12
18 2.5. Alterações do cotidiano escolar: doenças, remédios e vacinações; eleições nas escolas e as relações extramuros. - Doenças, remédios e vacinações “Desenvolvimento das crianças Evitar a anemia é evitar a desgraça futura”. (O Itaborahyense, Itaboraí, Ano XXII, n. 1.064, domingo, 21 maio 1916, p. 3) Essa epígrafe constou como título de um texto que foi publicado no jornal O Itaborahyense, que anunciava um remédio que ajudava no desenvolvimento das crianças. Anúncios de remédios apareciam, comumente, nas páginas do jornal, pois, desde meados da década de 1870, “o tema da saúde vinha frequentando a agenda intelectual e política brasileira por meio de sua faceta mais preocupante: a doença” (SCHUARCZ, 2012, p. 51). O anúncio afirmava que: Sendo a anemia, o estado que conduz a todas as doenças graves, com as quaes a pessoa não póde lutar por falta de forças, e sendo as crianças seres irresponsáveis, é obrigação dos paes procurarem que seus filhos se desenvolvam fortes e sadios, evitando que se criem fracos e sejam mais tarde homens e mulheres inúteis e doentes. O «IODOLINO DE ORH», que, além de outros contém em si todos os princípios do oleo de bacalhau, sem os inconvenientes deste, é um fortificante depurativo de primeira ordem como atestam muitos e distinctos médicos, e deve ser o único remédio aproveitado para fortificar e ajudar a formar o esqueleto das crianças, evitando a fraqueza, com o que se evitará a desgraça futura: Em todas as drogarias e Pharmacias. Agentes geraes: Silva Gomes & C. Rio. 1 Certamente, havia o interesse em vender remédios, entretanto essa época foi um período em que “médicos e cientistas sociais refletiam [...] sobre enfermidades [...], doenças da cidade e do meio rural, e, cada vez mais, acerca das patologias da modernidade” (SCHUARCZ, 2012, p. 51). Havia uma preocupação com o bem-estar das pessoas e, principalmente, das crianças. Na citação acima, foi anunciado um remédio para anemia, porém havia medicamentos indicados para outros problemas de saúde, como pode ser observado abaixo: 1 DESENVOLVIMENTO das crianças: evitar a anemia é evitar a desgraça futura. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 22, n. 1.064, domingo, p. 3, 21 maio 1916.

2.5. Alterações do cotidiano escolar: doenças, remédios e ... · ausência de boticas e de médicos, as populações rurais enfrentavam a adversidade das doenças com receitas

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2.5. Alterações do cotidiano escolar: doenças, remédios e vacinações; eleições nas escolas

e as relações extramuros.

- Doenças, remédios e vacinações

“Desenvolvimento das crianças –

Evitar a anemia

é evitar a desgraça futura”.

(O Itaborahyense, Itaboraí, Ano XXII,

n. 1.064, domingo, 21 maio 1916, p. 3)

Essa epígrafe constou como título de um texto que foi publicado no jornal O

Itaborahyense, que anunciava um remédio que ajudava no desenvolvimento das crianças.

Anúncios de remédios apareciam, comumente, nas páginas do jornal, pois, desde meados da

década de 1870, “o tema da saúde vinha frequentando a agenda intelectual e política brasileira

por meio de sua faceta mais preocupante: a doença” (SCHUARCZ, 2012, p. 51). O anúncio

afirmava que:

Sendo a anemia, o estado que conduz a todas as doenças graves, com as quaes a pessoa

não póde lutar por falta de forças, e sendo as crianças seres irresponsáveis, é obrigação

dos paes procurarem que seus filhos se desenvolvam fortes e sadios, evitando que se

criem fracos e sejam mais tarde homens e mulheres inúteis e doentes.

O «IODOLINO DE ORH», que, além de outros contém em si todos os princípios do

oleo de bacalhau, sem os inconvenientes deste, é um fortificante depurativo de

primeira ordem como atestam muitos e distinctos médicos, e deve ser o único remédio

aproveitado para fortificar e ajudar a formar o esqueleto das crianças, evitando a

fraqueza, com o que se evitará a desgraça futura: Em todas as drogarias e Pharmacias. Agentes geraes: Silva Gomes & C. – Rio.1

Certamente, havia o interesse em vender remédios, entretanto essa época foi um período

em que “médicos e cientistas sociais refletiam [...] sobre enfermidades [...], doenças da cidade

e do meio rural, e, cada vez mais, acerca das patologias da modernidade” (SCHUARCZ, 2012,

p. 51). Havia uma preocupação com o bem-estar das pessoas e, principalmente, das crianças.

