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1 REMINISCÊNCIAS DO PASSADO ESCRAVOCRATA BRASILEIRO NAS OBRAS PONCIÁ VICÊNCIO E LEITE DO PEITO Omar da Silva Lima 1 Secretaria da Educação do Distrito Federal - SEDF [email protected] Resumo As obras Ponciá Vicêncio e Leite do Peito 2 , de Conceição Evaristo e Geni Guimarães, respectivamente, giram, também, em torno da revisão da história oficial da escravatura a partir da visão de subalternidade das personagens de ambas as escritoras, em que algumas reagem a essa condição e refletem aspectos da Diáspora Africana em suas vivências no universo diegético. Neste trabalho exploro os acontecimentos que remetem diretamente algumas personagens e o leitor para o período escravocrata brasileiro e, em se tratando das personagens, mostro como as experiências de seus ancestrais africanos escravizados afeta a vida delas no presente devido ao processo diaspórico. De fato, faço um diálogo entre estrutura narrativa e marcas de etnicidade afro-descendente, contudo quero ressaltar que o mesmo não se trata do estudo da forma das obras aqui selecionadas, mas do conteúdo escravocrata rememorado pelas escritoras através, principalmente, de Vô Vicêncio e do pai de Ponciá, sendo esta o elo entre passado e presente em Ponciá Vicêncio e de Vó Rosária, em Leite do Peito. Palavras-chave: Ponciá Vicêncio, Leite do Peito, Conceição Evaristo, Geni Guimarães, escravidão brasileira. Introdução Na releitura crítica do período escravocrata, as autoras Conceição Evaristo e Geni Guimarães mesclam em suas narrativas Ponciá Vicêncio e Leite do Peito, respectivamente, o passado e o presente. Em Ponciá Vicêncio esta releitura é mais contundente pela presença de um remanescente escravo familiar, o Vô Vicêncio, que surge como personagem emblemático que marcará toda a vida da personagem principal. Ele é o símbolo de uma revolta silenciosa e impotente contra a vida de escravo no canavial, sem direitos e que vendo os filhos nascidos na Lei do Ventre Livre ser vendidos, foi tomado pelo desespero, mata a mulher e começa a se automutilar, decepando uma das mãos, é socorrido, mas enlouquece. Já em Leite do Peito, o passado é retratado através da presença de Vó Rosária, memória viva do passado, cujas histórias relatam bondade, religiosidade e bravura dos escravos diante dos maltratos, sedimenta na criança Geni o respeito pelos seus antepassados. Quando mais tarde a visão contrária disso atinge a menina negra Geni no 1 Doutor em Literatura Brasileira pela UnB. 2 Ao longo deste artigo estas obras aparecerão com as abreviaturas PV = Ponciá Vicêncio e LP = Leite do Peito.

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1 REMINISCNCIAS DO PASSADO ESCRAVOCRATA BRASILEIRO NAS OBRAS PONCI VI CNCI O E LEI TE DO PEI TO Omar da Silva Lima1 Secretaria da Educao do Distrito Federal - SEDF [email protected] Resumo AsobrasPonciVicncioeLeitedoPeito2,deConceioEvaristoeGeniGuimares, respectivamente,giram,tambm,emtornodarevisodahistriaoficialdaescravaturaa partir da viso de subalternidade das personagens de ambas as escritoras, em que algumas reagemaessacondioerefletemaspectosdaDisporaAfricanaemsuasvivnciasno universodiegtico.Nestetrabalhoexploroosacontecimentosqueremetemdiretamente algumas personagens e o leitor para o perodo escravocrata brasileiro e, em se tratando das personagens, mostro como as experincias de seus ancestrais africanos escravizados afeta a vidadelasnopresentedevidoaoprocessodiasprico.Defato,faoumdilogoentre estruturanarrativaemarcasdeetnicidadeafro-descendente,contudoqueroressaltarqueo mesmonosetratadoestudodaformadasobrasaquiselecionadas,masdocontedo escravocrata rememorado pelas escritoras atravs, principalmente, de V Vicncio e do pai de Ponci, sendo esta o elo entre passado e presente emPonci Vicncio e de V Rosria, em Leite do Peito. Palavras-chave:PonciVicncio,LeitedoPeito,ConceioEvaristo,GeniGuimares, escravido brasileira. Introduo Nareleituracrticadoperodoescravocrata,asautorasConceioEvaristoeGeni Guimares mesclam em suas narrativas Ponci Vicncio e Leite do Peito, respectivamente, o passado e o presente.EmPonciVicncioestareleituramaiscontundentepelapresenadeum remanescenteescravofamiliar,oVVicncio,quesurgecomopersonagememblemtico que marcar toda a vida da personagem principal. Ele o smbolo de uma revolta silenciosa eimpotentecontraavidadeescravonocanavial,semdireitosequevendoosfilhos nascidos na Lei do Ventre Livre ser vendidos, foi tomado pelo desespero, mata a mulher e comea a se automutilar, decepando uma das mos, socorrido, mas enlouquece. JemLeitedoPeito,opassadoretratadoatravsdapresenadeVRosria, memriavivadopassado,cujashistriasrelatambondade,religiosidadeebravurados escravosdiantedosmaltratos,sedimentanacrianaGeniorespeitopelosseus antepassados.QuandomaistardeavisocontrriadissoatingeameninanegraGenino

