiga que tinha na plis (cidade) a vida comunitria regrada, cujo habitante era o poltico, (vivia dentro da plis cidades gregas cercadas de muros). Logo, cidado aquele que vive e participa da vida da cidade. Cabem, aqui, refle-xes e anlises sobre como viver na cidade, ter vida cidad. Pode-se viver na cidade como morador apenas, sem estar comprometido com ela, ocupando espao apenas para usufruir do que a cidade proporciona; ou ento ser ativo, fiscalizar, tomar par-te dos projetos, das decises, enfim, da vida da cidade.

    Cidado no sentido tico significa aquele que participa da vida da cidade, no apenas como morador, mas como sujeito ati-vo, que influencia nos rumos dela e toma como sua funo ser atuante. Logo, a conduta do cidado deve pautar-se em alguns princpios (tica) traduzidos em atos (moral), que a maioria aceita e pratica. O cidado questiona os atos, as atitudes e os fa-tos oriundos do exerccio dirio da convivncia grupal e procura as solues mais adequadas. Assim, todos os conviventes de um grupo social tm em comum prticas que devem conduzir ao bom convvio e atender aos objetivos sociais presentes. Nas sociedades democrticas atuais, prope-se que h deveres e direitos oriundos das prticas sociais, e que cada indivduo est ao mesmo tempo sujeito s regras morais (locais) e aos valores ticos gerais. Quando no h conscincia dos deveres e direitos do cidado, por ignorncia do prprio cidado ou por subter-fgios que prestigiam uns e penalizam outros, percebe-se de forma mais ntida que a necessidade da tica premente.No h como exercer cidadania sem a conscincia de deveres e direitos, os quais afloram quando o acesso ao conhecimento disponibilizado e facilitado a cada um dos convivas de determi-nado grupo ou sociedade. Ento, cidadania amplia-se medi-da que franqueada a participao na construo do prprio conhecimento e no desenvolvimento cultural coletivo.

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    tica e SociedadeA cidadania plena pode ser utopia, mas sua constante evoluo certamente conduz a melhores condies de convivncia e de vida digna. Cidadania plena implica

    assumir papis sociais com vistas ao coletivo, por meio de aes individuais. Cada um precisa contribuir

    manifestando suas ideias, seus conhecimentos e, principalmente, praticando aes que elevem a dignidade humana, ou seja, aes que gerem a

    melhoria da qualidade de vida, no apenas da sua, mas da coletividade.

    TICA E CIDADANIA NO COTIDIANOO Brasil ainda caminha a passos lentos no que diz respeito ti-ca e cidadania, principalmente no cenrio poltico e social, que se revela a cada dia. Porm, inegvel o fato de que realmente a moralidade tem avanado, mas ainda muito aqum do desejado (BOUDOUX, 2014).Vrios fatores contriburam para a formao desse quadro ca-tico. Entre eles, os principais so os golpes de Estados Golpe de 1930 e Golpe de 1964 e at mesmo as polticas pblicas adotadas pelos governos em tempos de democracia. Durante o perodo em que o pas viveu uma ditadura militar e a democra-cia foi colocada de lado, o cidado teve seus direitos suspensos, a liberdade de expresso foi calada e o medo tornou-se constan-te, tirando o mpeto de repudiar, de protestar e at de expressar--se livremente. Tivemos a suspenso do ensino de filosofia e, consequentemente, de tica nas escolas e universidades. Como consequncia dessa srie de medidas arbitrrias e autoritrias, nossos valores morais e sociais foram se perdendo, levando a sociedade a uma apatia social, sendo estabelecidos os valores que o Estado queria impor ao povo, ou seja, a vontade de poucos prevaleceu sobre a vontade da maioria.Na atualidade, estamos presenciando ensaios de liberdade cida-d no que diz respeito aplicabilidade das leis e da tica no po-der: os crimes de corrupo e de desvio de dinheiro esto sendo mais investigados e punidos, mesmo que com a lentido tpica da justia brasileira, a prpria polcia tem trabalhado com mais liberdade de atuao e tem se policiado em prol da moralidade e do interesse pblico, o que tem levado os agentes pblicos a refletir mais sobre seus atos antes de comet-los.

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    Essa democracia, implantada como democracia brasileira, foi especialmente efe-tivada aps a promulgao da Constituio de 1988. Etimologicamente, o termo democracia vem do grego demokrata, em que demo significa governo e krata,

    povo. Logo, a definio de democracia governo do povo. Se isso fosse levado a srio, por si s j garantiria, de certa forma, o uso da tica nas relaes de poder, governo e governado. Ento, teramos a democracia conferindo ao povo o poder de influenciar na administrao do Estado por meio do voto, porque o povo que determina quem vai ocupar os cargos de direo do Estado. Decorre, ento, que se insere, nesse contexto, a responsabilidade tanto do povo, que escolhe seus diri-gentes, quanto dos escolhidos, que devero prestar contas de seus atos no poder (BOUDOUX, 2014).

