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D O C E I L U S Ã O Psicologia Barata Texto de: JULIO CARRARA Escrita em 2008

26. doce ilusão

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Psicologia Barata

Texto de: JULIO CARRARA

Escrita em 2008

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PERSONAGENS:

BILL

PARDAL

LOCAL: Rio de Janeiro

ÉPOCA: Atual (Véspera do Ano Novo)

CENÁRIO: Sala de jantar ampla, com uma mesa grande no centro e duas

cadeiras. Um aparador. Um espelho. E outros objetos a critério do cenógrafo.

Tudo muito despojado. Apenas com os elementos necessários à ação. Os

elementos são simples, mas de bom gosto. O clima fantasmagórico vem

através da iluminação e não da cenografia.

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CENA 1

(Enquanto o público entra, ouve-se em BG uma bateria de escola de samba vinda do

lado de fora. Vemos por uma fresta da janela, a praia de Copacabana toda iluminada e

abarrotada de gente que contrasta com a sala de jantar, onde o clima é lúgubre e

sombrio como numa imagem expressionista. Luz da plateia cai em resistência e cessa o

som da bateria. No palco, o relógio da parede marca 20 horas. Bill está sentado e à sua

frente tem uma caixa aberta com dezenas de cartas e fotos.)

BILL

(Lendo uma carta.) “Sinto o beijo úmido e quente que tempera a

temperatura do tempo. Beijo que nasce do silêncio incerto da culpa. Línguas

que bailam na música silenciosa do amor. Picante. Vermelho. Teu corpo árido

tal qual a areia do deserto, queima a minha pele e me faz sonhar. Teus beijos

são como o oásis, que em meio à luxúria, matam a minha sede...”

(Irritado, joga a carta em cima da mesa, vai em direção a um espelho e contempla a sua

imagem. Sem que ele perceba, entra Pardal, em silêncio, caminhando pé ante pé, com o

semblante de quem está aprontando algo. Bill, perdido em seus pensamentos, leva um

grande susto quando Pardal brada.)

PARDAL

Feliz Ano Novo!!!!

BILL

Filho da puta quer me matar do coração?

PARDAL

Que foi? Tava meditando ou era só narcisismo?

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BILL

Nenhuma das alternativas... O que você quer?

PARDAL

Vim lhe desejar um Feliz Ano Novo...

BILL

Que bobagem...

PARDAL

Onde tá o champagne e o peru?

BILL

O champagne, não sei. Mas o peru (Pegando no pau.) Tá aqui, ó...

PARDAL

O peru pra ceia, idiota. Eu não acredito que você não comprou o peru...

BILL

Eu já tenho um aqui...

PARDAL

Esse penduricalho inútil que você tem entre as pernas não serve pra

nada... Agora é sério... Não tem champagne, nem peru, nem lentilha, nem

frutas, nem nada?... Vamos comemorar com o quê? Com água?

BILL

Com qualquer coisa. Não vejo a menor graça no Ano Novo, pra mim é

um dia como o outro qualquer. Todo ano é a mesma merda. Então, tanto faz.

O que vier é lucro...

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PARDAL

O que você tem na geladeira?

BILL

Resto de pizza de anteontem e uma panela de feijão.

PARDAL

De hoje?

BILL

Do mês passado.

PARDAL

(Rindo.) Você não muda mesmo...

BILL

Cada um é como é e ponto.

PARDAL

Não conte comigo pra lavar a panela.

BILL

Não precisa. Quando eu criar coragem jogo ela no lixo...

PARDAL

Sabe o que eu queria agora? Eu queria estar num conversível a 170 km

por hora, sentindo o vento bater na minha cara e...

BILL

...terminar como o James Dean no seu porshe spyder prateado...

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PARDAL

Porra, velho, como você tá negativo, hoje. Caralho...

BILL

Desculpa... É que não tô com pique de festa...

