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 · 2019. 4. 3. · Entrevista com Regina Passos, dia 29 de setembro de 2009 ... chamava radiola. Hoje não tem mais esse nome. Eu era quem botava o disco na música que era pra dançar

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Revist'Entrevista

Entrevista com Regina Passos, dia 29 de setembro de 2009

Yuri - Pra dar início à nossa entrevista, euqueria perguntar como a dança surgiu na vidada senhora?

Regina - Bem, eu vou contar como surgiumesmo, né? Eu toda a vida fui metida a dan-çar dentro do palco, sabe? Gostava de dançare tudo. Mas não era nada como balé. Nada.Então, a minha prima veio do Rio de Janeiro eabriu uma academia no Conservatório de Músi-ca Alberto Nepomuceno. Ela estudou balé a vidatoda. Fazia faculdade e estudava balé. Depoisque abriu a academia, no fim do ano ela fez ofestival dela, mas resolveram voltar pro Rio deJaneiro. Aí ficou todo mundo dizendo: "Regina,por que é que tu não vai pro Rio? Faz um cursode balé. Tu tem muito jeito, tem técnica pra issoe tudo. Vai fazer, vai fazer". Eu dizia: "Olha, semeu marido me deixar ir, eu vou". Aí foi o queaconteceu: ele deixou e eu fui embora. Deixei aTereza, a minha filha, que era a mais nova, comum ano. Ainda disseram assim: "Leva a Tere-za, que ela nem sabe andar ainda, pra saber oque ela tem nas pernas". Eu dizia: "Não. Eu voué fazer balé". Aí fui, fui pro Rio de Janeiro, fi-quei hospedada nessa casa dessas minhas pri-mas que tinham aberto academia aqui e fiqueifazendo aula de balé. Fiz quatro meses de aulade balé. A Tereza ficou doente e o tio Jurandir,com medo que ela morresse e eu não estivessepresente, mandou me chamar. Depois que vol-tei, eu ia todo ano (ao Rio de Janeiro) e ficavajaneiro e fevereiro lá fazendo aula. Todo ano eu·ia. Pra poder melhorar, né? Porque ninguémaprende balé em quatro meses, não.

Emília - A senhora foi pra ficar quanto tem-po?

Regina - Eu fui pra o que precisava, né? Masfiquei só quatro meses.

Narjara - Dona Regina, mas a senhora, des-de a infância, já demonstrava alguma veia artís-tica? Teve alguma influência da família?

Regina - A tia Lucy Barroso foi a primeiraprofessora de Educação Física aqui em Fortale-za. Ela não era formada, mas ia pro Rio e faziacurso com pessoas de renome, voltava e faziaessa ginástica aqui. E ela todo ano juntava opessoal da sociedade, as moças da sociedade,e fazia um festival no Theatro José de Alencar.Eu dançava toda vida no festival dela, né? Porisso é que o povo ficou dizendo assim: "Tu quejá dança, que já tem noção de dança, vai pro Riopra fazer um curso". É por isso que eu fui.

Priscila - E a senhora tinha quantos anos naépoca?

Regina - Eu tinha 28 anos, casada, com seis

filhos. Era coisa muita ...Mariana - E era no Rio de Janeiro que era o

principal lugar da dança no Brasil?Regina - É eu estudei na academia da Tatia-

na Leskova, viu?Mariana - Que era a principal?Regina - É, ela era bailarina do (Theatro) Mu-

nicipal e tinha a academia dela particular. Quetodas as bailarinas do Theatro do Rio de Janeirofaziam aula lá. Agora ... balé não dá dinheiro não,viu? Porque elas, além de fazerem aula lá, traba-lhavam em outra atividade. Elas eram bailarinaslá do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Sem-pre acordavam tarde. E eu fazia minhas aulase depois ficava olhando as delas, pra aprendermais.

Priscila - A senhora lembra qual foi a primei-ra dança que a senhora dançou no teatro?

Regina - Ah, não. Não me lembro, não. Eufazia os festivais, mas eu não dançava. Eu en-trava quando, por exemplo, uma menina caiadoente. E eu, "pá!", dançava no lugar dela, prasubstituir.

Yuri - Na escola da Lucy Barroso?Regina - Da Lucy Barroso. A tia Lucy toda

a vida fez muito festival aqui, no Theatro Joséde Alencar. Sempre ela fazia os festivais, masnesse tempo era sapateado, viu? Era rebolado.E jazz, né? O que hoje se chama de jazz. Por-que, quando eu aprendi jazz, também lá no Rio,a gente fazia sentada no chão. E hoje ninguémsenta mais no chão para fazer jazz. Era no chão,esticava a perna e fazia.

Vinicius - Eu queria só retomar essa parteda sua decisão. Queria saber se foi uma decisãodifícil para a senhora tomar.

Regina - Foi difícil porque eu tinha seis filhos.Já tinha seis filhos nessa época. Deixei a Tere-za com um ano. Ela ainda nem andava. Todacriança que a gente bota em pé, ela bota o pé nagente. Quando botava ela em pé, ela encolhia aspernas. Aí o povo dizia: "Leva essa menina praver o que ela tem nas pernas, porque ela não fazcomo toda criança faz". Eu dizia: "Não! Ou euvou aprender balé, ou eu vou tomar conta dessamenina. Por isso não posso levar".

Narjara - E seus filhos ficaram com quem?Regina - Ficaram com minha mãe. Minha

mãe ainda era viva. Morava comigo. E eles fi-caram.

Geimison - Sua mãe de sangue ou sua mãede criação?

Regina - Minha mãe de criação. Você sabeque eu sou filha de uma família e fui criada poroutra, né?

REGI PASSOS 111

A indicação do nome deRegina Passos para a Re-vista Entrevista veio dePriscila Tavares, uma dasalunas da academia dedança e parte da equipedo projeto.

A curiosidade ao redorda figura de Regina to-mou conta de parte daequipe do projeto da re-vista. Havia ali a possibili-dade de uma boa históriade vida. O nome de Re-gina foi um dos mais vo-tados durante a escolhados seis entrevistados darevista.

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Com o nome escolhido,a equipe de produçãovisitou Regina na pró-pria academia de dança,localizada na Rua PadreAntônio Tomás, na AI-deota. Foi onde a futuraentrevistada conheceua proposta e recebeuexemplares da revista.

Após uma conversa quedurou pouco mais do quequinze minutos, Reginaaceitou ser entrevistadae participar do projeto.Ela ainda ajudou a equipefornecendo contatos queajudariam no processo deprodução da entrevista.

Emília - Quando a senhora foi pro Rio, a se-nhora já tinha planos de voltar e montar a aca-demia?

Regina - Já. O plano já estava na cabeça.Emília - Como foi que a senhora atinou pra

montar uma academia em Fortaleza?Regina - A tia Lucy tinha uma ginástica com

um salão muito bom. Quando eu abri a minhaprimeira academia, foi no salão dela. Lá na RuaSolón Pinheiro, número 38. Naquelas casas emfrente ao Parque da Liberdade (refere-se à Cida-de da Criança, no Centro de Fortaleza). Era cadasalão! As casas ali eram enormes. Nesse tempo,eu me casei numa casa dessas.

Geimison - E qual foi a reação do marido dasenhora quando a senhora tomou essa decisão?O que ele achava?

Regina - Ele me deixou ir e nunca me impe-diu de nada. Ele só não queria que eu estivesseno palco dançando.

Narjara - Mas ele acompanhou a senhora?Regina - Não. Eu fui sozinha. Fui pra casa

dessas primas minhas que já tinham aberto umaacademia aqui.

Priscila - Dona Regina, e lá no Rio de Janei-ro, como a senhora se mantinha, com qual di-nheiro?

Regina - Não tinha dinheiro ... Era só pra pa-gar a aula lá. Eu pagava a aula e pronto. Passavaera o dia todo na academia. Porque eu fazia aulae depois assistia aula. Porque você assistindo,você aprende também, né?

Vinicius - Nesses quatro meses, qual era ocontato que a senhora tinha com seus familia-res?

Regina - Bem, eu telefonava. Telefonava pracá e tudo. Tinha contato com meu povo, commeu marido e meus filhos. Mas foi muito poucotempo, pra fazer balé e pra aprender balé. Porisso todo ano eu passava dois meses lá no Riode Janeiro pra melhorar.

Janaína - Dona Regina, a senhora falou quea veia artística veio de certa maneira com a fa-mília, com a influência da Lucy. Mas quando foique a senhora percebeu que a dança seria real-mente o trabalho da senhora?

Regina - Olha, eu vou te dizer uma coisa. Aprimeira coisa quando eu fui fazer balé (que che-

"Ajeita O pé, aí faz opliê até lá embaixo,né? Com as costasbem retas. Eu achei

aquilo tão feio!Pensei: 'Meu Deus~Pra aprender baléprecisa fazer isso'"

mau atenção) foi a posição que a gente faz balé.Eu vou me levantar pra mostrar pra você (ela selevanta do sofá onde estava sentada e reproduzos passos). Ajeita o pé, aí faz plie até lá embaixo,né? Com as costas bem retas. Eu achei aquilotão feio! Pensei: "Meu Deus! Pra aprender baléprecisa fazer isso". Aí, eu aprendi balé lá no Riobem direitinho. Quando eu chegava em casa,porque eu já tinha 28 anos, era cãibra, e era todomundo dando massagem nas minhas pernas. Eeu chegava doída! (o tom de voz se torna enfáti-co) Nos quinze primeiros dias eu pensei em de-sistir! Quando eu botava o pé em quinta posição(uma das principais posições dos pés no balé) ...Não dava: doía tudo!

Narjara - E o que a motivou a senhora a nãodesistir?

Regina - As minhas primas, que deram mui-ta força pra eu continuar.

Priscila - Eram quantas primas?Regina - Eram três primas.Priscila - Eram as que tinham vindo pra cá?Regina - Tinham vindo só duas. Uma já ti-

nha casado e tinha ficado lá. Mas as duas quevieram, voltaram pra lá. E elas que me ajudarammuito porque eu fiquei na casa delas. Sem pa-gar coisa nenhuma.

Vinícius - Por que só aos 28 anos?Regina - Porque foi quando o tempo me

mostrou. O povo insistiu pra eu ir fazer balé. Eujá dançava naquelas festinhas da minha tia, LucyBarroso, e diziam: "Tu tem queda pra essas coi-sas. Vai pro Rio, fazer balé".