Na citação acima, foi anunciado um remédio para anemia, porém havia medicamentos

indicados para outros problemas de saúde, como pode ser observado abaixo:

1 DESENVOLVIMENTO das crianças: evitar a anemia é evitar a desgraça futura. O Itaborahyense, Itaboraí, ano

22, n. 1.064, domingo, p. 3, 21 maio 1916.

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Figura 2.13: Anúncio do Elixir de Nogueira

Depurativo do Sangue

FONTE: Itaborahyense, Itaboraí,

ano 22, n. 1.063, domingo, p. 4, 14 maio 1916.

Figura 2.14: Anúncio de remédio Bromil

para doenças das vias respiratórias

FONTE: Itaborahyense, Itaboraí,

ano 22, n. 1.046, p. 2, domingo, 09 jan. 1916.

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20

Ao considerar os dois anúncios, é perceptível que as doenças – que foram

sublinhadas em vermelho – no primeiro anúncio (corrimento dos ouvidos, raquitismo,

sarnas, manchas de pele, afecções do fígado e dores no peito) e no segundo (doenças do

peito, pulmões e garganta) atingiam de forma mais considerável as crianças. Isso ocorre

porque são indivíduos mais suscetíveis a doenças, por não terem adquirido imunidade

suficiente para evitar certas

enfermidades. Na época, “ao

sangue atribu[íam] a causa de muitas

enfermidades” e “diante da

ausência de boticas e de médicos, as

populações rurais enfrentavam a

adversidade das doenças com

receitas caseiras”

(WISSENBACH, 2001, pp. 69-70),

ou com os medicamentos

que quase tudo curavam, como o

“Elixir de Nogueira”, de

acordo com o exposto acima.

Em Itaboraí, a situação não era muito diferente. Um médico – Dr. Heitor Machado

– saía de Rio Bonito para realizar “Consultas aos sabbados na Pharmacia Maia, em

Tanguá”.2 Em outra ocasião, o médico – Dr. Egas Ribeiro de Mendonça – que residia em

Niterói, atendia “a qualquer chamado para todo município de Itaborahy”, como observado

no anúncio abaixo:

Figura 2.15: Médico para crianças (1915)

2 ANUNCIO Dr. Heitor Machado. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 16, n. 761, domingo, p. 4, 01 maio 1910.

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21

FONTE: ANUNCIO Dr. Egas Ribeiro de Mendonça.

Itaborahyense, Itaboraí, ano 21, n. 1.038, domingo, p. 4, 07 nov. 1915.

O médico poderia ter uma relação de sociabilidade com a municipalidade, visto

que atenderia “a qualquer chamado”; todavia, a situação que existia era da ausência de

profissionais responsáveis pela saúde da população. Ao ficar doente, o indivíduo teria que

esperar o dia de sábado chegar para obter uma consulta, ou usufruir de poções feitas em

suas residências ou por outras pessoas das redondezas.

Nessa época, a questão da vacinação já havia se disseminado. O tema da

imunização foi discutido diversas vezes na história do país e “se apresenta como um

eficiente método na prevenção e erradicação de muitas doenças e epidemias” (NEGRI,

2015, p. 8540). A introdução da vacina no Brasil aconteceu em 1804, sendo apoiada por

D. João VI, que havia enviado seus filhos para serem vacinados em Portugal; embora ele

tenha demorado um pouco a agir, tomou “a iniciativa de criar a Junta da Instituição

Vacínica em 1811” (CHALHOUB, 1996, pp. 107-108). A “cultura da imunização” se

deu a partir do final do século XIX, quando houve “campanha de vacinação em massa

empreendidas pelo Estado”, que a tornava obrigatória (HOCHMAN, 2011, p. 376);

contudo, a população foi resistente à vacinação, gerando o episódio da “Revolta da

Vacina”, em 1904, no Rio de Janeiro.3

3 Para ver mais sobre a Revolta da Vacina, ver: SEVCENKO, Nicolau. A revolta da vacina: mentes insanas

em

corpos rebeldes. Nova ed. rev. São Paulo: Scipione, 1993.

