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A TRAGDIA GREGAvol. 1 SFOCLES A Trilogia Tebana dipo Rei, dipo Antgona em Colono,vol. 2SQUILO

Orstia Agammnon, Coforas, Eumnides Media, Hiplito, As Troianas Os Persas Electra HcubaIfignia em ulis, As Fencias, As Bacantes Prometeu Acorrentado jax Alcestevol. 3 vol. 4EURPIDES SQUILO SFOCLES EURPIDES EURPIDESvol. 5vol. 6SQUILO SFOCLES EURPIDESA COMDIA GREGAvol. 1 ARISTFANES As Nuvens, S para Mulheres, Um Deus Chamado Dinheiro

3/342vol. 2 vol. 3ARISTFANES ARISTFANESAs Vespas, As Aves, As Rs A Greve do Sexo, A Revoluo das Mulheres

EURPIDESMEDIA HIPLITO AS TROIANASTraduo do grego, introduo e notas de: MRIO DA GAMA KURY7 edio

SUMRIO

Prlogo MEDIA Introduo Traduo Notas HIPLITO Introduo Traduo Notas AS TROIANAS Introtas Trabalhos publicados por Mrio da Gama Kury

PrlogoAs primeiras edies das tradues da Media,spectivamente em 1972, em 1977 e em 1965 pelaova edio sai aqui amplamente revista, com oaos versos, que nas edies anteriores foramor literalidade em relao ao original grego.

do Hiplito e das Troianas foram publicadas reEditora Civilizao Brasileira. Esta nobjetivo principal de dar maior fluncias vezes sacrificados para assegurar maiMRIO DA GAMA KURY

MEDIA

8/342INTRODUO

Eurpides nasceu em Salamina (ilha situada nas proximidades de Atenas) provavelmente em 485 a.C.. Educou-se em Atenas, onde viveu a maior parte de sua vida. Entrea poca de sua estria nos concursos trgicos de sua cidade natal (455 a.C.) e a dataprovvel de sua morte (406 a.C.), Eurpides escreveu no mnimo 74 peas, sendo 67 tragdias e 7 dramas satricos. Certas fontes, entretanto, lhe atribuem 92 peas. Dessa produo chegaram at nossos dias as 19 peas seguintes, das quais O Cclope o nico drama satco: Alceste (representada pela primeira vez em Atenas em 438 a.C.), Media (431),Hiplito (428), As Troianas (415), Helena (412), Orestes (408), Ifignia em ulis (405), As Bacantes (405), e em data incerta Andrmaca, Os Herclidas, Hcuba, As Suplicantes, Electra, Heracls Furioso, Ifignia em Turis, on, As Fencias, O Cclope e Resos (estaltima de autenticidade contestada). As geraes subseqentes manifestaram sensvel preferncia por Eurpides em comparao com squilo e com Sfocles. Tanto foi assim que das 74 pes que escreveu 19 sobreviveram, enquanto das 94 de squilo somente 7 se conservaram e das 123 (ou mais) de Sfocles somente 7 chegaram at ns.

9/342O enredo da Media constitui um dos episdios finais de uma longa e complicada lenda, ou de um entrelaamento de lendas, da frtil mitologia grega. Um resumo dessa lenda ajudar o leitor a perceber melhor as muitas aluses a acontecimentos e personagens anteriores ao da pea. Json, ao atingir a maioridade, teria direito ao trono de Iolco (cidade da sia Menor, perto da atual Guzeihizar, na Turquia). Enquanto o pai, ison, preparava-o para reinar, entregou o poder a um primo, Pelias, que, chegadaa hora de passar o trono a Json, se recusou a faz-lo e desterrou ison. Json, aps algum tempo de ausncia na companhia do sbio centauro Quron, que o educava por encargo de seu pai, resolveu ir a Iolco. O rei usurpador no o reconheceu mas, pelos trajessingulares de Json, viu nele a pessoa que, de acordo com um orculo, poria em perigo seu reinado. Json fez muitos amigos e admiradores em Iolco, graas sua inteligncia e fora fsica. Algum tempo depois apresentou-se a Pelias acompanhado por seus simpatizantes e ousadamente lhe exigiu de volta o trono. A atitude decidida e a popularidade de Json intimidaram Pelias que, tentando livrar-se da ameaa, lembrou a Json que Aietes, rei da Clquida (regio da sia Menor, ao norte da atual Armnia), tratara desumanamente Frixo, parente de ambos, e o matara para apossar-se do toso (ou velocino) de ouro (pele de um carneiro prodigioso, alado e dotado de l de ouro, que transportara pelos ares Frixo e sua irm Hele, fugitivos de Tebas, at a sia Menor,e depois fora morto por Aietes). Pelias alegou que j era muito idoso para empreender, ele mesmo, a viagem punitiva, e exortou Json a realiz-la, prometendo-lhe o trono se ele regressasse vitorioso. Json aceitou, sonhando em sua juventude com aglria

10/342que lhe traria a expedio, para a qual arregimentou a fina flor da mocidade grega da poca. Os expedicionrios embarcaram na nau Arg ( qual se devia a expresso Argonautasara designar os participantes). chegada dos Argonautas Aietes, que segundo a lenda era filho do Sol, prometeu entregar o toso de ouro a Json se ele fosse capaz derealizar num mesmo dia quatro proezas consideradas impossveis: 1, domar um tourode cascos e chifres de bronze, que soprava chamas pela boca e pelas narinas; 2, arar com esse touro um campo consagrado ao deus da guerra (Ares); 3, semear naquele campo os dentes de uma serpente monstruosa de cujo corpo sairiam guerreiros armados, prontos a exterminar quem tentasse arar o campo sagrado; e 4, matar um drago ferocssimo, que montava guarda noite e dia ao p da rvore em cujos galhos estava pendente o toso de ouro. Os Argonautas apavoraram-se com as condies, mas Hera, deusamulher de Zeus (o deus maior da mitologia grega), que simpatizava com Json, teria feito com que Media, filha do rei Aietes e portanto neta do Sol, ficasse perdidamente apaixonada por Json e prometesse, se este jurasse casar-se com ela e lhe garantisse fidelidade eterna, ajud-lo a vencer, com seus poderes mgicos famosos naregio, todas as provas sobre-humanas. Json prometeu casamento e fidelidade a Mediano templo de Hecate (deusa propiciadora de poderes mgicos, padroeira das bruxarias e sortilgios) e recebeu da moa as ervas e poes mgicas com que, na presena de Aietese dos habitantes da Clquida pasmos de admirao, passou por todas as provas e se apossou do cobiado toso de ouro. Em seguida os Argonautas reembarcaram na Arg. Json levava consigo, alm do toso de ouro, a apaixonada Media. Aietes, ao tomar conhecimentoda fuga da filha e da proteo que ela dera a Json graas a seus poderes mgicos, mandouseu filho psirto em

11/342perseguio aos fugitivos. Media matou psirto, seu irmo, e esquartejou o cadver espalhando-lhe os membros ao longo da rota da Arg para desnortear o pai quando este viesse tambm em sua perseguio. O regresso dos Argonautas a Iolco foi celebrado com grandes festas, s quais ison, pai de Json, no poderia comparecer por causa de sua idade avanada. Media, com seus remdios mgicos, devolveu-lhe a juventude. Pelias, o usurpador de coroa de Iolco, tambm quis ser rejuvenescido, mas Media, instigada por Json, deu s filhas do rei, para aplicao no pai, uma receita propositadamente errada, que omatou. A revolta da populao de Iolco contra Media e Json foi to forte que os dois tiveram de fugir para Corinto, onde viveram em perfeita unio durante dez anos. No fim desse perodo, porm, Json apaixonou-se por Glauce, filha de Creonte, rei de Corinto, e repudiou Media para poder casar-se com sua nova amada. neste ponto da lendaque tem incio a ao da pea. A mesma lenda em que se enquadra a Media inspirou duas outras tragdias de Eurpides: As Filhas de Pelias e Egeu, das quais s nos restam fragmentos. A tnica da Media o dio sobre-humano em que se transforma o amor da herona porJson, quando este a repudiou para casar-se com a filha do rei da regio que os acolhera. A essa humilhao terrvel seguiu-se outra, que precipitou a deciso funesta de Media: Creonte, rei de Corinto e pai da nova noiva de Json, decretou a expulso da infeliz Media e de seus filhos de seu reino. Media era conhecida nas lendas da Antiguidade por seus poderes mgicos extraordinrios. Sua terra natal a Clquida de onde Json a trouxera , era famosa pelas aptides sobrenaturais de seus habitantes, feiticeiros hbeis e conhecedores de todos os segredos da magia.

12/342Significativamente o juramento de fidelidade de Json a Media, ainda na Clquida, fora feito no templo de Hecate. Media, humilhada, confiante em seus poderes mgicos resolveu vingar-se de Json por todos os meios possveis e em tudo que pudesse feri-lo. A pea evolui de uma Media abatida pelo repdio do marido, esposa trada que definhava no leito e nem sequer levantava as plpebras para abrir os olhos, aparentementeconformada com a sorte, para uma mulher animada por um terrvel desejo de vingana eextermnio, que no se detinha diante do infanticdio, como vindita extrema para o aniquilamento completo do marido perjuro. Esses sentimentos primitivos eram naturais numa criatura tambm primitiva, vinda de uma regio habitada por brbaros entre osquais imperava a feitiaria, principalmente se levarmos em conta o procedimento deJson (vejam-se os versos 291 e 302, onde Eurpides faz a smula das razes do amor-prprio ferido, do ponto de vista das mulheres dotadas do temperamento de Media). E ascriaturas humanas no mudaram com o passar dos sculos e at dos milnios. Alguns dos leitores devem lembrar-se ainda de um crime horrvel praticado aqui no Rio, na dcadade 1960, por uma mulher batizada pela imprensa de Fera da Penha que, abandonadapelo amante, seqestrou uma filha dele de cinco ou seis anos Tnia, a mais queridapelo pai e matou-a com requintes de perversidade para fazer o pai sofrer. A Media justamente considerada uma obra-prima do teatro trgico e, para muitos apreciadoresdesde a Antiguidade, a melhor das tragdias de Eurpides (veja-se, por exemplo, o epigrama traduzido na parte final desta Introduo). E a Media faz jus a esta reputao. Se no bastasse a beleza dos prprios versos originais, haveria a intensidade dramtica, o delineamento dos personagens por meio de

13/342suas falas, como a da Ama no incio da pea, as de Media no ataque a Json, na reconciliao simulada com o mesmo e, sobretudo, no solilquio onde se reflete sua indeciso quanto a matar, ou no, os filhos, e as de Json. A caracterizao dos personagens uma dasmelhores coisas da pea, a comear pela da herona, que o primeiro e um dos mais finosdos profundos estudos feitos por Eurpides da alma feminina. O amor de Media em sua evoluo para o dio assassino, seu orgulho ferido, sua ferocidade, sua astcia, so pintadas por Eurpides com mo de mestre e simpatia. A reconciliao simulada com Json uma cena de extraordinria naturalidade. Outro aspecto digno de meno que os erros de Mediae de Json, ao contrrio do que acontece na maioria das tragdias gregas, so devidos aseus prprios atos, e ambos no os atribuem ao destino ou a algum deus vingador. Eurpides, por via de Media, exprime a vida humana em termos de humanidade e de livreescolha do bem e do mal. Os personagens secundrios, principalmente a Ama e Creonte, tambm merecem meno. As palavras do velho rei, nos versos 393 a 396, so dessas que, embora poucas, definem um personagem. Em nenhuma de suas outras peas podemos descobrir melhor as qualidades caractersticas do gnio de Eurpides, sem as falhas e os excessos que s vezes encontramos em sua produo. Mas, para essa descoberta, devemos seguir a Media cena a cena, verso a verso, para sentir-lhe toda a beleza, elaborada, impetuosa e densa. A ao, em sua seqncia e em seu conjunto, tem a simplicidade,o encadeamento e a unidade das obras realmente belas, e todos os toques do pattico desenvolvem-se nela em uma progresso quase rtmica e sem quebra de intensidade,marchando no sentido de um desfecho inevitvel. Os episdios se sucedem com tanto rigor que necessria uma ateno constante para discernir qualquer artifcio nessa arte