Janaína - A senhora falou que os amigos dasenhora falaram pra senhora ir ao Rio de Janei-ro. E o cenário aqui da Dança aqui no Ceará?Como era quando a senhora foi ao Rio?

Regina - Olha, eu vou lhe mostrar como erao Theatro José de Alencar quando eu comecei afazer festival lá. Não tinha lâmpada. A gente tinhaque pedir no comércio as lâmpadas empresta-das. Se queimasse, pagava, tá entendendo? Nãotinha lâmpada. O (tom) colorido (das luzes) eracom papel celofane, que você comprava pra fa-zer o colorido. Não existia nada disso. O som,não tinha. Eu levava a radiola. Naquele tempochamava radiola. Hoje não tem mais esse nome.Eu era quem botava o disco na música que erapra dançar. Mas foi assim no Theatro José deAlencar. Quando eu comecei a levar balé, a fazerbalé por lá, em (se esforça para estipular a épo-ca) 1954, foi assim.

Vuri - Como era a reação do público?Regina - Era boa a reação. E eu faço ques-

tão de registrar que as pessoas que faziam balécomigo eram da alta sociedade fortalezense.Eu cheguei a dar aula no Ideal (clube frequen-tado por pessoas da classe alta de Fortaleza)também. Mas eu dava aula na minha academia.Você se lembra de uma casa enorme do Ibeu(Instituto Brasil-Estados Unidos)? Ali eu morei.Quando eu comecei a ensinar na Rua Solon Pi-nheiro, eu aluguei aquela casa do Ibeu. Era umacasa na Rua Floriano Peixoto com Pedro Pereira.Imensa! E foi nessa casa enorme que eu moravae dava aula de balé lá.

Vuri - E foi nessa casa que a senhora come-

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çou com a primeira academia?Regina - Não. Eu comecei com a tia Lucy

Barroso. Na Solón Pinheiro, número 38, ondeela tinha uma academia de ginástica. Essa casaque era onde funcionava o Ibeu. Quando elessaíram, eu aluguei a casa. A casa era enorme.Eu só saí de lá porque o dono da casa pediu,porque fez um bocado de pontos comerciais epra ele rendia mais.

Geimison - E quais foram as dificuldadesquando a senhora montou sua academia? Tinhaalunas?

Regina - Tinha. Todo mundo gostava. Todomundo queria fazer balé.

Geimison - Foi a primeira academia de balé?Regina - Foi a primeira academia.Mariana - Como que a senhora divulgou

essa academia? Na propaganda boca a boca?Regina - Não precisa divulgar, não. Você,

com uma coisa assim, todo mundo, ó (ela fazum sinal de "muito" com as mãos), chove gen-te, pra dançar, pra fazer aula.

Mariana - Porque tinha muito interesse naépoca, das meninas ...

Regina - Não, eu acho que não tinha esse in-teresse todo. Porque o povo não conhecia balé.Aqui ninguém conhecia balé. Aí era novidade etodo mundo ia ver.

Narjara - Então foi de boca em boca essadivulgação?

Regina - É, a divulgação é de boca em boca.Uma diz, outra diz ... Aí vai. Tanto é que nuncafiz propaganda em jornal, nem em revista, nemnada.

Vinicius - Mas era caro fazer o curso? Eravoltado pra alta sociedade, ou não?

Regina - Tinha um preço, não é? Mas voulhe dizer (ela se inclina para os entrevistadorese fala mais baixo, num tom jocoso): o preço eraR$ 5... R$ 5, ouviu?

Geimison - Mas era só a senhora que davaaula, ou tinha outros professores?

Regina - Não. Comecei sozinha dando aula.Depois as minhas alunas foram melhorando eelas pegaram as crianças menores pra ensinar.Eu fui divulgando a história

Priscila - E o material das meninas? O meião?

A roupa do festival?Regina - Eu mandei comprar. Comprei ma-

lha do Rio de Janeiro. Trouxe e mandei fazeros colãs das meninas. E as sapatilhas, mandavabuscar do Rio. A meia rósea também.

Geimison - Mas nossa equipe de produçãoapurou que no início as moças tinham que selambuzar com pó ...

Regina - Não. Tinha isso não.Geimison - Não existiu isso?Regina - Não. Não existia isso, não. Isso é

conversa!Narjara - Dona Regina, existia algum tabu

em relação à participação masculina na sua aca-demia? Tinha alunos? Tinha meninos?

Regina - Não ... Olha, eu digo que não tinha,mas tinha umas alunas gêmeas. Duas meninas.E mais tarde uma delas veio com o filho, quetinha cinco anos, pra estudar balé. Agora o meumarido é que dizia: "Você não vai ensinar balépra homem, não! Que você não vai virar a ca-beça do povo" (rindo). Mas que apareceu gentepra fazer balé, isso sim.

Emília - A senhora comentou que a únicarestrição que seu marido fazia era não subir aopalco. Não subir ao palco foi uma renúncia mui-to grande para uma bailarina?

Regina - Mas eu subi. Eu levei uma vez umadança, o Mercado Persa, e eu fui o mercador. Eufui o mercador.

Narjara - A senhora fazia o papel masculino?Regina - Masculino. Eu fiz o papel de merca-

dor. Era o Mercado Persa. Aliás, essa coreogra-fia eu trouxe do Rio de Janeiro. Do balé da Con-suelo Rios (bailarina renomada nacionalmente),onde eu estudava balé. Aí ela fazia todo ano umespetáculo também lá no Rio. E eu quando eu iapra lá, eu assistia a peça dela.

Narjara - Mas isso era por falta de bailari-nos? Existiam bailarinos na época pra fazer pa-pel masculino?

Regina - Não. Não tinha, não. Bailarinos, tevemuito pouco tempo, né? Eu tenho rapazes aí naacademia que estudam balé, que vêm aprendero pliê, o primeiro pliê.

Mariana - Dona Regina, quando a academiaprimeiro foi na sua casa, como ficou a sua ro-

REGINA PASSOS 113

A viagem para o encontroda Intercom 2009 atrasouparte do cronograma pla-nejado para as entrevis-tas. Mais da metade daturma tinha viajado paraCuritiba, no Paraná, ondea maioria apresentou tra-balhos científicos.

o cronograma precisouser reordenado. Com trêscontatos confirmados edispostos às entrevistas,as equipes de produçãodecidiram marcar o maiscedo possível as entre-vistas. Por disponibilida-de, o primeiro encontrofoi com Regina Pas~os.

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Logo a equipe de produ-ção entrou em contatocom Elza Picanço, "pri-ma" e amiga de infânciade Regina Passos. DonaElza se comprometeu emajudar e agendou encon-tro com a produção.

A conversa com DonaElza aconteceu em seuapartamento, numa noitede terça-feira. A compa-nheira de infância de Re-gina falou por cerca de 70minutos. Arrancou sor-risos, remem orou fatosda vida da entrevistada etrouxe à tona impressõesde uma Fortaleza antiga.

tina? A senhora disse que era uma casa muitogrande, mas influenciou de alguma maneira narotina caseira?

Regina - Influenciou porque eu morava lá.Eu morava, meu marido tinha o comércio deletambém lá na casa, porque a casa era enorme ...E o salão de balé era lá.

Mariana - Mas foi isso que naturalmente in-fluenciou as suas filhas a entrar para o balé?

Regina - Todas. Todas as minhas filhas e ne-tas fizeram balé. Todas! Você vê que hoje estãoespalhadas por aí. Só tem academia filial, né? AVera (dona da Academia Vera Passos) é minhafilha, a Michelle (dona do Estúdio de Dança Mi-chelle Borges) é minha neta, a Cláudia era tam-bém (proprietária da Academia de Dança Cláu-dia BorgesJ, faziam dança, né? Eu que comeceicom o balé. Elas depois foram pro jazz, já queé mais lucrativo. O povo gosta mais do jazz doque do balé.

Narjara - O que a senhora acha disso? Deelas terem seguido pro jazz?

Regina - Era um negócio que chamava mui-ta atenção, não é? A Cláudia foi a primeira. Elaestudava na minha academia. Aí foi pro Rio efez cursos. Nós fomos até pros Estados Unidos.

Narjara - E a senhora deixava os filhos coma mãe e partia pras suas viagens?

Regina - Ora, eu fazia minhas viagens! Nãotinha problema. Deixava os meninos aí com ma-rido, empregada e pronto.

Geimison - A senhora falou que cada filha dasenhora se identificou com algum outro tipo ded.ança ... Jazz, sapateado ...

Regina Passos - É...Geimison - E quem vai dar continuidade ao

balé na família?Regina - A Tereza está no balé. Quem dava

aula para as turmas mais adiantadas era eu.Hoje é a Tereza, a minha filha.

Priscila - E os meninos, dona Regina, os fi-lhos da senhora nunca tiveram interesse peladança?

Regina - Não.

Priscila - Nem a senhora quis?Regina - Não. Pra mim, se eles tivessem ido

mesmo, né? Mas não quiseram, não. Aliás, comeles pequenos, ninguém iria colocar. Nos Esta-dos Unidos é comum você ver meninas de cincoanos e meninos de cinco anos em aula de balé.Já aqui não é comum.

Vuri - Como era ser mãe, professora e em-presária naquela época, o começo da academia?

Regina - Era um pouco difícil, né? Mas eume dava muito bem.

Narjara - Como era a relação da mãe, pro-fessora, quando as meninas faziam aula com asenhora?

Regina - Ah, eu era dura! Eu vou lhe dizer:teve uma vez que eu ia fui levar um balé grandee a Vera ia fazer o papel principal. E eu tinha umamenina que estudava comigo de graça. Ela erapobre. Eu dava até a alimentação dela quandochegava o festival, porque ela tinha tendênciadas coxas engrossar. Eu dava toda semana leite,ovos, verdura e tudo pra ela não comer comidaruim, pra não ficar gorda. É que essas coisas agente faz quando precisa, né? Pois é, ela que eraminha primeira bailarina. Então a Vera tambémera a primeira bailarina. Mas a menina era sim-ples, era pobre. Eu dava a roupa dela também.AVera seria a primeira bailarina. Mas eu já tinhadito que a outra bailarina abriria o espetáculo noprimeiro dia. E a Vera ia dançar no segundo dia.A Vera implicou: queria dançar no primeiro dia.Eu disse: "Não. Você não vai dançar no primei-ro dia porque eu já disse à Sandra que ela iadançar. E eu não vou desmoralizar a menina ...Fazer um trauma". Ela ameaçou, disse que nãoia dançar, que não sei o quê. Mas depois pegouo disco com as músicas, botou embaixo do bra-ço e foi ensaiar.

