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A POESIA DE CAPPARELLI NA SALA DE AULA
Kaline Meiry Domingos da COSTA Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Régia Francidelma da Silva GÓIS Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Andreia Maria da Silva LOPES (Orientadora)
[email protected] Federal do Rio Grande do Norte (Docente Externa Letras EAD)
RESUMO: A literatura é essencial para a construção da identidade do ser humano. A poesia é um caminho para descobrir a si mesmo e o mundo. Assim sendo, estimular a criança a adentrar no universo da poesia é permiti-la desenvolver a criatividade, aguçar a sensibilidade, contribuir na construção da sua formação cidadã e leitora. Mas, sabemos que na sala de aula a poesia é pouco valorizada, e muitas vezes, quando abordada nesse espaço, é apresentada de forma inadequada, de modo didático. Em vista disso, este trabalho tem como propósito analisar a poesia de Sérgio Capparelli e como essas poesias ocorrem em exemplares didáticos, além de sugerir atividades de leituras que possam ser desenvolvidas na sala de aula de forma adequada. Este trabalho está embasado na leitura da obra Tigres no quintal de Sérgio Capparelli (1991) e (2008), tendo como suporte teórico Magalhães (1987), Márcia Mocci (2010) Hélder Pinheiro (2007) Magda Soares (1999), entre outros. Para o desenvolvimento deste artigo, foi realizado um levantamento bibliográfico em torno de materiais tais como livros e artigos, especificamente sobre poesia na sala de aula e poesia infantojuvenil. A realização deste artigo nos possibilitou um aprofundamento analítico sobre a obra de Capparelli e uma reflexão sobre a relevância da poesia no espaço escolar.
Palavras-chave: Poesia. Sérgio Capparelli. Formação do leitor.
1 Introdução
A prática da leitura de textos literários na escola é de extrema importância, pois
contribui de forma significativa para a formação humana do jovem leitor (CANDIDO,
2002). Entretanto, as obras literárias ou fragmentos de textos literários são utilizados
geralmente para estudos gramaticais, deixando-se de lado o caráter estético e semântico
das obras.
Neste contexto, o professor exerce um papel importante, uma vez que fica ao
seu critério a forma de abordar a literatura na sala de aula. Esquivar-se do livro didático
que propõe uma disseminação de informações nas quais a criança adquira o papel de
mero receptor do que está escrito, ou seguir um viés que proporciona à criança construir
os sentidos para a leitura. Portanto, é fundamental o professor dar espaço à
subjetividade da criança, estimular sua imaginação, cabe a ele ser o mediador do
encontro da criança com a literatura.
Além disso, o professor também é responsável pela escolha das obras literárias
a serem utilizadas na sala de aula. A escolha da obra deve ser feita com muita cautela,
pois deve condizer com o público-alvo e considerar os horizontes de expectativas do
aluno leitor. Deve-se observar a linguagem utilizada pelo autor, as ilustrações da obra e
como é abordado o seu conteúdo, para não ficarmos apenas no viés temático.
Outro aspecto importante que deve ser trabalhado é a leitura oral e
compartilhada com os alunos. Faz-se necessário que o professor busque uma
metodologia mais dialógica que possibilite a essa criança a construção de sentidos,
propiciando várias experiências com o texto literário. Quando falamos no trabalho com
a poesia na sala de aula, por sua vez, ainda temos um gênero que necessita de mais
visibilidade e formação do professor enquanto leitor de poesia.
No presente artigo faremos uma análise crítica da obra Tigres no quintal (1991)
e (2008) de Sérgio Caparelli, relacionando-a com o universo infantojuvenil,
apresentando uma análise de sua poesia em exemplares didáticos, como também
sugerimos atividades de leitura com os poemas de Caparelli na sala de aula.
2 Escolarização da Literatura
A literatura na escola passa por uma modificação, ou seja, ela é escolarizada;
não só a literatura infantojuvenil, como também, a literatura dita para adultos, e outros
conhecimentos no geral. Mas isso se faz necessário, tendo em vista que:
Não há como ter escola sem ter escolarização de conhecimentos, saberes, artes: o surgimento da escola está indissociavelmente ligado à constituição de “saberes escolares”, que se corporificam e se formalizam em currículos, matérias, e disciplinas, programas, metodologias, tudo isso exigido pela invenção, responsável pela
criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem. (SOARES, 1999 p. 4, grifo da autora).