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segurssima. Esse esforo, porm, mais do que compensado pela fruio da beleza criada porEurpides, da terrvel beleza da pea. Mas, apesar de suas qualidades excepcionais aMedia tem recebido crticas, a comear por Aristteles (Potica, 1454 b 1 e 1461 b 20). Ofilsofo censura Eurpides pela implausibilidade do episdio em que Media e Egeu se encontram (versos 758 e seguintes) e pelo recurso ao sobrenatural (a fuga de Mediano carro do Sol) para finalizar a pea. As crticas de Aristteles, todavia, em ambosos casos s conseguem acentuar o primitivismo de sentimentos que Eurpides imprimiu pea e a importncia dos poderes mgicos de Media, fatores essenciais para o desenvolvimento da tragdia. O episdio de Egeu, por exemplo, por meio da nsia do rei de Atenasde conseguir que sua mulher lhe desse um filho, acentua a necessidade instintiva dos pais de se verem perpetuados nos filhos e, portanto, torna mais compreensvel a idia de Media de vingar-se de Json nos filhos dele. E, naturalmente, o episdio parte do encadeamento da pea, por assegurar a Media um refgio fora de Corinto quandotivesse de fugir aps a prtica dos crimes (vejam-se os versos 1578-1580). Quanto ao final da pea, a sada de Media no carro do Sol apenas um elemento sobrenatural a mais entre tantos que se integram na trama, cuja herona se vangloria de seus poderes mgicos e os comprova, e se orgulha de descender do prprio Sol. As observaes de Aristteles ilustram o distanciamento entre o crtico, na atitude fria de dissecar umaobra de arte com seus instrumentos de preciso lgica, e o artista, no ato instintivo da concepo de sua obra e da identificao com seus personagens, levado apenas por seu poder criador. Afinal, na mesma Potica (1453 a 30) Aristteles reconhece que Eurpides o mais trgico dos trgicos. Eurpides encenou a Media pela primeira vez em 431 a.C, em Atenas, depois de o dramaturgo Neofron haver apresentado a sua

15/342Media (data incerta mas, de qualquer modo, anterior de Eurpides), da qual nos restam alguns fragmentos que induzem a crer que nosso poeta pode ter-se inspirado emseu colega mais velho (um dos fragmentos conservados corresponde ao tocante monlogo de Media antes de matar os filhos, versos 1158 e seguintes). Por sua vez Sfocles, uns 10 ou 15 anos depois da Media de Eurpides, encenou sua tragdia As Traqunias,onde h numerosas reminiscncias de Eurpides (talvez devidas afinidade entre os doistemas). No concurso trgico de 431 a.C. Eurpides obteve um modesto terceiro lugarcom sua Media (o primeiro coube a Euforon, sobrinho de squilo, e o segundo a Sfocles). O tema da Media tem atrado atravs dos tempos a ateno de outros dramaturgos, desdeSneca at Anouilh, passando por Corneille, cuja Media um dos produtos mais inspidos do teatro clssico francs. O texto e o contexto da Media so de tal forma densos e elaborados que a traduo, como a leitura, tambm uma descoberta, a cada verso, de detalhes da habilidade e arte extraordinrias de Eurpides como poeta e dramaturgo. Para dar uma idia da fama da Media na Antiguidade, citamos a seguir, em traduo, um epigramado poeta Arquimedes (poca desconhecida), conservado na Antologia Palatina, livroVI, 50, contendo conselhos aos poetas seus contemporneos:No te atrevas a percorrer, poeta novo, a estrada freqentada por Eurpides; nem mesmotentes, pois seria dificlimo seguir o seu trajeto; a impresso que ela fcil, mas sealgum tenta pis-la

16/342v que ela rdua como se fosse pavimentada de estacas pontiagudas. Experimenta apenas retocar a trilha da Media, a filha de Aietes! Sentir-te-s annimo e rasteiro. Afasta as tuas mos da coroa de Eurpides!Seguimos geralmente em nossa traduo o texto estabelecido por Gilbert Murray (Oxford, Clarendon Press, vol.III, 1902). Consultamos tambm a edio comentada e anotada deHenri Weil nas Sept Tragdies dEuripide, Paris, Hachette, 1879, e a de Parmentier(Paris, Les Belles Lettres, vol.I, 1942) cuja introduo especialmente interessante.

17/342poca da ao: Idade herica da Grcia. Local: Corinto. Primeira representao: 431 a.C., emtenas.PERSONAGENSMEDIA AMA de Media JSON CREONTE, rei de Corinto EGEU, rei de Atenas PRECEPTOR MENSAGEIRO FILHOS de Json e Media CORO de quatro mulheres de Corinto

18/342CenrioO frontispcio da casa de Media em CorintoAMASaindo da casa de MEDIA Ah! Se jamais os cus tivessem consentido que Arg singrasseo mar profundamente azul1 entre as Simplgades, num vo em direo2 Clquida, nem que o pinheiro das encostas do Plion desabasse aos golpes do machado3 e armasse assim comos remos as mos dos vares valentes que, cumprindo ordens do rei Pelias,4 foram buscar o raro velocino de ouro5! No teria Media, minha dona, ento, realizado essa viagem rumo a Iolco com o corao ardentemente apaixonado por Json, nem, por haver convencido as filhas de Pelias a matar o pai, viveria6 com Json e com seus dois filhosnesta terra, Corinto clebre. Ela se esforava ao mximo por agradar aos habitantes da cidade51015

19/342que seu refgio e, tanto quanto era capaz, por sempre concordar com Json, seu marido (salva-se o casamento com maior certeza quando disputas no afastam a mulher deseu consorte). Mas agora a inimizade a cerca por todos os lados e ela v-se ameaadano que tem de mais precioso: traidor dos filhos e de sua amante, sobe Json em leito rgio, desposando a filha do rei Creonte, senhor do pas. Media, a infeliz, ferida pelo ultraje invoca os juramentos, as entrelaadas mos penhor supremo. Faz dos deuses testemunhas da recompensa que recebe do marido e jaz sem alimento, abandonando o corpo ao sofrimento, consumindo s, em pranto, seus dias todos desde que sofreu a injria do esposo; nem levanta os olhos, pois a face vive pendida para o cho;como um rochedo, ou como as ondas do oceano, ela est surda voz de amigos, portadora de consolo. s vezes, todavia, a desditosa volve o colo de maravilhosa alvurae chora consigo mesma o pai querido, sua terra, a casa que traiu para seguir o homem que hoje a despreza. Frente aos golpes do infortnio, sente a coitada quo melhor teria sido se no abandonasse a ptria de seus pais.2025303540

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Os filhos lhe causam horror e j no sente satisfao ao v-los. Chego a recear que tome ainfeliz qualquer resoluo inslita; seu corao impetuoso; ela no capaz de suportar matratos. Conheo-a e temo que, dissimuladamente, traspasse com punhal agudo o prpriofgado nos aposentos onde costuma dormir; ou que chegue ao extremo de matar o reie o prprio esposo e, conseqentemente, chame sobre si mesma uma desgraa inda pior.Ela terrvel, na verdade, e no espere a palma da vitria quem atrai seu dio. Mas vm a ofilhos dela, que acabaram de exercitar-se nas corridas; no percebem quo desditosa sua me; o corao dos jovens no se adapta logo ao sofrimento. Entra o PRECEPTOR com os filhos de MEDIA45505560PRECEPTORIdosa serva da casa de minha dona, por que ests a, sozinha em frente porta, trazendo prpria mente a tua inquietao? Preferir Media ficar s, sem ti?65AMA

21/342Velho guardio dos filhos de Media, a dor dos donos tambm de seus servos fiis e lhesdestroa o corao. A minha mgoa tanta que fui dominada pela nsia de vir at aqui contaro cu e terra os infortnios todos de minha senhora.70PRECEPTORNo pra de gemer, ento, a desditosa?AMAInvejo a tua ingenuidade! Mal comeam suas desgraas; nem chegaram metade!PRECEPTORAh! Desvairada (se posso falar assim de meus senhores)! Ela ignora os novos males!75AMAMas, que se passa, velho? Por favor, explica-te!PRECEPTOR

22/342Nada Arrependo-me do que falei h pouco.AMACom um gesto de splica No, por teu queixo! Nada deves ocultar companheira deste longo cativeiro. No falarei de modo algum aos l de dentro.80PRECEPTOROuvi dissimuladamente uma conversa, sem dar a perceber sequer se a escutava, aochegar perto de uns jogadores de dados, l para os lados da gua santa de Pirene7, onde os mais velhos vo sentar-se. Eles diziam que os filhos iam ser expulsos de Corinto, e a me com eles, por Creonte, nosso rei. No sei se esse rumor exato (antesno seja!).85AMAE deixar Json tratarem desse modo os filhos, apesar do desentendimento que se manifestou entre a me deles e ele?90

23/342PRECEPTORCede a aliana antiga em face de uma nova e ele j no se mostra amigo desta casa.AMAEnto estamos arruinados se juntamos nova desgraa anterior, antes de exausta inteiramente a desventura mais antiga.95PRECEPTORFica tranqila, ao menos tu, e nada digas; nossa senhora inda no deve ouvir os fatos.AMADirigindo-se aos filhos de MEDIA Estais ouvindo como vosso pai vos trata, crianas?No quero que morra ( meu senhor), mas ele mau com quem deveria ser bom.100PRECEPTORQual dos mortais no assim? S hoje aprendes,

24/342vendo um pai maltratar os filhos por amor, que todos se julgam melhores do que so?105AMADirigindo-se aos filhos de JSON e MEDIA Tudo ir bem, crianas; ide para casa. Dirigindo-se ao PRECEPTOR Tenta mant-los afastados, se possvel; no lhes permitas chegar perto de uma me desesperada; vi-a olhando-os ferozmente, como se meditasse alguma aofunesta. Ela por certo no refrear a clera at haver vibrado sobre algum seus golpes. Que os atos dela ao menos sejam praticados contra inimigos e jamais contra os amigos! Ouve-se a voz de MEDIA no interior da casa110MEDIAComo sou infeliz! Que sofrimento o meu, desventurada! Ai de mim! Por que no morro?115AMA

25/342Caras crianas, assim; est inquieto o corao de vossa me, inquieta a alma. Ide sem vacilar em direo casa. Fugi ao seu olhar, evitai encontr-la. Deveis guardar-vos bem deseu gnio selvagem, desse nimo intratvel, mau por natureza. Ide mais velozmente, entrai sem vos deterdes! As crianas e o PRECEPTOR entram em casa V-se que essa ascendente nuvem de soluos logo se ampliar com mais furor ainda. Quo longe ir esse inquieto corao, essa alma indmita mordida pela dor?120125MEDIADo interior Pobre de mim! Que dor atroz! Sofro e soluo demais! Filhos malditos deme odiosa, por que no pereceis com vosso pai? Por que no foi exterminada esta famlia toda?130AMAAh! Infeliz! Teus filhos no tm culpa alguma

26/342nos desacertos de seu pai. Por que os odeias? Tenho tanto receio de vos ver sofrer, crianas minhas, neste desespero extremo! Os prncipes quando decidem so terrveis.Mais afeitos ao mando que ao comedimento, muito lhes custa recuar nas decises. prefervel aceitar a vida humilde; pretendo apenas que me caiba envelhecer longe dessas grandezas, em lugar seguro! O justo meio at pelo seu nome obtm a palma da vitria e sua utilidade incomparvel na existncia dos mortais. Quanto ao excesso, em horaalguma ajuda os homens; traz-lhes apenas as piores conseqncias.135140145Vrias mulheres de Corinto, j idosas, constituindo o CORO, entram em cena e desfilam silenciosamente, enquanto a AMA pronunciava os ltimos versosCOROOuvimos todas ns os gritos dela, da infortunada princesa estrangeira. A quietudeainda no chegou. Dirigindo-se AMA Tu, velha, fala! Ouvimos os soluos150

27/342no interior da casa resguardada; sentimos igualmente a aflio de um lar to caro tambmpara ns.AMAJ no existe o lar, tudo acabou. Json prefere agora um leito nobre e em sua alcova minha dona passa os dias sem que a voz de amigo algum consiga acalentar-lhe o corao.155MEDIADo interior Por que as chamas do fogo celeste no vm cair sobre minha cabea? Qual oproveito de viver ainda? Ai! Ai! Que venha a morte! Que eu me livre, abandonando-a, desta vida odiosa!160COROZeus, terra e luz! Ouvistes o clamor da desditosa esposa soluante? Que fora, ento,te prende, triste louca, ao horroroso leito? certa a morte,165