1 Doutor em Literatura Brasileira pela UnB. 2AolongodesteartigoestasobrasaparecerocomasabreviaturasPV=PonciVicncioeLP=Leitedo Peito. 2 perodoescolar,atinge-aapenasemsuacrenasobreahistriadosnegros,noemseu comportamento psicolgico e social, similar a Ponci, como se ver a seguir. 1 Ponci Vicncio: elo e herana do passado ConceioEvaristoestabeleceapersonagem-ttuloPonciVicnciocomoeloe heranadopassadoescravocratanoromance.Issonoacontecedeformaexplcitae imediata.Aprotagonistavaiperdendo,gradativamente,ocontatocomomundoexterior, com o presente e empreende uma viagem cada vez mais forte interiormente. Esse o modo como a autora funde os tempos no ser da personagem e, em questo de minutos, transporta oleitorparaopassadoe,namesmafraodetempo,otrazdevoltaparaopresente,de acordo com o fluxo da conscincia de Ponci. Dessaforma,oromancesedesenvolveemdoisplanoscomunssnarrativas: primeiroodahistria,acompanhaatrajetriadePonciVicncioesegundoodo discurso,omistrioquesecriaemtornodaheranadeixadapeloVVicnciopara Ponci,ouseja,apresentificaodelenaprotagonistacomoimagemdopassado escravocrata dela. Assim, as aes da narrativa acontecem no tempo cronolgico, mas no demaneiralinear,marcadas,masporcorteseaspectospsicolgicosquando,nas lembranasdaPonci,opassadodoavedopai,estepocamenino,apresentadono enredo. Segundo Henri Bergson (1999, p. 209), no que diz respeito memria, o papel do corpo no armazenar as lembranas, mas simplesmenteescolher,paratraz-laconscinciadistintagraaseficciareal quelheconfere,alembranatil,aquelaquecompletareesclarecerasituao presente em vista da ao final. PonciVicncio,comseucorpoinerte,muitasvezes,janeladeseubarraco,parece selecionardaslembranasarmazenadas,aquelaqueesclarecer,talvez,omotivodeseu vazio,deseualheamento.estalembranatildoavque,senoesclareceparaa protagonista a situao presente, devido ao seu alheamento, vai esclarecer para o leitor a situaofuturadapersonagememvistadaaofinal,aoregressarparaoespaode origem. VVicncio,suaesposaefilhos,excetoosvendidos,conviveramnamesma fazenda em que vivea protagonista. Diferente dos outros filhos, o pai dePonci Vicncio nomoravanasenzala,masnacasa-grande.Habitaroespaomaisprivilegiadodolugar no representava nenhuma vantagem par ao rapazinho. Este, que [filho]deex-escravos,cresceranafazendalevandoamesmavidadospais.Era pajem do sinh-moo. Tinhaaobrigao debrincar com ele. Erao cavalo ondeo mocinhogalopavasonhandoconhecertodasasterrasdopai.Tinhamamesma idade. (PV, p. 14) Eracomumnascasas-grandescoloniaisosmeninoseasmeninasreceberemde presente, para lhe servir de amigo-brinquedo, um escravo do mesmo sexo e idade. Assim, [crescem]juntoseoescravotorna-seumobjetosobreoqualomeninoexerceosseus 3 caprichos, incluindo censura e punio (FREYRE, 2004, p. 419). Osinh-moo,talvezporobservarocomportamentoagressivodopainomanejo com os escravos, no tinha a menor compaixo e respeito por seu pajem. Certa ocasio, Ocoronelzinhoexigiuqueeleabrisseaboca,poisqueriamijardentro.Opajem abriu.Aurinadooutrocaaescorrendoquenteporsuagoelaepelocantodesua boca. Sinh-moo ria, ria. Ele chorava e no sabia o que mais lhe salgava a boca, se o gosto da urina ou se o sabor de suas lgrimas. (PV, p. 14) Tal atrocidade deixou o pajem com mais dio ainda do pai, o V Vicncio. Se eram livres, porquecontinuavamali?(PV,p.14).Aquelacriananegranopodiaentenderquea aboliofoi,emessncia,umarranjopoltico-econmicodaburguesiadominantepara agradar a Inglaterra, de quem ramos devedores. Assim, muitos senhores de terra criaram o artifciodedoarumpedaodeterraaoschamadosex-escravos,comoumaformade continuaraexplorar-lhesotrabalho,sempagamento;depoisosdescendentesdosex-senhores vo progressivamente retomando a terra doada, por meio de outros artifcios como vemos claramente em Ponci Vicncio. Napoca[os]engenhosdeacarenriqueciamefortaleciamosenhor.Sanguee garapapodiamserumlquidos.