No entanto, é preciso atentar para o uso adequado da literatura infantojuvenil,
ou seja, como está sendo trabalhada na sala de aula. Infelizmente, tem-se a
inapropriação, como afirma Magda Soares (1999, p.5) - “se traduz em sua deturpação,
falsificação, distorção, como resultado de uma pedagogização ou uma didatização mal
compreendida, que ao transformar o literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o,
faceia-o.” O professor (a) ao invés de usá-la para aguçar a ludicidade da criança e
proporcionar um prazer na leitura, a usa para a prática de exercícios gramaticais e
ortográficos, perdendo assim, os seus sentidos, as imagens poéticas, o ritmo e a
sonoridade presentes no texto literário.
Ainda para Soares (1999, p.17) uma escolarização adequada, “seria aquela
escolarização que conduzisse eficazmente às práticas de leitura literária que ocorrem no
contexto social e às atitudes e valores próprios do ideal de leitor que se quer formar”.
Portanto, é fundamental que o docente procure saber/buscar/descobrir como
proporcionar uma vivência em sala de aula de modo adequado.
Além do uso inadequado da literatura na sala de aula, há também uma ausência
da poesia. Como afirma Hélder Pinheiro (2007, p.10), “(...) quase não se fala em poesias
na escola”; o que é um fato lamentável, tendo em vista que bons poemas, oferecidos
constantemente (imaginamos pelo menos uma vez na semana), mesmo que para alunos
refratários (por não estarem acostumados a esse tipo de prática), têm eficácia educativa
insubstituível”.
Ainda sobre a poesia, ressalta Pinheiro que “A função social da poesia, é bom
lembrar, não é mensurável dentre modelos esquemáticos. Trata-se de uma experiência
íntima que muitas vezes captamos pelo brilho no olhar de nosso aluno na hora de uma
leitura, pelo sorriso, pela conversa de corredor”. (PINHEIRO, 2007 p.23). Neste
sentido, levar um texto como obrigação para o aluno apenas retirar aspectos normativos
da Língua Portuguesa não adquire essa função social que Pinheiro coloca. Assim, tendo
em vista a relevância da poesia, faz-se necessário que os docentes reflitam em relação
ao seu uso, e a levem para sala de aula, de modo que possa ser utilizada adequadamente.
Não se pode deixar de oferecer a literatura, pois se constitui como um direito
imensurável (CANDIDO, 2004). É necessário oferecer várias leituras para as crianças -
com aprofundamento na sua composição estética, não só na sua estrutura e linguagem,
como também na construção imagética, contribuindo para a educação da sensibilidade
do homem, na construção de uma visão de mundo, da subjetividade, e das suas
(des)construções, enquanto um ser que se constitui em sociedade.
Além disso, sabemos que uma primeira conjuntura para se ensinar literatura é
preciso ser um bom leitor. Apesar de tudo, sabemos que existem professores que, tendo
seu emprego público já não se interessa mais pela formação continuada, em leituras que
possam ajudar no trabalho com o alunado, ou seja que venha a proporcionar um melhor
trabalho com a Literatura.
3 A poesia de Sérgio Capparelli
A literatura escrita para o leitor-criança inicia com uma literatura
pedagogizante, ou seja, voltada para os leitores aprenderem, a comportar-se, a agir, a
cuidar da natureza, a amar e cuidar da pátria. Em seguida, a criança passou a ser
concebida não mais como um ser infantilizado inerte, ou incapaz, mas como um “futuro
adulto”, atuante na sociedade. A produção literária brasileira destinada à infância é
iniciada com Monteiro Lobato, que publica, em 1920, A menina do nariz arrebitado,
primeira obra com elementos da cultura local. Os textos permitiam a fantasia, a abertura
para o maravilhoso, uma visão emancipatória da infância e utiliza ilustrações coloridas
para isso. Pode-se dizer que a literatura infantil brasileira se intensificou na década de
70 com outros autores, como Henriqueta Lisboa, Lygia Bojunga Nunes, Cecília
Meirelles, Mário Quintana, Vinícius de Moraes e Sérgio Caparelli, autor que nos
deteremos neste artigo. O livro Tigres no quintal, escrito por Sérgio Caparelli com
ilustrações de Gelson Radaelli, foi escrito em 1991, e consultamos também a versão de
Tigres no quintal (2008), com ilustrações de Orlando Pedroso.