    Aqui, segundo relata Boudoux (2014, p. 4):A tica tem papel fundamental em todo esse pro-cesso, regulamentando e exigindo dos governantes o comportamento adequado funo pblica que lhe foi confiada por meio do voto, e conferindo ao povo as noes e os valores necessrios para o exerccio de seus deveres e cobrana dos seus di-reitos. E por meio dos valores ticos e morais de-terminados pela sociedade que podemos perce-ber se os atos cometidos pelos ocupantes de cargos pblicos esto visando ao bem comum ou ao inte-resse pblico.

    Como podemos inferir, o cidado tem influncias determinantes nos rumos dos destinos da sociedade a que pertence somente se exercer de forma consciente seu poder tanto na escolha quanto na fiscalizao dos atos de seus eleitos.Ento, na atual democracia brasileira h ainda muito por fazer, tanto por parte dos cidados quanto por parte dos governantes. Porm, o futuro ser da forma como decidirmos, nesse nterim. Se for de acordo com a tica, certamente, vislumbram-se melho-res dias, caso contrrio, as dificuldades tendero a aumentar.

    EXERCCIO DA CIDADANIASegundo Boudoux (2014):Todo cidado tem direito a exercer a cidadania, direito esse garantido constitucionalmente nos princpios fundamentais de cada um. O exerccio dos direitos de cidado est vinculado a exercer tambm os seus deveres de cidado. Por exemplo, quem

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    tica e Sociedadedeixa de votar no ter nenhuma autoridade em cobrar nada do governante que est no poder, afinal, esse sujeito se omitiu do dever de participar do processo de escolha de seu governante e, assim, com essa atitude, abriu mo tambm dos seus direitos.Deveres e direitos andam juntos no que diz respeito cidadania. No se pode que-rer exigir um direito sem que antes tenha executado o dever a ser cumprido. uma via de mo dupla: seus direitos aumentam na mesma proporo de seus deveres perante a sociedade.Constitucionalmente, os direitos esto garantidos, tanto individuais quanto coleti-vos, sociais ou polticos, porm, so precedidos de responsabilidades que o cidado deve ter diante da sociedade. Assim como a Constituio garante o direito pro-priedade privada, exige que o proprietrio pague os tributos que o exerccio desse direito gera, e o pagamento dos impostos devidos, consequentemente, ser reverti-do em seu benefcio.Exercer a cidadania tem por consequncia ser responsvel e agir com tica, assumin-do as consequncias de seus deveres enquanto cidado inserido no convvio social.Portanto, o caminho que leva a tica passar da teoria prtica fazer com que cada um sinta que tem crdito e que suas opinies no so apenas ouvidas, mas tambm valorizadas, e suas ideias aceitas, entendidas e levadas a srio. Assim, a confiana gerada engloba todos os envolvidos na ao, sejam governantes ou go-vernados, sejam subalternos ou superiores.Boudoux (2014, p. 3) enfatiza e sintetiza que a conduta tica gera uma perspectiva que provoca um natural desejo de se antecipar, de ter iniciativas para atender s necessidades da sociedade e das pessoas que nela convivem, como fruto de sua sensibilidade tica e, assim, provoca atitudes proativas em vista do bem comum. A sociedade constituda de seres humanos que buscam o bem comum como ideal, como fim, nascendo disso o respeito dignidade de cada pessoa, e o meio para alcanar esse fim a prtica das virtudes. Virtudes so qualidades que capa-citam as pessoas a encontrar motivos para agir de acordo com o bem. Sem obrigatoriedade, apenas exercitando sua liberdade, a pessoa virtuosa sempre procura escolher o que bom, certo e correto. So as virtudes e os vcios que caracterizam as pessoas. Dessa forma, os valores, se no traduzidos em aes, perdem seu sentido. As virtudes so valores transformados em aes.

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    TURAtica e Sociedade

    O modo de agir uma consequncia do modo de ser. A pessoa que se exercita na prtica de virtudes tem uma conduta de vida e deixa transparecer em sua atuao, quer como profissional quer como cidado, os valores que cultiva em sua vida pes-soal. Assim, as virtudes so essencialmente hbitos bons que, para florescer, devem ser praticados. As organizaes e, especialmente, as instituies de educao tm a responsabilidade de promover, incentivar e encorajar o comportamento tico.

    tica, moral e cidadania no so partes de um todo, mas um todo inseparvel de compreenses, atos e atitudes que

    devem nortear a convivncia dos grupos humanos, nas suas relaes pessoais, interpessoais, subjetivas e objetivas, para

    que haja uma evoluo constante da humanizao do am-biente vital humanoNo h como mudar os rumos da sociedade sem mudanas de atitudes, com o comprometimento individual e grupal numa direo comum, cujo pice seja a elevao da dignidade da es-pcie humana.Considerando a diversidade humana em suas manifestaes socioculturais, somente o elo comum da espcie pode servir de parmetro para orientar as aes e atitudes no dia a dia: o uso