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Entretanto, para fazer parte desta “cultura da imunização”, as escolas foram

colocadas a postos e, em Itaboraí, algumas dessas foram utilizadas como local de

vacinação. Essa situação leva a perceber que “a escola não age apenas intramuros, e sim

tem uma ampliada atual social na medida em que funciona como uma instituição que

produz, divulga e legitima identidades, competências e modos de vida, ao mesmo tempo

que deslegitima outros” (BERTUCCI; FARIA FILHO; OLIVEIRA, 2010, p. 50).

Na época, havia a preocupação de erradicar os casos de varíola, pois “a doença

esteve no topo da agenda sanitária do país até o final da década de 1910” (HOCHMAN,

2011, p. 377). Em Itaboraí, houve um surto dessa doença, em 1899, quando o jornal O

Itaborahyense se pronunciou ao afirmar que “a Camara Municipal d’esta cidade, já teve

conhecimento que nos lugares desta freguesia – Venda das Pedras, Pico, Sapê, Dendê,

Cabussú e Pachecos – estão infestados da epidemia da varíola, e não deu nem pretende

dár as providencias precisas [...]”.4 No entanto, desde 1897, a municipalidade se

organizava, ocasionalmente, para vacinar a população contra a doença, o que,

provavelmente, não estava atingindo bons resultados. É demonstrada essa situação,

quando foram colocados postos de vacinação – em dias diferenciados – na Câmara e em

duas escolas da região, como pode ser observado a seguir:

Figura 2.16: Vacinação em duas escolas (1897)

4 A BEM do município. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 5, n. 230, domingo, p. 1, 08 out. 1899.

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FONTE: VACCINAÇÃO. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 3, n. 131, domingo, p. 1, 17 out. 1897.

A notícia foi publicada na primeira página e seu objetivo, certamente, era fazer

com que a população comparecesse aos locais de vacinação. Havia, no período, também

grande número de crianças com sarampo, que frequentavam as escolas da cidade –

masculina, do professor Israel Marques de Freitas, e feminina, da professora Paulina Rosa

da Cunha Porto, na época5 – e, por esse motivo, o jornal solicitava que fosse suspenso o

ensino nas mesmas.6

Fazia-se necessária a criação de um hospital para tratar das doenças que surgiam,

já que a população tinha dificuldades para curar suas enfermidades e isso tanto era uma

prioridade que, em 28 de novembro de 1897, na coluna “Boatos Miudinhos” do Jornal O

Itaborahyense, foi evidenciado “que todos os dias sent[ia]-se falta de um hospital, n’esta

cidade”. 7 Apesar disso, somente quase dois anos depois, em 1899, saiu uma nova nota

no mesmo jornal, evidenciando uma manifestação na Câmara Municipal com o propósito

de construir um hospital. No apontamento do jornal, dizia-se o seguinte:

Em sessão de 16 [de outubro], o Sr. vereador Major Cid, apresentou um

requerimento pedindo a creação de um hospital, com medico e pharmacia, subvencionados, compra de carroças e o que mais fosse necessário, para

prontos soccorros as infelizes victimas da varíola que há tempos invadio este

município, e que ultimamente tem tomado proporções aterradoras.8

Contudo, o Vigário, que também era Presidente da Câmara, foi contra isso e,

segundo o jornal O Itaborahyense, “sob futeis pretextos, mas o major Cid, fundamentou

o seu requerimento com tanta energia e demonstrou o estado lastimavel em que nos

acha[va]mos devido aquella epidemia, que a Câmara approvou-o, contra o voto do

Vigario presidente”.9

5 APERJ (Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro) – Relatório do Diretor da Instrução Pública do

Estado do Rio de Janeiro, A. M. Alberto de Oliveira, apresentado ao Exm. Sr. Dr. Sebastião Eurico

Gonçalves de Lacerda, secretário de Interior e Justiça. Rio de Janeiro – 1897. Rio de Janeiro: Typ. Do

Jornal do Commercio, de Rodrigues e Comp., 1897. Anexos. 6 SARAMPO. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 5, n. 221, domingo, 06 ago.1899, p. 1. 7 BOATOS miudinhos. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 3, n. 137, domingo, p. 2, 28 nov. 1897. 8 CAMARA Municipal. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 5, n. 232, domingo, p. 1, 29 out. 1899. (grifo nosso) 9 Ibidem, p. 1. (grifo nosso)

