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Revista Brasileira de Toxicologia 22, n.1-2 (2009) 1-8 REVISTA BRASILEIRA DE TOXICOLOGIA BRAZILIAN JOURNAL OF TOXICOLOGY ©SOCIEDADE BRASILEIRA DE TOXICOLOGIA Aspectos legais e toxicológicos do descarte de medicamentos Eduardo Viviani de Carvalho, Elena Ferreira, Luciano Mucini, Carmenlucia Santos* Tecnologia em Saneamento Ambiental da Faculdade de Tecnologia da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, SP, Brasil Legal and toxicological aspects of medication discharges The incorporation of chemical substances in environmental matrices, notably medicines and some endocrine disruptors, has been a factor of increasing concern by scientific community. These compounds, that have been called “emerging contaminants”, are widely used by the modern society, and are characterized by their environmental impacts, even in low concentrations, since they interfere with the metabolism of various organisms, and result in disturbs of its population equilibrium. In this context, the medication discharge in its different forms, and the demand for strategies of management of these wastes, takes an important role. These strategies, to be worth need to consider the participation of professionals evolved at all the phases of the life cycle of medicines. This work presents a critical overview, based on a technical literature review and regulations analysis, about the effects of waste medicines on environment, especially on water bodies. Keywords: medicine waste, pharmaceuticals, emerging contaminants, environmental education, public health *Autor correspondente. Endereço para correspondência: Faculdade de Tecnologia – UNICAMP. Rua Paschoal Marmo, 1888 - Limeira, SP. CEP: 13484-332. Telefone: (+5519) 2113-3466 FAX: (+5519) 2113-3353. E-mail: carmenlucia@ft.unicamp.br ©Sociedade Brasileira de Toxicologia direitos reservados INTRODUÇÃO A presença de fármacos, cosméticos e produtos de higiene pessoal tem sido detectada em águas superficiais, subterrâneas, água para consumo humano, e até mesmo em solos sujeitos à aplicação de lodo de esgoto (1). Estes produtos são extensivamente empregados em medicina humana e veterinária e vem sendo considerados como contaminantes ambientais emergentes (2). Embora os efeitos tóxicos decorrentes da exposição ambiental aos fármacos ainda não estejam totalmente claros, estudos recentes mostram que estes compostos podem interferir no metabolismo e no comportamento dos organismos aquáticos, resultando em desequilíbrio das suas populações (2,7). Dentre os fármacos considerados de importância ambiental devido às quantidades consumidas, toxicidade e persistência no ambiente, estão os beta bloqueadores, analgésicos e anti-inflamatórios, hormônios esteroides, citostáticos e drogas para tratamento de câncer, compostos neuro-ativos, agentes redutores de lipídeos no sangue, antiparasitas e antibióticos (2,7). Resíduos de uma ampla variedade de fármacos podem entrar no ambiente através de uma rede complexa de fontes e mecanismos (8); as principais vias de entrada de fármacos no ambiente resultam do seu uso intencional, quando são eliminados por excreção após a ingestão, injeção ou infusão; da remoção de medicação tópica durante o banho; e da disposição de medicamentos vencidos ou não mais desejados no esgoto ou no lixo (9,10). Uma vez no organismo humano, uma fração do ingrediente ativo é eliminada na urina ou em menor quantidade nas fezes, sem sofrer alterações; a quantidade excretada depende do tipo de medicamento e do indivíduo. O ingrediente ativo segue então para a estação de tratamento de esgoto (ETE), onde uma parte é removida pelo tratamento (esta remoção depende do tipo de medicamento e da tecnologia de tratamento), e finalmente o efluente é lançado nos corpos hídricos (11). Os medicamentos vencidos, ou não mais desejados, que são lançados diretamente nas pias e vasos sanitários, uma prática comum, chegam às estações de tratamento de esgoto na sua forma original, sem sofrer alterações do metabolismo no corpo humano. Desta forma, podem contribuir de forma mais acentuada para a contaminação ambiental (12,13). Deste modo, a principal porta de entrada de fármacos no meio aquático, é através do efluente oriundo das estações de tratamento de esgotos, uma vez que as tecnologias convencionais de tratamento apresentam limitações na remoção de uma variedade de fármacos. Zhou et al. (14) avaliaram as concentrações de onze fármacos em três estações ABSTRACT

24 - Aspectos Legais e Toxicologicos Do Descarte de Medicamentos

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Revista Brasileira de Toxicologia 22, n.1-2 (2009) 1-8

REVISTA BRASILEIRADE TOXICOLOGIA

BRAZILIAN JOURNALOF TOXICOLOGY

©SOCIEDADE BRASILEIRA DE TOXICOLOGIA

Aspectos legais e toxicológicos do descarte de medicamentos

Eduardo Viviani de Carvalho, Elena Ferreira, Luciano Mucini, Carmenlucia Santos*

Tecnologia em Saneamento Ambiental da Faculdade de Tecnologia da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, SP, Brasil

