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29° Reunião Brasileira de Antropologia (03 a 06 de agosto de 2014, Natal-RN, Brasil) GT 072. Religiões em Movimento: Transnacionalização Religiosa Texto: Transnacionalização Religiosa e Missionários e Missões Católicas brasileiras na Europa: Missão e formação para “missões reversas” no contexto católico. Antônio Mendes da Costa Braga (UNESP, SP, Brasil) ([email protected]) Inserido dentro de uma pesquisa sobre a presença de missões e missionários católicos brasileiros na Europa, o presente artigo tem por escopo analisar as especificidades e possíveis novidades que esse fenômeno representa no catolicismo e para a Igreja Católica no Brasil e a relação da mesma com o fenômeno mais amplo da transnacionalização religiosa. Considerando o contexto mais recente do catolicismo e da Igreja Católica no Brasil o presente texto busca analisar algumas mudanças que vem ocorrendo no universo das missões e missionários católico brasileiros e o tipo de impacto que isto vem tendo nas motivações e na formação missionária católica tendo e visto o fenômeno mais amplo das “missões reversas”, com particular interesse nas missões e missionários brasileiros que se dirigem à Europa. De forma mais geral, tendo em vista a pesquisa mais ampla onde este texto se insere, nos interessa questões tais como: como isso implica na formação dos missionários católicos no Brasil? E dos missionários brasileiros que vão para a Europa? Quais são os tipos de demandas, discursos, motivações e conteúdos presentes em seus processos de adesão ao “chamado missionárioe a seus processos de formação? Quais são os conteúdos da mensagem missionária que eles pretendem levar? Na busca de respostas aborda-se o fenômeno das missões reversasno contexto do catolicismo brasileiro, procurando refletir sobre as especificidades desse tipo de inversão de missão. Sendo que temos um particular interesse entre esse fenômeno e as novidades trazidas pelos Novos Movimentos Eclesiais Católicos (NMECs), de forma muito particular o Movimento de Renovação Carismática Católica (RCC). Consideramos que ao analisarmos as missões reversas que partem para a Europa e que se vinculam ao Movimento de RCC, isto abre caminho para importantes compreensões de como se dá a relação entre o catolicismo brasileiro contemporâneo e suas relações com o fenômeno da transnacionalização religiosa. Palavras-Chaves: Missão reversa; Igreja Católica; Renovação Carismática Católica; transnacionalização religiosa.

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29° Reunião Brasileira de Antropologia

(03 a 06 de agosto de 2014, Natal-RN, Brasil)

GT 072. Religiões em Movimento: Transnacionalização Religiosa

Texto:

Transnacionalização Religiosa e Missionários e Missões Católicas brasileiras na

Europa: Missão e formação para “missões reversas” no contexto católico.

Antônio Mendes da Costa Braga

(UNESP, SP, Brasil)

([email protected])

Inserido dentro de uma pesquisa sobre a presença de missões e missionários católicos

brasileiros na Europa, o presente artigo tem por escopo analisar as especificidades e possíveis

novidades que esse fenômeno representa no catolicismo e para a Igreja Católica no Brasil e a

relação da mesma com o fenômeno mais amplo da transnacionalização religiosa.

Considerando o contexto mais recente do catolicismo e da Igreja Católica no Brasil o presente

texto busca analisar algumas mudanças que vem ocorrendo no universo das missões e

missionários católico brasileiros e o tipo de impacto que isto vem tendo nas motivações e na

formação missionária católica tendo e visto o fenômeno mais amplo das “missões reversas”,

com particular interesse nas missões e missionários brasileiros que se dirigem à Europa. De

forma mais geral, tendo em vista a pesquisa mais ampla onde este texto se insere, nos

interessa questões tais como: como isso implica na formação dos missionários católicos no

Brasil? E dos missionários brasileiros que vão para a Europa? Quais são os tipos de

demandas, discursos, motivações e conteúdos presentes em seus processos de adesão ao

