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    RevistadaAssociaoNacionaldosProgramasdePs-

    Grad

    uaoemC

    omunicao|E-comps,

    Braslia,

    v.1

    1,

    n.1,

    jan./

    abr.2008.

    www.e-compos.org.br

    | E-ISSN 1808-2599 |

    Experincia urbanae narrativas de crime

    Paulo Vaz e Galle Rony

    ResumoNeste artigo, propomos que as notcias de crime

    so, hoje, um elemento decisivo na conformao

    da experincia da cidade e da alteridade. Para

    sustentar terica e empiricamente a proposio,

    argumentamos, em primeiro lugar, que a retrica

    dos meios de comunicao usa as lgicas do medo

    e da compaixo para favorecer a identificao

    da audincia com o sofrimento de estranhos. Na

    seqncia, analisamos o modo como a descrio

    da cidade por jovens da elite carioca articula

    insegurana, pobreza e justia, reiterando em suas

    grandes linhas as possibilidades de construo de

    identidade oferecidas pelas notcias de crime.

    Palavras-chave

    Cidade. Crime. Insegurana. Vtima. Identidade.

    Alteridade.

    1 Corpo, cidade e insegurana

    Em diversas metrpoles do mundo, o medo

    do crime afeta o modo como indivduos

    experimentam a cidade, pesando tanto sobre

    escolhas com conseqncias de longo prazo,

    como a do bairro onde morar, quanto nas decises

    cotidianas sobre trajeto para o trabalho e opes

    de lazer. A eventualidade de ser vtima tambm

    uma questo poltica maior, com os cidados

    exigindo do Estado que suas rotinas no estejam

    perpassadas pela possibilidade de serem vtimas

    de crimes violentos.

    Por ser elemento de decises de indivduos e

    objeto de polticas pblicas, nos ltimos 40 anos,

    o medo do crime (ou sentimento de insegurana)

    modificou a aparncia das metrpoles ao

    reforar diferenas entre bairro de classe

    mdia e periferia, ao estimular a existncia

    deshoppingse de condomnios fechados e ao

    banalizar as grades por todo lugar.

    Talvez pela amplitude, essas mudanas foram

    descritas e discutidas por diversos cientistas

    sociais e arquitetos. O sentimento de insegurana

    Paulo Vaz| [email protected] em Comunicao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

    UFRJ. Professor do Programa de Ps-Graduao da Escola de

    Comunicao da UFRJ.

    Galle Rony| [email protected] em Cincias Sociais pela Universit Catholique de Louvain.

    Bolsista recm-doutor da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado

    do Rio de Janeiro FAPERJ

    Os autores agradecem ao CNPq e FAPERJ pelo apoio pesquisa.

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    implica, de fato, uma nova articulao entre os

    corpos e a cidade. O objeto de preocupao

    o crime cometido por estranhos que ameaa a

    integridade fsica e patrimonial dos indivduos

    e que ocorre no espao pblico, com seleo

    aleatria de vtimas. O crime de proximidade,

    entre conhecidos, usualmente por razes

    passionais e que ocorre em espaos privados, como

    agresses entre cnjuges, no tende a gerar medo

    e, assim, no afeta a sociabilidade nas metrpoles.

    A possibilidade de ser vtima passa a orientar

    as prticas dos indivduos nas cidades quando

    os crimes no so vistos como incidentes, como

    instncias isoladas, mas sim como incidncias,

    como mais um caso de um fenmeno por

    exemplo, a violncia urbana que os antecede

    e que os suceder. Atravs da generalizao dos

    casos, a percepo do crime uma representao

    sobre a cidade que associa a possibilidade de

    ser vtima a caractersticas de indivduos e

    lugares. Como muitos sabem, embora poucos

    digam abertamente, no Rio de Janeiro elementos

    da aparncia de estranhos, como raa, etnia

    e ndices de pobreza, so tomados comomarcadores de risco, imprecisos, mas usados na

    ausncia de alternativa.

    Para a maior parte dos indivduos, essa

    representao sobre a cidade no formada a

    partir da experincia direta de ser vtima. Mesmo

    em cidades com altas taxas de crime, poucos,

    percentualmente, so vtimas diretas; desse

    modo, a crena na existncia de ameaas rotina

    formada a partir da experincia indireta, isto

    , a crena construda a partir do relato de

    parentes e amigos sobre suas experincias e a

    partir do relato sobre sofrimento de estranhos

    que aparecem nos meios de comunicao. De

    fato, se para haver medo preciso que os crimes

    sejam apreendidos como incidncia, os meios de

    comunicao de massa so uma fonte necessria

    para os indivduos se pensarem como vtimas

    virtuais (VAZ et al., 2005; 2006). Pelo seu modo de

    funcionamento, por selecionar os acontecimentos

    que podem interessar a muitos, por articular um

    acontecimento vida de cada membro de sua

    audincia, a mdia necessariamente generaliza os

    incidentes e cria um nexo entre o sofrimento de

    estranhos e a rotina de cada indivduo.

    As notcias sobre crime so um dos modos,

    hoje, de articular os corpos e a cidade. So

    representaes ricas em significados. Implcita

    ou explicitamente, como na j costumeira

    representao do mapa da violncia que por

    vezes aparece nas pginas e telas dos meios

    de comunicao, essas notcias descrevem a

    cidade segundo o critrio do risco de vitimizao.Mas elas tambm so uma representao da

    alteridade, seja pela possibilidade da morte na

    rotina, seja porque a diferena entre vtima e

    criminoso est a disponvel para ser articulada

    a outras separaes sociais, como aquelas entre

    ricos e pobres, morais e imorais e prximos e

    estranhos. De modo mais direto, nas conversas

    sobre crime hoje, tambm se fala sobre cidade,

    pobreza e moralidade.

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    As notcias de crime so, ainda, um discurso

    sobre a boa ordem. Ao narrar um crime, no

    apenas se descreve o incidente; tambm se expe

    como ele poderia no ter ocorrido e por que ele

    no deveria existir. Quando se fala sobre crime,

    tambm se discute concretamente a justia, a

    partir da existncia de um sofrimento.

    Duas questes aparecem imediatamente. A

    primeira saber como os meios de comunicao

    narram os crimes, determinando ento os

    modos de sua retrica participar da constituio

    do sentimento de insegurana. A segunda

    correlata; trata-se de saber como os indivduos

    efetivamente apreendem as narrativas miditicas

    de crime, construindo seus mapas mentais

    da cidade pela estimativa das possibilidades

    de vitimizao. De fato, a apreenso das

    informaes miditicas depende das condies

    sociais de recepo. Como diversos estudos

    o demonstraram, a apreenso do sentido de

    mensagens no feita por um indivduo abstrato;

    ela depende de gnero, idade, faixa de renda,

    educao, familiaridade com a mdia, etc.

    Essas questes precisam ser elaboradas

    empiricamente. Na seqncia do artigo,

    apresentaremos, primeiro, uma sntese de

    diversas pesquisas empricas sobre a forma

    com que o jornal O Globoe o telejornalRJ-TV

    2 edionarram os crimes ocorridos na regio

    metropolitana do Rio de Janeiro nos anos de

    2001, 2002 e 2004. A seguir, analisaremos como

    jovens cariocas, pertencentes elite social e

    econmica, pensam as relaes entre segurana e

    hedonismo nas suas experincias da cidade.

    2 A lgica do medo

    As notcias de crime so narrativas sobre o

    sofrimento de estranhos. Pensar seus possveis

    efeitos ticos e polticos requer analisar as

    propostas miditicas de identificao da

    audincia com os personagens bsicos de uma

    notcia de crime: a vtima, o criminoso e o

    Estado. Nas culturas ocidentais contemporneas,

    uma forma de subjetividade desponta: a vtima

    virtual. Compreender sua produo analisar os

    procedimentos narrativos para articular vtima

    e audincia. Aqui, duas lgicas de identificao,

    interligadas, so decisivas: a lgica do medo e a

    lgica da compaixo.