Legal and toxicological aspects of medication discharges

The incorporation of chemical substances in environmental matrices, notably medicines and some endocrine disruptors, has been a factor of increasing concern by scientific community. These compounds, that have been called “emerging contaminants”, are widely used by the modern society, and are characterized by their environmental impacts, even in low concentrations, since they interfere with the metabolism of various organisms, and result in disturbs of its population equilibrium. In this context, the medication discharge in its different forms, and the demand for strategies of management of these wastes, takes an important role. These strategies, to be worth need to consider the participation of professionals evolved at all the phases of the life cycle of medicines. This work presents a critical overview, based on a technical literature review and regulations analysis, about the effects of waste medicines on environment, especially on water bodies.

Keywords: medicine waste, pharmaceuticals, emerging contaminants, environmental education, public health

*Autor correspondente. Endereço para correspondência: Faculdade de Tecnologia – UNICAMP. Rua Paschoal Marmo, 1888 - Limeira, SP. CEP: 13484-332. Telefone: (+5519) 2113-3466 FAX: (+5519) 2113-3353. E-mail: [email protected]

©Sociedade Brasileira de Toxicologia direitos reservados

InTRODuçãO

A presença de fármacos, cosméticos e produtos de higiene pessoal tem sido detectada em águas superficiais, subterrâneas, água para consumo humano, e até mesmo em solos sujeitos à aplicação de lodo de esgoto (1). Estes produtos são extensivamente empregados em medicina humana e veterinária e vem sendo considerados como contaminantes ambientais emergentes (2).

Embora os efeitos tóxicos decorrentes da exposição ambiental aos fármacos ainda não estejam totalmente claros, estudos recentes mostram que estes compostos podem interferir no metabolismo e no comportamento dos organismos aquáticos, resultando em desequilíbrio das suas populações (2,7). Dentre os fármacos considerados de importância ambiental devido às quantidades consumidas, toxicidade e persistência no ambiente, estão os beta bloqueadores, analgésicos e anti-inflamatórios, hormônios esteroides, citostáticos e drogas para tratamento de câncer, compostos neuro-ativos, agentes redutores de lipídeos no sangue, antiparasitas e antibióticos (2,7).

Resíduos de uma ampla variedade de fármacos podem entrar no ambiente através de uma rede complexa de fontes e mecanismos (8); as principais vias de entrada de fármacos no ambiente resultam do seu uso intencional, quando são eliminados por excreção após a ingestão, injeção ou infusão; da remoção de medicação tópica durante o banho; e da disposição de medicamentos vencidos ou não mais desejados no esgoto ou no lixo (9,10).

Uma vez no organismo humano, uma fração do ingrediente ativo é eliminada na urina ou em menor quantidade nas fezes, sem sofrer alterações; a quantidade excretada depende do tipo de medicamento e do indivíduo. O ingrediente ativo segue então para a estação de tratamento de esgoto (ETE), onde uma parte é removida pelo tratamento (esta remoção depende do tipo de medicamento e da tecnologia de tratamento), e finalmente o efluente é lançado nos corpos hídricos (11). Os medicamentos vencidos, ou não mais desejados, que são lançados diretamente nas pias e vasos sanitários, uma prática comum, chegam às estações de tratamento de esgoto na sua forma original, sem sofrer alterações do metabolismo no corpo humano. Desta forma, podem contribuir de forma mais acentuada para a contaminação ambiental (12,13).

Deste modo, a principal porta de entrada de fármacos no meio aquático, é através do efluente oriundo das estações de tratamento de esgotos, uma vez que as tecnologias convencionais de tratamento apresentam limitações na remoção de uma variedade de fármacos. Zhou et al. (14) avaliaram as concentrações de onze fármacos em três estações

ABSTRACT

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de tratamento de esgotos na Inglaterra, e concluíram que diferentes compostos apresentaram diferentes eficiências de remoção nas estações, variando de 43 a 92%, sendo que o melhor desempenho foi obtido na ETE que possuía tratamento terciário. Em outro estudo, Alonso et al. (15) avaliaram a presença de psicoativos em rios da região metropolitana de Madri,e os resultados obtidos indicam que as tecnologias de tratamento de esgoto empregadas não removem de forma efetiva compostos como fluoxetina, citalopram, vanlafaxina, nordazepam, oxazepam e carbamazepina. Diversos autores também relatam diferentes eficiências de remoção e a presença de diversos compostos em efluentes de estações de tratamento de esgotos (16-18). Outra questão importante envolve a utilização de efluentes para irrigação, nos quais a presença de fármacos, mesmo em níveis traço, pode resultar no acúmulo destas substâncias no solo e a conseqüente contaminação das águas subterrâneas (19).