Vinicius - A senhora era muito rígida?Regina - Era. Com todas elas: filhas e netas

que estudaram balé. Todas.Priscila - A senhora falou que tem muita me-

nina que dança balé há muito tempo, mas nãovira profissional. E o que é que faz uma meninaser bailarina? O que é que forma uma bailarina?

Regina - Sim. O que forma uma bailarina éela querer ser bailarina. Porque ninguém obriga.Porque obrigado não dá certo não. Tem de gos-tar. Tem de gostar pra poderfazer. Pra aprender.Tem de gostar.

Narjara - A senhora disse que balé não dádinheiro, no começo da entrevista ...

Regina - Sim. Não. Talvez academia dê di-nheiro, viu? Eu digo bailarina profissional nãodá porque é uma coisa muito cara. As roupassão caras. Você pensa que lá no Rio cada qual, ..Não. É uma roupa só para todo mundo. Umafecha aqui, a outra fecha bem acolá, e tudo. Étudo aproveitado. O cenário é muito caro. Tudoé caro no balé. Tudo.

Narjara - Mas, pensando nisso, que pers-pectiva a senhora vê que as suas alunas, porexemplo, têm hoje em dia com o balé? A senho-ra acha que ser bailarina tem futuro?

Regina - Tem. Abra uma academia. E aí temfuturo Pra ser bailarina mesmo aqui, que aquinão tem corpo de baile, né? Aqui não tem. No

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Rio de Janeiro tem, em São Paulo tem. Em todocanto tem.

Geimison - E o que falta pra isso dona Regi-na? Transformar o Ceará num pólo cultural dadança?

Regina - Rapaz, é as autoridades fazeremum curso pra fazer as profissionais do teatro.

Bruno - De onde a senhora tirava a inspira-ção pra fazer seus festivais no final do ano?

Regina - Ah, meu filho! Eu mandava buscarbailarinos no Rio de Janeiro, viu? Uma vez eutelefonei pra (bailarina) Tatiana Leskova, ela dis-se: "Regina, tem uma criatura que é bailarina.Morava em Joinville. Coitada, ela passou doisdias pra chegar aqui".

Vinicius - Era verdade que a senhora se ins-pirava nas coreografias de Hollywood, assistiaaos musicais?

Regina - É, a gente assistia. Mas os mais bo-nitos são as coreografias já antigas, né? O Lagodos Cisnes, entendeu?

Priscila - A senhora tem um balé preferido?Inesquecível?

Regina - Eu gosto de todo balé.Priscila - Mas não tem nenhum em especial?Regina - Tem o Lago dos Cisnes, que foi o

que eu fiz com os 50 anos do balé, né? Que eufiz a principal, era a mãe do príncipe.

Narjara - Tem algum festival que a senhoratenha organizado que tenha sido inesquecível, aprincipal montagem que a senhora tenha feito?

Regina - Não. A gente fazia a coisa bem sim-ples, sabe? Não tinha cenário difícil, porque nãodá. Não dá pra pessoa fazer assim. Cenários as-sim, montagens. Não dava.

Camilla - E hoje, o que mudou nessa preca-riedade que era antigamente? Ou não mudou?

Regina - É, continua a mesma coisa. Vocêpra fazer um balé ... Eu levo todo ano um espetá-culo de balé. Porque a mãe vem com uma me-nina pendurada no dedo diz: "Tem festival?" É aprimeira coisa.

Mariana - Como é que surgiu essa culturados festivais? Como surgiu isso das academiastodo ano tem de fazer?

Regina - No Rio é a mesma coisa. Lá Con-suelo Rios, onde eu estudava, fazia todo ano umfestival.

Yuri - Dá muito trabalho, dona Regina, fazerum festival desses?

Regina - Ah, dá. Muito trabalho. Principal-mente quando você quer seguir, por exemplo,um balé o Lago dos Cisnes. Você tem de seguiro balé como ele é. Ninguém pode fazer uma coi-sa que tem vontade, não. Tem de seguir a core-ografia do balé.

Yuri - Depois de todo esse esforço duranteo ano pra montar o festival, qual é a primeiracoisa que passa pela cabeça da senhora quandocomeça o festival?

Regina - Mas nesse tempo, quando eu co-mecei, o público não é aquele público exigente,tá entendendo? Tudo o que você fazia dava cer-to, né? Porque não tinha conhecimento de balé.O brasileiro ainda continua assim.

Vinicius - Como era a dona Regina profes-sora de balé? É verdade a história da vareta de

}-

bambu?Regina - Era, eu tinha uma varinha que o

povo se queixa que eu batia nas pernas. Maseu batia porque onde eu aprendi batia, no Riode Janeiro.

Vinicius - Batia forte?Regina - Não, uma catucadazinha pra esticar

a ponta.Priscila - É verdade que a senhora dividia as

alunas entre as boas e as ruins?Regina - Não. Não. Ninguém faz essa dife-

rença, porque aí dá trauma, né? Não tem ne-gócio de boas. As boas a gente mandava fazeruma coisa melhor, né? Mas não fazer diferençaentre as alunas não.

Emília - A senhora comentou que as autori-dades de Fortaleza não têm iniciativa pra montarum corpo de baile. A senhora chegou a conver-sar com algum prefeito, algum vereador?

Regina - Não. Não. O menino ... como é onome dele? Que a mulher dele deu aula no The-atro José de Alencar? Como é o nome dele? Nãome lembro não. A mulher dele era a Terezinha.Eu fiz aula com ela no Rio de Janeiro, viu? Elaveio pra cá com ele e ela abriu uma academia noTheatro José de Alencar. Ela abriu, fez festival etudo, mas depois desapareceu.

Yuri - A senhora falou com a mulher dessehomem? Porque a ela tinha perguntado a ques-tão desse incentivo que a senhora foi buscar, ouque a senhora teria ido buscar ...

Regina - Não, eu não fui buscar ninguémfora não. Eu não entendi, qual foi a perguntaque ela fez?

Narjara - Ela fez sobre o apoio governamen-tal ...

Emília - Se a senhora chegou a procurar al-guém da Prefeitura de Fortaleza, algum verea-dor, algum incentivo ...

Regina - Ah, não, não ...Geimison - E as autoridades?Regina - As autoridades, não, nunca procu-

rei, não. Porque, quando eles querem, eles dão,não falta, quando não quer ... Lá no Theatro José

REGINA PASSOS 115

Elza definiu a amiga eprima de criação comoalguém com muita forçae garra. Ao fim da con-versa, a produção nãodispensou um refrescan-te copo de refrigerantegelado.

A produção também ten-tou entrar em contatocom as filhas de Reginaque têm academias dedança em Fortaleza. Malsabíamos que o segundosemestre era a pior épo-ca do ano para elas ...

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Ocupada na organizaçãodo festival de fim de anoda Academia de DançaRegina Passos, TerezaPassos não tinha tem-po disponível para umaconversa com a equipede produção. O mesmoocorreu com MichelleBorges e outras parentesda entrevistada.

A única filha procuradapela equipe de produçãoque se dispôs a falar so-bre a mãe foi Vera Pas-sos. Ela nos recebeu emsua academia de dança,no bairro Dionísio Torres.

de Alencar, tinha um rapaz que estudou sabecom quem? Um deputado mandou um profes-sor aqui pra Fortaleza, que dava aula lá na Ave-nida João Pessoa ...

Narjara - Era o Dennis (Dennis Gray, profes-sor da Escola de Dança Clássica e Moderna doServiço Social da Indústria de Fortaleza)?

Regina - É, era o Dennis que veio pra cá, masfoi a mandado por um professor lá do Rio de Ja-neiro, um político mandou ele pral, ele abriu aacademia, ele dava aula pras pessoas pobres láe tudo. Ele fazia umas coisas bem complicadas,bem caprichadas, agora ele passou uns quatroanos, mais ou menos, quando o deputado per-deu o lugar dele, ele desapareceu, né?

Geimison - Dona Regina, por que vocês, do-nas de academias e os bailarinos mesmos, nãose reúnem pra pressionar apoio, políticas públi-cas para o balé? É uma classe desunida? O queacontece?

Regina - Não, não é desunida não, é cadaum no seu canto, mas, pra gente se unir pra fa-zer, não adianta. Nós tivemos uma sociedade,inclusive, que eu fui presidente por muito tem-po, das academias de balé daqui de Fortaleza.Eu fui presidente 24 anos por aí, ou mais. A gen-te discutia os problemas das academias, aí vinhao pessoal de várias academias, só pra brigar, pradiscutir ...

Emília - Quais são os principais problemasde uma academia?

Regina - O principal problema de uma aca-demia é a pessoa gostar de fazer balé. Quan-do gosta, aí vai pra frente, quando é talentosa.Porque, às vezes, a mãe bota pra fazer balé e apessoa não tem talento e, se não tem talento, ébobagem. Geralmente todo mundo gosta muitodo balé. Eu tenho alunos que estão há 10 anoscomigo ...

Janaína - A senhora acaba se relacionandocom as famílias das alunas?

Regina - Claro, né? Tem uns que vão semprenas viagens com as meninas e conversam bas-tante com a gente.

Mariana - Qual a idade ideal pra uma meninacomeçar no balé?

Regina - Hoje em dia colocam as meninas nobalé até com quatro anos. Ultimamente, o povotem colocado até com três, mas acho loucura,viu? Porque as meninas não têm nem cabeça.Quatro anos já dá trabalho, imagine com três!Este ano as meninas de quatro anos vão dançarno festival.

Narjara - A senhora disse que com quatroanos já dá trabalho. Qual o tipo de trabalho quedá?

Regina - Bem, porque não se aquietam.Você bota sentadinha e não fica de jeito ne-nhum: levanta, corre, vira, faz toda danação.Quem dá aula pra os pequenos tem muito tra-balho. Agora, depois de sete anos, já vai me-lhorando, já vai aprendendo melhor. Mas essahistória de baby class, isso é novidade. No tem-po que eu comecei a dar aula de balé não tinhababy class, agora que apareceu isso, coisa decinco, seis anos atrás, mas não tinha baby class,nem nos Estados Unidos. Quando eu estive lápra assistir o pessoal do municipal do Rio deJaneiro, eu fazia aula com o maestro Hector Za-rasp, foi um grande professor. Já estive duasvezes nos Estados Unidos, sem falar Inglês nemnada, mas fui, descobri onde ele dava aula prasbailarinas.