    da racionalidade, cuja prtica deve estar pautada na reflexo a

    priori e a posteriori, ou seja, refletir antes de tomar decises e, depois, sobre os efeitos delas. Assim, pode-se evitar os efeitos dos atos impensados, dos atos tomados sob o mpeto do mo-mento, ou at mesmo daqueles realizados sob efeito de fortes impulsos emocionais ou de motivos involuntrios. A condio humana real de agir de acordo com a racionalida-de (uso da razo), porm, a racionalidade sofre influncias do meio e constitui-se a partir dos valores ali praticados. Dessa forma, no basta uma ao cidad local, mas preciso ampliar a todas as esferas da sociedade. Para tanto, necessrio que cada um atue a partir de onde se encontra de forma direta ou indire-ta como cidado consciente de seus deveres e direitos. Para ser cidado no basta votar e eleger um candidato a um cargo pblico. preciso conhecer a histria de comprometi-mento com a coisa pblica desse candidato, preciso ter acesso a ele enquanto atuar, seja na criao, aplicao ou execuo das leis que afetam a cada um de ns no cotidiano. O servidor p-blico precisa cumprir seu papel de servir ao pblico na funo para que fora investido, e o cidado comum, cumprir com suas

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    tica e Sociedadeobrigaes de contribuir com os impostos, mas tambm exigir os servios pbli-cos eficientes que o poder pblico tem obrigao de devolver ao contribuinte com seriedade ao gerir os recursos.

    SEO 2 A cultura, a moral e a violncia

    Voc deve estar se perguntando: qual a relao entre a cultura e a vivncia da tica?

    H duas razes fundamentais para essa argumentao: a cultura um produto da histria coletiva dos diferentes grupos sociais; a cultura contm componentes simblicos que contemplam formas de agir, pensar, sentir e reagir em determinado espao, onde cada um desses elementos traz em si um apelo especial pela realidade tica.A cultura o espao em que se formam nossas concepes de certo e errado, ou seja, nossos valores morais. Se observarmos a histria da humanidade, desde que o homem teve de viver em conjunto com outros homens, as normas de comportamento moral tm sido necessrias para o bem-estar do grupo. Perce-bemos que cultura e moral so inseparveis.Um dos objetivos de falarmos sobre cultura porque ela con-serva e legitima padres de comportamento que so questiona-dos e estudados pela tica.

    Ser que determinadas culturas e costumes no contribuem para que os seres humanos sejam violentados? Por que algumas pessoas aceitam

    ser inferiorizadas, exploradas e outras acreditam que isso normal? Que reflexes ticas podemos

    fazer sobre a aceitao da violncia?

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    TURAtica e Sociedade

    Em nossa cultura, a violncia entendida como o uso da fora fsica e do constran-gimento psquico para obrigar algum a agir de modo contrrio sua natureza e ao seu ser. Ento, nos perguntamos: que relao existe entre cultura e violncia? Costumes e violncia?O termo violncia nos remete a algo que foge normalidade, ao eventual, a um acidente, enfim, a algo que no estamos acostumados a ver. Esta seo convida voc

    a perceber com mais ateno o cotidiano. Como a palavra moral tambm signifi-ca costume, muitas vezes, estamos to acostumados com essa realidade que nem mais percebemos se h algo de errado com ela. Voc j deve ter ouvido a expresso guas calmas no representam ausncia de perigo. Com o cotidiano a mesma coisa; superficialmente, tudo parece estar dentro da normalidade, mas se analisa-mos com mais profundidade, percebemos que existem turbu-lncias profundas.A tica surge na histria com a preocupao de conter a

    violncia entre as pessoas; cabe a ns, ao falarmos em tica, aprofundar o conceito de violncia e perceb-la no cotidiano dos nossos costumes e da nossa cultura.H situaes nas quais no existe violncia fsica, mas outro tipo de violncia, de natureza psicolgica. Quando, mesmo sem usar o chicote ou a palmatria, o pai ou o professor exigem o comportamento desejado, doutrinando as crianas, impondo valores e dobrando-as para a obedincia cega e a aceitao passiva da autoridade, existe violncia simblica, j que a fora que exercem de natureza psicolgica e atua sobre a conscin-cia, exigindo a adeso irrefletida que apenas aparentemente voluntria (ARANHA, 1992, p. 171-172).Como seres sociais, vivenciamos e buscamos a felicidade em grupo. Para atingir determinados objetivos, agrupamo-nos em instituies. Para sobreviver e buscar proteo, vivemos em um grupo, a famlia. Preparando-nos para a vida adulta, entramos na escola, participamos de um grupo religioso, uma Igreja. Como vivemos em uma sociedade organizada com um Estado de direito, pagamos impostos para usufruir de servios pblicos, de sade, por exemplo. Quem de ns nunca precisou ou precisar de um hospital? Quando nos profissionalizamos, entramos no mundo do trabalho, que tambm ocorre, na maior parte das vezes, de forma institucionalizada. A empresa, uma organizao, as leis trabalhistas e a relao patro-empregado--economia constituem o cotidiano do trabalho.

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    L E CULTURA

    tica e Sociedade

    Anlise da Organizao

    Como essas diferentes organizaes que compem nosso cotidiano se tornam antiticas? Como as diferentes instituies transformam o ser humano de sujeito em objeto? Que tipo de violao pode acontecer contra o ser humano

    nessas instituies?

