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236076586 Mantras Palavras Sagradas de Poder John Blofeld

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Com a evidente expansão do interesse pelas religiões e pelo misticismo do Oriente, um número cada vez maior de pessoas tem se fascinado pelos “mantras”, fórmulas sagradas que, na índia, na China e no Tibete, são decoradas para meditação. Seu significado exato e a maneira como agem têm sido cercados por uma aura de segredo, a fim de preservá-los contra distorções e abusos. Neste livro único, John Blofeld, autoridade reconhecida em contemplação budista iogue, explica o significado e o processo dessas sagradas palavras de poder. As pessoas que se entregam à meditação entoam-nas sonora e ritmicamente, ou as repetem interiormente, e com frequência visualizam as sílabas como raios que emanam uma luz gloriosamente colorida. A eficácia dos mantras como ajuda para a meditação é indiscutível, mas muitas pessoas acreditam que as próprias sílabas se imbuem de poderes maravilhosos ou miraculosos. Blofeld explora esses aspectos mais controversos com grande discernimento e sensibilidade. Muito do seu conhecimento é derivado da experiência direta e provém dos lábios de monges e lamas que conheceu durante toda uma vida passada no Oriente. John Blofeld, quando jovem, interrompeu seus estudos em Cambridge a fim de ir para a China. Desde então tem viajado exaustivamente pelo Oriente e passa a maior parte de seu tempo estudando e escrevendo sobre Budismo e Taoísmo, na China, no Tibete e na Tailândia, onde vive atualmente.

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PrefácioDoAutor

Comoascoincidênciassejuntamestranhamente!Muitas,muitas vezes, damos comumapalavra ou comumpensamento

queestavamhaviamuitoausentesdenós, ede repentedescobrimosqueeles ecoaramde novo, duas ou três vezes, num intervalo de poucos dias.Há muitos anos acariciei a idéia de escrever um livro sobre mantras, edepoisadescartei.Sentiquenãoseriacorretoexporassuntossagradosaumpossívelmenoscaboou,levianamente,pôrdeladoassalvaguardascomas quais o conhecimento mântricohavia sido preservado da profanaçãodurante séculos.Depoucosanospara cá, entretanto, as circunstâncias sealteraram.O interessepela sabedoriadoOriente, quemilharesde jovensdoOcidenteagorademonstram,égenuínoenãodesprovidodereverência;aocontráriodeseusantecessoreseantepassados,elesnãomenosprezamo que é misterioso, simplesmente por não estar de acordo com ascategorias do pensamento cientí ico ocidental. Esta mudança de atitudemerece e recebeu uma calorosa resposta; hoje em dia, até os maisconservadores guardiões das tradições orientais estão inclinados aabrandar o rigor das antigas salvaguardas, devido à compaixão poraqueles cujo desejo de sabedoria é sincero, e que se achamimpossibilitados de viajar para longe de seu chão a im de sentar-se aospés dos sábios durante anos in indáveis. Havia pouco, uma série deincidentes me izera ponderar de novo sobre as implicações dessamodi icação,quandochegouumacartadeumautor,eminenteautoridadesobrebudismo chinês, LuK'uan-yü (Charles Luk), insistindo comigoparaqueme dispusesse a escrever exatamente a espécie de trabalho que eutiveraemmente.Minhaprimeirareaçãofoidecautela.Respondiquemesentiahesitante

devido aos votos desamaya, que prescrevem discrição quanto a todoconhecimento que se obtématravés da iniciação tântrica; pois, apesar demeu lama, o Venerável Dodrup Chen, haver-me dado permissão paraescrever qualquer coisa que me parecesse adequada, sinto naturalrelutânciaemtomardecisõessobretalmatéria.DepoischegounovacartadeLuK'uan-yü,comamesmafinalidadedaprimeira.Apósponderarsobreessa sugestão, aceitei-a,mas comumaauto-imposição:decidi limitar-meafalar de mantras que, já tendo sido publicados, deviam certamente serconhecidos (e talvez mal compreendidos) pelos não-iniciados. Desta

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maneira, eu esperava evitar revelações não recomendáveis e, ao mesmotempo,esclareceralgumasconcepçõesprovavelmenteerrôneas.Seguindo a linha geral que eu havia dado aos meus livros anteriores

sobre assuntos similares, comecei pelo que, para mim, era o começo,relatandomaisoumenoscronologicamentemeusencontros iniciaiscomaprática mântrica. Por isso, os dois ou três primeiros capítulos não têmprofundidade, mas espero que sejam considerados interessantes. Osleitores que, até aqui, consideram osmantras comomágicos ou conversaiadadescobrirãoquefoiquaseessaaminhaatitudenoinício,apesardeafénasabedoriadosmeusamigoschinesesmeimpedirdetrancaramentecontraoqueparecessetolice.Esperoconseguirdespertarreverênciapelasartesmântricas, e pela crença em sua validade, exatamente como foramdespertadasemmim—passoapasso.Gostaria de enfatizar que cheguei aos mantras por acaso, e não por

decisão própria. Apesar de meu interesse por eles ser perfeitamentesincero, não busquei conhecimentos mântricos, e o que adquiri foiincidental na minha procura de iogues através dos quais conseguisse aIluminação, da qual os mantras algumas vezes fazem parte. Tive muitasorte ao encontrar homens de sabedoria e verdadeira santidade, tantochineses quanto tibetanos, muitos dos quais versados em erudiçãomântrica, mas estou longe de dominar o assunto. 0 fato de ter ousadoescrever sobre isso não é porque eu saiba muito, mas porque muitosoutros,quenãotiveramasoportunidadesqueeutive,talvezsaibammenosainda. Até esta data — tal como o leitor descobrirá ao inal — existemaspectosdosmantrasquepermanecem tãomisteriososparamimquantoantes.Geralmente,dividoosmantrasem três categorias,dasquais sómesintocapazdefalarcomligeiraautoridadesobre-aprimeira:1 — Mantras usados na contemplação iogue, maravilhosos mas não

miraculosos.2—Mantrascomefeitosaparentementemiraculosos.3—Mantras que, se tudo quanto se a irma a seu respeito for válido,

devemprovisoriamenteser julgadoscapazesdeagirmiraculosamente,aomenosatéqueaformadesuaaçãosejamelhorcompreendida.Amaior parte doque se segue aos dois ou três capítulos introdutórios

concerne à contemplação iogue. Apesar de ser considerado o menosespetacularaspectodosmantras,esteéoúnicode importânciade initiva.Estou grato a Lu K'uan-yü por seu encorajamento, ao Lama AnagarikaGovinda por uma carta que, em conjunto com suas obras publicadas,solucionou vários problemas paramim; aomeu bom amigoGerald Yorke

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pela informação sobre a teoria hindu do podermântrico, assim como deváriaspráticasocidentaisanálogasaousodosmantras;eadomSylvesterHouédard,daPrinknashAbbey,pelasvolumosasnotaseruditasdasquaisextraíminhasreferênciasàPrecedeJesus1eaoIsmu'zatdosSufis.

JohnBlofeld,ACasadoVentoedaNuvem

1 -APrecede Jesus, equivalente aoPai-NossodoCatolicismo, foi cridano cristianismo ortodoxo por São João Crisóstomo, santo notabilizado porsuaeloqüência.

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Capítulo1

AFLORESTADOSRECLUSOS

Eracomoumsonho.Dentrodolargoaposento,eapesardeosraiosdasvelas re letirem-se nos cálices e instrumentos rituais reunidos sobre oaltar,brilhandocom luzprateada,eapesardeomandaladasdivindades,erguido atrás dela, conter todas as colorações imagináveis, a luz queprevalecia era um dourado pálido, cor da esteira de palha de arrozestendida de uma parede à outra, com sua super ície imaculadainterrompidaapenasporumaltarbaixoequadrado,demadeiranegra,epelas ileiras de almofadas cor de bronze, usadas para meditação. Asalmofadas,nomomento,estavamocupadas.Anãoserpelomovimentodoslábiosepelarespiração,as igurasenvoltasembrancoassemelhavam-seaestátuas, tãoprofundaeraa tranqüilidade invocadapelas sílabasem tomgrave emanadas de suas bocas e reguladas pelo ritmo majestático dotambor:

LOMAKUSICHILIAJIPIKIANANSALABATATAGEATANAN.ANGBILAJIBILAJI MAKASA GEYALA SATA SATA SARATÉ SARATÉ TALAYI TALAYIBÍDAMANISANHANJIANITALAMACHISIDAGRIYATALANGSOHA!

Logochegueiasaberquenenhumdosdevotos,apesardesuasmentesresponderemsemfalhaaoencantamento,conheciaosigni icadodaquelassílabas,cujosomeramais inspiradordoqueumsolenepeã!A linguagemnãoeraadesuanativaCantão;nemsequer,apesardetersidotransmitidaa seu professor pelo Mestre dele no Japão, era japonês; nem mesmo ochinês medieval, conquanto o mantra tenha alcançado o Japão vindo daChina, mil anos antes; nem era sânscrito — mas talvez o sânscritomodi icado através dos séculos por toda uma série de transições.Estranhamente,nadadissoimportava,poisassílabasdeummantra,aindaque acaso inteligíveis, não deviam seu poder ao signi icado, ao nível dopensamentoconceituai.Aliestavaoiníciodeummistérioaoqual,deentãopordiante,eudedicaria todaaminhavida.Eagora,apósquatrodécadas,nãopossonaverdadedizerqueodesvendei!Quando, na juventude, tomei a primeira resolução de ir à China, uma

doença súbita me compeliu a desembarcar em Hong-Kong. Ali, as

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circunstânciasmelevaramapermanecerpôrumanooumais,cultivandoaamizade de um grupo de chineses conservadores, que apaixonadamenteseapegavamàvelhasabedoriaeàstradiçõesdesuaraça.Entreeleshaviaummédico da velha escola, estudante de rosto pálido, de trinta e poucosanos,que,desprezandoasmodasocidentais,usavaumseverobarretedecetimpreto, encimadoporumpingente escarlate, e no verão, uma túnicade ina seda branca que chegava ao tornozelo e tinha a gola erguida. Noinverno,essatúnicaerasubstituídaporoutradesedamaispesada,decorsombria e acolchoada com paina de seda, sobre a qual usava comfreqüência uma jaqueta manchu, formal, de cetim preto estampado. Talcomo proclamava sua aparência, o Dr. Tsai Ta-hai era totalmente umhomemdetradição,masnãoamantedafossilizadarigidezconfuciana—eimbuídopeloespíritohumanístico,místicoebrincalhãoquecaracterizaasmais inas formas da poesia e da pintura chinesas. Profundo conhecedordas tradições taoístas e budistas, vivia mergulhado no mistério dasmiríadesdeformasmutantescriadaspeloTaoinforme,autoperpetuadoreimutável,representadocomtantaagudezaemvelhospoemasepaisagens.Quando nos conhecemos, ele estava entusiasmado com uma forma debudismo esotérico não mais habitual na China, mas que sobrevivera demodo truncado no Japão, de onde havia sido recentemente transmitidaparaumgrupodedevotosemHongKong.Nossa amizade, que seria cimentada mais tarde por um juramento de

fraternidade, cresceu magicamente desde a noite de nosso primeiroencontro. Noutro livro, TheWheel of Life [A Roda da Vida] descrevimaislongamente a maneira pela qual estando mal, com febre intermitente,mandeimeuempregadinhocantonêsde12anosprocurarummédico;edecomo esse rapazinho, nada sabendo a respeito das preferências de umestrangeiro, tivesse corrido até o mais próximo — o Dr. Tsai Ta-hai,naturista chinês que, apesar da surpresa ao ser chamado por um "diaboestrangeiro",acorreu imediatamente, tocandocomseusdedosesguiosumdemeuspulsosdecadavez,descobrindonãosóum,masseispulsos!Seumétodo de diagnóstico não era menos estranho para um jovem recém-chegado da Inglaterra; consistia em mergulhar sua mente emtranqüilidade interiore intuir, emsilêncio, asperturbaçõesnos ritmosdemeu corpo. A receita, que redigiu em bela caligra ia com o conjunto deacessórios de escrita que formava a parte mais essencial de seuequipamentomédicoportátil, levou-meàcomprademuitospacotinhosdeestranhas substâncias, as quais fervidas juntas produziram um líquidoralo,negroeamargocomespantosaspropriedadescurativas.Descobrindo

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que eu era budista, ele me interrogou com deliciado espanto. Nuncaesquecereiaalegriaqueiluminouseurostoaosaber,pelaprimeiravezemsuavida,quehaviadeparadocomumocidentalansiosoporaprendercomos chineses, em vez de estar determinado a impor-lhes sua maneiraocidentaldepensar.Assim que me restabeleci, meu novo amigo me levou a uma reunião

numa casa que, tal como proclamava uma tabuleta de laca acima daentrada, era curiosamentedenominada "AFloresta dosReclusos". Era naverdadeumaespéciede temploparticular,pertencenteaumaassociaçãodebudistas leigos.Fui informadodequequasetodasascidadesdaChinatinham sua Floresta de Reclusos, mas que aquela era incomum, porqueseusmembrosadotavamumaformadebudismoque,tendodesaparecidodaChinamilanosantes,haviasobrevividonoJapãocomoseitaShingon.Omestre-residente, Lai Fa-shih (Mestre-Dharma Lai), depois de passaralguns anos em retiro no Monte Koya, não muito longe de Kioto, tinhavoltado do Japão para instruir seus confrades chineses sobre o quesobrara da tradição secreta que havia prevalecido entre seusantepassados na época em que havia lorescido a Seita Esotérica (MiTsung). A seita Shingon, assim como sua contrapartida tibetana, aVajrayana ou Mantrayana, protege seus segredos de ioga contra aprofanação,restringindoainstruçãoapenasaosiniciados. Foiporespecialcortesia dos amigos de Ta-hai que o jovem inglês Ah Jon, como mechamavam, teve permissão para freqüentar e até participar dos ritos,apesardenão ter, atéentão,uma iniciaçãopreliminar.Abondadedessaspessoas não tem limites. A Floresta dos Reclusos, elevando-se numpequenocumepertodeCausewayBay,noqueeraentãoumaárearural,tinhaaparênciacomum,maisocidentaldoquechinesa,peloestilo.Muitosdeseusquartos,aosquaisestavamligadas largasvarandasenvidraçadas,eram iguais aos que se encontravam em muitas residências da classemédia em Hong Kong naquele período; mas no andar superior icava abonitasalaquedescrevi,sempreperfumadapelaqueimadesândalo.Atrásdo altar, com seus requintados conjuntos de prata, erguiam-se váriospainéispintados,dosquaisoque icavanocentroreproduzianove"BudaseBodhisattvasmeditando", sentadosnocentroenaspétalasdeum lótus.Estespainéis,eas igurasdeoutrospainéissubsidiários,eramesculpidosem cores claras e brilhantes, de estilo notavelmente semelhante ao dosafrescos encantadores que se vêem nas paredes dos antigos templos-cavernasdaChina,da índiaedoCeilão.Asemelhançanãose limitavaaosarranjos, àposturaeaoSimbolismo,masera criadaprincipalmentepelas

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sublimes expressões e pela etérea delicadeza das iguras - as queencimavamnuvenspareciamrealmenteetéreaseasaladaspareciamvoar.Iconogra icamente, o painel central parecia uma forma de mandalatibetana. Sentado no centro do lótus icava o Buda Vairochana; outrosquatro Budas em meditação, representando Energias da SabedoriaCompassiva, ocupavam as pétalas correspondentes aos principais pontosda circunferência, e quatro Bodhisattvas icavam sentados nas demaispétalas. Impressionado pela beleza do arranjo, não tive então nenhumaidéia sobre seu signi icado esotérico. Voltando a re letir sobre isso agoranão tenho dúvidas sobre a ascendência comum às seitas de Shingon,japonesa, e Vajrayana, tibetana, conquanto a primeira preserva apenasumapequenapartedessaherança.Recém-chegado,atraídoàChinapelabelezaepelasabedoriaquehavia

recolhido nas traduções da poesia chinesa de Waley e Obata, e noutrasfontes similares, eu estava ansioso por apreciar quaisquer experiênciasque meus amigos chineses tivessem a oferecer; de modo que adoteifacilmenteseusrumos,semcriticarqualquercoisaqueelessugerissem,edeixandoqueacompreensãosurgissemaistarde.Umaouduasnoitesporsemana, nós nos reuníamos numa varanda fechada, contígua à sala dosantuário.Osoutrosvestiam túnicas chinesas sobre suas calças largasdeseda; eu, as roupas que havia trazido da Inglaterra, cujas calças eramlamentavelmente impróprias para sentar de pernas cruzadas numaalmofada, pela duração dos ritos. Em breve comecei a ir com um par decalças de seda embrulhadas, de modo que, antes de entrar na sala dosantuário,podiatrocarderoupa,vestindocomoosoutrostúnicasdetecidobranco liso com largas mangas. Um mês depois, avancei mais ainda,chegando lá com roupas chinesas, apesar de, naquela época, um inglêsprecisarterverdadeiracoragemparausar"roupasnativas"numacolôniainglesa. Isso signi icava ter claro desprezo por seus compatriotas,despertandotambémboaquantidadedeironia,educadamentedisfarçada,no grande número de chineses que supunhamque o progresso consistiaemmacaquear cegamente as noções ocidentais demaior poderiomilitar;maseumecontentavacomaaprovaçãodeTa-haiedeseusamigos.Satisfeitoesemespíritocríticosobretudoquantoessesamigosjulgavam

válido para me ensinar, e pronto a agir como eles com o mínimoespalhafato,procurei terocomportamentodequalqueroutromembrodaFlorestadosReclusos,apesardeosoutrosseremtãoacomodadosedetãobomgênioqueme teriam semdúvidaperdoadoqualquer relutância. Porexemplo:sabendoqueamaioriadosinglesesjulgavahumilhanteinclinara

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cabeçaatéochão,deboavontadeelesmeteriamdesculpadopornãomeprosternar diante de Lai Fa-shih, nosso Mestre-Dharma; ao passo que,ansioso por evitar o que, perante os chineses, pudesse ser consideradoimpropriedade, insistiemme inclinardiantedele,aindaque, fosse lápeloque fosse, issome izesse corardemodo risível. Estadescriçãodeminhaatitude naquela época tem sua importância em relação ao que tenho adizer agora sobre mantras, pois é necessário ressaltar que eu aceitavatotalmente os elaborados ritos Shingon, impressionado por sua beleza eporcon iaremqueelesdeviamterumprofundosigni icadosimbólico,quese tornaria aparente com o correr do tempo. Isto, julgo eu, é base maisseguraparaadquirirverdadeiroconhecimentosobretaisassuntosdoqueacontrária—opreconceitodeque,sealgumacoisapareceterrívelesemsentido em termos de sua própria cultura, deve necessariamente serassim. Com paciência, aprendi a entrelaçar meus dedos para formarmudras (gestos rituais) e recitarmantras, embora, naquelemomento, eusóosconfundisse,emminhaignorância,comencantamentosmágicos.AlémdeTa-hai,outrosdois, tendoumbenevolente interessepelo jovemneó itoinglês, tomaram-meespecialmentesobsuaguarda—PunYin-ta,aquemosassociadosmais jovens chamavamde IrmãoMaisVelho, eumparentedele, que parecia ser geralmente denominado como Quinto Tio. Com aajudadeles,aprendiomínimodoaspectoformaldosritos,a imdepoderparticipar semmuito embaraço. Ao entrar na sala do santuário, primeiroicávamos de pé diante de uma janela e executávamos alguns mudraspurificadores,cadaqualcomseumantraadequado,quetantoressoavaaosmeus ouvidos quanto agitava a minha mente. Depois, ante o santuário,inclinávamosacabeçaatéochão,trêsvezes,antesdesentarmosdepernascruzadas nas almofadas. Junto do altar baixo sentava-se o principalcelebrante(comfreqüênciaeraoQuintoTio),demodoqueo incensórioeoutros instrumentos rituais icavam confortavelmente ao alcance. De umlado icavamosmúsicosquedeveriamacompanharoritualcomclarineta,citara (tocada pelo Irmão Mais Velho), tangendo instrumentos e umtambor. Começando com um cantochão melodioso ligado à queima doincensoeterminandocomummantra inal,oritoprincipalduravamaisoumenos uma hora. Algumas passagens da liturgia eram cantadas; outras,inclusive os mantras, salmodiadas oumoduladas, mas demaneira poucosemelhanteaocantochãoqueformapartedosrituaiscatólicoouortodoxo.Os mantras, que em geral eram recitados 3, 7, 21 ou 108 vezes,dependendo,emparte,desuaextensão,eramtodosexpressosnaestranhalinguagemnemchinesanem realmente indiana, daqual dei umexemplo;

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eram acompanhados de complicados gestos que os outros faziam comgraça encantadora, enquantomeus dedos, não tendo a agilidade chinesa,traíam minha timidez. A liturgia era tão bonita que, mesmo nãoentendendo até então o seu signi icado, eu aceitava de bom grado otormentodacãibranaspernas.Adormedistraíamiseravelmente,maseupermanecia fascinadoatéomomento emque tinhade lutarparamepôrde pé a im de cumprir a tríplice prostração inal. Eu gostaria de poderoferecer uma narrativa lúcida do signi icado íntimo desses ritos, queconferiam ao rosto dos outros participantes a expressão de quem viveprofundas experiências espirituais. Infelizmente, não freqüentei asreuniões durante o tempo su iciente para alcançar o ponto decompreendê-las intuitivamente; e, conquanto meus amigos izessem omáximoparaexplicarotextodaliturgia,meuconhecimentodochinês(ouantes, do dialeto cantonês falado em Hong Kong) era então rudimentarpara que eu pudesse fazer muito progresso. O Quinto Tio e os outrosprocuravam pacientemente me instruir em seu inglês de sotaque tãoagradável, mas a matéria era di ícil, e muito do que conseguiramtransmitir-me eu esqueci depois, devido à minha subseqüentepreocupaçãocomasformasdobudismomaispuramentechinesas(e,maistarde, tibetanas). O propósito principal dos ritos era promover a intuiçãomística de dois campos interpenetrantes da consciência, o relativo e oabsoluto; osmantras e osmudras faziam parte dosmeios pelos quais osritos externos criavam uma profunda experiência intuitiva dos mistériosquesimbolizavam.Entretanto,umavaganoçãodopoderdosmantrasmefoiconferidapela

recitação,108vezes,deumaúnicasílaba—BRONG.Numcertopontodaliturgia, o tambor voltava a ressoar e, a cada batida, ele emitia um somprofundo, BRONG! BRONG! BRONG! Enquanto estes 108 gritosrepercutiam, havia uma invasão sobrenatural de tranqüilidade. Minhamente, então já totalmente esquecida das dores nas pernas, elevava-se eentrava num estado de extática serenidade. Essa transição, que minhaconsciência estava destinada a sofrer, emmaior oumenormedida, comorespostaaoutrosmantras,éalgoquesósepodecompreenderatravésdaexperiência; nunca pode ser captada em palavras. Naquele momento, aexperiênciaeratãonovae,decertomodo,tãodilacerante,queavoltaaumestado normal de consciência trazia consigo algo do terror que alguémsentiria ao recuar da beira de um abismo in inito! Nenhum dos outrosmantrasquerepetimosnaquelassessõesproduziuoefeitoassinaladoemmim, de modo que cheguei a atribuir a magia, não ao mantra, mas às

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batidas do tambor — concepção errônea que só foi esclarecida muitosanosmaistarde.Semprequeointerrogueisobreosigni icado,opropósitoouaaçãodos

mantras,Ta-hai,quemalfalavainglês,deixavaqueoQuintoTioexplicasse.Jáhavíamostidoumaconversasobreoassunto,maisoumenosassim:"Tio, durante o fa (rito), há algumas partes que eu penso serem

chamadas dechou (mantras). A maneira de as recitar é tão estranha; alinguagemnemparecechinesa.Nãoseriajaponesa,seria?"Sorrindo largamente, com os olhos enrugados de bom humor, ele

pensava um momento e depois emitia alguma horrível palavra como"Hongcanjapchinsanskese", enquanto todas as pessoas próximas, depoisde,porummomento,mostraremconfusão,caíamnarisada."Oqueéqueissoquerdizer?""Ah! Ah! Isso quer dizer que os sons que você ouve são a maneira

cantonesa de Hong Kong de pronunciar as palavras chinesas escritas hámilharesdeanosnaformacantonesa-japonesadoMestreLai,demaneiraquepodemossaberquesonsosmongesindianosproduzemquandousammantras sânscritos! Talvez os fantasmas dos monges indianos sesurpreendessem se viessem aqui e nos ouvissem.Talvez nãoreconhecessemumapalavra,hein,AhJon?"Acontece que o pequeno gracejo do Tio continha um importante

princípio,noqualpenseimuitoenquantomepreparavaparaescreverestelivro.Mesmoentrepessoasinstruídashámuitagentequepensaque,paraser e icaz, o mantra depende dasvibrações que desperta e, portanto, deumaenunciaçãocorreta.Seassimfosse,naverdade,osmantrassânscritospronunciados por chineses, tibetanos ou japoneses di icilmente poderiamser e icazes, pois os sons que emitem quase não são reconhecidos emsânscrito!Assim,SVAHAemsânscritosetornaSOHAemchinêsetibetano,SAWAKAemjaponês.Deigualmodo,AUMsetransformaemOM,UMeatéem UNG, ONG ou ANG em várias línguas e dialetos e, no entanto,permanece maravilhosamente e icaz quando as condições mentais quegovernam o uso das sílabas mântricas são observadas com correção.Segue-sedaíqueéprecisoaceitaraa irmativadoLamaGovinda,dequeoverdadeiro poder do mantra reside menos no som do que na mente dequem o emprega. Isto, sem dúvida, é verdade total quanto aos mantrasusados no decurso da contemplação iogue, ainda que não seja verdadequantoaosmantrasusadosparacertospropósitosdiferentes.Noutra vez em que falei com o Quinto Tio sobre o assunto, iz uma

pergunta que aqueles que tudo ignoram sobre o processo dos mantras

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costumam fazer com boa dose de ironia. "Tio, como podempalavras quenão têm omenor signi icado atémesmopara a pessoa que as pronunciaserdequalquerutilidade?Comopodemauxiliaroprogressoespiritual?Écerto que não podemos esperar que forças sobrenaturais respondamapenasàspessoasqueaelassedirijamnumalinguagemespecial!"Dessavez,elenãosorriu.Tentandoencontrarummododeexprimirseu

pensamento em inglês, replicou gravemente: "As palavras que têmsigni icado sóparaouso comum—não têmmuitopodere atrapalhamocaminho, como rochedos que viram um barco. As palavras com muitopoder não demonstram seu signi icado real — é melhor esquecer seusignificadoemanteramentelivre."Duvidoqueeutenhacompreendidotudoexatamente,naquelemomento,

masagoraseiqueeleprocuroucomunicaralgodoprofundomistérioqueexistenaessênciadaquestão.Naqueletempo,tivedecontinuarcon iandonasabedoriadacrençademeusamigosnae icáciadosmantras.Foioqueiz, com mais boa vontade ainda, após ter descoberto por acaso que oQuinto Tio, longe de con iar cegamente ou por repetição do que ouviadizer,era,àsuamaneira,umespecialistaemmantras;comoempregodosritos que incluem os mantras, ele havia conseguido uma extraordináriavitóriasobreumdosmais formidáveisdemôniosconhecidospelohomem!Talcomoconteidetalhadamentenomeulivroanterior, TheWheelofLife [ARodadaVida]elesesentiacurado,poucoantes,dovíciodoópio,ingeridoavida todaemdosesmaciçasediárias, semrecorreràajudamédicaouaométodo do abandono gradual. Renunciou à droga, súbita e totalmente,con iando apenas nos recursos de sua própria mente, fortalecida pelarealização dos ritos de ioga durante muitas horas, todos os dias, numperíododeváriosmeses.Duranteessetempotodo,elehaviapermanecidosurdoaosapelosdeseuslacrimososparentes,quelhea irmavamquesuaobstinaçãoemrecusar tratamentomédico lhecustariaavida.Os terríveisefeitos causados pela súbita abstenção de doses maciças de ópio,longamenteusadas,sãoagoratãoconhecidosqueafaçanhadoQuintoTioserámais entendida agora do que o foi quando saiu meu livro anterior;sobretudo no caso de pessoas idosas nas quais esses efeitos, ainda quemitigados por tratamento clínico, em geral eram fatais. Mais notável é ofato de que, apesar do choque em seu sistema nervoso, resultante deabrupta abstenção após mais de trinta anos de vício, o Tio recuperoutotalmente a saúde e, daí por diante, não foi perturbado pelo desejo devoltaraele.Certa vez, quando passamos a noite com um grupo de amigos num

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templotaoístanasmontanhasdeKwangtung,alguémquenadasabiasobreo passado do Tio sugeriu que preenchêssemos as horas de ócio com umpoucodeópio;logodepoisnosfoitrazidaumabandejadeimplementos,eoTio passou umas duas horas junto à lâmpada, preparando os cachimbosparaosoutroscomasprópriasmãos.Sorriacombenignidade,enquantonuvensdefumaça,outrorasedutoras,

elevavam-se acima da esteira; ele estava perfeitamente à vontade,enquanto seus dedos giravam a vasilha de prata, à medida em que aspílulas de ópio eram seguradas acima da lâmpada; tagarelava sobre issoouaquilo,sereno,imperturbadoporalgoque,paraoutrosemsuasituação,deveria ser uma tentaçãomuitomais cruciante do que a sofrida por umalcoólatra reabilitado, que servisse num bar sem que ninguém oimpedisse!Quando, secretamente envergonhados por termos permitido que ele

fosse submetido a tal prova, exprimimos nossa admiração, ele nosrespondeu, rindo, que seu santuário particular tinha sido a melhor dasclínicas,eopoderdosmantras,omelhordosremédios!Voltemos às conversações anteriores sobre os mantras: chegou o

momento em que minha mente, educada à maneira ocidental, rejeitouessas palavras sem sentido, imbuídas de poder. Quantomais eu pensavanessas passagens da liturgia recitadas num sânscrito corrompido, maischegavaapensarqueissoenvolviaumgrandeelementodeauto-sugestão.Então,certanoite,asrecitaçõesmântricasnosantuáriomedeixaramnumestado estranhamente exaltado, que não podia ser atribuído apenas àmagiasensualproduzidapelamúsicamisteriosa,pelocantochãosonoroepelo perfume de sândalo incensado. Como de costume, eu e alguns dosnossos amigos icamos algum tempo na varanda, proseando calmamente.Ao notar minha expressão exultante, alguém observou de modoaprovador:"AhJonestácomeçandoaencontrarseucaminho."Os outros sorriram, mas eu disse: "Estou perplexo. Os ritos têm a

intençãodenosajudaraconseguirumestadodepercepçãodaverdadeiranatureza da mente — mente que não é de vocês nem minha, mas amanifestaçãodoilimitadoTao.Hápoucomepareciaassim,porémpodetersido apenas o efeito de tanta beleza e por eu ter sido dominado pelaserenidadedaspessoasquemecercam."Delicadamente, eles me interrogaram mais e, de certo modo, deixei

escapar a opinião de que osmantras emudras nadamais podiam senãoacrescentarumaagradávelsensaçãodemistérioaoritual.Diantedisso,umhomem idoso, cujonomenãorecordo (mas tenhoclara lembrançadesua

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túnica de seda branca brilhante, que ainda não tinha adquirido oagradável tom amarelado conferido pelo tempo), disse concisamente emcantonês:"Osjovensdevemaprenderaandar,antesdedaropiniõessobrecomovoar."Essagélidareprovação,partindodealguémque,maisdeumavez,havia

sugeridoa impropriedadedeseadmitirumnão-iniciadonosritos, tornouimpossíveloprosseguimentodoassunto;masumhomemmaismoço,compenademevertãohumilhado,fezquestãodemealcançarquandoeuiaacaminhodaprimeiraparadadeônibus,emeconvenceuaircomeleauma"queima noturna" (expressão cantonesa que signi icava fazer ligeirarefeição), numa casa de chá próxima. Comendo talharim, ele se tornoueloqüentesobreoassunto"mantras":"Em geral as pessoas, Ah Jon, usam os mantras como magia para ter

sorte, ou afastar doenças, ou outros males. Talvez tenham razão ao agirassim, pois os mantras dão freqüentemente resultado, mas eu lhe peçopara não acreditar nisso. Suplico-lhe que acredite que eles são damaiorajudanaalteraçãodosestadosdeconsciência.Oqueelesfazeméserenarsuamenteparaqueelanãocorraatrásdospensamentos."Ele continuou explicandoque, sendo vazios de sentido, osmantras não

promovem pensamentos conceituais, como as orações, as invocações ecoisas semelhantes estão aptas a fazer; e que, como cadamantra possuiumamisteriosa correspondência (ele não conseguiu explicar que espéciede correspondência) com as várias potencialidades profundamenteembutidas em nossa consciência (talvez quisesse referir-se aosubconsciente, ele poderianos fazer saltar paraumestadoque, de outramaneira,seriadi ícildealcançar.Nãomelembrodesuaspalavrastextuais,mas sei que ele foi o primeiro a exprimir uma idéia que, mais tarde, foiamplamente con irmada pela minha própria experiência. É por isso querecordoaocasiãodemaneiratãovivida.Sentadocomigonoandarsuperiorde um ônibus que se dirigia para o centro de Hong Kong, ele continuouexplicando que era inútil aplicar palavras com signi icado em qualquercerimônia religiosa,poisaspalavras incitamopensamentodualístico,queimpede a mente de entrar num estado verdadeiramente espiritual. Suasúltimas palavras, pronunciadas em voz bastante alta — quando eu mepreparavaparasaltar—foram:"AspessoasquerezamcompalavrasNãopassam de principiantes. Não faça isso!" Alguns passageiros queentendiam inglês olharam para ele como se o considerassem um tantolouco,eeumesmofiqueipasmocomsuaveemênciatãopoucochinesa,masagoraseiquesuamenteerabemsadia.