    Em relao lgica do medo, pode ser dito que

    praticamente todas as notcias de crime que

    coletamos de 2001 em diante continham dois

    fragmentos narrativos. O primeiro prope que o

    crime ocorrido poderia ter atingido qualquer um;

    o segundo, que esse tipo de crime pode ocorrer

    novamente. A presena insistente desses dois

    fragmentos prope o lugar de vtima virtual

    audincia ao afirmar que o crime ocorrido

    incidncia e que o problema concerne a todos como

    indivduos, pois cada um pode ser a prxima vtima.

    O privilgio concedido nas pginas e telas aos

    crimes cometidos por estranhos e ocorridos

    no espao pblico com seleo aleatria de

    vtimas modo de generalizar a eventualidade

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    da vitimizao. Quando a mdia seleciona como

    notcia os tiroteios ou assaltos em vias expressas

    da cidade do Rio de Janeiro (Linha Vermelha,

    Amarela, Avenida Brasil), o discurso implcito

    prope que qualquer um poderia ter passado de

    carro ou nibus naquela hora e que foi por sorte

    que o indivduo no se tornou vtima.

    Tomemos o caso da televiso. NoRJ-TV 2

    edioem 2004, foram coletadas 82 notcias

    que tratavam de crime em 36 dias selecionados

    aleatoriamente. Pouco menos de 40 notcias

    narrava um crime; as outras tratavam de aes

    policiais, eventos no sistema judicirio ou na

    priso e de polticas pblicas de segurana.

    Focando apenas nas narrativas de crimes

    ocorridos, se somarmos assaltos (particularmente

    latrocnios), tiroteios entre bandidos ou entre

    policiais e bandidos, crimes como arrastes e

    balas perdidas e, por fim, demonstrao de fora

    dos traficantes, notamos que 68% das notcias

    de crime privilegiaram a seleo aleatria de

    vtimas. Para tornar mais visvel essa preferncia

    editorial pela vitimizao aleatria, pesquisamos

    em todas as notcias se elas mencionavam ou noos termos bala perdida ou vtima de tiroteio. O

    resultado surpreendente que 26% mencionavam

    esses termos.

    Quando classificamos os crimes segundo seu

    local de ocorrncia, a distribuio claramente

    indicava que os espaos pblicos e semi-pblicos

    da cidade ruas, praias, universidades, bancos,

    etc. so constitudos como lugares perigosos.

    E mesmo nas sete notcias de crimes em que o

    local de ocorrncia era a residncia, trs casos

    referem-se a assaltos, um ordem de despejo

    de uma moradora de favela promulgada por

    traficantes e outro a uma chacina que a polcia

    afirmou ser de responsabilidade do trfico. O

    telejornal constitui a cidade por inteiro como

    arriscada; no surpreende, pois, que o pai de uma

    vtima de tiroteio ocorrido num assalto a banco

    em novembro de 2004 diga: complicado voc

    sair hoje de casa; at em casa voc corre risco.

    Uma ltima classificao aplicada s ocorrncias

    criminais noticiadas noRJ-TV 2 edio

    distinguia as formas possveis de relao entre

    criminoso e vtima. Se o atributo de existncia

    de um fenmeno for sua veiculao pela mdia,

    no houve crimes tipicamente passionais no Rio

    de Janeiro em 2004, pois no houve nenhum

    caso onde o agressor era conhecido e tinha

    relao de familiaridade com a vtima. Ao mesmo

    tempo, 75% dos crimes teriam sido cometidos por

    pessoas absolutamente estranhas.

    O privilgio ntido dado aos crimes cometidos

    por estranhos no espao pblico com seleo

    aleatria de vtimas modo de incitar a

    identificao da audincia com a vtima sob

    a lgica do medo. Embora esse privilgio seja

    forma de propor que esses tipos de crime

    podem acontecer com qualquer um, as notcias

    insistem em mostrar que eles podem acontecer

    novamente. No noticirio televisivo, a estratgia

    retrica mais utilizada colocar uma vtima,

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    direta ou virtual, comentando o sentido desse

    evento para a vida na cidade e, portanto,

    transformando o incidente em incidncia. Eis

    algumas frases ditas ao longo do ano de 2004:

    No vou viver aqui de jeito nenhum (moradora

    aps um tiroteio na Linha Amarela); Com

    essa insegurana, com essa instabilidade,

    com essa sensao de impotncia, a gente no

    pode continuar vivendo numa cidade como

    essa (moradora da Lagoa aps um assalto a

    edifcio); Pessoas esto aterrorizando a cidade

    e o bairro, e a gente ainda tem que compactuar

    com isso daqui (pai de aluna que teve aula

    interrompida pela disputa de ponto de venda

    de drogas na Rocinha); No agento mais de

    medo; no consigo mais sair de casa (moradora

    de Santa Teresa, durante um protesto); umterror, ns vivemos em desespero constante

    e sempre com aquele pensamento de que vai

    haver alguma coisa, n? (moradora comentando

    sua experincia de morar perto da casa de

    deteno de Benfica). E quem j no leu ou ouviu

    a inevitvel pergunta sobre se a vtima vai

    continuar a morar na cidade?

    Colocar indivduos comuns para falar do medo

    que afeta a muitos no a nica estratgia

    retrica de identificao da audincia com a

    vtima. O discurso dos ncoras ou dos reprteres

    tambm costuma repetir que o incidente

    uma incidncia: Em menos de um ms, outros

    dois moradores morreram por balas perdidas;

    Essa foi mais uma madrugada de medo para a

    comunidade; Mais um confronto entre policiais

    e bandidos; mais duas vtimas; E desde a noite

    da ltima quarta-feira 16 pessoas foram mortas

    em confronto com a polcia; Mais um caso de

    seqestro-relmpago no Rio; Em seis meses,

    pelo menos 23 pessoas j morreram, etc.

    Uma terceira estratgia discursiva, mais radical,

    de identificao entre vtima e audincia sob a

    lgica do medo aparece em notcias sugerindo

    que at a polcia est intimidada pela violncia

    urbana. Aps relatar a morte de um motorista

    baleado durante o assalto ao seu carro, o reprter

    mostra que a delegacia prxima se trancou com

    cadeado. A justificativa do delegado significativa:

    a delegacia estava rodeada por 14 favelas.

    Nessa ltima notcia, est implcita a relevncia

    do segundo aspecto na constituio do medo:a imagem do criminoso (e dos lugares onde

    dito que mora). Por seu uso poltico nos Estados

    Unidos aps o atentado de 11 de setembro,

    possvel perceber que o medo ser tanto maior

    quanto mais os criminosos forem descritos

    pelos adjetivos organizados e conspiradores.

    Quanto mais se repetia que a Al-Qaeda era

    uma organizao descentralizada, com clulas

    espalhadas pelo mundo, prontas para agirem

    autonomamente, sempre capazes de renascerem

    se por acaso alguma fosse destruda, mais fcil

    era sustentar a possibilidade de um novo ataque.

    Do mesmo modo, a tendncia da cobertura

    miditica dos crimes no Rio de Janeiro , em

    primeiro lugar, atribuir muitos crimes aos

    traficantes, mesmo aqueles onde a informao

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    disponvel ao reprter escassa. Em segundo

    lugar, os traficantes tendem a ser descritos

    como mais organizados do que so ao menos

    se for aceita a descrio de cientistas sociais

    brasileiros como Misse (2006) e Zaluar (1998) e

    com penetrao cada vez maior na sociedade;

    comum os jornais e a televiso destacarem que

    cantores, jogadores de futebol e celebridades

    conhecem algum traficante poderoso. A

    identificao da audincia com a vtima sob a

    lgica do medo forma aqui uma separao entre

    ns e eles: cada membro da audincia

    convidado a se conceber como ameaado por um

    grupo de indivduos estranhos e organizados.

    A variao do medo segundo a imagem do

    criminoso depende tambm da possibilidade

    ou no de compreender suas aes. Parte

    do temor dos terroristas dependia de serem

    descritos ora como dispostos a tudo, ora como

    fanticos, com crenas exticas, absolutamente

    convencidos no s da existncia de vida aps

    a morte, mas de que haveria recompensas

    espetaculares no alm para seus sacrifcios.