(PV,p.50).Antesdahumilhaosofridapelopaide Ponci Vicncio, o av da protagonista e seus familiares viveram anos e anos nessa lida at trsouquatrodosfilhosdeVVicncio,nascidosdoventrelivre,comomuitosoutros, seremvendidos.OfatodeixouVVicnciodesesperadoedemente,levando-oacometer uma barbrie: VVicnciomatouamulheretentouacabarcomaprpriavidacomamesma foicequelanaracontraamulher,comeouaseautoflagelardecepandoamo. Acudido,impedidodecontinuarointento.Estavalouco,chorandoerindo.No morreuoVVicncio,avidacontinuoucomele,independentementedoseu querer. Quiseram vend-lo. Mas quem compraria um escravo louco e com o brao cot? Tornou-se um estorvo para os senhores. Alimentava-se das sobras. Catava os restos dos ces, quando no era assistido por nenhum dos seus. (PV, p. 50-51) Segundo Manolo Florentino e Jos Roberto Ges (1997, p. 80-81), embora parte da historiografiaressalteerroneamenteodesregramentofamiliarnasrelaesafetivase familiaresentreosescravos;muitasvezesesteslaos,mesmoquandonosancionados, deveriam ser respeitados por todos, sob pena da parte ofendida fazer justia com as prprias mos, abandonando a posio de cativos e assumindo a sua condio de homem ou mulher, comoqualqueroutro.Assim,opaidePoncifoiquemsalvouVVicnciodamorte. Restando na famlia apenas os dois e sem a menor possibilidade de o pai ser aproveitado na lavoura, por ser cot, o pajem no tinha outra opo, deveria mesmo permanecer ali e viver subjugado pelos caprichos maldosos de seu jovem senhor.Entretanto,ojovemsenhorquisvariarabrincadeiraetestouumacuriosidade, talvez, ouvida antes sobre a incapacidade de aprendizagem do negro e [um] dia o coronelzinho, quej sabia ler, ficou curioso para ver se negro aprendia ossinais,asletrasdebrancoecomeouaensinaropaidePonci.Omenino respondeulogoaoensinamentododistradomestre.Empoucotemporeconhecia todas as letras. Quando sinh-moo se certificou de que o negro aprendia, parou a 4 brincadeira.Negroaprendiasim!Masoqueonegroiafazercomosaberde branco? (PV, p. 15) Mesmoqueaintenodeosinh-moofosseapenastestaracapacidadede aquisio da escrita de um negro, o pai de Ponci Vicncio provou ter condies de ir alm dadecodificaodasletras.Noreconheceracapacidadeintelectualdosnegrosenem enxergarumhorizontemaisamploparaanegritudeacha-seentranhadonosubconsciente demuitosbrancosathojeMasoqueonegroiafazercomosaberdobranco?e assim,[o]paidePonciVicncio,emmatriadelivroseletras,nuncafoialmdaquele saber (PV, p. 15). AfaltadoconhecimentoletradoprejudicounosomenteoaveopaidePonci Vicncio, mas tambm os outros moradores daquelas terras do engenho de acar. Depois queaLeiureafoiassinada,oCoronelVicncioofereceuumpedaodeterraparaos negrosestabeleceremmoradiaealiplantarseussustentos,mas[uma]condiohavia, entretanto,adequecontinuassemtodosatrabalhar(PV,p.47)nasterrasdele.Cumprir comestaexignciacustouaonegroiletradooludibriamentopeloCoronelVicncio. Ponci, [desde] pequena, ouvia dizer tambm que as terras que o primeiroVicncio tinha dado paraosnegroscomopresentedelibertaoerammuitomais,equepoucoa poucoelasestavamsendotomadasnovamentepelosdescendentesdele.Alguns negros, quando o Coronel lhe doou as terras, pediram-lhe que escrevesse o presente nopapeleassinasse.Istofoifeitoparauns.Estesexibiramaquelespapispor algumtempo,atqueumdiaoprpriodoadorseofereceuparaguardara assinatura-doao. Ele dizia que, na casa dos negros, o papel poderia rasgar, sumir, noseimaisoqu...Osnegrosentregaram,algunsdesconfiados,outrosno.O Coronelguardouospapisenuncamaisadoaoassinadavoltousmosdos negros.Enquantoisso,asterrasvoltavamsmosdosbrancos.Brancosquese fizeram donos desde os passados tempos. (PV, p. 61-62) OsnegrosestavamlivrespelaLeiurea,maspresoseconomicamenteaodomnio escravocratadoCoronelVicncioque,agindodessaforma,encontrouumamaneirade burlar a Lei e continuar mantendo o regime de escravido em suas terras. E, assim, [o]tempopassavaealiestavamosantigosescravos,agoralibertospelaLei urea,osseusfilhos,nascidosdoVentreLivreeosseusnetos,quenunca seriam escravos. Sonhando todos sob os efeitos de uma liberdade assinada por uma princesa, fada-madrinha, que do antigo chicote fez uma varinha de condo. Todos, ainda,sobojugodeumpoderque,comoDeus,sefaziaeterno[odoCoronel Vicncio]. (PV, p. 47-48) OpassadodosancestraisdePonciVicnciodeterminou,emparte,ofuturodela, que crescera na pobreza e sem educao formal. Porm consciente de que tanto a produo agrcola quanto as terras tudo tinha dono, os brancos, enquanto [os] negros eram donos da misria,dafome,dosofrimento,darevoltasuicida(PV,p.82).Nopresente,Ponci Vicnciovivedominadaporcertodesnimoporque,quandonossubterrneosdesuas memrias,afloramasagrurasqueosseusjpassaram,novglrianenhumanos percursos deles e nem no prprio, pois 5 [de] que adiantara a coragem de muitos em escolher a fuga, de o ideal quilombola? De que valera o desespero