“chamado missionário” e a seus processos de formação? Quais são os conteúdos da

mensagem missionária que eles pretendem levar? Na busca de respostas aborda-se o

fenômeno das “missões reversas” no contexto do catolicismo brasileiro, procurando refletir

sobre as especificidades desse tipo de inversão de missão. Sendo que temos um particular

interesse entre esse fenômeno e as novidades trazidas pelos Novos Movimentos Eclesiais

Católicos (NMECs), de forma muito particular o Movimento de Renovação Carismática

Católica (RCC). Consideramos que ao analisarmos as missões reversas que partem para a

Europa e que se vinculam ao Movimento de RCC, isto abre caminho para importantes

compreensões de como se dá a relação entre o catolicismo brasileiro contemporâneo e suas

relações com o fenômeno da transnacionalização religiosa.

Palavras-Chaves: Missão reversa; Igreja Católica; Renovação Carismática Católica;

transnacionalização religiosa.

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TEXTO:

É possível perceber algo aparentemente novo quando observamos como se da o

missionarismo cristão entre o Brasil e a Europa neste início de século XXI. Vem ganhando

vulto um fenômeno cujo tamanho e significado vem aumentando e que tem despertado cada

vez mais atenção: trata-se daquilo que a literatura das ciências sociais e da missiologia

denomina de “missão reversa” (reverse mission).

O termo “missão reversa” decorre do fato de que se trata de um tipo de

deslocamento que inverte a direção que usualmente marcou os movimentos de missões cristãs

entre a Europa e países como o Brasil. Tradicionalmente, ao longo dos séculos, desde as

grandes navegações e da chegada dos europeus ao continente americano e a outras partes do

mundo, as missões religiosas cristãs tenderam a se deslocar do Velho Mundo em direção à

outras partes do planeta. Contudo, principalmente a partir das primeiras décadas do século

XXI, começou a ganhar relevância e força uma lógica invertida de deslocamento: passaram a

serem bastante expressivas as missões e o número de missionários que saem de países como

o Brasil para fazer missão em outros lugares do mundo, com destaque para a Europa.

Se considerarmos aquelas missões que vão para a Europa (que é o tema de nossa

pesquisa), essas podem ser consideradas como “invertidas” (reversas). Logo, o termo

“reversas” remete-se ao fato de que elas seguem uma lógica vetorial distinta daquela que

resultou na chegada, propagação, incorporação e tradução do cristianismo e catolicismo no

Brasil, a partir da Europa (POMPA, 2003; MONTERO, 2006). Isto porque o cristianismo, e o

catolicismo em particular, chegaram às terras brasileiras com os colonizadores europeus. O

que implica dizer que a chegada do catolicismo no Brasil, assim como seu desenvolvimento,

esteve inicialmente atrelada ao movimento de contrarreforma, de contornos missionários,

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marcado pelo impulso conquistador e de universalização de valores e visões de mundo

(inclusive e notadamente religiosos) que distinguiram o expansionismo europeu a partir do

século XVI.

No contexto brasileiro essa dinâmica e tipo de deslocamento e direção missionária

cristã-europeia que se iniciou já nas primeiras missões do século XVI, atravessou a época

colonial, passou pelo processo de romanização do catolicismo brasileiro (que se deu entre o

final do século XIX e primeiras décadas do século XX) e assumiu diferentes formas e

intensidades ao longo do século XX. Sendo que ao longo de todo esse período esses

deslocamentos missionários sempre obedeceram a um mesmo vetor: as missões - quase que

de maneira absoluta – ocorreriam numa mesma direção de deslocamento, num mesmo

sentido vetorial, movendo-se da Europa em direção ao Brasil.