Dentro deste contexto, fica evidente a necessidade de medidas para a redução da quantidade de substâncias emergentes enviadas para as estações de tratamento de esgoto (o que passa necessariamente por mudanças de comportamento com relação ao consumo indiscriminado de medicamentos e a forma de descarte dos mesmos); e o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes na remoção destas substâncias nas estações de tratamento. Dados de pesquisas efetuadas junto à população usuária de medicamentos em seus domicílios apontam a fundamental importância da adoção de campanhas, visando esclarecer os impactos ambientais advindos do descarte inadequado de medicamentos.

Desta forma, esse trabalho tem por objetivo discutir abordagens que vem sendo usadas pelos diferentes países, inclusive o Brasil, visando ações que atendam a demanda atual de gestão e educação ambiental, objetivando minimizar o descarte inadequado de medicamentos. Para o desenvolvimento do estudo, foram analisadas as legislações vigentes no país e no exterior, bem como, trabalhos relacionados com o tema, publicados em periódicos nacionais e internacionais.

Aspectos toxicológicos da contaminação ambiental por fármacos

Os fármacos são desenvolvidos para serem biologicamente ativos e, portanto, podem apresentar efeitos em organismos terrestres e aquáticos mesmo em concentrações traço. Apesar de existirem pesquisas sobre os efeitos agudos de fármacos nestes organismos, dados sobre efeitos crônicos são escassos (2). Os efeitos ambientais da maioria dos fármacos têm sido observados somente em condições de laboratório, porém, avaliações de risco usando testes de toxicidade têm mostrado que as concentrações de alguns fármacos encontradas no ambiente são suficientes para representar risco a organismos aquáticos, como a Daphnia magna (20).

Zhou et al. (14) destacam que dados sobre concentrações máximas para fármacos em meio aquático

são limitados e frequentemente relacionados a ensaios de toxicidade de um único composto em um único organismo teste, e ainda estão limitados a avaliação dos efeitos agudos. Outro ponto destacado pelos autores é o impacto da mistura de diferentes fármacos no ambiente, que pode resultar em efeitos de toxicidade mais pronunciados do que aqueles causados por um determinado composto sozinho. Um estudo conduzido por Flaherty e Dodson (21) mostra que misturas de diferentes compostos se comportam de forma imprevisível em meio aquático, e causam sérios efeitos em Daphnia magna, como deformidades e aumento na mortalidade.

Os efeitos ambientais mais sérios têm sido observados em relação aos interferentes endócrinos, tais como o hormônio 17α-estradiol, que pode ocasionar a efeminação em peixes expostos a concentrações menores que 1 ng/L (3). O termo “interferente endócrino” tem sido usado para definir uma substância química que pode interferir no funcionamento natural do sistema endócrino de espécies animais, incluindo os seres humanos; tal substância pode ser de origem antrópica, também denominada xenoestrogênio, ou de origem natural (22). Os interferentes endócrinos englobam uma grande variedade de classes de substâncias químicas, que incluem os hormônios naturais e sintéticos, fitoestrógenos, pesticidas, compostos utilizados na indústria, subprodutos de processos, entre outros. Alguns são persistentes, enquanto outros são rapidamente degradados no ambiente (23).

Ainda, estes compostos apresentam uma variedade de rotas de exposição no ambiente, dependendo das suas propriedades físico-químicas inerentes, das condições externas em que são utilizados, das condições ambientais, do conteúdo microbiológico, dentre outros. A preocupação em relação a estes compostos está nos possíveis efeitos na saúde humana e no ambiente, incluindo espécies animais. Substâncias químicas suspeitas de causar alteração no sistema endócrino estão potencialmente associadas a doenças, como o câncer de testículo, de mama e de próstata, à queda da taxa de espermatozóides, deformidades dos órgãos reprodutivos, disfunção da tireóide e alterações relacionadas com o sistema neurológico (22).

Um estudo conduzido por Sodré et al. (24) analisou a presença de estigmasterol, colesterol, bisfenol A, cafeína, estrona e 17β-estradiol em amostras de água de abastecimento na cidade de Campinas, SP. Enquanto a estrona e o 17β-estradiol foram detectados apenas em períodos de estiagem e abaixo dos limites de quantificação, o estigmasterol apresentou a concentração mais elevada (0,34 ± 0,13 µg/L), seguido pelo colesterol (0,27 ± 0,07 µg/L), cafeína (0,22 ± 0,06 µg/L) e bisfenol (0,16± 0,03 µg/L). Estes níveis são mais elevados do que aqueles encontrados em matrizes ambientais similares em outras partes do mundo. Os autores destacam que até o presente não foram definidos limites de concentração para estes compostos em água para consumo humano, e desta forma, não foram analisados os riscos associados ao consumo desta água; ainda, alertam para os efeitos sinergéticos ou antagônicos da mistura destes compostos, mesmo em baixas concentrações.