de V Vicncio? Ele, num ato decoragem-covardia, se rebelara, matara uns dos seus e quisera se matar tambm. O que adiantara? A vida escravacontinuavaatosdiasdehoje.Sim,ela[Ponci]eraescravatambm. Escrava de uma condio de vida que se repetia. Escrava do desespero, da falta de esperana,daimpossibilidadedetravarnovasbatalhas,deorganizarnovos quilombos, de inventar outra e nova vida. (PV, p. 83-84) Os fragmentos citados do romancePonci Vicncio contribuem para a significao daobradedenncia,deexplorao,demalogrosefrustraodospersonagens.Juntando estaspartesaosoutrosacontecimentosdavidadePonciVicncio,nofinaldahistria,o emaranhadodesituaesseorganizadiantedeumleitorque,ento,podercompreender um dos propsitos desta narrativa de Conceio Evaristo, que o de apresentar, segundo a suatica,operododeescravidoelheproporcionarmomentosdereflexessobreas marcasprofundasdesteperodonosafro-descendentes.Dessaforma,ConceioEvaristo recupera, em sua obra, a herana deixada por V Vicncio Ponci, o qual presenciou e sentiunocorpoasdoresdaescravido,omoteprincipaldanarrativa.Aherana,quea recriao do av em sua neta, traz implcita nesse processo simbitico doloroso o resgate da histriatosofridadosnegrosenegraspelahistriaoficialepelafico,almdeuma mensagemdechamamentoluta,porqueenquantoosofrimentoestivessevivona memriadetodos,quemsabenoprocurariam,nemquefossepelaforadodesejo,a criaodeumoutrodestino.(PV,p.130).Estamensagemtransmitidapelo entendimento e conscincia de ser negro por Luandi, irmo de Ponci. Ao presenciar a transformao de Ponci em V Vicncio, Luandi compreende que suavida,umgrodeareianofundodorio,stomariacorpo,sengrandeceria,sese tornassematriaargamassadeoutrasvidas.(PV,p.131).Comessediscurso,semfazer muita gritaria, a voz da autora ecoa, clamando a comunidade negra a se assumir perante si mesma e perante a sociedade, naluta porreconhecimento. Entretanto, o fortalecimento da identidadenegrapressupe,antesdequalquercoisa,asuperaodetodasasformasde discriminao,estigma,esteretipoepreconceitoqueimpedemodesenvolvimentopleno dapopulaonegra,comonosdizMariaPalmiradaSilva(2005,p.43),eissopassa primeiro pelaeducao,para que os afro-descendentes possam ter oportunidades iguais s dos brancos. 2 O sabor doce e amargo do leite do peito A obra Leite do peito estrutura-se em torno das diversas situaes vivenciadas pela menina negra Geni no seu processo de crescimento nos espaos privado e pblico. Porm, a partir do contato efetivo da protagonista com o mundo dos brancos, na escola, que ela comea a descobrir o que os brancos podem e os negros no, como no caso da coleguinha brancaqueiasemfazerahigienematinalequandoquestionamearespeito,esta respondeelabranca.Aescolatambmoespaodoconfrontodeseusabersobreos negroseosaberoficial.OseuprimeirosabertrazafiguraemblemticadeVRosria, similaraoVVicncio,dePonciVicncioe,comoeste,funcionacomoumeloentreo presenteeopassado.DiferentedoVVicncioeopaidePonci,queencarnamum passado vivido e assimilado pelos seus descendentes, V Rosria apresentada como uma 6 exmia contadora de histrias sobre a escravido. NhRosriaeraumavelhasenhoranegraquemoravanoutrafazendacomuma famliadefazendeiros.Nuncaningumsoubeporquerazomoravacomaquela famlia, nem qual a sua idade certa.Uns diziam que tinha 98 anos, outros 112. (LP, p. 46) Esses detalhes so importantes para o leitor adulto a fim de que este tenha a percepo da escravidobranca,ouseja,libertoporLei,oescravopermaneceescravizado,oupor meio de artifcios, como visto antes, ou por falta de opo, pois se supe que no haja mais ningum por perto de sua famlia. Para as crianas os detalhes oferecem a oportunidade de mergulhar em suas razes na histria vivida, ou melhor, sobrevivida, das pessoas da idade [VRosria]que[tomam]partenasuasocializao(ECLABOSI,1994,p.73).Esta formaderememoraropassadopelatradiodaoralidademantmvivaaheranacultural de qualquer raa, principalmente no letrada,emque fico erealidade se coadunam para queningumpercasuasreferncias.Prticahojeperdida,pode-sedizeremvirtudedos meiosdecomunicaodemassa.TestemunhosdepessoascomoVRosriasomuito convincentes, em particular para as crianas, pois partem da viso daquele que viveu o fato narrado, o que lhe credencia autoridade discursiva.Certa vez, V Rosria narrou a comemorao dos escravos aps a assinatura da Lei urea: ... e s com um risco que fez no papel, libertou todo aquele povaru da escravido. Unssaramdanandoecantando.Outros,aleijadosporalgumsinhquenofoi obedecido,scantavam.Tambmbebidatevearodo,paraquemgostassee quisesse. (LP, p. 