28/342o fim de tudo, e logo chegar. Por que cham-la agora? Se o amor de teu esposo quisencaminh-lo a novo leito, no o odeies tanto; a tua causa est nas mos de Zeus. No morras de chorar por um marido!170MEDIADo interior Zeus poderoso e venervel Tmis8, vedes o sofrimento meu aps os santos juramentos que me haviam ligado a esse esposo desprezvel? Ah! Se eu pudesse um diav-los, ele e a noiva reduzidos a pedaos, junto com seu palcio, pela injria que ousamfazer-me sem provocao! Meu pai, minha cidade de onde vim para viver to longe, aps haver matado iniquamente meu irmo!175180AMAEstais ouvindo seus lamentos, gritos com que ela invoca Tmis, guardi da f jurada, eZeus, para os mortais185

29/342penhor do cumprimento das promessas? No com pouco esforo que se pode frear a clerade minha dona!190COROComo conseguiremos v-la aqui em frente aos nossos olhos e ao alcance de nossa voz? Talvez esquea o dio que faz pesar-lhe o corao, talvez esquea o fogo que lhe queimaa alma. Que ao menos com meu zelo eu possa ser amiga dos amigos meus. Vai, traze-a at aqui e leva-lhe a certeza de nosso afeto. Mas apressa-te, antes que ela possa fazer algo de mal aos seus, pois nota-se que a infeliz soltou as rdeas de seudesespero.195200AMASim, obedecerei, mas tenho medo e dvidas quanto a persuadir minha senhora. Seja como for, irei desincumbir-me da tarefa para agradar-vos, mas ela nos olha, a ns,criadas, com o olhar feroz de uma leoa que teve filhotes,205

30/342se algum se acerca com uma palavra flor dos lbios. Com razo diramos que os homens dopassado eram insanos, pois inventaram hinos para as festas, banquetes e outrascomemoraes, lisonjeando ouvidos j alegres; nunca, porm, se descobriram meios de amenizar com cantos e com a msica das liras o funesto desespero, e dele vm a morte e os infortnios terrveis que fazem ruir os lares. A msica seria proveitosa se conseguisse a cura desses males, mas, de que serve modular a voz nas festas agradveis? Osprazeres dos banquetes alegres j contm bastantes atrativos em si mesmos. Sai a AMA e entra em casa de MEDIA210215220225COROOuvimos muitas queixas soluantes, sentidas, lamentos sem fim e gritos de dor e desespero vindos dela contra o esposo prfido, traidor do leito. Golpeada pela injria, clama por Tmis, filha de Zeus, deusa230

31/342dos juramentos, pois jurando am-la, Json a trouxe at a costa helnica singrando as ondas negras e transpondo o estreito acesso ao mar amargo e imenso9.235Abre-se a porta. Sai MEDIA, que avana em direo ao CORO, seguida pela AMA, ainda em prantoMEDIASa para no merecer vossas censuras, corntias. Sei muito bem que h pessoas altivas (umas vi com os meus prprios olhos, de outras ouvi falar) que, por lhes repugnar aparecer em pblico, levam a fama desagradvel de soberbas. Com efeito, carecem de justia os olhos dos mortais quando, antes de haver penetrado claramente no ntimo de um corao, sentem repulsa por quem jamais lhes fez o menor mal, apenas por se deixarem levar pelas aparncias. Devem tambm os estrangeiros integrar-se e no posso aprovar tampouco o cidado que, por excesso de altivez, ofende os outros negando-se ao convvio natural com todos. Mas, quanto a mim, despedaou-me o corao o fato inesperadoque vem de atingir-me; estou aniquilada, j perdi de vez240245250

32/342o amor vida; penso apenas em morrer. O meu marido, que era tudo para mim isso eusei bem demais , tornou-se um homem pssimo. Das criaturas todas que tm vida e pensam, somos ns, as mulheres, as mais sofredoras. De incio, temos de comprar por altopreo10 o esposo e dar, assim, um dono a nosso corpo mal ainda mais doloroso queo primeiro. Mas o maior dilema se ele ser mau ou bom, pois vergonha para ns, mulheres, deixar o esposo (e no podemos rejeit-lo). Depois, entrando em novas leis e novos hbitos, temos de adivinhar para poder saber, sem termos aprendido em casa, como havemos de conviver com aquele que partilhar o nosso leito. Se somos bem-sucedidas em nosso intento e ele aceita a convivncia sem carregar o novo jugo a contragosto, ento nossa existncia causa at inveja; se no, ser melhor morrer. Quando um marido se cansa da vida do lar, ele se afasta para esquecer o tdio de seu corao e buscaamigos ou algum de sua idade; ns, todavia, numa criatura s que temos de fixar os olhos. Inda dizem que a casa nossa vida, livre de perigos, enquanto eles guerreiam. Tola afirmao! Melhor seria estar trs vezes em combates,255260265270275280

33/342com escudo e tudo, que parir uma s vez! Mas uma s linguagem no adequada a vs e a mim. Aqui tendes cidadania, o lar paterno e mais douras desta vida, e a convivncia com os amigos. Estou s, proscrita, vtima de ultrajes de um marido que, como presa, me arrastou a terra estranha, sem me e sem irmos, sem um parente s que recebesse a ncora por mim lanada na nsia de me proteger da tempestade. Ah! Vou dizer tudo que espero obter de vs: se eu descobrir um meio, um modo de fazer com que Json pague o resgate de seus males e sejam castigados quem lhe deu a filha e aquela que ele desposou, guardai segredo! Vezes sem nmero a mulher temerosa, covarde para a luta efraca para as armas; se, todavia, v lesados os direitos do leito conjugal, ela se torna, ento, de todas as criaturas a mais sanguinria!285290295300CORIFEUEu te obedecerei, Media; punirs o teu marido justamente. No estranho o pranto que derramas por teu infortnio. Mas eis a Creonte, rei deste pas. Por certo vem falar denovas decises.305

34/342Entra o velho rei CREONTE, seguido de escoltaCREONTE a ti, Media, esposa em fria, face lgubre, que falo: sai deste lugar para o exlio comteus dois filhos! Sai depressa! No demores! Estou aqui para cuidar do cumprimento de minha deciso, e no retornarei a meu palcio antes de haver-te afugentado para terras distantes de nossas fronteiras.310MEDIAPobre de mim! Consuma-se a minha desgraa! Meus inimigos soltam suas velas todas eno diviso um porto em que possa abrigar-me para escapar runa! Mas, sem ponderar em minha desventura, quero perguntar-te: por que razo, Creonte, me banes daqui?315320CREONTE intil alinhar pretextos: por medo. Temo que faas mal sem cura minha filha. Muitasrazes se somam para meu temor: s hbil e entendida em mais de um malefcio

35/342e sofres hoje por te veres preterida no leito conjugal. Ouo dizer transmitem-me que vens ameaando atentar contra a vida do pai que prometeu a filha, do marido e da segunda esposa. Antes de ser vtima, ponho-me em guarda. Prefiro atrair agora oteu rancor a chorar lgrimas amargas, mais tarde, sobre minha eventual fraqueza.325330MEDIANo s hoje, rei Creonte; com freqncia a minha fama traz-me esses transtornos. Nunca os homens de bom senso deveriam dar aos filhos um saber maior que o ordinrio. Alm do nome de ociosos, eles ganham com isso a inveja inqua dos concidados. Se aos ignorantes ensinares coisas novas sers chamado no de sbio, mas de intil. E se alm disso te julgarem superior queles que se crem mais inteligentes, todos suspeitaro de ti. Minha cincia atrai de alguns o dio, a hostilidade de outros. Este saber, porm, no to grande assim. Mas, seja como for, tu me receias. Temes que eu tenha meios de causar-te sofrimentos. No me preocupa agora ameaar um rei; no tremas diante de mim, pois que maldade335340345

36/342j me fizeste? No ofereceste a filha a quem a quis? Odeio o meu esposo, sim; mas, quanto a ti, creio que procedeste bem; tua felicidade no me causa inveja. Casem-seos dois, sejam felizes, mas me deixem viver aqui. Suportarei sem um murmrio as injustias. Os mais fortes me venceram.350355CREONTEDisseste coisas agradveis aos ouvidos mas temo que, no fundo da alma, premeditesuma desgraa e minha confiana em ti se torna inda menor. mais fcil guardar-se de umamulher desatinada pela clera tanto quanto de um homem que da astuta e fria em seu silncio. Parte, ento, e sem demora. No fales; minha deciso inabalvel. Nem com ardisconseguirias prolongar a tua estada aqui, pois s minha inimiga.360365MEDIAAjoelhando-se e abraando os joelhos de CREONTE, num gesto de splica Por teus joelhos e por tua filha, a noiva, suplico-te: permite-me ficar aqui!

37/342CREONTEPalavras vs. Jamais conseguirs dobrar-me!MEDIABanir-me-ias sem ouvir as minhas splicas?370CREONTEEu no te prezo mais que minha prpria casa!MEDIAAh! Minha ptria! Neste instante a tua imagem volta ao meu corao com tanta intensidade!CREONTES aos meus filhos eu estimo mais que ptria!MEDIAQue mal terrvel o amor para os mortais!375CREONTE

38/342Tudo depende, penso eu, das circunstncias.MEDIAQue no te escape, Zeus, o autor de minha runa!CREONTEParte, insensata, e livra-me deste desgosto!MEDIAViver ter desgostos e eles no nos faltam.CREONTEIndicando a escolta Meus homens te faro sair fora e j!380MEDIAAh! Isso no, Creonte! Ouve um pedido meu!CREONTENo me leves a extremos speros, mulher!

39/342MEDIAAceito o exlio. outro o fim de minha splica.CREONTEPor que, ento, resistes em vez de partir?MEDIAUm dia s! Deixa-me aqui apenas hoje para que eu pense no lugar de nosso exlio e nos recursos para sustentar meus filhos, j que o pai deles no est cuidando disto. Tempiedade deles! Tu s pai tambm; natural que sejas mais benevolente. No por mim (no me inquieta o meu destino); por eles que choro e por seu infortnio.385390CREONTEMinha vontade nada tem de prepotente e a piedade j me foi funesta antes. Tenho nooagora mesmo de que erro, mas apesar de tudo sers atendida. Quero, porm, deixar bemclaro de antemo: se a santa claridade do prximo sol395

40/342vos encontrar ainda, a ti e a teus dois filhos, dentro de nosso territrio, morrers. Tudo foi dito e com palavras verdadeiras. Retira-se CREONTE com sua escolta400COROQuanta desgraa a tua, infortunada! Para que cho dirigirs teus passos? A quem suplicars que te receba? Onde achars um lar, uma cidade a salvo da desdita? Vais errar sem esperana nesse mar de angstias a que foste lanada pelos deuses.405MEDIADirigindo-se ao CORO Meu sofrimento imenso, incontestavelmente, mas no considereis ainda definida a sucesso dos acontecimentos prximos. Pode o futuro reservar lutas difceis para os recm-casados e terrveis provas para quem os levou s npcias. Estai certas: lisonjeei Creonte para meu proveito e minhas splicas foram premeditadas.410415

41/342Eu nem lhe falaria se no fosse assim, nem minhas mos o tocariam, mas to longe o leva a insensatez que, embora ele pudesse deter meus planos expulsando-me daqui, deixou-me ficar mais um dia. E neste dia sero cadveres trs inimigos meus: o pai, a filha e seu marido. Vm-me mente vrios caminhos para o extermnio deles, mas falta decidir qual tentarei primeiro, amigas: incendiarei o lar dos noivos, ou lhes mergulharei no fgado um punhal bem afiado, entrando a passos silenciosos na alcova ondeest preparado o leito deles? Mas uma dvida me ocorre e me detm: se eu for surpreendida traspassando a porta na tentativa de atingi-los com meus golpes, riro de mim, vendo-me morta, os inimigos. Melhor ser seguir diretamente a via que meus conhecimentos tornam mais segura: venc-los-ei com meus venenos. Assim seja! Estaro mortos, mas que povo, que cidade me acolhero depois? Que bom anfitrio, abrindo-me seuterritrio para asilo e a casa para abrigo, me defender? Nenhum. Ento devemos esperar um pouco. Quando eu puder contar com um refgio certo11, consumarei o assassinato usando astcia e dissimulao; e quando eu decidir,420425430435440