Janaína - A senhora fala muito em dificul-dades, de começar a academia, da sua rigidezcom as alunas. O que foi que motivou a abrir aacademia? Qual era o seu interesse, era pra sero sustento da família, pra dar aula de balé oupra promover o balé?

Regina - Acho que pra promover o balé nacidade, porque, no tempo que eu comecei a daraula, ninguém sabia nem o que era balé, né? Eutenho aí as vezes notícias no jornal de pessoasque me conheciam quando eu comecei a tra-balhar e me entrevistaram e tudo, eu tenho atéguardado.

Geimison - Dona Regina, a nossa produ-ção apurou, vasculhando um pouco a vida dasenhora, que a sua primeira experiência comdança foi em Russas (município cearense a 160quilômetros de Fortaleza), numa apresentaçãocomo baiana. A senhora teve influência da suafamília pra dançar? Como era esse ambiente fa-miliar?

Regina - É porque quando meu pai se for-mou em Odontologia e o tio Jurandir se formouem Medicina, eles foram passar uma tempora-da no interior, em Russas e em Aracati (cidadecearense a 150 quilômetros da Capital), o inver-no em um, e o verão no outro. Então lá, eu e mi-nhas primas inventávamos danças. Toda crian-ça faz um drama, quer ter um circo, andar emcima da corda. A gente inventava essas coisas.Toda criança tem a ideia de fazer uma dança.Não é o balé, é se movimentar.

Narjara - A senhora teve uma experiênciana televisão, não é?

Regina - É, no canal 2 (antiga TV Ceará, pio-neira no Estado, da Rede de Emissoras e Diá-rios Associados), toda semana um programa.

Narjara - Como era?Regina - Toda terça-feira tinha um progra-

,"Professora, Professora de balé. E o que melevou na vida, ter sido professora de balé.

Foi uma audácia muito grande que tive, com28 anos, com quatro filhos ... "

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ma chamado Na ponta dos pés. A gente gravavadois ou três números de dança.

Geimison - Era ao vivo?Regina - A gente ia de tarde ensaiar e ia a

noite para dançar ao vivo. Às 20:00 era o espe-táculo.

Narjara - Era em que ano isso?Regina - Faz muito tempo, eu não lembro,

na época do canal 2. Outro dia passou o restros-pecto do canal 2 e eu apareci, né? Muito antigo.

Priscila - Toda semana tinham 3 númerosdiferentes?

Regina - É, três números diferentes. A genteensaiava. Eram números pequenos, na televisãonão eram números grandes. Eu tenho as foto-grafias. Se vocês quiserem ver.

Geimison - Durou quanto tempo esse pro-grama?

Regina - Durou o mesmo tempo que o canal2 durou. Eu saí um pouquinho antes, tive lá umdesentendimento com um funcionário de lá. Asroupas das dançarinas do festival eram todasbordadas com lantejoulas, mas a pobreza da-qui não deixava botar as roupas bonitas na te-levisão, porque diziam que estragava a peça daemissora. Então elas vestiam a blusa pelo aves-so, pra não ter o brilho. Aí, quando foi um dia,eu pedi pra deixar a gente dançar com a blusadireito, porque a gente nunca dançava, aí botei.E o doido lá pegou, quando viu a blusa tirou oprograma do ar. Tirou? Pois eu vou embora. Aínão levei nada.

Vuri - Dona Regina, diante desses improvi-sos as alunas ficavam desmotivadas? Como eraessa relação?

Regina - Não, elas adoravam. Iam toda se-mana pra ensaiar. E eu, com o dinheiro que elesme pagavam, dava um presente para cada um.Um sapato, um vestido. Era ótimo! A gente ia detarde,4 horas, pra ensaiar lá no palco da tevê nocanal 2. À noite, íamos dançar.

Vinícius - A senhora fala desse desenten-dimento com uma pessoa. A senhora tem umgênio forte?

Regina - Não, não tenho não. É porque eletirou as meninas. Cortou o programa.

Vinícius - Mas de um modo geral?Regina - Não, é porque ele cortou o progra-

ma, tirou do ar. As meninas já tinham começadoa dançar, aí ele tirou do ar. Quando eu tirei, elepegou uma menina de lá também que trabalha-va lá e fez outro programa, mas ninguém gos-tou, receberam muitos telefonemas e tiraram oprograma do ar.

Mariana - O que é que a senhora acha dessapopularização da dança clássica? Ir pra televi-são, o que a senhora acha?

Regina - Eu acho bom, acho ótimo. Tudo nomundo tem de ter um incentivo, né? A televisãoincentiva. Todo mundo dia de terça-feira assistiaao programa do balé Na ponta dos pés.

Geimison - Tinha uma boa audiência? Aspessoas gostavam?

Regina - Tinha. Ora! Gostavam.Priscila - A sua mãe tinha alguma ligação

com artes?Regina - Ela adorava. A minha mãe ia pro

Rio, na casa de parentes dela lá, ia ao teatro tododia. Ela adorava. Eu vou dizer: muita coisa queeu fazia era criado por ela. Ela dava o nome. Onúmero que eu fiz, A alucinação do ego. Tinhauma garrafa de cerveja, uma de cachaça, umade guaraná e de cada garrafa dessa saia umabailarina. Isso tudo foi criado pela minha mãe.Ela deu a ideia e eu executei então em dança.Tinha um rapaz que entrava, chegava perto dagarrafa de cerveja e saía a bailarina de lá. Eramquatro. Era cerveja, cachaça, vinho ... Foi a ma-mãe que deu a ideia e eu fiz.

Mariana - Como nasce um espetáculo dedança? A ideia?

Regina - Bem, quem tiver cabeça boa inven-ta uma história. Aí faz e dança.

Mariana - Todo ano vocês têm um festivalcom uma dança nova pra academia?

Regina - É. Por exemplo, o festival das crian-ças é uma coisa mesmo criada pela gente. Esseano o das crianças é As ondas do mar. Vai tertudo no mundo pra dar oportunidade aos meni-nos de dançar. Porque a mãe quando vem comelas nas pontas dos dedos já é perguntandopelo festival no fim do ano, aí a gente tem defazer todo ano.

Emília - A senhora disse que, quando come-çou, tinha na sua academia a alta sociedade deFortaleza e comentou também que a Teresa, suafilha, passou a dar aula nos centros sociais daperiferia.

Regina - Foi, ela dava aula no centro. Aí elavia essas meninas jeitosas e pediu: "Mamãe,deixa eu fazer essas meninas estudarem balé."

Emília - A iniciativa de dar aula nos bairrosmais afastados foi dela ou foi algum projeto?

Regina - Eu nem sei o que foi, eu acho quefoi dela. Mas ela ganhava com o que ela dava,viu? Agora, ela como gosta do balé, ela aprovei-tava. No lugar de dar outra aula, ela dava aulade balé. Ela trouxe essas meninas pra mim. Elasfizeram balé muito bem. As que eram talentosasdemais quem dava aula era eu. Eu dava até ali-mentação pra não engordar.

Vinicius - A senhora não dá mais aulas jáhá alguns anos. Como é que foi pra senhora se

REGINA PASSOS 117

A conversa com Vera du-rou algo em torno de meiahora. Alguns fatos vitais navida de Regina foram apu-rados e serviram de basepara boa parte do conteú-do da entrevista. Filha ca-çula, Vera também estavaatarefada com a organiza-ção de festivais.

Na saída da Academia VeraPassos, a produção perce-beu parte do encanto quehá sobre a Dança: algumasdas meninas sabiam deco-radas as letras dos núme-ros, fora a empolgação edisciplina nos treinos paraos festivais.

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Outra grande ajuda obti-da pela produção foi atra-vés da jornalista AmandaQueirós. Amanda tinhasido aluna da academiade Regina Passos duran-te muito tempo, além deescrever matérias rela-cionadas ao tema quan-do estava em Fortaleza.

Uma edição do programa"Crônicas do Ceará", pro-duzido pela TV Ceará, eo livro A Dança Possível:Ligações do Corpo numaCena, de Rosa Primo,também foram objetos deestudo para a produção.

afastar?Regina - Até 2002 eu ainda dava aula.Vinícius - Por que a senhora parou?Regina - Porque me botaram pra fora. Dis-

seram que eu tava muito enfezada, não podiamais estar dando aula não. Porque o povo sófalava que eu batia com varinha nas pernas dasmeninas.

Vinicius - E como foi esse afastamento? Foidifícil?

Regina - Não, é difícil. Eu amo meu balé. Euamo a minha profissão. Eu passo o dia lá.

Narjara - Qual o papel da senhora hoje naacademia?

Regina - Não, eu só fico lá, vendo o povo,vendo as aulas. Mas não dou mais aula não. Ou-tro dia pediram para eu dar uma aula lá, eu fui edei. Mas não é a mesma coisa não, a gente nãotem mais equilíbrio. Eu tenho 86 anos. A gentenão tem mais equilíbrio. Não tem condições dedançar. Nem pra dar aula. Fui dar uma aula prauma turma com gente de mais idade. Aí eu fui,né?

Janaína - Com a varinha?Regina - Não, sem varinha. A varinha caiu

muito. Hoje ninguém dá mais aula com vari-nha, não. Isso é coisa antiga. Tem um grandeprofessor que dizia que quebrava quatro, cincovarinhas cada dia. Ele tirava a raiva dele era que-brando a varinha de dar aula.

Yuri - Mas a senhora parou por causa dasreclamações dos pais? Acha que foi porque elesqueriam proteger muito as filhas?

Regina - Não, não foi por causa dos paisnão. Não tinha muita reclamação de pai não.Eles reclamam porque quer as filhas tudo nafrente. Isso que é o problema do balé. Do balénão, de qualquer coisa. Porque a gente tem defazer um número, elas se movimentarem. Umahora vai uma turma pra trás, outra hora vai umaturma pra frente. Porque pai e mãe só querem afilha bem na frente.

Emília - E como é que a senhora argumentacom eles, conversa, convence?

Regina - A gente tem de fazer desse jeito.

Uma hora uma parte dança na frente. Depoisvem a outra que tá atrás que é pra poder satisfa-zer. Senão não satisfaz.