46-47) Nessafrasealeijadosporalgumsinhquenofoiobedecido,scantavamaautora revelaaoleitoroqueahistriaoficialesconde:asmutilaesnoapenaspsquicas,mas fsicas.Contudo,paraameninaGenisumaspectosobressai,aliberdadedosescravos, concedidacomumasimplesassinatura.Elaficoutoencantadadepoisdesaberquefoia Princesa Isabel a responsvel pela libertao dos escravos, considerando-a uma santa. Mais tarde, ao indagar sobre a santidade da Princesa, recebeu a confirmao dos pais ___ S haveria de ser, filha disse meu pai. / ___ Das mais puras e verdadeira confirmou minha me (LP, p. 47). Menininha s vsperas do incio da frequncia s aulas, Geni ainda estava na faseem que se acredita que os pais so os donos absolutos da verdade. Assim, passa a admirar a Princesa Isabel por sua benevolncia em libertar os escravos, como se verifica no fragmento abaixo: Rezei trs Pai-Nossos e trs Ave-Marias. Ofereci Santa Princesa Isabel, pedindo-lhe que no dia seguinte no me deixasse perder a hora de me levantar nem esquecer o nariz sujo. Agradeci tambm por ter sido to boa para aquela gente da escravido. Deitei-me,formulandounsversinhosnacabea.Quandosoubesselereescrever (que ela ia me ajudar), escreveria no papel e recitaria na escola. (LP, p. 48) Noanoseguinte,finalmente,opoemaemhomenagemPrincesaIsabelficou prontoesurgeumaocasioparaapresent-loaopblico:13demaioemumafestinha.A professora perguntou classe quem queria recitar no evento e Geni levantou sua mo que, 7 timidamenteLuzia negritude em meio a cinco ou seis mozinhas alvas, assanhadas (LP, p. 59). Excluda, inicialmente, Geni no perdeu a oportunidade e, cheia de coragem, aborda aprofessora:___DonaCacilda,eutenhoaquela[apoesia]queeufizoutrodia,queeu mostrei pra senhora e a senhora chamou o diretor e ele falou parabns e eu deixo ela mais grande...(LP,p.59).Genificoudesesperadadepoisqueasuaprofessoraaceitoua participaodelanorecitalporqueteriaqueampliaropoemaprontodeumaestrofe,mas conseguiuseuintento.Atestemomentodanarrativa,apersonagemaindanotem conscinciaplenadopreconceitocontrasuaraanegra,mesmosendoelaminorianasala de aula e estudando com uma professora aparentemente preconceituosa contra negros, pois Genitevequeinsistircomelaparaconseguirumavagaentreascrianasbrancas declamadoras. Porm, no dia da apresentao do poema que carinhosamente elaborou para homenagearaPrincesaIsabel,viveriaumadesuaspioresexperinciasenquantomenina negra.Nodiadafesta,houveaulaatahoradorecreio.Duranteaaula,aprofessora Cacilda se ps a falar sobre a data que estariam comemorando: ___Hoje,comemoramosalibertaodosescravos.Escravoseramnegrosque vinham da frica. Aqui eram forados a trabalhar e, pelos servios prestados, nada receiam.Eramamarradosnostroncoseespancados,svezes,atamorte. Quando... (LP, p. 62). Ouvir o discurso da professora sobre seus antepassados causa certo desconforto na menina Geni, pois ela percebe que a narrativa de dona Cacilda no conferia com a que fizera a Nh Rosria,pois[aqueles]escravosdaVRosriaerambons,simples,humanos,religiosos. Esses apresentados ento eram bobos, covardes, imbecis. No reagiam aos castigos, no se defendiam, ao menos. (LP, p. 62). AsconsequnciasdoconfrontoentreosescravosnavisodanegraRosriaeos escravosnaconcepodaprofessorabrancadonaCacildaferemedeixamcicatrizesna almadameninaGeni.Apsorecreio,totalmentedecepcionadaerevoltadacomsuaraa, poisacreditanosaberdaprofessora,commaisconhecimentodoqueVRosria, analfabeta, conclui que Vinhamesmo era deuma raamedrosa, sem histrias de herosmo. Morriam feito ces.JustoeramesmohomenagearCaxias,TiradentesetodososDonsPedrosda histria.Lgico.Eleslutavam,defendiam-seeaoseupas.Osidiotasdosnegros, nada.Por isso que meu pai tinha medo do seu Godoy, o administrador, e minha me nos ensinavaanobrigarcomoFlvio.Negroeratudobostamesmo.Atmeupai, minha me. (LP, p. 64) ApsestasreflexesameninaGenidecidenoseapresentarnorecital.Aprofessorano deuamenorimportnciapeladesistnciadameninaoupelacausadamudanadehumor dela, que outrora tinha demonstrado tanto empenho em se apresenta naquele recital; apenas lheprometeuevasivamentequeemoutrafestaelarecitaria.Entretanto,prometerGeni que na prxima festa tudo se resolveria, no lhe trouxe nenhum conforto. No era como o leiteque,derramado,passa-seumpanosobreepronto.Oqueestavajorrandodentrode Genierasangueecomoestanc-loldentro,ondeaferidaabertaeraumsilnciotodo 8 meu, dor sem parceria? (LP, p. 63). Tudo isso era, para a menina, a morte de crenas to carinhosamentearmazenadas;era,inconscientementetalvez,odespertarparaomundo