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O domínio que o Quinto Tio possuía do idioma inglês, apesar demuitoadequado para quase todos os propósitos, era insu iciente para que eutivesse certeza de como ele considerava osmantras,mas hoje penso queeletambémacreditavaqueosomdassílabasmântricascriavamovimentoscorrespondentes nas profundezas da consciência de quem o usava. Essaênfasesobreo som foiespecialmenteperturbadoranoseugracejocomapalavra "Hongcanjapchinsanskese". Penso que ele talvez se referisse aumaespéciede"somideal"—istoé,aumaimagemmentaldosomOM,emvez dos sons determinados que os indivíduos emitem. Infelizmente, oQuinto Tio morreu muitos e muitos anos antes que essa questão meocorresse.Um mês ou mais após essa memorável viagem de ônibus, recebi a

primeiradasduasprincipais iniciaçõesShingon,masmebene icieimenosdoquehavia esperado;omanual esotéricoaoqual então tive acessoera,sem dúvida, escrito em chinês, e eu não podia entender muita coisa,mesmo com a ajuda dosmeus amigos que falavam inglês.Além do mais,meu estudo do Shingon encerrou-se abruptamente, quandome tomei desúbitoentusiasmo,porin luênciadeTa-hai,poroutroramodobudismo—o Vajrayana. Este novo e fascinante estudo tinha muita relação com osmantras,masdenovotivemuitadificuldadecomostextoschineses.Depoisde algum tempo, a única consideração que me impediu de voltar à totaldescrença na e icácia dos mantras foi a fé na sabedoria de Ta-hai e deoutros;teriasidopresunçãodeummoçoeducadonumaculturatãoalheiaàdelespôrdeladoconvicçõesdehomenstãosábios.Entre osmantras Shingon que aprendi, naqueles primeiros tempos, há

um assim: ONG KALO KALO SENDARI MATONGI SAWAKA. Não possolembrar a que propósito ele se presta, mas provou ser particularmenteválidoparaaliviaromedoe ahisteria emoutraspessoas. Seo efeitodosmantras fosse limitado ao poder de confortar e aliviar, teriam sido,espiritualmente, de signi icadomenordoqueodamagiabranca;mas seique meus amigos acreditavam que há mantras e mantras, numa ordemascendente, desde remédios para curar doenças temporárias até oenevoado ápice, além da visão dos que não são místicos consumados.Naturalmente,osgrandesmantrasnãoeramensinadosaosneó itos—nãoé preciso uma escavadeira para esmagar uma formiga, nem se usa umpalitodedentesparaarpoarumabaleia!PoucoantesdepartirdeHongKongrumoàChina,umeventodegrande

signi icadonaminhavida—aoqual,noentanto,nãodeimuitaimportânciano momento — abriu caminho para alguns preciosos conhecimentos de

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contemplaçãoiogue,incluindoapráticademantrasemuitasoutrascoisas,das quais eu só tiraria vantagemmais de vinte anos depois. Foi aminhaprimeira iniciação na seita Vajrayana, que há muito tempo vem sendo oprincipalrepositóriodasabedoriaiogue,háquasedoismilanospropaladapela grande universidade monástica da índia, Nalanda. Quando Ta-hai,meio abruptamente, começou a me persuadir de que seria melhorprocurar, para além de Shingon, os métodos para alcançar uma rápidarealização mística, cessaram meus estudos da doutrina Shingon de doisdomínios de consciência interpenetrantes, o Garbhadhatu (DomínioRelativo)eoVajradhatu (DomínioAbsoluto).Oentusiasmodemeuamigopelo que (com razão, acho eu) ele considerava o mais rico e maislargamentevariadocampodeconhecimentoda iogapossuídopelos lamasdoTibetearrebatou-me,apesardecausarespantoealgumadesaprovaçãoentre muitos de meus amigos. Naquele tempo, o Vajrayana era quasedesconhecido em Hong Kong e no sudeste da China em geral, masprevalecera em grande escala no norte, uma vez durante a DinastiaMongol (1280-1368 d.C), e de novo na Dinastia Ta Ch'ing, estabelecidapelosmanchus(1644-1911).Atéquepontoosestudosanterioresdomeuamigoo tinhamlevadonessadireção,nãosei;oqueconduziuoassuntoaum ponto culminante foi a chegada a Hong Kong de um famoso lamatibetano, capazde ensinar diretamente em chinês, emvezde o fazer porintermédiodeumintérprete(comfreqüência, incompetente).Então,comoagora, essa era uma capacidade rara. Cedendo à persuasão de Ta-hai, olamaconcordouempermaneceremHongKongparainstruirumgrupodechineses leigos que, sendo já bem versados na doutrina budista e naspráticasdaioga,embrevepoderiamestarpreparadosparaumainiciaçãoabrangentequelhespermitisserealizarasiogasqueeleensinasse,mesmoapóssuapartidaparaLhasa.Maisumavez,graçasàcalorosaproteçãodeTa-hai, o jovem inglês Ah Jon foi aceito nesse círculo místico, apesar depoucoqualificadoparaessahonra.Tendo obtido a permissão do lama para que eu fosse admitido, Ta-hai

exclamou,exaltado,emcantonês: "Osprofessores trazidosdoMonteKoyaporMestreLai,aindaqueexcelentes,sãomenosdoqueadécimapartedoque vamos aprender com este lama tibetano." Mas sobre esse ponto osmembrosdaFlorestadeReclusos icaramdivididos:alguns,ansiosamenteinteressadospelocursodeestudosdolama;outros,inclusiveoQuintoTioeo IrmãoMais Velho, portavam-se com cautela. O curso prosseguiu, dia enoite,durante semanas.Prejudicadopelosproblemasde linguagemepormeutrabalho—euhaviacomeçadoalecionarnumaescolanoscon insda

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península de Kowloon — iz poucos progressos, mas me permitiramreceber a iniciação que formava o ponto culminante de nossos estudos.AssimcomoTa-hai icaracomovidoaoconhecerumbudistaocidental(raroespécime na China daquele tempo), assim aconteceu como lama. Ambos,por sua vez, concederam-me privilégios sem precedentes. O lama, pondodeladomeusmodestosprotestoscomumsorriso,observouque,aindaqueeu levassealgunsanosparapoderutilizara iniciação,elehavia"plantadoalgumas sementes" em minha mente, as quais poderia esperar queflorescessemnaestaçãoadequada.Aimportânciadessainiciaçãonoatualcontextofoique,alémdemeabrir

caminho para estudar a Vajrayana nos anos seguintes, impediu-me deceder ao crescente ceticismo com relação aos mantras, pois o lama foimuitopersuasivosobreessamatéria.Mesmoassim,apesardeguardarnamemória,comoerapreciso,osmantrassânscrito-tibetanosrequeridospelainiciação, não pude reunir mais do que uma meia-crença em seu podersobre a mente. Logo após a partida do lama, viajei para o continentechinês, por onde vaguei durante muitos anos, aceitando emprego paralecionar,quandoestavaemcriseagudadedinheiro, icandomeses,devezemquando,emmosteirosbudistasoutaoístas,eàsvezesvoltandoaHongKongparavisitarmeusamigosqueridos.Infelizmente, há anos que o Quinto Tio, Ta-hai e o Irmão Mais Velho

faleceram.ÉsobretudoaTa-haiquedevoointeressepermanentedosanosposteriores pela contemplação iogue Vajrayana, porém meu débito paracomtodosé imenso.Seriamuitoagradávelsaberqueminhasobrassobrebudismo chinês e tibetano representam o lorescimento, não sem algummérito,dosensinamentosdevidoàimensabondadedemonstradaaAhJon,joveminglêsqueosprocuroudemãosvazias.

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Capítulo2

ATRADIÇÃOPERDIDA

Agora, indaram-seasnoitespassadasentre igurasde túnicasbrancasbanhadas em luz dourada, entoando extasiadamente a sílaba mântricaBRONG.Euhaviaentradonoutromundo,nãomuitodiferente,ondemeuscompanheiros erammonges chineses, vestidos de negro, com as cabeçasraspadas.Eraaprimeirahoradamadrugadaeopalcoeraovestíbulodeum grande templo com telhados duplamente curvos, en ileirados, que seerguiamporentreospátioscheiosde loresdeummosteiro.Sobreoaltarelevadobrilhavaminúmerasvelas,iluminandocomfulgorastrêsenormesestátuasdouradas—osBudas e oMundoTriplo; no entanto o vestíbulo,comseuspilares festivamentepintadose suasvigasno teto, era sombrio,vasto demais para que a luz ressaltasse os rostos entre a multidão dosdevotos. Suas escuras túnicas monásticas fundiam-se com a escuridãocircundante,demodoque,àsvezes,omarderostospálidosassemelhava-seaumgrupodeespíritosdesencarnados.Emdadomomento,osmongesse tinham en ileirado perante o altar, mas logo se voltavam e formavamagoradois gruposque se defrontavamao longodanave central, desde oaltaratéamaciçaportadeentrada.Euestavadepéjuntoaogrupodoladodireito,epudeobservarasexpressõesdosqueestavamdoladoesquerdo.Ao meu lado, o chantre, brandindo um bastão em forma de lótusemergindo da haste, batia um ritmo mântrico no "tambor-peixe demadeira", grande bloco de madeira, assim chamado devido a umalongínqua semelhança com a cabeça de um peixe; e de vez em quandooutromongemarcava o cantochão batendo num grande vaso de bronze.Comestesonoroacompanhamento,aassembléiaentoavaumlongomantraexpresso numa linguagem que já não era reconhecível como sânscrito;mas, como agora eu já sabia, seu efeito não dependia, em absoluto, dosignificadoconceituaidassílabassagradas.Aondadesomera,semdúvida,exaltadora; à medida que as notas jorravam, minha mente erguia-se emasas de não-pensamento pelo poder de um antigomistério, e eu sentia odesejodejuntarminhavozàdosoutros.Em tal ambiente, teria sido perdoável supor que a centenária tradição

mântrica ainda lorescesse. Não era assim. Felizmente para mim, ointeresse pelos mantras não icava entre as razões que me levavam a

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pretender icarmuitotemponaquelemosteiro.EuhaviaidoparaaChinaàprocura de estilos de vida que tivessem sobrevivido ao assalto dasinovações estridentes do Ocidente, e estava ansioso por adquirir algo devalorparameudesenvolvimento espiritual; osmantras, apesarde todooseu fascínio, não eram essenciais para nenhuma destas inalidades, demodoquenão iqueiabaladocomadescobertadequerestavapoucacoisada antiga tradição mântrica ainda em vigor na China, provavelmenteporqueaSeitaEsotérica(MiTsung),daqualderivavaoconhecimentodosmantras, estava, havia muito, agonizante. Os mantras, apesar de terempreeminência na liturgia monástica, que permanecera intocada duranteséculos, eram agora considerados meios para obter boa sorte,encantamentos mágicos, e não como auxiliares do desenvolvimentoespiritual. A história seguinte é uma das inúmeras que ouvi, e que serveparareforçarestaconvicção.Certa noite, logo apósminha chegada aomosteiro, eu caminhava pelos

bosques circundantes com Su Ting, jovem monge que se tornara meumentor e companheiro. Por acaso, ele havia falado sobre o poder dosmantrase,achando-meumtantocético,dissecomanimação:"Todas as pessoas do Oceano Ocidental são tão di íceis de convencer

como você? É estranho! Basta que você use um pouco os seus olhos eouvidosparadescobrir coisasporvocêmesmo.Lembra-sedeHuiTing, omongeaoqualvocêdeuaquelesbiscoitos,quandoelepartiucomosoutrosperegrinos para o Pagode Dourado em Burma? Ele poderia ter-lhecontado.Háalgunsanos,quandoeleeraestudanteprimárioemMengtsê,sua cidade natal, fez amizade com o ilho de um comerciante, cujosobrenome era Kao. Quando, a inal, ele resolveu tornar-se monge, Kaopensou que ele estivesse louco e gritou para os vizinhos que nãodeixassemummoçopromissorjogarforasuafelicidadeporcausade'umaporção de superstições tolas'. Você sabe como são as pessoas. Depoisperderam-se de vista, como é natural, por alguns anos. Hui Ting, tendofeitoseusvotos,veioparanossacompanhiahácincoouseisanos.Então,noinvernopassado, alguémveiobater noportãodomosteiroquando já eranoite. Quando foi recebido, pediu bruscamente que o Recebedor deHóspedes o levasse para ver o 'jovem Chang, de Mengtsê'. Chang é umsobrenome tão comum, e é claro que nós, que deixamos nossos lares, demodo nenhum usamos nossos sobrenomes; portanto, levou algum tempoparasedescobrirqueelesereferiaaHuiTing.Nossovisitante,comovocêjádeveteradivinhado,eraKao.Assimqueosdois icaramasós,HuiTingcomentou:

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"Vocêmudou,velhoamigo.Nãopossodizerqueestácomboaaparência.Vocêestámagro.Quantoàsuacor,vocêtinhaasbochechastãovermelhasquantoasdoDeusdaGuerra,eagora...""Você tem razão, pequeno careca.Oquemais poderia ter-me trazido a

esta toca de eunucos desorientados? Eu estou doente. Os médicos nãoajudam e, como último recurso, vim procurá-lo, para ver se por acasoexistealgodeválidoemsuasagradatolice.Vocêtinhamuitobom-senso,oquemelevaasuporquedevetertidoumaboarazãoparaabandonartãoansiosamente as alegrias do mundo. Você era um moço que gostava degarotasbonitas;agora,vocênãopodesequerterumaesposa,aindamenosdivertir-secommeretrizeshábeisnamúsicaevocê-sabe-mais-no-quê.""HuiTingsorriu.Lembrava-sedequeeraopróprioKaoqueseenvolvia

commulheresdavida,enãoseofendiaabsolutamentecomessamaneiradecolocarasposições. 'Nãosepreocupecomminhasdi iculdades—elasnãosãooquevocêimagina.Queéqueotrouxeaténós,batendoemnossoportãoaestahoradeumanoitetãogeladadeinverno?""AhistóriadeKaoeraque,umoudoisanosantes,elehaviaatiradocom

violência sua esposa para o mundo dos fantasmas. Sempre censurandosuas in idelidades, ela o havia induzido a espancá-la e, ao cair de costascomosgolpes,fraturaraacabeça,batendonaquinadeumamesapesada.A fratura, agravada pelo virulento veneno do ódio, causara a suamorte.Mas não era só isso. Assimque ela foi colocada no caixão, ele começou asofrer violentas dores na cabeça, exatamente na parte correspondente àbatidafatal.""O espírito dela está à minha procura", queixou-se Kao. "Não posso

trabalhar.Nãopossodescansar.Desistidaminhalojaeopreçoquerecebipor ela foi engolido por um grupo demédicos incompetentes. Agora elesdizem que tenho um tumor incurável. A não ser que Vossa Reverênciapossa sugerir uma cura para isso, estou perdido. A própriaMorte, em simesma, não seria tão má, mas imagine se eu tiver que encarar essefantasmamalévolonomundodosespíritos?""Nãosendomédico,HuiTingestavaemapuros.Gostariadeajudar,mas

como? A única coisa que sabia fazer era meditar. Só pôde pensar numaformadepoderosa aspiraçãoparaobemestarde seu amigo e invocar oBudaQueCura.Istodeuprovasdeserinesperadamenteefetivo. Passandoparaumestadode tranqüilidade,eleabriuosolhose,ao fazer isto,ouviuumavozquesaíadeseuspróprios lábios,quedisse:"VolteparaMengtsê.Levanteantesdamadrugada,todososdias.Agasalhe-seporcausadofrioevásentarjuntoaolago,noTemplodoClementeKuanYin,nolimiteleste

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da cidade.Mantendo o olhar na água, recite omantra que lhe ensinarei,milharesdevezesemcadamanhã.Osprimeirossinaisdesucessoserãooaparecimentodeondinhasnaágua,comoseumapedrafosseatiradanela,e a diminuição de sua dor. Se você se concentrar corretamente, essasondascriadaspelasuamenteserãocadadiamaispronunciadas.ContinueatéqueopróprioMisericordioso semanifeste, erguendo-sedocentroemondasconcêntricas.Quandoissoacontecer,cumprimente-ocomhumildadeeváembora.Nãoseráprecisovoltarlá.""Kaofezoqueavozhaviaordenado.Dentrodepoucosdias,suadorse

tornoumenos intensa e, apesar de ter apanhado um resfriado, certo diaemqueesperousentado,compaciência,duranteumalevetempestadedeneve, ele persistiu até que as sílabasmântricas, precedendoo esforçodesua mente, causaram ondas circulares, tal como fora predito. No décimoquinto dia da segunda lua, ele viu um peixe branco saltar de dentro dasondas, permanecer no ar pelo espaço de três batidas de gongo emanifestar-secomoumaradiosa iguraenvoltaembrancopuro,apesardenãoseruma iguramaiordoqueadeumrecém-nascido. Inclinando-seatéo chão três vezes, Kao correu para casa cheio de alegria. A cura foracompletada e agora, todos os anos, ele vem aqui no Aniversário doClementeKuanYinpara tomarpartenascelebraçõese fazeroferendasànossacomunidade."Su Ting me asseverou que as ondas no lago e o aparecimento do

Misericordioso Bodhisattva em forma de miniatura eram fenômenosobjetivos evocados pelo mantra, em conjunção com a poderosaconcentração da mente de Kao. Apesar de não estar convencido, nãorejeitei totalmente a possibilidade de que Su Ting tivesse razão. Agoratenho certeza de que ele tinha razão, pois osmantras pronunciados comprofunda sinceridade libertam poderes mentais criativos, dos quaisnaturalmentenãotemosconsciência.Mesmoassim,ahistóriaexempli icaapreocupação chinesa com um aspecto dos mantras que é apenas deimportânciasecundária.Histórias dessa espécie, como é natural, tornavam-me duplamente

curiososobreosmantrasqueformavampartedaliturgiamonásticausadaem toda a China, sem levar em conta se era ummosteiro da Seita Ch'an(Zen), da Seita Ching T'u (Pura Terra) ou qualquer outra. Veri iquei queera di ícil obter informação abundante sobre o assunto. Osmongesmaisvelhos que procurei para orientação geralmente fugiam de minhasperguntas, estendendo-se sobre a excelência de certas fórmulas devotasque, apesar de não diferirem dos mantras pelo efeito, pertenciam a

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categoriadiferentedeexpressãosagrada,comoveremosadiante.Aopassoqueosmantrassãodenominadoschouemchinês,asfórmulasdevotassãoconhecidas comonien-fu (que correspondem ao sânscrito japa. Ambasinduzem a um estado contemplativo da mente, a qual ica livre dopensamentodualístico,masdiferemcompletamente;enquantoosmantrasdespertam uma resposta direta dentro da própria mente do devoto, asfórmulasnien-fu são apelos ostensivos para que uma resposta divinavenha de fora.Entretanto, essa diferença só se mantém no nível daverdaderelativa,nãohavendodivisão,nosentidoprincipal,entreointeriore o exterior em tais assuntos, pois nossas mentes e a Mente sãoreconhecidas como sendo uma coisa só. Na verdade, o mais elevadopropósito do procedimento iogue é realizar uma experiência direta daunidade das mentes com a Mente. Enquanto os místicos cristãos e su iconsideram essa experiência comoatingindo a união entre o homem eDeus, e os adeptos budistas e taoístas, umarealização de um estado deunião com a Fonte Suprema que, desde o início, nunca cessou de existir,estas diferenças conceituais não têmvalidez de initiva.Dentrodo apriscodo budismo, o uso de fórmulasnien-fu assemelha-se muitosuper icialmente a uma posição teísta, ao passo que as outras posições,inclusiveaquelaemqueosmantrassãousados,são,obviamente,livresdeteísmo;noentanto,emessência,ecomoresultado,ousoéomesmo.Segue-seagoraorelatóriodasfórmulasdosmantrasedasnien-fu.Diariamente,antesdonascerdosol,acomunidadedetodososmosteiros

chinesesbudistaséconvocadaaovestíbulopeloclangorressoantedeumachapadebronze,alternadocomoribombardeumgigantesco tambor.Osmongesprosternam-setrêsvezes,regulandoseusmovimentospelasnotasde um carrilhão de prata, depois de se reunirem ante as estátuasresplandecentes dos Budas doMundo Tríplice, as quais são tão elevadasqueasfeiçõesesculpidaseossorrisosenigmáticos,revelandooêxtasedamente, icam perdidos na sombra. Depois se elevava um solene hinoincensatóriocomoprelúdiopararitosemquetrêsprincipaiscorrentesseintercalavam: cantos de bênção e aspiração (o equivalentemais próximoda oração), a recitação de mantras e o pronunciamento de fórmulasdevotas(nien-fu)dirigidasaAmitabha,encarnaçãodaluzdaverdade,ouaAvalokitesvara (Kuan Yin), corpori icação da suprema compaixão. Ummantrarealmenteimpressionantedetrêsmilsílabaserarecitadodurantequase trinta minutos, ainda que o ritmo batido no tambor-peixe demadeira fosse rápido e não lento. No entanto, tais mantras litúrgicos,emitidosdemaneiramonótonademaisparaseremchamadosdecânticos,

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erammaismelodiosos e variados do que o cantochão propriamente dito.Apesar de ter sua origem na índia, a melodia não podia mais serreconhecida como indiana. Todos osmonges recitavam toda a liturgia decore,aindaqueasseçõesmântricasnãocontivessemnenhumsigni icadointeligível, eupodia ver, pelas expressõesdosqueocupavamanave, queelas inspiravam exaltação. Na verdade, havia sempre um punhado demongesquetinhatosseouresfriadosealgunsirrequietosejovensnoviços,que aparentavam o desejo de que o rito terminasse. Mas a maioria daassembléia permanecia de pé, imóvel, de olhos fechados, a bem-aventurança iluminando os seus rostos. Eu tambémme sentia invadido eelevado por aquela torrente solene de sons, desejando participar.Desanimadopeladi iculdadededecorartudo,nuncaaprendiomaislongodosmantras,masconseguientregaràmemóriainclusiveode415sílabas,TaPei Chou (MantradaGrandeCompaixão) que, em certas ocasiões, erarepetidovinteeumavezes,ouatécentoeoitovezesconsecutivas.Havia um velho monge que, em resposta à minha pergunta sobre a

razão da serenidade inspirada pelos mantras, respondeu que era o som,que, inspirado de modo misterioso, tornava a mente capaz de secretaa inidadecomoTao,aFontedoSer,masarespostanãomeimpressionou,por ser muito vaga. Eu ainda estava inclinado a supor que o efeito erasemelhante ao da hipnose, devendo-se mais ao ritmo do tambor e aomelodioso clangor da grande chapa de bronze do que aos própriosmantras; ainda assim, reconheci a superioridade do pronunciamentomântrico sobre a oração, pois as orações transmitem um signi icadoconceituaiaoevocaropensamento,oque impedea serenidadedamentedoadepto.Amentede alguémnão consegue atingir umestadode calma,sem perturbações, re letindo a serenidade da Fonte, enquanto estiverligada a dualismos como "Eu, o adorador; Ele, oAdorado". A oração é, nomáximo, uma forma elementar de comunhão mística; quanto às oraçõesque contêm petições, nada menos espiritual e com interesse pessoal doque rezarporumavitória, por tempobomouboa sorte, que sópode serobtida à custa dos outros. Não era de admirar que eu confundisse oprocesso dos mantras com algo semelhante ao poder hipnótico. Osocidentais, educados para questionar, analisar, investigar, icam portantoimpedidosdechegarespontaneamenteaoêxtasemístico.Quanto aos outros componentes da liturgia chinesa budista, sem

comparação, a mais interessante era a recitação de fórmulas devotas—prática denien-fu mas eu também apreciava os cânticos de bênção e osanelos, pela riqueza de sua imaginação. Imagens como "Buda brilhando

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com a Lua da Flor Dourada", "Buda fulgurante com a Irradiação Cor dePérola do Sol e da Lua" talvez promovam a realização intuitiva daexperiência mística, geralmente acompanhada pela percepção da luzinterior.Namo O-mi-to Fu (Reverência ao Buda Amitabha ou à Encarnação da

Luz sem Limites), a fórmulanien-fumais largamente usada, tem, é claro,umsigni icadoconceituai,maserausadanamaneirapelaqualosmísticosda Igreja Ortodoxa empregam a Prece de Jesus, isto é, como meio detranscenderopensamentoconceituaiedeestabeleceracomunhãocomOQue Existe no íntimo. A recitação da fórmula constituía uma parteimportante do rito noturno. Os monges, fossem apenas um punhado ouvárias centenas deles, perambulavam pelo vestíbulo do santuário,en ileirados, às vezes passando por trás das estátuas douradas, às vezesindo e vindo do espaço entre as estátuas e o altar, onde ardiam aslâmpadas e as velas. À frente caminhava o celebrante, seguido pelochantrequebatiaoritmonumtamborportátil,decoradocomlacadouradaeescarlate.Inicialmente,oandareralentoeàsvezesseprolongavasobrecadasílaba—NA-a-a-aMO-o-o-o-oO-a-a-a-aMl-a-a-a-aTO-a-a-aFU-u-u-a-a-a.Depois,oritmoseacelerava,ossapatosdesoladetecidobatiammaisrápidoeainvocaçãoassumiaumaurgênciacrescente.Ao inal,osmongesavançavam tãodepressaquantopodiamsemdesandarnuma correriaoutropel, enquanto a invocação era encurtada para quatro sílabaspronunciadas com rapidez,- OMITO FU, OMITO FU, OMITO FU. . . Então, àmedidaqueseelevavaofervor,eàsvezessubianumcrescendo,umanotasemelhanteàdeumsinosoavanachapasonora,oquelevavaaprocissãoaumaparada.Seguia-seummomentodesilêncio,interrompidotalvezporumsuspiro.Então, CLANG! Com este sinal partido da grande chapa de bronze, os

monges,adequadamente,apressavam-searetomarseuslugaresnocentrodovestíbulo,paraosestágiosfinaisdorito.Esotericamente, eles haviam recorrido ao Buda Amitabha para que os

admitissem,quandomorressem,emsuaTerradaPureza,onde,libertosdetodos os obstáculos mundanos, pudessem se preparar para a inefávelbeatitudedoNirvana.Esotericamente,aTerradaPurezaerareconhecidacomoalgoinatingíveldentrodamentedoprópriodevoto—umestadodetranqüilidade que sobreviria quando amente fosse expurgada do desejodesordenado, e iluminada pela compaixão, uma perfeita unidade dasmentes comMente! Ensinaram-me que pronunciar o nome sagrado comperfeitaconcentração,milvezes,dezmilvezesaodia,fossecomamentee

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oslábiosousócomamente,semdarimportância,pormenorquefosse,aoassunto prático do dia, suscitaria um estado de santidade para além dopensamento conceituai. A consciência, liberta das distinções mutiladorasentrepensadorepensamento,entrepensamentoeobjetodopensamento,expandir-se-iaeassumiriaavastidãoesublimidadedaFonteSuprema—AmitabhareconhecidacomoPuraMente,oTao,Nirvana!Naturalmente, naquele tempo eu ignorava o signi icado secreto da

doutrinadaTerradaPureza; osmonges, na sua sabedoria, abstinham-sede expordoutrinas tão sutis a noviços, e eunão tinhaTa-hai ou oQuintoTioparamurmurarpequenasexplicaçõesaosmeusouvidos.Épreferível,além domais, deixar que o conhecimento vivi icante surja por simesmo.Apesar disso, eu já tinha conseguido entender que a práticanien-fuseguida durante o rito noturno não era essencialmente diferente darecitação dos mantras pela manhã; as duas práticas envolviam o uso depalavrasdeummodoquetranscendiaoseusignificado.TendosonhadodelongecomaChina,desdemeusonzeanos,tinhaânsia

de conhecer cada vezmais o queme parecia uma terra mágica. Minhasirrequietasviagenslevaram-meainúmerossantuáriosbudistasetaoístas,sendo alguns grandesmosteiros e outros pequenos, quase semvisitar ostemplos. Os locais haviam sido escolhidos com amorosa atenção e pelosencantosdanatureza.Encontravam-setetoscurvoscobertosdeporcelanaverde,azulouamarela,erguendo-secomopaláciosdefadasentrebosquesdecedrosoumoitasdebambusdelicados.Àsvezes,seusmurosescarlatesou carmesins podiam ser vistos junto à saliência de um rochedo quedominava,ládecima,umatorrentefumegante,ouumelegantepagodeserentrevistosobreotopodeumacolinaàbeiradeumlago,comseusonzeoutreze andares re letidos na super ície da água. Beleza e mais beleza! Osimponentes portões de entrada desses santuários formavam o limiar deummundodemistério.Atémesmoascozinhasebanheiros,atéasdivisõespara latrinas, tinham nalguma parede ou pilar um pedaço de papelescarlate inscrito com ummantra apropriado para cozinhar, lavar-se ouesvaziarosintestinos,preciososlembretessobreasantidadedecadaação,de cada objeto, sem excluir os que enchem de nojo as pessoas semdiscernimento.Destemodo,osmongeseramexortadosanãofazerumusomenos apropriado do tempo dedicado a tarefas e a abluções do que dashoras quepassavamna sala demeditação.A completa negaçãodo ego, auniãoconscientecomaFontedoSeréumarealizaçãotãodi ícildentrodotempodeumavidaquenemummomentopodeserdesperdiçado;pois,seaoportunidadeéperdida,quantotempoamaisdevidanãosepassaráaté