    Na cobertura do crime, essa incompreenso realada seja atravs da maldade monumental

    dos chefes, seja atravs do singular desprezo

    pela vida alheia comum a todos os bandidos. Nos

    anos de 2001 e 2002, o jornal O Globo, quando

    narrava um assalto mo armada, colocava a

    vtima a dizer que no reagiu diante da arma

    apontada, sugerindo implicitamente que reagir

    seria arriscado quando se lida com bandidos

    sem considerao pela vida. Para confirmar

    a imagem, nos assaltos em que a vtima foi

    baleada, o jornal frisava que ela ou reagiu, ou

    tentou fugir. Talvez o caso mais revelador dessa

    construo de imagem tenha sido um assalto

    onde houve a quebra do quase-contrato entre

    indivduo e bandido: uma senhora, mesmo

    no tendo reagido e entregado o dinheiro, foi

    baleada na cabea. Ao lado da notcia, o jornal

    coloca numboxum policial afirmando seu

    espanto diante de tanto desprezo pela vida

    (sobre esses casos, ver VAZ et al., 2006).

    Essa imagem do criminoso afeta, por derivao,

    as favelas, o lugar onde esses criminosos so ditos

    morar ou se refugiar e, por aproximao, todos

    os moradores que podem parecer criminosos,

    notadamente jovens do sexo masculino. Ao

    longo do ano de 2004, por diversas vezes alguma

    favela apareceu visualmente no telejornal. Uma

    imagem tpica era a de policiais sobrevoando

    de helicptero a comunidade, com fuzis

    apontados para baixo. Ou policiais entrando a

    p, com armas empunhadas, prestes a atirar.

    E os comentrios de jornalistas ou indivduos

    apenas reforam a associao entre favela erisco. Alm da j mencionada justificativa do

    delegado para colocar correntes na delegacia,

    a cidad que morava perto da antiga Casa de

    Custdia de Benfica, ao comentar a resoluo do

    governo estadual de torn-la centro de triagem

    para prisioneiros que estavam no fim de suas

    penas, afirma: Vo misturar outra vez faces

    diferentes, num bairro que tem vrias favelas; vai

    ser muito pior.

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    Essa associao entre favela e risco tem efeitos,

    como veremos mais frente, quando analisarmos

    a fala de jovens da elite carioca sobre o crime.

    Mas um desses efeitos, a naturalidade com que se

    aceita a interveno policial violenta nas favelas,

    j est presente no discurso miditico. No incio

    de 2004, um tiroteio entre traficantes e policiais

    perto da Linha Amarela provocou a morte de um

    pastor e sua mulher por bala perdida quando

    passavam de carro. No final, o reprter anuncia

    as medidas tomadas pela autoridade policial aps

    o evento: em primeiro lugar, para evitar que

    motoristas sejam atingidos em caso de tiroteio,

    as equipes da polcia no vo ficar mais baseadas

    perto da via expressa; em segundo lugar, vo

    aumentar o nmero de policiais de 100 para

    240 que ocupam o Complexo da Mar. Deve sersurpreendente para um estrangeiro saber que um

    modo de proteger os indivduos na cidade do Rio

    de Janeiro afast-los da proximidade da polcia;

    tambm deve ser surpreendente que o noticirio

    no questione se o aumento do efetivo policial

    acarretaria ou no mais confrontos e, portanto,

    mais riscos de bala perdida para quem mora no

    Complexo da Mar.

    3 Compaixo e indignao

    Assim como o medo, a compaixo tambm tem

    sua lgica. Embora seja comum a crena de que

    as emoes so naturais, tendo forma e sentido

    independente da cultura, para quem investiga se

    os meios de comunicao so capazes de produzir

    subjetividade e comunidade, interessante

    tomar como ponto de partida a possibilidade de

    as emoes implicarem crenas que as definem.

    No caso da compaixo como sentimento doloroso

    endereado ao sofrimento de outro indivduo ou

    ser vivo, trs crenas so reconhecidas desde

    Aristteles como decisivas para sua existncia

    (NUSSBAUM, 2001).

    A primeira condio um juzo de gravidade

    sobre o sofrimento. Se porventura o observador

    acreditar que o sofrimento do outro foi

    ocasionado por algo insignificante, ele recusa

    a compaixo; inversamente, possvel que um

    observador sinta compaixo por algum que

    no saiba que est sofrendo, como o caso na

    atitude perante a alienao de modo geral,

    seja em relao loucura, seja na crtica

    miditica ao entretenimento.

    Fica claro, portanto, que a compaixo uma

    emoo de observador, pois ele quem decide

    sobre a gravidade do sofrimento do outro. E

    como emoo de observador, a compaixo tem

    laos estreitos com a vergonha e a culpa. So

    emoes sociais e socializantes. Vergonha e

    culpa paralisam a ao ao desdobrarem um

    indivduo entre o que ele deseja fazer e o que

    deve ser; o dever, por sua vez, mantm relaes

    mais ou menos diretas com o sofrimento que

    a ao desejada supostamente causa no outro.

    Vergonha e culpa, portanto, limitam as aes

    que supostamente causam danos a outros; a

    compaixo completa o elo de sociabilidade

    ao estimular a solidariedade, ao incitar os

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    indivduos a agirem para reduzir o sofrimento

    de terceiros.

    O segundo juzo necessrio para a existncia

    da compaixo define a inocncia do sofredor.

    A solidariedade existe se o observador pensar

    que o sofrimento no foi merecido, que sua

    existncia se deveu m sorte. A compaixo

    orientada pela moralidade, na medida em que

    ser negada a compaixo para aqueles que,

    por seu comportamento imoral, so tidos como

    responsveis pelo seu sofrimento, como na

    distino entre vagabundo e desempregado

    que orientou a ajuda aos pobres durante parte

    do sculo XIX. Mais radicalmente, a moralidade

    orienta a compaixo por que institui duas crenas

    correlacionadas: que a moralidade forma

    de prevenir sofrimentos e que a contingncia

    negativa, o que deve ser paulatinamente

    eliminado. De modo mais simples, comum se

    pensar que o sofredor, se for tido como imoral,

    teve o que merecia, o que significa, sob outro

    ponto de vista, que o comportamento moral

    seria capaz de impedir sofrimentos e que nas

    ocasies onde no foi capaz, ocasies em queo observador sente compaixo, isso se deveu

    ao negativa da contingncia.

    H, porm, uma possibilidade de sentir

    compaixo pelo sofredor, mesmo quando se

    pensa que suas aes imorais provocaram seu

    sofrimento. O observador mantm a validade

    da regra moral, mas recusa sua aplicao para

    o caso. A recusa depende de uma construo

    especfica do comportamento do sofredor. Ao

    invs de agir livremente, suas aes imorais

    foram determinadas: por uma parte dele mesmo,

    pelas circunstncias, pela educao recebida,

    etc. Generalizando, as aes imorais estavam

    alm de seu controle, como se ele fosse um

    doente mental, um anormal: mais do que ser

    condenado, precisa ser curado. Mas tanto nas

    ocasies onde s sente compaixo pelos morais,

    quanto naquelas em que recusa a aplicao da

    regra moral para o caso, o observador mantmseu olhar inocente ao se identificar com a vtima,

    mantm seu vnculo com as regras morais da

    sociedade em que vive1.

    O terceiro juzo necessrio existncia da

    compaixo o de possibilidades similares.

    preciso se colocar no lugar do sofredor e imaginar

    como seria experimentar aquele sofrimento.Embora esteja distncia por ser um observador,

    quem experimenta compaixo tambm

    8/22

    1 H uma segunda possibilidade de estender a compaixo para o imoral recusar a prpria regra moral, e no simplesmentesua aplicao para o caso. No se pode, porm, classificar imediatamente essa emoo como compaixo. Em primeiro lugar, por

    que o imoral deixa de ser vtima e torna-se seno alternativa de vida, ao menos ponto de inquietao sobre o sentido da vida

    para o observador. Em segundo lugar, por requerer a crtica da moralidade pelo observador, aquele que a experimenta est em

    luta contra a vergonha e a culpa. Em terceiro lugar, essa atitude talvez recuse a construo da contingncia como adversrio a

    ser eliminado. Certamente essa forma de extenso da compaixo foi proposta por Foucault em sua cr tica do dispositivo de

    normalizao; mas tambm orientava socilogos pertencentes teoria do rtulo nas suas anlises da criao do desviante, comoGoffman e Gusfield. Por fim, tambm fica clara a raridade histrica dessa extenso da compaixo; para ela existir, preciso que

    parte significativa da sociedade no esteja apenas questionando a forma social de distribuio de riquezas, mas tambm as regras

    morais sob as quais cada um experimenta a si mesmo e ao outro.