PARDAL

E vai ficar velando defunto até quando? (Repara na caixa e na pilha de fotos

e cartas.) Eu não acredito que você ainda tá nessa, Bill... (Pega a carta que Bill

estava lendo.)

BILL

Me dá essa carta, Pardal...

(Há uma luta entre Bill e Pardal. Pardal lê um trecho da carta enquanto lutam.)

PARDAL

“Teu corpo árido tal qual a areia do deserto, queima a minha pele e me

faz sonhar. Teus beijos são como o oásis, que em meio à luxúria, matam a

minha sede...”(Vencido, entrega a carta, zombando dele.) Hum... garotão quente...

BILL

Quente é o teu rabo arrombado...

PARDAL

(Ainda na brincadeira.) Mas me dá um beijo pra matar a minha sede, meu

bem?

BILL

Deixa de viadagem, porra...

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PARDAL

(Rendendo-se.) Tá ok, parei.

BILL

Eu nunca mexi nas suas coisas.

PARDAL

Peguei a carta porque ela tava aberta aí em cima da mesa.

BILL

Mesmo assim, você não tinha o direito de ler. E menos ainda de ficar

tirando uma da minha cara.

PARDAL

(Chateado.) Desculpa, não fiz por mal...

BILL

Você nunca faz por mal. Seu prazer é me atacar, me ferir com um

punhal e depois de me ver com o peito sangrando, olha pra mim e me diz:

Desculpa, não fiz por mal...

PARDAL

(Ficando irritado.) Eu já te pedi desculpas.

BILL

Vai à merda...

PARDAL

(Reflexivo, depois de um tempo.) Neste exato momento você acabou de

perder um amigo. Eu vim aqui pra comemorar o ano novo com uma pessoa

que considerava especial, mas tava enganado... Essa pessoa rude e mimada

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não merece um pingo da minha consideração. Fica aí, neste vale das sombras

aguardando pelo fim dos tempos... (Vai saindo.)

BILL

Espera...

PARDAL

(Áspero.) Fala logo que o meu tempo é precioso.

BILL

(Arrependido.) Desculpa, não fiz por mal.

(Pardal dá uma gargalhada ao perceber que a frase foi dita com a mesma intenção que

ele deu ao se desculpar com Bill.)

PARDAL

Neste caso, estamos quites...

(Riem histericamente quebrando a tensão que se instalou.)

PARDAL

E agora? O que vamos fazer? Alugar um conversível e sair rasgando as

ruas da cidade? Ou pular de asa-delta da pedra da Gávea?

BILL

Prefiro ir amanhã ver o pôr do sol nas pedras do Arpoador.

PARDAL

Ou então subir a pé no Corcovado até chegar ao topo aos pés do

Redentor.

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BILL

Não, não. Tô fora, brother. Lembra o que aconteceu comigo da última

vez?

PARDAL

Foi sinistro... Mas fiquei orgulhoso de você.

BILL

Você é um tremendo de um sádico filho da puta, isso sim. Orgulhoso

por me ver subir aquela trilha toda com o pé torcido, parecendo uma mula

manca? Pô, mais de 3 horas de caminhada... Paguei todos os meus pecados, da

encarnação passada, desta e da que virá... E o Cristo ali, parado, de costas pra

mim e com os braços estendidos. Custava ele baixar um braço e me dar uma

mãozinha?

(Riem.)

PARDAL

Agora é sério... O que vamos fazer?

BILL

(Satirizando.) Vamos praquela sauna do Catete fazer caridade...

PARDAL

Tá louco!!!!

BILL

Lembra aquela vez que você me levou? Era a visão do inferno. A sala de

estar parecia um hospital geriátrico. Aquele monte de velho barrigudo

secando a gente... Bicha velha mal comida é uma desgraça, hein?...

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PARDAL

E lá na sauna a vapor, então? Aquele velhinho engraçado, parecendo

uma múmia recém-saída do sarcófago que disse: Não posso ficar muito tempo

aqui no vapor senão viro canja. E aí ninguém me come...