    A tica faz parte do nosso cotidiano, nossa vida familiar, educacional, profissional,

    etc. Vamos refletir sobre a presena da violncia na nossa sociedade, em alguns espaos do nosso cotidiano: famlia, educao, trabalho e sade pblica.Famlia Se voc j precisou sair de casa, est estudando fora ou moran-do distante da famlia, deve sentir muita saudade e falta de um aconchego; a famlia vista como um lugar e espao do bem. Porm, no precisamos ir muito longe para nos defrontar com

    problemas de violncia familiar: pais que espancam filhos e, ainda mais grave, cometem abusos sexuais contra eles, proble-mas de alcoolismo, drogas, desemprego, todos esses fatores desencadeiam processos de violncia. A reflexo sobre a vio-lncia traz consigo a necessidade de discutirmos as relaes de poder. H abuso de poder quando uma pessoa reduz a outra condio de objeto assim se concretiza a violncia. Alm dessas formas de violncia explcita, procure refletir sobre a violncia velada, como as relaes de poder entre os membros da famlia que, aparentemente consideramos dentro da normali-dade, prprias do cotidiano, entretanto, so formas de violncia. Uma mulher, dona de casa, acorda cedo, limpa a casa, leva os filhos escola, lava a roupa de todos (filhos, marido), prepara o almoo. tarde, costura, lava e passa. noite, o esposo chega em casa, tira o sapato, deita no sof, solicita o jantar e ainda reclama do atraso e do barulho. Os filhos chegam da rua, jogam a roupa e os calados pelo cho, sujam a cozinha. A mulher pre-para o jantar, lava a loua, ajuda o filho a fazer a lio de casa, leva roupa e toalha de banho ao marido que, depois, descan-sado, prepara-se para deitar. Quando ele deita, a mulher ainda prepara os alimentos para o almoo do outro dia, sem ter senta-do um minuto sequer. Contudo, se perguntassem aos filhos e ao marido se ela trabalha, eles certamente poderiam dizer que no, entendendo que o trabalho de casa no pode ser conside-rado como tal.

  • 40TICA,

    MORAL E CUL

    TURAtica e Sociedade

    Quais questionamentos ticos poderamos fazer sobre essa famlia? Quem tratado como objeto?

    Quem exerce poder sobre o outro? Como a violncia faz parte do cotidiano, da normalidade e

    do costume?

    Voc lembra que iniciamos nossos estudos falando sobre a reflexo tica? Pois bem, ela surge para questionarmos a moral e os costumes, mas estes esto no nosso dia a dia, e o que considerado normal pela tradio e pela cultura pode ser fonte de violncia contra as pessoas, aes antiticas presentes na moral familiar. A famlia, no mundo ocidental, essencialmente patriarcal e, por conseguinte, essa estrutura tem grande possibilidade de se tornar machista. Os papis sociais, definidos desde cedo, contribuem para que algumas pessoas se tornem submissas s outras na estrutura familiar, como acontece com a menina que faz os servios domsticos em relao ao me-nino que tem mais liberdade para buscar uma profisso; assim, as relaes de poder tm continuidade.Vamos, agora, a outro cotidiano, no qual passamos grande parte de nossa vida: a escola, a universidade.

    Patriarcal: Na cultura ocidental patriarcal, o pai o chefe de famlia.

    EducaoNo Brasil, no incio do sculo XX, era considerado normal pro-fessores baterem em alunos, aplicarem castigos, enfim, a vio-lncia na escola era explcita; uma ao que tambm refletia a moral familiar da poca. Para as provas, o aluno precisava decorar todo o contedo e responder de forma idntica ao pro-fessor. Essa metodologia expressava que o mais importante era o contedo. Se o aluno interpretasse, traduzisse o contedo com suas palavras, a resposta era considerada errada. O aluno no podia fazer perguntas, era um meio de passagem entre a lousa e a folha da prova, era um objeto.Precisamos, portanto, entender as formas de violncia na trans-misso do conhecimento. Quantas vezes o conhecimento cient-fico e a figura do professor so colocados pela escola como algo superior ao aluno?Outra forma de violncia existente na escola a reproduo da excluso. Filhos de famlias ricas tm maiores chances de pros-perar na vida acadmica do que os de classe menos favorecida.

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    TICA, MORA

    L E CULTURA

    tica e SociedadeMuitas crianas, para ajudar a sustentar a casa, acabam deixando a escola, en-quanto muitas outras, alm de frequentar a escola regular, tm condies de fazer cursos paralelos. Essa forma de violncia, sofrida no mbito educacional, muitas vezes obscurecida pelo simples argumento de que alguns aproveitaram as oportunidades e outros no; uma lgica de pensamento que busca naturalizar o processo de excluso social.

    Para enriquecer essa discusso, assista ao filme Sociedade dos Poetas Mortos. O filme aborda o conflito entre a postura do professor e a escola.Um carismtico professor de literatura chega a

    um colgio muito conservador, onde revoluciona os mtodos de ensino ao propor que seus alunos

    aprendam a pensar por si mesmos.

    Fique atento, estamos construindo nossas reflexes dentro de uma relao entre a violncia e o cotidiano.