42/342nada, nenhum obstculo me deter, e de punhal na mo os eliminarei12, inda que tenha de morrer, sem recear o apelo fora. No, por minha soberana, pela deusa mais venerada e que escolhi para ajudar-me Hecate, que entronei no altar13 de minha gente : nenhum deles h de rir por ter atormentado assim meu corao! Quero que se arrependam de seu matrimnio amargamente, e amargamente se arrependam de sua aliana e de meu iminente exlio. Vamos, Media! No poupes recurso algum de teu saber em teus desgnios eartifcios! Comea a marcha para a tarefa terrvel! Chegou a hora de provar tua coragem! No vs como te tratam? No deves pagar um tributo de escrnio ao himeneu do sangue de Ssifo com um Json qualquer, Media14, filha de um nobre pai, tu, da raa do Sol! Tens a cincia e, afinal, se a natureza fez-nos a ns, mulheres, de todo incapazes paraas boas aes, no h, para a maldade, artfices mais competentes do que ns!445450455460465COROVoltam os sacros rios para as fontes e com a justia marcham para trs

43/342todas as coisas. Os homens meditam ardis e a f jurada pelos deuses vacila. Muitobreve, todavia, a notoriedade h de falar outra linguagem e no dispor de elogios bastantes para ns. No vejo a hora em que se louvar o nosso sexo e no mais pesar sobre asmulheres to maldosa fama. No mais celebrar nossa perfdia a poesia dos bardos eternos. Febo, o maestro de todos os cantos15, no fez o nosso esprito dotado para a inspirada msica das liras; se assim no fosse ns entoaramos um hino contra a raa masculina. Em sua longa caminhada o tempo d o que falar tanto dos homens como de ns, mulheres. Tu mesma, Media, com o corao ansioso navegaste para bem longe da casa paterna,alm do extremo dos rochedos gmeos16. Moras agora numa terra estranha, tomam-te o leito, levam-te o marido (ah! Infeliz!) e expulsam-te vilmente para o exlio. No existe mais respeito aos juramentos, e o pudor desaparece da famosa Hlade,470475480485490495

44/342voando para os cus. E tu (coitada!) no tens um lar onde possas lanar a ncora, ao abrigo da desgraa. Outra princesa manda em tua casa aps tornar-se dona de teu leito.Entra JSON500

JSONDirigindo-se a MEDIA Esta no a vez primeira. J senti em vrias ocasies que o nimo irasel um mal insuportvel. At poderias continuar vivendo aqui por toda a vida, neste pas e nesta casa, se aceitasses submissa as decises dos mais fortes que tu. Essas arengas incessantes, todavia, te expulsam desta terra. A mim no me importunas; tens liberdade para alardear de Json que ele o pior dos homens, mas depois de ouvirem teus improprios contra o rei, at suave teu banimento imediato. Eu me esforava continuadamente para dissipar a contrariedade do rei irritado e desejava ver-te ficar onde ests. Tu, ao invs de refreares a loucura,505510515

45/342injuriavas dia e noite o soberano. Agora expulsam-te por isso da cidade. Eu, entretanto, mesmo nestas circunstncias no renego os amigos. Traz-me aqui, mulher, meucuidado com tua sorte; no desejo ver-te banida sem recursos com teus filhos nemque te falte algo. Bastam as agruras da triste condio de desterrada. Odeias-me, mas nem por isso te desejo o menor mal.520525MEDIAMaior dos cnicos! ( a pior injria que minha lngua tem para estigmatizar a tua covardia!). Ests aqui, apontas-me, tu, meu inimigo mortal? No bravura, nem ousadia, olhar de frente os ex-amigos depois de os reduzir a nada! O vcio mximo dos homens o cinismo. Mas, pensando bem, prefervel ver-te aqui; abrandarei meu corao retribuindo teus insultos e sofrers ouvindo-me. Comearei pelo princpio. Eu te salvei (todos os gregos17 que embarcaram contigo na Arg bem sabem), quando foste enviado para submeter ao duro jugo o touro de hlito inflamado e para semear a morte em nossos campos. Fui eu que, oferecendo-te modos e meios530535540

46/342de matar o drago, guarda do toso ureo, imune ao sono, com seus mltiplos anis, fiz brilhar para ti a luz da salvao. Tra meu pai, eu, sim, e tra a famlia para levar-te a Iolco (foi maior o amor que a sensatez); fiz Pelias morrer tambm, da morte mais cruel, imposta pelas filhas, e te livrei de todos os receios, Json. Tratado assim por ns, homem mais vil de todos, tu me traste e j subiste em leito novo (e j tinhas teus filhos!). Se ainda estivesses sem descendncia, ento seria perdovel que desejasses outro leito. Dissipou-se a f nos juramentos teus e no sei mais se crs que os deuses de outros tempos j no reinam ou se pensas que no momento h novas leis para os mortais, pois deves ter noo, ao menos, de tua felonia em relao a mim. Ah! Esta mo direita e estes meus joelhos que tantas vezes seguraste! Ah! Foi em vo que tantas vezes me abraaste, miservel! Como fui enganada em minhas esperanas! Silncio Continuemos;quero fazer-te perguntas como se fosses meu amigo: francamente, que posso aindater de ti? No me respondes?545550555560565

47/342Prosseguirei; minhas perguntas tornaro mais evidente a tua infmia. Para onde iro meus passos hoje? Para o lar paterno, que j tra, como tra a minha ptria, para seguir-te? Ou para as filhas do rei Pelias? (Que bela recepo me proporcionariam as infelizes em seu lar, a mim, que um dia causei a morte de seu pai!). Eis a verdade: hoje sou inimiga de minha famlia e s para agradar-te hostilizei amigos que deveria ser a ltima a ferir. Esta a minha recompensa e, todavia, eu esperava que, graas ao teu amor, muitas mulheres gregas teriam inveja de uma felicidade que devias dar-me. Revelas-te admirvel e fiel esposo da infeliz que sou, em fuga, expulsa assim daqui, sem um amigo, apenas com meus filhos repudiados! Que magnfica torpeza paraum recm-casado ver os prprios filhos partirem ss comigo com quem te salvou para levarem vida errante e miservel! Ah! Zeus! Por que deste s criaturas humanas recursospara conhecer se o ouro falso, e no puseste no corpo dos homens marcas que nos deixassem distinguir os bons dos maus?570575580585590

48/342CORIFEUTerrvel e difcil de curar a clera que lana amigos contra amigos e os separa!595

JSONSe no me engano, necessrio que eu no seja inbil no falar e, como um nauta alerta, recolha as minhas velas, para ver se escapo a essa tempestade desencadeada aqui por tua lngua mrbida, mulher. Com relao a mim (j que exaltaste tanto os teus servios), devo atribuir a Cpris18, e a mais ningum, seja mortal ou seja deus, todo o sucessoem minha expedio. Sem dvida o teu esprito sutil e no admites sem relutncia que o Amorcom suas setas inevitveis, fez com que tu me salvasses. De resto, no pretendo sermuito preciso quanto a esses detalhes e no fao queixas, quer tenha sido grande aajuda, quer pequena. Por minha salvao, porm, j recebeste como compensao mais do que deste. Explico-me: primeiro, a terra grega em vez de um pas brbaro passou a ser tuamorada. Conheceste as leis e podes viver segundo a justia,600605610615

49/342liberta do jugo da fora. Os gregos todos respeitam a tua cincia (hoje s famosa, masse ainda morasses nos confins da terra quem falaria de teu nome?). Quanto a mim, eu no desejaria ter grandes riquezas, nem voz mais bela que a de Orfeu, se essaventura19 no atrasse olhares. Eis o que eu queria dizer-te acerca dessa propaladaajuda, j que tu mesma provocaste este debate. Quanto ao meu casamento com a filha do rei, de que falas to acremente, provarei que agindo como agi, primeiro fui sensato e depois hbil e, afinal, fui bom amigo em relao a ti e a meus primeiros filhos. A um gesto indignado de MEDIA Tem calma! Quando vim de Iolco para c envolto emtantas, inelutveis desgraas, podia acontecer-me algo de mais feliz que me casar aqui com a filha do rei, eu, um banido? No pelos motivos torpes que te amarguram,no por odiar teu leito ou por simples desejo de uma nova esposa; tampouco por ambicionar uma prognie mais numerosa (j tenho filhos bastantes, no vou queixar-me). Desejava isto importante assegurar-nos uma vida boa e prspera,620625630635640

50/342isenta de dificuldades, pois os pobres vem fugir para bem longe seus amigos. Ainda mais: criar condignamente os filhos, dar aos gerados em teu ventre mais irmos,p-los todos num mesmo nvel de igualdade e ser feliz vendo a unio de minha raa. Tu, que necessidade tens de novos filhos? de meu interesse, todavia, t-los, a fim de assegurar aos filhos atuais o apoio dos futuros. Crs que estou errado? Se no te devorasse este cime enorme, nem tu censurarias a minha conduta. Mas as mulheres so assim; nada lhes falta se o leito conjugal respeitado; se ele recebe um dia o menor golpe, ento as coisas melhores e mais belas vos parecem pssimas. Se se pudesse ter de outra maneira os filhos20 no mais seriam necessrias as mulheres e os homensestariam livres dessa praga!645650655660CORIFEUTuas palavras foram habilmente ditas, Json, e as enfeitaste bem, mas ousarei contrariar a tua opinio; direi que agiste mal abandonando esta mulher.

51/342MEDIASem dvida sou diferente em muitas coisas da maioria dos mortais. Assim, entendo que algum, se alm de mau hbil no falar merece punio ainda mais severa, pois confiado no poder de seus discursos para ocultar os maus desgnios com palavras bonitas, no receia praticar o mal. Mas ele no to solerte quanto pensa. Pra tambm de me impingir tua conversa cnica e artificiosa. Uma palavra apenas bastante para confundir-te. Nofosses tu um traidor e deverias ter comeado por tentar persuadir-me antes de consumar teu novo casamento, em vez de ser omisso com a tua amiga. JSON Creio que meterias ajudado muito em meus projetos para o outro casamento se alguma vez eu te houvesse falado neles, tu que, neste momento, nem podes frear esse rancor terrvel de teu corao.680 665670675MEDIA

52/342Isso no te preocupava; s pensavas que o casamento com Media uma estrangeira te encaminhava para uma velhice inglria.685JSONRepito: no foi para ter outra mulher que me esforcei por conquistar um leito rgio;foi s, como j disse, para te salvar, para que os filhos meus fossem irmos de reise para dar minha casa solidez.690MEDIANo quero uma felicidade to penosa, nem opulncia que me esmague o corao!JSONSe desejas mudar e parecer sensata, no penses que a ventura possa ser funesta nemque a fortuna torne algum infortunado21.695MEDIAInsulta-me! Sabes que ests seguro aqui, mas eu devo partir desprotegida e s.