O mineiro Sérgio Capparelli é um autor múltiplo que tem mais de 30 livros
escritos, tanto para o público infantil como para o juvenil. Ganhou quatro vezes o
prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, três vezes o de literatura e uma vez o de
ensaio em Ciências Humanas – Televisão, entre outros prêmios. Ele também tem o seu
site poético com a colaboração de outra escritora, o que torna seu trabalho com o poema
visual mais conhecido. Nesse site, há a poesia de uma forma que o leitor pode participar
como se a poesia estivesse mais próxima do leitor. Nos livros, é percebido esse trabalho
com a imaginação, quando o autor coloca formas e cores, dando vida ao poema.
Em Tigres no quintal não é diferente, as suas poesias nos levam para um
mundo imaginário, criativo de uma forma simples e pura, as crianças conseguem
adentrar numa leitura que relaciona as suas brincadeiras, suas vivências, sua
subjetividade. A antologia é composta por 115 poemas, sendo 22 traduções de poemas
de outros escritores e ditos populares não só brasileiros, como Japoneses. Alguns
poemas são de outros escritores famosos como: Fernando Pessoa, Attila Jozsef,
Apollinaire, Nyuunai, E. Dickinson, Goethe, Gil Vicente, Mário Quintana, dentre
outros.
Outra questão que deve ser observada também é a qualidade das ilustrações do
livro, uma vez que ao apresentar o livro para uma criança que ainda esteja em fase de
alfabetização, ela contará a história a seu modo, associando a subjetividade, criando a
história a partir das imagens.
As poesias contidas no livro são de acordo com as iniciais do alfabeto, isto é,
as poesias seguem a sequência da ordem alfabética, haja vista ter poemas que iniciam na
letra A como o poema “A é para avestruz” e finaliza com a letra Z com o poema
“zorrilho”. Entretanto, não podemos ver como uma forma de pedagogização, uma vez
que pode ser uma forma de brincar com as palavras como por meio das quebras da
sequência alfabética quando são introduzidos poemas com outras letras.
Após a letra R e seus poemas, deveria vir os poemas com letra S, porém, há a
interrupção da ordem com o poema “o relógio” de I. Kudriavskaia da Rússia, depois o
poema “a rosa” de Caparelli, “os dedos do artista, “cuidado”, para enfim, vir o poema
na letra S, consistido no poema “S é para sino”. Percebe-se então, que há o jogo com a
poesia a partir do jogo de palavras, na vontade de que ela construa sentidos nessa
interação.
Os livros de literatura infantil sempre foram e ainda são escritos por adultos,
logo, eles adequam da forma que acreditam que vão atrair o leitor criança ou qualquer
tipo de leitor. À medida que a criança está em processo de formação, em construção da
identidade, todo o seu meio vai interferir: as pessoas, os lugares, as vivências. Com o
livro não vai ser diferente. Então as poesias de Caparelli ajudam nessa construção de
identidade. Além disso, é perceptível que ele se diverte fazendo poesia.
Neste sentido, nas poesias de Caparelli, notamos uma musicalidade,
proporcionada pelo ritmo e a sonoridade advinda da repetição de palavras por meio da
aliteração e da assonância, como no poema “musiquinha chata” - mané/ dó ré/ foi lá/ mi
fá/ catá/ sol lá/ jiló/ si dó. Na composição das imagens poéticas encontramos a
aliteração dos dígrafos ch e lh presente no poema “a chuva” – a chuva caindo/ a chuva
na calha/ a chuva no zinco/ escorre e gargalha (...), bem como outra figura de som- a
assonância no poema “fiandeira” - fiandeira, por que fias?/ fio fios contra o frio/
fiandeira, pra quem fias?/ fio os fios para meus filhos (...).(CAPARELLI, 2008, p.43).