BILL

Mas a melhor sacada dele foi lá na sala de repouso quando viu uns

quatro ou cinco, conversando: Gente, isso aqui é um matadouro, não é lugar de

conversar. Estão esperando o quê? O chá das cinco?

(Riem histericamente.)

PARDAL

Para, que minha barriga tá doendo...

BILL

Sinistro brother. Sinistro...

PARDAL

(Parando de rir.) E aí, tem alguma bebida na geladeira?

BILL

Só o chá das cinco...

(Pardal se desdobra de rir.)

PARDAL

Para, Bill.

BILL

Mas se quiser, tem canja também.

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PARDAL

Seu filho da puta... Eu vou morrer de rir.

BILL

Rir faz bem. Alivia as tensões. Ainda mais pra quem tá sem trepar há

tanto tempo como você...

PARDAL

Ih, tá mal informado, hein? Eu tô gavião...

BILL

Gavião? Boiei. Por que gavião?

PARDAL

Cada baixada é um pinto.

BILL

Você não vale nada...

PARDAL

(Respirando fundo e conseguindo controlar o riso.) Agora é sério... Vamos

sair pra comprar bebida e alguma coisa pra comer? Será que ainda tem peru?

BILL

Quer saber o que eu acho? Vamos comprar frango assado aí na padaria

mesmo... (Pardal tem nova crise de riso.) O que foi bobo-alegre? Sai dessa,

brother. Fica preso ao passado. A piada já perdeu a graça...

PARDAL

É que você falou em frango...

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BILL

Sim, e daí?

PARDAL

E daí que eu me lembrei do tiozinho da sauna...

BILL

O que tem a ver o tiozinho da sauna com o frango?

PARDAL

(Rindo.) Imagina aquela múmia dando na posição do frango assado?

BILL

(Com ânsia.) Caralho, brother, para de ser nojento...

(Bill sai com refluxo e Pardal atrás, rindo e imitando o refluxo dele. Música.)

CENA 2

(Bill e Pardal entram carregando várias sacolas que depositam sobre a mesa.)

BILL

Essa cidade tá um verdadeiro formigueiro humano...

PARDAL

Véspera de ano novo. Rio. Copa. Você esperava o quê? Ainda bem que

tinha bastante cerveja na padaria... Pena que esse frango tá pequeno... Não vai

dar pra nada...

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BILL

Nossa, faz muito tempo que não bebo. E hoje quero beber até o cu fazer

bico...

PARDAL

Caraca, Bill. Que gíria mais antiga. Isso é do tempo da minha avó.

Aliás... (Olhando bem para o rosto de Bill.) como sua cara tá cheia de ruga...

BILL

Cheio de ruga tá esse seu saco pré-histórico.

PARDAL

Grosso...

BILL

Grosso é meu pau.

PARDAL

Você não perde uma, hein?

BILL

Provocou, agora aguenta...

PARDAL

Tudo bem... Posso botar um som?

BILL

Isso é pergunta que se faça? Nem parece que dividiu o apartamento

comigo.

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PARDAL

Só que não divido mais. Os hábitos podem ter mudado...

BILL

Os meus continuam os mesmos...

PARDAL

Nota-se pelo que tem na geladeira...

BILL

Então...

(Pardal coloca o CD no aparelho de som. Ouvimos “More Than Ever People”, do Café

del Mar. Bill joga uma latinha de cerveja para Pardal e depois pega a sua.)

BILL

(Abrindo o anel da latinha.) Um brinde para nós

PARDAL

(Idem a Bill.) A nós...

(Brindam e bebem. O clima é agradável.)

BILL

(Curtindo o som.) Já transei muito ouvindo essa música... Olha que voz...

A gente goza só de ouvir... (Pausa.) Já transou com o Jonas ouvindo esse som?

(Pardal vai até o aparelho e desliga-o.)

BILL

Pô, brother, como você é empata foda...

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PARDAL

Empata foda é você.

BILL

Mas o que foi que eu fiz?