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    experimenta medo. E sua intensidade depende

    de o quanto o observador pensa estar distncia

    daquele sofrimento. Como argumentamos

    anteriormente, no caso dos crimes ocorridos

    no espao pblico e com seleo aleatria de

    vtimas, essa distncia se reduz brutalmente.

    Pelo juzo de possibilidades similares, percebe-se

    como os processos discursivos de identificao

    entre vtima e audincia mesclam as lgicas do

    medo e da compaixo. Mas a compaixo est

    tambm misturada com a indignao. Existe

    uma tradio filosfica, que comea com os

    Esticos e chega a Nietzsche, que crtica da

    compaixo exatamente pelos seus laos com

    a ira e o ressentimento. A compaixo observa

    o sofrimento a partir de uma compreenso da

    responsabilidade. Essa compreenso tanto

    determina a inocncia do sofredor, quanto busca

    os responsveis se o que sofre tido como vtima.

    Em outras palavras, a compaixo requer a crena

    de que a imoralidade causa sofrimento; se o

    sofredor for tido como inocente, se ele no teve

    o que merecia, a tendncia do observador ser

    buscar a causa do sofrimento na imoralidade deterceiros. A compaixo requer a crena na idia

    de sofrimento evitvel.

    Por seguir a lgica da compaixo, o noticirio de

    crime fonte de crenas sobre a responsabilidade

    pela existncia de crimes. Semelhante a outras

    narrativas sobre o sofrimento de estranhos, como

    notcias sobre catstrofes naturais ou acidentes

    de carro e avio, o discurso miditico no insiste

    apenas sobre o horror do experimentado pelas

    vtimas inocentes e como essa experincia poderia

    ter sido a de muitos; o discurso insiste tambm em

    descobrir as causas para a ocorrncia do evento e,

    assim, como ele poderia ter sido evitado ou seus

    efeitos danosos reduzidos.

    Para pensar que um furaco poderia no ter

    provocado tantas vtimas, a atribuio de

    responsabilidade no pode se deter apenas

    no agente natural; preciso supor que seres

    humanos teriam poder para prevenir ou agir

    a tempo para reduzir os sofrimentos. No caso

    do crime, tambm a responsabilidade causal

    pelo sofrimento no lanada apenas sobre os

    criminosos. Desde a dcada de 1980, quando se

    deixou de acreditar em revoluo e engenharia

    social, torna-se cada vez mais desacreditada

    a causalidade estrutural para os sofrimentos

    humanos. Desse modo, se um crime ocorre, a

    responsabilidade ser atribuda a falhas das

    agncias estatais de controle social: o judicirio,

    a priso e a polcia. Sob esse ponto de vista, cada

    reportagem tanto um drama moral, quanto

    forma de apontar uma crise de legitimidadedo Estado, ao se denunciar suas falhas que

    teriam permitido a existncia do sofrimento,

    aprofundando a distncia entre os polticos

    e os cidados. Para algumas notcias de crime,

    de fato, difcil determinar se seu objetivo

    maior era suscitar a compaixo pela vtima, ou

    apontar a imoralidade (na forma da maldade)

    dos criminosos, ou alimentar a indignao em

    relao ao Estado. De todo modo, uma vez mais,

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    os incidentes tornam-se incidncias; todo crime

    hoje, praticamente todo tipo de sofrimento

    pode ser exemplo da incompetncia, descaso

    e corrupo daqueles que deveriam zelar por

    nossa segurana.

    Para apreender essa forma historicamente

    singular de construir a idia de sofrimento

    evitvel, uma estratgia analisar se as notcias

    de crime apontam falhas do Estado e quais falhas

    so privilegiadas. Retomemos o noticirio do

    RJ-TVem 2004. Considerando toda e qualquer

    notcia de crime, independentemente de seu

    foco principal crime, ao policial, evento no

    judicirio ou priso, etc. do total de 82 matrias,

    52 (63%) continham algum tipo de crtica. Em

    termos de freqncia diria, em apenas trs dos

    36 dias sorteados no houve reportagem que

    inclusse alguma denncia sobre a atuao falha

    de um desses dispositivos estatais de segurana.

    Em relao ao judicirio, as crticas privilegiaram

    a concesso dehabeas corpusa suspeitos e

    a oposio dos juzes proposta da polcia de

    distribuir listas com os nomes de baderneiros

    contumazes s boates. Em relao priso, os

    temas dominantes foram a freqncia de motins,

    rebelies e fugas, a corrupo dos agentes

    penitencirios e a ocorrncia de homicdios no

    espao pblico que teriam sido ordenados de

    dentro da prpria priso. No que diz respeito

    polcia, as crticas expem uma polcia que no

    soluciona crimes, que nunca est onde deveria

    estar e que quase sempre chega tarde demais

    (e quando chega a tempo, ou os bandidos

    conseguem escapar, ou sua atuao expe a

    populao a riscos ainda maiores). Igualmente

    comum a referncia de que o reforo de

    contingente em determinadas reas s acontece

    aps a notcia de crimes pela imprensa e que os

    bandidos, de modo geral, no se intimidam com a

    proximidade da polcia.

    Em 71% das crticas atuao do Estado em

    relao segurana, v-se claramente a retrica

    caracterstica do populismo penal, tipicamente

    conservador, a saber: se as leis fossem mais

    rigorosas, se a priso contivesse os criminosos,

    e se houvesse mais polcia para intimidar os

    bandidos, no haveria tantos crimes na cidade

    do Rio de Janeiro. Uma poro significativa

    das demais crticas atuao da polcia (cerca

    de 20%) refere-se aos excessos cometidos por

    policiais durante suas aes nas favelas. Parte

    da audincia pode interpretar as notcias

    como denncias de violao dos direitos dos

    moradores; outros, contudo, podem avaliar os

    excessos como danos colaterais inevitveis na

    guerra contra o trfico. O caso tpico o demoradores de favela inocentes mortos por balas

    perdidas durante incurso policial. notvel,

    ainda, que apenas em menos de 10% do total de

    crticas ao do Estado, houve referncia a m

    conduta ou abuso de poder por parte de policiais.

    No cmputo geral, para o ano de 2004, foi

    de cerca de 80% a probabilidade de que um

    indivduo, assistindo aoRJ-TV, se defrontasse

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    com reportagens em que o poder dos criminosos

    aliava-se ineficincia do Estado em prover

    segurana s pessoas. Pela reiterao

    cotidiana, pode-se supor que grande parte da

    audincia tenda a acolher esse diagnstico,

    que correlaciona o poderio dos criminosos

    ineficincia do Estado como sendo uma

    explicao razovel do quadro atual da segurana

    pblica. Sobretudo porque as crticas no

    aparecem na forma de editoriais, mas por meio

    de comentrios curtos, expresses corporais dos

    jornalistas ou frases selecionadas do pblico

    em geral. Eis mais alguns casos: Mesmo aps

    confessar, a Justia concedeu habeas-corpus; No

    dia seguinte ao assassinato do comerciante pelos

    bandidos, o carro-patrulha da polcia desapareceu

    (da esquina perto do assalto); impressionantea reincidncia de coisas (assaltos), e ningum faz

    absolutamente nada.

    4 A elite fala da cidade e do crime

    Aps a anlise de como a mdia constri a

    realidade do crime usando as lgicas do medo

    e da compaixo, cabe investigar como se d a

    apropriao dessa construo. Para tanto, foram

    realizadas 15 entrevistas semi-estruturadas,

    cada uma com cerca de 1 hora de durao,

    com jovens que cursavam Direito ou Economia

    na PUC-Rio, todos de famlia de classe mdia

    alta, moradores da Zona Sul e que tinham

    feito o segundo grau em colgios tidos como

    dos melhores da cidade; em suma, todos os

    entrevistados podem ser tidos como membros

    da elite econmica e social. Anteriormente,

    argumentamos que as conversas sobre o crime

    eram tambm modos de falar da cidade, da

    alteridade e do Estado. Durante as entrevistas,

    ficou clara a imbricao entre experincia da

    cidade, ordem moral, escolhas de polticas de

    segurana e modo de se atribuir uma identidade.