53/342JSONFoi tua a escolha. No ponhas a culpa em outros.700MEDIAMas como? Ento sou eu que caso e que te traio?JSONLanaste sobre o rei terrveis maldies.MEDIAAmaldioarei tambm teu novo lar!JSONNo mais discutirei contigo; se quiseres para ti mesma e nossos filhos no degredoparte de minhas posses, fala; prontifico-me a dar-te com mo liberal e a pleitearde meus amigos cujas terras procurares, boa acolhida para ti. Se recusares a minha oferta, dars prova de loucura. Pe termo a tanta clera para teu bem.705710

54/342MEDIAJamais recorrerei a teus anfitries, pois nada quero deles nem nada de ti; no h proveito nas ofertas de homens maus.JSONInvoco as divindades como testemunhas do meu desejo de fazer tudo por ti e pelosfilhos. O bem de que sou capaz te desagrada e tua intransigncia afasta os amigosde ti; sofrers mais assim.715MEDIAVai logo embora! Ests ansioso por rever a tua nova amante e contas os momentos desperdiados longe do palcio dela. Corre! Vai consumar depressa o casamento, pois seos deuses me ouvirem tuas reais bodas sero de tal maneira estranhas que nem tu hsde querer a noiva para tua esposa!720725COROAmor sem freios no traz aos mortais

55/342honra ou virtude. Quando, porm Cpris comedida, no h divindade mais benfazeja, mais cheia de graa. Jamais, rainha, teu arco dourado22 atire contra ns flechas fatais molhadas com o veneno do desejo! Que nos sorria sempre a castidade, a mais preciosa ddiva dos deuses! Possa Cpris terrvel preservar-nos da fria da discrdia e das querelas sem fim, poupando nossas almas puras do frenesi de uma paixo ignbil. So venturosas as npcias pacficas e bem-aventuradas as mulheres cuja fidelidade incensurvel. Ah! Nossa ptria e lar! Queiram os cus que nunca nos desterrem nem levemos uma vidapenosa na misria, de todas as desditas a mais digna de piedade! Que nos fira a morte antes de contemplarmos esse dia, pois vemos no contamos por ouvir de estranhos que tu no tiveste ptria nem um amigo para comover-se com o cruel destino que teesmaga! Morra o ingrato que no foi capaz de honrar, como devia, a sua amiga e no lhe abriu os mais puros recnditos730735740745750755

56/342da alma! No queremos tais amigos! Entra EGEU vestido de peregrinoEGEUSalve, Media, pois este o melhor incio23 para os encontros entre amigos como ns!MEDIASalve, filho do sbio Pandion, Egeu! De onde vieste para visitar-me aqui?760EGEUVenho do antigo templo dedicado a Apolo24.MEDIAQual a razo de tua ida ao santurio onde o deus profetiza no centro do mundo?EGEUPara saber de Apolo como procriar.MEDIA

57/342Desejas tanto um filho e vives sem o ter?765EGEUVivo sem filhos pela vontade dos deuses.MEDIAJ tens esposa, ou inda no te casaste?EGEUNo me furtei ao jugo das npcias normais.MEDIAQue disse Apolo tua splica por filhos?EGEUFalou alto demais para a razo humana.770MEDIAPosso saber qual foi a rplica do deus?EGEU

58/342Podes e deves; tua mente penetrante.MEDIAQual , ento, o orculo? Dize que eu ouo.EGEUEle no quer que eu solte o p que sai do saco25MEDIAAntes de ir aonde, ou de fazer o qu?775EGEU antes de retornar terra de meus pais.MEDIAQue desgnios te obrigam a voltar, Egeu?EGEUL mora o rei Piteu, que manda nos treznios26MEDIA

59/342Filho de Plops e muito devoto dizem.EGEU a quem devo dizer o orculo do deus.780MEDIAEle um sbio e entendido neste assunto.EGEUE para mim o aliado mais querido.MEDIACom voz sumida Vai, s feliz, ento, e tenhas o que almejas!EGEUObservando melhor MEDIA Por que este olhar triste, esta expresso sofrida?MEDIA

60/342O meu marido, Egeu, o pior dos homens785EGEUComo? Conta-me tuas penas com detalhes!MEDIAJson me ultraja sem que eu tenha culpa alguma.EGEUExplica-te com mais clareza: que fez Json?MEDIAOutra mulher agora dona de seu lar.EGEUEle jamais seria to indigno e mau!790MEDIAPois foi; despreza-me depois de haver-me amado.EGEU

61/342Foi por ter outro amor, ou por dio a teu leito?MEDIAUm novo amor o faz trair a amiga de antes.EGEUDeixa-o, ento, se to perverso quanto dizes.MEDIACasando-se com outra ele se alia a um rei.795EGEUE quem lhe d a filha? Dize logo tudo!MEDIACreonte, o soberano daqui de Corinto.EGEUEnto a tua dor natural, Media.MEDIA

62/342Estou perdida; fui expulsa desta terraEGEUPor quem? Falas agora de nova desgraa.800MEDIACreonte me degrada e bane-me daqui.EGEUIsto insuportvel! E Json consente?MEDIANo, em palavras, mas seus desejos o vencem. Por isso tudo te conjuro, por teu queixo, por teus joelhos, pelos direitos sagrados dos suplicantes! Compadece-te demim, tem piedade de meu imenso infortnio! No me deixes viver no exlio, abandonada!D-me acolhida em teu pas, em tua casa! Em retribuio dem-te os deuses filhos, como desejas, para que morras feliz. No imaginas quo afortunado foste em vir ao meu encontro aqui; graas a mim805810

63/342no ficars sem filhos, logo sers pai; conheo filtros com essa virtude mgica.815EGEUMuitas razes, mulher, levam-me a conceder-te a graa que me pedes; inicialmente, orespeito devido aos deuses, e depois vem a esperana dos filhos que me prometes (voltam-se para esse desejo h muito tempo meus pensamentos). Eis minha resoluo: vem para o meu pas; l eu me empenharei em dar-te, como devo, a melhor acolhida. Quero dizer-te apenas uma coisa mais: no penso em tirar-te daqui eu mesmo, agora, mas sete dirigires por tua vontade minha casa, nela encontrars asilo inviolvel; a ningumte entregarei. Levem-te de Corinto, ento, teus prprios passos para que no me acusem meus anfitries.820825830MEDIAAssim ser, mas eu teria mais certeza se decidisses empenhar tua palavra.EGEU

64/342No confias em mim? Ou algo te inquieta?MEDIAConfio, mas me so hostis os descendentes de Pelias e da famlia de Creonte. Se pretendessem arrancar-me de teu lar de meu asilo , tu, preso por juramento, no deixarias que me tirassem de l. Se, todavia, houver apenas entre ns simples palavras, semum juramento aos deuses, ser que no conseguiro persuadir-te e levar-te a ceder vozde seus arautos? Sou fraca, enquanto eles so ricos e so reis.835840EGEUUsas uma linguagem cheia de prudncia. Se preferes assim eu no me esquivarei a teupedido. Ele me d inda mais fora para antepor s injunes dos inimigos a palavra jurada;tua proteo ser maior. Que deuses queres que eu invoque?845MEDIAJura pela face da terra e pelo sol,850

65/342pai de meu pai, e pelas divindades todas.EGEUQue vou fazer ou deixar de fazer? Conclui!MEDIAJura que nunca, em tempo algum, me expulsars de tua terra e se qualquer de meus algozes quiser, com violncia, tirar-me de l, jamais consentirs enquanto fores vivo.855EGEUJuro pela face da terra, pela luz clarssima do sol e por todos os deuses, fazer intransigentemente o que me dizes.MEDIAIsto bastante para mim. Mas, se faltares ao juramento, em que penas incorrers?860EGEUNas reservadas aos mais mpios dos mortais.

66/342MEDIAParte feliz, ento; tudo ir bem agora. E quanto a mim, dentro de muito pouco tempoirei para tua cidade, aps haver realizado meus desgnios e desejos. CORO Dirigindose a EGEU, que se retira com sua escolta Vai com Hermes, o deus filho de Maia27!Que teus desejos sejam exalados, Egeu, pois te mostraste generoso!865MEDIAZeus! Justia de Zeus! Cintilao do sol! Agora, amigas minhas, poderei vencer todos os inimigos gloriosamente! Tenho esperanas, hoje que a marcha comea, de ver carem, justamente castigados, meus adversrios, pois no auge da tormenta em que me debatiaapareceu esse homem, porto seguro onde depois de realizar os meus desgnios, ireiamarrar as cordas quando chegar l em Atenas gloriosa.870875

67/342Dirigindo-se ao CORIFEU Agora vou contar-te todos os meus planos (minhas palavras no sero para agradar). Enviarei a Json um de meus criados para pedir-lhe que venha encontrar-me aqui. Quando chegar, falar-lhe-ei suavemente; direi que suas decises so acertadas e concordo com elas; ele me abandona para casar-se com a filha dorei; faz bem, pois isso corresponde aos interesses dele. Mas pedirei que deixemeus filhos aqui, no que eu queira larg-los numa terra hostil nem os expor sanha de quem os odeia, mas a fim de aprontar para a filha do rei, por intermdio deles,a armadilha atroz em que ela morrer levando o pai morte. Mand-los-ei a ela com presentes meus para a nova mulher, a fim de que ela evite o exlio deles: um vu dos mais finos fios e um diadema de ouro. Se ela receber os ornamentos e com eles enfeitar-se, perecer em meio s dores mais cruis e quem mais a tocar h de morrer com ela,to forte o veneno posto nos presentes. Com uma expresso de horror880885890895900

68/342Mas mudo aqui meu modo de falar, pois tremo s de pensar em algo que farei depois:devo matar minhas crianas e ningum pode livr-las desse fim. E quando houver aniquilado aqui os dois filhos de Json, irei embora, fugirei, eu, assassina de meus muito queridos filhos, sob o peso do mais cruel dos feitos. No permitirei, amigas, que riam de mim os inimigos! Ter de ser assim. De que vale viver? J no existem ptriapara mim, meu lar, nenhum refgio nesta minha desventura. Fui insensata quando outrora abandonei o lar paterno, seduzida pela fala desse grego que, se me ajudaremos deuses, me pagar justa reparao em breve. Jamais voltar ele a ver vivos os filhosque me fez conceber, e nunca ter outros de sua nova esposa que ah! miservel! dever perecer indescritivelmente graas aos meus venenos! Que ningum me julgue covarde,dbil, indecisa, mas perceba que pode haver diversidade no carter: terrvel para os inimigos e benvola para os amigos. Isso d mais glria vida.905910915920925CORIFEU

69/342J que nos fazes estas confidncias, quero, ao mesmo tempo, dar-te um conselho profcuo e tomar a defesa das humanas leis: desiste de levar avante esses teus planos!930MEDIANo pode ser de outra maneira, mas entendo teu modo de falar, pois no ests sofrendoo tratamento desumano que me do.CORIFEUOusars mesmo exterminar teus prprios filhos?935MEDIAMatando-os, firo mais o corao do pai.CORIFEUE tornas-te a mulher mais infeliz de todas.MEDIATer de ser assim. Deste momento em diante quaisquer palavras passaro a ser suprfluas.

70/342Dirigindo-se AMA, que permanecia perto Vai, traze Json para c; recorro a ti quandoa misso requer pessoa confivel. No fales a ningum de minhas decises se queres bem tua dona e se s mulher. Sai a AMA940COROOs Erecteidas sempre foram prsperos28, filhos dos deuses bem-aventurados; numa terra sagrada e at hoje invicta eles se nutrem da sapincia excelsa, haurindo o ar puro e transparente, em marcha airosa l onde a loura Harmonia, segundo muitos dizem, deu luz as santas Pierides nove Musas. Contam, tambm, que Cpris aspirou nas ondas do Cfiso alegre o hlito29 fresco e dulcssimo que ainda paira por l, quando, encantada, colhe as rosas mais perfumadas para coroar seus cabelos formosos, com os Amores, convivas da Sapincia, auxiliares de todas as virtudes. Como, ento,945950955

71/342a cidade dos rios consagrados30, a terra acolhedora dos amigos, iria receber-te,a ti, a m, a infanticida? No pensas nos golpes que decidiste desfechar nos filhos, no morticnio que vais perpetrar? No, pelos teus joelhos, todas ns te suplicamos com todas as foras: no os abatas! Onde em tua alma, onde em teus braos buscars coragem para assestar ao corao dos filhos os golpes de uma audcia inominvel? Como, volvendo o olhar para teus filhos, sers, sem lgrimas, sua assassina? No poders, diante de teus filhos prostrados, suplicantes, mergulhar em sangue tuas implacveis mos! EntraJSON, seguido pela AMA960965970975JSONEstou aqui em ateno a teu chamado; no pude ficar insensvel ao apelo, mesmo sabendo de teu dio contra mim, e venho ouvir, Media, teu novo pedido.980MEDIA

72/342Imploro, Json! Peo-te perdo por tudo que j te disse; deves ser compreensivo em meusmomentos de exasperao, depois das provas incontveis de paixo recproca! Eu mesma ponderei e at me censurei: Por que tamanha insensatez e hostilidade contra decises razoveis, infeliz? Por que tratar como inimigos os senhores deste lugar e um marido que age de acordo com nossos interesses ao casar agora com uma princesa para dar novos irmos aos filhos meus? No renunciarei, ento, ao meu rancor? Que sentimentos sero esses quando os bons deuses encaminham bem as coisas? No tenho filhos? J no fui banida antes31 de outras paragens, de onde vim sem um amigo? Essas ponderaes me fizeram sentir toda a minha imprudncia e toda a desrazo de meu ressentimento. Agora estou de acordo com teu procedimento e julgo-te sensato por teres desejado uma aliana nova e chamo-me demente, pois eu deveria ter-me aliado a ti em tuas pretensese te ajudar a realiz-las, e ficar junto ao leito da noiva e sentir o prazer de dispensar-lhe mil cuidados. Afinal, ns, as mulheres, somos todas o que somos3298599099510001005

