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22@BCN E BEIRUTE: As transformações na paisagem urbana. DINIZ, CLÁUDIA. FEA/FUMEC Faculdade de Arquitetura da FUMEC. Rua Cobre 200 Bairro Cruzeiro CEP. 30.310-190 Belo Horizonte /MG www.fumec.br RESUMO No século XXI estamos frente à obrigação de pensar a cidade de uma forma global, visão que implica tanto uma inserção no território como uma identificação das funções chaves de sua dinâmica interna. As políticas atuais devem preocupar-se com a autenticidade do patrimônio preservado, reconhecendo a importância de seus valores e referências locais. Com a evolução do conceito de patrimônio, o significado de paisagem cultural passou a incorporar a definição de patrimônio cultural, quando associou o patrimônio com as “obras conjugadas do homem de da natureza”. Em urbanismo, a paisagem passa por este processo de construção que envolve o homem e o meio ambiente. Neste trabalho utilizaremos a definição de paisagem cultural urbana como àquela que está evidenciado na cidade, que conforma um espaço apropriado para o homem, quem o constrói, quem o utiliza e quem o transforma cotidianamente: o chamado townscape ou cityscape (Alanen & Melnick, 2000).Nos últimos anos as cidades vêm passando por realidades questionáveis, hibridas e contraditórias, que podem ser colocadas como: a valorização do patrimônio cultural e seu retorno econômico por meio do consumo turístico; as alterações da paisagem provocadas pelo processo de desenvolvimento; a importância do patrimônio na vida coletiva, assim como o resgate da memória e da identidade; a conservação integrada acompanhada pelo processo de justiça social e da proteção da cultura tradicional popular. Dessa maneira este artigo pretende expor dois estudos de casos onde a paisagem cultural sofreu mudanças importantes em processos de intervenções urbanas: o caso 22@BCN, em Barcelona, e a reconstrução de Beirute, no Líbano. O estudo de caso de Poblenou em Barcelona, 22@BCN é um exemplo de mudança significativa da paisagem industrial do bairro original aos atuais edifícios emblemáticos que ali foram incorporados. O exemplo também ilustra os conflitos entre a sociedade civil e o governo local pelo tombamento e proteção do seu patrimônio industrial. Hoje Poblenou convive com o que lhe restou do seu patrimônio industrial graças às reivindicações sociais que culminaram com a aprovação de um plano de proteção. No exemplo de Beirute o patrimônio cultural foi praticamente desconsiderado, onde predominou a política de tabula rasa. Um exemplo de privatização do urbano com o objetivo de transformar Beirute no maior centro financeiro, comercial e turístico do Oriente Medio. Neste caso podemos questionar quem destruiu mais a paisagem cultural local, a guerra civil libanesa de 15 anos ou a própria reconstrução do centro urbano de Beirute? Palavra-chave: patrimônio cultural, paisagem cultural, intervenções urbanas.

22@BCN E BEIRUTE: As transformações na paisagem … · paisagem cultural local, a guerra civil libanesa de 15 anos ou a própria reconstrução do centro urbano de Beirute? Palavra-chave:

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22@BCN E BEIRUTE: As transformações na paisagem urbana.

DINIZ, CLÁUDIA.

FEA/FUMEC – Faculdade de Arquitetura da FUMEC. Rua Cobre 200 – Bairro Cruzeiro – CEP. 30.310-190 – Belo Horizonte /MG

www.fumec.br

RESUMO

No século XXI estamos frente à obrigação de pensar a cidade de uma forma global, visão que implica tanto uma inserção no território como uma identificação das funções chaves de sua dinâmica interna. As políticas atuais devem preocupar-se com a autenticidade do patrimônio preservado, reconhecendo a importância de seus valores e referências locais. Com a evolução do conceito de patrimônio, o significado de paisagem cultural passou a incorporar a definição de patrimônio cultural, quando associou o patrimônio com as “obras conjugadas do homem de da natureza”. Em urbanismo, a paisagem passa por este processo de construção que envolve o homem e o meio ambiente. Neste trabalho utilizaremos a definição de paisagem cultural urbana como àquela que está evidenciado na cidade, que conforma um espaço apropriado para o homem, quem o constrói, quem o utiliza e quem o transforma cotidianamente: o chamado townscape ou cityscape (Alanen & Melnick, 2000).Nos últimos anos as cidades vêm passando por realidades questionáveis, hibridas e contraditórias, que podem ser colocadas como: a valorização do patrimônio cultural e seu retorno econômico por meio do consumo turístico; as alterações da paisagem provocadas pelo processo de desenvolvimento; a importância do patrimônio na vida coletiva, assim como o resgate da memória e da identidade; a conservação integrada acompanhada pelo processo de justiça social e da proteção da cultura tradicional popular. Dessa maneira este artigo pretende expor dois estudos de casos onde a paisagem cultural sofreu mudanças importantes em processos de intervenções urbanas: o caso 22@BCN, em Barcelona, e a reconstrução de Beirute, no Líbano. O estudo de caso de Poblenou em Barcelona, 22@BCN é um exemplo de mudança significativa da paisagem industrial do bairro original aos atuais edifícios emblemáticos que ali foram incorporados. O exemplo também ilustra os conflitos entre a sociedade civil e o governo local pelo tombamento e proteção do seu patrimônio industrial. Hoje Poblenou convive com o que lhe restou do seu patrimônio industrial graças às reivindicações sociais que culminaram com a aprovação de um plano de proteção. No exemplo de Beirute o patrimônio cultural foi praticamente desconsiderado, onde predominou a política de tabula rasa. Um exemplo de privatização do urbano com o objetivo de transformar Beirute no maior centro financeiro, comercial e turístico do Oriente Medio. Neste caso podemos questionar quem destruiu mais a paisagem cultural local, a guerra civil libanesa de 15 anos ou a própria reconstrução do centro urbano de Beirute?