Priscila - Os pais da senhora também que-riam que a senhora se destacasse nas coisas,ficasse na frente? A senhora até falou que a suamãe queria que usasse roupa diferente.

Regina - Não, a minha roupa diferente ... Éporque eu sou filha de uma família e fui criadapor outra. Então a minha mãe queria que eu ves-tisse (bem). Quando eu ia pra aula de piano, queeu tinha ódio, ela dizia assim: "Regina, vá bo-tar um chapéu". Eu dizia: "Oh meu Deus! Todavida eu tenho que ir de chapéu!" A minha mãeera vaidosa, mandava buscar roupa pra mim noRio de Janeiro, eu só andava de chapéu, essascoisas de mãe que dá tudo. Isso hoje não existemais.

Yuri - Isso a dona Judite ou a dona MariaJosé?

Regina - A dona Maria José, a minha mãemesmo. A Judite era minha mãe de sangue,né? E a Maria José é minha mãe adotiva. Queme adotou. Eu nunca fui nada. Eu mudei o meunome na hora do casamento.

Yuri - Como é que foi isso?Regina - Vixe Maria, meu pai se danou! Meu

pai mesmo. Porque ele foi pra ser testemunhado meu casamento. Quando o juiz perguntou onome que eu queria assinar eu disse Maria Re-gina Picanço Passos. Pronto, tirei o McDowel1 ebotei o Picanço, que era da minha família que eutinha sido criada.

Vinicius - A senhora pode explicar pra gentecomo é que foi a senhora morar com pais adoti-vos e conhecer os pais biológicos?

Regina - Pais adotivos, desde novinha. Eusou a décima filha da minha mãe. Então quandoeu nasci, a minha mãe de criação disse: "Judite.tu não tem condição de ficar com essa meninaaqui. Eu vou levar ela lá pra casa e aí tomo contadela e tudo." Quando chegava dia de domingoelas sempre almoçavam juntas. Aí diziam: "Ju-dite, cadê a Regina. O McDowell vem aí do Riode Janeiro e quer ver a menina em casa." Eladizia: "Não, meus filhos estão todos gripados.Se eu trouxer a menina ela vai gripar." Assim eufui ficando. O meu pai às vezes estava em umareunião, com todo mundo, quando o meu pai decriação dizia: "Minha filha quem é aquele velhoali?" Era o meu pai verdadeiro. Eu dizia: "É o Dr.McDowell." O papai ficava todo feliz. Porque eunão dizia que era meu pai. Dizia Dr. McDowel1pro meu pai verdadeiro.

Geimison - Mas qual a relação da senhoracom a família de sangue? Não manteve nada?

Regina - Não, é porque elas foram internas,e nós fomos internas na (Irmãs) Salesianas, oprimeiro colégio aqui de Fortaleza de freiras, naAvenida João Pessoa. Nós fundamos aquele co-légio. Quando a gente foi pra lá era uma casaantiga. Depois que fundaram o colégio. O meupai verdadeiro botou as duas filhas e o meu paide criação achou que como ele tinha botado asduas, eu devia ir. No meu livro da minha vida eudiscordo. Porque eu tava cobrindo uma lacunana família dele. Eu fui porque eles não tinham

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filho. Eu fui cobrir uma lacuna. Aí me internamcom 11 anos. Eu era muito nova pra ser interna.Quando meu pai morreu, eu tinha 15 anos. Eucheguei para mamãe e disse: "Mamãe, quemqueria que eu estudasse piano era o papai, e,agora que ele morreu, eu não estudo mais pia-no",

Priscila - E continuou no colégio?Regina - Continuei no colégio. Passei quatro

anos nas Salesianas. Depois eu fui pra EscolaDoméstica São Rafael, que era aquele estiloantigo, dona de casa, que fazia almoço, aque-le estilo antigo que fazia tudo. Aprendi a pintar,bordar, fazer tudo.

Emília - E a senhora gostava dessas aulas?Regina - De tudo. Eu tinha aula de tudo.

Gostava e me identificava. Às vezes eu ia atépra cima do telhado pra dar adeus pro povo quepassava.

Narjara - Como era seu comportamento naadolescência?

Regina - Eu era o cão! Eu era danada de-mais. Quando estudava nas Salesianas, eu viviade castigo. Porque eu era muito danada. E quan-do eu fazia uma danação eu corria pra diretorapra contar do meu jeito. Quando a irmã ia recla-mar eu já tava lá. A diretora dizia: "A bichinhajá tá aqui comigo." Eu ficava era com ela ali nafrente passeando. Eu corria. Eu era interna, masno colégio quem tocava o sino era eu. Quandoterminava as aulas, eu ia correndo tocar o sino.

Narjara - A senhora lembra de algum episó-dio que aconteceu?

Regina - A gente tomava banho de camiso-la. Com aquela roupa de banho. Então, nessetempo tinha o Ideal na Avenida João Pessoa. Ocolégio levava a gente pra tomar banho na pis-cina do Ideal. E eu ficava desfilando na borda dapiscina com a roupa que tinham feito pra mimbem curtinha. As irmãs ficavam danadas e meempurravam pra dentro da piscina porque euficava só na borda desfilando.

Narjara - Eram só meninas no colégio?Regina - Só meninas no colégio. A gente ia

do colégio lá pro Ideal, que naquele tempo erao Ideal Clube, o Ideal começou lá. A gente ia nafila com as irmãs. Pra tomar banho na piscina.

Mariana - Passava a semana inteira?Regina - Não, a gente voltava no mesmo dia.Mariana - Não, no colégio.Regina - O colégio era rigorosíssimo! Não

podia nem sair. Meu pai fazia as maiores cadu-quices comigo. Mandava aqueles sorvetes anti-gos que a gente batia assim (faz gesto com asmãos, mostrando como preparava os sorvetesantigos). Vocês não conhecem não. Mandavamfruta, mandava tudo. Eu dava a merenda do co-légio. Era coisa simples de quem não tinha filhoe criava o filho dos outros.

Narjara - E as famílias eram amigas?Regina - Eram amigas, muito amigas. Tanto

amigas que uma tomou a filha da outra.Vinícius - Então isso nunca foi um proble-

ma?Regina - Não, graças a Deus eu nunca criei

problema. Agora eu vou lhe dizer uma coisa. Euquando entrei no colégio, antes do ginásio, eu

assinava com o nome dos pais de criação. Ma-ria Regina Barroso. Quando eu fui pro ginásio,tive de botar o meu nome McDowel1. Eu tinhahorror! Eu ficava assim na aula (faz gesto mos-trando que ficava atenta). Quando o professoria fazer a chamada eu ficava assim na aula. Oprofessor falava: "Hoje eu vou fazer a chamadacom o nome que é para eu conhecer". Quandoele dizia: "Ré ...", eu gritava presente que era praele não dizer o meu sobrenome, porque eu nãoqueria que ninguém soubesse. Eu entrei no co-légio com um sobrenome, aí me chamavam derejeitada. Depois tinha outro sobrenome que erado meu pai legítimo. Eu não podia ficar com umnome que não era meu.

Yuri - E o seu pai legítimo era estrangeiro?Regina - Não, não. Não era, não. Alias, a mi-

nha Carteira de Identidade é muito engraçada.Eu estou escrevendo a minha vida. Eu escrevo"Quem sou". Eu boto a carteira de identida-de Maria Regina Picanço Passos, filha de JoãoMcDowell Guerreiro Lopes e Judith Moura Lo-peso Olha como é minha Carteira de Identidade.Eu não gosto de mostrar minha Carteira de Iden-tidade. Porque não tem meu nome, o que é oque eu sou. Porque eu sou filha de McDowel1Guerreiro Lopes e Judith Moura Lopes e meunome é Maria Regina Picanço Passos. Eu nãogosto de mostrar minha Carteira de Identidade.Quando eu chego num hotel que pedem minhaCarteira de Identidade eu fico triste. Porque eunão gosto. O pessoal fica lendo e pensa: "O queé isso? Filha de um, filha de outro?" Porque omeu pai, na hora do casamento, o juiz pergun-tou qual era o nome que eu queria assinar. Eudisse Maria Regina Picanço Passos, que era dafamília que me criou.

Mariana - Mas a família dos seus pais desangue, a senhora teve alguma relação com osirmãos?

Regina - Tinha relação com eles. Ia na casadeles. Essas coisas a gente acaba se habituan-do. Mas era assim.

Mariana - Mas os seus irmãos, a senhorachegou a ter alguma convivência?

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A equipe de produçãotambém não hesitou emvasculhar o acervo dosjornais Diário do Nor-deste e O Povo. Notasnas colunas sociais e naagenda cultural apresen-taram o maior númerode referências sobre aentrevistada.

o conteúdo que seriaabordado na entrevistafoi discutido no dia 22de setembro. Todos es-tavam ansiosos com aprimeira entrevista daedição 23 do projeto. O"diálogo possível" acon-teceria na quinta-feira damesma semana, dia 24.

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A pouco menos de trêshoras do encontro entrea turma e a entrevistada,a equipe de produção foialertada por telefone quea entrevista não poderiaacontecer naquele dia.

A equipe de entrevista-dores se reuniu às 14h domesmo dia. Alguns aindanão sabiam do imprevis-to que tinha tudo pra seruma grande ducha deágua fria sobre a equipe- no entanto, o professorRonaldo Salgado incenti-vou a turma a não deixara peteca cair.

Regina - Tive muita convivência. Eles mora-vam na (rua) Senador Pompeu na melhor casada Senador Pompeu. Era de dois pavimentos.Mas na frente não aparecia não. Eles tinham 2quartos enormes. Tinha escada, tinha tudo. Eu iamuito pra lá pra casa deles. Eu fiquei sócia delas.Eu estudei com elas, com minhas duas irmãs.Quando me chamaram de injeitada (ela quer di-zer rejeitada) eu ficava danadinha da vida.

Narjara - A sua prima Elza contou uma his-tória que a senhora dizia "Filha do McDowell évocê", quando te chamavam de filha do McDo-well.

Regina - Era, eu tinha raiva. Eu não gostava.Até hoje eu não gosto de mostrar minha Carteirade Identidade.

Priscila - Mas a senhora guarda rancor dosseus pais?