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queascondiçõesnecessáriasparaprogressoulteriorsejamencontradas?Tais foram, pelo menos, os pensamentos que inicialmente inspiraram acolocação de mantras em lugares tão pouco apropriados, mas a longafamiliaridade havia enfraquecido a sua mensagem. É duvidoso que aomenosummonge,entredezouvinte,tenharealmenterecitadoummantraenquantoseagachavasobreumafossa.Lamento agora não ter indagado por que certos mantras, particular,

eram julgados apropriados para a ablução ou a defecação. A respostapoderia ter lançado alguma luz sobre a questão de fazer distinção entretodaumasériedemantrasnecessáriosparacorresponderàvariedadedecircunstâncias, ao passo que uma fórmulanien-fu é consideradainteiramenteSuficienteparausoemtodasascontingências.Havia mantras especiais para uso durante as refeições. 0s monges,

tendoentradonorefeitório, icavamdepé,emSilêncio,enquantoumdelesfazia uma oferenda aos espíritos girantes que se acreditava estarem aliaglomerados.Erguendoalgunsgrãosdearroz, empauzinhos,omongeosdepositava sobreumbaixopilardepedra, esculpidoem formade lótuseque icava no pátio adjacente. Ao fazê-lo, recitava um mantra queconverteriamentalmenteaoferendanumgrandebanquete.Apesardenãoestar convencido, então, da existência desses invisíveis aglomerados, euadmiravaaprática, tomando-acomoumlembretediáriododeverbudistadacompaixãoparacomqualquerespéciedesersensitivo,edaverdadedaiogadequenadaéoquepareceser,sendoilusóriaaaparentesolidezdosObjetos,sendoosvisíveiseosinvisíveisigualmentereaisouirreais.Omaisbeloemisteriosodosritosmonásticoseraousadoparasaciara

fomedas "bocasardentes"oudosespíritosatormentadosdehomensquehaviam sido avarentos. Quando ocorria uma morte, era costume dosparentesdomorto realizaremvários atos caridosospara acrescentar suaprovisãodeméritoseassimexercerumain luênciabenignanascondiçõesde sua existência seguinte; dessas ações, em geral faziam parte adistribuição gratuita de algum texto sagrado, como o Diamante Sutra e ooferecimentodeumbanquetepara as "bocas ardentes". Para esse rito, oprincipalo iciante,vestidocomumatúnicaescarlateedourada,eusandoochapéuemformadelótuscomcincopétalasdeumBodhisattva,sentavanaponta da mesa comprida e estreita, com seus assistentes colocados embanquetas de cada lado e equipados com acessórios tais como livroslitúrgicos, tambores, sinos e implementos rituais.A mesa era entãocolocadademodoa icarde frenteparaumpátiobastanteespaçosoparaacomodaramultidãodehóspedesinvisíveisbocas-ardentescomgargantas

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inas como hastes de grama e monstruosas barrigas, nas quais bastavajogarumgrãodearrozouumgoledeáguaparaque se transformassemlogonuma chamaardente, a não ser que esse alimento se transformasseemamrta(néctar)paraconfortodoshóspedes.À medida que o rito prosseguia, os dedos do o iciante agitavam-se

duranteuma sériedemudras, tão graciosamente comoos gestosdeumadançarina indiana; enquanto isso, ele entoavauma seqüênciademantraspontilhadapelabatidadotambordemadeiraeotilintardeumsinoritual.Os verdadeiros adeptos dessa tarefa sabiam produzir ondas de sonsimpressionantemente melodiosos. As palavras não podem reproduzir abeleza desse rito ou amelancolia e pavor que ele criava no coração dospresentes. Os lindos gestos e o canto misterioso, com suas cadênciasantigas,atuavamdetalmodosobreossentidosqueerafácilveramultidãode espíritos atormentados e, igualmente, "ouvir" seus gritos lamentososenquanto esperavam, com angústia e agoniada ânsia, peloamrta queaplacaria sua fome e sua sede. Não era preciso crer irmemente nessaspresençasinvisíveisparasecomovercomodramadoritual,poisomundoestá repleto de seres famintos e carentes— humanos, animais, e talvezmembros de ordens invisíveis — lamentavelmente necessitados dacompaixãoquebrotanamente,talcomoensinaaexperiênciaiogue.Pormaisimpressionantesquefossemessesremanescentesdeumarica

tradição mântrica outrora difundida, em breve me vi forçado a concluirque o conhecimento sobre a natureza e função dos mantras se haviatornado raro na China, exceto nas regiões fronteiriças onde lorescia aVajrayana e em certas cidades da Mongólia e do Tibete, onde foramreintroduzidos por pequenos grupos de devotos. O prevalecimento dosmantrasnaliturgiamonásticaseguidapelasseitasCh'an(Zen)edaTerradaPurezaeraacuriosaefortuitasobrevivênciadotempoemqueaextintaSeita Esotérica havia lorescido. Provavelmente, a liturgia havia sidoplanejada de forma aceitável para todas as seitas, numa época emque aSeitaEsotéricaaindasemantinhaentreasoutras,eaintençãohaviasidoade que todas as abordagens da sabedoria iogue deviam ser encorajadas.Como os mosteiros chineses eram fortalezas da tradição, ninguém haviapensado emmodi icar a liturgia, mas era raro encontrar ummonge quefosse capaz de expor uma tradiçãomântrica. Amaior parte dosmonges,tendoperdidoosaspectosmaissublimes,contentava-seemconsiderarosmantras como força mágica, útil para o alívio de doenças, e paratransformar as oferendas para os espíritos, sem preocupação direta comosqueestãoligadosàsuprematarefadealcançarumarealizaçãomística.

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ParaumMestre-Dharmapreparadoparadiscorrer,mesmobrevemente,sobreosmantras,haviadezenasdelesquepreferiamfalararespeitodosmaravilhosos frutos da práticanien-fu, ou sobre os métodoscontemplativos da seita Ch'an. A serenidade experimentada durante arecitaçãodosmantraslitúrgicoserabemreal;noentanto,eutinhacertezade que haviam sido mantidos mais por respeito à tradição do que pelocuidadocomseuvalorcomoauxílioparaoprogressonaioga.Como é natural, eu estava muito in luenciado pelas idéias de meus

mestreschinesesepelosmongescomosquaiscostumavapassarsemanasou meses de cada vez, de modo que continuei a compartilhar de suaatitudeparacomosmantras,continuandoaatribuirseuefeitosobremimaocantosonoramenteritmado,maisdoqueaopoderdasprópriassílabasmântricas.Massemprequeeudeixavaperceberqueconsideravaosritospara alimentar espíritos e bocas-ardentes como encantadoras alegoriascom a intenção de desenvolver uma compaixão espontânea, os mongesrepreendiamminhadescrençaeinsistiamcomigosobreoquesemdúvidajulgavamserverdadeirosrelatosdemaravilhasproduzidaspelosmantras.Entreessashistórias,haviaumaquemecausougrandeimpressãoporque,verdadeiraounão,pareciaindicaroquepoderiaserafonterealdopodermântrico, se é que tal poder existe de fato. Nãome lembro do nome doMestre-Dharmaquefoioprincipalprotagonista,masochamareideHungKuanFa-Shih.Assiméahistória:0Mestre-DharmaHungKuanFa-Shiheratãomaravilhosamenteadepto

darealizaçãodosritosparabene iciarbocas-ardenteseespíritoserrantes,queaoscircunstantespareciaestarpresenteumamultidãoquesereuniajunto à mesa, em que, vestido como um Bodhisattva, ele icava sentadoentoandoaspalavrassagradas,comasmãosadejanteseosdedosgirando,àmedidaqueosmudrasiamsendosubstituídos.Maisdeumavez,alguémoouviradizer:"Entreoscidadãosdetodososuniversosdasdezdireções,não há nenhum tão maldoso como aquele que transgrediu aincomensurável compaixão de Buda. Os que temem pelo bem-estar dosseusmortospodemmurmuraronomedelesparamim.Mesmoquesejamculpados de crimes nefandos, como matar e comer a carne dos seusparentes,eunãoosabandonarei.Foiesteovotoque izperanteafacedoBuda Compassivo." Até mesmo os descendentes de diabos podem sermovidospelapiedade ilial,demodoqueaconteceuvirem ilhose ilhasdecriminososdecapitadosedeoutrosmiseráveisquehaviammergulhadoemcrimes.ElesvinhamprocuraroMestre-Dharmaemsegredoeimplorarsuaajuda.Elenuncaarecusou.Certanoite,eleadmitiuemseueremitérioum

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moçoquevieraintercederporseupai,notóriobandido,culpadonãosódeum mas de dois, entre os cinco crimes que, segundo o ensinamentoortodoxobudistasãoindizivelmenteatrozes.Tendolideradooataqueaumconvento isolado, ele imitara seus companheiros, violentando eassassinandocastasfreirase"tirandosanguedocorpodeumBuda",istoé,cortandocomsuaespadaasimagenssagradas!Suspirandoaopensaremcrimetãoinsensatoeapavorante,HungKuan

concordou com o pedido do moço e, despertando seu discípulo maischegado,preparou-seimediatamenteparalutarpelalibertaçãodoespíritoatormentado.Duranteorito,osoutrosnotaram,compreocupação,quedevez em quando o Mestre-Dharma titubeava, com as faces brancas comocinza*,asmãostrêmulas,avozchegandoaserumsussurro,mas,decadavez, eleparecia fortalecer-seeo ritoprosseguia.Emergindodaescuridãocircundante, o espírito do chefe dos bandidos apareceu. Ficou de pé,inclinado sob o peso acabrunhador dos pecados. Foi fácil notar o felizmomentoemqueessepeso,abruptamente,caiu.Imediatamente,suaformaenevoada icoueretae,olhandoomoço, gritounum tomdegelar sangue,como falam os que ultrapassaram o limiar damorte: "Moço infeliz! Vocêteriaagidomelhorsedeixasseseupaisofrerumaeradetormentodoqueprivar omundodeste santomonge que salvou umnúmero incontável demiseráveis criaturas de uma sorte dolorosa e que tinha muitos anos devida diante dele!" Com estas palavras, o espírito desapareceu. O Mestre-Dharma, lutando contra a fraqueza, conseguiu força su iciente paraterminarorito,antesdecairmortonosbraçosdeseuchorosodiscípulo.A inal, voltando-se para o aterrorizado moço, esse monge falou com

tristeza: "Nosso Mestre foi capaz de libertar numerosos espíritos pelopoder de seumérito. Todomantra que ele pronunciou, cada um de seusgestos sagrados, tudo foi fortalecido pela vitalidade de sua menteimperturbável.Sem dúvida, ele sabia que libertar um espírito carregadoportãorepugnantescrimes,comoosdeseupai,esgotariasuareservadeforça vital. Entretanto, em vez de rejeitar seu voto, ele o ajudou de boavontade,mesmosabendoque isso lhecustariaavida!Omínimoquevocêpode fazer é apressar-se em entrar num mosteiro e passar sua vidaadquirindoméritoparaajudar,porsuavez,algunsespíritosdesgraçados."Assim fez o moço, porém a recompensa foi pequena diante de tãoirreparável perda. Há outra história que permanece emminhamemóriaprovavelmente porque, quer seja verdadeira ou apenas criada como umconto moral, contém um elemento factual com relação à natureza domantra. Na província de Honan havia duas crianças, Lao San e Lao Szê.

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Como Confúcio em tempos antigos, o menino e a menina gostavam deimitar as cerimônias adultas. Além de realizar "casamentos", "funerais" e"cerimôniasda luacheia",usandobonecaspararepresentarbebêsdeummês, freqüentemente visitavam um templo deserto a im de seprosternarematéo chãodiantedeBudaCompassivo.Certodia, para suaconsiderávelmasnão imensasurpresa,aestátuadoBuda faloucomeles,comunicando uma breve fórmula sagrada cujas sílabas eles decoraramcom atenção, apesar de incapazes de entender seu signi icado. Foi umsegredo que guardaram dos outros e, sempre que surgia um problemainfantil, eles repetiam as sílabas num murmúrio, e o problema eraresolvido,logooupoucotempodepois.No invernoseguinte, elespararamporacasodiantedeum lagogelado,

paraveroutrascriançaspatinando.Emdadomomento,umgarotodeunscatorze anos aproximou-se do centro do lago, mais do que seuscompanheiros.Subitamente, com o som de um tiro de revólver, o gelo separtiu e começou a baixar. Com a rapidez do pensamento, os irmãospronunciaramsua fórmulasagrada,depoisdoqueogelopartido,atravésdo qual a água começava a subir, icou irme até que o patinadoralcançasse o gelo mais irme perto da margem. Dançando de satisfação,LaoSaneLaoSzêgritaramaplenospulmõesqueogarotodeviaavidaàssuas palavras mágicas. Meio impressionadas, meio caçoístas, as outrascriançassereuniramàvoltadeles,exigindoumaexplicação."Quais palavrasmágicas?" exclamou outro garoto, torcendo o braço de

Lao San até que ele gritou, pedindo piedade. Instintivamente, os irmãossabiamoqueaconteceriaserevelassemseusegredo,masadorera fortedemaisparaqueomeninoasuportasse.Soluçandoamargamente,reveloua sagrada fórmula: Naturalmente, as outras crianças exigiram umademonstração antes de soltar sua vítima.Infelizmente, quando aplicadaparasalvarumcãovadiodeumasaraivadadepedras,omantrafalhou.Etambémnuncamaisagiu,paraLaoSaneLaoSzê.Averdadecontidanestapequenahistóriaéadequeosadeptosdaarte

mântricaquesegabamdesuarealização,ouprocuramdemonstrá-laparaoutros,perdemseupoder.Issoélamentável,poisoreconhecimentodessefatoreforçaamodéstianaturalqueadvêmdoprogressoespiritual, comoresultado de que raramente alguém pode testemunhar, a não ser poracaso, manifestações convincentes do poder mântrico.A convicção, emgeral,sóéobtidacomoresultadodopoderinteriorqueapessoaalcança.0 fato de que este genuíno conhecimentomântrico tenha sido outrora

muito difundido na China é veri icável por várias passagens da liturgia

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budista.Porexemplo:háumapassagem,conhecidacomo"Mêng-ShanShihShih-I" (literalmente, "Doação do Monte Secreto de Oferendas") que, demodo super icial, assemelha-se a mágica quando o o iciante traça com apontadodedouma sílabamântrica sobreuma tigelade águapura, a imde convertê-la emamrta ou, como dizem os chineses,kan-lu (orvalhodoce);masénotávelque, antesdomantra, vêmaspalavras: "QuemquerquedesejecompreenderosBudasdoMundoTríplicedeveentenderqueouniverso inteiroconsisteemnadaalémdamente." Isto,comovimasabermais tarde, é o contexto no qual toda a ciência dos mantras deve serentendida. Nesta passagem, temos o remanescente do conhecimentoprofundo anteriormente transmitido pela Seita Esotérica. Por que teriadesaparecidodaChinaestaseitacomseusfascinantessegredos,háquasemil anos? Provavelmente, porque empregou a imagem sexual que, pormotivos perfeitamente respeitáveis, caracteriza a Seita Vajrayana doTibete. Se é assim, as autoridades confucianas, ignorando a elevadanatureza das doutrinas veladas por essa imagem, devem ter icadoassustadas. Os confucianos, sem serem puritanos in lexíveis, eramchocantemente cheios de preconceitos, e podem muito bem ter dadoordensparaqueasimagensepinturassagradasfossemdestruídas.Outrapossibilidadeéadeque, impressionadospelosrelatossobreosestranhospoderes dos iniciados, os confucianos os tenham tomado por feiticeiros,perseguindo-os com rigor. Em toda a história e em muitas partes domundo,aacusaçãodefeitiçariatemfreqüentementesidofeitaaexpoentesdasformasmaisesotéricasdereligião,apesardesuacondutaseremgeralinatacável,governadaporintençõesdamaisirrepreensívelpureza.

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Capítulo3

OINÍCIODACOMPREENSÃO

Mais uma vez, abria-se a cortina para uma cena desconhecida. OsgrandestemplosqueeuvisitaranaChina icavammilmilhasaleste.Ali,aopédoHimalaia,erguiam-semontanhasquecortavamtransversalmenteafronteira indo-tibetana, havia muitos adeptos de ioga, mas nada dasmaravilhas arquitetônicas, sobreviventes de eras passadas. Após algunsdias de caminhada através das montanhas, encontrei um templo rústico,construídocommateriaisdefácilaquisição.Quadrangulareartisticamentedespretensioso, apenas uma entrada pintada e um telhado piramidalproclamavam seu propósito sagrado. No interior, sombrio, uns poucoslamas, com túnicas de um castanho sujo, estavam sentados de pernascruzadasemsuasalmofadas,nochão,diantedeumaltarguarnecidocomlamparinasevasilhasdeprataparaoferendas,eaquelascuriosas iguraschamadas torma, feitas com massa de farinha amanteigada. Pesadasnuvens de incenso pairavam no ar. No lugar em que deveria haver, emtemplo mais rico, uma esplêndida imagem, estava pendurado umesfarrapadothanka (pergaminho de parede) representando umadivindade feminina de aspecto feroz, com um pé levantado e pousadosobreojoelho,ooutropisandoumdiscosolarapoiadoporumcadáverquejaziadecostassobreodesenhodeumaluaacobrirumlótusgigantesco.Odiadema que cingia seu cabelo cor de fogo era composto de esqueletoshumanos; um colar de cabeças cortadas adornava sua carne nua, deviolenta cor escarlate. Apesar da estranheza desses atributos, não sentireceio algum, pois a expressão dos lamas era suave e delicada; porbizarrosquefossemossímbolossobreosquaismeditavam,di icilmentesepoderia duvidar de que fossem homens de bondosa disposição e depensamentossadios.Juntocomofantásticotilintardesinosvajraeabatidados tambores de mão giratórios, tocados por bolinhas presas a tiras decouro, os lamas estavam produzindo uma inundação de sons que maispareciambrotarde seus ventresquede seusórgãos vocais.Maisdoquenunca,atéentão,reconheciopoderdosmantrasemtransportaramenteaum estado de tranqüila bem-aventurança. Também me regozijei com opensamentodequeaquela cenaeraem tudosemelhanteàquedevia tersurpreendido viajantes como eu, que passaram por aquela regiãomil ou

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maisanosantes.Antes de deixar a China, as sementes plantadas emminhamente pelo

lamatibetanodeHongKonghaviamsidoregadasdevezemquando,poiseume havia hospedado com freqüência emmosteiros de estilo tibetano,nas províncias mais remotas; mas somente em 1948, ano em que, comtristeza,eudisseadeusàterraquetantoamava,estabelecicontatocomoslamastibetanosecomeceiaadquirirumavisãorealsobreomundomágicodaVajrayana.Durante adécada seguinte, iz várias e prolongadas visitasaosmontesdoHimalaia—aobeloGangtokeaomosteirodamontanhadeTashiding, cercado por uma torrente, em Sikkim, e àquelas cidadesmontanhesasnasfronteirasdaíndia,paraasquaistantoslamaseminenteshaviamfugidoapósoavançochinêssobreLhasa.Ostibetanossão,demuitasmaneiras,umpovomaterialista;noutras,são

comoseresdeoutraera,tãoricaésuasatisfaçãopelascoisassimples,tãoespontâneo seu riso e tão permanente sua alegria e fé em Cho — oDharma Sagrado. Como exilados empobrecidos, estavam quase sempremalvestidos, sem os acessórios coloridos que haviam emprestadoesplendor a seus antigos rituais, porém seus ritos permaneciaminspiradores—o rufar dos tambores e o estrépito dos címbalos, o poderelementardamelodiasagrada,osritmosimpressionantesdoscânticoseasexpressõesextasiadasqueseviamnorostodoscelebrantes. Era fácil verque suas mentes se haviam elevado até o reino intemporal de alegria emistério.Embreve,atingivisãonovasobreanaturezadosmantras;comomanifestações do shabda (som sagrado) eles têm qualidades em comumcomamúsicareligiosatibetana,ondeporsuavezecoamavozdosventosemlugareselevados,obramidodastorrentesmontanhosaseoestalardostrovões. Alguns dos tesouros da mente que podem ser descobertos naregião do Himalaia, inspiradora de terror, foram descritos em três dosmeus livrosanteriores [TheWheelofLife,TheWay of Power eBeyond theGods),neste,descrevereiemparticularoqueépertinenteaosmantras.Poracaso,mais do que por escolha, os ensinamentos e iniciações que recebiforam transmitidos sobretudo por Nyingmapas, isto é, adeptos de umaantigaseitaque lorescenasfronteirasaleste—KhameAmdo(Ch'inghai)enominúsculoreinodeSikkim.Hábudistasqueconsideramerroofatodeesta seita ter perdido muito de suas características monásticas, pois éverdade que os lamasNyingmapas são, com freqüência, leigos casados enão monges. E isso porque a seita fugiu à "reforma" que foi capaz depreservar sem interrupção certas tradições secretas, vindas de remotaantigüidade. Não existindo contrapartida budista nos antagonismos e

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rivalidades que tão tragicamente despedaçaram a Cristandade, onde asseitas tibetanas divergem é em relação ao método e não à doutrina;portanto.,oslamasNyingmapaensinamacontemplaçãoeosexercíciosdeioga, enquanto os lamas Gelugpa exigem dos neó itos um longo estudopreliminar da doutrina, sendo a prática ioguemuitas vezes adiada até aidademadura.Qualsejaosistemamaissensato,équestãodeopinião;masmeuencontro comosmestresNyingmapa foi semdúvidaumavantagem,pormeteremministradodeboavontadeoensinodaioga.Ostibetanosabsolutamentenãosãograndesmestresnasartessecretas

da ioga. Ao contrário, o budismo prevalece entre eles, tanto no nívelpopular como no mais elevado, e grande parte do que ali presenciei nocomeçomelembravaigualsituaçãonaChina,ondepoucadistinçãosefaziaentre mantras e feitiçaria. Por exemplo: sempre que eu ia àquelasmontanhas,tinhaprovasdaprodigiosafénae icáciadomantraOMMANIPADMEHUMcomoencantamentoprotetor;estavainscritoemrochedosnaestradae sobremuros erigidos especialmentepara exibi-lo,muitas vezescomassílabaspintadasemsuaapropriadacolocaçãoiogue.Emtodaparteviam-sepessoasquegiravammoinhosderezascontendorolosdesedaoude papel nos quais omantra fora escrito cemoumil vezes; ouvi falar demoinhos de rezas movidos por rios turbulentos e vi potentes tamboresmetálicos de rezas colocados junto aos portões dos templos, onde todoperegrino que passasse podia fazê-los ressoar. Enquanto giram seusmoinhosderezas,osdevotosentoamassílabasmântricaseasvisualizam,de modo que as três faculdades humanas do corpo, da fala e da menteicam todas entrosadas por OM MANI PADME HUM! Os passageiros dosônibusde longadistância, os trabalhadoresdo campoeos refugiadosemfarraposolhandocobiçosamenteasvitrinasdas lojasrecitamessemantradurantehorasafio.Conhecido comooMani, é omantradoBodhisattvaAvalokiteshvarada

SupremaCompaixão,quetomaaformadoSenhorChenserignaMongóliaeno Tibete, e da bela Kuan Yin (Kannon) na China (e no Japão). OAvalokiteshvara é conhecido pelos sábios não tanto como deus ou deusa,mas como a encarnação mental de uma força abstrata demais para serdescrita de outra forma que não acrescenta nem diminui a força domantra. Aquilo que para os não-instruídos é uma divindade adoradarevela-se igualmente, para todos, uma fonte poderosa de inspiração; poisAvalokiteshvara,quersejaconsideradocomoumserdeexistênciaprópriaoucomoumacriaçãomentaldosdevotos,personi icaatremendaforçadacompaixão,quesedistribuíimparcialmenteentretodososseressensíveis.

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Também não é signi icativa a diferença de sexo nas duasmanifestações,pois os atributos sexuais dos Bodhisattvas são uma questãoexclusivamente convencional.Parece ser mais apropriada parapersoni icaro espíritoda compaixãoa forma feminina,masa encarnaçãomasculina,Chenresig,apresenta-secomoumserdeaparêncianãomenosdelicada, cujo sexo só é óbvio para os que conhecem as convençõesiconográficasindo-tibetanas.EntreasnumerosasnarrativasassociadascomoMani,aminhapredileta

é incidentalmente chinesa, masmuito semelhante às que são conhecidasentreostibetanos.Um guerreiro mesquinho, conhecido por sua implacável crueldade,

presenciando a fuga de suas tropas que deixavam o campo em carreiraimpetuosa, teve também de fugir para não cair nas garras de seu rival.Depois de tirar o uniforme e envergar a roupa azul de um camponêsgrosseiramente tecida em casa, correu como louco para as montanhas.Faminto e cansado, seguiu adiante, tão depressa quanto seu esgotadocavalopôde levá-lo.Aochegarasegundanoite, sentiu-sebastanteasalvopara passá-la num eremitério próximo da estrada. Descobrindo que osúnicoshabitantes eramum idoso lamamongólico e um rapazinhoque alitrabalhava,agiucombrutaltruculência,forçando-osaenchersuassacolasvazias com todas as coisas portáteis de valor que o eremitério continha.Roubar seus hospedeiros era, a inal, sua forma habitual de pagar ahospitalidade, pois a única função dos civis era permitir que os heróisvivessembem.Comoascelasdosmongeserampequenasesemconforto,ordenou que colocassem um divã na sala do santuário e ali, sem icarperturbadopelaluzdeduasvelasvotivasqueiluminavamumaestátuadoCompassivo Kuan Yin, mergulhou num sono espasmódico. Com pena deseugrosseiroperseguidor,ovelholamaseesgueirouatéodivãe,sentadodepernascruzadassobreaslajes,numlocalsombrio,começouarepetiromantraOMMANIPADMEHUM,nummurmúrioquedurouanoitetoda;anão ser quando via o guerreiro agitar-se no sono, então verbalizava assílabas silenciosamente, temendo perturbar o adormecido. Não haviaressentimento no coração do velho, nenhum lamento pela perda dosvalores,semimportânciaparaele,apenasocompassivodesejodesalvarohóspededasconseqüênciasdesualoucura.Durante a noite inteira, o guerreiro sonhou. Quadros e mais quadros

surgiram em suamente, de alegrias sentidas em vidas anteriores; neles,sempre havia alguém que o havia tratado com amor — a mãe, a irmã,algum amigo querido e assim por diante — mas todos esses episódios

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eramseguidosporoutros,dilacerantes,nosquaiseleviaumadaspessoasqueridasnaaparênciadeumadesuasincontáveisvítimas;muitasemuitasvezes tevede suportar adorde reviver seusatosde tortura, assassinatoou decapitação de alguémque reconhecia ser um generoso benfeitor emvida anterior. Era insuportável, era horrível, ver-se como um feliz garotosendo acarinhado por sua mãe que o adorava e depois como o brutalviolador e executante da mesma pessoa amada noutra aparênciafacilmente reconhecível; fossem quais fossem as lágrimas e lamentações,elenãopodiasustersuamão.Despertoucomaprimeiraluzdamadrugada,ocorpobanhadoemsuor,

a mente enevoada pelo desprezo de si mesmo. De joelhos, caiu ante aimagemdoCompassivoKuanYinebateusuacabeçanaslajes,numfreneside remorso.Entretanto, seguindoas instruçõesdadasnanoite anterior, orapazinhohaviatiradoocavalodoestábuloecolocadoneleosalforjescomosvalores roubados.Tendo feito isso, ajudouo velho lamaa levarparaohóspedeumarefeiçãocomcháquente,oferecendo-lheoparcoalimentodeque dispunham naquele pobre lugar. Depois, com grande espanto dorapazinho, o guerreiro, antes tão truculento, inclinou-se atéo chãoanteolamaeimplorouparaseraceitocomodiscípulo."Não", foiaresposta."Avidamonásticanãoéparavocê.Continueoseu

caminho.Seemqualquer temposuasortemelhorar,useseupodere suariqueza para o bem-estar dos oprimidos, lembrando que qualquer umdeles pode ter sido seu pai, sua mãe ou seu amigo numa das vidasanteriores, pois as vidas de todos os seres sensíveis se interligam nopassadoduranteerasinumeráveis."Pasmo diante dessa íntima conexão entre aquelas palavras e seu

pesadelo recente, o guerreiro implorouao lamaque lhedessealgoaqueseapegassenosanosfuturos,aoqueovelhorespondeu:"Nadahánouniversomais fortequeopoderdacompaixão.Apegue-se

apenasaisso.Seosseusesforços,algumavez,falharem,devidoàcargadokarma criminoso, que as palavras do mantra de Kuan Yin, OM MANIPADME HUM sejam o sinete do seu pacto para nunca mais ceder àcrueldadeeàavareza."Assim o guerreiro, depois de devolver o roubo, partiu envergonhado.