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Além dos interferentes endócrinos, outra preocupação dos cientistas é com o grupo dos antibióticos, pelo seu potencial em promover o desenvolvimento de resistência bacteriana, e por serem usados em grandes quantidades. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos e publicada em 2008 confirma que cerca de 41 milhões de cidadãos americanos, de 24 áreas metropolitanas recebem água potável contaminada por uma variedade de produtos farmacêuticos – entre eles antibióticos, anticonvulsivos, estabilizadores de humor e hormônios (25).

Martinez (26) apresenta uma discussão detalhada a respeito da poluição por antibióticos e genes resistentes, e o impacto destes na estrutura e atividade de populações de micro-organismos, e destaca que o uso de antibióticos para outros fins, não terapêuticos, pode enriquecer o ambiente com bactérias resistentes capazes de infectar o homem. Segundo Schwartz et al. (4), isso pode acontecer nas estações de tratamento de esgotos ou nos corpos receptores, ou em ambientes onde os antibióticos são lançados diretamente, como em lagos de criação de peixes ou na agricultura. Petersen et al. (5) analisaram amostras de água em uma fazenda de criação de peixes, que recebiam como fonte de alimento esterco de aves nas quais foram administrados antibióticos; em 100% das amostras analisadas foi encontrada resistência ao antibiótico sulfametoxazol.

Cunningham et al. (27), avaliaram os riscos à saúde humana associados a presença de fármacos no ambiente aquático, devido ao consumo de água e peixe contendo níveis traço de diferentes ingredientes ativos. O estudo conclui que concentrações traço de ingredientes ativos de fármacos em ambiente aquático, e a subsequente transferência destes para a água de abastecimento e para peixes, não representam risco à saúde humana. No entanto, os autores alertam que por se tratar de água, uma necessidade básica do ser humano, uma série de incertezas precisam ser elucidadas, tais como a avaliação de riscos crônicos à exposição de misturas de micropoluentes; a susceptibilidade de grupos de indivíduos, e a efetividade das tecnologias atualmente empregadas para o tratamento de água na remoção de compostos emergentes.

Panorama mundial das ações de descarte de medicamentosNa década de 90, as autoridades de saúde norte-

americanas orientavam os usuários de medicamentos a descartá-los nos vasos sanitários quando vencidos ou quando não mais utilizados. Esta orientação baseava-se na premissa de que a saúde humana teria prevalência sobre eventuais danos ao ambiente, uma vez que, se descartados no lixo comum, poderiam ser ingeridos por terceiros, acarretando desta maneira, sérios riscos à integridade física dos indivíduos (10).

Uma pesquisa efetuada em 1996 nos Estados Unidos revelou que 54% da população se desfaziam dos medicamentos através do lixo comum, 35,4% descartava na pia ou no vaso sanitário e apenas 1,4% retornaram os resíduos para a farmácia quando possível. Um dado relevante desta pesquisa mostra que somente 2% dos usuários fizeram uso da totalidade do medicamento (28).

Como destacam Glassmeyer et.al. (10), nos anos seguintes à pesquisa, a Sociedade de Farmacêuticos dos Estados Unidos, decidiu implantar o programa “Disposição Inteligente” (Smart Disposal). O programa tem por objetivo orientar sobre a destinação adequada dos medicamentos, através das seguintes ações:

a) não descartar medicamentos no vaso sanitário ou na pia;

b) descartar os medicamentos juntamente com o lixo comum; o medicamento deve ser colocado dentro de um saco plástico, e se for sólido, deve-se adicionar água para dissolvê-lo, e em seguida adicionar itens não palatáveis, como areia, serragem, pó de café, entre outros, para evitar que crianças ou animais de estimação possam ingerí-lo;

c) remover o rótulo e toda e qualquer informação pessoal das embalagens antes de enviá-las para a reciclagem ou descartá-las no lixo;

d) fazer uso dos programas de coletas locais ou estaduais quando disponíveis.

O programa disponibiliza um vídeo demonstrativo para o correto descarte dos medicamentos, e uma lista de 27 medicamentos, que segundo o FDA (órgão que fiscaliza alimentos e drogas nos Estados Unidos), devem ser descartados no vaso sanitário, devido aos elevados riscos à saúde, em caso de ingestão acidental (29). O FDA recomenda que sejam seguidas as instruções que acompanham a bula do medicamento, e se nada constar a respeito do descarte no vaso sanitário, o mesmo deve seguir para o lixo comum, tomando as precauções já mencionadas (30).

Em 2004, o Estado do Maine, nos Estados Unidos, implantou um programa de conscientização de descarte adequado de medicamentos, com base em um decreto denominado “Decreto para Incentivar a Disposição Apropriada de Medicamentos Vencidos”. Essa iniciativa teve como objetivos tirar as drogas dos domicílios, identificar e caracterizar os medicamentos não usados, identificar os custos do programa, testar a eficiência da sensibilização da população, focando o programa na terceira idade, e identificar as razões das sobras de medicamentos. Posteriormente, no início de 2008 e contando com financiamento federal, iniciou-se a segunda fase do programa. Esta fase contemplou uma parceria com os correios, para a entrega de envelopes nos quais devem ser acondicionados os medicamentos a serem descartados. Esses medicamentos ficam temporariamente sob custódia dos correios, até serem adequadamente destinados (10).