Outro aspecto encontrado na poesia de Caparelli são as adivinhas, que é um
gênero característico do domínio popular. O que entendemos, é que esse senso de
cultura popular na poesia do autor tende a aproveitar e valorizar o que temos de melhor
e mais característico da nossa cultura. Ou seja, o popular na Literatura infantil fornece
uma identidade ao leitor, apresentando uma atração entre realidades conhecidas com o
seu mundo, através das cantigas de roda, dos trava-línguas, por exemplo no poema já
citado da “fiandeira”.
Ainda nessa obra podemos encontrar poemas que se caracterizam como
parlendas tendo em vista, a temática infantil, o jogo com as palavras, tornando-se assim
populares entre as crianças. Além da estrutura do poema conter a presença de anáfora
Seriam eles: “cavalo a galope” – um cavalo marinho/ com o meu carinho./ Uma estrela
cadente/ com o meu presente./ Um pedaço de queijo/ com o meu beijo (...) (p. 23); “Lua
no quintal” – O que fazes, Luazinha, no quintal da minha casa/ Eu espero um cavalinho,
Ele voa sem ter asa/ e pra que um cavalinho? E por que a essa hora?/ Ele voa,
galopando, a caminho da escola. Além de onomatopeias clap clop clap clop clap clop
que sinaliza o som da cavalgada do cavalo. (p. 73); outros sons estão no poema “o dia
da madeira” – o serrote rac- roc/ o martelo pan -pan- pan. (p. 30).
Poemas como “A primavera endoideceu” mostra-nos uma poesia concreta,
vivificando o poema, atraindo ainda mais os leitores. Como podemos verificar abaixo.
(CAPARELLI, 1991, p. 122)
Nesse poema, “A primavera endoideceu’’ podemos ver o lúdico, o humor que
Sérgio Caparelli trabalha. A estrutura da poesia em formato de flor explora o
concretismo, o audiovisual. Além disso, notamos a importância do uso da prosopopeia e
da hipérbole na construção dos sentidos e da imagem poética. “Nos meus olhos
zumbiam mil abelhas/- isto é, quando os insetos voam, produzem ruídos, aqui o eu lírico
expõe que há várias abelhas na sua visão, - e me fitava detrás da cerca dos cílios”. As
abelhas trazem uma confusão aos olhos do eu lírico, fazendo-os zumbir como as
abelhas. No segundo verso, parece que há um congelamento dos envolvidos no
momento, a abelha e o eu lírico se olham por trás dos cílios. Dessa forma, Oliveira
(2014, p.12) diz que a criança é “sensível a esses jogos verbais, ao ritmo, acedência, a
sonoridade das palavras, é fundamental que seja proporcionado o contato com a poesia.
Trabalhar com poema consiste em desconstruí-lo e reconstituí-lo”.
O uso de onomatopeia é notado quando lemos ‘’zum zum zum zum’’ que
forma o botão da flor, que nos faz relaciona com um monte de abelhas unidas e fazendo
ruídos. Há a repetição dos versos : ‘’bem me quer, mal me quer, bem me quer, mal me
quer. Essa frase é característica das brincadeiras de criança com flores que consiste em
pegar uma flor e mentalizar a pessoa amada e repetir: ‘’bem me quer, mal me quer’’. Se
ao despetalar-se a flor terminamos no “bem me quer”, a pessoa amada nos quer bem,
caso contrário – “mal me quer”, estamos nos iludindo com aquele amor. Logo a
condição de um eu lírico que via abelhas pode estar relacionada a um momento
enamorado do eu lírico. O resgate da brincadeira cotidiana “bem me quer mal me quer”
proporciona um maior contato, logo na nossa primeira percepção visual o nome do
poema nos chama a atenção “a primavera endoideceu”. Sabemos que a primavera é a
estação do ano que nos proporciona com belas flores, coloridas, perfumadas, então, já
de início o autor quis construir o poema em que representasse uma flor como produto
final no aspecto visual. É neste período também que as abelhas mais buscam seu
alimento – a coleta do néctar, então, as flores florescem de abelhas também. O poema
“praça florida” também remete a estação do ano – os ipês da minha praça/ nevam na
primavera/ flocos roxos, amarelos, flores que a brisa leva.