Dizem que, anos depois, alguns de seus antigos subordinados oencontraram ganhando seu arroz como arrieiro, empregado numacomunidadedemongesemremotomosteirodocumeorientaldoWuT'ai.Osnão-iniciadosusamoManimuitasvezescomofeitiçoprotetorcontra

toda espécie demá sorte, seja do próprio indivíduo ou de outrem. Ele é

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pronunciado em momentos de perigo, entoado suavemente quando seconforta alguém em a lição e recitadomentalmente ou alto, em repetiçãoin indável, pelos que buscam nascimento na Terra da Pureza. Inúmerostibetanosmorrem tendonos lábios oMani.Há tambémmuitas aplicaçõesespeciaisdomantra.Hápoucotempoosr.Luk'uan-yüescreveu-mesobresuaaplicaçãocurativanotratamentodasalucinaçõescorrentesedoençaspsíquicas similares.0pacientedeve se sentardiariamentediantedeumavasilhadeáguae,invocandoAvalokiteshvaradetodoocoração,olharparaa tigela durante algum tempo, enquanto recita oMani. Quando se vê umlótusemergindodaágua,acuraégarantida.Eumesmopudemecurar,noespaçodeumanoite,deumadoençaquemeatacouduranteumasemana,emviagemacavaloatravésdasmontanhasnonortedaChina.Tendocaídodaminhamula e sendoacudido e levadoaté ahospedariamaispróxima,recuperei a consciência ao descobrir, sentado na minha cama, um lamamongol entoando suavementeOMMANIPADMEHUM.Maravilhosamenterecuperado,sentiafadigaeadoençadesaparecerem,enamanhãseguintecontinueiaviagem,sentindo-metãobemcomonoprimeirodia.Épossívelargumentarqueoefeitodosmantrasemtaiscircunstânciasépuramentepsicológico. Isso é bem verdade, mas num sentido que não é de todosimples.Aenergiadacompaixãopersoni icadaporAvalokiteshvaraéreal,e reside no nível profundo de nossa consciência; está presente em todosnós, ainda que escondida pelos obstáculos do ego, e é despertada pelassílabas, sobretudo quando pronunciadas com profunda aspiração pelafelicidade de outrem. Por uma razão qualquer, essa energia é maisfacilmenteevocadadoqueoutras similares,paraasquais existemoutrosmantras; provém daí a larga popularidade do Mani entre os que nãoreceberam o ensinamento da ioga, do qual depende a e iciência dosdemais.0 Mani também pode ser empregado em níveis mais elevados de

ensinamento, e não são poucos os lamas eruditos que o consideram omantra dos mantras, inteiramente completo em si mesmo, desde quealguém conheça osmeios de usá-lo efetivamente. Apesar das aparências,nenhuma operação mágica participa dele. O mantra, além de ter umaa inidadepsíquicacomumelementoencaixadonaconsciênciadequemousa, e com um elemento idêntico na psique daqueles sobre os quais éusado,recebeenormeforçadepodercumulativodassagradasassociaçõescomasmentesdasinúmeraspessoasqueopronunciaramduranteocursodeséculos.Ao relatar o que se segue sobre algumas das práticas iogues doMani,

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antecipo-me de algummodo para reunir tudo quanto foi dito sobre estemantranumsólugar.SegundoadoutrinaMahayana,talcomointerpretadapela seita Vajrayana, a suprema energia que brota da Fonte Suprema, edali para as profundezasda consciência do adepto - temdois aspectos: asabedoria da realização sagrada e a sabedoria da compaixão. Esta últimamuitasvezesépersonificadapeloBudaAmitaba,doqualAvalokiteshvaraéconhecido como uma emanação divina. Entre as inúmeras formas doBodhisattvaAvalokiteshvara,amaisfreqüentementeadmiradaéadeumadivindade de quatro braços, de pura cor branca, duas mãos prendendoumajóiacolocadapalmaapalmanumgestodeoração,duasmãoserguidasà direita e à esquerda, uma segurando um io de contas de cristal,simbolizando a contemplação, a outra com um lótus que representa aperfeição espiritual. Mas a contemplação bem realizada não requerre lexãocuidadosasobreoSimbolismo;háprofundasrazõesna iogaparaessa formadadivindade, suapostura, seusgestos, suascoreseatributos,quesãoreconhecidoseaceitosportodosquantosadmitemqueatradiçãovinda de Nalanda há séculos atrás, e mantida no Tibete de hoje, nadacontém de fantasioso ou arbitrário.Exceto no início da prática da ioga,pouca preocupação se tem com o assunto, porque pensar muito nainterpretaçãodoSimbolismopodelevaràdistração;éprecisopermitirqueos símbolos ajam diretamente sobre um nível mais profundo daconsciência.A formabonitadoBodhisattvaKuanYin(Kannon),conhecidaportodososamantesdaartechinesaejaponesa,é,similarmente,produtodaintuiçãoiogue;masosartistas,ignorandoofatodequeKuanYinéumadivindade de meditação e não um deus, podem ter introduzido detalhesimaginososquenãoseencontramempinturasouestátuasespecialmentepreparadascomoapoioparaameditação.0 Mani pode ser usado em qualquer momento, sem preparo especial,

por aqueles que possuem algum conhecimento dos métodos da iogacontemplativa, ou por aqueles capazes de imbuir a forma do sercompassivo com o poder advindo das associações que ele desperta emsuas mentes. Sua recitação por adeptos é, em geral, acompanhada davisualização da forma divina e das sílabas, cada qual com sua corapropriada;simultaneamente,brotanamentedoadeptoodesejoprofundopelo bem-estar dos seres sensíveis e a vontade de experimentarcompaixão por todos eles— não só por aqueles que é fácil amar, comoamigos,cavalos,elefanteseCachorrinhos,mastambémpelascriaturasatéentão consideradas repelentes, como insetos nocivos, répteis, soldados,bandidos, fantasmas e demônios. A princípio,mesmo sendo incapazes de

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amá-los, é possível ao menos simpatizar com suas tristezas e alegrar-secom suas transitórias alegrias, vendo-os como seres igualmentecondenados,comonósmesmos,avagardenascimentoemnascimento,eraapós era, até alcançar a Luz. Objetos anteriores do desagrado do adepto,suas inimizades ou aversões peculiares devem ser os primeirosdestinatáriosdopoderdoMani,devendooadeptodirigirseupensamentopara eles com todo o amor de que seja capaz. Possuído de tristeza pelosfardos que todos devem carregar, e ansioso pela felicidade universal, eleolhaasbelas feiçõesdoBodhisattva, járadiantementevisíveisàsuavisãointerior, e recita repetidamente OM MANI PADME HUM! Ou então seaprendeucomummestretibetano,UMMANIPEMEHUNG!(Avogai"U"ésemelhanteàprimeiravogaldapalavrainglesa"woman";

o"A"épronunciadocomoem"father";"PEME",contraçãode"PADME",soaquase como "pay-may", comadiferençadequeo "P" icaparecido como"B".)OM,simbolizandoaorigem,aFonteSuprema,oDharmakaya,oAbsoluto,

éumapalavradegrandepodercriativo,consideradacomfreqüênciacomosendo a soma de todos os sons do universo— a harmonia das esferas,talvez.MANIPADME(jóianolótus)signi icaváriosconceitoscomo:asabedoria

essencial que existeno âmagodadoutrinabudista; a sabedoria esotéricada Vajrayana contida na iloso ia esotérica Mahayana; a Mente contidadentro de nossas mentes; o eterno no temporal; o Buda em nossoscorações;ameta(supremasabedoria)eosmeios(compaixão);e,sepossopermitir-metirarumainferência,oCristointeriorqueresidenamentedocristãomístico.HUMéocondicionadonoincondicionado(queéparaOMassimcomoTê

é para Tao na iloso ia taoísta); representa a realidade sem limitesincorporadadentrodos limitesdoser individuale,destemodo,une todosossereseobjetosseparadosaoOMuniversal;éanão-mortenoefêmero,além de ser uma palavra de grande poder que destrói os empecilhoscriadospeloego.Tais interpretações são naturalmente de interesse, mas é necessário

acentuar que a re lexão sobre o Simbolismo não faz parte da práticacontemplativa. As sílabas mântricas não podem produzir seu efeito totalsobre osmais profundos níveis na consciência do adepto se a suamenteestá apinhada de conceitos verbais. O pensamento re lexivo deve sertranscendido,abandonado.Quanto àmaneira de recitação, não deve haver regras ixas a não ser

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aquelas impostas pelo mestre, se ele assim o quiser. A sílaba OM é emgeral enfática emaisoumenosprolongada,demodoqueoM inal vibre.MANI PADME (ou MANI PEME) são recitadas quase como uma palavra.HUM(OUHUNG)éàsvezesretardada.Podemosdesenharoritmoassim:_- - - -——!Omantradeveserpronunciadoemtommonótono;oucomasílaba OM um tantomais alta do que o resto; ou com as cinco primeirassílabasemtommonótonoebaixo,mascomoHUMtãomaisaltodoqueoresto, comoo sol ica acimado dó emnossa escalamusical.Nesse caso odiagramasemodificariapara—----—!Quando a recitação chega ao im, os devotos permitem que a igura

mental do Bodhisattva desapareça de sua mente, qualquer que seja ométodoaprendido,edepoisre letemcomgratidãosobreosresultados,taiscomo o poder de gerar compaixão e distribuí-la imparcialmente, a maisíntimaesimpáticacompreensãodoscoraçõesdeseresa litos(oudealgumserouseresemparticular),ouoalíviodador,da tristezaoudaconfusãomental namente da pessoa para a qual se dirigiram os votos do adepto.Antes de se levantar, não se deve esquecer de realizar o ato mental dededicaroméritoresultantedesuapráticaaobem-estardetodososseres,poisestaéaconclusãoessencialdetodasaspráticaseritosiogues.Ummétodo popular de usar oMani é o de gerar compaixão para com

todos os seres do universo, dirigindo a mente para cada um dos seisestados de existência por sua vez, enquanto se repete o mantra muitolentamente,talvez21ou108vezes;emrespostaaOM,raiosbrancossobreomundodosdevas;aMA,raiosverdessobreoreinodosasuras(titãs);aNI,raiosamarelossobreoreinohumano;aPAD,raiosazuissobreoreinodos animais; a ME, raios vermelhos sobre o reinado dos pretas (bocasardentes); e a HUM, raios escuros e enfumaçados sobre os habitantes(criados pela mente) do inferno. As sílabas são visualizadas como sefossemevoluindolentamentedentrodocoraçãodoBodhisattva,cadaqualirradiandoseusraiosnadireçãocerta.Anaturalinclinaçãodosdevotoschinesesparacontemplaracompaixão

sob forma feminina é compartilhada pelos tibetanos que, portanto,contemplam Tara, emanação de Avalokiteshvara. De acordo com anecessidade individual, Tara é representada demaneiras variadas, comouma igura maternal de grande beleza ou como uma linda virgem. Ométododecontemplá-laésemelhanteaousadoparaoutrasformasYidam(formas de divindade interior), como serão descritas em outro capítulo.Aqui, voltandoaousopopulardosmantras, voualistarosquepertencemàs vinte e uma formas em que Tara é invocada pelos que procuram

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proteçãocontraumaououtracalamidade.Sãoelas:A Tara Verde (fonte das outras vinte emanações): UM TARE TÜTARE

TURESOHAA Tara Que Evita Desastres: UM BANZA TARE SARVA BIGANEN

SHINDHAMKURUSOHAATaraQueEvitaCalamidadesVindasdaTerra:UMTARETUTARETURE

MAMASARVALÁMLÁMBHAYASHINDHAMKURUSOHAA Tara Que Evita Destruição Produzida Pela Água: ÚM TARE TUTARE

TUREMAMASARVABHAMBHAMDZALABHAYASHINDHAMKURUSOHAATaraQueEvitaaDestruiçãoProduzidaPeloFogo:UMTARETUTARE

TUREMAMASARVARAMRAMDZALABHAYASHINDHAMKURUSOHAATaraQue Evita a Destruição Causada Pelo Vento: UMTARE TUTARE

MAMASARVAYAMYAMDZALABHAYASHINDHAMKURUSOHAATaraQueAumentaaSabedoria:UMRATANATARESARVALOKAJANA

PITEYA DARÁ DARÁ DIRI DIRI SHÊNG SHÊNG DZA DZANJIA NA BUSHÊNGKURUUMATaraQueEvitaCalamidadesVindasdoCéu:UMTARETUTARETURE

MAMASARVADIKDIKDIKSHNARAKSHARAKSHAKURUSOHAATaraQueEvitaDestruiçãoCausadaPorExércitos:UMTARETUTARE

TUREMAMASARVADIKDIKDIKSEHNARAKSHARAKSHAKURUSOHAATaraQueEvitaCalamidadesProvindasdoInferno:UMTARETUTARE

TUREMAMASARVARANDZADUSHENDRODASHINDAMKURUSOHAATaraQueEvitaDanosCausadosPorLadrões:UMTARETUTARETURE

SARVADZORABENDABENDADRKTUMSOHAA Tara Que Aumenta Poder: UM BEMA TARE SENDARA HRI SARVA

LOKAWASHUMKURUHOA Tara Que Evita Males Causados Por Demônios: UM TARE TUTARE

TURESARVADUSHINGBIKANENBHAMPEHSOHAA Tara Que Evita Males Que Afetam o Gado: UM TARE TÜTARE TURE

SARVAHAMHAMDUSHINGHANAHANADRASAYAPEHSOHAA Tara Que Evita Males Causados Por Animais Ferozes: UM TARE

TÜTARETURESARVAHEHHEHDZALEHDZALEHBENDAPEHSOHAATaraQueEvitaEfeitosMalé icosdeVenenos:UMTARETÜTARETURE

SARVADIKSHADZALAYAHARAHARÁPEHSOHAA Tara Que Vence Demônios: UM GARMA TARE SARWA SHATDRUM

BIGANEN MARA SEHNA HA HA HEH HEH HO HO HUNG HUNG BINDABINDAPEHA Tara Que Cura Doenças: UM TARE TÜTARE TURE SARVA DZARA

SARVADHUKKABRASHAMANAYAPEHSOHA

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A Tara Que Confere Longevidade: UM TARE TÜTARE TUREBRAJAAYIUSHEISOHAATaraQueConfereProsperidade:UMTARETÜTARETUREDZAMBEH

MOHEHDANAMETISHRISOHAA Tara Que Realiza Pedidos: UM TARE TÜTARE TURE SARVA ATA

SIDDHISIDDHIKURUSOHAEstesvinteeummantras foramtranscritosdeacordocomapronúncia

tibetana. Os E inais devem ser pronunciados; por exemplo, TARE épronunciado como "ta- rey". As sílabas SOHA representam a palavrasânscrita "svaha"; PEH representa a "phat" sânscrita; e, é claro, UMrepresenta "om". Entretanto, por uma razão que se tornará aparente, apronúncia correta não é importante, desde que sejam evitados erroselementares como pronunciar TARE como se tivesse uma sílaba só, talcomonapalavrainglesa"tare".A e icácia destes vinte e um mantras tem sido comprovada por tanta

gentequenãopodeserdesprezadacomumsorriso,maspreciseidealgumtempo até chegar a uma distinção entre eles e o abracadabra de nossashistóriasdefadasocidentais.Maistarde,aprendiqueelessãoempregadospara agir em razão de certas a inidades com certos elementos daconsciência, mais profundos do que o nível do pensamento conceituai.Ainda assim, conservo dúvidas sobre como operam. Conseguirãoresultados de maneira análoga ao esfacelamento de uma vidraça, comotangerumacordadealaúdeafinadananotacerta(nestecaso,devemestarimbuídosdeumpodernãoexplicávelapenasportaisa inidades),ouagem,não por circunstâncias externas, mas sobre a pessoa que usa o mantra,inspirando- lhe uma fé que aumente seu poder para enfrentar taiscircunstâncias? Os tibetanos apresentam provas persuasivas da primeirasugestão,mas a segunda émais fácil de aceitar. Duas idéias estão sendodebatidas no moderno Ocidente: a (I) de que todas as doenças sãopsicossomáticas e a (II) de que há meios psicológicos para reduzir a"tendênciaparaacidentes". Seaceitarmosessaspremissas,nãoé ir longedemais supor que um mantra, ao despertar uma força até entãoinsuspeitadadentrodapsique,possamodificaravulnerabilidaderelativaàdoença ou ao perigo externo. Entretanto, essa maneira relativamentecientí icadeconsideraresteassuntodeixa foradeestudograndenúmerode efeitos espetaculares reivindicados pela ioga mântrica, tais como apossibilidadedecausaroudeevitarchuvasdepedra!Algumaespeculaçãosobreesseextraordinárioaspectodosmantrasseráencontradanoúltimocapítulo;nãoquesejadegrandeimportância;taismaravilhassãojulgadas

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peloslamascomodesigni icadotrivial,comparadascomousodosmantrasquesãodedicadosaoalcancedasupremarealizaçãohumana,queéaLuz.À medida que aumentava meu interesse pela verdadeira inalidade dosmantras,tambémdiminuíaminhacrençaemsuasmaravilhasexteriores—masdevoconfessarquetalcrençanuncaficouadormecida!Meuprimeiroencontro comos lamasNyingmapaaconteceuemSikkim,

terrade vales verdes e alcantilados, aninhados abaixodos lindos camposde neve de Kanchenjunga. Diferentes do Tibete, ali não há grandesmosteiros,maseremitériosqueconsistemempequenostemploscercadospelos chalés de madeira dos lamas, que podem ser monges ou leigoscasados. Se eu não tivesse um conhecimento anterior da Vajrayana,poderia facilmente partilhar da errada concepção, perpetuada pelosviajantes ocidentais que deixam a região doHimalaia, de que existe aquiuma forma de budismo tão profundamente incrustada de magia edemonologiaquemalpodeserreconhecidacomomanifestaçãodoDharmaSagrado. Os interiores bastante sombrios dos pequenos templos contêmalgumas representações dos Budas e Bodhisattvas com a expressãoserena, familiar a todos os budistas, olhos semicerrados, lábiosentreabertos por sorrisos que indicam felicidade interior; mas há muitomais representações de seres demoníacos, com chifres cruéis e garras,línguas pendentes e olhos faiscantes, mãos inumeráveis segurandohorríveis panóplias de armas, exibindo temíveis objetos como cabeças deesqueletos viradas para cima, cheias de sangue fresco. Adornadas comcolares de ossos ou cabeças cortadas, elas se ostentam sobremontes decadáveres, tanto animais quanto humanos, ou de corpos recentementeestripados que se retorcem! O que parece ter escapado aos olhos demuitosescritoresqueobscurecemoassuntoda"depravaçãoreligiosadostibetanos", foramasexpressõeseatitudesdos lamas—homenspiedosos,longe de serem desgraçados, perdidos em horríveis fantasias de luxúria,crueldade e medo, sempre exibindo aparência atraente; bondosos,generosos, facilmente levadosaoriso,nada têmdarígidasolenidadenemdo premeditado coleguismo tantas vezes encontrados nos sacerdotes deoutrospaíses;eseusolhosre letemdoçuraesabedoria,nascidasdelongacomunhão com a paz interior. Vendo-os desta maneira, pus de lado asdúvidas remanescentes, e aceitando de boa fé o que me intrigava ouentristecia, deixei quemeus lamasme orientassem como quisessem. Issofoibom,poisos lamasqueencontreiemSikkim,eosoutroscomosquaisestudeidepoisemKalimpongenoutroslugares,possuíamumariquezadedons para oferecer — tesouros de vida, tesouros da mente. Se iz má

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aplicação do conhecimento sagrado que me transmitiram, com tantotrabalho,aculpanãoterásidodeles.Seeutivesse idoprocuraresses lamasNyingmapaprontoaaceitarseu

ensinamento apenas em meus próprios termos, ou em termos doracionalismoemmim implantadona escola, se eu tivessemá vontade emdar crédito aos assuntos não apoiados pelo que eu considerava provacientí ica, tivesse eu insistido em ixar-me numa direção estritamentelógica, suponho que nada teria aprendido. Os adeptos Vajrayana,dedicados à percepção em suas próprias mentes da verdade absoluta,empregam realmentemétodos quemais parecemmágica do que ciência,acreditando que o imaginado, e portanto nascido damente, não émenosreal do que o mundo da matéria — também este criado pela mente. Aprincípiotivedúvidasereservas,maschegohojeaconcluirque,apesardeaquilo que os Mayanistas denominam verdade relativa (isto é, "verdadefactual" a respeito do que chamamos "omundo real") ser a província daciênciaeda lógica,é funçãodeumadoutrinaespiritual indicaraverdadeabsoluta, a qual, pertencendo ao não-duplo, ao indivisível, aoincomensurável, pode ser experimentado pela intuição, mas nuncaentendidopelo pensamento conceituai—vemdaí a con iança dos ioguesnas imagens vividas, na contemplação do aparentemente "faz de conta";esteprecisavestiro intangívelcomformasecores,dequeamentepossaapoderar-seenquantolutaparaselibertardossulcosmentaisproduzidospelasuaaplicaçãoexclusivaaotangível.Destemodo,aimaginaçãosetornauminstrumentomaispreciosodoqueopensamento.Ultrapassandooensinamentodoutrinário,aVajrayanaconfereênfaseà

experiência intuitiva direta. Apesar de ser uma forma especializada emcontemplação,seusadeptospenetrammaisfundodoqueaschamadasleisimutáveis que governam o ambiente externo. Há cientistas, assim comomísticos,quereconhecemavalidezpuramenterelativadessasleis—comoEinstein fez.Talvezaprópria ciênciaestabeleçaalgumdiaoupelomenoscorrobore com a necessidade de uma notável profundeza de percepçãomísticaporpartedosquedesejamdesvendara faceda realidade.Paraamaioria dos ocidentais, a percepção mística, como meio para atingir averdade,éumconceitotãopoucofamiliarquepodemosserperdoadosporacharmos totalmente bizarro o processo usado para alcançá-la. Outrarazãoparaquealgunsviajantesocidentaisinteligentes icasseminclinadosa considerar a Vajrayana uma mixórdia de superstições é o fato de elaconter tantos paralelos semelhantes ao folclore que por toda parteprecedeu o conhecimento cientí ico. Por isso ela não parece outra coisa

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senão a sobrevivência da antiga ignorância;mas, tal comobem sabemosdiscípulos de C. G.Jung, a imaginação contida no folclore possui imensosigni icadopsicológico;osqueserecusamaaceitá-lo,ouqueodesprezam,sofremperdairreparável.Apesar demeus lamas se preocuparemmais com os efeitos subjetivos

dos mantras sobre a mente dos adeptos do que com a realização demilagrespelaajudadopodermântrico,elesnuncapareciamduvidardestaúltima possibilidade, por mais que desencorajassem infrutíferascuriosidadessobreoassunto.Nummomentoconfirmavamquetaisfatosserealizavam com freqüência; noutro me repreendiam por pedir que mepermitissempresenciarumdessesmilagres.Nãoseiseacabeiporpensarque aquela relutância em dar uma demonstração, ainda que mínima,devia-se à falta de con iança em seus próprios poderes. Antes que umatotal descrença se cristalizasse em minha mente, dei com algo que meimpressionoucomosendopelomenosacorroboraçãoparcialdopoderdosmantrasemobterresultadosobjetivos.Porsorte,descobriqueocontrolemântricodossonhosépossível.Pode-seargumentarqueoqueocorrenossonhosé inteiramentesubjetivo,poisodrama todosepassanamentedequem sonha; no entanto, há uma espécie de objetividade participante,porque os sonhos não podem ser, normalmente, controlados pelaconsciência,eseuconteúdosemdúvidavariasegundoosdesejosdequemsonha.Para tornar o assunto mais claro, devo antecipar um assunto que na

verdadepertenceaopróximocapítulo,ouseja,oYidam,adeidadeinterior.As iogas relativas ao Yidam são baseadas num princípio que pode serexpressoassim:Olhe para dentro! Nenhum Buda, Bodhisattva ou deidade, nenhuma

força divina, elevada ou inferior, pode ajudá-lo a alcançar a Luz, se vocêpartir de fora. AMente é Rainha. A suamente constitui a única fonte dasabedoria e do poder iogue. Portanto, conheça suamente, reconhecendonela tudo o que é sagrado e digno da mais alta reverência. Pois a suamentetambéméaMente,aprópriasubstânciadoilimitado,onão-duplo,opróprio Absoluto! Infelizmente, a vitória no conhecer a própria mente étarefa mais penosa que se pode imaginar. Portanto, em conjunto com asabedoria devem estar os meios. Todo o Simbolismo do grande sistemaVajrayana surgiu destes dois: a sabedoria, como inalidade; os doisreunidoscomoCaminho.Naverdade,oensinamentodeBudaconduzàLuzmas não antes que seja abandonado, deixando que a sabedoria aja nointerior.

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Uma importante aplicação iogue deste princípio consiste em visualizardentrodesimesmoumadeidade,personi icandoumaspectodarealidadeque seja possível descobrir por baixo das camadas do erro nascidas noego.Essa deidade é apropriada para as necessidades do discípulo; elapersoni ica a potencialidade divina de que é dotada toda criatura, aessência encontrada no íntimo de todo indivíduo, enquanto aindatranscende todosos laços individuaisdo seunão-duplo, in inito, eterno.OYidamquemefoidesignadofoiaTaraVerde;oritoparainvocá-laenvolviaa repetição _muito freqüente do seu mantra, de modo que OM TARETÜTÃRETURESWÃHÃvoltava-mesempreàmente,qualquerque fosseoobjetodeinteresseparaaminhaatenção.Euaindanãohaviaalcançadooponto em que o mantra evolui espontaneamente, mas havia chegadobastantepertoparaqueelemeacorressede súbito àmente e aos lábiosemmomentosdecrise.Desdeainfânciatenhopesadelosperiódicosduranteosquaispossoser

ameaçado por implacáveis inimigos, ou me agacho, enquanto edi ícios àminhavoltacaememchamassobumasaraivadadebombas.Vejoviolentosjatosde fogoseremarremessados,enquantoosolo,emtodasasdireções,estremece e desaba. Às vezes, vejo-me escoltado para um local deexecução, tomadopor pensamentos fúnebres, comodar umúltimo adeusao sol nascente, preocupando-me com a idéia de como meus ilhossuportarão a vergonha de ter um pai executado, ou como minha ilhacaçula conseguirá viver sem mim. Algumas vezes, sou perseguido porserpentesouagarradoporvampiros.Essespesadelosestãosemprecheiosde detalhes horrivelmente realísticos, e minhas emoções são as de umhomem realmente envolvido em tais situações.Esses sonhos ainda mea ligem de vez em quando, mas perderam muito de seu poderaterrorizador porque, certa noite, descobri que uma rápida emissão domantra de Tara interrompia de imediato qualquer perigo ameaçador.Raramente acordo nesse ponto, mas a circunstância ameaçadora éafastada,eosonhotomaumadireçãoagradável,duranteaqualvejoumailhamontanhosaqueseerguenomeiodeummarcobertodeespuma—aPotala de Tara no Oceano do Sul — ou alguma outra cena tambémdeliciosa, na qual as cores são in initamente mais bonitas do que outracoisaqualquerqueeujátenhavistoquandoemvigília.Ocasionalmente, a formadifere.Não fazmuito tempo, sonhei que tinha

sidolevadoaumlugardecon inamento—ondeaúnicasaídaeraporumaporta bem vigiada. Não sei como, eu sabia que havia sido injustamentelevado para uma casa de doentes mentais — um cadafalso pareceria

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menos deplorável! Os atendentes, era óbvio, tinham um prazer sádicodiante de meus frenéticos apelos para ser liberado. Como sempre, omantra de Yidam não surgiu emminhamente senão quando cheguei aoponto de total desespero. Tal lembrança me trouxe um momento degrandealegria;mas,dessavez,antesqueeu tivesse tempodepronunciá-lo,umdemeusirônicoscaptoresopronunciou,elemesmo,acrescentandocomum sorriso: "0 que está esperando? Vamos, apele para seu preciosoYidam, se quer perder tempo e saliva." Fiquei apavorado! Nunca haviasentido tal desalento. Quase abandonei meu Yidam, quase! Mal ousandoesperar, pronunciei o mantra. Apesar de o efeito imediato ter sidosimplesmenteodeexcitarumaironiaquedominavameumais leve iodeesperança, dentro de instantes eu passava através da janela sem serimpedidoporsuasgrades!Algunsanosantesdeserperseguidoporestesonho,eutinhafeitooutra

descoberta que me convencera da e iciência do meu mantra Yidam. Umamigo,interessadonaaparentesimilaridadeentreaexperiênciaiogueeosestados provocados por alucinógenos, persuadiu-me a experimentarmescalina. O efeito da droga sobre mim foi terrível — de tal modo queduvido tenha alguém jamais experimentado pior "Viagem" que a minha!Bem consciente do que me cercava e ainda capaz de falar durante osestágios iniciais,comerebeber,passeiporumadilacerantedesintegraçãoacompanhada por um tormento mental quase intolerável. Eu teria dadotudo nomundo para encontrar um alívio imediato,mas era feriado e eupercorreria toda a cidade de Bangkok sem achar um médico que metratassecontraamordidadeumcãohidrófobo,emenosaindaparalivrarum tolo das conseqüências de sua tolice — ou foi isso o que pensei naocasião sendo provavelmente uma alucinação. Durante horas a agoniacontinuou, intensi icando-se em vez de diminuir. Desejei morrerliteralmente! A inal, num espírito de total desprendimento, apelei comhumildadeparameuYidam,usando,éclaro,oseumantra.Numinstante;asituação foi transformada! O horror cedeu lugar à beatitude, no mesmograudeintensidade!Vourelatarmaisumaexperiênciadequalidadediferente,masomantra

de meu Yidam fez de novo a sua parte. Em si mesmo, o incidente seriatrivialdemaisparaserdignoderelato,senãofosseporque,pelaprimeiravez, o mantra produziu um efeito inteiramente externo para mim. Sealguémsegabardopoder iogue,nãoseráapenasumímpio,mastambémencontrarámaneiraseguradeperdê-lo;noentanto,nestecaso,nãoexistenenhuma gabolice, pois o resultado, não sendo intencional, não re lete

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nenhumacapacidadeespecialdeminhaparte,massóopoderdoprópriomantra.Eu tinha ido passar alguns dias com um amigo que possuía em seu

apartamento de Hong Kong uma antiga e bela estátua de Tara Verde.Antes de me deitar, pedi incenso e uma tigela de água para usar numbreve ritual queumdemeus lamasmehavia ordenado realizar todososdias de minha vida, sem falta. Meu amigo, que eu icara conhecendo naFloresta de Reclusos quando ainda éramos ambos muito jovens, eraerudito, estudioso do budismo, masmuito conhecedor da Vajrayana. Porcuriosidade,eleperguntousepodiaestarpresenteenquantoeurealizasseo ritual, com o que concordei de boa vontade; portanto, ambos sentamosem almofadas, lado a lado, diante do relicário onde ele havia colocado aestátua da Tara Verde. Como de costume, acendi varetas de incenso edepois iniciei o que deveria ser unicamente a transformação mental datigela de água no oceano do líquido que simboliza a sabedoria. Que eusaiba, nada inesperado ocorreu; mas quando nos levantamos de nossasinclinações inais, meu amigo — sem muita surpresa — comentouserenamenteque,duranteminharecitaçãomântrica,aáguadatigelahaviaicadoverde—a cordeTara!0mantranunca tivera tal efeitoatéentão,nemexistiaa intençãodequehouvessequalquer transformação ísicadaágua.Semdúvida,ofenômenoresultoudaconjunçãodopodermântricoedo que residia na antiga estátua. Como meus pensamentos estavamvoltados para meu íntimo, eu não icara olhando a água da tigela e nãoposso dizer se na verdade ela icara verde, ou se isso havia acontecidoapenasnamentedemeuamigo;emqualquercaso,oefeitofoiexternonamedida em que o mantra que pronunciei causara algo fora de mim. Oincidente teve certa in luência sobre minha capacidade de crer emhistóriasmuitomaisespetacularesarespeitodemantras;apesardepoucoimportante, foi da mesma qualidade daqueles acontecimentosespetacularesnosquaiseutiveratantadificuldadeemacreditar.