Em janeiro de 2008, na cidade de St. Louis, também nos Estados Unidos, foi lançado por uma rede de supermercados, um programa piloto, que recebe duas vezes por mês nas farmácias localizadas no interior de suas lojas, medicamentos fora de validade ou não mais usados. No ato da entrega, as pessoas são entrevistadas e as informações são inseridas em um banco de dados (9).

Na Austrália existe um programa em caráter nacional e permanente denominado “programa de retorno de medicamentos não desejados”. Este programa promove

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o recolhimento de medicamentos não usados e fora de validade desde 1998, e conta com verbas anuais concedidas pelo governo juntamente com a indústria farmacêutica e as farmácias. Os farmacêuticos e atendentes dos estabelecimentos são orientados a “convidar” os usuários, quando da compra dos medicamentos, a destinar nas farmácias estes produtos quando estiverem com o prazo de utilização expirado. No Canadá, um programa semelhante foi lançado em 1996, através de um acordo entre farmácias e indústrias farmacêuticas, para recolher e enviar para incineração todo tipo de medicamento, exceto produtos de higiene pessoal. Esse programa é considerado um sucesso devido a sua objetividade e interface amigável (10).

Em outras regiões do mundo as informações sobre o correto descarte de medicamentos são limitadas. No Japão, somente em outubro de 2007 foi criada a uma agência com o objetivo de gerenciar os danos ambientais causados pela indústria farmacêutica. No Kuwait, a primeira experiência piloto não foi bem sucedida, apesar dos entrevistados terem achado a idéia de devolver os remédios vencidos interessante. Somente após os participantes serem alertados sobre os perigos associados ao uso e descarte inadequado desses materiais é que ocorreu uma adesão ampla do grupo envolvido (10).

No Brasil, em 2005, alunos do curso de Vigilância Sanitária e Saúde Ambiental da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, realizaram uma pesquisa junto a 139 pessoas dos mais variados níveis de instrução, onde foi constatado que 88% faziam uso de medicamentos em suas residências; 83% descartavam os medicamentos em lixo comum, sendo que destas, 70% acreditava ser a destinação correta; 63% tinham o hábito de ler a bula dos medicamentos, e 30% eventualmente a liam (31).

Um estudo realizado em 2004, pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas e Bioquímicas Oswaldo Cruz, revelou que a grande maioria das pessoas não sabe o que fazer com as sobras de medicamentos. Foram entrevistadas 1009 pessoas na cidade de São Paulo, e os resultados mostram que 76% dos usuários descartam os medicamentos no lixo comum e 6% jogam na pia ou no vaso sanitário. Além disso, 92,5% nunca procuraram saber a forma correta de descarte (32).

Em um estudo conduzido na Inglaterra, com o objetivo de identificar as práticas empregadas para o descarte dos medicamentos, e também a percepção do risco ambiental destas práticas por parte dos consumidores, revelou que das 392 pessoas entrevistadas, 52,8% usavam o medicamento por completo; 30,7% guardavam até que o prazo de validade expirasse; e 12,2% descartavam o excedente após o término do tratamento. Com relação às formas de descarte empregadas, 63,2% descartavam no lixo; 21,8% retornavam às farmácias; e 11,5% lançavam na pia ou no vaso sanitário; ainda, 3,5% mantinham o medicamento estocado e uma pessoa relatou que queimava o medicamento no quintal. Com relação à percepção do risco, 55,1% estavam fortemente convictos e 39,8% concordavam que o uso inadequado de medicamentos

colocava em risco a sua saúde; e apenas 5,1% demonstraram que os medicamentos poderiam ser prejudiciais ao meio ambiente. Muitos revelaram preocupação maior com relação ao risco de crianças terem acesso aos medicamentos descartados, do que com os danos ambientais (20).

A partir das informações levantadas nestas pesquisas, é possível inferir que existe a necessidade em primeiro lugar, de informar aos consumidores sobre os riscos ambientais do descarte inadequado dos medicamentos, e partir daí, desenvolver mecanismos eficientes para a coleta e destinação segura dos mesmos. Kotchen et al. (33) realizaram um estudo que envolveu 1005 entrevistados na Califórnia, com o objetivo de identificar a preocupação em relação ao tema, as práticas de descarte empregadas, a disponibilidade em participar de um programa de disposição adequada e a disponibilidade em pagar por este programa. Menos da metade dos entrevistados se mostrou preocupada com o assunto, e a grande maioria descartava os medicamentos no vaso sanitário ou na pia. Aqueles que apresentavam preocupação com os riscos ambientais associados ao descarte inadequado demonstraram disponibilidade em participar de programas de envio dos medicamentos para centros de tratamento de resíduos perigosos ou para farmácias, e mesmo em pagar por tais programas.