Poesias como “adivinha”- um mar que faz quem-quem/ e de quem se ouve o
eco,/ vamos, me diz depressa,/ não é pato, é... marreco” - trazem a ludicidade à medida
que a criança vai ter que virar o livro de cabeça para baixo para descobrir a resposta,
trazendo assim a função lúdica também nas ilustrações.
Na poesia ‘’jacaré letrado’’, percebemos ainda a poesia visual, o desenho do
jacaré em forma de letras, além da ironia por ser jacaré letrado, não por saber ler ou
escrever, ma sim por ser construído a partir da própria palavra jacaré, como uma
metalinguagem.
CAPARELLI, 2008, p. 67
É bem semelhate com a poesia “jacaflor ao sol da lagoa”- “na lagoa do barro/
passa jacaré e não passa carro”. As palavras “jacaré” formam os raios do sol. Percebe-se
que Caparelli se detém ao animal em muitas poesias. Segundo Oliveira (2014, p. 12) “O
trabalho de leitura poética com a criança deve envolver o lúdico envolvendo-a com o
jogo de palavras do texto poético em toda sua essência não perdendo o seu papel como
texto possibilitando o jogo com o uso da língua”. Sendo assim, no momento em que a
criança entrar em contato com poesias serão possibilitadas a construção de inúmeras
imagens poéticas, como nos poemas -“Minha bicicleta’’-, (...) com minha bici dou nó no
vento e até fantasma eu espavento/ com minha bici jogo o anzol no horizonte e pesco o
sol com minha bici... ‘’; Em ” E para elefante’’- “no Quênia, ao anoitecer, elefantes sem
trabalho jogam damas e xadrez e pulam de galho em galho agarrados em bambolês’’; já
em ‘’Ruas desertas’’- ‘’certas horas da noite/ as ruas desertas correm no asfalto/ e
dobram-se nas esquinas/ mortas de rir’’; por último, em “Um elefante” –“um elefante
faz um ninho, canta, tem asas e um biquinho, um elefante que voar/ adora, livre no ar,
um elefante é - ou passarinho?’’ (CAPARELLI, 1991, p. 35). Portanto, Sérgio Caparelli
utiliza o lúdico e o cômico criando imagens ditas absurdas, mas que no auge da sua
construção de poemas para o público infantil e juvenil isso se permite.
Ainda nos lembremos do ritmo contido nas poesias em Tigres no quintal de
Caparelli. Essa musicalidade de suas poesias é dada pela escolha certa das palavras e
nos seus trocadilhos possibilitados pela construção sonora. A sonoridade é audível pela
leitura em voz alta, que a criança pode também fazer uma associação à música.
Apreciemos algumas poesias que proporcionariam essa relação: “Boto de bota” - “um
boto/ num bote/ cheinho/ de sorte/ um boto/de barba/ comendo/ biscoito/ (p. 18) (...),
“afinando o violino” - toco lino/ viofino/ toco vio/ fonolino/ vio toco/ linofino/ toco
fino/ violino.(p. 61); “Musiquinha chata” ‘’mané/ dó ré/ foi lá/ mi fá/ catá/ sol lá/ jiló/ si
dó/ mané/ mané (p. 37); e “noite” - a noite/ foi embora/ lá do fundo do quintal,/
esqueceu/ a lua cheia/ pendurada no varal”. (p. 72) . Enfim, a musicalidade é presente
em todo o livro.