    Outro espao de convivncia o local onde exercemos nossa profisso, em que as relaes interpessoais se tornam mais in-tensas e competitivas.

    TrabalhoVamos analisar como as relaes de poder se transformam em relaes de violncia no trabalho. necessrio situar o trabalho dentro de uma sociedade e de determinado tempo, por isso nos deteremos sociedade capitalista do sculo XX. J que esta-mos falando do cotidiano, vamos partir de expresses do senso comum que expressam de que maneira o ser humano tratado como objeto no mundo do trabalho. J ouvimos que algumas pessoas nasceram para mandar, e outras, para obedecer. Essa afirmao muito reproduzida; foi

    feita, inicialmente, pelo filsofo Aristteles. Segundo ele, [...] uns homens so livres e outros, escravos por natureza, e que esta distino justa por natureza. (VASQUEZ, 1990, p. 31). Na poca de Aristteles, ningum julgava antitico uma pessoa es-cravizar a outra; hoje, esse pensamento no diferente. Se uma pessoa precisa se submeter a horas de trabalho sem um salrio

  • 42TICA,

    MORAL E CUL

    TURAtica e Sociedade

    digno, muitos poderiam afirmar que foi predestinada e que uma realidade social qual precisa se submeter. Outra realidade do mundo do trabalho a ditadura do desemprego; muitas vezes, quando um colaborador procura por melhorias salariais, tem como resposta que precisa aceitar essa realidade, pois h uma fila de pessoas esperando por sua vaga. medida que vamos considerando isso algo normal, aceitamos uma forma de vio-lncia contra o ser humano. Muitos direitos trabalhistas so cortados em razo de uma realidade maior e global, que se impe sobre as pessoas. Outra forma de violao liberdade do ser humano a escolha da profisso: mui-tos submetem o seu desejo, sua empatia por alguma rea realidade do mercado de trabalho e, assim, tornam-se objetos de um sistema maior.

    Tambm muito comum o conflito entre colegas de trabalho na

    busca pela promoo profissional, no qual os interesses particu-lares se chocam com o outro. impossvel responsabilizar uma nica pessoa por essa reali-dade, nosso objetivo evidenciar as formas de violncia, muitas vezes, tidas como algo normal do cotidiano.Vamos, agora, a outro cotidiano, o da instituio que cuida de nossa sade.

    Sade Pblica Quem j esteve doente sabe que um momento em que nos sentimos fragilizados e carentes de ateno e cuidado. Por ou-tro lado, uma situao em que, com muita frequncia, somos tratados como objetos. A falncia do sistema pblico, aliada s relaes de poder, provoca um descaso contra o ser humano. As pessoas se acostumam a essa realidade e no percebem mais como so violentadas nessas instituies. H algum tempo, uma reportagem comprovou o fato de que as pessoas no percebem mais determinadas aes como uma forma de violncia: aps permanecer das 4h s 9h da manh em uma fila para ser atendido em um hospital, um indivduo, no tendo conseguido a sua vaga, declarou que estava acostu-mado com isso e que voltaria no dia seguinte. Esses fatos vo se cristalizando como uma cultura do descaso pblico, tornam-se costume e no so mais questionados. Aqui reside o papel da

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    TICA, MORA

    L E CULTURA

    tica e Sociedadetica: identificar e perceber a violncia velada nos costumes e na moral das insti-tuies, nesse caso, a sade pblica.Todas as instituies exercem, de uma forma ou de outra, violncia contra o indiv-duo; cabe a voc considerar e perceber a importncia dessas reflexes em qualquer

    projeto profissional.

    Voc percebeu que estamos trabalhando com vrios conceitos? Se voc no conseguiu compreender a relao entre tica, moral, cultura e cidadania, retome seus estu-dos nas sees anteriores ou procure seu professor tutor.

    SEO 3 Preconceito e discriminao: violncia contra o outro diferentea

    Nossa formao cultural acontece a partir de modelos, de princpios certos e errados, comportamentos morais e imorais. Vamos nos deter, especificamente, ao fato de considerarmos o outro errado, imoral, por ser diferente, por fugir aos nossos padres culturais. Isso est relacionado tica por dois moti-vos: primeiro, por no considerarmos o outro diferente em sua especificidade; segundo, como consequncia, por no refletir-mos sobre o que pensamos a respeito do outro.

    A tica uma reflexo crtica sobre nossas formas de perceber o ou-tro e agir sobre ele. Assim, fechamo-nos tica quando nos fechamos autocrtica sobre o que e como pensamos a respeito do outro.Para Aranha (1992, p. 181), preconceito (pr-conceito) sig-nifica conceito (ou opinio) formado antecipadamente, sem adequado conhecimento dos fatos. O perigo do preconceito est na recusa em reexaminarmos as convices quando se tornam dogmticas. Nesse ponto, o preconceito fonte de intolerncia e, portanto, de violncia. O preconceito leva discriminao, quando o diferente considerado inferior, excludo dos privil-gios de que os melhores desfrutam.Dogmti-ca: que se apresenta com carter de certeza absoluta

  • 44TICA,

    MORAL E CUL

    TURAtica e Sociedade

    Os antroplogos nos alertam que, ao analisarmos os costumes de outros povos, convm no os avaliar a partir de nossos valores culturais, o que significaria uma atitude etnocntrica. Quando isso acontece, corremos o risco de procurar neles o que lhes falta e esquecer de ver com clareza o que so de fato.Da mesma forma, dentro de cada cultura h preconceitos que levam discrimina-o dos pobres, negros, homossexuais, mulheres, idosos e tantos outros.