Uma iniciativa pioneira no Brasil é o Programa “Farmácia Solidária”, que apesar de tímido, já existe há 10 anos em municípios brasileiros. O programa surgiu de uma parceria entre os Conselhos Regionais de Farmácia, as Associações de Farmacêuticos Magistrais e Homeopatas, o poder público, médicos, organizações da sociedade civil e empresariais. O programa tem por objetivos a orientação sobre o destino correto dos medicamentos, a arrecadação e doação dos mesmos dentro do conceito de “farmácia solidária”. Voluntários recolhem sobras de medicamentos, nas residências e nas empresas, e montam pequenas farmácias cujos produtos são distribuídos, gratuitamente – e com orientação farmacêutica – a pessoas carentes. As farmácias estão sediadas em endereços próprios e dentro de hospitais públicos. Ao retirar os medicamentos das residências, o programa reduz o perigo da automedicação, racionaliza o uso e evita o desperdício com as sobras. Depois, ao selecionar os itens recolhidos, os farmacêuticos solidários realizam o descarte correto, seguindo protocolos científicos (34).

A Prefeitura de Porto Alegre, por meio do Comitê Gestor de Educação Ambiental, lançou a campanha “Medicamento Vencido - Destino Ambientalmente Correto” em parceira com uma rede de farmácias de manipulação, através de três lojas, que encaminham os medicamentos recolhidos à uma central de resíduos licenciada pela FEPAM – Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul. Desde janeiro de 2010, a maior rede de farmácias da região Sul também começou a recolher medicamentos vencidos e providenciar seu descarte correto em parceria com a UFRGS. Inicialmente, o programa acontece em 14 filiais de Porto Alegre, mas gradativamente será expandido para toda rede (35).

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O curso de Farmácia da Faculdade de Tecnologia e Ciências de Salvador, Bahia, lançou em 2009 a campanha “Descarte Responsável de Medicamentos Vencidos”. Esta campanha tem como objetivo promover o descarte adequado dos medicamentos e esclarecer a população sobre os aspectos ecológicos do uso racional dos mesmos. A iniciativa contempla também palestras em campanhas itinerantes por toda a cidade (36).

Em São Paulo e em outras áreas metropolitanas de grande e médio porte, existem iniciativas pontuais similares às citadas anteriormente, porém nos municípios menos populosos, nos quais raramente existem postos da Vigilância Sanitária, esses programas praticamente inexistem, se constituindo assim em um fator complicador.

Requisitos legais para o descarte de medicamentos no Brasil

Os medicamentos vencidos ou não utilizáveis se enquadram do ponto de vista legal, como resíduos de serviços de saúde - RSS. A geração deste tipo de resíduo, dadas as suas características especiais, deve ser controlada e minimizada em níveis aceitáveis, estabelecidos por consensos internacionais (37-39).

Atualmente no Brasil as Resoluções RDC 306/2004 da ANVISA (38) e CONAMA 358/2005 (39) classificam os resíduos de serviços de saúde, em cinco grupos:

• Grupo A – resíduos infectantes, com possível presença de agentes biológicos;

• Grupo B – resíduos contendo substâncias químicas;

• Grupo C – rejeitos radioativos; • Grupo D – resíduos comuns; e, • Grupo E – materiais perfurocortantes. Esta classificação tem por objetivo nortear o

gerenciamento dos RSS dentro das unidades geradoras e fora destas, por ocasião do descarte, quando devem ser adequadamente tratados e/ou destinados a aterros licenciados pelo órgão ambiental competente. Outra premissa destacada tanto pela ANVISA quanto pelo CONAMA é a segregação dos resíduos na fonte geradora, e o correto acondicionamento dos mesmos, como forma de minimizar as quantidades de resíduos perigosos gerados, e possibilitar a reciclagem e o reuso daqueles não perigosos.

Dentre os resíduos considerados no Grupo B, estão os produtos hormonais e antimicrobianos; antineoplásicos; imunodepressores; antiretrovirais; entre outros, descartados por serviços de saúde, farmácias, drogarias e distribuidores de medicamentos ou apreendidos; os resíduos e insumos farmacêuticos dos medicamentos controlados pela Portaria MS 344/1998 (40). Esta Portaria trata do regulamento técnico sobre medicamentos e substâncias sujeitas a controle especial e demais produtos considerados perigosos conforme classificação da NBR 10.004.

NBR 10.004 é a norma que classifica os resíduos sólidos quanto à periculosidade, em três classes distintas: Classe I – resíduos perigosos; Classe IIA – resíduos não

perigosos e não inertes; e, Classe IIB – resíduos não perigosos e inertes. Esta classificação se baseia em critérios de periculosidade de resíduos, segundo suas características de toxicidade, corrosividade, inflamabilidade, reatividade e patogenicidade (37).

No entanto, estes regulamentos se aplicam apenas “aos estabelecimentos que prestam assistência à saúde”, e não trata do descarte de resíduos ou medicamentos pela população em geral.