PARDAL

(Remedando-o.) Mas o que foi que eu fiz??? Tinha que me lembrar dele?

(Fica muito nervoso.) Bosta...

BILL

Foi mal...

PARDAL

Sabe o que aconteceu umas semanas atrás?

BILL

Não. O quê?

PARDAL

Eu tava em casa no meu quarto mexendo no computador. Chovia pra

cacete. Aí escuto a buzina de uma moto. Abri a janela pra ver quem era. Mas

de lá não dava pra ver. Daí eu desci e tomei um puta susto quando vi o Jonas

todo encharcado na minha frente. O que você veio fazer aqui?, perguntei. E ele:

Vim saber se está tudo bem... Respondi, friamente: Está tudo bem, sim. Agora vai

embora que não quero que ninguém te veja aqui. Ele subiu na moto e antes de dar a

partida, me disse: Sonhei que você não tava bem. Por isso vim até aqui... Quer

dizer, depois de tudo que ele me fez, vem bater na minha porta pra saber

como eu tô?

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BILL

E você ainda deu duas chances pra ele.

PARDAL

Pois é. Na primeira vez, abri o jogo com a minha família, disse que tava

saindo de casa pra morar com um cara, foi uma decepção tremenda pra todos

lá de casa, mesmo assim, dediquei minha vida pra ele até descobrir que ele

tava me traindo. Fiquei sozinho neste apartamento até encontrar você pra

dividirmos as despesas. E algum tempo depois, o Jonas me procura e me pede

uma segunda chance... E o tonto aqui, caiu...

BILL

Eu me lembro dessa vez, você entrando feito um foguete por aquela

porta, se trancando no banheiro e falando: Burro! Burro! Burro! E depois veio

me contar o ocorrido.

PARDAL

E eu sabia que isso não ia durar muito tempo.

BILL

E por que voltou, então?

PARDAL

Pra descobrir que ele tava me traindo com um colega de classe... Aí foi o

fim... E depois de tudo isso, ele ainda tem a coragem de me procurar e com

aquela cara deslavada me perguntar como eu tô?

(Pardal abre outra latinha de cerveja e bebe em grandes goles.)

PARDAL

O que você acha?

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BILL

Acho que não sou a melhor pessoa pra responder essa pergunta... Da

mesma forma que você vê o Jonas como uma doença, é dessa mesma forma

que a Bianca me vê... Nem preciso te dizer nada. Você acompanhou toda a

nossa história. Você, pelo menos, teve um mínimo de amor-próprio. Eu nem

isso. Permiti que ela me pisoteasse. Me enxotasse da sua casa, me excluísse da

sua vida...

PARDAL

E ambos estamos aqui agora...

BILL

Pois é... Na merda...

PARDAL

Na merda mais profunda e mais negra que já existiu...

BILL

Nossa vida virou um circo de horrores.

PARDAL

Um freak show...

(Bill pega mais duas latinhas de cerveja e joga uma pra Pardal.)

BILL

Por isso vamos beber... Só toma cuidado, viu, que cu de bêbado não tem

dono...

PARDAL

E pau de bêbado também, não...

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(OBSERVAÇÃO: Não deverá existir em nenhum momento alguma intenção que

revele ou sugira que Bill e Pardal queiram transar. São amigos íntimos e ambos tomam

essas liberdades.)

(Gargalham. Estão um pouco embriagados pelo efeito do álcool. Bill puxa Pardal até a

janela.)

BILL

(Berrando em direção à multidão.) Bianca!!!! Jonas!!!! Se vocês estiverem nos

ouvindo quero que saibam que nós, Bill e Pardal estamos super felizes.

Quanto às juras de amor que te fiz Bianca, você pode esquecer. E você, Jonas,

nunca mais apareça na casa do Pardal... Nos deletem das suas memórias, das

suas vidas... Não nos procurem nunca mais, ouviram? NUNCA MAIS... (Atira

o frango no lixo.)

PARDAL

Por que jogou o frango, maluco?