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Capítulo4

ADEIDADEINTERIOR

Asrecordaçõesdecenasquememarcaram,duranteodesenvolvimentogradualdeminhapercepçãodeioganãosãoapenasreuniõesemtemplosgrandesoupequenos.Comoeradeesperar,algumaspercepçõespreciosassurgiramduranteashorasquepasseiemmeurelicárioaquiemBangkok.Recordo particularmenteminha alegria quando, poucosmeses depois decomeçar a praticar ioga contemplativa, pela primeira vez tudo aconteceude modo correto, com certeza porque eu havia aprendido a fazer o quedevia,semesforço.Euestavasentadodiantedomeualtarparticular,ondetremulavamvelasemduas lamparinastibetanasdeprata,o incensoardianum turíbulo oblongo com a perfuração desenhada na forma domantraOMMANIPADMEHUM,demodoquea fumaça se erguiana con iguraçãodecadaumadaquelassílabas,àmedidaque,porsuavez,asvaretaseramqueimadas. Não haviatormas, pois nunca aprendi a fazê-las; haviaoferendas de símbolos de substâncias como água pura, grãos, lores efrutas,colocadasempequenastigelasdeprata.Aindaquenenhumdessesobjetosfosseessencialàioga,eraagradáveltê-los;osrelicáriosdevemserarrumadospara icarem tão limpos e atraentesquantopossível.Atrásdoaltar,pendiaumthankarepresentandoaTaraVerde,oYidamqueeuhaviaescolhido, encarnação do "Buda nomeu coração". Com suavidade, reciteiseu mantra,vendomentalmente a igura da Tara viva com o bija-mantraTAMbrilhandonocentrodoseucoração.EmvoltadelegiravamassílabasOMTARETÜTARETURESWAHA,uma itabrilhantedefogoverde-claro,eseumovimentodestilavaumnéctarbrancoquepassavapeloaltodeminhacabeça,penetrando-aearrastandoimpurezasparafora,naformadeumafumaça negra; transformando meu corpo num vaso de cristaltransbordante de elixirmais branco do que a neve.Dentro empouco, assílabasresplandecentesseanularamdentrodoTAM,oTAMsedissolveuenadaficouanãoseraentradanumaconsciênciasemobjetivo.A contemplaçãodadeidade interior, personi icaçãodenossadivindade

inata,formaaverdadeirafundaçãodaiogamântricadirigidaparaarápidaobtenção da Iluminação. A maneira de evocar essa deidade permaneceuemsegredodurantemuito tempo, e aindaé ensinada comcircunspecção.Mesmo agora, a iniciação quase não pode ser dispensada; alémde exigir

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instruçãocorreta,elaconferemaispoder—transmissãodavirtudeioguedo lamaedetodaa linhadeseuspredecessores,queseestende,nocasodosNyingmapaseKargyupas,atéoPreciosoGuruPadmaSambhavaeatéopróprioShakyamuniBuda.NaEuropaenaAméricaa iniciação jánãoéde tão di ícil obtenção, agora que se estabeleceram lá alguns lamasrefugiados.As iniciações também servem a outro propósito: evitar resultados

malé icos devido à conduta imprópria nos rituais iogues. Como outrasforçaspoderosas,osmantras ioguespodemserusadospara construiroupara destruir. Sua função destruidora é dirigida exatamente para aobstrução interior à Iluminação, à carga do karma nesta vida e nasanteriores,masosmantraspodemserinadvertidamentemal-empregados,com perigosas conseqüências, e já houve iogues que abusaramdeliberadamentedeseuconhecimentopara insperversos.Porisso,todasas seitas esotéricas budistas — a indo-tibetana Vajrayana, a japonesaShingon e, enquanto existiu, a chinesa Mi Tsung — têm con inado ainstrução mântrica a iniciados. Até hoje, os métodos para empregarmantras importantes são preservados dos não-iniciados e, apesar deoutros,comoOMManiPADMEHUM,seremmuitousados,sãoformalmentecomunicadossódepoisdesedaremdoispassos—primeiro,umpequenowang (aumento de poder); segundo, umloong ou transmissão oral depalavrasquedevemserditaspelolamaaoouvidododiscípulo.Ofatodeassolicitações para iniciação aumentarem consideravelmente e de apermissão para escrever sobre assuntos iogues já não ser de di ícilobtençãoéemgrandepartedevidoàocupaçãodoTibetepelaChina,poisamorte ou o exílio de tantos lamas despertou preocupação a respeito dacontinuidadeda transmissãodoconhecimentosagrado. Outrarazãoéqueoslamas,movidosporumespíritodecompaixão,concordamagoracomasnecessidades de discípulos estrangeiros, que raramente podempermanecer junto de um lama o bastante para obter sua con iança eaprovação,àmaneiraantiga.Éumasortequeodeliberadoabusodosmantrasporadeptosocidentais

seja pouco provável. Em primeiro lugar, não é fácil adquirir as técnicasnecessáriasparaproduzirresultadosmalé icos;emsegundolugar,osquenãotêmreverênciapelosmantraspoucoseimportarãocomeles,aopassoque os que têm reverência estão a par dos perigos do abuso. A iogamântricafazpartedeumatradiçãoquereconhecequetodasasatividadesdocorpo,dafalaedamente,sãoboasemás,produzemconseqüênciasàsquais o autor não tem possibilidade de fugir. 0 uso impróprio do

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conhecimento iogue traz a retribuição em seu lastro. A carga kármica deumadeptoqueempregueosmantrasparalevaruminimigoàdestruiçãoéduplamente pesada: ao pecado de tirar a vida é acrescentado o deprofanaçãodoconhecimentosagrado.Abiogra iadeMilareparelataquãoduramente foi punido pelo mestre Marpa o poeta que profanou oconhecimento mântrico, quando, sendo jovem, ele o tinha usado paradestruir os perseguidores de sua família. Antes de lhe conceder sequerumamigalha de ensinamento, Marpa fez o moço sofrer anos de amargaservidão, exigindoque ele construísse casas emais casas sobredistantescumesdemorro,compedraseargilatrazidasdelongeeordenandodepoisqueeledestruísse imediatamenteascasase levassedevoltaaargilaeaspedraspara seu lugardeorigem.Comdornosmúsculos,nosmembrosecomosombroscobertosdeesfoladuras,o infelizmoçoobedecia.Marpa,éclaro,exerciasuacompaixão;causaraMilarepaumamargosofrimentonavida presente era amaneiramais adequada de reduzir a carga kármicaresultantedoseuchocanteabusodepoderesobtidosatravésdaioga.Eu não poderia descrever o pernicioso uso dos mantras mesmo que,

perversamente, desejasse fazê-lo, pois meus bondosos mestres nemsonharamemmetransmitirtalconhecimento.Oquemaissedevetemeréo mau uso não- proposital, razão importante para adquirir a instruçãocuidadosaquesesegueàiniciação.O que distingue a maneira mística iogue da de outras religiões é a

admissãodequeoEsclarecimento-Libertação- Salvaçãoprovémdonossopróprio íntimo..Aíestáachavedomaiselevadoconhecimento.Écom istoemmente que se deve procurar o verdadeiro sentido dosmantras e detodososoutrosauxíliosparaoprogressoiogue.Emtermosgerais,hádoisconceitos diferentes desta verdade. Enquanto os místicos cristãos emuçulmanos,compreendendoaexperiênciamísticaàluzdosseusdogmas,concebemcomoobterauniãocomDeus,osbudistase taoístas concebemcomorealizaroNirvanaouoTao.Asdiferentesmaneirasparadominarainalidade não são de grande importância, mas existe uma profundadiferença entreobter e realizar: oprimeiro verbo sugereuma separaçãoentreodevotoesua inalidade,quedevesersuperada;osegundoimplicanumauniãoquenunca cessoude existir,mesmoque, emmeio às ilusõesnascidas do ego, não se perceba quando acontece a realização. Aindaassim, a verdadeira experiência, quer se chame obtenção ou realização,nãodifere,poiséprodutodaintuiçãodiretadaVerdadeSuprema.Budistas e taoístas gozam da vantagem de não haver con lito entre os

que aderemaos caminhosmístico ou não-místico.Na teoria, pelomenos,

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todobudismoémístico,pois,nãoreconhecendoumcriadoronipotente,eleensina que não existe a quem agradar, ofender, aplacar e que, porconseguinte,todarealizaçãodeveseprocessardentrodopróprioíntimo.AEscola Mahayana de Budismo, da qual a Vajrayana faz parte, vai maislonge, proclamando que o universo inteiro resulta do jogo da Mente. AMenteéaúnicarealidadeeaaparente individualidadedenossasmentesinitas resulta da ignorância de nossa verdadeira natureza, que nasce deuma ilusão primordial. Essa concepção do universo é compartilhada porcertas seitas hindus, que usam uma espécie diferente de ioga mântrica;mas, como não fui iniciado em nenhuma delas, não posso descrever suaiogapor conhecimentodireto, demodoqueacheimelhornão tentar essadescrição.Místicos consumados, apesar das diferenças de terminologia,

reconhecemqueaexperiênciadauniãomísticaéamesmaparatodos.Aose tornaremconsumados, eles seelevaramacimadedogmas con litantes,do preconceito e da controvérsia. Por outro lado, os que ainda nãoprovaram a alegria mística podem icar intrigados em relação ao quemotiva uma aproximação interior única para a sabedoria.Muitoscontestamanecessidadede qualquer formade atividade espiritual, alémdaobservânciadeumrazoávelcódigodemoral.Algunschegamadestacaratéisso.Nocasodealgunsrarosafortunados,aexperiênciamísticasurgeporsi

mesma, conferindo tantabeatitudequeessasquestõesparecemridículas.Aseguir,naboasortevêmaquelesnosquaisnãoaexperiência,masumagrande sede por ela, surge espontaneamente; apesar de atormentadosenquanto sua sede não for saciada, são confortados por um pré-conhecimento intuitivo da felicidade que podem atingir.Mas, e quanto aoresto— isto é, amaioriadaspessoas?Nãoéprecisomuita re lexãoparasentiroquantoavidaépoucosatisfatória,atéquepontoelaéenfadonha,senãodetodotristonhaoutrágica;oquantosãofugazessuassatisfações,como são decepcionantes as mais vivas esperanças. Ante essa realidademelancólica e muitas vezes dolorosa, gerações de antepassados nossosprocuraram refúgionapiedade e na crençadequeo céuproporcionariacompensação por seus sofrimentos terrenos. Hoje, entretanto, essassimplescrençasperderamseupoderdeconsolo.Mas,esehouvesseumareligiãoacimadetodasasreligiões,umaverdaderesplandecenteeviva,ainspiração real de todas as religiões, freqüentemente tão malcompreendidaque sua luz quasenão é vista?Nãohámaneira deprovaraos cegos que a luz existe. É preciso que eles vençam sua cegueira e

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entendam a luz por si mesmos pois ela nunca pode ser explicada porpalavras.Quanto amim, a primeira insinuação de sua existênciame veioquandofuienvolvidopelaatmosferadealegriaedebondade,própriadaspessoas que passaram suas vidas contemplando o que existe em seuíntimo, em vez de dissipar as forças no incessante jogo dos fenômenosexteriores.Devido à circunstância de a maioria dos tibetanos estarem imersos

numaantiga e esclarecida tradição, encontra-seumnúmero su icientedelamas imbuídos de alegria, compaixão e íntima serenidade, que osconvencem de que compartilham de um segredo in initamente digno deser conhecido. É claro que eles, como os budistas em geral, não têm omonopóliodesse segredo; conheci taoístasemcujos rostos transpareciaamesma tranqüilidade abençoada, e tenho lido narrativas sobre místicoshindus, su is e cristãos com idêntica realização. Os taoístas quasedesapareceram da Terra, e os místicos aperfeiçoados são mais raros doque antes, por isso é sensato procurar mestres na região fronteiriça doHimalaia,ondeaindaflorescemasantigastradiçõescontemplativas.Ao mesmo tempo que os meios para a realização mística não são de

propriedadeexclusivadenenhuma fé,obudismooferecerealmenteduasvantagensespeciais:refreiaainsistênciasobredeterminadascrençasquemuitas vezes constituem um obstáculo para o progresso espiritual efornece toda uma panóplia de métodos contemplativos para cultivar aintuiçãodarealidade.MinhapreferênciapessoalpelaformaMahayanadebudismo é enraizada em duas circunstâncias: ela oferece uma largavariedade demeios apropriados para diferentes temperamentos e níveisde compreensão e, o que é aindamais importante, propõe claramente adoutrina da Mente como Suprema Realidade.Dentro do conjunto daMahayana, encontrei as iogas contemplativas da seita Vajrayana,particularmente inspiradoras; de outro modo eu teria di iculdade emescrever sobre mantras, pois essa é a seita que deve ser procuradaquandosebuscaumprofundoconhecimentomântrico.A doutrina Vajrayana oferece dois preciosos pontos de vista sobre a

verdade, um deles comum a todas as seitas Mahayanas, o outro é umsegredooutrorabemguardado.Sãoeles:oreconhecimentoda identidadesamsara e do Nirvana; e um conceito altamente esotérico — "Eu sou oBuda!"Samsaraéo luxouniversalemqueascriaturassãocondenadasavagar

enquanto persiste a ilusão, nascida do ego, sobre a existênciaindependente, pois nosso mundo é apenas uma fração in initesimal do

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todo. 0Nirvana é o ser- não-ser inal, alémda concepção humana, e quenãoseráalcançadoatéqueaúltimaparceladeego-ilusãonão tenha sidodescartada.Noentanto,samsaraeNirvananãosãodois!Nãosevaideumpara o outro, nem há seres individuais que façam essa transferência;existeapenasaquedadeuma ilusão,o súbito reconhecimentodas coisascomorealmentesão,arevelaçãodaverdadeiranaturezadesimesmoedetodosquantoaindapossamexistir.Parausarumasimplesanalogia—umacriançanascidaecriadanumquartoescurocomobreudeveimaginarseuambiente vazio de cor e de forma visual; então aparece a luz e tudo icagloriosamentediversi icado;noentanto,oquartoéomesmo,nadamudou,anãoseraconcepçãoqueacriançafaziasobreoseuambiente."EusouoBuda!"SeBudasigni icaoSupremo,oqueosmísticos teístas

chamam de Deus Pai, vemos que aquilo que essas tremendas palavrasencarnaméaprópriaessênciadapercepçãomística.Quemascompreendepercebequeé,aomesmotempo,oadoradoreoadorado,o individualeouniversal, um ser aparentemente insigni icante mas, na verdade, divino!Dessa percepção brotam três obrigações: tratar todos os seres, pormaisque sejam exteriormente repugnantes, como personi icações da sagradaessência; reconhecer todos os sons, por mais que ofendam os ouvidos,como componentes de sons sagrados, e recordar que qualquer coisa emtodo o universo não passa de Nirvana, por mais densas que sejam asnuvenssombriasdailusão.Portanto,aconteçaoqueacontecer,oadeptoévestido de divindade; com seus olhos de sabedoria, percebe o que ésagrado em todos os seres, em todos os sons, em todos os objetos; e seucoraçãodesabedoriageraumadesmedidacompaixão.Apartirdomomentoemqueoaspirantecomeçaaprocuraraliberação

deseuíntimo,abandonaodualismodeadoradoreadorado,ereconheceaidentidade do "próprio poder" e do "poder alheio" como fontes deinspiraçãoespiritual;osgrilhõesdaconsciênciadoegosãoquebrados;eàmedidaquesedissipaopoderdoegoilusório,asqualidadesdepaciência,clemência e compaixão lorescem.Ainda assim, grande perigo estáinerenteàliberaçãodoconceito"EusouoBuda!";malcompreendido,levaaumcomportamentogrosseiramenteirresponsáveleaumorgulhogabolaque, aumentando o ego em vez de o diminuir, envolve o aspirante aindamais no cativeiro da ilusão. Por isso, tal conhecimento era outrora ocultodos profanos; por isso, os lamas ensinam meios habilidosos paraneutralizaressegranderisco.Ninguémdevere letir"EusouoBuda"semrecordar que, no nível da verdade absoluta, não existe essa entidade, o"Eu"!

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A simples aceitaçãodadoutrinade que a divindade resideno íntimo écoisa muito diferente de experimentar intuitivamente a sua verdade;entretanto, até que essa experiência se manifeste, nada de valorpermanente foiconseguido.Paracompletarumaviagemapé,digamosdeParisaLhasa, éprecisodarumpassonadireçãosudeste;bem,aviagemcomeçoumasaindaseestátão longedeLhasacomocidadãosquesaíramde suas casas para comprar pão; mas já se está melhor do que antes,quando a viagem era considerada apenas como um plano para ir a umlugarqualquer.Assimécomoaspirante.Éporqueaviagemdaaceitaçãoaté o conhecimento da verdade é tão cheia de abismos que o budismoVajrayanaproporcionaumavariedadedemeiosparaseatingirametatãorapidamentequantopossívelàcapacidade individualdecadaum.Ambas,a tarefaeameta, sãopsicológicas,poisa longaestradacomeçae terminadentrodoespaçodeumesqueletohumano.Os mantras fazem parte dos habilidosos meios empregados desde o

começodaviagemesãousadosexatamenteatéaquelepontoaltonoqualos "meios" de toda espécie são abandonados. A ioga mântrica exige,primeiro e acima de tudo, a adoção de um Yidam, por cujo intermédioencarna-se adeidade interior. Paraosbudistasde algumasoutras seitas,sejam seguidores do Zen ou dos Theravadins, isso pode parecer umaperversão ridícula de uma de suas crenças mais caras; pois,tradicionalmente,osbudistassãoensinadosadescartar todadivindade.Éverdadeque,nonívelpopular,muitasvezesoscrentesdirigempetiçõesàsdivindadesdeoutrascrenças(hindus,taoístaseassimpordiante,segundoas localidades), mas os bene ícios que buscam nada têm a ver com oprogressoespiritual. (Certavez,ajudeiumamoçapresbiteriana, infeliznoamor,aentrarnaWalsinghamAbbeyparaacendervelasàVirgem;oqueera importante é que a fé que ela professava— comoo budismo—nãolheofereciapossibilidadesdeum inal feliz). Segundo adoutrinabudista,como todo o universo resulta do exercício da mente, não pode havernenhum criador onipotente senão ela; os deuses são apenas uma dasvárias ordens de seres que, apesar de talvez possuírem poderesinvejáveis, têmcrescimentoemorte,deacordocomumaescalade tempoapropriadaàsuanatureza.Budafalou,comfreqüência,sobredeusesnumcontextoque abarca tantosdeusesquanto os grãosde areia que existemno Ganges; ele ensinou que é inútil invocá-los para obter progressoespiritual, que depende exclusivamente do esforço individual. Noutraspalavras,devemosconsiderarosdeusescomo,digamos,panterasedel ins*—bemreais,maspertencentesaumaespéciequepoucotemavercomo

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homemespiritual.NãodevemserconfundidoscomosdeusesosBudaseBodhisattvasdo

panteãodaMahayana.NestesestáincluídooBudahistórico;mas,namaiorparte, são personi icações de forças que emanam da energia sabedoria-compaixão, gerada pela Mente. Assim, a sabedoria é personi icada porManjushri, a compaixão, por Avalokiteshvara, a perfeita atividade, porVajrapani, etc. No nível popular, são muitas vezes confundidas comdeidades e é conveniente referir-se a elas, coletivamente, por essenome;massãoreconhecidaspelosadeptosdaiogacomosendosimultaneamenteemanações da Mente que tudo abrange e, em certo sentido, criações danossaprópriamente.Voltando aos métodos da ioga mântrica, ainda que para o leigo se

pareçam com ritos teísticos, eles são na verdade soberbos métodospsicológicosparaalcançarumarealizaçãointuitivadiretasobreadeidade,em nossas mentes. Para dar ênfase à natureza especial dos objetos decontemplação, muitas vezes eu me re iro a eles como "Deidades demeditação". Qualquer delas pode ser usada como Yidam ou "deidadeinterior"doadepto, individualmente.Hácentenas,senãomilharesdelas,eestão colocadas numa hierarquia que corresponde à diferenciaçãocrescentedaenergiasabedoria-compaixão,emprogressivasdistânciasdaFonte. É vital que os adeptos aprendam a conhecer que esses riachosjorramde dentro de simesmos, pois suamente, na aparência individual,não é senão a Mente in inita; entretanto, a princípio deve-se encará-lacomo se luísse do exterior, pois então a Mente é provisoriamenteconcebida como estando "além de"; em seguida, como interior; e, a inal,como interioreexterior, já reconhecidas como idênticas.AMenteea suamentenãosãoduas!Para assisti-lo nesta realização (que deve ir muito além da simples

aceitação intelectual), o adepto recebe um Yidam que personi ica umaforma diferente da energia sabedoria- compaixão. Sobretudo na Ásia, osaspirantesestãodispostosacrer,de início,queseusYidamssãodeidadescomexistênciaprópriaquedevemserconvidadasparaumavidainterior;alémdomais, atéosaspirantesmaisavançados sãoensinadosa começarvisualizandoos Yidams como se fossemexternos; e, numestágio ulterior,devem alternar essa prática com a visualização dos Yidams como forçasinternas. À medida que os adeptos atingem níveis mais elevados, nãodevem abandonar de todo suas práticas iniciais, pois, ao passo que acontemplação de uma divindade externa leva ao erro do teísmo, acontemplação ininterrupta da deidade interior, quando a compreensão

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ainda não está amadurecida, pode levar a resultados deploráveis, dandolugaraoorgulho, aumentandoassimopoderdoego.Também,numcertosentidorestrito,oYidaméumserseparado -nãorealmenteseparadodamentedo adepto, pois a Fonte Supremaeo adepto sãoumsó, aindaqueseparados no sentido de que o Yidam, sob certos aspectos, pertence aoreinodasaparênciasnoqualasentidadesindividuaistêmrealmenteumaexistênciatransitória,poisadeidadenãorepresentaaFonteemsimesma,mas uma das energias diferenciadas que dela jorram, energias que sebifurcam e se redividem à medida que aumenta a distância da Fonte.Forças eobjetospodemser aomesmo tempo separadosenão-separados— isso é bem explicado pela doutrina de interpenetração contida noAvatamsaka (HuaYen)Sutra,queestabelecedequemaneira cadaobjetonouniversoépenetradopor—epenetra—qualqueroutroobjeto.DizerqueYidameadeptosãoseparadoséerradonumcertosentido;dizerquesão idênticos é erradonoutro sentido; vemdaí anecessidadede alternarosdoisprocessos. Issoéanálogoaoutraverdademísticaprofunda:assimcomoouniversocontémtodososseres,assimtambémcadasercontémouniverso. A contemplação do Yidam em si mesmo confere percepção detodo válida, mas o erro será evitado se se acrescentar a percepção quesurgedacontemplaçãodoYidamcomoalgoexterior.0Yidam,designadoparaumaspirantecujacapacidadeiogueseja(como

aminha)modesta, é em geral a encarnação de um riacho subsidiário daenergiasabedoria-compaixão, tais comoTara oudakini,poisesses riachossubsidiários estão mais próximos do nível da verdade relativa, à qualpertence a consciência "cotidiana", de modo que são mais fáceis deentender do que energiasmais rarefeitas, amenor distância da Fonte. Aênfaseédadasobreapráticaenãosobreacrença.Semprequeaintuiçãodireta é a inalidade, as crenças são de menor importância; portanto, aextensãoatéaqualumaspirantetemconsciênciadaverdadeiranaturezada meditação sobre deidades faz pouca diferença para o seu progresso;mais tarde, a compreensão brotará por si mesma. Assim sendo, chego apensar que a contemplação iogue que envolve a invocação do Yidampoderiaserusadaefetivamentepelosadeptosdequalquerreligião;assimcomo as formas de Yidam visualizadas pelos tibetanos são tiradas daiconogra iaindianaeBon,assimtambémaiconogra iausadapeloscristãoseporoutrospodesertomadadeempréstimodeumaiconogra iaquelhesfosse conhecida.Para que essa inovação se tornasse aceitável àsautoridades clericais, os Yidams teriam de ser representados como umaajudapsicológica para a intuição; a princípio, tal concepçãomeio limitada

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sobre a natureza dos Yidams não teria grande importância; e quandosurgissea intuição,quaisquererrosdecompreensãosecorrigiriamporsimesmos.Oscristãosnuncapuderamreconciliar-secompráticasespirituaisque acarretassem a adoração ritual de "deidades pagãs", mas isso nãoseria obstáculo. Como as deidades de meditação não são nemmais nemmenosdoquepersoni icaçõesdeenergiasintangíveis,elaspodemassumirqualquer forma associada ao temor sagrado na mente do adepto. Isto,entretanto, é pura especulação; nunca pensei em consultar lamas ousacerdotes cristãos sobre o assunto. No entanto, essa sugestão não éfrívola; seria absurdo supor que os grandes místicos do passado, quefalaramsobainspiraçãodoEspíritoSanto,oudoCristointerioredauniãocom o Deus Pai, estivessem falando de algo fundamentalmente diferentedocaminhoedafinalidadedomisticismobudista.É na invocação às deidades de meditação - com freqüência mas não

sempre o Yidam do adepto— que os mantras representam seu melhorpapel; todos os outros, ainda que espetaculares, são puramentesecundários. Cada uma dessas deidades tem um bija-mantra de umasílaba, um mantra-coração composto de várias sílabas, e algumas vezestambémummantramaislongo,etodoselesencarnamaenergiaqueessadeidadeparticularpersonifica.Os bija-mantras, além de serem, como são, as sementes que dão

nascimento às "cenas de transformação" na mente do adepto, e queformamasubstânciadasvisualizaçõesiogues,sãotambémassociadoscomoqueéconhecidoemiogacomooscentrospsíquicosdocorpo(chakras),epodemserempregadosparaestimularessescentroscomaenergiadequesãodotados.Oensinamentodizqueosbija-mantras,emparticular,devemmuitodesuae iciênciaaoshabda (somsagrado), forçamisteriosa,daqualfalareinocapítulo inal;alémdomais,oLamaGovindanosinformaqueossons têmumaqualidadediretiva—para cimaouparabaixo;horizontaisouverticais, etc.masesteéumdosváriosaspectosdosmantrasquenãopossoelucidarporcarecerdeconhecimentodeprimeiramão.Na contemplação iogue, a principal função dos bija- mantras é

inicialmentedirigiraenergiapersoni icadapeloYidamparaaimagemqueo adepto cria em sua própria mente. Enquanto o mantra-coração estásendo recitado, ele é visualizado como um círculo de sílabasbrilhantemente coloridas que giram em volta do bija-mantra,resplandecendonocentrodoYidam.Àsvezes,numlampejo,avisualizaçãoconduz a uma experiência de união com a deidade invocada; mas nãoantes que a longa prática tenha, por assim dizer, enchido os mantras

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brilhantescomoprópriosanguedoadepto,poisdevehaveroencontroeafusãodaenergiadoYidamcomadoadepto.Osmantras-coraçãonão sãogrupos de sílabas arbitrariamente inventados, mas intimamente ligadostanto com a energia invocada e com suas contrapartidas na consciênciaprofunda do adepto; provém daí o extraordinário poder de despertar aenergia adormecida de sua psique. Quando, num estágio ulterior, averdadeiranaturezadadeidadeérevelada,osvéusdailusãosãorasgadosesurgempercepçõescadavezmaisexaltadas.Um lama, ao escolher o Yidampara cadadiscípulonomomentode sua

iniciação, avalia com cuidado suas necessidades especiais. Alguns Yidamssãodotadosdeumabelezasobre-humana;assim,Taramuitasvezestomaaformadeumavirgemencantadora,etantoPadmaSambhava(oPreciosoGuru dos Nyingmapas e Kargyupas) como Manjushri Bodhisattva(corpori icação da sabedoria) aparecem às vezes com a beleza dajuventude;naverdade,oPreciosoGurupodeatéserrepresentadoporumgaroto bochechudo e de faces rosadas que mal ultrapassou a primeiraidade. Por outro lado, há Yidams de aspecto feroz que fazem gelar ocoração, alguns com muitas cabeças e membros, e com toda espécie deterríveis atributos e ornamentos. Tudo issonemde longe se assemelha à"ira de Deus" mas, pelo contrário, representa os poderes indômitosnecessáriosparaesmagaraspaixõesarraigadaseasmástendênciascomqueoegosedefendecontraosvalorososesforçosparaterminarcomsuadissolução.Oensinamentoexplicaque,quandosemorre,quandoseentrano bardo ou no estado intermediário entre a morte e o renascimento,encontramos exatamente essas formas-pensamento aterradoras que oiogue, familiarizado com elas durante suas meditações, irá reconhecercomoamigasealiadas,aopassoqueosignorantesfugirãodelaseassimseenredarão em renascimentos indesejáveis. Ao manter-se com a formaabrangente de toda a natureza do Absoluto, do qual todas essas formasdescendem, até a linda Tara tem sua forma triste e demoníaca e,inversamente,ohorrível,chamejanteYamantakadecabeçadetouro,podeser personi icado como o amável jovem Manjushri; pois é assim que setranscendeodualismo.Seosadeptosseapegassemàbelezaefugissemdohorror, se procurassem sempre a alegria e excluíssem o terror de suasmentes, como lhes seria possível alcançar o reino da não-dualidade? Sãonecessáriosnãosó"um"mas"ambos"parasechegarao"nenhum".AevocaçãodoYidamrequermaisdoqueoexercíciodeumaimaginação

exercitada e a lembrança dos muitos detalhes signi icativos. Para que aforma representada seja imbuída de vida e con ira seu poder, deve ser

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liberada uma energia misteriosa, através da recitação e visualização dosmantras adequados. Como resultado de longa prática, os adeptosconsumados são capazes de evocar tais deidades e mantrasinstantaneamenteeservir-sedeseupoder,mesmoquandonãoestásendorealizada a ioga contemplativa; mas a recitação e a visualização sãoefetivas, a não ser que a deidade invocada seja solicitada para "viver". Aprojeção de representações, por si só, não tem valor. Entretanto, talvezdevido aos mantras, a tarefa é mais fácil do que outras formas decontemplaçãomeditativa.Osmeditadoresexperimentadossabemcomoéfreqüenteacontecerque

umperíododemeditação se passe emvão, quando amente se comportamais como um cervo da loresta do que como um cavalo de batalha bemtreinado;ospensamentosrecusam-seaseafastareseexigeumtremendoesforço para realizar o que devia ser feito sem sacri ício. Se algumpraticantedemeditaçãozenoutheravadincairmuitasvezesnesseestadoinsatisfatório, sua resolução poderá desaparecer, seguindo-se o tédio e ainércia. Em tais casos, os métodos Vajrayana dão prova da maravilhosamaneiradeevitarofracasso.EnquantoalguémrecitaomantradoYidamecontempla as sílabas ardentes que giram em torno de outra e depois seamalgamam, pode ocorrer uma súbita transformação, como quando seaperta um botão e a luz inunda um quarto escuro; e então o adepto étransportadoparaumdomíniodeconsciência,beloemsuaserenidade,umestadode agudapercepção que, sendo vazio de objeto, é de inconcebívelpureza.Os métodos Ch'an (Zen) e Vajrayana, na aparência tão diferentes, na

realidadetêmmuitoemcomum.Ambossãoconhecidoscomométodosqueencurtamo caminho, devido à sua inalidade comum—oEsclarecimentonestavidamesma.Apesar de serem diferentes os seus pontos de partida, assim que o

domínio do pensamento conceitual é deixado para trás, os caminhosconvergem.QueéYidamsenãoa corpori icaçãodaMenteOriginal, formausada para cobrir o inconcebível até o ponto em que as formas sãotranscendidas? Enquanto o Ch'an (Zen) com sua austera simplicidade éidealmente apropriado para certos temperamentos, há aspirantes queconsideramqueacor,osomeomovimentoinerentesàiogacontemplativaVajrayana aumentam seus poderes de concentração; é natural que taismanifestações de forma diferenciada devam ser transcendidas por im,mas elasmesmas proporcionam o poder para realizar esse propósito—destemodo, os aliados caros ao ego são usados para a sua destruição! A

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sabedoria de Ch'an reside na sua retirada do campo de opositores emguerra;asabedoriadeVajrayanaresideemseremempregadasasarmasdos antagonistas a im de pôr em fuga seus exércitos; cada uma delas, àsuamaneira,levadiretamenteaoestadonão-dualístico.Aessênciadométodopreliminar iogueparaatingirarealizaçãomística

de nossa verdadeira natureza pela evocação da deidade interior é aseguinte:A imdequeaiogasejadetodoe iciente,oYidaméconcebidonoinício

como uma divindade externa, pois o instinto ilusório que faz os homensbuscaremumdeusexteriornãodeveserviolado,massatisfeito,atéqueoaspirante seja levado a abandoná-lo. Em breve, ele alcança a intuiçãodiretadequeoYidamresideinteriormente;emseguida,elepercebequeoYidamé interior;mais tarde, elepercebe a suaprópria identidade comoYidam e, num estágio seguinte, reconhece que o Yidam também seidenti ica com a Fonte Suprema. Assim se descobre que a separação nosdomíniosdaformaedovácuo,pelousodemeiosapropriados,éilusória.Oinconcebível é concebido quando é corpori icado conceitualmente até omomento em que cessa a necessidade de conceitos. Este processoassemelha-setãointimamenteaofaz-de-containfantilqueseficapensandopor que homens de intelecto superior se preocupam com ele, em vez decomeçarpelomaisaltoníveldecompreensãodequesãocapazes.O ponto importante é que a simples compreensão nada vale; a

experiênciaprecisadesenvolver-seaumnívelmaisprofundodoqueodointelecto; as técnicas para apressar esse desenvolvimento são maisprofundas do que parecem a princípio. O simples raciocínio não leva àexperiência perceptual da verdade que, assim como o grande contém opequeno, tambémo pequeno contémo grande, no sentido de que toda aextensão disto, e todos os universos possíveis estão inseridos dentro decadacrâniohumano!Orecursodofaz-de-contaémenosraro,comotécnicaespiritual,doque

geralmente se pensa. Por exemplo, dentro da congregação das religiõesteísticas, apesar de se considerar que Deus não tem forma, seusadoradores lhe atribuem alguma forma imaginada; de que outro modopoderiam imaginá-lo?OmétodoVajrayana simplesmente sistematizaumaabordagem que outros usam instintivamente. A Fonte Suprema,incomensurável, intangível, isentadeatributos, icanaturalmentealémdaconcepção; portanto, devem ser empregados meios para entendê-la. Aprincípio,procura-secompreenderumadesuasemanaçõesintermediáriascomcaracterísticasqueserelacionamdecertomodocomaausênciaede