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Na edição seguinte, de 29 de outubro de 1899, o jornal fez uma crítica à situação

de que o hospital poderia não sair, atendendo a caprichos “d’aquelle que só tem sido eleito

contra a vontade da maioria, e em obediencia a conveniências partidárias”.10 Esse

discurso fazia uma alusão ao Presidente da Câmara, mas não afirmava, explicitamente,

que era ao próprio a quem o jornal estava se dirigindo. A publicação, então, fez um pedido

aos vereadores para que fossem tomadas medidas enérgicas, pois, caso contrário, a cidade

seria tomada por uma epidemia, já que, em eventos anteriores, haviam sido registrados

casos como:

o de uma mãe trazer o filho nos braços, atacado da peste reinante, e ir procurar

socorros em uma pharmacia d’esta cidade; e agora outro, em um dos ultimos

dias, de uma senhora que conduzio um engeitado a nossa Igreja Matriz,

também com essa moléstia, ao pedir ao vigário remédio para esse infeliz!11

A conjuntura em relação à saúde não era agradável e a criação do hospital

continuava sendo uma dúvida, quando, dias depois, em uma sessão da Câmara, houve

uma resposta em relação a essa situação. No dia 22 de novembro de 1899, em sessão do

Conselho Municipal da cidade – convocada especialmente para a criação do hospital e o

que mais necessitasse para o seu pronto estabelecimento –, houve a “votação, depois de

bastante animada discussão, na qual falava pró o Sr. Major Cid e contra o Revd. Vigario

desta freguesia, que tambem é Presidente da Camara Municipal”, quando finalmente “foi

o projecto rejeitado por 8 votos!”. Segundo o jornal, esta resposta foi movida pela

politicagem local, 12 mesmo que a “obrigação do Estado de cuidar da saúde dos cidadãos

[fosse] postulado, portanto, há pelo menos dois séculos” (ORNELLAS, 1988, p. 258,

grifo nosso).

Até a década de 1920, as pesquisas mostraram que não foram realizadas ações

para criação de um hospital na cidade. Em 1913, o jornal O Itaborahyense lançou uma

nota, afirmando que Deus haveria de livrar as pessoas “dessas epidemias, porque com a

10 A BEM do municipio. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 5, n. 233, domingo, p. 1, 29 out. 1899. (grifo

nosso) 11 A BEM do municipio. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 5, n. 233, domingo, p. 1, 29 out. 1899. 12 CAMARA Municipal. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 5, n. 236, domingo, p. 1, 26 nov. 1899.

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Camara que temos toda a população seria sacrificada”.13 E essa foi mais uma crítica,

dentre outras, em razão da não constituição do hospital.

Dessa forma, o que continuaram a fazer, em Itaboraí, foram as campanhas a favor

da distribuição de remédios, quando, por exemplo, em 1913, o inspetor de higiene e saúde

pública, Dr. Bernardino de Almeida Senna Campos, enviou remédios para indivíduos

residentes na cidade, para que fossem distribuídos entre os enfermos de “opilação”; essas

pessoas estariam responsáveis em fornecer “todas as instrucções para seu uso e conselhos

para evitar a propagação do mal”.14 Dentre os indivíduos escolhidos, estavam:

Figura 2.17: Pessoas que receberam remédios para distribuição (1913)

FONTE: TRATAMENTO da opilação.15 Jornal do Commercio,

Rio de Janeiro, ano 87, n. 28, terça-feira, p. 6, 28 jan. 1913.

Em Itaboraí, a maioria dos indivíduos designados para essas ações era professor

(a) da localidade; e esses docentes, ao distribuírem remédios e permitirem a aplicação de

vacinas, no recinto escolar, estariam fazendo com que a instituição exercesse sua função

social, mais uma vez. A escola estaria funcionando, dessa forma, como uma “mediadora

da saúde preventiva” (NEGRI, 2015, p. 8549) e exercendo uma dimensão profilática.

Assim, as escolas fizeram parte da cultura da imunização estando a postos como local de

vacinação e entrega de remédios.