BILL

Frango cisca pra trás. Como vamos comer esse bicho em plena virada do

ano? Pra vida da gente andar mais pra trás ainda? (Gritando na janela.) Vai

tomar no cu...

(Pardal, um pouco mais sóbrio, tira Bill da janela.)

PARDAL

Vem pra cá, Bill. Olha o vexame...

BILL

Vexame? Vexame por quê? Vexame é você querer se libertar de um

sentimento, tentar esquecer a pessoa amada e não conseguir. Isso sim é que é

vexame. É como cair numa areia movediça e afundar, afundar, afundar,

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enquanto o ser amado tá ali, de pé, rindo da sua cara até ver você desaparecer

por completo...

PARDAL

Calma... Isso não vai resolver nada... É melhor você se sentar e se

acalmar...

(Coloca Bill sentado à mesa e em seguida guarda as cartas e as fotos.)

PARDAL

E melhor guardar essas coisas aqui. Hoje a ocasião é de alegria e não de

choro... E quem vive de passado é museu...

BILL

Olha só quem fala de passado!!! Pensa que eu não sei o que tem dentro

da sua mochila?

PARDAL

(Desconcertado.) Do que você tá falando?

BILL

Não se faça de bobo, moleque.

PARDAL

Eu não tô te entendendo...

BILL

Me dá sua mochila...

PARDAL

(Corre abraçar a mochila.) Pra quê?

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BILL

Pra você entender do que tô falando.

PARDAL

Você tá bêbado...

BILL

Você também tá. E não é nesse estado que são reveladas as grandes

verdades? Vamos lá, abra a sua mochila...

PARDAL

Não tem nada aqui dentro que te interesse...

BILL

Não. A mim, não. Mas a você, sim...

PARDAL

Quer fazer o favor de não ficar falando em código e ser mais específico?

BILL

(Direto.) Jonas...

PARDAL

O que tem o Jonas?

BILL

Dentro dessa mochila estão as fotos do Jonas e todas as cartas que ele te

escreveu...

PARDAL

Você andou mexendo nas minhas coisas, foi?

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BILL

Eu não preciso disso. O problema, Pardal, é que as pessoas são muito

óbvias e raramente te surpreendem. E quando te surpreende, normalmente é

pra pior... Mas como te conheço bem, sei que você não se esqueceu do Jonas,

assim como não me esqueci da Bianca... Por isso nós ainda continuamos

guardando essas fotos e essas cartas que nos enviaram durante o tempo em

que estávamos juntos, quando o certo seria jogar tudo isso fora. Estamos no

mesmo barco, os dois... E o pior é que não consigo achar uma saída... E você,

senhor da razão, da sabedoria, consegue achar uma luz no fim do túnel?

PARDAL

Sim.

BILL

Qual?

PARDAL

Vamos dançar...

BILL

Nem fodendo. Você sabe que sou duro como pedra pra dançar...

PARDAL

Vamos descer pra praia, então?

BILL

Não. Na hora dos fogos a gente desce. Ou vê daqui mesmo.

PARDAL

Você quem sabe...

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(Pausa longa.)

BILL

(Ideia.) Tive uma grande ideia!!!! Porra, eu me amo... O que seria de mim

sem mim...

PARDAL

Que ideia é essa?

(Bill pega a caixa que está sobre a mesa e coloca-a no chão.)

BILL

Pega as fotos e as cartas do Jonas que estão na sua mochila...

PARDAL

Mas o que você vai fazer, Bill?

BILL

Para de fazer tantas perguntas... Traz aqui as coisas do Jonas que você

vai saber já, já...

(Pardal, receoso, abre a mochila, retira uma caixinha de dentro dela e entrega para

Bill.)

PARDAL

Vê lá o que você vai fazer.

BILL

Nada além do que já deveria ter feito há muito tempo...

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(Abre a caixa de Pardal, tira as cartas e as fotos de dentro dela e embaralha-as com o

seu material.)

PARDAL

Que doideira é essa?