Os recursos utilizados na construção dos seus poemas também nos chamam a
atenção. Além das figuras de linguagem, de estilo, de som, há os jogos de palavras e a
desconstrução dessas. A exemplificar: no poema “as ondas” - (...) Toda onda tem uma
sina/ De vagar e devagar/ Morrer sempre no mar? (p. 11) – Podemos perceber esse jogo
quando na sua escolha paradigmática, o autor escolheu palavras que possuem as
mesmas letras, porém, adquirem sentidos diferentes no poema pela justaposição da
palavra. “O é para ovo” também ocorre isso – Sem pente, é serpente!. Já o jogo de
palavras no poema “quem” dá-se pelas perguntas – quem estourou meu balão?/
escondeu meu pião? Quem/ soltou o curió do alçapão?/ os patinhos, na água,/ abanam as
asas/ e perguntam quem;/ -Quem? Quem? Quem? – Ou seja, o barulho que os patos
fazem e a indagação de quem pegou as coisas do menino.
De acordo com Oliveira (2014, p. 17):
Poesia de Capparelli aponta para uma trajetória singular, e contribui distintamente para o caminho poético do autor em direção à infância. As características que delineiam as práticas de criação poética que invocam diversos recursos; através de abordagens que se alternam e se recorrem, compõem-se poemas únicos, guiados pelo apelo ao pequeno leitor.
Em o poema “O Capitão Sem Fim” a leitura deste parece sem fim quando as
rimas ocorrem com as palavras iniciadas e finais, bem como a história contada no
poema. Isto é, as palavras servem como palavras-chave – No mar tem um navio,/ No
navio, um capitão./ O capitão desce a escada,/ a escada vai ao porão;/ no porão tem uma
caia, caixinha e não caixão (...) (p. 17). Outro recurso é a supressão da palavra bici – no
poema- Minha bicicleta – Com minha bici/ Eu roubo a lua/ com minha bici dou nó no
vento (p. 19) (...), utilizando assim uma linguagem coloquial para o fácil entendimento.
No poema “Piano alemão” há características de um anúncio de venda – Vendo
urgente/ muito urgente/ um piano/ Alemão./ Ele toca/ fino ou grosso/ em qualquer/
ocasião (p. 95) (...). Ainda nesse livro, podemos encontrar a personificação presente no
poema “ruas desertas”- certas horas da noite/ as ruas desertas correm no asfalto/ e
dobram-se nas esquinas/ mortas de rir./ Curvam-se nas curvas/ e brincam de esconde-
esconde/ com a lua. Já em “São Paulo” – ele constrói o poema fazendo referências a
lugares considerados relevantes na história e no cotidiano de São Paulo. Ele cita o
Butantã, Praça da Sé, São Miguel, Tatuapé, Tucuruvi etc. (...) À Consolação, em um
táxi/ Verde-limão em que podemos compreender com a linha verde do metrô.
Na poesia “Agenda cheia” descreve o dia de uma criança desde às uma da tarde
e os afazeres. – À uma da tarde na casa da Luma/ às duas da tarde por becos e ruas/ às
três na aula de inglês/ às quatro ajudo mamãe com os pratos/ às cinco, banho batom e
um brinco (...) às dez, na cama e amanhã outra vez.
O uso do bom humor no texto de Sérgio Caparelli demonstra que o riso não é incompatível com o olhar crítico. A apresentação de um tema social para o leitor infantil será tão mais eficaz, quanto permitir,
de acordo com a capacidade de percepção do destinatário, a fruição lúdica. (MAGALHÃES, 1987, p 150).
4 A poesia de caparelli na sala de aula
4. 1 Análises dos livros didáticos
Em determinados livros didáticos, há um uso inadequado das poesias, não só
de Sérgio Caparelli, mas também de outros autores. O que podemos identificar são
textos incompletos, ou seja, apenas trechos de poesias, e às vezes até o texto completo,
porém, sendo usado como pretexto. Isto é, uma didatização. As poesias estão sendo
usadas para trabalhar normas ortográficas, aspectos gramaticais, variações etc. Ao
olharmos a bibliografia analisada percebermos uma tentativa de mudança em relação à
construção das atividades no livro didático. A seguir, análises feitas em alguns livros
didáticos quanto aos aspectos de como está sendo trabalhadas as poesias,
especificamente as de Sérgio Caparelli.