Nas ultimas décadas, contudo, o Brasil vem deixando de ser apenas um país

receptor de missões cristãs, para ser um exportador de missões e missionários (as) além-

fronteiras. Seja no contexto católico, seja no contexto evangélico (MARIZ, 2009; FRESTON,

2010; RODRIGUES e SILVA, 2012). E se formos considerar especificamente o contexto

católico, que é aquele que está sendo abordado neste artigo, é possível perceber que nessas

primeiras décadas do século XXI vem emergindo uma característica nova nos

empreendimentos católicos missionários brasileiros no exterior: aos poucos o continente

europeu também passa a ser um importante foco de muitas missões que saem do Brasil em

direção aos mais diferentes lugares do planeta.

Esta nova característica vincula-se, por sua vez, ao fenômeno das missões e

missionários (as) brasileiros além-fronteiras. Fenômeno este que, inclusive, vem recebendo

cada vez mais atenção por parte da instituição Igreja Católica no Brasil. E isso é algo que

pode ser constatado, por exemplo, no fato de que o tema vem cada vez mais sendo debatido

dentro da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), no que tange às suas

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preocupações com a questão missionária. E um bom exemplo desse interesse é uma pesquisa

realizada em 2001 pelo Conselho Missionário Nacional (COMINA), que por sua vez é

vinculado a CNBB. Pesquisa esta cujo objetivo foi fazer uma radiografia da presença de

missionários brasileiros em missão em outras partes do planeta. Outro exemplo é a criação da

Pastoral dos Brasileiros no Exterior (PBE) no ano de 1996, que também converge para a

questão missionária além-fronteiras.

Propomos neste momento uma breve analise da pesquisa do COMINA, pois

consideramos que ela nos ajuda muito aprofundar os argumentos que estamos desenvolvendo

neste artigo. E nesta direção sinalizamos para dois aspectos nos chamaram atenção: primeiro

o fato de que o resultado dessa investigação de 2001 já apontava para a pertinência do

fenômeno tratado em nossa pesquisa, qual seja, o de que o catolicismo brasileiro deixou de

ser apenas um receptor de missões e missionários(as) estrangeiros e passou a ser um

exportador de missionários(as) e missões. O segundo aspecto diz respeito os resultados

obtidos pelo COMINA em 2001. Ele conseguiu catalogar naquela pesquisa 1556 missionários

e missionárias brasileiras atuando fora do Brasil. Daquele total, 652 tiveram suas ordens ou

congregações religiosas identificadas, enquanto que 904 missionários e missionárias entraram

na categoria “outras” (ou seja, não tiveram uma identificação).

Analisando mais detidamente este universo de 652 missionários(as) nos chamou a

atenção outros dois aspectos: primeiro o fato de que as ordens e congregações identificadas

são do tipo “ordens ou congregações” que, na ausência deum termo melhor, denominaremos

de modelo mais tradicional. Sendo que o termo “modelo tradicional” tem por contraponto os

grupos religiosos surgidos ao longo do século XX e que são denominados de “Novos

Movimentos Eclesiais” da Igreja Católica (MAUES, 2012). Grupos cujas características,

forma de organização e uma serie de outras variáveis são muitas vezes significativamente

diferentes das congregações e ordens religiosas mais tradicionais. E já podemos adiantar aqui

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que estes Novos Movimentos Eclesiais são um importante objeto de interesse da pesquisa que

estamos desenvolvendo e dentro da qual este artigo se insere. Mas trataremos disso, de forma

mais aprofundada, adiante.

Ainda dentro da analise dos dados da pesquisa do COMINA, também nos chamou

atenção o fato de que das ordens e congregações identificadas (que somam um total de 20),

apenas 5 nasceram no Brasil, sendo elas conjuntamente responsáveis por 218 missionárias e

missionários brasileiros atuando fora do Brasil. Ou seja, dentro daquele universo de 652

missionários temos 2/3 (dois terços) vinculados a ordens ou congregações estrangeiras. Desta

forma, no que tange a pesquisa do COMINA (e alertando para as limitações que temos em

termos de acesso aos seus resultados) estamos considerando a possibilidade de que uma boa

parte dos missionários brasileiros que estavam atuando fora do Brasil nos primeiros anos do

século XXI vinculava-se a congregações ou ordens religiosas estrangeiras.