    Um exemplo de preconceito cultural o dos colonizadores eu-ropeus, que consideravam os povos tribais inferiores, no como uma cultura diferente, mas de menor importncia. Aqui, surge a legitimidade de muitos atos violentos contra povos indefesos. Sabemos que a populao indgena brasileira foi praticamente

    exterminada pelos brancos.

    Etnocntri-ca: que tem a tendncia de considerar a cultura de seu prprio povo a medi-da para todas as demais.

    Conforme Aranha (1992, p. 182), a origem da discriminao, de raa ou de sexo, geralmente, consequncia da desigualdade social. Desde a antiguidade grega, em toda a histria do mundo ocidental, o poder branco, masculino e adulto.O Brasil tem uma longa tradio histrica de rgidas hierarquias sociais uma sociedade marcada pelo poder de elites (senhores de engenho, bares do caf, coronis-fazendeiros). Apesar de a sociedade brasileira apresentar grandes desigualdades so-ciais, h uma camuflagem do preconceito por meio do mito da democracia racial; uma ideia de que todos so iguais e que no Brasil as pessoas sabem conviver entre negros e brancos e entre ricos e pobres. Quando aprofundamos o assunto, percebemos que isso no verdade, que existe preconceito e discriminao, principalmente com negros, ndios e migrantes.

    O ndio, o negro e o migranteQuando os primeiros jesutas chegaram ao Brasil, o processo de cristianizao dos ndios por aqueles empreendido facilitou a poltica de dominao de Portugal. Mesmo no sendo essa a inteno dos religiosos, imbudos de ardor religioso, eles es-tavam convencidos da superioridade de sua cultura e religio. Ao docilizarem os ndios, adequando-os a padres estranhos, deram incio desintegrao da cultura indgena.Tal como a inferiorizao do ndio, a origem do preconceito contra o negro encontra-se na tradio da escravido. Os senho-res acalmaram a conscincia com a convico de que o negro

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    TICA, MORA

    L E CULTURA

    tica e Sociedadeera semianimal, bruto e rebelde e exigia pulso forte por parte do dominador. Por resistir ao trabalho escravo, o negro passa a ser avaliado por meio de esteretipos: indolente, malandro, cachaceiro. A dominao justificada por considerar o negro inferior.

    Estere-tipos: que so vistos todos de um mesmo modo de ser. Sabemos que o racismo muito presente em nossa cultu-ra. A reflexo tica nos convida a analisar como o racismo est fundamentado na ignorncia e na falta de racionali-

    dade crtica.

    O preconceito e a discriminao no atingem apenas o ndio e o negro, vtimas do estigma da escravido. Em um pas como o Brasil, com irregular desenvolvimento nas diversas regies, o Sul e o Sudeste constituem o espao do progresso e da ri-queza, onde se instalam as indstrias. Por motivos histrico-so-ciais, amplas regies permanecem empobrecidas, alm de serem assoladas pela seca. Essa situao obriga as pessoas a migrarem; com a esperana de dias melhores, vm para os grandes centros, ocupam funes subalternas, enfrentam o desemprego e outras dificuldades, sofrendo preconceitos. As regies mais ricas aca-bam aproveitando a mo de obra barata e discriminando essas pessoas.

    Ainda vigente no Brasil a mentalidade de que existem estados e culturas mais importantes que outras. Esse

    pensamento mais uma forma de exercer violncia sobre o outro; confunde o diferente com o errado ou inferior.

    Na prxima seo, vamos compreender como a cultura e a mo-ral nos impedem de ser ticos.SEO 4 Os valores morais e a liberdade de conscincia

    Estamos falando de cultura; sabemos que os valores morais so construdos e legitimados nela, na relao que temos com a nossa famlia e com a comunidade desde que nascemos. Por que falarmos em liberdade? Porque a liberdade de cons-cincia elemento fundamental para o agir tico; somente quando tomamos conscincia de nossas aes que podemos refletir sobre elas.

  • 46TICA,

    MORAL E CUL

    TURAtica e Sociedade

    Ainda podemos nos perguntar: o que tm a ver os valores morais com a liberdade?

    Acreditamos que os valores (concepes de certo e errado) que aprendemos em casa so as melhores coisas que trazemos conosco, so os pilares de nossa condu-ta e de nossas aes. Chau (2003, p. 311) afirma que nossos sentimentos, nossas condutas, nossas aes e comportamentos so modelados pelas condies em que vivemos (famlia, classe e grupo social, escola, religio, trabalho, circunstncias polticas, etc.). Somos formados pelos costumes de nossa sociedade, que nos edu-cam para respeitar e reproduzir os valores propostos por ela como bons e, portan-to, com obrigaes e deveres. Desse modo, valores e maneiras parecem existir por si e em si mesmos, parecem ser naturais e atemporais, fatos ou dados com os quais nos relacionamos desde o nosso nascimento: somos recompensados quando os seguimos, punidos quando os transgredimos.