    A entrevista foi conduzida por um dos autores;

    como se trata de uma francesa que pode

    ser considerada da mesma faixa etria dos

    entrevistados, os jovens da elite procuravam ao

    longo da entrevista argumentar como a cidade

    do Rio era interessante e bela. Como todos j

    tinham viajado ao exterior, como tinham olhado

    para a realidade brasileira sob a perspectiva

    da diferena, os jovens colocavam-se no lugar

    da entrevistadora e se esforavam tambm para

    justificar aquilo que a seus olhos seria chocante,

    especialmente a desigualdade social. Embora

    no fossem consumidores vidos de notcias,

    cabe dizer ainda que assistiam ocasionalmente

    a telejornais noturnos ou liam jornais dirios;

    ao longo do dia, passeavam pela Globo News

    ou entravam em sites de notcias e liam demodo intermitente alguma revista semanal,

    principalmente a Veja esses jovens eram

    bastante homogneos no que se refere ao acesso a

    fontes de informao.

    A primeira pergunta da entrevista pedia para

    os jovens descreverem o bairro onde moravam.

    Sistematicamente, essa pergunta sobre a vida

    cotidiana e a cidade conduzia os entrevistados a

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    falar sobre insegurana e pobreza. Uma expresso

    onipresente resume esse nexo: Eu tenho vista

    pro mar e pra favela. Voc tem a favela e o bairro

    mais nobre da cidade (B)2. Essa coincidncia

    no se deve apenas ao fato de que o Rio de

    Janeiro uma cidade efetivamente perigosa;

    como indicam diversos estudos, a possibilidade

    de ser vtima elemento de descrio mesmo

    em cidades com taxas de crime bem menores

    que as do Rio.

    O sentimento de insegurana est situado; o

    medo depende da significao que os indivduos

    do ao espao habitado (PAIN, 2000). Desse

    modo, as questes do crime e da pobreza so

    cada vez mais pensadas atravs de categorias

    espaciais, como o mostra a recorrncia das

    oposies entre cidade e periferia (ou favela e

    asfalto) no Brasil e em outros pases.

    Um primeiro lugar para se perceber a relevncia

    das notcias de crime o modo como os

    entrevistados descrevem a diferena entre o

    bairro em que moram e o resto da cidade. Como

    se sabe, s notcia o excepcional; inversamente,

    para a maior parte das pessoas, na maior parte

    do tempo, nada acontece em suas rotinas. Essa

    diferena espacializada; os lugares da cidade

    que fazem parte da rotina dos indivduos so

    conhecidos e raramente algo acontece neles,

    mesmo que a taxa de crimes seja elevada.

    Os lugares que se desconhece ou pelos quais

    pouco se passa, ao contrrio, s so objetos de

    experincia mediada: s se sabe deles o que foi

    noticiado. A relevncia dessa diferena entre

    rotina e experincia mediada aparece com

    clareza no comportamento de quem pouco sai de

    casa, como idosos ou turistas; para estes, a cada

    lugar, o que aconteceu a estranhos na mdia pode

    acontecer com eles: um arrasto na praia, um

    assalto em nibus, um tiroteio em alguma linha

    expressa, etc.

    A diferena entre lugares pertencentes ao

    rotineiro e aqueles que se conhece atravs da

    mdia existe mesmo para aqueles que moram

    em bairros tidos como violentos: uma moradora

    de uma favela do Rio de Janeiro temia passar

    pelo Largo do Machado, uma praa da Zona

    Sul (CAVALCANTI, 2007). Para os jovens

    entrevistados, essa diferena entre rotina e

    experincia mediada aparece quando descrevem

    seu bairro, sempre apresentado como tranqilo,

    enquanto o resto da cidade descrito como

    catico, desorganizado, perigoso.

    De modo genrico, os jovens entrevistados

    descrevem suas rotinas como caracterizadas pela

    proximidade com a natureza (a praia, a Lagoa),

    pelo acesso cultura e pelas oportunidades de

    prazer; em suma, a rotina como lugar de valor

    definida por um hedonismo difuso. Reivindicam,

    assim, a pertinncia Cidade maravilhosa,

    identificando-se como cariocas e moradores da

    Zona Sul vrios sublinharam que seus pais e

    avs j moravam em Ipanema ou Lagoa. Embora

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    2 As letras A, B, C se referem aos entrevistados.

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    reconheam que a possibilidade de ser vtima

    elemento do modo como calculam suas rotinas,

    vrios insistiram que, apesar do risco, no mudam

    seus hbitos; a frase emblemtica Eu no deixo

    de fazer o que gosto (D). A rotina prazerosa

    o que est ameaado pelo crime e tambm o

    justo, o que se deve lutar para existir, mesmo que

    individualmente: Eu posso ser assaltado, n. Isso

    d medo, d medo! Agora viver com medo, eu no

    vivo. Isso no me aprisiona (B).

    Essa posio de justia pode ser generalizada,

    reconhecida como direito de todos. A sociedade

    deveria estar ordenada de modo a permitir que

    todos tivessem oportunidades de ter prazer. Essa

    posio moral implica uma forma de humanismo

    onde a violncia condenada por princpio

    (MICHAUD, 2002) e a sorte daqueles que no tm

    tantas oportunidades e ainda sofrem com o crime

    pode ser lamentada.

    Esse discurso de tom humanista tem um limite

    que aparece claramente quando os entrevistados

    discutem as causas e solues para a violncia

    urbana. A partir desse humanismo, a segregao

    social e a falta de oportunidades so designadas

    como causas do crime; contudo, quando apontam

    solues, vrios entrevistados privilegiaram as

    polticas de pulso firme mais polcia, leis mais

    rigorosas, etc. sobre polticas de reduo das

    desigualdades sociais. Por que essa disjuno

    entre a causa designada e a soluo? Se os

    entrevistados acreditam que os crimes ocorrem

    pelo fato de os jovens pobres terem poucas

    oportunidades legtimas de ascenso social, por

    que os entrevistados no defendem polticas de

    reduo de desigualdades?

    Essa disjuno , de fato, o lugar onde o

    sentimento de insegurana afeta o sentimento

    moderno bsico de justia, que a igualdade.

    De um lado, os jovens admitem que a segregao

    social causa o crime, ao reconhecerem que a

    desigualdade pode limitar as oportunidades;

    nessa posio, os pobres, a includo os

    criminosos, so construdos como vtimas. De

    outro lado, pelo sentimento de insegurana e

    pela causalidade atribuda segregao social,

    esses jovens da elite se concebem como vtimas

    dos criminosos pobres, se concebem como

    injustiados porque so impedidos de extrarem

    de suas rotinas todo prazer a que teriam direito.

    Ao mesmo tempo, pelo descrdito recente das

    crenas e prticas de engenharia social (crise

    do Estado de Bem-Estar e da revoluo) e pela

    crise da poltica, no mercado de idias, h

    poucas crenas disponveis para que esses jovens

    se vejam como responsveis pela existncia do

    crime por serem capazes de mudar a sociedade,reduzindo as desigualdades sociais e, assim,

    supostamente, o nmero de criminosos e a

    incidncia de crimes. O outro lado da descrena

    na transformao do homem e da sociedade

    a presena insistente da crena nas falhas

    do Estado; como vimos, o discurso miditico

    reitera que a existncia de crimes se deve

    incompetncia e corrupo dos agentes estatais

    de controle social.

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    Vedada a alternativa de se conceber ao mesmo

    tempo como vtima e responsvel, restaro

    possibilidades restritas de articular a injustia

    relativa rotina ameaada com a injustia

    relativa desigualdade das condies sociais.

    Elisa Reis, em suas pesquisas sobre a viso da

    elite brasileira sobre a pobreza, descreve uma

    resposta possvel: a pobreza no tanto um

    problema para o pobre e, sim, para o no-pobre

    (REIS, 2005). Em outras palavras, a pobreza

    problema porque o crime reduz a qualidade da

    vida urbana, porque ameaa propriedade e

    integridade fsica dos no-pobres. O ponto de

    fixao do juzo de valor no a desigualdade

    entre os homens, mas o fato de ela ser excessiva,

    sendo o excesso o que teria papel causal na

    existncia de crimes. Ou ainda, o lugar de valor apartir do qual se pensa a justia social a rotina

    ameaada. Nessa perspectiva, a associao entre

    crime e desigualdade torna a pobreza um objeto

    de polticas de reduo do risco e um marcador de

    aparncia a ser usado na experincia com o outro.