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outromodocomoreinodaforma.ÉnissoqueresideosegredodoYidam— uma forma temporariamente dada à ausência de forma, e que tematributossobreosquaisamentepodeapoiar-se,masnãotãosólidaqueaausênciadesuanaturezasepercadevista,anãoserporneó itosquetêmmuito a aprender. A Vajrayana ultrapassa as religiões teísticas em suaaspiraçãoaumgraudeperfeiçãonoqualnãosóaformadadeidademasaprópriadeidadechegueaserreconhecidacomoumconceitointeiramenteprovisório.Demadrugada,antesdelevantar,oadeptorecitaomantraqueencarna

a energia do seu Yidam, que assim é invocado. Após suas abluçõesmatinais, ele se dirige ao santuário, onde são feitas oferendas como águapura, lores, incenso, lâmpadas e assim por diante, que são arrumadosdiante de uma estátua de Buda. Se possível, deve haver um quadro ouestátuadoYidam.Asoferendaspodemserdeextremasimplicidade(umasó lor ou vasilha de água), ou tão elaboradas quanto se quiser fazê-las.Tendo tocado com a cabeça no chão por três vezes, o adepto convertementalmenteogestoemoferendasdegrandemagnificência,pronunciandoomantraOMAHHUM,quandotocacadaumadelas;porestassílabas,eleaspenetracomseucorpo,falaemente,demodoquecada loroufeixedevaretasdeincensorepresentasuatotalentregapessoal.Segue-se,depois, a aceitaçãodosQuatroRefúgios - refúgionoGuru,no

Buda,noDharma(Doutrina)enoSaitigha(ComunidadeSagrada).Depois,re letindosobresuas imperfeições,oadeptoresolveabjurá-las;depoisdoqueserejubilacomosméritosdosquealcançaramarealizaçãosuprema.Seu lama, com certeza, já lhe ensinou como celebrar várias outras iogaspreliminaresdestegênero.Então, ixandoamentenaúltimametade suaprática, ele recita omantra OM SVABHAVASUDDHAH SARVA DHARMAHSVABHAVA SUDDHO HAM AH HUM, que signi ica: "Despidos de auto-identidade são todos os componentes da existência, despido de todaidentidade sou eu." Estas sílabas, estando imbuídas de poder mântrico,ajudá-lo-ãoachegarpelaintuiçãoàsublimeverdadequecontêm.A contemplação iogue do Yidam compreende mantras, mudras e

visualização e, deste modo, congrega as três faculdades: corpo, fala emente.Oadeptoobservaumvácuosemformasnoqual,desúbito,apareceuma sílaba mântrica luminosa. Isso de repente se transforma num lótusque tem como centro o bija-mantra do Yidam. Num lampejo, isso semodi ica para uma representação do Yidam, cujos detalhes de forma,claramente visualizados, transportam seu signi icado psíquico para amentedoadepto.Emseguida,pronunciandoummantra,ovividoYidamé

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invocado,penetrandona semelhançamentalmente criadaque se achanolótuse,maisumavez,apareceobija-mantra,agorarodeadopelomantra-coração—faixadesílabasfulgurantes.Pronunciando-asincontáveisvezes,o adepto completa as sílabas, à medida que giram e emitem raios quebrilhamsobreascriaturasnasdezdireções;umacorrentedeluzentraemseucorpoatravésdapartesuperiordacabeça.Então,diminuia formadoYidam,quepassaparadentrodoadeptotambémpeloaltodacabeçaevairepousar em seu coração; depois do que o adepto se sente diminuir detamanho até que ele e o Yidam se tornam coextensivos, imersos,inseparáveis. Jánão sãodois.Então, omantragiradentrode seu coraçãoúnico.DepoisassílabasseretiramparaainicialOM,queéabsorvidapelobija-mantra no centro, o qual se contrai e derrete dentro do minúsculocírculo que encabeça. Finalmente, esse círculo desaparece e nada restasenãoovácuo,poisoadepto-Yidamentrouemsamadhi—estadobeatí icode consciência sem objetivo, icando assim até quando esse estado formantidosemesforço.Ao se retirar do samadhi, o adepto oferece várias aspirações, que

sempre incluem o desejo cordial de que os Budas e seus SeresEsclarecidospermaneçamnouniverso"girandoaRodadaLei".Porúltimo,ele oferece seus próprios méritos para bene ício de todos os seressensitivos.Tendo-se unido com o adepto durante a ioga matinal, o Yidam

permanece com ele e é retido, se possível, durante o dia todo. Quando ocorpodoadeptojásetornouotemplodessesersagrado,oadeptoreforçasua percepção da unidade entre adorado e adorador, convertendomentalmentetudooquelheagrada—osabordaboacomida,adoçuradabrisaemsuapele—emoferendasparaoYidam.OmantradoYidamestáparasempreemseus lábioseemsuamente,demodoque,àmedidaquepassa o tempo, as sílabas surgem de forma espontânea. À noite, e talvezcom maior freqüência, a ioga é repetida e, ao retirar-se para dormir, oadeptousaamantraparasolicitaràdeidade,que icaacimadesuacabeça,que guarde o seu sono. Ele também pode criar uma tenda—vajra, umpavilhão protetor, cujo conteúdo é formadopor cetros-vajra entrelaçadosoupelassílabasdomantradoYidam.Entreosco-produtosimediatosdestapráticaiogueháumespecialmente

apreciado: em momentos de crise, o mantra salta para a mente de ummodo espontâneo, resultando que o adepto pode aguardar a morte comseus pensamentos ixados sobre o Yidam e com omantra do Yidam noslábios. Se por acaso amorte ocorrer antes que ele tenha alcançado uma

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percepçãodiretae intuitivadameta,pelomenosoadeptopodeesperarorenascimentoemcircunstânciasquefavorecerãoseusfuturosprogressos.Se um aspirante deseja instruir-se sobre as maravilhosas técnicas

tântricasparatransformarasenergiasgeradaspelaspaixõesempotentesarmas para destruí-las, de modo a anulá-las bem depressa, o Yidamprovavelmente será uma das divindades ferozes. Seria especialmenteperigosoadotarumadelas,anãoserqueolamadoaspiranteestejaàmãopara orientar, pois elas corpori icam energias muito poderosas,apropriadas para uma tarefa di ícil, que facilmente podem escapar aocontrole.Sobreosmaiselevadosestágiosdocaminhoioguenãopossodizermuita

coisa; meu conhecimento é muito limitado e, seja como for, não seriaadequado descrevê-los; mas é possível calcular as maravilhosasexperiências subjetivas invocadas pelos mantras na mente de um iogueconsumado.Há um bija-mantra que transforma instantaneamente o iogue na

aparênciadeumadasdivindades ferozes;elesevêcomoessadivindade;seu ser parece pulsar com tão estupendo poder e assumir tamanhavastidão que as palavras não sãomais do que pedras brilhantes em seuatalho. Assim que pronuncia essemantra, miríades de seres, réplicas desua terrível forma, extravasam de seu corpo e cobrem o céu, lutando,rechaçando obstáculos destruidores para o progresso iogue. Cada umdesses seres é imbuído, na energia corpori icada naquela sílaba, e é tãogrande o seu número que eles enchem o universo — não resta umaaberturadeespaço, tendosidodissolvidos todososobjetosouaparênciasque o espaço contém com uma sensação auditiva exaltada.Nadapermanecedacarnedoiogue,senãooquepulsaelateja.Destemodo,sãopurgadas de seu ser ilusório todas as entidades componentes, dentro eforadelas.Hámantras para invocar do Vácuo sílabas que cintilam como raios de

luz,comosóisnascentesque lançambrilhantes faixasde luzcolorida,quesedividemesubdividematéque60milhõesderaiossejamprojetados.Decertas sílabas surgem conjunções de divindades que enchemo céu antesde serem reabsorvidas e reincorporadas. De outras, brotam panoramasvastos, complexos e in initamente esplêndidos que, dissolvendo-se emraios de luz, luem de novo para as sílabas fulgurantes. As palavras nãopodem transmitir o esplendor dessas imagens; mas tentar visualizá- lassem imbuí-las com energia mântrica produziria apenas pálidascontrapartidas daquilo que os iogues são capazes de conjurar quando,

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depois do treino, que em geral signi ica passar muitos anos em totalsolidão, tiverem requintado seus poderes contemplativos e dominado detodo a prática da invocação mântrica. Então, suas mentes serão comoilamentossemosquais,aindaquepertodeumafontedeenergiaelétrica,suacasacontinuaàsescuras.Não se deve supor que toda essa fantasia psicodélica deva ser

procurada e desfrutada emproveito próprio. Toda essa riqueza de coresbrilhantes,omalabarismocomoespaço,quereduzosmundosaotamanhode pedrinhas, não tem importância a não ser que leve a uma totalcompreensãodoVazio.O ioguedevechegaraperceberqueelepróprioetodos os universos que ele contém são vazios do menor indício deexclusividade.Eledevevivenciararelatividadedovastoedominúsculo,ainterpenetração e a suprema identidade de todos os objetos e, acima detudo, o essencial vazio-não-vazio dosamsara. Assim é amente preparadaparaaconsumação-liberaçãodoencantamentodessemestredosmágicos,oego,eobtençãodafelicidadedauniãorealizada,aIluminação,oNirvana!Se,comotemo,estaspalavrasdeixaremdeinspirarumsagradotemor,a

falhaéminha.Aindatenhomuitoqueandarenãopossoescreversobreosmaiselevadosmistériosporexperiênciadireta.Entretanto,nãoaprendi arevelaçãodopróprioMistérioSublime,masapenasdeumdosmeiosparaalcançá-lo.OlivroquedescrevaosequipamentosusadospelosescaladoresdoHimalaiaéumpobresubstitutoparaquesedominemosdeslumbrantespicos de neve naquela montanha, que é a mais bela e mais sagrada detodasasmontanhas,oKanchenjunga!

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Capítulo5

ALGUNSMANTRASIOGUES

Certa vez, circunvagando pela grande stupa (chetiya) na antiga cidadedeNakornPathomnaTailândiacentral,deicomavisãomaisinesperada,ealifiqueiemtranse:umvasto,masadoravelmentegraciosoedifíciodeconemaciço e estupenda abóbada, recoberto com ladrilhos da cor do sol.EracomoseummontículodanevedeKanchenjungativessesidotransportadopara aquela planície tórrida e tremeluzente. Lá, nos jardins luxuriantes,alémda face ocidental da stupa, havia umapiscina ornamentada, de cujocentro se erguiaumaestátuadePadmaSambhava, oNascidodoLótus, o"PreciosoGuru"dosNyingmapas!NumaterraemqueaformatibetanadoBudismo é virtualmente desconhecida e não se ouve falar na seitaNyingma, encontrar uma estátua deste ser era quase tão extraordináriocomodepararcomuma iguradaVirgemnaMeca!Assombrado,euolhava,enquanto recordações me assaltavam. Quase podia ouvir a batida e acadência dos címbalos e o som excitante dos tambores rituais tibetanos.Paramim,operfumede frangipanaestavamagicamente transmudadonafragrânciado incenso tibetanotocadopeloaromamaispicanteda fumaçadas lamparinas.Atémeuouvidomais íntimovinhaocantochãodomantrado Precioso Guru elevando-se como um peã, como em alguma grandereunião tibetana,duranteaqual sãorecitadosversosemsuahonraemilvozes se juntam no mantra OM AH HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHIHUM!Essasrecordações,porsuavez,evocavamummardebenevolentesrostostibetanosiluminadospelotranse.Vivendonumacidadeondeamadrugadaérecebidaporumaesquadra

decaminhõescomdezrodas,queaumentamdevelocidadebemdiantedajanela do meu quarto, regozijo- me com as lembranças de uma regiãomajestosamente bela da Terra, onde o silêncio reina sobre os montes euma vigorosa tradição mística ainda sobrevive — uma tradição não-con inada, como no Japão, a templos que formam ilhas de tranqüilidadecercadas pelo ruído ensurdecedor da cidade moderna, mas que écompartilhadapor todos os povosde ascendência tibetana, habitantes demontes e vales que se acocoram sob a sombra dos picos de nevehimalaianos,queossobrepujam.Nessaregiãoabençoada,aindanão-poluídapelomaucheirodopetróleo

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epelolixodassacolasplásticas,sãoencontradosnãosólamassantos,masmuitos leigos em vários caminhos da vida que não são impedidos, nadurezadesualutapelaexistência,decultivaroatalhodaculturaiogue. Ali,a ioga aindamantém sua conotação adequada— "união". Isto ica muitolongedosistemadeexercíciosginásticoscomparáveisaojudôouaokaratê,que muitas vezes passam por ioga no Ocidente. Podem ser incluídosexercícios ísicos—algunsmuitoexcitantes, tais comoageraçãode calorinternoquecapacitaosadeptosasesentarem,despidos,naneveenogeloderretidoemcontatocomsuacarnemassuaiogaé,essencialmente,aiogaque existe namente, sendo seu propósito nadamenos que a experiênciamísticaexaltada, conhecidapelosbudistas comoSupremoEsclarecimento.Muitodelaconsisteempráticascontemplativas taiscomoa iogaYidamdaqualosúnicoscomponentes ísicossãoasrecitaçõesqueacompanhameasposturas sagradas. As iogas psico ísicas para se harmonizarem com oscanaisde"respiração,psíquicosedevitalidade"comointuitodealcançaraIluminaçãoaindanestavidasãoensinadasapenasaosadeptosadiantadoseoensinamentoéestritamentecon inadoainiciadosselecionados.Oqueépreciso descrever agora são as iogas contemplativas para as quais écomparativamente fácil conseguir a iniciação; os mantras incluídos jáapareceram em diversas publicações e não podem ser consideradossecretos, ainda que alguns dos seus mais elevados usos pertençam aoconhecimentosagradocujoacessoéaindacuidadosamenteguardado.Bemacimadoquepodeserchamadodebudismopopular,elassãonoentantolargamentepraticadasnumaregiãoonde lamascapacitadosparaconfeririniciações não são di íceis de encontrar. A ioga da deidade interior, emgeral,formaoâmagodapráticainiciáticadoleigotibetano,masraramenteo todo; é provável que seu lama exija dele a realização de certas iogassuplementares durante as quais algumas deidades diferentes de Yidamsão visualizadas e usados outrosmantras. Essa contemplação demais doque uma deidade deu o ensejo absurdo a uma acusação contra aVajrayana: a de que é politeísta! Nada poderia estar mais longe darealidade, pois os iniciados estão perfeitamente cientes de que existeapenas, em última fase, a fonte da sabedoria intuitiva; a corpori icaçãodesta Fonte, ou de suas emanações em várias formas, é devida aoreconhecimento de que as emanações diferenciadas da energia supremada sabedoria-compaixão pode ser percebidamais facilmente pormentesqueaindaestãolongedaIluminação.Maistarde,oadeptodescobrequehárazõespsicológicas sensatasparamuitosaspectosdaprática iogueque, aprincípio,podemparecerdevalordiscutível.

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MantrasdeApoioMesmoantesdainiciação,muitostibetanosterãoprovavelmentetomado

parteemritoscentradosnomantradacompaixão,OMMANIPADMEHUM,sobretudo aquelas evocações comunitárias de AvalokiteshvaraBodhisattva,duranteasquaisasaspiraçõespelobem-estarde indivíduos,gruposdepessoasouseressensitivosemgeralsãoimbuídospelomantracujopodertrazalgumalívioparaossofrimentos.De espécie um tanto diferente são as evocações que podem ser

denominadas "deapoio",poissãousadasemrelaçãocomgrandenúmerodeiogasdemaneiraperiférica.DeparticularimportânciaéomantraOMAHHUM.Trata-se de sílabas de grande poder; a primeira e a terceira são tão

impregnadas de signi icado quemuitas páginas seriam necessárias paraelucidar exaustivamente estemantra. Usado como "mantra de apoio", eletem tido funções principais em três casos: (1) para criar uma atmosferaritualmente pura antes de iniciar a prática mais importante; (2) paratransmudar oferendasmateriais em suas principais contrapartidas; e (3)paraservirdecompensaçãoparaummantraquefoiesquecidoouqueseignora. Neste contexto, OM, a sílaba inicial de quase todos os mantras,encarna (como sempre) um tremendo poder criador e representa oIn inito, a Mente Única, a consciência que tudo abrange e a própriaessênciadaexistência.AHmantémepreservaoqueOMcria.HUMimbuioque foi criado com energia vital, alémde submeter a paixão e destruir opensamento dualístico. Juntas, as três sílabas preparam e puri icam amentedoadeptoparaaiogaqueelevairealizar. Aofazeroferendascomoparte do antigo ritual que governa as iogas desta espécie, sendo seupropósito simbolizara renúnciadosdesejosmundanos,oadepto insereonome da substância oferecida entre a primeira e a segunda sílabas domantra, assim OM PUSHPÉÃH HU M, OM DUPHE AH RUM, quando aspalavras inseridas signi icam lores e incenso. Para substituircorretamente um mantra de saudação a uma deidade particular demediação, omantra requer a inserção do nome da deidade, assim: - OMSAMANTABHADRA AH HUM. Mantras compostos deste modo podem serusados para transpor a "energia" das deidades nomeadas para os várioscentros psíquicos (chakras) do corpo do adepto. Durante certos ritoscontemplativos, umOM é visto acima da sobrancelha da deidade, umAHvermelhoreverberaemsuagargantaeumHUMbrilhasobreseucoração;raios de luz colorida procedentes dessas sílabas penetram as partes

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correspondentesdapessoadoadepto,puri icandooseucorpo,asuafalaea sua mente ou, num nível mais profundo, sua respiração, seus canaispsíquicos e sua vitalidade. Neste caso, OM representa o Dharmakaya ouCorpoMístico (Vazio) de alguém Totalmente Iluminado; AH representa aFala Sagrada; HUM representa a Mente de Buda. Quando usado paraacompanhar oferendas, o mantra simboliza a total submissão dasfaculdadesdocorpodoadepto,suafalaemente;deoutromodo,signi icaaaspiração do adepto para se assemelhar à pureza do Buda, nessas trêsfaculdades.AssimcomoOMAHHUMpuri icaopróprioadepto,assimomantraRAM

YAM KHAM (sua pronúncia rima com a palavra inglesa come) puri ica olugar onde a ioga será realizada. A visualização que a acompanha égrandiosa e terrível. O adepto se julga sentado no centro de uma áreacercada por chamas devastadoras comoo fogo pelo qual o universo serádestruído ao inal de um kalpa: rodeando as chamas, há uma negratempestade como um turbilhão ao im de uma era; além ica um oceanocoberto de imensas ondas violentamente agitadas. Segundo a ioga, estemantra sela o ambiente do adepto, tornando-o inacessível às másin luências, que se tornam mais violentas à medida que o sucesso seaproxima,geradoporagentesaosquaisavirtudeéodiosa—agentesquetodomeditadorexperimentadoconhece.Um modo menos e iciente de puri icar a arena da ioga é recitar OM

VAJRA BHÜMI AH HUM, no qual "vajra" (adamantina) denota a não-substância do Vazio — Realidade Suprema; e "bhumi" signi icasimplesmente "local". Por meio deste mantra, um domínio de vazio semmancha, brilhante, é conjurado pela mente; o poder das sílabas OM AHHUM imbui a vizinhança do adepto com a qualidade do puro vazio e elejulga os fenômenos à sua;volta em seu estado absoluto; são entãoindistinguíveisdoGrandeVazio.

OMantradeTransmutaçãodaFalaExige-sefreqüentementedosiniciadosnumcursodeiogacontemplativa

quecomecemcadadiarecitandoummantracompostodetodasasvogaiseconsoantes do alfabeto tibeto-sânscrito, que em conjunto compreende oselementos de qualquer mantra imaginável; o propósito é levar àtransmutação da fala do adepto, no sentido de puri icar sua pronúncia àmaneiradaioga.AfórmulaNyingmapaseguintecombinaessemantracomuma recitação introdutiva que fornece a instrução para a visualizaçãorequerida:

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OMAHHUM!CrepitamlínguasdefogosdeRam2

Eformamumvajracomtrêsdentesdeluzvermelha-Dentro,oMantradaCausalidade,ComvogaiseconsoantesmântricasaoredorEmletrascomoumfiodepérolas.Delas,AluzseexpandeemoferendaseconquistaAalegriadosBudasedeseusfilhos3.

Contraindo-se,purificaafalaDeobscuridades;assim,realizaAtransmutaçãodafaladeVajra4,depoisdoqueTodosossiddhis5sãoobtidos.Agora,recita-se:AÃIIUÜRRLLEAIOAUAMAH(setevezes)KÁKHAGAGHANGACACHAJAJHANYATATHADADHANATATHADADHANAPAPHABABHAMAYARALAWASASHASAHAKSHAH(setevezes)OMYEDHARMAHETUPRABHAWAHETUNTESHANTATHAGATOHYAVADATTESHANCAYONIRODHAEVAMVÃDIMAHASRAMANAHSWAHA(setevezes)

OMantradoPreciosoGuruOsbudistasdetodasasescolaseseitasrefugiam-sediariamentenaJóia

Tríplice — o Buda, a Dharma (Doutrina) e a Samgha (comunidadesagrada).Aestas,osseguidoresdaVajrayanaacrescentamumaquarta—oGuru.QuandoosRefúgiossãorecitados,oGuruvememprimeiro lugar—NamoGurubé,NamoBuddhaya,NamoDharmaya,NamoSanghaya.Istoé para reconhecer que é ao guru do adepto e aos dos lamas de suaformação, chegando até o próprio Buda, que ele deve seu totalconhecimento dos outrosRefúgios. Como é apropriado em toda práticaiogue, a con iança no guru é absoluta. Se a sua integridade ou sabedoriaforposta emdúvida, os iogues icamnaperigosaposiçãodehomensquenavegassemao longode costas rochosasnummardesconhecido semumnavegador ou com um navegador em cujo conhecimento não tivessemcon iança! Os riscos seriam terríveis! Portanto, o que é conhecido comoguru,emioga,formaumaparteessencialdaiogaVajrayana.Os lamas Nyingmapa e os damaioria de outras seitas ensinam que os

discípulos foram iniciados nos sagrados poderes da ioga para que o

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ultrapassemodomíniodassemelhançasatéoreinobeatí icodopuroser,de modo que, percebendo sua identidade, possam apoiar-seespontaneamenteemambos, invocandoprimeirooPreciosoGuru,PadmaSambhava, Fundador da LinhagemNyingma, cuja forma, para propósitoscontemplativos, é considerada como corpori icando todos os outrosmestresdoconhecimentosagrado.Comoaformaimaginadaéumacriaçãomentalquepersoni icaoprimeirodosQuatroRefúgios,talvezaidentidadedoPreciosoGurunãosejade total importânciaparaaprática.Entretanto,ele é bem conhecido por todos os tibetanos, tanto na lenda como nahistória. A lenda conta que Padma Sambhava é assim chamado porquechegoua icarconhecidopeloshomensporsuaapariçãonumagigantescalorde lótusque lutuavasobreaságuasdeum lago,na terradeUrgyen,que em tempos antigos icava na região além da fronteira noroeste doTibete.Historicamente,eleéconhecidoportersidoumdosgrandesioguesquelevaramoBudaDharmadaíndiaparaoTibete(séculoVIId.C).Desdeessaépoca,ele temsidovenerado, logoabaixodoBuda,noscoraçõesdoshomens, pois é a cabeça-de-ponteda grande seitaVajrayanadoBudismoMahayana. Na verdade, em contextos em que a Realidade Absoluta éencaradacomoafontesupremadetodoconhecimentosagrado,aformadoPreciosoGuruéempregada,naioga,comopersoni icaçãodoDharmakaya,oCorponoqualoBudaeoAbsolutosãoindistintamenteumsó.Ensina-se que as transformações corporais do Precioso Guru são

inúmeras; convencionalmente, ele é com mais freqüência representadocomo um belo jovem ou como um homem jovem e barbudo, sentado àmaneiraiogueda"posturareal".Comosdedosdamãodireita,queseguraumaVajra (símboloda adamantinanão-substânciadoVazio), ele formaomudra da "proteção contra o obscurecimento do Dharma". Com suamãoesquerda,eleseguraumataçadecrâniohumano(quesigni icarenúncia)transbordantedeamrta(ounéctarda imortalidade)cobertaporumvasocheio da mesma não-substância. Um tridente mantido no lugar por seubraço esquerdo representa os três reinos da existência samsárica, e astrês cabeças representam ali os três Corpos místicos dos Esclarecidos,sendoumdelesumcrâniohumanoquesugereaausênciadeatributosouvazios do Dharmakaya. Todo detalhe de sua forma tem seu própriosignificadosimbólico.Duranteacontemplaçãoiogue,osNyingmapasvisualizamtodososlamas

desualinhagem,narepresentaçãodoNascidonoLótus,reverenciando-sea todos como sucessivas encarnações do Dharmakaya, na presunção dequeomaiorméritodeumguruéopoderdesuaspalavrasparatransmitir

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a luz da Realidade Absoluta. Portanto, começam sua meditação criandouma imagem mental do Precioso Guru e conferindo-lhe vida porintermédio do mantra do Guru, prestando assim homenagem à metainimaginável do comportamento místico e a toda a linhagem de mestresquemostraramocaminhoparaalcançá-lo.SejaqualforapráticaprincipaldeumadeptoNyingmapa,eledeverecitaralgunsversosde invocaçãoaoNascido no Lótus e repetir o mantra algumas centenas ou milhares devezes.Oquesesegueagoraétípicodosmuitosversosdessaespécie;elespertencem a velhos textos e foram extraídos de um sadhana (ritocontemplativo)compostopeloVenerávelChogyamTrungpaTulku:

ÓPreciosoGuru,BudadoTrípliceTempo,SenhordosPoderesSagrados,sempreemGrandeBeatitude, inclino-

meateuspés.Afastadordetodasasdificuldades,queserevelaemformairadapara

afastarilusões.Oroati,suplicandosagradadeterminação.Oroati,Lama,JóiaentreJóias,Pedindodeterminaçãoparaafastartodopensamentoindividual,Quedoravantepareçamsemsentidoascoisasmundanas,Queasagradadeterminaçãodospensamentosnãoseafaste,Queeucompreendaaminhamentecomoaincriada,não-nascida.Queainquietaçãoinatasejaapaziguada,Que minha mente se torne veículo adequado para o Atalho mais

Profundo.QueminhaobtençãodaVerdadeSupremafiquelivredeobstáculos.QueopoderdaSabedoriaedaCompaixãoseaperfeiçoeemmim.E que eu possa alcançar esta união com o Buda, o Dominador de

Vajra.

Para realizar a ioga do Precioso Guru, o adepto senta- se, pelamanhã,numlugarcalmoelimpo.ApóscertospreliminarescomoosqueprecedemacontemplaçãodoYidam,suamentetorna-seserena,não-perturbadaporpensamentospreocupantes.Desejandoobemdetodosossereseresolvidoausarqualquerpoderquealcanceparabene íciodeoutros,elevisualizaumplácido lagoazul sobreoqual lutuaum lótusgigantescoque suportadiscos lunares e solares dentro de suas pétalas bem abertas. Ali estásentada a Eterna Criança, Padma Sambhava, o Precioso Guru, que oadepto, cheio de alegria e emoção, reconhece como a representação do

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Dharmakaya,mastambémcomoarepresentaçãodeseumestreedetodosos lamas de sua iliação. Ao fazer reverência ao Precioso Guru, elereverencia a todos. Tendo orado para pedir bênção, o afastamento detodososobstáculoseaobtençãodopoderespiritual ilimitado,elecomeçasuarecitaçãodomantradoGurupeloqualaformavisualizadaédotadadeforçavitaleauniãocomoGuruécompletada:

OMAHHUMVAJRAGURUPADMASIDDHIHUM!Na tradução do Venerável Chõgyam Trungpa Tulku, o signi icado

interiordessassílabaséoseguinte:

OMéaorigem,oDharmakaya.AHéainspiração,oSambhogakaya.HUMéaexpressão,oNirmanakaya.VAJRAéauniãodessestrês.GURUéavisãointeriorqueinstrui,opontocentraldamandala.PADMAéacompaixãodestemida.SIDDHIéopoderdoReinoDharma.HUMéaunidadedessasqualidadesemnós.

Quando desaparece a visão do Precioso Guru sobrevém um estado deconsciência sem objetivo, a que se seguem certas aspirações e umadedicaçãodoméritorecém-alcançadoparaobem-estardetodososseres.OPreciosoGuru é a suprema corpori icaçãodopoder tântrico, através

doqualépossívelemancipar-sedasgarrasdopensamentodualístico,sercapaz de usar todas as energias, sejam boas ou más na origem, para arápida realização da Iluminação. Dizem que ele praticou a meditaçãousandopilhasdecadáverescomoassento,tendotransmudadoacarnedoscadáveres em puro alimento, o que é talvez uma alegoria forçada parailustraroprocessodetransmudarosujoemlimpo.Pode-sedizeromesmosobreaverdadedahistórianaqualelefoitransformadonasílabaHUMedepoisengolidoporumadakini feroz,emcujocorporecebeua iniciaçãoefoipuri icadodetodasascorrupções.Taisimagenspodemserrevoltantes;mas, a não ser que a beleza e a felicidade sejam aceitas imparcialmente,comopodesersobrepujadoopensamentodualístico?