Regina - Não. Não guardo rancor. Eu às ve-zes chegava pra minha mãe e dizia: "Você medeu ...", A Cláudia dizia: "Mamãe, não diga issocom a vovó não que ela fica tão sentida". Minhamãe dizia: "Eu não lhe dei, você foi tomada". Eufui tomada. Eles nunca me deram não. Eu fui co-brir uma lacuna numa casa que não tinha filhos.Eu não gostava de mostrar minha Carteira deIdentidade por isso.

Geimison - A senhora parece que tem umgrande carinho pelo seu pai de criação. O jei-to que a senhora fala dele. Inclusive tem umahistória que ele deixou a senhora namorar comum cadete militar. Pediu pra namorar só pra nãofazer desfeita. Como era a relação de vocês?

Regina - Eu era muito danada. Era namora-deira. Namorava com aluno do Colégio Militar.

Geimison - Que naquela época não podia ...Regina - Era muito importante você namorar

com um aluno do Colégio Militar. Era coisa mui-ta! Pois é, eu era assim, eu era danada, muitodanadinha!

Narjara - Mas e a relação com o pai? Comoera a relação com o pai adotivo?

Regina - Não, eu até conto isso no meu livro.O papai gostava muito de criança, ele, quandovinha do consultório dele, trazia aquelas tampi-nhas de cerveja pra meninada pra distribuir prosmeninos que moravam ali perto. Ele trazia praeles e eu ficava morrendo de ciúmes. Saia lá da

1/( ... ) eu digo aminha idade porqueeu não aparento a

minha idade. O queadianta? Quandodigo que tenho 86anos, todo mundo

fica admirado"

janela que ele tava com os garotos pra dar ascoisas e eu chorava. Ficava enciumada porqueele gostava muito de criança. E eu ficava comciúme deles, chorava até.

Geimison - Apesar de a senhora ter sido aescolhida dele pra ser filha, né?

Vinícius - E eles nunca tiveram filhos emcasa não é?

Regina - Não, só eu.Yuri - Foi por isso que o nome do seu pri-

meiro filho foi Américo?Regina - É... (acena com a cabeça, concor-

dando) Américo foi o primeiro filho.Janaína - Eles (os pais adotivos) direciona-

ram sua educação para alguma vocação?Regina - (adianta-se na resposta) Não. Eu

tenho ... Eu gosto muito de guardar as coisas,ouviu? Eu tenho uma carta do meu pai, quandofoi para o Amazonas (Regina explica que o avôdela, pai de Américo, era dono de um seringalno Estado). Papai foi para lá e fez uma carta paramim. Dizia assim: "Minha querida filha Regina,um beijo do seu pai pelos seus três anos". Eutenho essa carta aí (guardada) e vou botar nomeu livro. (Regina junta as mãos, enfática. Vol-ta-se aos entrevistadores) Acredita que eu aindatenho essa carta? Tá ali, em cima daquela mesa(aponta para a mesa da sala) ...

Emília - E esse livro? Foi a senhora que tevea ideia de escrever?

Regina - É, eu estou escrevendo.Emília - Quando foi que a senhora começou

a escrever?Regina - Coisa de um mês, dois ...Emília - Por que a senhora resolveu escre-

ver?Regina - É porque minha vida é muito cheia

de problemas, ouviu? Muita coisa: uma filha quefoi criada por outro, sabe como é? Tive muitacoisa, sofri muito por problemas familiares ...Quando meu pai morreu (ela explica que o paide criação, América, faleceu com 42 anos deidade após retomar do Amazonas, vítima deapendicite supurada), o enterro foi de carregar ocorpo nas mãos, de tão querido que era! Quan-do diziam que faltava gelo no hospital onde eleestava, os amigos dele vinham todos com gelode geladeira e tudo mais! Papai passou 30 diasinternado e se operou três vezes. Eu completeiquinze anos de idade no dia em que ele estavainternado no hospital. Fiz quinze anos no dia 22de janeiro e ele morreu no dia 31 de janeiro.

Narjara - A gente sabe que a sua vida foimarcada por algumas perdas. Como essa parteda sua vida influenciou na sua carreira?

Regina - Eu me acho uma pessoa muito re-solvida ... Quando eu quero as coisas, consigo.

Geimison - E como a senhora fez pra supe-rar essas coisas e continuar com a vida?

Regina - Pois é, continuar a vida ... Eu caseicom 18 anos, bem nova. Eu namorava com ele,o Luiz (Luiz Passos, primeiro marido de Regina),e a minha tia chegou pra ele perguntando "Luiz,você tem intenção de casar com a Regina?". Eledisse "Tenho". (retoma a fala da tia) "Pois casalogo pra tirar essa menina dessa confusão".Porque o meu pai (legítimo) queria mandar em

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'rn, já que meu pai de criação tinha morrido.-õ dizendo que no dia do meu casamento ele'0' lá assistir, e quando eu disse que queria meu

ome como Maria Regina Picanço Passos, elese levantou e foi embora. Saiu. Me deserdou. A

inha irmã mais velha tinha recebido uma par-e de dinheiro (da herança) e me deu. Mas ele,

ele mesmo, me deserdou. O dinheiro eu torreiodo comprando o enxoval da Cláudia (uma das

filhas).Geimison - A senhora se sentia preparada

para esse casamento ou foi por necessidade,pelas circunstâncias?

Regina - Não ... Eu me casei porque quis! Eugostava do meu marido. Era meu namorado eeu gostava dele. E casei com 18 anos. Hoje nin-guém casa com 18 anos, só casa com 20 e pralá!

Priscila - Como foi que a senhora conheceuo seu marido?

Regina - Ah, minha filha, nas festas do Clubedos Diários, do Clube Iracema (antigos clubessociais localizados na Praia de Iracema, qua-se à Beira-mar) ... Eu dançava a noite inteirinhacom um, com outro, com um, com outro; aí elechegou e disse assim "Você não vai dançar commais ninguém. Você vai dançar só comigo".

Mariana - E ele era do Colégio Militar?Regina - Não, não ... (risos)Narjara - Como era o seu casamento? Era

muito feliz?Regina - Foi. Eu casei na igreja no colégio

onde eu estudava, na Escola Doméstica São Ra-fael. A minha mãe era muito vaidosa e fez umamesa (parte da decoração) lindíssima pro meucasamento. A vaidade dela era tão grande queela tirou retrato só da mesa, sem eu estar perto ecom o meu marido, olhaí! (risos de todos) Quan-do eu comecei a fazer festivais e tinha qualquerdetalhe bonito na roupa das meninas, era elaquem fazia. Ela dava a ideia, fazia ... Minha mãeera muito boa, tinha a cabeça muito boa.

Narjara - E a convivência com o seu marido?Regina - Eu vivia bem com meu marido,

mas ... Ele era ciumento demais! Eu ia para asfestas e, de vez em quando, voltava brigada. Eleachava que eu estava olhando para aqui, acolá,aqui, acolá, era um homem ciumento.

Geimison - Antes de montar a academia asenhora era só dona de casa mesmo, não é?

Regina - Só dona de casa, com os quatro pri-meiros filhos, você já pensou? Tinha três babás!Porque não dava pra cuidar sozinha.

Mariana - O seu marido trabalhava com oquê?

Regina - Ele tinha um comércio no Centro,na Praça do Ferreira, no tempo da guerra (Se-gunda Guerra Mundial). Os brasileiros tinhamraiva porque os norte americanos frequentavammuito lá. Eles diziam que ele (Luiz, marido deRegina) dava preferência para os americanos.Não dava preferência! Eles eram quem iam pralá!

Priscila - Dona Regina, a senhora disse que asua mãe era muito vaidosa. A senhora tambémé muito vaidosa?

Regina - Não, mas não gosto de estar mal

vestida, não ... (sorri) Tenho minhas vaidade-zinhas, mas não sou muito vaidosa (enfatiza).Vaidosa é a Cláudia, minha filha, que ali é ... AveMaria! É a vaidade em pessoa.

Janaína - Uma bailarina precisa ser vaidosa?Regina - Não. Não tem nada a ver.Geimison - O seu marido perdeu a visão

muito cedo. Como foi esse período?Regina - Isso foi muito ruim, porque a pes-

soa que vai perdendo a visão ... Ele foi duas ve-zes para o sul (do Brasil) e não teve jeito, eleperdeu mesmo a visão. Agora, ele tirou provei-to. Depois que ele se conformou, ele tirava pro-veito. Ele passava dinheiro ... ele tinha uma casacomercial. ..

Geimison - Ele continuou trabalhando?Regina - Continuou trabalhando. Nunca dei-

xou de trabalhar. E ele conhecia o dinheiro. Nin-guém enganava ele. Agora, foi uma coisa muitoruim pra mim. O doutor chegou pra mim e dis-se: "O Luiz vai ficar cego porque ele vai perdera visão aos poucos". Você tinha de ter cuidadocom ele, de se prevenir, sabe? Por exemplo, noaniversário de 15 anos da Cláudia, ela debutouno Ideal Clube. O Luiz dizia assim: "Eu não voudançar com a Cláudia. Manda o Américo (filhomais velho)". Eu dizia: "Não! Quem vai é você!".Eu ia antes da festa, no Ideal, mostrava pra ele opercurso que ele iria fazer, como pegar a Cláudiae dançar com ela. Nunca deixou de dançar. Agente brincava carnaval, se fantasiava, eu e ele,e brincávamos a noite todinha ali no Ideal.

Geimison - Então vocês arrumaram um jeitode fazer tudo normal ...

Regina - É, fazia tudo normal, pra ele não sesentir mal ... No começo ele sofreu.

Vinicius - Isso foi na época quando a senho-ra foi pro Rio de Janeiro?

Regina - Não, não, não ... Ele começou a per-der a vista depois que eu cheguei, depois queeu já tinha a academia. Quando eu produzia ofestival, ele tinha uma caminhoneta, um cami-nhãozinho pequeno. Eu fazia os ensaios à noitee depois colocava a meninada todinha dentrodaquele caminhão e ele saía distribuindo as me-ninas, levando em casa. E a briga? As meninasdiziam assim "Vai primeiro pra Aldeota!", "Não!Primeiro vai pro Benfica!", porque ninguém

"Disseram que eutava muito enfezada,não podia mais estardando aula. Porqueo povo falava que

eu batia com varinhanas pernas das

meninas"

REGINA PASSOS I 21

Um telefonema na sexta-feira seguinte recuperouo contato com ReginaPassos. A entrevista ti-nha sido adiada para as14h30min da terça-feiraseguinte, dia 29 de se-tembro. Na manhã dodia de véspera, outrotelefonema confirmaria aentrevista.