branco dos preconceitos racistas. Navisodaprofessora,representanteoficialdopoderconstitudosobreahistria dosnegros,aautora(des)velaparaoleitorumdosmecanismosutilizadospelopoder dominanteparadestruirorespeitoaovalorsrazesnegraseconsequentementeaauto-estima de cada negro ou afro-descendente, como ocorreu com a menina Geni, ou seja, trata-se de um dos processos para materializao da inferioridade do negro. OmartriodaGenicontinuouemcasa,depoisdavoltadaescola.Oalmooda meninaestavaemcimadofogo.Depoisqueelaalmoasse,deverialavaropratolna vascaporquetodosjhaviamfeitoarefeioeamedeGenijestavaindolavaros trens. A protagonista, fingindo ingerir seu almoo, separou os gros de feijo preto com o cabo da colher e jogou-os no meio das labaredas que mantinham aceso o fogo do fogo. JogarosgrosdofeijopretoforadopratoumindciododioqueGeniestava sentindodeseupovoe,tambm,dealgoqueelafarconsigomesma,logoaseguir.As mulheres da zona rural, poca, utilizavam um p proveniente da triturao de tijolos para fazerembrilharosalumnios.Enquantoreparavasuametirandoocarvogrudadono fundo da panela, Geni teve a ideia de tirar o negro de sua pele com o tal produto: Assimqueela[ame]terminouaarrumao,voltouparacasa.Eujunteiop restantee,comele,esfregueiabarrigadaperna.Esfreguei,esfreguei,evique, diante de tanta dor, era impossvel tirar todo o negro da pele. / Da, ento, passei o dedosobreosanguevermelho,grosso,quente,ecomelecomeceiaescrever pornografias no muro do tanque dgua. (LP, p. 66) Osofrimentoimpingidopelaprofessora,desconstruindoumfatoquesupunha verdadeiro,levouGeniaoqueserviu,aindamais,paraelaperceberquesuacordepele semprecausariadesconfortoaosoutrosequandofosseocontrrio,poderianomximo despertarapiedadedeles,masquenohaviacomofugirdesuamarcaidentitria.Suas feridas foram cuidadas por sua me,atravs de uma infuso de erva. Uma semana depois, s uns riscos na perna denunciavam a violncia contra ela mesma. S ficaram as chagas da almaesperando.(LP,p.66).Estasaindaperduraropormuitotempo,nosemGeni como tambm na maioria dos afro-descendentes. 3 Reflexos da Dispora Africana em Ponci Vicncio e em Leite do Peito EmsentidolatoalgunsdicionriosdaLnguaPortuguesa,comoodeAntenor Nascentes,trazemcomosignificadodeDisporaadispersodosjudeus,nocorrerdos sculos,depoisdatomadadeJerusalmporTito.NeiLopes,emsuaEnciclopdia BrasileiradaDisporaAfricana(2004,p.236),ampliouestesignificadoe,emsentido restrito,atribuiaestetermo,tambm,adesagregaoque,compulsoriamente,porfora do trfico de escravos, espalhou negros africanos por todos os continentes. Dessa forma, a DisporaAfricana,segundooautor,compreendedoismomentosprincipais.Oprimeiro, comorigemnocomrcioescravo,oqualdispersouospovosafricanostantoatravsdo oceanoAtlntico quanto dondicoe do mar Vermelho, a partir do sculo XV. O segundo 9 momento,apartirdosculoXX,comaimigrao,principalmenteparaaEuropa,em direo s antigas metrpoles coloniais. Ainda de acordo com Nei Lopes, o termo Dispora designa, por extenso de sentido, os descendentes africanos nas Amricas e Europa e o rico patrimnio cultural que construram. Adispersodopovoafricanoemterrasbrasileirasocorreuemdoismomentos.Noprimeiro,atravsdocomrciocujoprodutodevendaeraoescravoenosegundo,apartir dasleisque,paulatinamente,iamlibertandoosescravos,oqueseefetivoucomaLei urea, em 1888, sendo esta responsvel pela disperso de muitos ex-escravos da zona rural paraasperiferiasdascidades,ondeviveriamempermanentepobrezascio-econmica. Assim,ignoradosenquantosereshumanos,noprimeiromomento,osescravoseramtidos comoprodutosvaliososnomercadoescravocrata.SegundooescritorLaurentinoGomes (2007, p. 242-243) o Trficodeescravoseraumnegciogigantesco,quemovimentavacentenasde navios emilhares depessoas dos dois lados do Atlntico. Incluaagentesnacosta dafrica,exportadores,armadores,transportadores,seguradores,importadores, atacadistas que revendiam no Rio para centenas de pequenos traficantes regionais, que,porsuavez,seencarregavamderedistribuirasmercadoriasparaascidades, fazendas,minasdointeriordopas.Essespequenostraficantesvarejistaseram conhecidoscomocomboieiros.Em1812,metadedostrintamaiorescomerciantes doRiodeJaneiroseconstituadetraficantesdeescravos.Oslucrosdonegcio eram astronmicos. Em 1810, um escravo comprado em Luanda por [70.000 ris], era revendido no Distrito Diamantino, em Minas Gerais, por at [240.000 ris], ou trsvezesemeiaopreopagoporelenafrica.Ocompradoridealtinhaoutro escravo,queserviadegarantianocasodonopagamentodadvida.Sem impostos, o Estado recolhia cerca de 80.000 