Por ocasião da revogação da Resolução 283/2001 do CONAMA (41), ocorrida em 2005, quando passou a vigorar a Resolução 358/2005 (39), foram retirados do artigo 13 da referida Resolução os seguintes parágrafos:

“§ 1º Os quimioterápicos, imunoterápicos, antimicrobianos, hormônios e demais medicamentos vencidos, alterados, interditados, parcialmente utilizados ou impróprios para consumo devem ser devolvidos ao fabricante ou importador, por meio do distribuidor.

§ 2º “No prazo de doze meses contados a partir da data de publicação desta Resolução, os fabricantes ou importadores deverão introduzir os mecanismos necessários para operacionalizar o sistema de devolução instituído no parágrafo anterior.”A supressão destes dois parágrafos evidencia a

dificuldade de implantação de uma política a nível federal que institucionalize a logística reversa dos medicamentos vencidos, e em parte, a falta de comprometimento do setor farmacêutico com a questão. Se este mecanismo existisse, seria muito mais fácil a adoção de programas de entrega voluntária de medicamentos pela população às farmácias, que poderiam encaminhá-los aos distribuidores e estes, às indústrias, para o destino final ambientalmente adequado.

No Estado de São Paulo, foi publicada em 10 de setembro de 2008 a Portaria CVS no 21, do Centro de Vigilância Sanitária (42), que trata dos critérios técnicos de segurança para o gerenciamento de resíduos perigosos de medicamentos em serviços de saúde, criando para isso o subgrupo “Resíduos Perigosos de Medicamentos” – RPM, como parte do Grupo B – Resíduos Químicos de Serviços de Saúde. Os RPM são divididos em: a) Tipo 1 – medicamentos listados no Anexo II da

portaria, não usados, parcialmente usados, fora do prazo de validade ou sem condições de uso; resíduos provenientes de derramamentos de medicamentos listados, bem como os materiais de contenção, absorção, remoção e limpeza contaminados; filtros HEPA de cabines de segurança em que se lida com medicamentos listados; e, bolsas de infusão e equipos, cheias ou parcialmente utilizadas e outros recipientes não vazios contendo soluções de medicamentos listados acima dos limites estabelecidos na portaria.

b) Tipo 2 – recipientes vazios, equipamentos de proteção individual e outros acessórios ou dispositivos de proteção provenientes de manipulação e preparo de

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medicamentos listados e demais atividades de rotina que não apresentem sinal visível de resíduos desses medicamentos, tais como luvas de procedimentos, vestimentas, máscaras e aventais descartáveis e; forrações de superfícies, bancadas e cabines de segurança que não tiveram contato direto com medicamentos listados por via de derramamentos, borrifos ou outras ocorrências similares e que não apresentem sinal visível de medicamento.A Portaria CVS no 21, se aplica ao gerenciamento

dos resíduos no âmbito dos serviços de saúde, por ser esta a atividade que, segundo o texto da portaria, concentra o maior uso de medicamentos perigosos, e que as fases de fabricação de distribuição de medicamentos, assim como os aspectos referentes ao gerenciamento dos resíduos produzidos ao nível domiciliar não competem a esta portaria, por já estarem contemplados em normas relativas aos resíduos industriais e aos serviços de limpeza pública, respectivamente. A Portaria destaca ainda em seu texto o seguinte parágrafo:

“Devemos considerar que uma parcela significativa dos resíduos de medicamentos, inclusive os perigosos, é encaminhada diretamente para aterros inadequados, os chamados ‘lixões’, expondo trabalhadores da limpeza urbana e recicladores ao contato direto com agentes tóxicos, além de facilitar a contaminação do meio ambiente. Em casos ainda mais graves, os RSS contendo medicamentos perigosos são misturados aos RSS infectantes que são encaminhados para tratamento por aquecimento, o qual, além de não contribuir para a redução do risco químico, promove a liberação de gases e vapores tóxicos (42, p. 5)O Conselho Regional de Farmácia do Estado de

São Paulo publicou uma cartilha sobre gerenciamento de resíduos de serviços de saúde, onde são informados todos os procedimentos a serem adotados no manuseio, acondicionamento e destinação final dos resíduos gerados nos estabelecimentos. E mais importante, a cartilha salienta que é obrigatória a criação de um programa de treinamento na área de resíduos e educação continuada em biossegurança e ambiente, a todos os profissionais envolvidos nas atividades de gerenciamento de resíduos (43). Esta iniciativa demonstra que existe uma preocupação do setor em atender a legislação ambiental e capacitar os profissionais nas questões ambientais, normalmente negligenciadas pelos profissionais da área de saúde. No entanto, não é feita qualquer referência sobre iniciativas para a coleta de medicamentos vencidos entregues por consumidores.