BILL

Não tem doideira nenhuma. É um jogo...

PARDAL

Jogo?

BILL

Sim. Um jogo.

PARDAL

Que tipo de jogo?

BILL

Um jogo simples... Embaralhamos as cartas, sorteamos, cada um pega

uma e vamos lendo aleatoriamente.

PARDAL

Que piração é essa?

BILL

Não tem piração nenhuma.

PARDAL

E o que isso, então? Alguma terapia?

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BILL

Psicologia barata mesmo... Vamos ler as declarações que recebemos,

como se elas não fossem dirigidas pra gente.

PARDAL

Dirigidas pra quem, então?

BILL

Sei lá. Pra algum tonto que acreditou um dia nessas palavras...

PARDAL

Tô começando a gostar... Vamos começar logo com isso, então...

BILL

Ainda não...

PARDAL

Tá esperando o quê? A virada do ano?

BILL

Não. Não podemos fazer isso sem brindar. Esse fato precisa ser

comemorado...

PARDAL

Não seja por isso. É pra já.

(Pardal pega uma garrafa de champagne e duas taças. Estouram o champagne, servem-

se e brindam.)

BILL

Um brinde para esses dois imbecis...

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PARDAL

Que tiveram um ano de merda...

BILL

Sem grana...

PARDAL

Sem carro...

BILL

Com contas atrasadas...

PARDAL

Pagando acordo da Faculdade.

BILL

Vendendo livros caríssimos para os sebos te pagarem uma ninharia.

PARDAL

Trabalhando feito um escravo naquela empresa maldita pra ganhar 600

reais.

BILL

E tudo isso pra quê?

AMBOS

Pra nada...

(Riem.)

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BILL

A única coisa boa de tudo isso, sabe qual é?

PARDAL

Você consegue ver algo bom no meio de tanta desgraça?

BILL

É que nem tudo tá perdido...

PARDAL

Sabe o que eu acho?

BILL

Não faço a menor ideia...

PARDAL

Você devia escrever um livro.

BILL

Escrever um livro? Eu??? Tá de sacanagem comigo... Eu só sei o Era uma

Vez e o Viveram felizes para sempre... Nada mais.

PARDAL

Não é esse tipo de livro que tô falando...

BILL

Que porra de livro, então?

PARDAL

De Auto-Ajuda...

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BILL

Ah, vai se foder...

PARDAL

É sério. Tenho certeza que ficaria rico se contasse a nossa história...

BILL

Eu tenho mais o que fazer brother... Como seria o título? Quando o

Sofrimento Bater à Sua Porta?

PARDAL

Não, esse título já existe. É do Padre Fábio de Melo. Da Editora Canção

Nova.

BILL

(Rindo.) Puta que pariu!!!! Andou lendo, é? Que fim de carreira!!! Não

sabia que você tinha chegado nesse estágio... E ainda fala de mim...

PARDAL

Eu não...

BILL

Ah, assume, vai...

PARDAL

Tá bom... Eu li...

BILL

E resolveu alguma coisa?

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PARDAL

(Chateado.) Bosta nenhuma...

BILL

Olha, se fosse pra escrever um livro, eu daria esse título: Como Mandar

Alguém pra Casa do Caralho...

PARDAL

Aí a Canção Nova não iria publicar... Tem palavrão no título...

BILL

Como Mandar Alguém pra Casa do Pênis, então? Não sei... não acho um

título atrativo... (Pensa.) Onde você acha que é a Casa do Caralho?

PARDAL

A Casa do Caralho pra mim fica no Paraguai...

BILL

(Como se tivesse descoberto algo muito importante.) Perfeito... Como Mandar

Alguém pro Paraguai... Vou escrever. Mas neste caso eu preferiria ser um ghost-

writter. O que acha? Eu escrevo e você assina por mim...

PARDAL

Se for com pseudônimo, eu topo.

BILL

Fechado.

PARDAL

Bom, são onze e meia. Vamos fazer o nosso jogo e aí a gente desce pra

ver os fogos...