13 CAMARA Municipal. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 19, n. 925, domingo, p. 1, 24 ago. 1913. 14 TRATAMENTO da opilação. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, ano 87, n. 28, terça-feira, p. 6, 28

jan. 1913. 15 Segundo o Dicionário da época, já citado, opilação era a obstrução dos canais ou dutos do corpo. In:

SILVA, Antonio de Moraes e. “Diccionario da língua portuguesa”. p. 367. Disponível em: Catálogo

Eletrônico/

Dicionário.IEBhttp://200.144.255.59/catalogo_eletronico/consultaDocumentos.asp?Tipo_Consulta=Acer

vo&Acervo_Codigo=2&Setor_Codigo=11. Acesso em: 13 fev. 2019.

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- As eleições nas escolas.

Uma outra atividade que alterava o cotidiano escolar era quando ocorriam eleições

e eram escolhidos os governantes para aquela sociedade. Ao pensar sobre as relações

entre o urbano e o escolar, são notáveis os fenômenos das formações sociais (FARIA

FILHO, 2005, p.33) e, nesse entroncamento, estava o processo de eleger candidatos para

governar a cidade.

Em Itaboraí, a rotina das escolas era alterada nessas épocas também, visto que

funcionavam como locais de votações. Nesta pesquisa, já foi observado que as aulas

funcionavam de segunda a sábado e, por muitas vezes, as votações eram realizadas nesses

dias. Como exemplo, têm-se as eleições de 1918 – que foram executadas no dia primeiro

de março, ocorrendo em uma sexta-feira –, cujas mesas eleitorais foram designadas para

funcionarem nos seguintes locais:

— Primeiro Districto-Séde do Municipio e da Comarca

— Primeira Secção: Na Camara Municipal. — Segunda Secção: No edifício onde funciona a Collectoria Federal.

— Terceira Secção: No edifício onde funciona a Escola de meninos.

— Segundo Districto

— Porto das Caixas — (Secção unica) — Funccionará no edifício da Escola

Mixta.

— Terceiro Districto — Itamby (Secção unica) — Funccionará no edifício da

Escola Mixta.

— Quarto Districto — Sambaetiba (Secção unica) — Funccionará no edifício

da Escola Mixta.16

Ao observar os locais em que seriam realizadas as votações, é possível perceber

que a maioria das sessões era localizada nas escolas da região, pois das 6 existentes, 4

ficavam em unidades escolares, o que, naturalmente, ocasionava uma dinâmica

diferenciada para o determinado dia, enquanto os alunos e alunas ficavam destituídos de

suas aulas. De acordo com a legislação da época, as professoras não poderiam votar e

16 DIVISÃO eleitoral. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 24, n. 1.151, domingo, p. 3, 27 jan. 1918.

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muito menos fazer parte da mesa receptora dos votos, posto que o voto das mulheres

apenas seria autorizado depois de 1932 e com ressalvas (PERROT, 2008, p. 152).

No Censo de 1910, a população de Itaboraí era de 21. 194 indivíduos, sendo desses

10.431 homens e 10.763 mulheres17; entretanto, em 1914, havia em Itaboraí apenas 1.584

votantes18, o que acarretava um quantitativo pouco maior que 15% da população valendo-

se do direito de voto.

- As relações extramuros.

Outra questão importante para pensar são os motivos que levavam as crianças a

saírem das suas escolas para algum evento. Em Itaboraí, o que pode ser observado é que

as professoras, ao se ausentarem das suas escolas com seus alunos, não faziam isso por

uma simples questão pedagógica, mas sim de forma deliberadamente política, situação

observável quando “a instituição escolar se inscreve – constituindo e sendo constituída –

nas teias das relações urbanas” (FARIA FILHO, 2005 p. 33).

Essa situação pode ser exemplificada em algumas ocasiões em que houve

deslocamento das professoras com seus alunos para prestigiar pessoas influentes da e na

cidade, sendo esses indivíduos padres, candidatos à presidência e superintendentes.

Algumas saídas das unidades escolares foram informadas pelo jornal O Itaborahyense,

que relatava os seguintes acontecimentos:

Partiram no dia 6 do corrente desta cidade com destino a Petropolis, passando

por Nictheroy, onde foram apresentar ao Sr. Bispo da Diocese o resultado da

santa missão nesta freguezia, os RRevdm. Padres lazaristas Paulo e Fernando.