No livro didático Juntos Nessa: letramento e alfabetização (2014) do 1° Ano
dos anos iniciais de Daniela Passos, a poesia de Capparelli é abordada com toda sua
ludicidade, assim no poema “Os dentes do jacaré” a criança se reconhece no jacaré, uma
vez que o animal citado na poesia apresenta dificuldades para realizar a higiene bucal,
dificuldade essa vivenciada pela criança. Essa é uma das características das poesias do
autor, adentrar no mundo da criança sem ofendê-la, abordando temas com humor, e
usando de modo divertido os animais. Nesse sentido, Klauck (2013) pontua que os
poemas de Capparelli “vai ao encontro da temática lúdica representada por animais em
grande parte dos poemas: a identificação do leitor se baseia na coincidência de
características inusitadas, que ele é capaz de identificar pela sua experiência”. Ou seja, a
criança é representada no poema por intermédio dos elementos em comum com o
mundo infantil abordado no poema.
Assim, para fazer com que o aluno perceba o sentido do poema, a autora desse
livro didático traz questões que direciona o aluno a interpretar o texto, bem como
refletir sobre a sua higiene bucal, trabalhando adequadamente os elementos do poema,
como o sentido do texto. Mas ainda assim, há outros elementos que compõem os
poemas que são poucos explorados no livro, como a sonoridade, e as imagens que não
são trabalhadas.
No livro Juntos Nessa: Letramento e alfabetização da mesma autora, do 3° ano
do Ensino Fundamental I, percebemos que há um aprofundamento quanto ao uso do
poema no livro e na atividade que precede ao poema. No livro em questão, há um
capítulo que indaga “gosta de poesia”? No capítulo, os autores trazem vários poemas de
autores diferentes e após cada poema, atividades. Especificamente, ele traz o poema
“Vento no moinho” e em seguida traz um estudo do texto.
A autora trabalha interpretação de texto, conduzindo perguntas que permitem
respostas subjetivas, a exemplo: “o que você sentiu ao ler ao poema? O assunto tratado
no poema é o que você havia imaginado?”, mas também traz perguntas como “em que
estrofe você encontrou essa informação, quando o vento ia ao moinho”, “por que você
acha que isso acontecia?”, “de acordo com a leitura do poema”, “o que possibilitou essa
transformação”, na sua opinião, o que aconteceu com o vento ao deixar de ser
vento?”Etc. Assim, os poemas de Capparelli possibilitam a criança não somente
aprender os elementos do poema, mas a enxergar a si mesmo, como Resende (1997, p.
15) ressalta que “o objetivo não é ensinar poesia, em vez disso deve-se educar para
apreciá-la por caminhos cuidadosos e coerentes que sensibilizem a alma infantil”.
A autora ainda trabalha perguntas no tocante à sonoridade e as rimas. Interroga
quais estrofes de quatro versos do poema, e depois, sublinhe as palavras que rimam”,
isto é, os alunos terão que pesquisar e identificar a rima com o apoio das professoras,
bem como, pede para identificar as posições das rimas nas estrofes. Após trabalhar as
rimas, em que favorece o ritmo, ela questiona “em relação à sonoridade”, o que há de
comum nas palavras sublinhadas. No final, ela sugere um jogral, ressaltando a
importância da leitura silenciosa do poema para que ao ler dessa forma, haja
expressividade. Então, percebemos que há uma mudança visto que ela trabalha o poema
e seus elementos e não os aspectos ortográficos, gramaticais, trabalhando desse modo a
literatura de forma adequada. Isto influencia de forma relevante, tendo em vista o
público-alvo desse livro didático.
Dessa forma, percebemos a presença de poemas de Sérgio Caparelli em alguns
livros didáticos e a maneira que estão sendo utilizados esses textos. Sabemos que alguns
alunos têm dificuldade na leitura, e pouco gosto pela literatura devido a vários motivos
ligados a abordagens inadequadas.
4.2 Sugestões para o uso de Tigres no Quintal na sala de aula
A poesia ainda não está tão presente na sala de aula, pois como afirma Pinheiro
(2007, p. 17) “a poesia é o menos prestigiado no fazer pedagógico da sala de aula”.