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BILL

É isso aí...

(Aproximam-se do centro do palco onde estão as cartas espalhadas no chão.)

BILL

Não vale escolher, viu Pardal?... É pra pegar qualquer uma.

PARDAL

Tá bem...

BILL

E nada de sentimentalismos, senão o jogo não funciona.

(Música. Bill e Pardal embaralham as cartas, jogam para cima como se fosse um sorteio

e cada um pega uma. Quando terminam de ler o trecho, há um novo sorteio e assim

sucessivamente. Os trechos são lidos e escrachados sem nenhum sentimentalismo.)

PARDAL

(Lê.) Desperdício de vida é viver sem ti... (Ri.)

BILL

(Lê.) Entre as estrelas da noite eu quero a mais brilhante... (Ri.)

PARDAL

Lindo, não?

BILL

As pessoas quando se apaixonam, perdem a noção do ridículo...

(Riem. Novo sorteio. Cada trecho lido culmina num riso.)

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PARDAL

A brisa suave é o teu hálito.

BILL

Beijos e lágrimas se misturam.

PARDAL

Celerados, cavalgam como animais selvagens.

BILL

Quero desvendar-te com minha língua.

PARDAL

Olhos vendados, mãos amarradas.

BILL

Vida que exala por todas as partes.

PARDAL

Moléculas gigantes banhadas no creme macio da própria luxúria.

BILL

Teu sabor é doce como tâmaras maduras...

(Novo sorteio. Ambos riem muito.)

BILL

Não te disse que era divertido?

PARDAL

Muito... Vamos ver o que vem agora...

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BILL

(Lê.) Traz consigo a doçura desse olhar melancólico e desse sorriso

encantador que me embriaga e me fascina.

PARDAL

Hoje quero ser teu espelho, refletir os teus desejos...

BILL

Sonho em morrer em teus braços.

PARDAL

Espera que não tem fim. Tortura-me com essa ausência.

BILL

Busco no vazio aquilo que só você tem.

PARDAL

Onde quer que esteja, quero que saiba que nunca te esquecerei e pra

sempre vou lembrar.

BILL

Pequenas bolhas de vida que nos empurram para o amor.

PARDAL

Imagens que nos fazem delirar.

BILL

“Decifra-me ou te devoro”... Devora-me, meu senhor. Senhor dos meus

pensamentos e dos meus pecados.

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PARDAL

Faz da tua arma uma verdadeira companheira da dor.

BILL

Aqui estou eu novamente. Olhando para o futuro e me vendo sem você.

Tentando tirar suas impressões do meu coração. Rasgando meu âmago e te

tirando da minha vida.

BILL

Ainda que o tenha em meus braços, saberei que isso é só ilusão.

PARDAL

Aguardo-o, mas não tenho ilusão... (Noutro tom.) Acho melhor parar por

aqui senão vou morrer de tanto rir...

BILL

(Intrigado olhando uma carta.) Que coisa esquisita!!!! Que tipo de código é

esse, Pardal?

PARDAL

Que código?

BILL

(Lendo.) Não é. Não foi. Não tava...

PARDAL

Ah, agora é algo sem nenhuma importância... (Muda o tom.) Preciso

beber alguma coisa. Fiquei com a garganta seca...

(Dirige-se para a mesa e pega duas latinhas de cerveja. Uma delas é jogada para Bill.)

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BILL

(Abrindo o anel.) Não falei que era divertido?

PARDAL

(Idem a Bill.) Muito. Onde é que você aprendeu isso?

BILL

Se eu contar, você promete que não vai rir de mim?

PARDAL

Prometo. (Pardal ameaça rir.)

BILL

Mas nem te contei e você já tá com vontade de rir...

PARDAL

Tá bom. Não vou rir. Agora me diz.

BILL

(Envergonhado.) Lendo livros de Auto-Ajuda...

(Pardal explode numa gargalhada deixando Bill sem jeito.)