libras esterlinas por ano com o trfico negreiro. Seria hoje o equivalente a 18 milhes de reais. Depois de espalhados por vrias cidades, fazendas e minas do interior brasileiro, os escravoscontinuavampassandopeloprocessoviolentodadispora,queconsistiana desafricanizaodosmesmos,iniciadaantesdeseusembarquesnosnaviosnegreiros, comovistoanteriormente,equeatingianososafricanosdispersos,mastambmseus descendentes, no segundo momento mencionado. Entretanto, este processo no se efetivava plenamentenemantesenemdepoisdalibertaodosescravos,pois,comamesclados povos africanos com o povo brasileiro, o qual j era proveniente da mistura, geralmente, do povoindgenacomoportugus,ocorriaoutrofenmenosocial:aaculturao.Este processodizrespeitoaocontatodiretoeindiretodegruposdeindivduosdeculturas diferenteseaassimilaodeseuselementosculturais,ouseja,ainterpenetraode culturas3, embora mantendo suas identidades tnicas. visvelacontribuiodospovosafricanosnaformaodasociedadebrasileira. Assim,nohcomonegaraparticipaodosescravosnesseprocesso,afinalelesforam importados de suas terras natais durante quatro sculos. Logo, a interpenetrao de culturas erainevitvel.Dessaforma,osescravosmantiveramnoBrasilalgumasdesuastradies

3Esteconceitoumajunodevriossignificadosdeaculturao,feitapormim,apartirdaconsultaem vriosdicionrios,comooDicionriodaLnguaPortuguesa,deAntenorNascente;DicionrioBrasileiro Globo, de Francisco Fernandes, Celso Pedro Luft, F. Marques Guimares, dentre outros. 10 emdiversasatividades,taiscomoeconmica:agricultura;artstica:artesanato,folclore, msica, dana;medicinal: cura por ervas medicinais, benzimentos egastronmica: angu, doces de frutas; dentre outros. Os reflexos dessas Disporas Africanas so retratados, com algumasexcees,tantoporConceioEvaristo,emPonciVicncio,quantoporGeni Guimares, em Leite do Peito, como se ver a seguir. NeiLopesrelacionaemsuaEnciclopdiavrioselementosdaDisporaAfricana. Assim, ele cita, dentre outros, o artesanato, a culinria, o folclore, a medicina tradicional, a msica e a dana. O autor informa que o artesanato afro feito em madeira, palha, cermica, metais etc., em geral recriados a partir de uma esttica africana. Esta Dispora tem mais destaque emPonciVicncio,representadapelacermica,queemLeitedoPeito,poisseconstitui emumdosmeiosdesubsistnciadafamliadaprotagonista.Ponciesuame,Maria Vicncio,soartessefabricamutensliosdomsticos,bichinhos,entreoutrosobjetos, tendo como matria-prima a argila. Osafricanosforamresponsveispelaintroduo,naculinriabrasileira,de ingredientes como o azeite-de-dend, o camaro seco, a pimenta-malagueta, o inhame, bem como folhas diversas, utilizadas no preparo de iguarias, molhos e condimentos. Segundo o autor da Enciclopdia Brasileira da Dispora Africana (2004, p. 221), a tradio culinria africanamaisinfluentenoBrasiltemsuasorigensnaregiodogolfodeBenin(Nigria, Beninetc),aqualsefazmaisacentuadamentepresentenolitoralnordestino.Estes ltimos elementos culinrios, com raras excees, so os mais recorrentes nas refeies das personagens das duas obras em estudo. Comrelaoaofolclore,NeiLopesutilizaamesmadenominaoqueoutros dicionaristas se valem, ou seja, o conjunto de costumes, crenas e tcnicas tradicionais de um povo, transmitidas atravs de geraes pelos relatos, provrbios, enigmas, canes e a partir da experincia cotidiana. Quanto s expresses culturais negras, o autor atenta para o fatodeafolclorizao4costumar,apartirdeumaperspectivaeurocntrica,ressaltarseus aspectos exteriores, pitorescos, para mascarar as condies em que essas manifestaes so produzidas, sempre margem da produocultural dominante,e, assim, ocultar seu papel de agente transformador. O folclore, nas obras Ponci Vicncio e Leite do Peito, retratado atravs de crendices populares, supersties e brincadeiras. A medicina tradicional africana est ligada ideia do ser humano como um elo na cadeiradasforasvitais.Assim,acuraexpressanaunidadecorpo-esprito.Daa importncia, na frica e na Dispora, do curandeiro, mdico e ritualista, o qual, conhecedor daspropriedadesmedicinaisdasplantas,dosextratosdeanimaisetc,osutilizaemrituais queenvolvemapalavrafaladaoucantadaparacurarasdoenasdocorpoedaalmadas pessoas.Juntoaisto,amedicinatradicionalafricanadesenvolveu,aolongodossculos, aesteraputicas(emplastos,infuses,etc.),mtodosdecurabastantedifundidosnas rezasebenzedurasdaDispora5.EstabastantesalientadatantoemPonciVicncio