Ademais, ainda percebemos que a fragmentação de poesias é predominante quando
levado para sala de aula, sendo usados para dizer quais são as figuras de linguagem,
encontros vocálicos, fonemas, letras, tornando a poesia mecânica, usando-a de forma
errada. Por que não apenas ler e vivenciar a poesia – na sala de aula? Sem ter que
pressionar o aluno a ter que fazer um exercício depois.
Nessa perspectiva, sugerimos ideias que podem ser postas em prática. Ainda
com aporte de Pinheiro (2007), corroboramos com a ideia que, antes de tudo, o
professor tem que ser um leitor de poesia. Daí, partiremos para a vivência com a poesia
na sala de aula.
O professor pode levar uma antologia para os alunos conhecerem a poesia de
Caparelli, motivar a descoberta daquela poesia, para sentir as emoções emanadas da
interação com o eu lírico. Em seguida, o professor pode perguntar sobre a relevância da
poesia; se apreciaram, relacionando com a realidade deles. Deve-se ler na sala de aula
de uma forma contínua.
Os poemas de Caparelli analisados podem ser trabalhados de várias maneiras,
como por exemplo: podemos levar as poesias, lê-las e depois musicá-las; podemos
também trabalhar ilustrações de acordo com a subjetividade dessas crianças. Desse
modo, o educador pode trabalhar a interpretação, orientando o aluno a buscar o
significado de cada e/ou de alguns poemas da obra, levando-o a refletir/pensar sobre o
que leu, permitindo-o caminhar livremente para novos conhecimentos.
O professor pode escolher com os alunos poemas que possam possibilitar a
produção de uma pequena peça teatral, assim esse processo de produção da peça de
teatro a criança pode mostrar a sua criatividade e a expressividade. Outra sugestão pode
ser orientar o aluno a perceber a sonoridade presente no poema, e ainda como nessa
obra o autor usa cada letra do alfabeto para criar um poema. O docente pode usar essa
particularidade para sugerir ao aluno procurar às palavras que apresentam sons
semelhantes, percebendo desse modo a sonoridade dos vocábulos. Além disso, pode
explorar também as imagens poéticas, e o entendimento no que diz respeito a essas
ilustrações.
É preciso ressaltar, que antes de trabalhar esses aspectos na obra, é
fundamental que o professor faça uma abordagem sobre todos os elementos a serem
analisados no poema. Além disso, é necessário que o docente leve em consideração a
diversidade que habita em uma sala de aula, como também se as atividades propostas
estão de acordo com o nível de conhecimento dos alunos, para que desse modo possa
haver um melhor aproveitamento no processo de ensino e aprendizagem.
5 Conclusão
Dessa forma, esse artigo nos proporcionou saber um pouco mais sobre a
Literatura Infantojuvenil, bem como sobre a poesia de Sérgio Capparelli, a sua
composição estética, o estilo, o campo semântico e estrutural, as figuras de linguagem,
entre outros aspectos. Caparelli “[...] legitima o papel do maravilhoso no texto infantil,
desfazendo a tese de que o elemento mágico age de modo a alienar a criança da
realidade (...). Respeitando a imaginação e a formação de um espírito crítico no pequeno
leitor”. (MAGALHÃES, 1987, p 152).
Como Magalhães ressalta, Sérgio Caparelli é inovador, é único, consegue
juntar o lúdico, o inanimado, aliar a fantasia e a realidade numa poesia, e assim, instigar
a criança a perceber questões do seu mundo de modo descontraído e envolvente.
Em suma, acreditamos que é de grande relevância trabalhar a poesia na sala de
aula, pois aguça o senso crítico, imaginativo e criativo, bem como facilita no processo
de escrita. Em vista disso, é imprescindível a forma de abordagem que o professor deve
levar para a sala de aula, haja vista que a importância de se trabalhar a Literatura em
sala de aula, bem como sua função social.
Sendo assim, com a obra analisada Tigres no quintal de Sérgio Caparelli e os
estudos pesquisados a respeito da poesia do autor, nos permitiram conhecer e saber a
importância que todos esses elementos, como imagem, ilustração, musicalidade,
linguagem, interferem na construção da poesia, como também na formação da
identidade e das vivências do leitor.
Referências
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