OsMantrasdasTerríveisDivindadesOYidamescolhidoporumdiscípulonomomentodesua iniciaçãonãoé

sempreumserbonito comoTara.De acordo comas circunstâncias, pode

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ser escolhida uma das terríveis divindades, tais como Yamantaka —horripilante corpori icação do suave patrono de sabedoria e erudição,ManjushriBodhisattva.Naverdade,cadaumadasdeidadesdemeditaçãotem uma contrapartida aterrorizadora, sem a qual não haveria liberaçãopara o "bom" e o "mau" do pensamento dualístico. Até a delicada Tarapode,àsvezes,aparecercomoumadakinioudeidadefêmea,deaparênciaferoz. Contemplar as deidades em suas formas horríveis é um meio deobtertremendopoderparadestruirtodososobstáculosdoego—paixões,desejos, ilusões— criados pela ignorância, assim como negar o dualismoenvolvidonapreferênciapelasformasagradáveisaoolhar.Alguém que desconheça as características especiais do budismo

Vajrayana admitiria que a aparência diabólica deYamantakanão é outrasenãoadojovemeencantadorManjushri,devozsuave!Depeleazul,commuitas cabeças (amaior é de um touro feroz; amenor, umaminúscula esorridente cabeça de Buda acima de todas, a única que sugere que suafunçãoésecretamentebenigna),Yamantakatemincontáveismembros;asmãos,quenãoempunhamumaououtradeumavariadacoleçãodearmasassassinas, seguram objetos tão terríveis como uma taça de sangue nofeitio de um crânio humano; sob seus pés, jazem montes de cadáveres;seus ornamentos são confeccionados com ossos, esqueletos humanos ecabeçascortadas;brotamchamasdeseucorpoemtodasasdireções—noentanto, apesar de os iogues consumados o virem como um serfantasmagóricoeraivoso,cercadodefogoardente,suaproximidadenãoosatemoriza,poiselesbemsabemqueessaferocidadenãoédirigidacontraos seres humanos e pecadores, mas contra as más inclinações de suasmentesecontraoego,quedeveserdestruídoimpiedosamenteantesquese conquiste a Iluminação. Ele é a encarnação de suas paixões, cobiças eilusões, mas também dos poderes maravilhosos da transmutação pelosquais a energia geradapor esses erros éusada contra eles.As armasdeYamantaka, com suas lâminas a iadas e denteadas, são instrumentos comos quais a sabedoria corta os laços da escuridão; o horrível colar quependedeseupescoçoécompostodecabeças,nãodesereshumanos,masdepaixõesdecapitadas.Os seguidoresde tradições comaparênciamenos apavorante inclinam-

seadizerquenãohánecessidadedeumSimbolismotãobestial,masneleestácontidoalgomaisdoqueumSimbolismo;oioguedevevivenciaressasformasassustadorascomorealidadesvivascarregadasdeferozenergiaemovimento; de certomodo, ele deve aspirar o cheiro do touro e sentir obafo chamuscante das chamas comoparte de uma tremenda experiência

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psíquica, pela qual, dia após dia, as forças do ego são derrotadas.Não setratadeolhar igurasapenas,oudemeditarsobrevagasformassemvida.A Fonte-Realidade, apesar de ser, ao im, calma, remota, intangível, criatodaespéciedecontrasteviolentonoreinodasaparências.Comotudoissopode ser descartado pelos que procuram conhecer a Verdade como umtodo?Alémdomais, desde que a consciência humana contém tanta coisaegoística, violenta, cruel e profundamente enraizada, como podem essasmás tendências ser combatidas senão por forças tão implacáveis eimpiedosas como elas próprias? Destruí-las dentro do espaço de umperíodo de vida é tarefa, não para melindrosos, mas para gigantesindomáveisquevenceramomedoeoódio.Yamantaka,cujonomesigni icaVencedordaMorte,éassimdenominado

porque a contemplação de sua forma pelos iogues adequadamenteinstruídosconstituiumdospoderososmeiospelosquaisa cadeiadeumaeradenascimentoémorteésubitamentecortada.Libertandoamentedadualidade,amorteeavidasãotranscendidas,masasinclinaçõesmalé icasescondidasnasprofundezasdaconsciênciadoadeptodevemser,primeiro,levadasparaaclaridade,reconhecidaspeloquesãoedepoisdestruídas.Aforma iogue da deidade retrata simultaneamente a fealdade do mal, aenergiacausticanteeaforçaferozdevontadenecessáriasparasuarápidadestruição.A contemplaçãode formas tão plácidas como as de ChenresigoudeTaraéumremédioinsu icienteparasevenceracobiçaouapaixãodominadoras; daí, a absoluta necessidade da ioga para seres comoYamãntakaeasterríveisdakinisnuas.Quando Yamãntaka é evocado, deve haver uma resolução ardente de

apagaro tríplice fogodapaixão,dacobiçaeda ignorância.Omantrapeloqualsua formaestá imbuídadevidaéoseguinte:OMYAMÃNTAKAHUMPHAT! Os mantras de deidades lutadoras são breves! Dessas sílabas, sóPHAT(emtibetano:Pé)exigeexplicação.Suarápidaeexplosivaejaculaçãoafastamás in luências, chama de volta amente distraída para a unidadedurante a ioga contemplativa, e representa um estímulo para a visãoespiritual.Essaformadeioga,comotodasasoutras,deveterminarcomumsentimento de gratidão cordial pelo poder recebido e ser seguida peladedicaçãodomerecimentoatodososseres.

OMantradaSabedoriaedoEnsinamentoAssimcomoAvalokiteshvarapersoni icaacompaixão,acontrapartidado

benigno e encantador Manjushri personi ica a sabedoria. Não se devetemer a arma que ele mantém erguida: é a espada para Discriminar o

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Conhecimento, pela qual os laços da ignorância são destruídos. Seu outroatributo, um livro ou uma pilha de volumes, representa a Perfeição daSabedoria Sutra, quemuitos tibetanos apreciam acima de tudo. Às vezes,Manjushri é visto de pernas cruzadas sobre um lótus; maisfreqüentemente, está a cavalo sobre um tigre bonito, de aparênciaamigável.Aúnica lembrançadesuaemanaçãoodiosaéa corazulde suapele.Pelos Nyingmapas, ele é raramente tido como um Yidam, pois seacredita que ele é arisco e di icilmente atende pela forma de invocaçãohabitual; no entanto, é de presumir que os Gelugpas pensem de mododiferente,poiseleeYamãntakasãoosprincipaisguardiõesdesuaseita.Háocasiõesemqueéextremamenteapropriadobuscar suaajuda.Emgeral,ele é invocado por escritores que iniciam novas obras nos campos dasartes e do conhecimento cientí ico. Muitos livros começam com algunsversosemsuahonra,paraquenãosecometamerrosgraves.Seumantraé: OM ARAPACHANA DHI Existe a peculiaridade de que, após ter sidopronunciadováriasvezes,éentão faladocomrepetiçãomúltipladasílabainal, tornando-seOMARAPACHANADHTHDHTHDHTHDHTHDHTH. . .Comoem todososmantras, amenteéRainha.Devehaverumapoderosaaspiração para que o luxo da sabedoria brote do íntimo e também umsentimentodegratidãocordialquandoofluxoémentalmenteapreendido.

OMantradaPurificaçãoOmantraconhecidopor todosos iniciadoséodeVajrasattva, suprema

encarnaçãoda energia sabedoria- compaixão, que é retratadanoprópriocentro da mandala ou padrão esquemático que ilustra as divisões esubdivisõesdessaenergia;assim,elerepresentaoBudaSabedoriaemsuaforma pura e não-diferenciada. Como até os mais destacados adeptosdi icilmentepodemevitar umaocasional infraçãodos votos-samaya feitosporocasiãodainiciação,énecessárioquehajameiosderepararosdanos.IssoéfeitopeloadeptoquevisualizaVajrasattvasentadosobresuacabeça.Depois de invocações apropriadas e da geração do verdadeiroarrependimento pelo mal feito, são recitadas as Cem Sílabas Mantrasváriasvezes,duranteoquebrotaumbrilhantenéctarbrancodocoraçãoda deidade, passando pelo alto da cabeça do adepto, enchendogradualmente todoo seucorpoeexpelindodeseusori ícios inferioresascorrentes escuras das más inclinações que luem para as bocasescancaradas de Yama (Morte) e seus servidores reunidos numa praçasubterrânea,profunda,diretamenteabaixodeondeestásentadooadepto,realizandoseusritosdepuri icação.Quando,apósumtempoquepodeser

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paraalgunsdesconfortavelmentelongo,oadeptopercebe,segundoaioga,que seu corpo está limpo e brilha agora como um vaso de cristaltransbordante de puro néctar branco, desiste de recitar as Cem SílabasMantrasecomeçaarecitaçãodomantradocoraçãodeVajrasattva, comosegue:OMVAJRASATTVAHUM.Essassílabascintilamàsuavolta,emitindoraios de luz brilhantemente colorida — OM, branca na frente; VAJRA,amarelaàdireita;SAT,vermelhaatrás;TVA,verdeàesquerdaeHUM,azulem seu coração.Continuando essa prática pelo maior tempo possível, oadepto conclui o rito da maneira usual, culminando numa dedicação domérito.Todas essas práticas dependem do reconhecimento de que por todo o

universo,todososobjetosaparentessãonascidosdamente.0queexplicao fatodeassílabasmentalmentecriadaspoderemencherocéucomumamultidãodedeidadesbrilhanteséoseguinte:assimcomooVazio(oTao,oDeus Pai, a Mente, a Mãe do Universo) é a fonte, contingente e vida detodososfenômenos,assimcadamenteindividualmenteeocontingentedoVácuo! Sendo de natureza única e livres das leis espaciais, elas sãocoterminantes. Toda santidade e sabedoria ali residem. A verdadeiranatureza do homem transcende a mais elevada concepção de divindadejamais formulada neste ou noutrosmundos. Dentro da dimensão de seucrânio, giram galáxias inteiras. Livre do tempo e do espaço, o VastoContingente de universos tão numerosos como os grãos de areia do rioGangesestápresenteemsua inteirezadentrodamaisminúsculadesuaspartes!Mas asmentes iludidas pelo pensamento dualístico estão cegas para a

suaverdadeiranatureza;easimplesaceitaçãointelectualdaverdadenadafaz para a percepção direta de seu esplendor. Portanto, vários meioshabilidosos foram imaginados para alimentar uma percepção clara. Osmantras, gestos e visualizações empregados nestas iogas dão acesso afatores psíquicosmergulhados no nívelmais profundo da consciência doadepto. Homens analfabetos ou muito eruditos, supersticiosos ourelativamente esclarecidos podem usá-los com igual proveito, com adiferençadequeoeruditopoderáterde lutarcommaispesadacargadeobscurantismosqueohomemsimples.Aí está o verdadeiro signi icado dos mantras. Ainda que possam ser

usadosefetivamentepararealizarumavariedadedepropósitos,suamaiselevadametaéassistirocontempladordomantraparaquechegueaverface a face a sua própria divindade. Por comparação, todas as outrasfinalidadessãotriviais.

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2-RAMcorporificaaenergiadofogo.3-"FilhosdeBuda"éotermousadoparaosfiéisbudistas.4-FaladeVajrasigni icaodomdafalaquedevesertransmudadopara

aformaiogue.5-Poderes

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Capítulo6

PALAVRASDEPODER

Noscapítulosanteriores,alémdedescrevercomofui levadoaummeioondeasartesmântricasainda lorescem,estendi-meprincipalmentesobrea função dos mantras, pouco dizendo a respeito de sua natureza. Jáesclareci que, entre os tibetanos, sua função primordial está relacionadacom a ioga primitiva; e já me referi ao seu uso para obter resultadosaparentementeexternosàmentedequemoscontrola,taiscomoalívionasdoenças, mas sugeri que sua in luência em tais casos pode ser maissubjetivadoqueaprincípiopodeparecer.Mencionei, também,apesardenão ter investigado, a a irmativa de muitos tibetanos de que os mantraspodem realmente conseguir resultados miraculosos, tais como causar ouevitar tempestades de granizo. No momento, deixarei esta terceirapossibilidadeemecontentarei comasduasasserçõesdequeosmantraspodem ser usados à maneira iogue com efeitos espantosos, e de quealgumasvezesparecemoperardemodo totalmenteobjetivo,emparteounotodo.Surgemagoraduasquestões:

Qualéanaturezadosmantraseaverdadeiraexplicaçãoparaoseupoder?Se,comosesupõecomfreqüência,éapenasafénae icáciaquelheconfere

poder,haverárealnecessidadedeumagrandelinhademantras?QUALQUER mantra produziria todos os resultados realizáveis, se um

adepto adequadamente treinado estivesse convencido de sua e icácia paratodosospropósitos?

Anaturezaexatadosmantrasématériatãodi ícildeesclarecer,quemeparece melhor começar revendo o assunto num contexto global, pois hápoucas comunidades no mundo nas quais a crença generalizada nospoderestransformadoresecriativosdapalavranuncasetenhaarraigado.Comrelaçãoàpoderosa forçado shabda (somsagrado),adoutrinahindu,ensinada por algumas seitas até hoje, temparalelos antigos em conceitostais como o Logos, a harmonia das esferas e assim por diante.Possivelmente,odictumpronunciadoporConfúcio,hácercadedoismilequinhentosanos,sobreofatodeseramúsicaessencialparaagovernançadoEstado,possuiumsigni icadomais transcendentaldoqueemgeral se

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aceita.Hánosescritosdosantigosmuitaspassagenscuriosasqueatribuemumestupendo e até um supremopoder criador à divina energia do som.Emescritosulteriores,taispassagenstornam-seescassas;comexceçãodecertas seitas tântricas hindus, diminuiu a crença de que uma supremaenergia do som produziu a criação do universo; mas há vestígios dessacrença, ou de outras análogas sobre a atribuição de poder criador,transformador ou destruidor de pronunciamentos esotéricos, quesobrevivem abrangendo desde os mantras até palavras de feiticeiros.Narroalgunsexemplosaoacaso,tantopassadosquantopresentes:Há uma igura Cabalística da Árvore da Vida que, representando o

universo, tem vinte e doismembros, cada um dos quais representa umaletra do alfabeto hebraico, à qual é atribuída uma hierarquiacorrespondente de ideias.Essa noção dos sons de um alfabeto, querepresentamagicamente a totalidadeda sabedoria, faz lembraroMantradaTransmutaçãodaFala, jádescrito.AprendemoscomG.R.S.Meadquealiturgia mitraica continha fórmulas mágicas consideradas como "sons deraiz", quedavamorigema certospoderesdivinos.0 termo "sonsde raiz"traz logo àmente os bija-mantras, pois "bija" signi ica "semente". Novalisconta-nosque a faladasnoviçasde Sais eraumcantomaravilhoso, cujostons penetravamo íntimoda natureza, "dilacerando-o"; e cujas vibrações"produziam imagens de todos os fenômenos do mundo". A evocação deimagens é precisamente a função dos mantras usados na iogacontemplativa;eadesintegraçãodeentidades,emrespostaapalavrasdepoder, talvez se fundamente no ponto de vista, que será examinado nocapítulo seguinte, de que cada objeto está relacionado com um som sutilque, pronunciado, pode destruir, modi icar ou dar vida ao objetocorrespondente.Seexistemrealmente ioguescomopoderdedesintegrarobjetos ao pronunciarem mantras apropriados, o segredo deve estar noexemplo de objetos desintegrados por alguma sutil contrapartida devibração ísica. A reversão desse processomágico seria responsável peloaparecimentodeobjetossurgidosdonada.Sinto-meinclinadoamencionaressapossibilidade,apesardenãoestarabsolutamenteconvencidodeque,mesmo supondo que ocorram realmente milagres, a explicação estejanessadireção.A profundidade da passagem inicial do Evangelho de São João, talvez

raramentecompreendida,nãoéotestemunhoúnicodaexistênciadeumacrença,outrorapredominante,dequeouniversonasceudosom;atéhojepodemos encontrar na índia os que a irmam que o universo surgiu emresposta à criativa sílabaOM, e em tempos antigos houve provavelmente

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muitasculturasparaasquaisain luênciadecrençassimilaresfoidecisiva.Dispersas pelas obras dos gregos gnósticos, há passagens que levam aessaconclusão,easliturgiasdasigrejascristãscontêmoqueparecemserremanescentes claros, apesar de meio super iciais, do conhecimentoconcernenteàs sutisqualidadesdo som.Aquedadosmurosde Jericó foipor vezes encarada sob esta luz, e não é raro encontrar pessoas quea irmamque "amém" e "aleluia" têm (ou tiveramoutrora) um signi icadomântrico.Certamente,éestranhoqueessaspalavrasfossemdeixadassemtraduçãoemcontextosemquetudoomais foireproduzidoemlinguagemmoderna. Se nenhuma virtude mântrica foi jamais ligada ao som do"amém" (que a Enciclopédia Britânica garante não ser mais do que umtermo de concordância, con irmação ou desejo), não haveria razão paranão ser traduzido. Ouvi dizer que na liturgia da Igreja Ortodoxa Grega,onde aparece na formaarameen ouahmeen, seu uso émuito próximo dodos mantras. O caso do "aleluia" é de certo modo similar; pois,ostensivamente, não signi icamais do que "Deus seja louvado" (Yaveh, oSenhor); o fato de terem conservado essa palavra na sua forma originalsugerequesuavirtudeéconsideradainerenteaosom.Seráqueocostumehebreudenuncapronunciaroverdadeironomeda

divindade re lete o medo pelo poder das palavras sagradas? Talvez sejasimplesmente respeito, como os chineses evitam palavras que acasoformempartedonomepaterno,mesmoquandosejamusadascomumentecomkuang (luz) ouwen (literatura). Por outro lado, pode ser devido àcrençadequeoverdadeironomedeDeuséumapalavradeterrívelpoderque poderia destruir quem a empregasse — conceito que também temuma contrapartida chinesa, exempli icada pela deliberada pronúnciaerrada da palavra "four" em cantonês, por ser homônima do termo quesigni ica "morte" — palavra de mau agouro, cuja elocução poderiaacarretarconseqüênciasfatais.Também icamos pensando: por que a Igreja Católica prescreve

múltiplas repetições do Pai-nosso e da AveMaria se o fato de se recitaressasoraçõesnão tivesseumsigni icadoqueultrapasseo sentido?Poisosentido,longedeservalorizadopelarepetição,éporelaatenuado.Haverátalvez algumsinal de sentimento em relação aopoderdo somna tristezadespertada em alguns católicos pelo costume recém-introduzido de serezar a Missa em vernáculo, em vez de o fazer em latim? Serãoconsideradas comodiminuídas algumas virtudes sacramentais, na esteiradosconhecidossons latinos?Dentrodorebanhodo Islã, seráderivadodacrençanavirtudedosomdosagradonomeocostumedeodervixerepetir,

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horas a io, o nome de Alá? Deduzir destes exemplos vestígios de umreconhecimento, outrora largamente difundido, do podermântrico, talvezsejairlongedemais,masnãopodemosdeixardefazeressaindagação.Ashistóriasde feitiçaria emagiadãomuitovalor àspalavrasdepoder

—abracadabra é apenas uma entre uma quantidade in inda de palavrasmágicas,àsquaissãoatribuídosefeitosmiraculosos.Porteremtaisfeitiçosintenções indignas, o princípio básico não ica alterado. Além do mais, afeitiçaria muitas vezes loresce como remanescente de uma religiãooutrora respeitável, agora adulterada pela supressão e conseqüentesubstituição de seus ministros categorizados por camponeses quaseanalfabetos, em lugares afastados das sedes de cultura e autoridade, demodoquetalvezaspalavrasmágicastenhamorigemempalavrassagradasdepoder.Nemosmantrasnemosfeitiçospodemserbonsoumausemsimesmos; como espadas, podem ser postos a serviço de bons ou mauspropósitos; a e icácia que possam ter depende de um acompanhamentomental, pois seria ridículo supor que palavras pronunciadasdistraidamente sejam mais e icientes do que a tentativa de uma criançapara apressar a mudança de uma luz no tráfego para verde, gritandoabracadabra. Entretanto, não vale dizer que as palavras não têmimportância para os acontecimentos; pois, a não ser que sua pronúnciaseja uma fonte ou veículo de poder, para que deveria haver palavrasmágicas?Todososamigosaosquaisescreviindagandosobreanalogiasocidentais

com o Budismo e com os mantras hindus citaram a Prece a Jesus dosadeptos mais inclinados à mística dos ramos grego e russo da IgrejaOrtodoxa.Pessoalmente, considero tal oração mais próxima dos mantras do que

das fórmulasnien-fu (nembutsu oujapa) anteriormente descritas. Noentanto, como é provável que essas fórmulas operem de modo muitosemelhanteaodosmantras,erecebamseupoderdeumafontecomum,aPrece a Jesus é de grande interesse neste contexto. Agradeço a domSylvester Houédard pelas notas eruditas nas quais se abeberam oscomentáriosseguintes.A Prece a Jesus é uma fórmula mística que diz: "Senhor Jesus Cristo,

Filho de Deus, tem piedade de nós" (as palavras "de nós" são às vezessubstituídas por "demim, pecador"). Seja ou não resultado da inspiraçãosu i,oupossivelmentedein luênciamaisindiretaoriginadaemfontehinduou budista, ela foi usada no monte Athos dentro de um contexto iogueassimcomoconcentraçãonarespiraçãoenasbatidascardíacas, ixaçãodo

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olhar e evocação da luz interior; com freqüência, ela é usada maissimplesmentecomoumfocodeconcentraçãoiogue,sendorecitadaverbalou mentalmente sem interrupção. Das muitas referências a essa oraçãonos escritos místicos cristãos, há uma pelo Pseudo- Crisóstomo que, deimediato,relembraaiogaYidam.Éassim,emparte:

Demanhãànoite,repita... (aPrecea Jesus)Enquantocome,bebeeassimpordianteAtéqueelapenetrenocoração,Desçaàsprofundezasdocoração...OcoraçãoparaabsorveroSenhor,OSenhorparaabsorverocoraçãoAtéquesejam uma unidade. Você é também o templo e o lugar Onde praticar aoração.

Um relatório encantador sobre o uso tradicional dessa oração (sem osacompanhamentos especiais acima mencionados) está contido naautobiogra ia de um simples místico russo que fez dela o centro de suavida;estelivrofoitraduzidoparaoinglêsporR.M.FrenchsobotítulodeThe Way of a Pilgrim . Passaram-se muitos anos desde que o li; mas, seminhamemóriamerececon iança,operegrinosedispôsarecitaraoração,dia e noite, sem interrupção, demodo que ela continuava em suamentemesmoquandoconversavacomoutrosoucuidavadosseusafazeres.Suanarrativa sobre os maravilhosos resultados combina exatamente com oqueescreveramdevotoschinesese japonesessobrea invocaçãodoBudaAmitabha.Aleituradoqueelecontaésu icienteparadesmoralizaraidéiadequearepetiçãodeumasimples fórmula,diaapósdia,anoapósano,éumapráticaestéril, aindamenosumapráticaaloucada.Percebe-senelaaforça latenteeamesmaelevaçãoespiritualexaltadaqueme izeram icaralegrementehumildenapresençadossantosdevotosdoBudaAmitabha.AdomSylvesterdevotambémaseguinteinformaçãosobreumafórmula

meioparecida,usadapelossu isembuscadecomunhãomísticacomDeus.ÉconhecidacomoIsmu'zZat(NomedaEssênciaDivina)eumaversãodeladiz:"HuEl-HaiyEl-Quaiyum"(Ele,oVivo,oAuto-Subsistente).Aopassoqueissofazlembrarasfórmulasnien-fu,hátambémsu isquerecitamasílaba"Hu"ou"Huwa"apenas,mentalouoralmente,seminterrupção,práticatãopróxima da recitação da sílaba mântrica OM que icamos a pensar se écorretotraçarumalinhadivisóriaentrenien-fueapráticamântrica.Recentemente,omaiorinteressepelousodemantrashindusebudistas

fez com que o termo sânscrito "mantra" tenha passado para as línguasmodernas, mas tem sido empregado de forma um tanto incorreta. Parafalar adequadamente, osmantras, em contradição com outras invocações

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consideradassagradas(quepodem,noentanto,comotal,serconsideradasporagiremmantricamente),sãoarranjosdesílabassagradas,variandodeumaatéváriosmilharesdesílabas,cujae icácianãodependeemabsolutode seu signi icadoverbal, aindaquealgumaespéciede sentidopossa serextraídadelas.OMMANIPADMEHUMéumbomexemplodemantra,doqual apenas a primeira e a última sílabas têm realmente um sentidoverbal,emboranãodêmaisdoqueumavagasugestão.desuaverdadeiraimportância.Mesmonaquelaspartesdomundobudistaondea in luênciaVajrayana

temsidovirtualmentenula,formasdepráticasquasemântricassãomuitousadas,commaisfreqüênciadoquesupõemmuitosocidentaisconvertidosaobudismo.De fato, atémesmoa seitaCh'an (Zen), que sempreé citadapelos escritores ocidentais como rigidamente oposta a ritos, recitações eoutraspráticaslitúrgicas,fazusodosmantras;porexemplo,osmongesdeCh'an recitam diariamente o Menor Coração Sutra, obra de imensaprofundeza, que termina com as palavras GATÉ GATÉ PARAGATÉPÀRASAMGATÉBODHISVAHA.Istoédescritonessesutracomo"omantrainigualável, o aliviador de todo sofrimento" e, apesar de ter um sentidomais ou menos inteligível (Longe, longe, para bem longe, bem longe —Iluminação!), é usado sem referência ao seu sentido, sendo de fato umainvocaçãodePrajnaparamita, corpori icaçãoda sabedoria transcendental.Similarmente, tem sentido apenas super icial a referência aos budistasTheravadin do sudoeste da Ásia, como se eles não dessem valor aosmantras. 0 Sutra Mangala, cantado em casamentos, inaugurações e emoutras ocasiões festivas, é um entre vários textos cuja recitação éconsiderada auspiciosa, produtora de boa sorte. Estes e os Parittas sãorecitados para afastar doenças e, sem serem exatamente mantras, sãomuitoestimadosporseuefeitomântrico.Assim,decertomododiariamenteérecitadaa fórmulaparabuscarrefúgionaTríplice Jóia, invariavelmentecantada três vezes. A ênfase namúltipla recitação de fórmulas sagradasindica que alguma virtude, além do sentido comunicado, é-lhes inerente,que elas são portadoras de bênção ou afastam popularmente o mal;noutraspalavras,queelastêmasexatasqualidadesquesãoatribuídasaosmantras.O fatodequeessaatribuiçãodepoder semelhanteaosmantrasnãoé(ouanteriormentenãoera)detodoinconsciente,apóianousoqueosThai Theravadins fazem do termosuat mon (que signi ica literalmente"recitando mantras"), quando se referem a essa prática, pois "mon" é acontração da palavra "mantra". O uso demantras, ou de outras fórmulasverbais consideradas como imbuídas de poder, é uma característica

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daquelestiposdepráticareligiosaessencialmentemísticos.Dastrêscategoriasemquedividoosmantras—istoé,ossubjetivos,os

aparentemente objetivos e os realmente objetivos em sua maneira deoperar—, é certo que a primeira e provavelmente a segunda realmenteoperempormeiodeprocessos criativos, transformadoresedestruidores,que acontecemdentrodamentedequemosopera.Apenasosque icamnaterceiracategoriatêmumasemelhançamaisdoquesuper icialcomasmagias.Dosoutrosdois,aprimeiracategoriaésuperiormenteimportante.Hoje em dia, pelo menos, o ensinamento dos lamas sobre o assunto dosmantraséquasetotalmenterelativoaoseuusonaiogacontemplativa;elestendem a abandonar outros usos por serem pouco importantes, nãomerecendoatençãocontinuada—nãoporqueacrençanoquepoderíamoschamar de fenômenos sobrenaturais tenha diminuído,mas simplesmenteem razão de sua preocupação única com o rápido desenvolvimentoespiritualdeseusdiscípulos.Nonívelpopular,entretanto,ostibetanostêmenorme interesse pelo que são, ou parecem ser, efeitos objetivosrealizáveis por mantras provavelmente considerados mais ou menosidênticos às palavras mágicas. Muito se ouve falar de mantras que sãousadosparaafastarperigoseinfortúnios,maspoucaspessoasparecemterpensado na questão de saber se quem lida com mantras atinge ainvulnerabilidade a certas doenças por ter entrado numa transformaçãointerior ou se, na verdade, pode causar transformações em objetosexternosouemcircunstâncias.Não devemos tratar com escárnio essas crenças populares. Há provas

mais do que su icientes para indicar que alguns dos efeitos "externos"atribuídos aos mantras realmente ocorrem. Os fatos aí estão mas, nãoobstantequalquerposiçãoquesetomecomrelaçãoaeles,certosaspectospermanecem obscuros. Por exemplo: não se pode duvidar de que osmantrassãoàsvezessu icientesparaacuradedoenças,sejadoadeptooude outra pessoa. Sei disso por experiência própria, pois obtive etestemunhei, se não curas, pelo menos alívio de doenças efetuado pelosmantras.No entanto, há lamas altamente conhecidos por sua habilidadeioguequesofrempenosamentededoençasperiódicascomoasma,queeuacreditosejadecaráter"psicossomático",apontodesersuscetíveldeumtratamento subjetivo. Por que eles não se curam pela ioga? Será porquenão podem ou porque são impedidos de o fazer devido a seu íntimoconhecimento sobre a ação da lei kármica, pela convicção de que osofrimentoéjusto,eafastá-lonumaformaseriasimplesmenteadiá-loparaoutra?

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Sobreosmantrasusadospara tratarde grande variedadededoenças,os das Vinte e Uma Taras oferecem um exemplo abrangente. Já ouvirelatos devidamente documentados para que se possa duvidar de todos.Todavia acho di ícil aceitar que os mantras possam causar incêndios,inundaçõesouamainartempestades;ouforçarsoldados—possivelmentedemônios— a abandonar seus bárbaros desígnios. Entretanto, encontreipor acaso alguns artigos cientí icos que podem ser relevantes sobre oassunto.Segundo algumas autoridades, toda doença é fundamentalmentepsicossomática; se é assim, então as curas mântricas causam menossurpresa.Alémdisso,existeoconceitoda"tendênciaparaacidentes",querelatadesagradáveiscircunstânciasexternasligadasaestadosdeespírito.Quando soubermos mais sobre o indivíduo propenso a acidentes,poderemoscomeçaravislumbrarosprincípiosbaseadosnaoperaçãodosmantras das Vinte e Uma Taras. Por enquanto, devemos buscar algumaespécie de explicação, que não seja total nem particularizada, sobre aconcepção mística da mente, como fundamento, recipiente e essência detodos os fenômenos. Quando se aceita este ponto de vista, os maisespetacularesmistériosdeixamdeassombrar—ou,talvez,osmaistriviaisobjetos e circunstâncias são revelados como mistérios da mais elevadaordem, resultando daí que nada quanto a mente possa conceber pareçatotalmenteimprovável.Ao ler sobre tibetanos e ao conversar com eles, chegamos a encontrar

referênciasaoquecomumenteéconsideradocomopoderessupranormais.Hámuitoaceiteiofatodequetaispoderespodemserdesenvolvidos;poispelo fato de raramente ou nunca serem exibidos com propósito dedemonstrarsuaexistência,nãosepodedeixardetoparcomtaisexemplosquandoseviveentrepessoascomelevadotreino ióguico.Oexemplomaisdifundido, freqüentemente testemunhado, é o poder da telepatia; semdesejar fazê-lo em especial,muitos lamas bem-dotados demonstram, comseus discípulos, uma desconcertante capacidade para ler pensamentosaindanão-verbalizados, inclusive pensamentos que alguémnem sonhariaemtornaraudíveis,mesmoquetivessetaloportunidade!Issonãodeveriaparecer estranho. Se adedicaçãoa todaumavidadeárduaprática ioguedeixassedeproduzirfrutosnotáveis,ostibetanos—povomuitoprático—teriamabandonadosuaspráticasascéticas,háséculos.Emassuntosdestaordem,éclaramentedifícilapontarcomexatidãoosignificadodosmantras,poiselesconstituemapenasumdosmuitosfatoresenvolvidosnotreinodaioga, e não podem ser divorciados dos processos psíquicos queacompanhamsuarecitação.