    Scrates, filsofo grego de Atenas, levava os jovens a questio-nar aquilo em que acreditavam e que repetiam, a questionar os prprios valores. Foi um dos primeiros filsofos a estimular o

    questionamento tico, porque provocava uma reflexo profun-da sobre os valores. A grande contribuio do pensamento e da ao socrtica foi no sentido de demonstrar que o que enten-demos como valores (certo, errado, bonito, feio) construdo dentro de um contexto cultural, geogrfico e em determinado tempo. Scrates fazia as pessoas indagarem sobre a origem e a essncia das virtudes (valores e obrigaes) que julgavam prati-car ao seguir os seus costumes.Portanto, no podemos afirmar que nossos valores sejam vli-dos para todos. Quando voc no consegue perceber a particu-laridade dos seus valores, no conseguir pensar alm da sua cultura e da sua moral. Assim, seus valores morais limitam a sua liberdade de pensamento e reflexo. Muitas vezes, ouvimos a expresso: A minha opinio esta e no abro mo porque a verdade!; uma afirmao como essa demonstra que o sujeito

    no consegue refletir alm de seus princpios morais, tirando--lhe a liberdade de reflexo. o chamado fundamentalismo ou fanatismo: o indivduo fica preso aos seus referenciais culturais de mundo.

  • 47

    TICA, MORA

    L E CULTURA

    tica e SociedadeEm nossa vida, quando seguimos o que dito como correto pela cultura da socieda-de em que vivemos, achamos que estamos no caminho certo. Scrates nos pergun-taria:

    Voc est seguindo esses valores conscientemente ou apenas para atender a um costume, para no

    sair da moda? Por que e como a moral e os costumes podem exercer algum tipo de violncia contra o ser

    humano?

    Como vimos, a moral e os costumes exercem algum tipo de violncia quando surge o racismo e o preconceito, mas tambm quando impedem e dificultam o indivduo de refletir racional-mente, ou seja, de ser de fato livre nos seus pensamentos.De acordo com Aranha (1992, p. 113), desde que nascemos enfrentamos o problema do determinismo cultural: ao nascer, o homem j se encontra em um mundo constitudo, recebe como herana a moral, a religio, a organizao social e poltica, a ln-gua, enfim, os costumes que no escolheu e que, de certa forma, determinam sua maneira de sentir e pensar.Quando no conseguimos perceber que muitos de nossos valores so vlidos somente para nossa cultura e para nossa profisso, no estamos fazendo uso adequado de nossa liberdade.Autoavaliao 21 A partir de seu cotidiano cultural e social, cite outros exemplos

    de prticas silenciosas de violncia praticadas e obscurecidas pelo costume e pela tradio.________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________2 Como a cultura pode dificultar o processo de liberdade de pensa-mento, ou seja, como ela pode permitir o surgimento de um pensa-mento fundamentalista?_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

  • 48TICA,

    MORAL E CUL

    TURAtica e Sociedade

    Nesta Unidade, percebemos a importncia de assumir uma postura cidad por meio de condutas morais e ti-

    cas, bem como nossos valores e vises de mundo so construdos no ambiente familiar e social e como o

    costume e a tradio podem abrigar formas de violncia contra o indivduo. A reflexo tica exige um constante processo de autocrtica, de reviso de concepes e dos

    valores morais. Essa reflexo torna-se fundamental para o crescimento tico; do contrrio, camos no fundamenta-

    lismo, escravizamos nossa capacidade de pensar livre-mente, nossas ideias ficam enquadradas em sistemas de

    pensamento construdos em uma cultura. Para a tica, essencial um olhar crtico sobre a realida-

    de. Por isso, na prxima Unidade, buscaremos compreen-der a relao entre a filosofia e a tica, j que a filosofia

    tem como princpio a dvida e a reflexo.

  • UNIDADE 3O PENSAMENTO FILOSFICO E A TICA

    OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

    Ao final desta unidade, voc ter condies de: IDENTIFICAR os principais fundamentos tericos da tica; COMPREENDER a tica como um ramo da filosofia; PERCEBER a tica inserida na histria da sociedade e do conhecimento.ROTEIRO DE ESTUDOCom o objetivo de alcanar o que est proposto a esta unidade, o contedo est dividido nas se-guintes sees:

    SEO 1A filosofia e a tica

    SEO 2Um percurso entre as correntes filo-

    sficas: dos gregos at a atualidade SEO 3

    Reflexo sobre a construoda moral

  • 50O PENS

    AMENTO FILO

    SFICO E A T

    ICAtica e Sociedade

    PARA INICIAR NOSSOS ESTUDOS

    Nas Unidades anteriores, percebemos a necessidade de refletir sobre nossas aes, pois nascemos em uma sociedade, estamos no mundo com outras pessoas, nossas aes ou omisses interferem no contexto social em que vivemos. Sempre que fala-mos: Estive refletindo sobre..., Pensei muito sobre..., Frequentemente me per-gunto se correto..., as pessoas ao nosso redor nos dizem: J est filosofando....