73/342e no falarei mal de ns. No deverias, pois, imitar-me nas injrias nem, tampouco, oporfrivolidades a frivolidades. Rendo-me evidncia agora e reconheo que antes pensavaerradamente, mas tomei h pouco uma resoluo mais acertada. Voltando-se em direo casaFilhos! Meus filhos! Vinde ao meu encontro aqui! Os filhos aparecem, seguidos pelo PRECEPTOR Vinde saudar o vosso pai e dirigir-lhe, como vossa me, umas palavras; esquecei, comigo, o dio em relao aos bons amigos. Vamos fazer as pazes, ceda nossa clera. Tomai em vossas mos a mo direita dele! parte, enquanto os filhos seguram amo de JSON Ah! Penso agora numa desgraa latente! Por quanto tempo ainda estendereis, meus filhos, vossos braos queridos? Voltando ao normal Ah! Pobre de mim! Com que facilidade eu choro e sou vencida101010151020

74/342pelo temor! Na ocasio em que se acabam minhas altercaes com vosso pai, meus olhos enchem-se de sentidas, incontveis lgrimas!1025CORIFEUOs meus, tambm, no podem resistir ao pranto. Que no resulte mal maior dos males dehoje!JSONAgradam-me, mulher, essas tuas palavras, e no censuro as que disseste no passado.Sempre as mulheres voltam-se contra os maridos quando eles optam por um novo casamento. Teu corao, porm, mudou para melhor; o tempo te fez afinal reconhecer quala vontade que deve preponderar. Agem dessa maneira as mulheres sensatas. Voltando-se para os filhos No descuidou de vs o vosso pai, meus filhos; ele vos d, com o beneplcito dos deuses, um bom futuro. Creio que aqui em Corinto um dia atingireisas posies mais altas em companhia dos outros irmos. Crescei, ento; o resto cabe ao vosso pai e aos deuses,103010351040

75/342dos quais espero a graa de vos ver chegar juventude exuberantes de vigor, em tudomais capazes que meus inimigos. Dirigindo-se a MEDIA, que chorava Mas, por que banham os teus olhos tantas lgrimas? Por que procuras esconder teu rosto plido? Minhas palavras no te deixam satisfeita?1045MEDIANada Pensava apenas em nossas crianasJSONEnto fica tranqila; estou cuidando delas.1050MEDIAQuero ficar; no devo duvidar de ti mas a mulher fraca e chora facilmente.JSONBasta, pois, de lamentaes sobre teus filhos.MEDIA

76/342Fui eu quem os gerou; quando fazia votos para que a vida lhes sorrisse, perguntava-me, entristecida, se seria assim. Voltemos s coisas que eu queria expor-te; algumas delas j foram ditas; falarei do resto agora. Agrada ao rei ver-me afastadadesta terra; compreendo tudo muito bem e eu mesma julgo que minha vida no deve ser empecilho nem para ti nem para o rei, pois consideram-me hostil casa dele. Entoeu partirei para o exlio, mas consegue de Creonte que nossos filhos no sejam tambmbanidos para que tuas mos de pai os encaminhem.105510601065JSONNo sei se vou persuadi-lo; tentarei.MEDIAQuem sabe se tua nova mulher no pode obter do pai que deixe as crianas aqui?JSONBem dito; acho possvel convenc-la disso.1070

77/342MEDIASim, se ela for igual s outras. Alis, tambm posso ajudar-te nessa tentativa. Mandar-lhe-ei presentes muito mais formosos que os conhecidos nesta terra (muito mais!): um vu difano e um diadema de ouro, que lhe sero entregues por nossas crianas. Falando em direo casa Trazei-me sem demora, servas, os presentes! Falando a JSON Ela noh de ter somente uma ventura; sero inmeras, por encontrar em ti, para lev-la ao leito, um esposo perfeito, e por tornar-se dona de belos adornos que o Sol, pai demeu pai, deu a seus descendentes.10751080Uma criada traz da casa o vu e o diadema, que MEDIA entrega aos filhos Tomai estespresentes nupciais, meus filhos, em vossas mos; levai-os prpria princesa; uma oferenda minha venturosa esposa. No so regalos desprezveis que ela ganha.1085

78/342JSONPor que vais desfazer-te destes bens preciosos? Perdeste o senso? Pensas que a casa real carece de ouro? Guarda-os! No te prives deles! Se nos dispensa essa mulher algum apreo, o meu pedido a mover mais que riquezas.1090MEDIANo fales deste modo. Dizem que os presentes dobram at as divindades e que o ouro tem mais poder para os mortais que mil pedidos. Pende o destino para o lado dela,um deus a favorece agora e lhe d boa sorte. Ela mais jovem, reinar. Para salvar meus filhos do desterro eu lhe daria a vida, alm do ouro. Ide, filhos, ide logo ato palcio e suplicai nova esposa de vosso pai, minha senhora; implorai dela que noconsinta em vosso exlio, oferecendo-lhe estes adornos. importante que ela pegue com as prprias mos estes presentes valiosos. Os filhos se afastam com JSON e o PRECEPTOR Ide depressa, filhos, e trazei notcias110510951100

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de que vossa me teve o sucesso esperado. CORO No temos esperanas quanto vida dessascrianas; elas se encaminham agora para a morte. A nova esposa, a infeliz, receber coitada! a perdio dourada; em toda a volta de seus cabelos louros j vai pr, com sus prprias mos, aquele adorno que a levar morte. O encanto dele e o brilho eterno ainduziro depressa a usar o vu e o ureo diadema, presentes dessas npcias infernais. Eis a armadilha, a sentena de morte em que ir emaranhar-se a moa; ela no pode fugir ao destino. E tu, funesto e desgraado esposo, que te aliaste a nossos reis, preparas inadvertidamente a destruio de teus filhos sem sorte e a morte horrvel de tua nova esposa! At que ponto te enganas, infeliz, quanto a teu fado! Choramos por teusofrimento enorme, desventurada me dessas crianas, pois vais mat-las por causa do amor que teu esposo perjuro traiu11101115112011251130

80/342s para conquistar outra mulher! O PRECEPTOR reaparece com as crianasPRECEPTORDirigindo-se a MEDIA Aqui esto teus filhos,onta e alegremente os teus presentes das mosMas, por que ests aflita? Por que demonstrasal a sorte est a teu favor? Por que procurastrangida a minha informao?1135MEDIAAi! Ai de mim!1140PRECEPTORIsto incompatvel com minhas palavras.MEDIAAi! Ai de mim!

salvos do desterro. A jovem recebeu prdeles. Fez-se a paz com as crianas l.nas feies tanto transtorno quando afinocultar o rosto assim e acolhes cons

81/342PRECEPTORTeria eu, sem perceber, anunciado uma desgraa? Ento me equivoquei pensando que tetrazia uma mensagem agradvel?1145MEDIADisseste o que disseste; no te recrimino33.PRECEPTORPor que esses olhos cerrados, essas lgrimas?

MEDIA natural, e muito, ancio. J se consumam as intenes divinas e as maquinaes de minha mene e seus terrveis pensamentos.1150PRECEPTORAnima-te! Trazida por teus prprios filhos, reaparecers um dia em Corinto.MEDIA

82/342Antes farei com que desapaream outros nas profundezas desta terra! Ai de mim!PRECEPTORNo s a nica, porm, que separada dos filhos. Ns, mortais, devemos enfrentar com naturalidade os golpes do destino.1155MEDIAProcederei assim. Retorna minha casa e cuida das crianas como de costume. Sai o PRECEPTOR. Os filhos continuam em cena Queridos filhos meus! Agora vos espera para meu desespero um mundo diferente34, outra morada onde estareis eternamente semvossa me! E me fazem partir, banida para uma terra estranha, sem haver podido colher as muitas alegrias que esperava de vs, antes de ver vossa felicidade, antesde vos haver levado ao matrimnio, de haver composto vosso leito nupcial e de acender as tochas rituais nas bodas! Ah! Infeliz de mim! Que presuno a minha!116011651170

83/342Criei-vos, filhos meus, em vo, sofri em vo por vs, dilacerada nas dores atrozes doparto! Ah! Devo confessar infortunada! que j depositei em vs muita esperana: que vssustentareis a minha velhice e, quando eu falecesse, vossas mos piedosas me enterrariam (todas desejamos isso). Mas desvanecem-se esses doces pensamentos! Arrancada de vs, terei de suportar uma existncia de amargura e sofrimentos. E nunca, nunca mais, vossos olhos queridos podero ver-me! (Partirei para outra vida). Ai de mim! Ai de mim! Por que voltais os olhos to expressivamente para mim, meus filhos? Por que estais sorrindo para mim agora com este derradeiro olhar? Ai! Que farei?Sinto faltar-me o nimo, mulheres, vendo a face radiante deles No! No posso! Adeus, meus desgnios de h pouco! Levarei meus filhos para fora do pas comigo. Ser que apenaspara amargurar o pai vou desgra-los, duplicando a minha dor? Isso no vou fazer! Adeus, meus planos No! Mas, que sentimentos so estes? Vou tornar-me alvo de escrnio, deixando meus inimigos impunes? No! Tenho de ousar! A covardia abre-me a alma a pensamentos vacilantes. Ide para dentro de casa, filhos meus!11751180118511901195

84/342Saem os filhos Quem no quiser presenciar o sacrifcio, mova-se! As minhas mos tero bastante fora! Ai! Ai! Nunca, meu corao! No faas isso! Deves deix-los, infeliz! Poupa ascrianas! Mesmo distantes sero a tua alegria. No, pelos deuses da vingana nos infernos! Jamais diro de mim que eu entreguei meus filhos sanha de inimigos! Seja comofor, perecero! Ora: se a morte inevitvel, eu mesma, que lhes dei a vida, os matarei! De qualquer modo isso ter de consumar-se. No vejo alternativas. Deve estar morrendo a princesinha, com o diadema na cabea, envolvida no vu (quanta certeza eu tenho!). Portanto, j que deverei seguir a via do supremo infortnio e faz-los trilhar caminho ainda mais desesperado, agora devo chamar meus filhos para a despedida.1200120512101215MEDIA acena em direo casa e os filhos so trazidos de volta cena Vinde, meus filhos,e estendei a mo direita para que vossa me inda possa estreit-la.