Palavra-chave: patrimônio cultural, paisagem cultural, intervenções urbanas.

3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

Patrimônio histórico urbano

O conceito de patrimônio foi ampliado e hoje o termo adquiriu diversas acepções, tais como

patrimônio natural, que inclui a paisagem e os recursos naturais de determinado lugar, e

patrimônio mundial da humanidade cuja preservação é de interesse global, rompendo as

fronteiras da nacionalidade. Essa dilatação dos limites do patrimônio emerge ao considerar

que a cultura se plasma também nas criações do homem sobre o território, nas suas formas

de assentamentos que foram configuradas historicamente, e na utilização do espaço físico

como lugar de convivência e intercambio cultural. Dessa forma a cidade, o território, onde

são evidentes os vestígios do homem, são expressões de patrimônio cultural.

A Carta de Veneza de 1964 teve um papel fundamental na ampliação do conceito de

patrimônio cultural, a partir do momento que abarcou as obras modestas e os conjuntos

urbanos adquiriram significado histórico e cultual ao longo do tempo.

Em 1972 a Carta de Paris incluiu em sua definição de patrimônio histórico os sítios naturais

ou manipulados pelo homem que tenham adquirido representatividade cultural, constituem

os conjuntos de construções que interagem com a paisagem e lhe confere valor excepcional

desde o ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.

A partir de então o conceito de patrimônio passou a incorporar outro significado, o de

paisagem cultural, seja natural ou transformada, tanto como lugar de contemplação como

lugar de experiências coletivas. O conceito de paisagem cultural começou a ser incorporado

na Carta de Paris (1972) no momento que associou a definição de patrimônio cultural às

“obras conjugadas do homem e da natureza” (art.1). Em 1992 o Comitê do Patrimônio

Mundial da UNESCO incorporou a categoria de paisagens culturais na lista de Patrimônio

Mundial.

No urbanismo a paisagem também passa por este processo de construção que envolve o

homem e o meio ambiente. Para efeito deste artigo se tomará a definição de paisagem

cultural urbana como aquela que está evidenciada na cidade, que conforma um espaço

apropriado pelo homem, que é quem o constrói, o utiliza e o transforma cotidianamente: o

chamado townscape ou cityscape (Alanen & Melnick, 2000). A partir dessa evolução de

conceito de patrimônio a palavra “cultural” vai difundindo-se cada vez mais, perde o seu

caráter pessoal e torna-se indústria, a cultura como negócio. Neste contexto o patrimônio

histórico urbano adquire duplo significado: propicia o saber e o prazer, mas também são

produtos culturais a serem consumidos (Choay, 2006). Este consumo vem tendo como

consequência uma inegável difusão do conhecimento do patrimônio, que muitas vezes está

unido a uma atitude de valorização e preocupação em relação ao mesmo. Mas, por outro

lado, a indústria da cultura transforma o valor de uso em valor econômico; um

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empreendimento público e privado tem como objetivo a exploração do patrimônio com o

objetivo de atrair cada vez mais visitantes.

Essas operações de conservação e transformação do patrimônio histórico e sua

transformação em produto econômico, muitas vezes através de reconstituições “fantasiosas,

demolições arbitrarias, restaurações desqualificadas” trazem consequências trágicas na

transformação da paisagem cultural de centros urbanos (Choay, 2006, p. 214).

Além disso, cabe destacar os reflexos sociais causados pelo consumo cultural, onde muitas

vezes a população local é excluída e com ela as atividades do cotidiano.

O patrimônio cultural é um recurso valioso nos programas de intervenção de centros

urbanos como instrumentos de valorização da cidade, seja como turismo ou como

competitividade da cidade na economia global. As cidades passam a serem mercadorias de

luxo dirigidas a um púbico específico (Vainer, 2000).

Portanto cabe fazer uma reflexão de casos de estudos onde as intervenções urbanas

provocaram transformações na paisagem cultural local. As experiências de intervenções

urbanas analizadas a seguir caracterizam o processo de desenvolvimento de políticas

urbanas no cenário mundial; denotam distintos modelos de gestão urbana, que podem

basear-se em premissas do pensamento moderno de tabula rasa, do urban renewal, ou em

programas urbanísticos mais incluentes, que buscam integrar as múltiplas realidades da

cidade contemporânea, sempre tendo como pano de fundo o patrimônio cultural.

A reconstrução do centro histórico de Beirute.