    Precisamos, ento, quando falamos em tica, andar pelo caminho da filosofia ou da

    reflexo do homem sobre seus atos, seu contexto, seu mundo e seus iguais. por isso que, nesta Unidade, falaremos da importncia de compreender a tica a partir da filosofia.

    SEO 1 A filosofia e a tica

    O que vem sua mente quando voc ouve a palavra filosofia?

    Por que falarmos de filosofia? Muitas vezes, o professor de filo-sofia aquela pessoa que sempre faz reflexes profundas sobre um tema aparentemente simples. Por essa razo, numa socie-dade marcada pelo utilitarismo e pela praticidade, a primeira acusao sobre a filosofia de que ela intil. Entretanto, vere-mos adiante que, para compreendermos a tica, fundamental refletirmos sobre a filosofia.

    Mas, por qu?

    A filosofia nasce na histria trazendo a dvida para o centro das discusses sobre a vida. A tica nada mais do que a sistema-tizao de grandes questionamentos sobre o agir humano e a relao entre os indivduos. correto fazer isso? Por que devo agir assim? Que lugar o outro ocupa nas minhas escolhas e decises? Existe uma conscincia tica que nasce conosco? Sabemos agir de forma tica

    naturalmente ou precisamos aprender?

  • 51

    O PENSAMENT

    O FILOSFICO

    E A TICA

    tica e SociedadeAs questes ticas so, acima de tudo, questes filosficas. Por isso, para construir-mos uma reflexo tica, precisamos, antes de tudo, resgatar o papel e o conceito de

    filosofia.

    Chau (2003, p. 23) discute a ideia de filosofia como a [...] fundamentao terica e crtica dos conhecimentos e das prticas. Com isso, percebemos que a filosofia busca problematizar as prticas e os conhe-cimentos j estabelecidos. Em nossa educao, o conhecimento transmitido por intermdio dos costumes, e, por isso, no buscamos levantar dvidas sobre ele, at porque todos pensam da mesma forma, ento, acabamos nos acostumando com certas ideias e prticas. Para progredirmos eticamente, contudo, precisamos colo-car em dvida e em questo os nossos prprios costumes .Tendo como premissa a ideia da filosofia como base racional de

    anlise do real, a definio de Chau (2003) leva-nos a um caminho

    parecido com o que sugeriu Marx, ao afirmar que a filosofia ficou

    muito tempo refletindo e que deveria agir. Portanto, ela deve nos

    conduzir a uma ao que tenha reflexos imediatos na sociedade, interferindo diretamente nas aes dos seres humanos e nas suas relaes com o mundo, com os outros e consigo mesmos.Assim, precisamos compreender que o conhecimento filosfico

    deve proporcionar uma reflexo sobre a vida concreta que nos leve a transform-la para melhor. Essa foi a busca de muitos filsofos. Marx pode ser exemplo desse papel da filosofia na

    histria. Ele questionava filosoficamente a desigualdade de classes, a dominao de umas pessoas por outras: natural que existam ricos e pobres? Como superar o abismo existente entre patres e empregados? Perceba, aqui, que a filosofia surge como um pensamento que provoca questionamento e proble-matizao para uma transformao social.Dessa maneira, a importncia do conhecimento filosfico

    evidente para comprovar que a filosofia no somente abstra-ta, como afirmam algumas teorias, mas possui interferncia prtica. Alguns tericos ajudam a reforar a ideia de que o conhecimento filosfico no mera abstrao. Plato concebia

    a filosofia como um saber a ser usado em benefcio do homem;

    Descartes via na filosofia a possibilidade de se conhecer, con-servar e inovar, quer nas artes, quer no mundo das tcnicas. Para saber mais sobre o assunto e ampliar seu

    conhecimento, faa a leitura de A Repblica, de Plato.

  • 52O PENS

    AMENTO FILO

    SFICO E A T

    ICAtica e Sociedade

    A filosofia assume, na histria, uma funo investigativa, crtica e problematizadora.

    Mas que relao isso tem com a tica?Como j vimos, nem sempre costumamos refletir e buscar os porqus de nossas escolhas, comportamentos, valores; agimos por fora do hbito, dos costumes e da tradio, tendendo a naturalizar nossa realidade social, poltica, econmica e cultural. muito comum ouvirmos as expresses: As coisas no mudam, sempre foi assim e sempre ser, Eu sou assim mesmo, de minha natureza agir dessa forma. Essas expresses refletem a naturalizao da realidade humana e social, que acarreta

    uma considervel perda da capacidade de autorreflexo e de problematizao da sociedade e de nossos prprios pensamen-tos; perdemos nossa capacidade crtica diante da realidade. Voc percebe como isso muito grave?

    Em outras palavras, no costumamos fazer tica porque no fazemos crtica, nem buscamos compreender e problematizar a nossa realidade moral. Com isso, podemos compreend