85/342MEDIA abraa e beija os filhos Ah! Muito amadas mos! Ah! Lbios muito amados! Ah! Porte e rostos muito altivos de meus filhos! Sede felizes, ambos, mas noutro lugar,pois vosso pai vos privou da ventura aqui. Ah! Doce abrao e to aveludados rostos ehlito suave de meus filhos! Ide! MEDIA afasta dela os filhos e os faz voltarem para casa Faltam-me foras para contemplar meus filhos. Sucumbo minha desventura. Sim, lamento o crime que vou praticar, porm maior do que minha vontade o poder do dio, causa de enormes males para ns, mortais35!12251220COROVezes inmeras nos entregamos a muitas e sutis divagaes ao meditar sobre temas maisaltos do que s mulheres normal versar. Ns tambm cultuamos nossa Musa, que nos infunde sua sapincia (a todas, no; a poucas entre muitas que se mostram fiis devoo).12301235

86/342Apregoamos que os mortais alheios ao casamento e procriao desfrutam de maior felicidade que os pais e mes. Ignoram os sem filhos se a prole s lhes traria alegrias ou tambm dores; sua inexistncia lhes poupa mgoas e incontveis males. Mas sofrem de cuidados infindveis aqueles cujos lares as crianas adornam numa doce florao; querem criar os filhos bem, deixar-lhes meios de subsistncia, mas no sabem se apesar dos cuidados ho de ser bons ou perversos. Tambm falaremos do ltimo dos males e incertezas: ainda que tenham amontoado bastantes bens e que seus filhos cheguem juventudee tenham boa ndole, se for vontade do destino a morte os rouba logo e leva destemundo. Que benefcio advm, ento, aos homens se para ter a descendncia arriscam-se a receber, mandado pelos deuses alm de tantos outros sofrimentos, esse castigo maiscruel de todos36?12401245125012551260MEDIA

87/342Estou na expectativa de acontecimentos h muito tempo, amigas, s imaginando o que pode haver ocorrido no palcio. Agora vejo um dos servidores de Json chegar correndoaqui; sua respirao entrecortada mostra que nos vem trazer notcias de alguma desgraasingular. Entra precipitadamente o MENSAGEIRO1265MENSAGEIROTu que, violentando as leis, premeditaste e praticaste um crime horripilante, foge! Foge, Media, seja por que meios for ou por que via, mar ou terra, nave ou carro!1270MEDIAPor que devo fugir? Que houve? Dize logo!MENSAGEIROMorreram nosso rei Creonte e sua filha, faz pouco tempo, vtimas de teus venenos.1275MEDIA

88/342Tuas palavras no podiam ser mais belas. De agora em diante s meu amigo e benfeitor.MENSAGEIROComo, Media? Teu juzo est perfeito, ou ests louca? Logo aps exterminar a famlia real demonstras alegria em vez de estremecer ouvindo esta notcia?1280MEDIATenho palavras para responder-te, amigo, mas no te precipites; fala tu agora. Conta! Como morreram eles? Meu prazer ser dobrado se eu ouvir que pereceram atormentados pelas dores mais terrveis!1285MENSAGEIROQuando teus filhos tua dupla descendncia chegaram com o pai deles e foram levadosao palcio real, sentimo-nos felizes, ns, os criados, que soframos por ti; e de umouvido a outro foi-se repetindo que chegara a bom termo o desentendimento havidoentre Json e ti. Alguns beijavam1290

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as mos, beijavam outros as louras cabeas dos filhos teus; eu mesmo, cheio de alegria, segui com as crianas para os aposentos onde ficavam as mulheres. A senhora que reverencivamos em teu lugar antes de ver teus filhos dirigiu a Json um olhar cheio de ternura, mas depois cobriu com vus os olhos e quis desviar o rosto plido, pois a presena deles causava-lhe averso. Tentava o teu esposo atenuar a clera e o desagrado da jovem, ponderando: No ser possvel suavizar esta aparncia contrafeita ao encontrar amigos? Trata de acalmar o teu ressentimento e vira novamente o rosto para eles. Considera teus os meus prprios amigos. Olha bem e aceita estes presentesdeles e pede a teu pai que em considerao a mim d s crianas o generoso asilo. vista doadornos ela no resistiu e logo concordou com seu marido. Sem esperar que teus filhos e que o pai deles chegassem mais perto, a moa quis apanhar depressa o vu de muitas cores, ansiosa por us-lo. Em frente a um espelho vestiu o vu, e com o diadema de ouro j na cabea ela compunha o penteado, sorrindo sua prpria imagem refletida.129513001305131013151320

90/342Depois, erguendo-se do suntuoso assento, movimentou-se, pousando no cho com graa os ps de radiosa alvura, deslumbrada com teus presentes, observando muitas vezes ovu que lhe descia at os calcanhares e se ajeitando. Mas, quase no mesmo instante,um espetculo terrvel se mostrou aos nossos olhos: sua cor mudou e o corpo dobrouse; ela oscilou e seus formosos membros tremiam, e s teve tempo de voltar at o assento para no cair no cho. Uma velha criada, pensando tratar-se de algum mal sbito mandado pelos deuses, ps-se a fazer invocaes em altos brados, at que da boca da jovemescorreu esbranquiada espuma e as pupilas dela puseram-se a girar e o sangue lhefugiu da pele; ento, em vez de invocaes ouviram-se soluos fortes. Uma de suas criadas correu em direo ao quarto do pai dela; outra precipitou-se procura de Json paracontar-lhe o que ocorrera nova esposa. E no palcio todo apenas escutavam-se passos precipitados. Pouco tempo aps, a infortunada moa abriu os belos olhos e recobrando a voz gemeu horrivelmente. Exterminava-a dupla calamidade: do diadema de ouroem seus lindos cabelos132513301335134013451350

91/342saa uma torrente sobrenatural de chamas assassinas; o vu envolvente presente de teus filhos consumia, vido, as carnes alvas da infeliz. Ela inda pde erguer-se e quis correr dali, envolta em fogo, movendo em todos os sentidos a cabea no af de se livrar do adorno flamejante, mas o diadema no saa do lugar e quanto mais a moa agitava a cabea mais se alastravam as devoradoras chamas. Ela caiu no cho, por fim, aniquilada e to desfigurada que somente os olhos do pai foram capazes de reconhec-la.No se podiam distinguir sequer as rbitas nem ver de forma alguma o rosto antes tobelo; corria muito sangue de sua cabea e misturava-se com as chamas; suas carnes,rodas pelos muitos dentes invisveis de teus venenos, desprendiam-se dos ossos, e semelhana da resina dos pinheiros desintegravam-se numa cena horrorosa. Todos temamos tocar em seu cadver, pois tanta desventura nos deixava atnitos. O pai, ento, ainda alheio ao desenlace horrvel, entrou transtornado no aposento e se lanou de encontro morta; soluava pungentemente e, envolvendo-a com seus braos, beijou-a e disse: Minha desditosa filha!13551360136513701375

92/342Que deus quis infligir-te essa aviltante morte? Quem decidiu privar de ti um ancio beira do sepulcro? Que a morte me leve contigo, minha filha! E quando terminoude lamentar-se e soluar, quis aprumar o velho corpo mas, igual hera unida ao tronco do loureiro, ele continuava inseparavelmente preso ao fino vu. A luta foi terrvel; ele se esforava por levantar-se, ajoelhando-se primeiro; o peso do cadver, todavia, agindo em sentido contrrio, derribava o pai. Se o ancio tentava erguer-se deuma vez, soltava-se dos ossos sua velha carne. Vencido, finalmente, ele entregou a alma infortunado! , sem foras para enfrentar tanta desgraa. Agora jazem mortos,juntos, o idoso pai e a filha, uma calamidade que justificaria torrentes de lgrimas. Dirigindo-se a MEDIA Nada quero dizer, Media, a teu respeito; vers voltar-se contra ti a punio. H muito tempo considero que os mortais vivem como se fossem sombras, e os que julgam ser mais sagazes e pensar melhor que os outros so os mais castigados. Criatura alguma13801385139013951400

93/342 venturosa at o fim; muitas possuem bens incontveis, mas no tm felicidade.1405CORIFEUOs deuses tentam atingir agora Json com numerosas desventuras merecidas. Ah! Infeliz filha do rei! Sentimos tanto que, vtima da unio com Json, chegues antes do tempo s portas da manso dos mortos!1410MEDIANo volto atrs em minhas decises, amigas; sem perder tempo matarei minhas crianas e fugirei daqui. No quero, demorando, oferecer meus filhos aos golpes mortferos de mosainda mais hostis. De qualquer modo eles devem morrer e, se inevitvel, eu mesma,que os dei luz, os matarei. Avante, corao! S insensvel! Vamos! Por que tardamos tanto a consumar o crime fatal, terrvel? Vai, minha mo detestvel! Empunha a espada! Empunha-a! Vai pela porta que te encaminha a uma existncia deplorvel, e no fraquejes!No lembres de todo o amor que lhes dedicas e de que lhes deste a vida! Esquece por momentos de que so teus filhos,141514201425

94/342e depois chora, pois lhes queres tanto bem mas vais mat-los! Ah! Como sou infeliz! MEDIA entra em casaCOROAh! Terra! Sol que trazes luz a tudo! Olhai-a! Vede essa mulher funesta antes deela descer sobre seus filhos a mo sangrenta prestes a matar a sua prpria carne! Eles descendem de uma raa de ouro e horrvel que o sangue de um deus corra sob os golpes37 de uma criatura humana! Vem, ento, luz nascida de Zeus, f-la parar, detm-na,expulsa em tempo l de dentro a miservel Fria sanguinria38 entregue sanha de gnios malignos! Sofreste em vo, Media, por teus filhos, em vo pariste uma prole querida, tu, que venceste o traioeiro estreito de guas azuis e escolhos da Simplgades39! Ah! Infeliz! Por que tanto furor, e to feroz avassalou tua alma, presa desse delrio criminoso? A maldio do sangue dos parentes pesa sobre os mortais e precipita1430143514401445

95/342contra quem mata a sua prpria raa desgraas infligidas pelos deuses na proporo exata de seus crimes.1450Os FILHOS de MEDIADo interior da casa Ai! Ai!CORIFEUOuvistes os gritos dos filhos? No ouvistes?1 FILHOAh! Que fazer? Como fugir de minha me?14552 FILHONo sei, irmo querido! Estamos sendo mortos!CORIFEUVamos entrar! Salvemos as frgeis crianas!1 FILHO

96/342Sim, pelos deuses! Vinde j para salvar-nos!2 FILHOJ fomos dominados! Vemos o punhal!CORIFEUAh! Infeliz! Tu s ento de pedra ou ferro para matar assim, com tuas prprias mos, osdois filhos sados de tuas entranhas?14601 mulher do COROSomente uma mulher ousou at agora exterminar assim os seus filhos queridos!2 mulher do COROFoi Ino, que expulsa pela mulher de Zeus40 de sua casa e sem destino, enlouqueceu.14653 mulher do COROLanou-se a desditosa aos vagalhes amargos, impondo aos filhos uma morte impiedosa.

97/3424 mulher do COROPrecipitando-se de altssimo penhasco ao mar, ela levou seus filhos para a morte.1470CORIFEUQue poderia acontecer de mais terrvel? Ah! Leito nupcial, fecundo em sofrimentospara as mulheres, quantos males j causaste! Entra JSON precipitadamenteJSONDizei, mulheres que aqui vejo em frente casa: Media, autora desse crime pavoroso,ainda est l dentro, ou se afastou fugindo? Que ela se esconda nas profundezas daterra, ou, recebendo asas, suba ao infinito, se no quiser pagar agora o justo preode sua crueldade! Ou pensa ela que, depois de haver causado a morte dos senhores desta cidade, fugir impunemente? Mais do que nela estou pensando nos meus filhos. Ela receber de volta o mal que fez s suas vtimas; a vida de meus filhos147514801485

98/342que vim salvar, pois temo que a real famlia pretenda castigar nos frgeis descendentes o crime horrendo cometido pela me.CORIFEUAh! Json! No pudeste perceber ainda infortunado! toda a tua desventura! S j soubesses, no falarias assim.1490JSONQue h? Ela queria matar-me tambm?CORIFEUTeus filhos esto mortos. Sua me matou-os.JSONQue dizes? Ai de mim! Mataste-me, mulher!CORIFEUFica sabendo: j no existem teus filhos.1495JSON

99/342Onde ela os trucidou? Dentro ou fora de casa?CORIFEUEntra em teu lar; vers teus filhos j sem vida.JSONGritando em direo casa Abri logo os ferrolhos e tirai as trancas, criados, para que eu veja meus filhos mortos dupla infelicidade a minha! e sua me, a quem darei amerecida punio!1500No obtendo resposta, JSON se lana contra a porta, tentando for-la. MEDIA aparece por cima da casa, num carro flamejante, no qual se vem, tambm, os cadveres de seus doisfilhosMEDIAPor que tentas forar e destruir as portas? Procuras os cadveres e a criminosa? Poupa-te esta fadiga; se quiseres ver-me, estou aqui. Dize o que esperas. Tuas mos,porm, jamais me tocaro. Este o carro1505

100/342que o Sol, pai de meu pai, fez chegar at mim, para me proteger contra o brao inimigo.JSONMonstro! Mulher de todas a mais odiada por mim e pelos deuses, pela humanidade!Tiveste a incrvel ousadia de matar tuas crianas com um punhal, tu, que lhes destea vida, e tambm me atingiste mortalmente ao me privar dos filhos! E depois do crime ainda tens o atrevimento de mostrar-te ao sol e terra, tu, sim, que foste capaz de praticar a mais impiedosa ao! Tens de morrer! Hoje, afinal, recuperei minharazo, perdida no dia fatdico em que te trouxe de teu brbaro pas para uma casa grega,tu, flagelo mximo, traidora de teu pai e da terra natal! Lanaram contra mim os deuses um demnio sedento de vingana que te acompanhava, pois j tinhas matado teu irmoem casa antes de entrar em minha nau de bela proa. Foi este o teu comeo. Logo tecasaste com o homem que te fala e, depois de lhe dar dois filhos, imolaste-os s tuas bodas e ao leito nupcial. Jamais houve uma grega capaz de um crime destes, eeu te preferi15101515152015251530