O grupo de entrevista-dores se dividiu em doiscarros. Encontraram-seem frente à Academia deDança Regina Passos. Oprofessor Ronaldo Salga-do apareceu minutos de-pois, a pé no sol quente,não deixando se debilitarpela gripe que o perse-guia há dias.

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Regina recebeu um gru-po de doze pessoas naespaçosa sala do seuapartamento. Todos sen-taram confortavelmenteno sofá, em cadeiras ouno chão, apoiados sobrealmofadas. Gravadoresligados. Era a hora deconversar com nossa en-trevistada.

Devido ao calor intensoque afetava a cidade na-queles dias, as janelas davaranda foram abertas. Obarulho do intenso trá-fego de veículos na RuaPadre Antônio Tomás in-vadiu as gravações, masnada que prejudicassepor completo a coleta deáudio.

queria ir pra casa primeiro, só queriam ser asúltimas. Queriam todas irem na brincadeira! Eele (Luiz) ia deixar as meninas. Ele me apoioumuito com o meu pessoal. Ele não enxergava,mas ia toda vida que tinha festival e ficava naporta, cumprimentando todos.

Narjara - Foram quantos anos de casamen-to?

Regina - Trinta e tantos anos ... Eu não seinem direito, ouviu?

Narjara - A senhora casou novamente?Regina - Eu tenho um "gato" (risos de to-

dos). Tenho um gato aqui dentro de casa. Énovo. Eu tenho duas vezes a idade dele, duas euma coisinha. Eu tenho 86 anos e ele uns 46 ...

Narjara - E como é a dona Regina mãe?Como é a relação da senhora com as suas fi-lhas?

Regina - É muito boa a relação. Hoje em diaé que não é boa, não. Porque eu estou com estegato dentro de casa, aí elas não gostam.

Priscila - As filhas não gostam?Regina - Ninguém gosta.Narjara - E como foi a educação que a se-

nhora deu a elas?Regina - Ah não, minha filha ... Eu fui uma

mãe que resolvia todo problema que elas ti-nham na vida. Monetariamente (gesticula, ex-pressando dinheiro, valor). eu resolvia.

Priscila - A senhora ficou sustentando tudocom o dinheiro da academia?

Regina - Eu ganhava só com a academia. Eeu viajava duas vezes por ano. (Regina faz umapausa e retoma, com tom de voz alto) Naqueletempo em que o balé era R$ 5, a gente ganha-va muito mais dinheiro! (sorri) Começou dessejeito. Nesse tempo R$ 5 (ela fala reais só paraexplicar, mas a moeda era outra, era cruzeiro)era muito dinheiro! Tô dizendo, que viajavaduas vezes por ano. Toda vida! Ia pra Europa,pra aqui, pra acolá. E ainda tinha uma coisa: omeu agente de viagens não me deixava ir viajarcom outra pessoa no meu quarto. (Faz a voz doagente) "Não! A senhora vai é sozinha no seuquarto".

Janaína - (aponta para um conjunto de cai-xas de madeira organizadas sobre a mesa devidro na sala) Essas caixinhas são todas de via-gens?

Regina - É. Tudo de viagem. As caixinhas ...Eu adoro caixinha!

Mariana - Dona Regina, eu gostaria de en-tender como foi que a academia saiu da sua

casa, na (rua) Sólon Pinheiro e veio ser aqui naRua Padre Antônio Tomaz.

Regina - Não ... Da (rua) Solón Pinheiro, elafoi pra Rua Pedro Pereira, que era nessa casado Ibeu. Era bem grande. Eles pediram a casa eeu tive de entregar, porque eu não era dona dacasa. Daí eu fui pra Avenida 24 de Maio. Vocêsconhecem as casas da 24 de Maio? São umascasas pequenas, né? A minha casa era de doisandares. E atrás dela, derrubei as fruteiras quetinha e fiz a academia de balé. (levanta a voz,enfática) Eu passei um ano morando aqui e indodar aula lá na Avenida 24 de Maio. Um ano. Aíganhei dinheiro e fiz o primeiro salão de baléaqui (na Rua Padre Antônio Thornsz, onde aacademia permanece). Fiz o segundo salão. De-pois vendi minha casa. Aterrei a piscina daqui efiz o terceiro salão.

Yuri - E com as filhas saindo da sua acade-mia, crescendo e montando as próprias escolasde balé? A senhora encarava isso como um pas-so delas de independência?

Regina - Não ... A Cláudia me ajudava no co-meço e depois foi fazer jazz e sapateado, abrin-do a academia dela. A Tereza é quem trabalhacomigo, e a filha dela também trabalha comigo,a Rochelle, e a Juliana ...

Geimison - Dona Regina, a senhora faloudas suas viagens ao Rio de Janeiro e isso me fezlembrar de uma certa discussão entre a senho-ra e o Hugo Bianchi (bailarino). A senhora nun-ca teve uma boa relação com o Hugo Bianchi?Como era?

Regina - Nós nos damos. O Hugo Bianchi ...Uma vez eu precisei de um bailarino e ele veiodançar na minha academia. Eu precisei. E vocêsabe que negócio de bailarino aqui é coisa mui-to recente, né? E ele veio num balé que eu fiz,dançou até com a Ana Luiza (uma das filhas).

Priscila - A Ana Luiza não virou bailarina,não é?

Regina - É a única que não deu pro negócio.(sorri) O negócio dela é outro. É bar, é outro ...

Narjara - Então não existe esse tipo de con-trovérsia entre a senhora e o Hugo Bianchi?

Regina - Não! Não existe, não ... Nós nos da-mos. Nos damos. Eu me dou com ele. Uma vezeu recebi uma homenagem no Theatro José deAlencar e quem foi me entregar foi o Hugo.

Narjara - Na época circulou na mídia esseembate (Uma entrevista com o bailarino HugoBisnchi veiculada no jornal O Povo em 3 de ou-tubro de 1987 causou certo desconforto entre

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dois na época). Como a senhora acha que see isso?

Regina - Não sei. É porque o povo daqui éassim ... As profissões, né... Eu fui a fundadorado balé em Fortaleza, mas o Hugo trabalhavanas residências do povo mais society e tal, e eleinventava umas danças, umas coisas, nas resi-dências. Então, depois eu apareci com o balée abri uma academia mesmo ... Mas eu não tôdizendo que tenho algo contra ele, não. Tô di-zendo, que recebi uma homenagem e quem foime entregar foi ele.

Narjara - Tem alguma coisa na Dança quea senhora não fez e gostaria de ter feito, algumsonho não realizado?

Regina - Eu acho que o sonho que eu queriaera ensinar balé. Gostei de ensinar. E agora euquero que meu enterro saia de dentro da aca-demia. (Regina faz uma pausa. Retoma) Eu jápaguei o meu enterro!

Geimison - Mas a senhora parece que nãovai morrer logo, não, né?

Regina - Não! (as risadas preenchem a sala)Mas eu já disse que eu quero que o cortejo doenterro saia de dentro da academia. Porque alifoi minha vida! É verdade que não foi toda a vidaali, né? (Regina relembra como mudou a acade-mia da Avenida 24 de Maio para a atuallocaliza-ção na Rua Padre Antônio Tbomaz) Ali tudo eufiz com o meu trabalho.

Vinícius - A senhora se sente reconhecidano Ceará?

Regina - Olha, eu acho que sou, porque opovo vive atrás de mim pra me entrevistar (sor-ri). Eu já fiz entrevista de todo jeito. Fiz umaentrevista no Canal 5 (Regina foi tema de umaedição do programa Crônicas do Ceará, exibidopela TV Ceará) e de vez em quando exibem. Eusó vejo o povo dizendo: "Hoje te vi na televi-são"!

Yuri - Por que a senhora acha que a acade-mia deu certo?

Regina - Porque era uma coisa nova! Deucerto por isso, porque não tinha em Fortaleza.Deu certo, muito certo ...

Narjara - E por que dá certo até hoje?Regina - Mas hoje tem umas cinco acade-

mias de balé, né? Agora, esse povo aí tem tudono mundo: tem balé, tem jazz, tem sapateado,tem dança de rua, tem tudo no mundo ... Eu sótenho balé. Minha academia só tem balé.

Priscila - Parece que a senhora sem o balé ...Regina - (Ela se antecipa na resposta) Não

vivo, né? (sorri)Priscila - A senhora consegue se imaginar

fazendo outra coisa?Regina - Não. (pausa) Eu fui uma mãe muito

dedicada aos meus filhos. Por exemplo, a Cláu-dia, no primeiro aniversário dela, eu dei doze

es idos para ela. Feitos por mim, bordadinhospor mim, com bainhazinha, essas coisas. Fuiuma mãe muito dedicada, mas quando resolvi irpro balé, resolvi mesmo.

Emília - Houve uma troca? De a senhora terdado sua vida ao balé, e o que ele deu em troca?

Regina - Ah, o balé trouxe tudo pra minhaida, Porque tudo o que fiz na minha vida foi

11(0 marido) nuncadeixou de dançar.A gente brincava

Carnaval, sefantasiava, eu e ele, ebrincávamos a noitetodinha ali no Ideal"

por causa do balé. Eu acho que a pessoa maisentrevistada dessa terra sou eu. (sorri) Já deientrevista pra todo mundo. Eu já não aguentomais, porque toda hora é uma entrevista, é umaentrevista ...

Geimison - E o balé deu essa vitalidade ...Regina - É, graças a Deus! Não tem quem

diga que eu tenha 86 anos. E ninguém diz, não.Eu tenho uma cunhada que vem muito pra cáe diz (ela reproduz num tom de reprovação):"Vixe, tu diz a tua idade?". Eu digo "Mas eu digoa minha idade porque eu não aparento a minhaidade". O que adianta? Quando digo que tenho86 anos, todo mundo fica admirado, porque nin-guém me dá 86 anos! Ninguém! Ninguém!

Geimison - E pela conta que eu fiz aqui, asenhora só veio se "aposentar" aos 79 anos.Deixou de dar aula aos 79 ...