Cabe aqui uma reflexão acerca dos serviços de limpeza pública e destino de resíduos domiciliares no Brasil. Os dados oficiais com relação ao destino de resíduos sólidos urbanos no Brasil são do ano de 2008, quando foi realizada pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, divulgada em 2010. A pesquisa revela que dos 5564 municípios, 2824 ainda depositam seus resíduos em lixões, 1254 em aterros controlados (uma forma intermediária entre lixão e aterro

sanitário), e 1540 possuem aterro sanitário (44), que é considerada a forma correta para disposição final dos resíduos sólidos domiciliares e demais resíduos classificados como Classe II-A pela NBR 10.004.

Estes dados, somados ao hábito da população, de descartar os medicamentos em vasos sanitários e/ou na pia, ou então diretamente no lixo, tornam evidentes os riscos aos quais a saúde pública e o ambiente estão expostos. Há que se considerar ainda, o hábito da população, principalmente em localidades que não dispõem de sistema de coleta de lixo e no interior, de atear fogo, especialmente ao lixo de banheiro, onde normalmente são descartados os medicamentos e/ou seus frascos. Esta queima descontrolada provoca a formação de substâncias tóxicas, algumas persistentes.

COnSIDERAçõES FInAIS

Os medicamentos são agentes terapêuticos importantes nos sistemas de saúde, porém geram um passivo ambiental significativo e os seus usuários precisam ter a percepção de que os mesmos devem ter uma destinação adequada. Dados oriundos de pesquisas efetuadas junto à população usuária de medicamentos em seus domicílios indicam que a grande maioria dos usuários não sabe o que fazer com os medicamentos fora de validade, além de desconhecer os danos provenientes de sua destinação inadequada. Esse fato torna evidente a importância da adoção de campanhas periódicas na mídia escrita e falada, visando esclarecer os impactos ambientais advindos do descarte inadequado desses medicamentos. É importante ressaltar ainda a necessidade de iniciativas que contemplem também os municípios de pequeno porte, visto o fato que a grande maioria destes não conta com postos da Vigilância Sanitária, nem sistema de coleta e disposição de resíduos adequados.

As iniciativas de educação ambiental, tímidas e pontuais, por parte de algumas das grandes redes de estabelecimentos farmacêuticos, na maioria em áreas metropolitanas, constataram a baixa adesão por parte dos usuários e se mostraram ineficazes. Estas campanhas, muitas vezes são motivadas pela apropriação do discurso ambiental, porém com objetivos econômicos.

Evidencia-se desta forma, a necessidade de campanhas massivas de orientação e coleta de medicamentos fora de validade, inseridas em políticas públicas de saúde e em parcerias entre o Estado, entidades de classe, associações comerciais, e a indústria farmacêutica.

O fato da grande maioria de usuários de medicamentos ler a bula dos medicamentos sugere que as mesmas poderiam conter alertas e orientações quanto ao descarte dos mesmos. A adoção de embalagens fracionadas seria uma forma de minimizar a quantidade de sobras, bem como o incentivo ao uso de medicamentos magistrais, já que os mesmos são feitos na quantidade exata a ser ingerida. Outra iniciativa seria a doação de excedentes aos postos de saúde, dentro do Programa Farmácia Solidária, quando as sobras de medicamentos estiverem ainda dentro do prazo de validade.

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Embora o descarte inadequado de medicamentos vencidos, ou não mais desejados pelo usuário seja considerado uma rota secundária, o mesmo assume significativa importância na medida em que, de forma indireta, alerta a sociedade da necessidade de políticas públicas de gestão dos diversos impactos nos ambientes aquáticos.

A conscientização da sociedade através da educação ambiental na redução do descarte inadequado de medicamentos vencidos ou indesejados, é uma ação tangível, juntamente com um novo olhar sobre as demandas atuais e futuras de gestão e de saneamento ambiental a fim de fazer frente às necessidades e desafios que se apresentam.

RESumO

A incorporação de substâncias químicas nos compartimentos ambientais, notadamente os fármacos e alguns interferentes endócrinos, vem constituindo um motivo de crescente preocupação na comunidade científica. Estes compostos, que vem sendo denominados de “substâncias emergentes”, são amplamente usados pela sociedade moderna, e se caracterizam pelos impactos potenciais no ambiente, mesmo em baixas concentrações, pois interferem no metabolismo de vários organismos e levam ao desequilíbrio de suas populações. Neste contexto se insere o descarte de medicamentos nas suas variadas formas e a demanda por estratégias de gestão destes resíduos. Estas estratégias para serem eficazes devem contemplar o comprometimento dos vários profissionais envolvidos em todas as etapas do ciclo de vida dos medicamentos. Neste trabalho é apresentada uma discussão, com base em levantamento da literatura técnica e legislações pertinentes, sobre os efeitos do descarte de medicamentos vencidos ou fora de especificação, e seus impactos na qualidade ambiental, especialmente nos corpos hídricos.

Palavras-chave: resíduos de medicamentos, fármacos, substâncias emergentes, educação ambiental, saúde pública

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