O caso de reconstrução do centro histórico de Beirute é um típico exemplo onde o

patrimônio histórico foi desconsiderado propriamente: uma intervenção dentro da linha da

tabula rasa. É um exemplo de privatização do urbano, onde o city marketing joga um papel

fundamental em todo o processo, concebendo o patrimônio como uma ficção do passado

que teve como objetivo transformar Beirute no maior centro financeiro, comercial e turístico

do Oriente Medio. Trata-se de um bom exemplo que ilustra conceitos de valor, identidade e

exclusão social.

A paisagem da área central de Beirute foi marcada pelas distintas camadas que revelam a

história da cidade e que contribuem à diversidade cultural libanesa. A zona também foi

marcada pelas civilizações Cananeia e Otomana, além dos elementos construidos na época

da colonização francesa (Ragab, 2011). Até 1975, o centro de Beirute tinha uma morfologia

complexa, uma combinação de zouks árabes com antigas edificações otomanas,

construções do mandato francés e de estilos internacionales (Davie, 2008).

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O resultado de tantas civilizaciones não poderia deixar de provocar um conflito cultural no

Líbano. O conflito cultural no país é percebido hoje através da estrutura destas comunidades

extremistas, cada umas com seus múltiplos estratos sociais e diferentes conjuntos de

valores. O centro das diferenças culturais resume-se em duas ideologías principais, que têm

sido historicamente rivais: a cultura ocidental, de religião cristã, e a oriental islâmica.

Esta estrutura social gerou a guerra civil libanesa (1975-1990), que se manteve intacta

depois da guerra, apesar do Acordo de Taif assinado em 1989, com o objetivo de

restabelecer o sistema político no Líbano. Foram quinze anos de guerra civil onde o centro

da cidade se transformou em uma terra sem lei, de constantes batalhas, edificios eram

lugares estratégicos para atacar o inimigo, eram utilizados como arma: “destruir um edificio

culturalmente importante para seu inimigo é derrota-lo de alguma forma” (Antunes, 2013).

O processo de intervenção

A guerra civil deixou no Líbano muitas marcas, destruição massiva e uma população

fragmentada, com um grande número de vítimas civis. Neste contexto deu-se a

reconstrução do país, representando um típico exemplo de privatização do espaço urbano.

Desde o fim do movimento, em 1990, o multimillonário Rafiq al-Hariri esteve a frente da

reconstrução do centro histórico de Beirute. Devido à ineficiência das autoridades públicas,

as quais foram marginalizadas pela guerra civil, Hariri tinha a capacidad de influenciar nas

decisões políticas e de atuar na transferência de poder em favor de suas idéias de

planejamento. Suas propostas eran benvindas no momento, com um centro urbano

devastado e de grandes dificultades de reconstrução, no meio a tantos problemas que

teriam que ser resolvidos: dificultade de relação entre propietários e inquilinos, estado

fragmentado, edificios abandonados pelos habitantes no centro, posteriormente ocupados

por familias de refugiados. Assim, Hariri, um bem sucedido homem de negócios, se oferece

para reconstruir o centro da cidade sem ajuda financeira alguma do Estado.

Em dezembro de 1992 Hariri fundou a imobiliária Solidere, com a qual acordaram as bases

legais para a reconstrução do downtown de Beirute. Alguns sócios da empresa eram

investidores internacionais que tinhan como objetivo transformar Beirute em um centro

financeiro de referência internacional, com base na nova economia urbana do mundo

globalizado. O projeto iria transformar o centro de Beirute em uma mescla de usos de

serviços, tando de lazer, como culturais e, evidentemente, financeiros.

Enquanto o centro da cidade era percebido como um espaço arcaico e degradado, por outro

lado possuía uma centralidade ancorada em sua longa história. Portanto, este espaço

estava na mira da população para reconstruir a sua identidade, destruida pela guerra.

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Sem embargo, a política da Solidere era de tabula rasa: a nova cidade deveria limpar-se,

metafórica e fisicamente, decretando o fim da velha orden urbana. Em 1994 começaram os

trabalhos de ‘reconstrução’ com a destruição de 80% das edificações remanescentes; uma

perda muito maior que a dos quinze anos de guerra. Os propietários foram desapropriados e

os inquilinos expulsos, sendo os terrenos foram transferindos para empresas privadas

(Schmid, 2006).

A destruição massiva e as extensas desapropriações provocaram um debate público muito

controvertido sobre os objetivos e conteúdos do plano de reconstrução. Os opositores

criticavam o monopólio da empresa privada responsável do projeto, assim como os

aspectos de planejamento urbano, os quais não correspondiam aos interesses do público: a

grande escala dos edifícios, a construção de autopistas e a segregacião morfológica do

centro urbano.

O fim da polémica e as limitaciones de libertade de expressão fizeram que grande parte da

população ficasse excluída do debate. Por outro lado, como o tema do patrimônio histórico

do centro provocou vários protestos, Solidere utilizou a linguagem da memória para

conquistar os libaneses e investidores internacionales. Expressões como “Beirute renascido”

e “o passado informa o futuro” foram usadas pela mídia.