4 Com relao aos produtos culturais de origem Africana, o termo folclore muitas vezes mal empregado, comutilizaoquasesempreservindoaumrecalcamentodessaproduoemfunodeumasuposta superioridade da chamada cultura erudita, de base eurocntrica. A esse tipo de recalcamento d-se o nome de folclorizao. (LOPES, Nei. Op. cit., p. 280)5 Cf. LOPES, Nei. Op. cit., p. 432. 11 quanto em Leite do Peito pela Conceio Evaristo e pela Geni Guimares, respectivamente. Naprimeiraobra,acurandeiraaNnguaKaindaenquantoquenasegunda,soChica Espanhola e dona Sebastiana, me da protagonista. Entretanto, na Colnia em que viviam, asorientaesespirituaisemedicinaisdeChicaEspanholaerammaisrequisitadasqueas de Sebastiana, como se verificou na obra em estudo. por meio da msica, tambm, que a tradio africana celebra sua alegria de viver, seu refinamento nas ocasies solenes, sua religiosidade, seu vigor no trabalho. Segundo Nei Lopes, a msica africana est presente em todas as fases do trabalho agrcola na caa, na pesca,naagriculturaeemcadaetapadavidahumana.EstaDisporaaquiabordada, assim como a anterior, ocorre mais em Ponci Vicncio que em Leite do Peito.AdanaafricanaoutroelementofortedaDispora.DeacordocomNeiLopes, ospovosdaDisporarecriaramtradiescoreogrficasafricanas,desenvolvendo, principalmentenasAmricas,grandevariedadededanasprofanas,comoporexemplo,o samba,arumba,omambo,ocalipso,aconga,etc.Jnombitoreligioso,asdanasdos orixsnocandomblsoextremamentericas,bemcomoaquelasrealizadasemhonrade outros tipos de divindade, nos diversos cultos afro-americanos. H poucareferncia a esta Dispora em ambas as obras em anlise. Concluso TodasasocorrnciasdaDisporaAfricanacitadasanteriormente,bemcomoos enredosrecheadoscomareleituradoperodoescravocratasomadosapersonagens verossmeiscomosafro-descendentesdomundoreal,comprovamqueoelementoafro serviumesmocomotemperonopreparodosingredientesnarratolgicosdePonci VicncioedeLeitedoPeito,oqueresultouemnarrativassaborosasdeseremlidaspor quaisquer leitores, independente de etnia, comprovando, assim, que a escrita da Conceio Evaristo e da Geni Guimares comprometida etnograficamente. AconstruodosuniversosdiegticosdePonciVicncioedeLeitedoPeitovai alm do fazer literrio com finalidade nica de entretenimento e atinge um fim didtico de revisodahistriaoficialdaescravido.Assuasrespectivasautoras,aorecriarema mundividnciadonegroescravizadoedoafro-descendenteaparentementelivre,ratificam para o leitor as atrocidades e sequelas de um perodo marcado pelas lgrimas de sofrimento edor,pelosuorexpelidonaslavourasouacasa-grandeprovenientedalidadiriaepelo sanguederramadonopelourinhodeumpovoquefoieaindacontinuasendoforadoase sentir inferior aos brancos em nossa sociedade, principalmente devido ao estigma da cor da pele negra. Aspersonagensdeambasasobras,dotadasdeumasurpreendentedimenso humana,socapazesdedespertaravontade,emqualquerleitor,dequererrepararas consequncias desastrosas e imensurveis do processo escravocrata brasileiro para os afro-descendentes.Assim,aliteraturadeConceioEvaristoeGeniGuimaresalcana, tambm, um fim social, pois, de certa forma, fazem com que o leitor reflita e reavalie suas verdades sobre a escravido negra no Brasil e ao mesmo tempo provoca nesse leitor o amor ao prximo e o desejo de construir uma sociedade mais justa e igualitria para todos, livre dediferenciaespelacordapeleounvelscio-econmico.assimqueperceboestas 12 obras, depois de ter noo geral dos seus elementos narratolgicos misturados ao elemento afro pelas mos criativas de suas autoras. Referncias Bibliogrficas BERGSON,Henri.Matriaememria:ensaiosobrearelaodocorpocomoesprito. Traduo de Paul Neves. So Paulo: Martins Fontes, 1999. (Coleo tpicos) BOSI,Ecla.Memriaesociedade:lembranasdosvelhos.SoPaulo:Companhiadas Letras, 1994. EVARISTO, Conceio. Ponci Vicncio. Belo Horizonte: Mazza Edies, 2003. FLORENTINO,Manolo;GES,JosRoberto.Apazdassenzalas:famliasescravase trficoatlntico,RiodeJaneiro,c.1790c.1850.RiodeJaneiro:CivilizaoBrasileira, 1997. FREYRE, Gilberto.Casa-grande & senzala: formao da famlia brasileira sob oregime da economia patriarcal. 49 ed. rev. So Paulo: Global, 2004. GOMES,Laurentino.1808:comoumarainhalouca,umprncipemedrosoeumacorte corruptaenganaramNapoleoemudaramahistriadePortugaledoBrasil.SoPaulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. GUIMARES, Geni. Leite do peito: contos. Belo Horizonte: Mazza Edies, 2001. LOPES, Nei. Enciclopdia brasileira da dispora africana. So Paulo: Selo Negro, 2004. SILVA,MariaPalmirada.(org.).RacismonoBrasil:percepesdadiscriminaoedo preconceito no sculo XXI. So Paulo: Editora Fundao Perseu Abramo, 2005. p. 55-62.