A população da cidade, sem distincção de classes, tendo à frente os alumnos

das escolas publicas, acompanhou os beneméritos missionários até a estação

de Venda das Pedras, que foram ahi recebidos por uma commissão de

senhoritas que sobre eles espargiram petalas de flores. Antes da chegada do comboio, a menina Olga Cid pronunciou um emocionante

discurso de despedida, seguindo-se com a palavra o Sr. tenente-coronel

17 IBGE. Censo de 1900. Recenseamento Geral do Brasil de 1900 (IBGE). Coleção Digital do IBGE.

Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/detalhes.php?id=7115. Acesso em: 12 jul. 2016. 18 EDITAES. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 21, n. 998, domingo, p. 2, 21 jan. 1915.

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Antonio Leal, que manifestou aos dignos missionarios a gratidão que lhes

ficava a dever a população Itaborahyense.19

Em outra ocasião, Feliciano Sodré estava em campanha presidencial, quando fez

uma visita à cidade e, novamente, as escolas estavam no local para lhe dar boas-vindas.

O jornal narrou a situação da seguinte maneira:

Ao espoucar de foguetes foi o Dr. Feliciano Sodré recebido entre aclamações

por gentis senhoritas e prestimosos políticos, na estação de Itamby, tocando

nessa ocasião a Banda Musical Nova Euterpe Itambyense [...] No Porto das

Caixas a estação achava-se repleta de pessoas gradas e distinctas famílias [...]

No mesmo local [na estrada da cidade] aguardavam também a chegada de S.

Ex. os alumnos das escolas publicas de ambos os sexos. [...]20

O Vigário Egydio Cavuoti também foi motivo para que os professores e seus

alunos fossem ao seu encontro. Em retorno de viagem à Europa, quando aportou na

estação de Venda das Pedras, o local “era insufficiente para saudarem-no”, quando “a

professora D. Cecilia Santos fez suas alumnas formarem em alas e á passagem do Revdm.

Vigario a menina Rosa Novaes usou da palavra e deu-lhe as boas-vindas”. Depois desse

ato, foi feita uma comitiva até a cidade, onde foi “recebido pelos alumnos das escolas

publicas, regidos pelas professoras DD. Paulina Porto e Maria Innocencia, banda de

musica, senhoras, senhoritas, cavalheiros e populares [...]”.21

Outra pessoa que teve a honra de os alunos o acompanharem à estação de trem foi

o superintendente de ensino do município, o tenente-coronel Antonio Leal. Ao participar

da mesa examinadora da escola mista de Tanguá, a cargo da professora D. Orphila

Alvares, o tenente-coronel ficou “bem impressionado com o adiantamento dos alumnos”

e, ao término dos trabalhos, se dirigiu à estação, quando percebeu que havia comparecido

ao local “a professora acompanhada de todos os seus alumnos e convidados, o que muito

captivou a autoridade escolar”.22

19 SANTA missão. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 20, n. 958, domingo, p. 1, 19 abr. 1914. 20 DR. FELICIANO SODRÉ. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 20, n. 969, domingo, p. 1, 05 jul. 1914. 21 VIGARIO Egydio Cavuoti. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 20, n. 978, domingo, p. 1, 06 set. 1914. 22 EXAMES de promoção. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 21, n. 1.042, domingo, p. 3, 05 dez. 1915.

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Em 1917, o jornal O Itaborahyense relatou que a mesma professora havia feito,

novamente, a mesma honraria de comparecer à estação de trem com seus alunos. Dessa

vez, o superintendente não pode comparecer e designou Hermeto Júnior – o gerente do

jornal citado – para representá-lo naquela ocasião.23

Como pode ser percebido, existia uma certa rede de sociabilidade entre as pessoas

da cidade de Itaboraí e o ato de sair da escola com seus alunos e alunas, certamente, não

era nada fácil, devido às condições desfavoráveis das locomoções na época. Todavia, para

manter uma boa relação entre os pares, era feito esse sacrifício, visto que, no cotidiano da

relação entre cidade e escola, cada um poderia vir a necessitar de favores do outro.

23 ESCOLA mixta de Tanguá. O Itaborahyense, Itaboraí, ano 23, n. 1.145, domingo, p. 2, 16 dez. 1917.