Foi assim que passou-se a colocar uma atenção especial na restauração de edifícios

históricos. Para comercializar estes temas, o plano propunha resgatar a identidade nacional

libanesa com a preservação histórica.

Entretanto, muito das antigas construções do centro de Beirute já tinham sido devastadas

para dar um uso mais lucrativo ao terreno. O projeto de preservação de Solidere referia-se a

um passado que merecia a proteção como uma lembrança, mas já não refletia a identidade

da população local. Estava claro que o principal objetivo da Solidere era lograr uma

simulacião histórica específica e exclusivamente em termos de apariências visuais. Assim, o

argumento de reinterpretação histórica limitou-se a um pastiche emblemático que se

integrou ao projeto no âmbito do marketing e mediante uma estética superficial.

Resultado

O resultado é parecido com um mosaico de diferentes tipologías arquitetônicas, parte da

área foi preservada, como por exemplo, algunos edificios no entorno da Place d’ Étoile, da

época do dominio francés; outras foram derrubadas para a construção de novas edificações.

A Solidere investiu no que Borja (2010, p.122) chama de ‘arquitetura do objeto singular´,

foram contratados grandes nomes da arquitetura internacional para construir seus

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“playgrounds arquitetônicos” (Antunes, 2013, p. 77). Parte do antigo souk (mercado árabe)

foi reconstruido por Rafael Moneo, as estreitas ruas cheias de cores, sons e cheiros foram

transformadas em um centro comercial de lojas luxuosas, cafés e restaurantes (Muir, 2004).

Existem transformações similares por toda a área central da cidade, um Word Trade Centre,

edificios de escritórios internacionales, novos hotéis, são ícones produzidos regularmente.

Vários edifícios assinados por arquitetos como Jean Nouvel, Herzog & Meuron, e Norman

Foster entre otros estão em construção e transformando o centro de Beirute (Antunes,

2013).

No processo de reconstrução de Beirute, o patrimônio histórico joga um importante papel no

que se refere à identidade da população. Percebe-se que o patrimônio cultural foi

completamente desconsiderado no inicio, e posteriormente utilizado como um pastiche

emblemático para lograr uma simulação histórica epidérmica, utilizado como jogo de

marketing em uma intenção de reconciliar o desejo da população com o plano proposto de

transformar a área em um centro finaceiro. Mas o valor que se atribuiu ao patrimônio foi

exclusivamente o económico; o valor patrimonial histórico e cultural com o quais a

população se identificava foi devastado. Criou-se e inventou-se um patrimônio histórico

acessível ao visitante, que não tem nenhuma relação com a vida de pré-guerra de Beirute.

Também é exemplo de exclusão social transformando o centro urbano em um gueto de ricos

e poderosos.

A paisagem cultural de Beirute foi totalmente desfigurada, o novo plano de reconstrução do

seu centro destruiu mais que os quinze anos de guerra civil.

Imagem do souk na área central de Beirut antes da guerra civil.

Fonte: Antunes (2012). Divulgação Solidere

Imagen atual do souk

Fonte: http://www.panoramio.com. Autoria: Malek Narch

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O caso de 22@BCN em Poblenou, Barcelona.

No final dos anos oitenta Barcelona iniciou um processo de renovação urbana profunda com

o objetivo de internacionalizar a cidade. A criação da Cidade Olímpica, principalmente com a

reforma da frente marítima e do porto, marcou o início de uma política urbana orientada a

modernizar a cidade e promovê-la como um destino turístico e de serviços. As operações

foram acompanhadas de uma política de marketing urbano significante.

Os processos de planejamento urbano nas últimas décadas foram fomentados por

diferentes formas de planejamento do território, tais como os planos estratégicos ou

atuações mediante projetos urbanos. Gallach e Martí-Costa (2010, p.112) apontam a

influência do contexto da globalização nestes processos que levaram as cidades a um

“espiral de competição ascendente”.

O plano de renovação das áreas industriais de Poblenou, o chamado plano 22@BCN

adequa-se ao estudo aqui proposto principalmente pelo seu grau de modificação na

paisagem industrial do bairro, com a sobreposição de edificios emblemáticos.

Poblenou tem sua origem histórica na expansão de Barcelona no século XVIII e primeira

metade do XIX. A partir da segunda metade do século XIX, com a Revolução Industrial,

Poblenou adquire o caráter industrial que o converteu no chamado ‘Manchester catalão’,

baseado no setor têxtil e na posterior diversificação de atividades como a indústria pesada,

química, alimentícia, etc.

Os trabalhadores dessas fábricas foram os que começaram a habitar esta zona; portanto,

passou a ser um bairro de funções mistas: industrial e residencial (fundamentalmente

ocupado por operários), reforzado pela primera linha ferroviária da Espanha, localizada ali

pela disponibilidade de solo e pela proximidade ao centro e ao porto.

Era um bairro protagonizado pela conflituosidade social e laboral, onde os movimentos

políticos e sindicais da esquerda prosperaram principalmente no inicio do século XX. A vida

social também aflorou: corais, clubes esportivos, associações.