Regina - Foi. Dona Tereza que disse que euestava muito enfezada com as alunas. Eu nãodevia ter deixado! Tem duas coisas que eu te-nho raiva. Ela ter feito eu ter deixado de daraula, porque eu devia ter resistido, dito: "Não,eu vou continuar. Quer queira, quer não queira.Eu vou continuar". Isso aí eu me arrependo. Eoutra coisa era um retrato meu de malha, coma perna na barra, que tinha lá na academia ... Elatirou meus retratos e botou fora. Ela me deu umretrato muito bom, mas eu queria um como eufui: foi com meu balé que eu ganhei dinheiro.

Janaína - Falando dos seus retratos na aca-demia, quando a senhora decidiu abrir, teve al-guma dúvida em colocar o nome da senhora nolugar?

Regina - Academia de Balé Regina Passos.É meu nome mesmo. Desde o começo. Aliás,quando comecei as primeiras aulas não tinhanem nome. O jornal e o pessoal que ia me en-trevistar chamavam Academia de Balé de Forta-leza. Depois foi que eu coloquei o nome mesmo,Academia de Balé Regina Passos.

Mariana - E a senhora nunca pensou em co-locar outros estilos de dança na academia?

Regina - Não ... Porque minha história é como balé, daí só tinha balé mesmo. Eu tinha demanhã, e tenho até hoje, uma ginástica. Mas jádei pras alunas fazerem, porque não tenho par-ticipação nenhuma. Era às 6 horas da manhã, eainda tem. Dou salão, dou som, dou tudo. Nãoganho dinheiro com isso, nem nada.

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Os primeiros momentosda entrevista revelarama ansiedade dos entre-vistadores. Ronaldo nãose conteve e aproveitoua primeira troca de fitasdo seu gravador analó-gico para alertar a turmaque 69 perguntas haviamsido feitas em 30 minutosde entrevista.

Após o freio, a turma se-guiu com maior tranquili-dade, dando mais tempopara a entrevistada racio-cinar. A espera e o silên-cio nas respostas permiti-ram Regina ficar um pou-co mais à vontade comos entrevistadores.

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Cautelosos com os temasmais delicados na vida deRegina, os entrevistado-res foram surpreendidospor uma mulher aparen-temente bem resolvidacom muitas coisas de suavida pessoal.

Após 1h50 de entrevis-ta, os gravadores foramdesligados e a conversaencerrada. Todos agra-deceram disponibilidadede Regina, que ofereceurefrigerante para os en-trevistadores. Ela teriaum compromisso nomesmo dia, às 17h, logoapós nosso encontro.

Mariana - Já as suas filhas têm academiascom outros estilos ...

Regina - Ah, a Cláudia tem. Ela me ajuda-va no balé. Foi pro Rio e fez jazz e sapateado, eabriu a academia de jazz e sapateado. Porque dámuito mais lucro ...

Mariana - E vocês nunca tentaram juntartudo isso numa grande academia, uma "Acade-mia Passos"?

Regina - Não, não (sorri) ... A Cláudia nem támais com academia, ela está com uma muscu-lação. Dá muito trabalho (ter uma academia debalé)! A pessoa precisa ter muito amor à Dançapra poder levar uma academia. Porque o festivaltem de ser todo ano. E as mães só querem asfilhas bem na frente. É. Dá muito trabalho, viu? Emuito problema.

Narjara - Sobre a sua academia, a senhoraespera que passe de mãe pra filha, de neto prabisneto?

Regina - É... É da Tereza, não é? Ela é quemdá aula e tudo. Futuramente é dela.

Emília - Mas a senhora pretende participarmais efetivamente da academia?

Regina - Não. Da academia, eu só participo ...Eu fico lá... Tem a secretaria, né? Presto contas,todo dia. E tô lá, conversando com as mães dasmeninas, com as meninas e tudo. Mas não tenhomuita participação, não.

Geimison - E tem muita mãe que foi sua alu-na?

Regina - Ora! Demais! (sorri) Eu não possosair na rua que vem alguém e diz: "Eu fui suaaluna". As velhas todinhas foram minhas alunas(risos de todos).

Narjara - E a senhora reconhece as antigasalunas?

Regina - Às vezes eu nem reconheço, viu ...Quer dizer, passou por mim, mas eu não melembro. Mas todo canto em que eu vou tem al-guém dizendo: "Eu fui sua aluna, você não lem-bra de mim, mas fui sua aluna".

Vinícius - Dona Regina, quais os principaisobjetivos da senhora atualmente?

Regina - (ela faz uma pausa, reflete, e res-ponde) Não, eu não tenho objetivo nenhum ...

Vinícius - Nem a biografia?Regina - Eu tô escrevendo esse livro aí.

Agora, eu não sei se vai sair que preste. Tavavendo ali com a minha secretária, passando ecorrigindo, né? Quem de vocês mexe com isso?(nenhum dos entre vista dores responde)

Narjara - A senhora pretende lançar o livro,não é isso?

Regina - Sim, quero ... Vamo ver se tenho co-ragem pra fazer isso. Eu tenho até as fotografiasdo meu tempo!

Geimison - Qual a situação do livro? Tá nocomeço, tá no meio?

Regina - (sorri) Eu tô pensando que já tô nofim.

Geimison - No fim do livro, já?Regina - É... Eu já falei muito, sobre muita

coisa, sobre que eu sou uma pessoa que nãoteve nenhuma rainha, uma Miss Brasil, que nãotenha ido ensaiar comigo. Rainha do Algodão.Rainha do Caju. Tudo isso quem fazia aqui em

Fortaleza era eu. (pausa) E o meu marido meacompanhava. Ele perdeu a vista, mas nuncadeixou de me acompanhar. Eu fazia as coisas ...Rainha do Algodão ... Miss Ceará ... Toda MissCeará quem ensaiava era eu.

Emília - Como se ensaia uma miss? O que éque tem de aprender?

Regina - A andar. E eu vou lhe dizer umacoisa: quando o Diários Associados (outrora umdos maiores conglomerados de empresas demídia do Brasil) me convidou pra ensaiar as mis-ses, eu fui primeiro pro Rio de Janeiro e fiz umcurso de desfile (conta orgulhosa). Fiz um curso,porque eu não prego prego sem estopa (ditadopopular que significa "não fazer algo sem finali-dede"). Eu faço aquilo que sei. Era eu quem en-saiava todas as meninas.

Priscila - E a senhora foi Rainha dos Estudan-tes, não foi?

Regina - Eu fui candidata, ouviu? Não fui rai-nha, não ... (ela sorri) Isso quando tinha 16 anos.Teve uma festa ... A família Picanço, que mecriou, me prestigiava muito. Então teve a festa,e o tio Jurandir foi ... Compravam o jornal, pradestacar o recorte (o concurso de Rainha dosEstudantes foi realizado pelo jornal O Povo. Naépoca a votação era feita através de cupons vei-culados na edição impressa do jornal). Era unsmontes de jornal pra mim. (pausa) Eu fui muitoprestigiada.

Narjara - O que a senhora faz até hoje paramanter essa energia toda que a senhora tem?

Regina - Academia. Todo dia eu vou pra aca-demia, pra conversar com o povo e tudo.

Priscila - Dona Regina, e o que é que no baléfez a senhora se apaixonar tanto?

Regina - Minha filha, foi porque eu escolhi aprofissão que eu queria, que eu tinha vontade.Fui ao Rio de Janeiro batalhar por esse balé. Ebatalhei. E, quando voltei, abri minha academia.E tive confiança do povo de Fortaleza, porqueas minhas alunas, dos meus primeiros festivais,eram tudo ó ... (faz gesto simbolizando dinheiro,riqueza) Sabe quem tocou piano no meu primei-ro festival? Foi Esther Salgado Studart (EstherBarroso Salgado Studart, uma das fundadorasdo Conservatório Musical Alberto Nepomuceno,uma das principais instituições dedicadas ao en-sino da música no Ceará) e mais dois pianistas!Meu primeiro balé foi tocado por três grandescriaturas da alta sociedade, e foi de piano, vocêacredita? De piano!

Narjara - No programa Crônicas do Cea-rá (exibido pela Tv Ceará), a senhora falou queo seu sonho era ganhar o troféu Sereia de Ouro(prêmio anual criado pelo industrial Edson Quei-roz para homenagear quatro personalidadesque se destacaram no Ceará) ...

Regina - Eu já disse isso várias vezes, maseu não sei por que é que não ganhei! Porque oHugo Bianchi já ganhou e aquela outra profes-sora (Regina tenta lembrar, mas não consegue.Referia-se à coreógrafa e bailarina Dora Andra-de) também já ganhou. E eu nunca ganhei.

Narjara - A senhora acha importante ganharesse prêmio?

Regina - Ah ... Todo mundo ganha? Por que

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e que eu não posso ganhar? Já que eu fui a pri-rneira bailarina de Fortaleza!

Geimison - Qual lição a vida lhe deixou equal mensagem passaria para os mais jovens?

Regina - Lute pelo que você quer, porque agente sofre. Só vence quem lutar pelo que temvontade de fazer.

Priscila - Eu queria saber da onde a senhoratira forças, coragem ... Da onde é que vem isso?

Regina - De mim mesma. Não tiro de nada,de ninguém, porque eu vivo muito só aqui nestaenorme casa.

Emília - Como a senhora gostaria de ser lem-brada dentro da história da Dança no Ceará?

Regina - Eu acho que o principal da minhavida foi o que eu fiz. O balé ... O balé pra mim étudo!

Narjara - E a senhora gostaria de ser lem-brada como bailarina, professora, empresária?Como o quê?

Regina - Bailarina-professora, porque gran-de bailarina eu não sou. Professora. Professorade balé. É o que me levou na vida, ter sido pro-fessora de balé. Foi uma audácia muito grandeque tive, com 28 anos, com quatro filhos ... Comquatro filhos, 28 anos, ter deixado tudo aquipra ir embora pro Rio de Janeiro fazer curso debalé ...

Priscila - A senhora se considera uma pro-fessora de balé, e não uma bailarina. Sente faltadessa carreira de bailarina profissional?

Regina - Não ... Eu não sinto, não ... De serbailarina profissional eu nunca quis. Queria serprofessora mesmo, transmitir pros outros o queeu tenho dentro de mim: essa força, essa condi-ção de fazer o que se tem vontade.

Janaína - Olhando para trás, a senhora vêalguma coisa que deixou de fazer e gostaria deter feito?

Regina - Não, não ... Acho que o que eu que-ria fazer, eu já fiz mesmo.

"Eu acho que osonho que eu queria

era ensinar balé.Gostei de ensinar. Eagora eu quero quemeu enterro saia dedentro da academia"

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