    A grande maioria dos entrevistados citou a

    educao como resposta de longo prazo para oproblema do crime. Como disse um jovem, o

    que mais me desagrada no Rio a questo da

    pobreza, no sentido de que voc no est entre

    iguais, no tem oportunidades iguais (B). No

    contexto da entrevista, porm, essa proposio

    coloca a educao como modo de desviar os

    jovens pobres de seu destino quase inevitvel

    de se tornarem traficantes ou bandidos. Essa

    juventude , assim, definida como um conjunto

    de criminosos em potncia, como um risco para o

    grupo com o qual os entrevistados se identificam.

    Uma segunda perspectiva mantm o privilgio da

    vtima de crime como lugar de se pensar a boa

    ordem (e, portanto, mantm o lugar dos jovens

    entrevistados como vtimas), mas articula essa

    posio com a desigualdade social, agora no

    como o que explica a existncia de crimes, mas

    como o que pode tornar um grupo mais vtima do

    que outro. Os pobres seriam as vtimas maiores

    da violncia urbana tanto porque so os que mais

    sofrem diretamente com a ao dos criminosos,

    quanto porque a associao entre pobreza e

    risco faz com que sejam vtimas de preconceito

    de todos e, em especial, da ao dos agentes

    estatais de controle social: no se preocupam

    em policiar os locais onde moram; se a polcia

    est nas favelas, trata a todos como criminosos; o

    judicirio condena indivduos nem tanto pelo que

    fizeram, mas pelo que so (ZALUAR, 1998) , etc.

    A diferena entre as duas perspectivas se d

    na extenso do ns das vtimas de crime. A

    variao entre os jovens a respeito da extenso

    da comunidade das vtimas no dependeu to

    somente de diferenas individuais, at pelo

    fato de que em todas as entrevistas a extenso

    era diferentemente definida de acordo com

    o que estava sendo discutido. De acordo com

    as proposies tericas sobre a lgica da

    compaixo, em especial o juzo de possibilidades

    similares, parece-nos que a variao dependia

    da intensidade do sentimento de insegurana

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    suscitada por um dado crime. Se os jovens

    conseguiam se colocar distncia da vtima, mais

    fcil era haver outros elementos de justia na sua

    apreenso do outro alm da rotina ameaada;

    se a proximidade com a vtima era maior, a

    posio de vtima virtual preponderava na

    descrio das solues possveis para a questo

    da violncia urbana.

    Os argumentos de Machado da Silva sobre a

    geometria varivel da justia na sociedade

    brasileira apresentam um caminho para se

    pensar a variao na extenso do ns (SILVA,

    2004). A vida nas grandes cidades brasileiras

    seria organizada pelo princpio do recurso

    fora, sem que se abandone a referncia ordem

    institucional e legal. De fato, essa referncia

    mantida, mas sempre podendo ser transgredida

    em certos contextos isto , sob certas

    condies, como na frase estamos em guerra,

    o uso da violncia do Estado necessrio. Para

    simplificar, denominaremos essas duas ordens

    morais em convivncia de Lei e Fora.

    A ordem moral da Lei marcada pelo

    humanismo, com referncias s normas dos

    direitos humanos e do direito vida. Nessa

    ordem, a comunidade das vtimas inclusiva,

    compreende todos os que so vtimas da

    violncia, com alguns jovens at expressando

    a crena de que os pobres inocentes so as

    maiores vtimas. A ordem da Fora, por sua vez,

    aquela onde o uso da violncia, privada ou

    estatal, tem o estatuto de necessidade. Nesse

    caso, a comunidade imaginada de vtimas pode se

    reduzir ao grupo social das classes favorecidas.

    Essa interao curiosa entre a Lei e a Fora

    pode ser reveladora. Nossa hiptese a de que o

    discurso sobre o crime contm inevitavelmente

    um problema na identificao da vtima que est

    associado co-existncia das duas ordens morais

    e do lugar dos pobres ora como riscos para a elite,

    ora como tambm vtimas. A dificuldade cognitiva

    reside na determinao da fronteira simblica do

    seu grupo.

    5 O registro inclusivo

    No registro inclusivo, no grupo alargado, as

    fronteiras da segregao social no determinam

    totalmente a separao entre vtimas e

    criminosos. Ao mesmo tempo em que se

    consideram vtimas virtuais, os entrevistados

    escolhem entre os outros (os pobres) aqueles

    que podem aceder ao estatuto de vtima. Os

    critrios so morais e humanistas, reiterando, de

    diversos modos, o esteretipo do bom pobre,

    caracterizado pela honestidade, pelo trabalho

    e pela perseverana. comum os entrevistados

    citarem como exemplo sua empregada domstica.

    O outro vtima no faz parte da elite, mas visto

    como igual a partir de uma viso humanista: Eu

    tento quebrar essa barreira, eu no vejo a favela

    como um outro lugar, ou como um problema

    [...] So pessoas, so vidas, ali voc tem pessoas

    interessantssimas, tem coraes formidveis [...]

    O que vale quem a pessoa, como o corao

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    dessa pessoa (B). Ou ainda: Eu sei que tem

    muita gente que boa e que mora l (F). Este

    outro tambm aquele com quem o entrevistado

    teve contato. Todos os jovens dizem ter tido

    contatos cordiais e mesmo amizades com pessoas

    das classes desfavorecidas.

    O conhecimento pessoal permite aos

    entrevistados colocarem-se no lugar do outro com

    mais facilidade. Essa a ocasio em que os bons

    pobres so vistos como aqueles que mais sofrem

    com o crime. A partir dessa perspectiva, as

    operaes da polcia nas favelas so chamadas de

    chacina. Mesmo nesse registro inclusivo, porm,

    aparecem aqui e ali os signos da ordem moral

    da Fora, que constri os pobres como classe

    perigosa. Se o registro inclusivo fosse o nico

    a dominar, todos os pobres, com exceo dos

    criminosos, seriam includos no ns das vtimas.

    Contudo, no discurso dos entrevistados, essa

    ordem lgica invertida: todos os pobres podem

    ser perigosos, embora conheam alguns que so

    bons. A fronteira do ns alargada, mas no a

    relao de base associando o grupo das vtimas s

    classes favorecidas.

    Um outro ndice da coexistncia das duas ordens

    ocorre quando os jovens pensam a soluo para

    o crime; as polticas sociais (como melhoria do

    ensino fundamental) so sempre associadas a

    polticas de pulso firme. Embora a operao

    policial no Complexo do Alemo seja percebida

    como uma soluo de curto prazo, que no resolve

    grandes coisas e causa o sofrimento de inocentes,

    mesmo assim uma soluo. O uso da fora no

    totalmente desqualificado, mesmo se atinge

    inocentes: Se voc quer resolver isso para hoje,

    tem que ser esse tipo de ao. S que horrvel,

    voc acaba afetando muitas pessoas inocentes,

    que no tem culpa nenhuma na histria, mas isso

    o preo a pagar. Mas fcil de falar quando o

    preo no comigo. No vo invadir minha casa

    para matar os traficantes. Mas visto de fora,

    parece o preo a pagar (F). Mais radicalmente, a

    ordem moral da Fora est presente no discurso

    simplesmente porque a violncia policial no

    recusada, apenas a falta de critrios na sua

    aplicao. Para os bandidos, a Fora legtima.

    6 Registro exclusivo

    No registro exclusivo, a tendncia restringiro grupo das vtimas elite. Marcados por

    um forte sentimento de insegurana, os

    entrevistados recusam, de diferentes modos,

    o estatuto de vtima aos pobres, que tendem a

    ser caracterizados como classe perigosa. Um

    primeiro modo de restrio trat-los como

    massa, utilizando a imagem das inmeras favelas

    que teriam invadido a Cidade Maravilhosa.

    O pronome eles utilizado sem que se saiba

    precisamente a quem esto se referindo.