Nos primeiros anos dos anos sessenta iniciou-se a decadência e desintegração do núcleo

industrial da cidade, por dois motivos. Em primer lugar, pelo deslocamento de grande

número de empresas devido à obsolescência de suas instalações e à imposibilidade de

competir com outras empresas do setor; as empresas transferiam-se para a periferia de

Barcelona onde criavam novas indústrias dotadas com tecnologias próprias do momento.

Em segundo lugar, devido ao efeito negativo de diferentes planos urbanísticos cujo objetivo

era a remodelação dos setores litorâneos, a exemplo do Plano da Ribera, formulado em

1966, que desestimulou a renovação dos edifícios pelo temor de desapropriação.

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Contudo, até o ano 2000, época da aprovação do Plano 22@BCN, Poblenou tinha mantido

maioritariamente seu tecido industrial, apesar de que parte tinha sido derrubada para a

construção da Vila Olímpica. Tratava-se de um amplo repertório de estruturas construtivas

de grande interesse que conformavam uma gama de tipologias industriais, com variantes

estilísticas notáveis, desde neoclássicas, como o conjunto fabril de Can Ricart, as ecléticas,

modernistas, novecentistas e racionalistas, além dos exemplos do movimento moderno.

Neste contexto, a proteção de todo este patrimônio vivo, sua conservação e reutilização, de

acordo com seu valor patrimonial, supunha um verdadero desafio para a política municipal.

Mas a única ação protetora da Prefeitura apoiava-se somente em um Catálogo de

Patrimônio, o qual incorporava um número restritivo de edificios, aproximadamente umas

trinta, entre as quais a maioria era chaminés.

O Plano 22@BCN

No final de 1990 iniciou-se um processo de reflexão sobre o futuro do solo industrial de

Poblenou que contou com a contribuição de diversos setores da sociedade. Por um lado,

estudos sobre novas estratégias econômicas e territoriais para a cidade de Barcelona

propunham um distrito terciário na zona. Por outro lado, começava-se a introduzir

argumentos a favor de criar um distrito de novas atividades econômicas. Em contraposição,

os setores vinculados aos promotores imobiliários e propietarios de solo defendiam uma

transformação em direção aos usos residenciais, o qual gerou uma grande especulaão

imobiliaria.

O estudo “Ciutat Digital”, de autoria do Instituto Catalão de Tecnologia de1998, foi decisivo

para consolidar um consenso geral na hora de definir Poblenou como um novo distrito

produtivo de atividades relacionadas com as tecnologias.

A meta do Plano 22@BCN era colocar Barcelona e seu sistema metropolitano em nível de

competitividade internacional em relação às capitais provedoras de serviços que exigem

espaços e zonas adequadas para o desenvolvimento de setores terciários, e nas quais as

tecnologias de gestão da informação e de comunicação teriam um papel principal. A

Prefeitura de Barcelona propôs então uma regeneração e reciclagem do solo e das

edificações que, por seu valor histórico, estado de conservação ou adaptabilidade à nova

qualificação urbanística e destino, podiam ser reutilizados, em principio.

O processo refletiu num esforço de pensar o plano como um conjunto integrado baseado em

três normativas específicas: a Modificação do Plano Geral Metropolitano (MPGM), o Plano

Especial de Infraestruturas (PEI) e a Modificação do Plano Especial do Patrimônio

Arquitetônico Histórico- Artístico da cidade de Barcelona.

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A MPGM, aprovada no ano 2000, estabeleceu diretrizes concretas e um marco de referência

claro, com um amplo leque de mecanismos de transformações adaptadas às circunstâncias

de cada setor. A Prefeitura planificaria e gestionaria seis planos especiais que atuariam

como motores na transformação do bairro. Os demais seriam desenvolvidos por promoções

privadas, delimitando quarteirões como unidades de atuação. O Plano 22@ respondia

assim, a um triplo objetivo: a revitalização urbana, econômica e social.

Os principais elementos estruturadores do plano foram:

Patrimônio histórico. O Plano considerou a importância do patrimônio histórico como

signo de identidade de uma coletividade e propôs sua incorporação no modelo urbano.

Fomentava a variedade de traçados espaciais que, juntamente com os elementos

arquitetônicos representativos do passado industrial, criavam um entorno de grande

valor cultural que combinava tradição e inovação (Ajuntament de Barcelona, 2012).

- Preveram-se dois tipos de atuações sobre os patrimônios históricos: as vinculadas aos

elementos territoriais, como antigas passagens ou traçados parcelários; e a arquitetura

industrial, sejam complexos fabris, edificações de valor industrial ou estruturas

singulares. O Plano garantia a incorporação destes elementos na ordenação mediante a

formulação de Planos de Melhora Urbana. Previu-se a reabilitação destes edifícios para

implantação de novas atividades chamadas “@”, equipamentos @, e sua reutilização

para moradias tipologicamente não convencional (Ajuntament de Barcelona, 2000).

A criação de uma nova zona urbanística 22@, cuja denominação vem da antiga zona

industrial 22a, com um regime de usos coerentes com o novo modelo urbano que se

propôs no bairro:

- Atividades @: atividades econômicas emergentes relacionadas com as tecnologias

da informação e comunicação, além das de investigação, design, cultura e

conhecimento.