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Por mais longe que alguém vá, tentando explicar tais assuntos emtermos subjetivos, ica-se com um sólido saldo de efeitos mântricos quedessamaneiranãopodem ser explicados; ounosdevemos recusar a darcrédito ao fato de que eles às vezes ocorrem, ou então aceitá-los comomiraculosos. De um ponto de vista não-iogue, este é o aspecto maisintrigante de todo este assunto. Nas obras de alguns dos primeirosmissionárioscristãosqueescreveramrelatossobrearegiãodoHimalaiaesobre o próprio Tibete, podem-se achar descrições de tais ocorrênciasextraordinárias, como o desaparecimento, a transformação ou amultiplicação de objetos materiais em resposta a pronunciamentosmântricos;eeudeicomumrelatosemelhante,escritonãohámuitotempoporummembrodaseitadosAdventistasdoSétimoDia(ouTestemunhasde Jeová—não posso lembrar qual). Alémdomais, há inúmeros relatostibetanos sobre lamas capazes de façanhas como criar réplicas animadasde seus próprios corpos a im de aparecer simultaneamente em duaslocalidades distantes. Nem devemos subestimar aquelas passagens dabiogra ia do grande poeta-sábio Milarepa, que descreve miraculosasocorrências durante o período anterior à sua regeneração, tais comoproduzir uma tempestade de granizo, que destruiu os perseguidores desuafamília.Naverdade,conhecimuitaspessoas,nemtodasdoTibete,quea irmamtertestemunhadooacúmuloouadispersãodenuvensdechuvamediante habilidades mântricas; uma dessas pessoas foi o ResidenteIndiano em Sikkhim, alguns anos atrás; homemmuito conhecido por suasagacidadeeerudição.Elenãoéabsolutamentedaespéciedepessoaqueinventa ou modi ica histórias de milagres apenas pelo gosto deimpressionar o auditório. Nunca ouvi os meus lamas desprezarem taisocorrênciascomoindignasdecrédito; julgoquesuarelutânciaemdiscuti-lascomigosedeviaaosentimentodequeminhacuriosidadeeraumtantorepreensível, comoadeumvisitanteaoqual fossemoferecidaspérolasejade,masinsistissecomseushospedeirosparaquelhemostrassemalgunsbrinquedos engenhosos e divertidos. Pondo de lado, delicadamente,minhasperguntas,elesmedeixavamperplexo.Se os meus lamas, de sabedoria inatacável, acreditavam quase

certamente que os objetos externos podem sofrer a ação e até seremtransformados pelo poder mântrico, penso que deve haver alguma basepara essa crença. Teoricamente, é claro, isso implica em admitir que umiogue consumado, perseguido por um tigre, faria com que a feradiminuísseaté icardotamanhodeumgatinhooudesaparecessedetodo!Bem, minha credulidade não vai tão longe; no entanto, já tenho

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testemunhado algo (admito, muito menos sensacional) parecido com talfaçanha;vicertavezumcãofurioso,ladrando,virar-sedesúbitoeretirar-se, com a cauda entre as pernas, em resposta a ummantra suavementeentoado, semqualqueracompanhamentodenaturezaagressivanosomenogesto!Destemodo, sinto-me tentadoa aceitarumprincípio, rejeitandosuas conseqüências. Talvez eu não devesse rejeitá-las; minha irmeconvicção de que o universo é uma criação mental deveria logicamenteacarretaroreconhecimentodequenada,emtodoocampodosfenômenosobjetivos, é na verdade impossível para um adepto capacitado emmanipular criaçõesmentais. Entretanto, omáximo que posso fazer nessesentido é não trancar minha mente com irmeza contra certaspossibilidadessóporquemeimpressionaramdemodobizarro.Eranaturalqueosmeus lamasdesencorajassema simples curiosidade

ou o interesse acadêmico por esses assuntos; eles achavam que umestudiosodeiogadevia icartotalmenteocupadocomousopráticodoquetivesseaprendido.Istomeobrigouadependerdaobservaçãocasualouatéda simples especulação. No capítulo seguinte, ofereço— de modo muitotentador — as sugestões de que façanhas mântricas realmenteextraordinárias podem requerer um domínio das leis do shabda (somsagrado); eque, possivelmente,muitos lamasnão têm total conhecimentodessas leis ou, ainda, não estão preparados para discuti-las; a primeirapossibilidade explicaria por que hoje a invocação de objetos surgidos donada, ou desaparecidos, seja, ainda que teoricamente possível, vista comraridade.Com relação aos efeitos subjetivos e facilmente demonstráveis dos

mantras usados na ioga contemplativa, não há lugar para dúvidas. Bastaaprender a ioga de modo correto para descobrir o poder dos mantras,cadaqualporsimesmo.Aqui,aúnicadi iculdadeestariaempersuadirosmeditadoresdeoutras crençasa aceitar as imagensdeaparência exóticacomo verdadeiras encarnações de princípios ou fenômenos psíquicos damaiselevadasantidade.Nãopossodarênfasemaiordoquea irmandoquea suprema experiência mística é a mesma para todas as crenças, sejamelasinicialmenteconcebidascomoUniãocomDeusPaioucomorealizaçãodeuniãocomaFonte,quenunca foi interrompidadesdeoprincípio,masapenasperdidadevista.Qualquerquesejaafé,seusadeptoscomcertezaperceberão isso por si mesmos quando alcançarem um estágio elevado;mas,nocomeçoedurante todoo tempoemquepersistamas imagensdequalquer espécie, os diferentes conceitos que as pessoas tiverem doSublime continuarão a colorir, não só as suas crenças pessoais, mas

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também suas experiências psíquicas. Lembro-me de certacorrespondênciaquetivehápoucotempocomumasenhoraeuropéia,queme escreveu contando como, durante experimentos com LSD visando aobjetivosreligiosos,haviadesfrutadoacomunhãocomoBudaAmitabhaecomseuguru tibetano. Sem terapretensãodequestionar tais asserções,sugeriquesuaexperiência,apesardeserdeordemespiritual,deveriaterrecebidoseuconteúdoespecí icoeseucoloridodameditaçãosobreessasduas criaturas. Em muitos casos de experiências místicas iniciais, sejamalcançadasatravésdapráticaiogueouinduzidaspordrogasouporoutrosmeios, não sepode ter certezaquanto a ser o conteúdo independentedecrençaspreconcebidaseimagensanteriormenteconhecidas;sónoestágioemqueaimagemfortranscendidaéqueacertezaéalcançada.Contudo,auniversalidadedoconteúdodaexperiênciamísticarealmente

profunda, independentemente de treino e crença, tornou-se clara paramimduranteoestágioinicialdeminhaprática.EnquantoestavanaChina,encontreiduas formasprincipaisdecomportamento iogue:um,concebidoem termos de crença religiosa bem de inida (em geral no Amitabha ouKuan Yin), o outro, em termos de abstrações de estilo zen, tais como aMenteÚnica,oGrandeVazio(ouVazio-não-Vazio),aFonteSuprema(Tao)eassimpordiante.Osadeptosdoprimeiro,queéchamadoooutro-poderiogue,emgeralsabiamdesdeocomeço,ouentãochegavamareconhecerque ameditação de Budas e Bodhisattvas invocados pormantras ou porpráticasnien-fu são apenas materializações de forças bené icas queemergem da Fonte Suprema, e para ela retornam, e que residem naconsciênciadopróprioindivíduo.Aúnicadiferençaverdadeiraentreeleseosadeptosdoautopoder iogue(taiscomoosadeptosdoZen)équeestespreferem alcançar a mesma meta sem a ajuda de materializaçõespsíquicas.O reconhecimento da validade e da subjacente identidade destes dois

caminhosdeveráestender-sealémdacomunidadebudista.AuniãomísticacomDeus,buscadapeloscristãos,usaoqueosbudistaschamamdeoutro-poderiogue,aopassoqueosbudistasMahayanainclinam-separaasduasespécies,mascomênfaseindividualnumaounoutra.Osmestreschinesese tibetanos têm sabedoria demais para insistir em que qualquer dosprincipais atalhos iogues seja intrinsecamente superior ao outro; muitacoisa depende do temperamento e das inclinações do discípulo.Pessoalmente, dou ênfase ao outro-poder iogue na minha prática (a nãoser que se considere que a ioga contemplativa contém elementos deambos), simplesmente porque o uso demantras e de subsídios similares

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leva a resultados raramente alcançáveis só pelo auto-poder iogue. Este,indubitavelmente,éoprincipalpropósitodosmantras,eaqui,pelomenos,"mágica"nenhumaéutilizada.Eles servemaopropósitoatéqueoadeptoseaproximedoápicenocaminho,ondetodasaspráticasestabelecidassãodescartadas,oucaemporsimesmas.

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Capítulo7

SHABDA,OSOMSAGRADO

O fato de que a crença no poder mântrico, ou em qualquer coisasemelhante, tenhasidooutroramaisoumenosacatadaemtodoomundo,podeencorajaralguémacrernasuarealidade,masnadafazparaelucidaraverdadeiranaturezadosmantras.Dizerqueafontedopoderéamentenãonos levamais longe, sobretudo se esse alguémacreditar, como todosos que usammantras, que tudo quanto é concebível deriva da mente. Emais:háumbomnúmerodeanedotascorrentesemcírculostibetanosque,tomadas em simesmas, levariamà conclusãodequenãohánecessidadedeumasériedemantrasdiferentes;dequeummantra(sejaaprendidoouinventado para os propósitos de alguém) seria su iciente. Aqui vão duasdessasanedotas:Uma narrativa chamadaLam-rimZin-dr'olLag-chang faladeummonge

indianoqueinterrompeuseuretiroanualduranteaestaçãochuvosaparavisitar sua mãe, supondo que ela estava sem comida e desesperada.Surpresoporvê-laalegreecomboaaparência, icouaindamaisadmiradoquando ela lhe contou que havia aprendido um mantra pelo qual, "pelopoder da Grande Deusa", ela podia fazer com que as pedras fervessem,transformando-seemalimento;mas,sendohomemdeprofundaerudição,mal a ouviu recitar o mantra, começou a corrigir numerosos erros napronúncia. Infelizmente, quando a pobre mulher recitou o mantracorretamente, provou que este era ine iciente, e então seu ilhoaconselhou-a a voltar para seu modo de recitação, e logo, graças à suagrandefé,elapôdevoltaralegrementeatransformarpedrasemcomida!NoShe-nyanTen-tsülNyong-laNé-tuK'a-wa , há uma história sobre um

tibetanoque tinhagrande féna sabedoriadosgurus indianosmaspoucoconhecimentodosânscrito.Tendoviajadoparaa índia, visitouum famosoguru num momento pouco favorável, e foi recebido com um grito "Váembora!"eumgestodeadeus.Otibetanotomouessasduascoisasporumpoderosomantra com seu respectivomudra e, repetindo-os no retiro deuma montanha, alcançou rapidamente um alto nível de realização. Aovoltarparaogurua imdelheagradecer,soubedeseuerroridículo;maso guru, em vez de repreendê-lo pela tolice, deu-lhe parabéns por terrealizado uma valiosa compreensão de uma prática não-convencional,

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devidoàsuaféinflexível!Tenho a certeza de que muitos lamas tibetanos compartilham uma

atitude liberal para comosmantras, apesar dessas anedotas; no entanto,exceto em raros casos de incomparável fé, é bem di ícil que sons toloscomo bá-bá-bá ou bu-bu-bu sejam e icientes como substitutos para osmantras; de outro modo, a grande quantidade de mantras atual não seteria expandido ou, em todo caso, ainda não seria ensinada numaseqüência de importância ascendente.Meus lamas não me esclareceramcomrelaçãoaesseassunto;naverdade, suadedicação totalaoprogressoiogue de seus discípulos era tal que essas questões logo cessaram deocupar minha mente. Igual foi minha atitude com relação aos maisespetacularesou"miraculosos"usosdosmantras;pois,àmedidaquemeusestudos progrediram, fui pensando cada vez menos neles; pois fuiconscientizado de que os verdadeiros iogues não deveriam icar muitoabalados, mesmo pela visão de um tigre mantricamente raivosotransformadoanteseusolhosnumdiminutogatinho!Amortechegaparatodosdeummodooudeoutro;podemosescapardabocadeumtigreparanos afogar-nos ignominiosamente numa lagoa, ao passo que ninguémescapadevagar, entrenascimentoenascimento,no tristeemuitasvezesdolorosodomínioda ilusão,atéquetenhaconseguidoadispersão inaldeseuego;umaajudacomoaqueosmantraspodemdarnessesentidoédeimportância duradoura. Ainda assim, seria contra a natureza que umapessoa comum como eu não tenha curiosidade alguma quanto à possíveltransformação de animais ferozes em inofensivos gatinhos — mesmocompreensivamente frustrados! O aspecto mágico dos mantras nuncaperdeu de todo sua atração para mim; e, portanto, neste capítulo inal,oferecerei algumas especulações relativas tanto à natureza dos mantrasquantoàpossibilidadedequepossamàsvezesafetarmiraculosamenteosobjetosexternos,poisqueestasduasmatériasestãodetodoligadasentresi.Há autoridades, sobretudo hindus (talvez em teoria, budistas), que

a irmam que os mantras são manifestações doshabda (o som sagrado),energia com poderes criativos, transformadores e destrutivos, tão fortesquanto os que são atribuídos pelos teístas a seu Deus (ou deuses).Infelizmente, é di ícil encontrar uma descrição clara sobre a natureza doshabda.Seriarisívelsuporque,nãoobstanteasobrasdeváriosescritoresmodernos, oshabda atue através de vibrações ísicas! Sem dúvida, asvibrações ísicasestãobemlongedosublimeconceitohindusobreopodercriador doshabda, que parece um eco das palavras de São João: "No

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começo era o Verbo. . . e o Verbo era Deus." Por outro lado, o conceitognóstico,Logos(aPalavra),deveenvolveralgumaespéciederelaçãocomosom, pois de outromodo a escolha desse termo seria inexplicável. Pensoquepodemosaceitaraexistênciadeumacorrespondênciaentreo shabdae o som comum, por mais elevado que um seja em relação ao outro. Éprovávelquesetratedeumacorrespondênciasimilaràquelaquereúneoprana-vayu(ch'iemchinês)eoarcomumquerespiramos.Apesardeque,comosabetodoadeptodaiogadarespiração,oprana (energiacósmica)élevadoaocorpoatravésdosporosedasnarinaseoarcomumnadamaisédo que seu condutor e sua contrapartida, simplesmente. Ao passo que,enquantoosomeomovimentodoarserelacionamcoma ísica,oshabdaeo prana são misteriosas energias cuja natureza só pode ser de todocompreendida,seéquepode,apenaspelosioguesmaisadiantados.Os escritores ocidentais contemporâneos parecem particularmente

inclinadosaumaerrôneaconcepção,bemdifundida,quantoaosentidodoensinamento de que todo ser — humano, animal, divino, demoníaco —toda substância e toda entidade ísica possuem uma qualidade shábdicapara a qual podem ser encontradas sílabas mântricas correspondentes.Umescritorapósoutrotemdiminuídoaestaturado shabda,baixando-aaoníveldaeletrônica.Assim,oDr.EvansWentz,apesardeterconvividocommestrestibetanoseruditos,usaotermo"grauparticulardevibração"paraindicar a qualidade shábdica de um objeto ou som sutil.Maisrecentemente,PhilipRawson,numlivrochamadoTantra,escreveusobreatextura de objetos, até de aparência muito densa, como sendo "de umaespécie relacionada comvibração"; até aí nadademais, pois é realmentepossível que um efeito shábdico de mantra sobre um objeto externo aoiogue seja sutilmente relacionado com vibração; mas o escritor continua,a irmando que tudo quanto é vivenciado como diferenças e interaçõesentre coisas materiais é devido a "padrões de interferência produzidosentre freqüências combinadas"! Seimuito pouco de ísica para ser capazde polemizar sobre o assunto, mas tenho certeza de que esse conceitodeixariapasmososexpoentestibetanosdaiogamântrica!Desde que o Lama Govinda, cujo conhecimento sobre a operação dos

mantraséprofundo,usaos termos"sutilvibração"ao falardeles,nãomeaventuro a sugerir que o termo "vibração" seja totalmente descartadosobre essa conexão, mas creio que deveria icar claríssimo que "sutisvibrações" devem ser de ordemmuito diferente das que são associadascom aeroplanos! A tolice de pensar em termos de algo como vibraçõesísicas pode ser facilmente demonstrada; as variações da sílabamântrica

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OM(porexemplo,UM)produzemosmesmosefeitosmântricosequalquervibração envolvidadeve resultardoM inal;mas, se é assim, o quedizerdos bija-mantras HUM, TAM, RAM, YAM, KHAM e muitos outros quecompartilhamdesse inalenoentantopossuemusosmântricosdeenormediferença?EquedizerdasvariantesdeOMque,apesardee icientes,nãocontêm esse M inal, por exemplo, UNG (tibetano), ANG (chinês) e ONG(japonês)?ConsideremostambémasílabadestrutivaPHAT;emsuaformasânscrita ela parecedestruidora; entretanto, chineses e tibetanos a usamefetivamente,apesardeapronunciaremmaisoumenoscomoPHÉ!Nãosedevededuzirporestesexemplosqueacorrelaçãoentreo shabda

e o som comum seja insigni icante; exatamente como o ar é o veículo doprana,assimosomdeveseroveículodoshabda.Ofatodequeexisteumarelação icou gravado em mim por experiências como a seguinte:mergulheinumaespéciedeexaltaçãoaopassarporumeremitériochinêsdas montanhas, ao pôr-do-sol e ao ouvir ressoar o bok-bok-bok de um"tambor de madeira em forma de peixe" na tranqüilidade da noite —exaltação da mesma qualidade da obtida com o auxílio dos mantras. Noquemuitaspessoaserraméematribuir importânciaexcessivaàmaneirapelaqualassílabasmântricassãopronunciadas.Estouconvencidodequeo som componente, tomado isoladamente do resto, tempouco signi icado.Se alguém não- instruído em ioga mântrica ouvisse um mantra recitadoerradamenteporumverdadeiromestre entreoutrosmestres, e se entãoele o reproduzisse com perfeição — enunciação, ritmo, vibrações, tantosutisquantogrosseiras—,oefeitoserianulo!LamaGovindaaproxima-sedo âmago da questão ao ensinar que as vibrações sutis dosmantras sãointensi icadasporassociaçõesmentaisquesecristalizamàvoltadelesportradição ou experiência individual. Segue-se que a forma da enunciação,mesmo não sendo de importância primordial, é de muito menorconseqüência em comparação com o ato mental que a acompanha. Everdade que o som sutil, quando combinado com o poder mental, podeevocar forçasadormecidasnamentedequemousa;mas,aopassoqueopodermentaldivorciadodosomsutilpodeemsimesmosermuitoe icaz,ocontrárionãoseverifica.Mesmoaceitandoa idéiadequeaqualidade shábdicadeummantraé

um componente importante de sua e iciência, essa qualidade entra emaçãoapenasquandoomantraépronunciadoporalguémadequadamenteinstruídonaartedavisualizaçãoda ioga,poisosmantrasnãotêmapenassom,mastambémformaecor;a formada imagemprototípicaousímbolocom que é associado deve ser evocada no ato da recitação, pois essa

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imageméo repositóriode toda a energiapsíquica, emocional e espiritualcomqueo adeptoadotoudurantemesesouanosdeprática iogue, juntocomaenergiapsíquicaassociadaportodososadeptosquealgumavezsetenhamconcentradosobreessa imagemousímboloparticular,desdequesurgiu.(Aceitarqueaenergiageradaporumasucessãodeioguesatravésdos séculos está presente nesses símbolos é um conceito que nãosurpreenderá os que conhecem os ensinamentos de C. G. Jung sobrearquétipos.)Talcomo icouexplicadonocapítulodadivindade interior,oslamas ensinam que o mantra apropriado para cada uma das formasdivinascontempladaspersonificamaenergiapsíquicadesse''ser".Noutraspalavras, a imagem da deidade ou da sílaba mântrica que a simboliza,visualizada pelo iogue, é um centro para as poderosas associações dopensamento, construídas à sua volta por incontáveis iogues duranteséculos e pelo próprio adepto em suas meditações; entretanto, tambémconstitui uma personi icação particular, que brota da Fonte, e é a esseaspecto que a qualidade shábdica do mantra apropriado pertenceprovavelmente. Como o som não é mais do que um símbolo do poderlatente do mantra, a pronúncia errada das sílabas não é assunto grave,pois é a intençãodoadeptoque libertaospoderesde suamente.Apesardeomantrapoderconsistiremsílabasàsquaisnenhumsentidoconceituaiestá ligado, pronunciá-las, no entanto, torna possível conjurarinstantaneamente no espírito as qualidades psíquicas com as quais seaprendeuaassociá-las.Portanto, é plausível supor que a qualidade ou poder shábdico não

reside propriamente no som produzido mas no som arquetípico querepresenta,poisentãoa igualefetividadedesonsvariadoscomoOM,UM,UNGetc.torna-sedetodoexplicávelenãosóemtermosdefé.MeuamigoGeraldYorke,denotávelerudiçãoemalgumascategoriasde

palavras de poder, chamouminha atenção para o conceitometa ísico doshabda,queprevaleceemcírculostântricoshindus.Compermissãodele,fizbreve resumo da informação que me foi oferecida. Antes, porém, devoesclarecerque,apesardeesteconceitohindupoderterimportânciabásicasobre a natureza dos mantras, é um grave erro aproximar demais oensinamento tântrico hindu e o budista; as tradições iogues dos doissistemas são por vezes diametralmente opostas, até em pontos deimportância capital; além do mais, os indianos, sendo por naturezaamantes da especulaçãometa ísica, diferemdemaneira fundamental dostibetanos e chineses, muito mais pragmáticos e objetivos; de modo que,apesardea iogatântricaeabudistabrotaremdamesmafonte,nenhuma

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baseconceituaicomumpodeserencontradaparaelas.Os mestres hindus da ioga mântrica têm fama de conferirem imensa

importância à correção do som e à vibração; a pronúncia do mantra éinacessívelaosnão- iniciados,queassim icamefetivamente impedidosdeutilizarseupoder.Ensina-sequeouniversoé"ojogodoespíritonoéterdaconsciência(chitakasha)"equeoespírito,afastando-sedeDeus,torna-seDeus-som (Shabdabrahman), e as miríades de objetos que constituem ouniverso são criações do som ou, por outra, doshabda. Além do mais, oaspectofeminino(ativo)deDeuspodeserinvocadopelafala,aopassoqueoaspectomasculino(passivo)sópodeserprocuradonosilêncio.AenergiacriadoradeDeusdásurgimentoàsubstânciasutildosom,queporsuavezse transforma numa onda que pode ser ouvida. Em certo sentido, todo ouniversoprocededeOM—atotalidadedetodosom.Háquatroplanosdoshabda—oquenão é somnemsilêncio,mas transcende a ambos; oquenão pode ser ouvido ou sequer imaginado, mas só é vivenciadodiretamente num estado iogue de consciência; o que pode ser imaginadomasnãoouvido,manifestando-seapenasemsonhoevisão;eoqueéfalaesimples ruído. Por meio do mantra OM, pode-se passar do quarto planoparaoprimeiro.Cadaruídodanaturezaéumatrindadedesom,deformae de percepção. Cada sílaba mântrica possui completa correspondênciacom a idéia que representa; daí, pela pronúncia correta da sílaba certa,sem cogitação, podemos conceber a idéia de planos ascendentes que seelevamatéDeus.Atéqueponto este ensinamento é aceitopelos iogues tibetanos eunão

sei.Setaldoutrinadefatoexisteentreeles(numaformaqueseadapteaoconceito budista de um universo sem Deus Criador), deve ser mantidacomo sagrada demais para os ouvidos dos iniciados comuns, ou então,comoparecemaisprovável,deveserconsideradameta ísicademaisparateralgumvalorpráticoparaeles.Osmestresbudistasseinteressammuitomais pela aplicação prática do conhecimento sagrado do que pela teoriasubjacente.Eu gostaria de ter adquirido um conhecimentomaior sobre o conceito

tibetano da natureza doshabda. Meus lamas nada mais izeram do quemencioná-lo de passagem como um componente do poder mântrico. Fuilevadoa formarminhaprópriahipótese, quepode terounão ter algumabase factual; ela se relaciona com a diferença que tracei atrás, entre aoperaçãosubjetivaeexternadosmantras.Nocasodaprimeira,émaisdoque claro que a exatidão da pronúncia e a entonação não têm grandeimportância, deondeminha conclusãodequeo shabda relaciona-seaqui

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com sons arquetípicos, mais do que com o som realmente produzido. Noúltimocaso,parece-meexatamentepossívelqueaperfeiçãodapronúnciasejaumingredienteessencialparaumaoperaçãomântrica.Milhares de tibetanos usam mantras efetivamente para propósitos de

ioga todososdias, aopassoqueefeitos ''mágicos" sobreobjetos externosagora são raros - apesar de, a não ser que não se levem em conta ostestemunhos, não serem desconhecidos mesmo hoje — neste século.Parecequeamaioriadoslamasnãoconhece,ouentãopreferenãoensinarsegredos shábdicos pertinentes ao uso miraculoso dos mantras. Seaceitarmos a idéia de que, em tempos anteriores, estes segredos eramlargamenteensinadosmaisdoqueagora,issoexplicariaporquehátantasreferências a operações mântricas "mágicas" na literatura tibetana. Talhipótese resolveria a contradição entre o ponto de vista de que apronúncia perfeita é de suprema importância, e outro ponto de vista,baseado na experiência de efeitos mântricos durante a contemplaçãoiogue, de que não tem importância alguma; porque daí se inferiria quecada um dos pontos de vista é correto em relação a uma ordem deobjetivos.Trata-sedeumpensamentoexcitante,poisentãosepodeaceitara idéia de que ainda hoje pode haver adeptos que, como herdeiros doconhecimento secreto transmitido através das idades, são capazes derealizarfaçanhastãoprodigiosascomocriarréplicasdeespíritosàimagemdeseuspróprioscorpos!Trata-setambémdeumpensamentoconfortador,poisainsistênciadoslamasdequetaisfatosnaverdadeocorremcriauminfeliz dilema: ou se é compelido a acreditar no quase inacreditável, ouentão, desde que em geral é impossível duvidar da boa-fé do lama, odiscípulo pode supor que o mestre é crédulo demais. Entre essasalternativas, a primeira torna-se possível apenas se alguma outraexplicação, como aquela que expus, estiver à mão; a segunda envolve oparadoxo de se atribuir simples credulidade a homens que, obviamente,sãodotadosdevisãoobjetivaeextraordinariamentesábios.É óbvio, paramim, que osmantras usados na contemplação iogue nos

conferem um tremendo poder, tanto como creio no calor do sol ou naumidade da chuva, pois tudo isto é questão de experiência direta; noentanto, a natureza doshabda permanece inde inível. Os vagosdepoimentos,comoosdequesonsespeciaistêma inidadesshábdicascomcomponentesespeciaisdaconsciênciasobreosquaisagem,deixammuitacoisainexplicada.Mastalvezsejamelhornãohavermaiorinteressesobreas razõesdopoderdeummantraou sobre amaneira comque este age.Milhões de pessoas usam a eletricidade para iluminar e aquecer suas

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casas sem compreender sua natureza ou saber como funciona. A vida écurta demais para fazermos exaustivas indagações sobre tudo aquilo deque nos servimos. Neste universo mentalmente criado, nada é o queparece, e foi o próprio Buda quem ensinou que o tempo gasto emespeculação quanto ao "porquê" das coisas seria mais bem gasto se sevivenciasseaessênciadessascoisas.Sea chuvaéproduzidapordragõescelestes,comooschinesesoutrorajulgavam,oupelacondensaçãodaáguaretirada da terra, é coisa que não faz diferença sobre o efeito da chuva.Sejamdragõesounão,semchuvasnãohácolheitas,nãohávida!Éclaroquedevemostercritérioparaobservararecitaçãodosmantras,

sobretudo porque sua e icácia é essencial para o sucesso. Pessoalmente,achoquecadatradiçãodeveserobservadatalcomoé,naformaemquefoitransmitida pelo mestre, ainda que, se alguém tem vários mestres,poderiam resultar notáveis discrepâncias. Se eu usasse todos osmantrassobre os quais recebi instrução, em outra época, pronunciaria alguns nocuriososino-japonês-sânscritousadonaFlorestadosReclusos,nãopoucosàmaneirachinesaemuitosemtibetano.Assimseja!Destemodo,tenhoféneles. A necessidade de conseguir um modo de pronunciar mantras noqual se tenha con iança é em si mesma uma razão — talvez a menosimportante e no entanto não-destituída de importância— para buscar ainiciação. 0lama que o transmite tê-lo-á recebido como transmissão oralprovindadosantigosfundadoresdesualinhagem.Da necessidade de visualizar corretamente as sílabas mântricas nasce

umproblemaespecialparaosocidentais.Certavez,pergunteiaoAssistenteJúniordeSuaSantidade,oDalaiLama,

se o efeito seria prejudicado quando os equivalentes das letras tibetanasfossem visualizados. Após cuidadosa re lexão, o Venerável lamarespondeu: "Não pode haver nenhuma virtude especial nas letrastibetanas,poiscomfreqüênciavisualizamosmantrascompostosdesílabasanotadasnumdosescritosindianosusadosparatrancrevê-los.Portanto,àprimeira vista, parece que qualquer escritura serviria. Entretanto, umaimportante feição dos alfabetos tibetano e indiano não é perceptível eminglês; nossa maneira de combinar consoantes e vogais num únicocomponente levaàvisualizaçãodesílabasmântricasqueseretraemparadentrode simesmas, contraindo-sedentrodominúsculo círculonapartesuperior(porexemplo,dentro)edesaparecendo.Pensoqueavisualizaçãode sílabas em sua forma inglesa com vogais e consoantes escritas lado aladoseriaefetiva."É preciso dar grande valor ao conselho de tão eminente autoridade.

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Apesardisso,no casodepessoasque,não conhecendoo sânscritonemotibetano,achamimpossívelrealizaressavisualizaçãonaformatradicional,não posso deixar de pensar que seria melhor visualizar os equivalentesingleses do que prescindir de toda a sua prática, pois então o uso dosmantrasseriasemdúvidainútil.Quandoalguémseinicianaiogamântricaénaturalqueindaguesobreo

sentido das sílabas;mas émelhor não icarmuito interessado nisso, poispensarsobreosigni icadoconceitualé,invariavelmente,umprejuízoparao progresso na ioga. O uso dos mantras pertence ao domínio do não-pensamento, bem conhecido pelos seguidores da seita Zen. É precisotranscender o dualismo de sujeito e objeto e as ilusórias atrações daseqüência lógica; quando se dá ênfase a isso a realização inal éprejudicada. Este ponto pode ser ilustrado por uma analogia: nas igrejasde culto cristão, amúsica representamuitas vezes grande parte; em seuequivalentebudista,raramenteexisteumacompanhamentomusicalanãoserabatidados instrumentosdepercussão.Asmelodias,mesmoquenãotenhampalavras, sedispõemao sonho— talvezexaltado,mas, seja comofor,acarretandoojogodopensamento;aopassoqueumsúbitoclangordeinstrumentosrítmicospodelançarouarrebataramenteparaodomíniodonão-pensamento. (Não é preciso dizer, mas "não-pensamento", nestecontexto,nãodenotaumestadodetorporsempensamento,nemadescidadaconsciênciadodevotoparaumníveldemadeiraoudepedrasemvida,mas a transcendência do estado habitual de consciência, um salto dapercepçãosujeito-objetoparaapercepçãoextáticadanão-dualidade.)Escreverumlivrosobremantras foicoisaparecidacomtentarprender

oarnumarede.Tantasvezes,propor-meaexplicarumadoutrinamísticafoicomoprenderoinefável—comoseissofossepossível!Osublime,descidoaoníveldosensocomum,desapareceouédiminuído.

Ao procurar compartilhar o conhecimento, é fácil demais cair no erro decriançasque, tendoacabadodeaprendera lerashoras,pensamquesãocapazesdedissecaredereajustarorelógiodopapai!Aiogacontemplativapertenceaumaelevadaordemdeconhecimentoa

cujaexplicaçãoomaissensatoéfugir;étãofácilprovocaroridículoe—oque é pior— escrever algo perigosamente errôneo. No entanto, pessoascriadasnumasociedadequedesconheceosmeiosdealcançarospoderestranscendentaisdamente estão ansiosaspor explorar tais assuntos.Mas,porestarememgeralafastadasdasfontestradicionaisdeconhecimento,acompreensão errônea facilmente surge, tal como a crença de que osmantrassãopalavrasmágicas,ouquesuaaçãoégovernadapelavibração

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ísica. Mesmo com relação à ioga, é preciso começar de algo próximo aonível do senso comum; mais tarde, à medida que o conhecimento seexpande, o senso comum pode ser atirado ao monte gigantesco do lixoonde carros enferrujados, latas usadas e fragmentos plásticos sãoempilhados, formando um monumento apropriado ao gênio do homemmodernoemroubaràvidao seumistérioeemprivaranaturezadoquelhepertence.

FIM