BILL

Ué, tá rindo de quê? Você também leu.

PARDAL

Tá certo...

BILL

Quanta ilusão...

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PARDAL

(Suspirando.) Ai, ai...

(Ambos ficam deitados no chão por um tempo. Silêncio de aproximadamente um

minuto. Ouve-se o burburinho das pessoas no calçadão.)

PARDAL

Falta pouco pra meia-noite.

BILL

Ainda bem que tá no fim essa porcaria de ano.

PARDAL

Eu acho que a gente precisa encontrar uma solução para isso. Você não

acha, não?

BILL

Tamo tentando. Não tamo?

(Pardal e Bill sorriem generosamente um para o outro. Lentamente Bill se levanta,

separa as suas cartas e as de Pardal colocando-as nas suas respectivas caixas. Em

seguida pega um balde e despeja álcool em seu interior.)

PARDAL

Por que isso?

BILL

A gente não pode começar bem o ano carregando lembranças do

passado. Tá na hora de nos libertarmos deles.

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PARDAL

Não... Eu não posso...

BILL

Pode. Eu também achei que não podia. Mas depois de pensar muito,

cheguei à conclusão de que não é possível estarmos abertos a novos

relacionamentos se estivermos presos às relações do passado.

PARDAL

O Jonas foi muito importante pra mim.

BILL

Eu sei. E a Bianca também foi. Mas isso faz parte do passado.

PARDAL

...que queremos esquecer, apagar das nossas mentes.

BILL

Não. Apagar, não. Nem esquecer. Vamos guardar apenas as lembranças

boas, como àquelas que nos recordamos nas tardes de outono. É como chegar

em nossa casa e da rua sentir o cheiro do café ou da comida da mamãe; é

como estar na sala de parto vendo o nascimento de seu filho; é como pular de

asa-delta, andar no bondinho do Pão de Açúcar ou ver a cidade toda aos pés

do Redentor... É como dar um mergulho no mar, ver as estrelas no céu ou o

pôr do sol no Arpoador. Essas feridas precisam se cicatrizar. Precisamos

esquecer as dores e nos lembrarmos apenas dos momentos bons. Eles estarão

pra sempre dentro de nós, mas de agora em diante, sem nos causar nenhuma

dor.

PARDAL

(Emocionado.) Não vou conseguir.

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BILL

Vai sim... Coragem... Acredite em mim. Vamos incinerar essas cartas e

essas fotos e depois correr pra praia e dar um mergulho no mar.

PARDAL

Tem certeza disso?

BILL

Absoluta... Olha, pode parecer psicologia barata, enfim, tô me lixando

pra isso, mas cabe aqui uma frase que li em algum lugar.

PARDAL

Em algum livro de Auto-Ajuda?

BILL

Talvez...

PARDAL

E que frase é essa?

BILL

Ninguém merece as suas lágrimas. E quem as merece nunca vai te fazer chorar.

PARDAL

Faz sentido.

BILL

Feliz Ano Novo, meu amigo...

PARDAL

Feliz Ano Novo, amigo...

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(Abraçam-se afetuosamente. Bill risca um fósforo e atira-o no balde. O fogo clareia a

sala. Bill e Pardal, com suas respectivas caixas, jogam no fogo as cartas e as fotos de

seus amados. Um de cada vez. Luz vai caindo em resistência. Vemos através das

chamas os rostos de Bill e Pardal coberto de lágrimas. Depois de um tempo, as lágrimas

dão lugar a um sorriso de alívio e libertação. Essa cena deve ser executada lentamente,

sem pressa nenhuma até o fogo se extinguir e tudo virar cinzas. Com o palco

totalmente escuro, ouvimos a contagem regressiva da multidão lá fora.)

VOZES

10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3. 2, 1... FELIZ ANO NOVO...

(Ouvimos e, se possível, vemos, através de um telão, os fogos de artifício pipocando no

céu, mesclados com o burburinho da multidão até o black-out final.)

RECOMEÇO

Dezembro/2008