- Restrição das atividades industriais, excluindo as indústrias contaminantes, incômodas

ou perigosas, aquelas incompatíveis com a habitação.

- Serviços e comércios eram em geral admitidos, apesar de certas limitações e

condicionantes ao planejamento derivado.

- Residência. Admitiam-se a residência, embora limitada quantitativamente a

determinadas circunstâncias:

o Edifícios existentes, sem limitações, exceto em caso de incremento de volume,

permitindo em frentes consolidadas sobre determinadas condições.

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o Habitação sujeitas à proteção pública, obrigatórias nas operações de

transformação, em uma proporção de um 10% da superfície total construída.

Criação de um novo sistema de equipamentos 7@ que deviam integrar-se ao novo

sistema produtivo com o objetivo de potencializar a relação entre o setor público e o setor

privado. Trata-se dos equipamientos vinculados à pesquisa, formação e difusão do

conhecimento: universidades, centros de inovação científica e tecnológica, entre outros. Os

equipamentos tradicionais destinados à população residente deviam conviver com a nova

geração de equipamentos vinculados com o setor produtivo. O total do solo destinado a

equipamentos equivale a 10% do ámbito de atuação.

Melhora da infraestrutura urbana, a fim de adequá-la à correta implantação das novas

empresas e atividades. Para tanto, articula-se um Plano Especial de Infraestruturas (PEI)

que atuaria tanto nos espaços públicos como nos espaços privados comunitários,

determinando aspectos do solo e do subsolo. O conteúdo do plano inclui aspectos

relacionados com a mobilidade, acessibilidade, mobiliário público, serviços de distribuição

de energia, gás, água, etc., introduzindo parâmetros de sustentabilidade. O modelo urbano

aposta pelo transporte público como meio dominante de acessibilidade.

a) A gestão da transformação

No ano 2000, com o objetivo de impulsionar e gestionar a transformação prevista no Plano

22@, a Prefeitura de Barcelona criou a sociedade 22@Barcelona, de capital integralmente

municipal. A sociedade tinha personalidade jurídica própria e competência para executar o

projeto segundo os objetivos urbanísticos e de promoção, nacional e internacional, do

distrito. 22@Barcelona era encarregada da redação dos distintos instrumentos de

planejamento e da gestão urbanística municipal e do seguimento dos projetos de iniciativa

privada, além da redação e ejecução das obras de infraestrutura.

Com relação à gestão das obras de urbanização previstas no Plano Especial de

Infraestruturas (PEI), o Plano 22@BCN preveu que seus custos estivessem a cargo dos

propietários, exceto os custos que deveriam ser assumidos pelas empresas de distribuição

de serviços.

Os sistemas de gestão relacionados com as operações de transformação urbanística do

Plano 22@BCN devem ser feitos mediante um planejamento derivado, os PERI (Planos

Especias de Reforma de Interior), ajustados a cada unidade de atuação.

Em 22@BCN o agente público tinha o papel de impulsionar, estimular, adimitindo que a

implantação do plano dependeria fortemente da conjuntura do mercado. Desta manera, uma

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pequena quantidade de dinheiro público deveria mobilizar uma quantidade muito maior de

dinhero privado.

A Prefeitura propôs atuar sobre seis áreas estratégicas criando as primeras infraestruturas

urbanas e incentivando o desenvolvimento de posteriores atuaciones por parte da iniciativa

privada. Seu desenvolvimento definiu-se mediante planos especiaies por cada âmbito das

operaciones com os siguientes objetivos: garantir uma coesão morfológica; realizar uma

localização estratégica de usos diversos; dar suficiente continuidade aos tecidos

residenciais, garantindo a presença de pequenos terciários; e explorar a riqueza espacial e

tipológica de cada setor.

Estes âmbitos predeterminados representan 48% do total de solo a ser transformado; o

resto dos setores pode ser desenvolvido indistintamente pela iniciativa pública ou privada.

b) A modificação do Plano Especial do Patrimônio Arquitetônico Histórico-

Artístico da cidade de Barcelona

Desde a declaração de Barcelona como sede dos Jogos Olímpicos de 1992 intensificaram-

se os estudios sobre o patrimônio industrial em Barcelona. Diversos bairros da cidade, em

especial Poblenou, perderam peças significativas e emblemáticas do patrimônio industrial.

Graças à sensibilidade cidadana, a luta das associações de vezinhos, além de diversos

trabalhos e estudos realizados por instituições, acadêmicos e profissionais, consiguiu-se

frear algumas das aciones mais destrutivas de dito patrimônio (Tatjer, 2008). Como o caso

da antiga fábrica Can Ricart, um exemplo de ação cívica que culminou com a Modificação

do Plano Especial do Patrimônio Arquitetônico Histórico-Artístico da cidade de Barcelona.

Varios trabalhos, estudos, jornadas, conferências e, muito especialmente, a mobilização

cidadana por Can Ricart serviram para aprofundar no conhecimento sobre o patrimônio

industrial de Poblenou e deu bases para a revisão do catálogo de tombamento. Em

novembro de 2006 aprovou-se definitivamente a Modificação do Catálogo do Patrimônio

Arquitetônico Histórico-Artístico da Cidade de Barcelona, distrito de San Martí que prevê a

conservação de um total de 114 elementos (46 já anteriormente protegidos e os 68 novos

elementos incluidos).