    Como os pobres so percebidos apenas no que

    tm de diferentes e no no que podem ter de

    semelhantes, aqui os jovens entrevistados no

    se esforam para se colocar no lugar do outro,

    apenas temem: Eu me sinto mal de estar no

    meio de pessoas to diferentes de mim, sei

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    l, eu no sei como elas se sentem, sabe, se

    elas so conformadas com isso, com que elas

    nasceram numa classe pobre mesmo (C). Essa

    representao dos pobres faz da diferena apenas

    um marcador de risco. Paralelamente, o que

    identificado como causa da violncia no a

    segregao social, mas a proximidade espacial:

    uma segregao social que necessariamente

    te deixa muito inseguro, porque voc esta

    convivendo ali cara a cara com uma classe

    social que est inferior a voc. Ento um medo

    constante de uma coisa acontecer (C).

    A partir desse desconhecimento reconhecido

    e almejado, os jovens entrevistados recorrem a

    esteretipos para falar da vida urbana, fazendo

    dos pobres causadores de perturbao e caos.

    surpreendente a semelhana das entrevistas

    com o discurso da elite paulista nas dcadas de

    80 e 90 sobre o crime analisado por Caldeira

    (2001). Aparece at a relao entre sujeira,

    desordem e violncia como caracterstica das

    favelas e dos pobres. Diz um entrevistado; Assim

    (sem favela por perto), voc se sente um pouco

    mais seguro. No que a favela me incomodenecessariamente, mas d uma sensao de

    segurana. Outra coisa tambm que me passa

    essa sensao de segurana pouco mendigo na

    rua... No que eles sejam sujos, mas, assim, d

    uma sensao meio ruim, n. (F)

    Os entrevistados usam o termo violncia no

    apenas para se referirem ao risco de assaltos

    ou de homicdios. Violncia designa tudo o que

    simbolicamente agride o indivduo: a circulao

    agressiva de vans ou motos (o trnsito

    uma conseqncia da favelizao (C)) ou os

    mendigos, que pedem sem cessar e tentam se

    aproveitar de ns. Mas o pobre , sobretudo,

    aquele que traz o risco do crime. Existe uma

    forte associao no discurso entre o pobre e o

    criminoso, mesmo quando o entrevistado sabe

    que a associao um esteretipo: horrvel

    desconfiar das pessoas. Eu procuro no mostrar

    que eu desconfio. Porque eu acho que muito

    desagradvel. Eles no esto fazendo mal

    nenhum, e a gente desconfia (F).

    Quando narrava um assalto, diante da questo

    como era o agressor, o entrevistado, no sem

    rodeios, descreveu os criminosos: Tinham a cara

    de 20 anos, claramente moradores de favela ou

    comunidade pobre, e, sei l, tipo pele escura, mas

    no necessariamente negros, mas claramente

    pobres [...] Mas, com certeza moradores de

    favela da zona sul (C). Se os fatos contradizem

    o marcador de risco, eles tm o valor de

    exceo: Tenho um amigo que foi assaltado e

    ficou impressionado pela aparncia do meninoque assaltou ele. No tinha cara de assaltante

    [...] Bem vestido, com roupa como se fosse um

    menino daqui da zona sul, da classe mdia. Podia

    ser um menino que estudasse comigo! (F)

    Essa percepo, associando pobreza com o caos, a

    sujeira, o desconhecido e o crime, est articulada

    s solues preconizadas pelos entrevistados

    para gerir a questo da violncia urbana. No

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    registro exclusivo, o apoio s medidas de pulso

    firme predomina. Se a Fora predomina sobre a

    Lei, a forma de justificar a operao do Complexo

    do Alemo difere: a soluo de primeira ordem.

    O objetivo matar os bandidos (no o de julgar e

    prender) e a morte de inocentes preo aceitvel.

    Mesmo nessa situao onde a ordem moral da

    Fora impulsiona o discurso, a ordem da Lei

    no est totalmente ausente. De fato, diante da

    questo o que voc pode fazer em relao ao

    problema do crime, os entrevistados afirmavam

    que nada e que tudo cabia ao Estado. A diviso

    , uma vez mais, contextual: o pulso firme seria

    temporrio e, depois, haveria uma polcia sem

    corrupo e o respeito lei. Essa impotncia

    declarada de indivduos e onipotncia desejada do

    Estado lugar tanto midiaticamente designado,

    quanto posio prpria da poltica contempornea:

    a vtima inteiramente passiva e cabe ao Estado

    competente proteger seus cidados.

    7 A vtima virtual e a rotina

    Pode parecer que a oscilao na extenso

    da comunidade de vtimas e a aceitao do

    crescente rigor penal e policial sustentado

    pela construo dos criminosos como quase

    monstros a ameaar os cidados so prprias

    da sociedade brasileira, com suas altas taxas de

    crime, com sua imensa desigualdade social e

    grande homogeneidade do discurso miditico.

    Diversos livros e artigos mostram, porm, que origor penal e o privilgio poltico e existencial

    da vtima esto presentes em diversos pases

    do mundo, mesmo naqueles em que as taxas de

    crime so relativamente baixas (sobre a frica

    do Sul, COMAROFF; COMAROFF, 2006; sobre

    os Estados Unidos, GARLAND, 2001, e SIMON,

    2007; sobre a Nova Zelndia, PRATT, 2005; sobre

    a Inglaterra, LIANOS, 2001; sobre a Frana,

    CASTEL, 2003). Diferentes governantes vm a

    pblico afirmar que os direitos humanos no so

    universais, pois ou so para seres humanos e no

    para ratos (CHEVIGNY, 2003), ou o primeiro

    e mais importante entre todos os Direitos

    Humanos o da vtima uma frase de 2006 do

    presidente francs Sarkozy dita ao pai de uma

    criana morta por um pedfilo. Cabe notar que

    o crime suscitou a aprovao de uma lei que

    autoriza usar tcnicas preditivas para impedir

    que um criminoso saia da priso aps cumprirsua pena. De modo mais genrico, a partir de

    algum crime particularmente sensvel, no qual

    o criminoso tinha acabado de sair da priso por

    indulto ou por liberdade condicional, a legislao

    penal de diferentes pases passou a incluir algum

    procedimento de clculo de riscos, de punio

    preditiva, com a pena sendo adequada no ao ato

    cometido pelo criminoso, mas ao que se presume

    cientificamente que ele pode vir a fazer. Tambm

    cabe notar como, em diferentes cidades globais,

    marcadores de raa, etnia e condio social esto

    presentes na estigmatizao de bairros onde

    predominam negros, imigrantes e pobres.

    Essa semelhana global nos obriga a pensar

    que as polticas vinculando medo e alteridade

    no so uma conseqncia nica e direta da

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    intensidade do sentimento de insegurana ou das

    taxas efetivas de crime. De incio, a semelhana

    parece estar associada mudana moral recente.

    As culturas ocidentais contemporneas so

    marcadas pela generalizao da exigncia de

    autenticidade: cada um deve buscar o que o

    realiza como indivduo (TAYLOR, 2007). Essa

    generalizao implica a hegemonia do princpio

    do no-dano (no harm), formulado por Stuart

    Mill ainda no sculo XIX, que prope como

    nico limite busca individual da felicidade o

    dano que se causa ao outro. Assim, no h, no

    nvel imediato, nenhum consenso sobre a boa

    vida; ao contrrio, o que esse princpio exige a

    tolerncia em relao s mltiplas formas de ser

    e de se obter prazer. A vtima de crime violento,

    por sua vez, torna-se o lugar de consenso moralmnimo, at pela clareza moral de seu sofrimento

    (BOUTELLIER, 1999). Essa mudana responde

    tambm pela valorizao cada vez maior da vida

    privada e do consumo. Sob outro ponto de vista,

    essa transformao erige a rotina segura como

    lugar de justia.