101/342em vez de outra. Para desespero meu fui aliar-me a uma inimiga, uma leoa e no umamulher, ser muito mais feroz que os monstros mais selvagens. Mas, por que falar41? Eu no te ofenderia nem com mil injrias, to insensvel s! Dana-te, pois, infame, nojenta infanticida! Resta-me somente gemer curvado aos golpes deste meu destino.No provei o sabor, sequer, das novas npcias e no vou conviver com os filhos, pois perdi-os!15351540MEDIASe Zeus pai no soubesse como te tratei e como e quanto me ofendeste, esta resposta tua falao teria de ser longa. No deverias esperar, aps o ultraje contra meu leito,que fosses passar a vida rindo de mim, tranqilo com a filha do rei; Creonte, quete deu a filha para esposa, no haveria de querer impunemente expulsar-me daqui,onde cheguei contigo. Chama-me agora, se quiseres, de leoa e monstro; quis apenas devolver os golpes de teu instvel corao como podia.15451550JSON

102/342Mas tambm sofres. Nossas dores so as mesmas.MEDIA claro, porm sofro menos se no ris.1555JSONMinhas crianas! Que me perversa tivestes!MEDIAMatou-vos a perfdia deste pai, meus filhos!JSONMas no foi minha a mo que lhes tirou a vida.MEDIAFoi teu ultraje, teu segundo casamento!JSONO leito abandonado justifica o crime?1560MEDIA

103/342Essa injria pequena para uma mulher?JSONSe ela sensata. Para ti, tudo ofensa.MEDIAApontando para as crianas mortas Elas j no existem. Sofrers por isso.JSONExistem para atormentar-te em teu remorso.MEDIAOs deuses sabem a quem cabe toda a culpa.1565JSONSabem, tambm, quo tenebrosa tua mente.MEDIAOdeia-me! Tuas palavras me repugnam.

104/342JSONRepugnas-me tambm. Matemo-nos! fcil!MEDIAMas, como? Que devo fazer? o meu desejo!JSONDeixa-me sepultar meus filhos e chor-los!1570MEDIADe modo algum! Com minhas prprias mos eu mesma hei de enterr-los. Transport-los-ei agora ao santurio de Hera, deusa das colinas42, onde nem tu nem mais ningum possa ultraj-los violando-lhes o tmulo. Instituiremos solenes cerimnias na terra de Ssifo43, visando expiao desse terrvel crime. Irei de l para a cidade de Erecteu44, onde meacolher o filho de Pandon, Egeu. Morrers miseravelmente aqui, colhendo miservel45! os amargos frutos do novo casamento que tanto querias!15751580

105/342JSONAh! Cus! Matem-te as Frias vingadoras46 de nossos filhos e a justia certa!MEDIAMas, quem te escutar, deus ou demnio, a ti, perjuro, a ti, hspede prfido!1585JSONAh! Monstro odioso, infanticida infame!MEDIAVolta! Vai sepultar a tua esposa!JSONSim, voltarei, e sem meus filhos mortosMEDIAChorars mais ainda na velhice!1590JSON

106/342Filhos queridos!MEDIAPor mim, no por ti!JSONTu os mataste!MEDIAPara que sofresses!JSONAh! Lbios adorveis de meus filhos to infelizes! Quero acarici-los!MEDIAHoje lhes falas, queres afag-los; at h pouco nem os procuravas.1595JSONDeixa-me ao menos, em nome dos deuses,

107/342tocar os corpos frgeis de meus filhos!MEDIADesaparecendo lentamente com o carro No possvel; so palavras vs.JSONOuviste, Zeus, como fui repelido, como me trata a infanticida prfida, essa leoa?Que posso fazer? Chorar meus filhos e tomar os deuses por testemunhas de que, apsmat-los, no me permitiste sequer toc-los com minhas mos e dar-lhes sepultura Antes eu nunca os houvesse gerado para v-los morrer sob os teus golpes! JSON retira-se lentamente16001605CORIFEUEnquanto o CORO tambm se retira Dos pncaros do Olimpo Zeus dirige47 o curso dos eventos incontveis1610

108/342e muitas vezes os deuses nos deixam atnitos na realizao de seus desgnios. No se concretiza a expectativa e vemos afinal o inesperado. Assim termina o drama. FIM

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NOTAS MEDIA1. Arg A nave na qual Json, um dos Argonautas, viajou para a Clquida, de onde voltou com Media (veja-se a Introduo). Para as numerosas aluses mitolgicas no texto e nasnotas, veja-se o Dicionrio de Mitologia Grega e Romana, Jorge Zahar Editor. 2. Simplgades Duas ilhotas entrada do mar Negro, perigosas navegao. 3. Plion MontanhaTesslia, coberta de bosques cujas rvores serviam para a construo de remos e naus. Apolnios Rdio, na Argonutica, chama a nau Arg de filha do Plion. 4. Pelias Rei de Iolcveja-se a Introduo). 5. Velocino de ouro Ou toso de ouro, era a pele de um carneiroprodigioso, alado, com l de ouro, que Aietes, rei da Clquida e pai de Media, mantinha sob a guarda de um drago, vigilante dia e noite (veja-se a Introduo). 6. Filhasde Pelias Veja-se a Introduo. 7. gua santa de Pirene Pirene era uma fonte nos arredores de Corinto, dedicada s Musas. 8. Tmis Deusa da justia. 9. Estreito acesso O Bsoro, na viagem da Clquida para a Grcia. 10. comprar por alto preo o esposo O dote que os pais davam s filhas por ocasio do casamento. 11. Quando eu puder contar AquiEurpides prepara e justifica o episdio entre Media e Egeu (versos 757 e segs.), quealguns crticos consideram deslocado no contexto da pea. O aparecimento de Egeu, todavia, explica-se pela fama de Media como feiticeira e entendida em profecias.

110/34212. e de punhal na mo Essa aluso a punhal contradiz os versos 430 e seguintes (especialmente o verso 436). Deve-se entender que, mesmo arriscando-se a ser surpreendida, Media tentaria matar a noiva e o rei, ou se trata de uma premonio da idia de matar os filhos, habilmente colocada aqui por Eurpides? 13. Hecate Deusa das encruzilhadas, padroeira da magia e da feitiaria, venerada especialmente na Clquida. Foi no templo de Hecate que Media fez Json jurar-lhe fidelidade eterna. 14. Ssifo Fundador de Corinto, era um dos antepassados da famlia qual Json vinha de unir-se, casando-se com Glauce, filha de Creonte. A aluso de Media duplamente significativa,pois associa a traio de Json s artimanhas de Ssifo, tido como o mais astuto dos antiheris da mitologia grega. Por causa dessa astcia Ssifo foi condenado pelos deuses atentar carregar uma enorme pedra at o cume de uma montanha, ao qual nunca chegava porque a pedra tornava a rolar montanha abaixo. 15. Febo Um dos eptetos de Apolo, deus da msica e da poesia, patrono das Musas. Febo significa luminoso. 16. Rochedos gmeos O estreito de Bsforo. 17. Para as aluses de Media no incio dessa diatribe, veja-se a Introduo. 18. Cpris Uma das designaes de Afrodite, deusa do amor (a Vnus dosatinos). 19. Orfeu Um dos Argonautas, cuja voz, de to bela, encantava homens e feras e acalmava o mar. 20. Se se pudesse ter de outra maneira os filhos Eurpides era considerado um terrvel inimigo das mulheres, e a mesma idia aqui exposta ocorreem Hiplito (versos 656 e segs., especialmente o verso 664 de nossa traduo). Essa preveno lhe custou referncias custicas dos comedigrafos da poca, principalmente de Aristfanes. 21. O jogo de palavras fortuna infortunado est no original.

111/34222. A rainha Cpris. O elogio castidade no verso 734 repetido e ampliado em vrias passagens do Hiplito, tragdia que um confronto entre a indulgncia com o sexo e a castidade. 23. Veja-se a nota 11. 24. Antigo templo de Apolo O templo de Apolo Ptioem Delfos, onde havia o orculo mais famoso da antiguidade grega. Pela importncia desse orculo os gregos diziam que Delfos era o centro do mundo (veja-se o verso 763). 25. A linguagem dos orculos era sempre obscura e se prestava a interpretaes divergentes. Plutarco, no captulo III, seo 3 da Vida de Teseu, discorre longamente sobre esse orculo, de sentido ertico. 26. Piteu Rei de Trezena, na Arglida (parte do Peloponeso, no litoral do mar Egeu). Plops, pai de Piteu, teria sido o fundador dos Jogos Olmpicos. 27. Hermes O deus protetor dos viajantes. 28. Este coro um hinoa Atenas, onde reinava Egeu. Os atenienses consideravam-se descendentes de Erecteu, rei lendrio da cidade, filho de Hefesto e de Gaia (o deus do fogo e a Terra). Da o epteto de filhos dos deuses dado sua posteridade. As Musas so chamadas de Pierides por terem nascido na Pieria (regio situada nas proximidades de Atenas). 29. Cfiso Riacho perto de Atenas. 30. Rios consagrados O Cfiso e o lisso. 31. Media alude a seu banimento de Iolco, em companhia de Json, aps a morte de Pelias, de quefoi a causadora, instada por Json (veja-se a Introduo). 32. somos todos o que somos Rodeio de Media para evitar uma definio pejorativa, que contrariaria seu interesseem parecer mais cordata a Json. Essa indefinio hipcrita se enquadra no tom geral dafala de Media, no intuito de diminuir a preveno e os receios do marido contra ela.Veja-se um rodeio semelhante no verso 1146 (Disseste o que disseste). 33. Disseste o que disseste Veja-se o verso 1007.

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34. Um mundo diferente Aluso ambgua ao fim dos filhos, que se aproxima. Esse mundodiferente o Hades, morada dos mortos. Veja-se tambm o verso 1182. 35. Esse monlogo de Media (apesar dela dirigir-se aos filhos, estes permanecem mudos), justamente famoso, infelizmente foi omitido pelos tradutores da Media de Cleyde Yconis, tirando grande artista uma oportunidade, que sem dvida seria aproveitada, de enriquecer ainda mais a sua interpretao. 36. Castigo mais cruel de todos A morte do verso1256. 37. Uma das razes para a vinda miraculosa do carro que levaria de CorintoMedia e os cadveres de seus filhos que, sendo ela e eles da raa do Sol um deus esteno os deixaria expostos sanha dos inimigos, simples mortais. 38. Fria As Frias eram divindades incumbidas de punir os crimes nefandos, principalmente entre consangneos. 39. Simplgades Veja-se a nota 2. 40. Ino Hera, deusa mulher de Zeus, despeitada com a felicidade de Ino, f-la enlouquecer e suicidar-se com os filhos. De certo modo Ino se entrelaa lenda de Json e Media porque, como madrasta de Frixo e de Hele (parentes de Json), premeditou mat-los, levando-os a fugir para a Clquida montados no carneiro prodigioso recoberto pelo velocino de ouro. Hele caiu em pleno mar e morreu e Frixo foi morto pelo pai de Media, que desejava apoderar-se do velocino de ouro. 41. que os monstros mais selvagens Literalmente: que a tirrnia Cila. Cila, monstro fabuloso que habitava uma caverna no litoral do mar Tirrnio (perto do atual estreito de Messina). Cila agitava o mar, provocava naufrgios e devorava os nufragos. 42. O santurio de Hera Acraia (deusa das colinas), ficava a cercade 12 km de Corinto, fora dos domnios de Creonte. 43. Solenes cerimnias na terra de Ssifo At a poca em que Pausnias escreveu sua Descrio da Grcia (cerca de 170 d. C.)am celebradas em Corinto (terra de Ssifo) essas cerimnias, que s cessaram com a

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conquista de Corinto pelos romanos. Veja-se Pausnias, obra citada, III, 3, 6 (edioLoeb, vo