A questão de Can Ricart foi emblemática por ter conseguido por fim à destruição sistemática

da memória de Poblebou, e provar que o urbanismo social é capaz de recuperar seu

patrimônio e afrontar os interesses imobiliários.

Neste caso, ficou evidente a necesidade de mobilização da sociedad civil em defensa do

patrimônio, em geral, e do industrial, em particular. Sem embargo, para que fosse efetiva

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essa mobilização, foi fundamental a realização de um rigoroso trabalho que incitasse

diálogos e participação coletiva com profissionais em diferentes âmbitos de conhecimentos.

Em suma, foi relevante o processo de socialização e difusão de conhecimentos que se

produziram em torno às questões históricas e arquitetônicas entre os vezinhos de Poblenou

e, até mesmo na cidade como um todo.

Os resultados

Até junho de 2012 renovou-se 70% das áreas industriales de Poblenou, um total de 141

planos de melhora urbana. Dos 141 planos aprovados 85 foram promovidos pelo setor

privado, em uma clara resposta por parte do setor imobiliário à estratégia transformadora.

Nos primeros dez anos do Plano, o novo sistema econômico consolidou-se com a presença

de 7.000 empresas, um total de 90.000 trabalhadores, das quais 64% instalaram-se depois

da MPGM.

También é importante destacar a construção de vários centros tecnológicos e incubadoras

de empresas, assim como, a presença de universidades e outras instituições e escola de

posgraduação.

Em dezembro de 2011 executaram-se um poco mais que 40% do PEI, construiram-se

distintas redes e serviços urbanos, além de obras de urbanização de ruas (101 tramos de

rua executados), galerías públicas e privadas (um total de 3.031 metros lineares, dos quais

69% foram privados), redes de climatização, de electricidade e telecomunicações, além de

coleta pneumática (Ajuntament de Barcelona, 2011).

Em junho de 2012, um grande número de edificios industriales tombados encontrava-se

reabilitados, observando-se diferentes estratégias de atuação e distintos usos:

equipamentos @ (fundações, escolas, universidades), atividades @ (diversas empresas),

moradias não convencionais (lofts, misto de equipamentos, atividades e moradia).

Com o objetivo de avaliar o desenvolvimento do Plano, em 2009 técnicos da empresa

22@Barcelona, a partir de análises das universidades, de contribuições das associações de

vizinhos e dos comerciantes, assim como da Comissão de arquitetura da Prefeitura de

Barcelona, elaboraram um documento Estudi i conclusions do desenvolupament do Plano

22@ (Corduente, 2011). Os principais pontos analizados foram:

- preservação dos setores tradicionais. O caráter de Poblenou é sua rica diversidade de

tecido, consequência da progressiva ocupação de solo a partir do núcleo inicial do bairro. O

resultado é uma paisagem urbana com uma qualidade própria baseada na heterogeneidade,

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fragmentação, diversidade e ausência de regularidade, com valores que se asemelham mais

a um centro histórico que a uma área industrial convencional.

- Como ponto positivo pode-se destacar a aprovação, em 2010, do Plano de Ordenação e

Proteção do Centro Histórico do Poblenou, uma normativa específica destinada à

conservação de seus valores urbanos.

- Considera-se que a maioría das edificações históricas não apresenta o grau de

consolidação, ficando em uma situação de “paralisia urbanísticas” (Corduente, 2011, p. 213)

com relação às obras e usos permitidos; apesar de reconhecerem os usos não se permitem

incrementos de área. São âmbitos difíceis de desenvolver-se, pois, ainda que a normativa

preveja a transformação dessas áreas mediantes planos derivados, trata-se de um tecido

com um parcelamento fragmentado (estrutura de propriedade muito dividida) e com muitas

residências existentes.

- Densidade e continuidade na distribuição de residência. Todavia existem àreas com uma

importante descontinuidade do setor residencial, principalmente nas zonas com menos

presença de residências preexistentes.

- Áreas pendentes de transformação. Em 2010 as áreas pendentes de transformação

representavam 34% da superficie inicial. A metade das áreas pendentes de transformação

são, em grande parte, ilhas inteiras que se propõem estabelecer como novos âmbitos de

iniciativa pública, com o objetivo de vertebrar e estruturar o território, tal como nos seis

planos iniciais. O resto da área, a outra metade, propõe-se introduzir modificações na

normativa atual devido à dificultade de transformar-se, causa atribuída a diferentes

características morfológicas, de tamanho e usos.

- Arquitetura. Apesar de Poblenou caracterizar-se por sua riqueza tipológica, na última

década essa diversidade tipológica se acentuou devido às novas atividades econômicas,

além da nova arquitetura dos edifícios habitacionais e de equipamientos. Em definitiva, a

transformação urbanística e a flexibilidade da normativa influenciaram muito na paisagem

urbana do bairro. A altura dos edificios é um tema muito controvertido e debatido agora.