    Uma segunda razo o surgimento de umanova relao entre indivduo e Estado que pode

    ser conceituada como direito ao risco. Numa

    cultura em que a administrao do presente e o

    cuidado de si encontram-se sobredeterminados

    por conseqncias futuras, o risco se torna o

    paradigma a partir do qual so pensadas noes

    fundamentais da vida pblica, tais como a de

    liberdade e responsabilidade. Ainda que no

    formalizado juridicamente, o crescente papel

    desempenhado pela noo de risco nos processos

    contemporneos de subjetivao sinaliza para

    emergncia dessa nova figura do direito, isto

    , o direito no escrito, mas provavelmente j

    internalizado pelos indivduos, de que ningum

    deveria ser obrigado a alterar seu estilo de

    vida por que outros o expem a riscos. Sua

    contrapartida positiva : as pessoas podem

    expor-se aos riscos que voluntariamente esto

    dispostos a correr. Cabe ao Estado impedir que

    outros inescrupulosos, sem corao, dispostos

    a tudo por nada, sem nenhum respeito pela vida,

    ameacem nossa rotina.

    Nesse modo de pensar, a responsabilidade

    de cada indivduo em relao aos outros

    e coletividade reduz-se ora a pagar seus

    impostos, ora a considerar como suas decises

    privadas de consumo podem afetar os outros.

    A responsabilidade prescinde da mediao da

    poltica como forma da ao coletiva. Peas

    publicitrias institucionais sobre segurana

    pblica tornam essa ausncia evidente: nos

    Estados Unidos, um consumidor de drogas em

    boates alertado por um amigo de que seudinheiro financiava a Al-Qaeda; no Brasil, a pea

    publicitria mostra que o uso de drogas pode ter

    como conseqncia a morte de um prximo.

    Cabe indagar se esse estreitamento da poltica

    capaz de propiciar polticas pblicas que

    efetivamente transformem a segurana ou se s

    abre espao para polticas de pulso firme que,

    circularmente, pela legitimao da violncia

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    dos agentes estatais de controle social, agravam

    a violncia urbana e, assim, ampliam o

    sentimento de insegurana

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    Urban experience

    and crime narrativesAbstract

    In this article, we propose that crime news

    constitute today a key element in shaping the

    experience of the city and of otherness. We argue

    that the media deploys the logics of fear and of

    compassion as means of fostering the audiences

    identification with the suffering of strangers. We

    then analyze how descriptions of the city voiced by

    young members of Rio de Janeiros elite articulate

    insecurity, poverty and justice, thus generallyrestating the possibilities of identity building

    offered by crime news.

    Keywords

    City. Crime. Insecurity. Victim.

    Identity. Otherness.

    Experiencia urbana

    y narrativas de crimenResumen

    En este artculo, proponemos que las noticias son,

    hoy, un elemento decisivo en la conformacin

    de la experiencia de la ciudad y de la alteridad.

    Para sustentar tericamente y empricamente la

    propuesta, argumentamos, en primer lugar, que

    la retrica de los medios de comunicacin usa las

    lgicas del miedo y de la compasin para favorecer

    la identificacin de la audiencia con el sufrimiento

    de extraos. En la secuencia, analizamos el cmola descripcin de la ciudad por jvenes de la lite

    carioca articula inseguridad, pobreza e injusticia,

    reiterando en sus grandes lneas las posibilidades

    de construccin de identidad ofrecidas por las

    noticias de crimen.

    Palabras clave

    Ciudad. Crimen. Inseguridad. Vctima.

    Identidad. Alteridad.

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    Recebido em:25 de setembro de 2008

    Aceito em:1ode outubro de 2008

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    COMISSO EDITORIAL

    Ana Gruszynski | Universidade Federal do Rio Grande do Sul, BrasilJoo Freire Filho | Universidade Federal do Rio de Janeiro, BrasilRose Melo Rocha | Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil

    CONSULTORES AD HOC

    Bianca Freire-Medeiros | Fundao Getulio Vargas, BrasilJosimey Costa da Silva | Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Maria Conceio Golobovante | Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, BrasilMarlyvan Moraes de Alencar | Centro Universitrio SENAC-SP, BrasilMiriam de Souza Rossini | Universidade Federal do Rio Grande do Sul, BrasilPaulo Ribeiro | Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, Brasil

    Rita Alves de Oliveira | Centro Universitrio SENAC, BrasilREVISO DE TEXTO E TRADUO | Everton Cardoso

    ASSISTNCIA EDITORIAL E EDITORAO ELETRNICA | Raquel Castedo

    CONSELHO EDITORIAL

    Afonso AlbuquerqueUniversidade Federal Fluminense, Brasil

    Alberto Carlos Augusto KleinUniversidade Estadual de Londrina, Brasil

    Alex Fernando Teixeira PrimoUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

    Alfredo VizeuUniversidade Federal de Pernambuco, Brasil

    Ana Carolina Damboriarena EscosteguyPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Brasil

    Ana Silvia Lopes Davi MdolaUniversidade Estadual Paulista, Brasil

    Andr Luiz Martins LemosUniversidade Federal da Bahia, Brasil

    ngela Freire PrysthonUniversidade Federal de Pernambuco, Brasil

    Antnio Fausto NetoUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil

    Antonio Carlos HohlfeldtPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Brasil

    Arlindo Ribeiro MachadoUniversidade de So Paulo, Brasil

    Csar Geraldo GuimaresUniversidade Federal de Minas Gerais, Brasil

    Cristiane Freitas GutfreindPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Brasil

    Denilson LopesUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

    Eduardo Peuela CaizalUniversidade Paulista, Brasil

    Erick Felinto de OliveiraUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

    Francisco Menezes MartinsUniversidade Tuiuti do Paran, Brasil

    Gelson SantanaUniversidade Anhembi/Morumbi, Brasil

    Hector OspinaUniversidad de Manizales, Colmbia

    Ieda TuchermanUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

    Itania Maria Mota GomesUniversidade Federal da Bahia, Brasil

    Janice Caiafa

    Universidade Federal do Rio de Janeiro, BrasilJeder Silveira Janotti JuniorUniversidade Federal da Bahia, Brasil

    ExpedienteA revista E-Comps a publicao cientfica em formato eletrnico da

    Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao(Comps). Lanada em 2004, tem como principal finalidade difundir aproduo acadmica de pesquisadores da rea de Comunicao, inseridos

    em instituies do Brasil e do exterior.

    E-COMPS | www.e-compos.org.br | E-ISSN 1808-2599

    Revista da Associao Nacional dos Programas

    de Ps-Graduao em Comunicao.Braslia, v.11, n.1, jan./abr. 2008.A identificao das edies, a partir de 2008,

    passa a ser volume anual com trs nmeros.

    John DH DowningUniversity of Texas at Austin, Estados Unidos

    Jos Luiz Aidar PradoPontifcia Universidade Catlica de So Paulo, Brasil

    Jos Luiz Warren Jardim Gomes BragaUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil

    Juremir Machado da SilvaPontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, Brasil

    Lorraine LeuUniversity of Bristol, Gr-Bretanha

    Luiz Claudio MartinoUniversidade de Braslia, Brasil

    Maria Immacolata Vassallo de LopesUniversidade de So Paulo, Brasil

    Maria Lucia SantaellaPontifcia Universidade Catlica de So Paulo, Brasil

    Mauro Pereira PortoTulane University, Estados Unidos

    Muniz Sodre de Araujo CabralUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

    Nilda Aparecida JacksUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

    Paulo Roberto Gibaldi VazUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

    Renato Cordeiro GomesPontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, Brasil

    Ronaldo George HelalUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

    Rosana de Lima SoaresUniversidade de So Paulo, Brasil

    Rossana ReguilloInstituto Tecnolgico y de Estudios Superiores do Occidente, Mxico

    Rousiley Celi Moreira MaiaUniversidade Federal de Minas Gerais, Brasil

    Sebastio Carlos de Morais SquirraUniversidade Metodista de So Paulo, Brasil

    Simone Maria Andrade Pereira de SUniversidade Federal Fluminense, Brasil

    Suzete VenturelliUniversidade de Braslia, Brasil

    Valrio Cruz BrittosUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil

    Veneza Mayora Ronsini

    Universidade Federal de Santa Maria, BrasilVera Regina Veiga FranaUniversidade Federal de Minas Gerais, Brasil

    COMPS| www.compos.org.brAssociao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao

    PresidenteErick Felinto de OliveiraUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

    [email protected]

    Vice-presidente

    Ana Silvia Lopes Davi MdolaUniversidade Estadual Paulista, Brasil

    [email protected]

    Secretria-GeralDenize Correa ArajoUniversidade Tuiuti do Paran, [email protected]