Outro aspecto a ser considerado nos novos projetos arquitetônicos é a relação do pavimento

térreo com o espaço público. Por fim, devido à heterogeneidade do tecido, a transformação

produziu diferentes relações de diálogo entre o novo e o velho. Propõe-se, nos terrenos

intersticiais, suturar o tecido existente com edificios com alturas e profundidades similares

do entorno. Por outro lado, nos locais onde existem poucos edifícios, é necessário fazer

referência às novas edificações do entorno, mesmo que estejam em construção ou ainda

em projeto, levando sempre em consideração a unidade de conjunto e a continuidade

urbana, fatores fundamentales para a cidade.

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- Espaço púbico. O sistema de zonas verdes está integrado pelos espacios livres de

diferentes escalas e vocações de uso, com uma boa conectividade que lhes permite

acessibilidade.

Em resumo, pode-se concluir que o bairro de Poblenou ganhou densidade com o aumento

de edificabilidade, melhorando a qualidade do espaço urbano com novas zonas verdes, de

infraestruturas e equipamientos.

Não obstante, a paisagem urbana sofreu transformações importantes devido à flexibilidade

nas normativas, provocando falta de unidade de conjunto e descontinuidade urbana

provocada pelas novas edificações com respeito ao patrimônio histórico existente.

O processo de iniciativa pública foi possibilitado pela atuação de profissionais, propietários e

promotores privados, somado aos dos movimentos sociales.

Conclusão

Como se pôde observar, as experiências de intervenções urbanas apresentadas propõem-

se reverter o processo de degradação física, social e econômica de centros de interesse

histórico, alguns com enfoques turísticos, outros econômicos e/o tecnológicos. Apesar das

diferenças, todos utilizan o patrimônio cultural como leitmotiv de atuação, seja através de

sua reabilitação e preservação da identidade local ou mediante à sua reinvenção –como o

falido caso de Beirute.

Em muitos casos, observa-se como o planejamento urbano das últimas décadas está

dirigido a intereses económicos e de promoção da cidade no âmbito internacional. A

diferença entre eles está no modelo de gestão, nos instrumentos que se utilizam para

intervir, além da capacidade dos cidadãos à hora de mobilizar-se em defesa de seu

patrimônio.

A obsolescência funcional 1960-1990

Fonte: http://www.22barcelona.com

O constraste do novo com o velho.

Fonte: Corduente (2011).

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Os casos de Beirute e Poblenou compartem de certa similitude enquanto a maior parte do

financiamento vir da iniciativa privada, mas com uma diferença grande no modelo de gestão.

O plano de Beirute foi gestionado por uma empresa privada com intereses puramente

econômico, é um ejemplo claro de uma gestião autoritaria sem participacião cidadã, onde o

patrimônio histórico foi utilizado e manipulado para criar pastiches, sem nenhuma

preocupação real com sua autenticidade e integridade histórica. É um exemplo onde o

patrimônio imaterial foi desconsiderado, representado pelos costumes dos habitantes, como

os souks de Beirute ou pela preservação da população local, é um processo de expulsão de

residentes e perda de identidade local, com uma transformação drástica da paisagem

cultural.

No caso 22@BCN destaca-se o papel dos movimientos sociais de reivindicação urbana e de

gestão pública e privada. No caso do Poblenou, o Plano 22@BCN propôs criar uma zona de

nova economia preservando o equilibrio dos usos, preservando a função residencial

existente e promovendo um aumento de habitação social, e ao mesmo tempo melhorando a

oferta de espaços públicos e culturales. Apesar de tudo, as ‘sombras’ versam sobre essa

intervenção, pois o financiamento é praticamente do setor privado, e é aí onde aparecem

conflitos, considerando que interesses entre promotores privados e movimientos sociais são

muitas vezes opostos. Ditos movimientos sociais foram fundamentais para evitar que o

processo de renovação urbano eliminasse totalmente o patrimônio físico e cultural do local,

apesar da questionável transformação da paisagem urbana da área.

O conflicto entre a transformação física e a reabilitacião do patrimônio arquitetônico,

segundo Jordi Borja (2010), é inevitável. Os intereses imobiliários optam pela demolicião e o

deslocamento de empresas e trabalhadores em lugar de sobrepor e somar (Montaner,

2008), enquanto que os movimientos sociais buscam reabilitar o existente, dando novos

usos e mantendo a identidade física e social da área. Hoje, o Poblenou convive com o que

restou do patrimônio industrial do bairro, graças a reivindicações sociales que culminaram

com a aprobação do Plano de Proteção do Patrimônio Industrial.

Pode-se concluir que as cidades, além de seu significado cultural, são sistemas dinâmicos

que cumprem funções econômicas, de serviços e de residência, que se devem levar em

conta ao tentar preservar seus valores culturales e artísticos, questão sumamente complexa

nos casos de conjuntos históricos (Gonzáles-Varas, 2000).

O centro deve ser visto como uma obra de arte não estática, onde o patrimônio histórico,

juntamente com seus habitantes e usuários, jogam um papel fundamental como principais

conformadores da rede urbana, que lhe dão soporte e identidade (Rocha & Collera, 2010).

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