Ao lançar mão desta breve análise dos dados oferecidos pelo COMINA em 2001,

nossa intenção é propor duas hipótese que devem ser consideradas de forma conjunta: (1)

parece-nos que, desde o inicio deste século XXI vem ocorrendo o crescimento de um novo

tipo de ação missionária além-fronteiras dentro e a partir do contexto católico brasileiro.

Sendo essas novas ações missionarias empreendidas por grupos religiosos surgidos

especificamente no Brasil e que, portanto, também atuam além-fronteiras posicionando-se

como missões e missionários (as) católicos(as) oriundos(as) do Brasil. (2) Nos parece

igualmente que muitas dessas novas missões estão vinculadas ao fenômeno dos Novos

Movimentos Eclesiais Católicos (NMECs), principalmente ao Movimento de Renovação

Carismática Católica (RCC). Ou seja, nos parece que vem crescendo de forma significativa o

número de missionários (as) e missões brasileiras além-fronteiras promovidas por

comunidades, grupos e movimentos religiosos católicos surgidos especificamente no Brasil,

principalmente entre os NMECs.

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Sendo tais hipóteses pertinentes, consideramos ser necessário apreciar em mais

profundidade a possibilidade de que o envio de missões e missionários além-fronteiras por

parte de grupos vinculados aos NMECs, principalmente o Movimento de RCC, vem tendo

implicações e promovendo importantes mudanças na lógica de importação e exportação de

missionários (as) e missões que marcou a relação do Brasil com outros países ou regiões,

notadamente a Europa. Seja ao longo da história desta sociedade, seja em relação a um

passado mais recente. E, como vamos mostrar ao longo deste artigo, estas mudanças ocorrem

em diferentes variáveis e distintas formas e implicações. Algumas delas, por exemplo, dizem

respeito às formas de articulação das redes de missões e formação de missionários(as) e em

relação ao perfil dos(as) missionários(as) e os escopos de suas missões.

Para ficar mais clara esta colocação acima um bom caminho é considerar o contexto

católico missionário Brasileiro na segunda metade do século XX e início do século XXI e o

tipo de mudanças que vem ocorrendo a partir das novas missões católicas brasileiras além-

fronteiras, principalmente aquelas que se vinculam aos NMECs. E para pensar este período

citado neste parágrafo pode nos ser útil abordar a configuração do contexto missionário

católico brasileiro a partir e sua dimensão institucional, isto é, levando em conta a atuação da

Igreja Católica enquanto instituição. E no caso brasileiro a sua principal referência

institucional é a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). E no que se refere à

relação da CNBB com a questão missionária o seu principal ponto de referência é a Comissão

para a Ação Missionária. Comissão esta que é composta pelo já citado COMINA, pelo CIMI

(Conselho Indígena Missionário), pelo CCM (Centro Cultural Missionário), pelas POM

(Pontifícias Obras Missionarias, que também tem vínculos com a Santa Sé) e pela Pastoral

dos Brasileiros no Exterior.

No que tange às questões pertinentes a este artigo e considerando os membros desta

Comissão para a Ação Missionária, para nós nos interessa de maneira particular o Centro

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Cultural Missionário (CCM), que é um organismo da CNBB que realiza um papel

fundamental na formação e no suporte à grande maioria dos missionários católicos

estrangeiros que chegam ao Brasil. E que também auxilia um bom número de missionários

brasileiros que atuam além-fronteiras. De fato o CCM funciona como o mais importante

“hub” 1 para a ação missionária da Igreja Católica no Brasil.

O Centro Cultural Missionário (http://www.ccm.org.br/) se localiza em Brasília,

D.F., sendo um organismo vinculado à CNBB (que foi fundada em 1952). Ele foi

oficialmente criado em 1982, a partir da junção do Centro de Formação Intercultural (CENFI

– nascido em 1960) e do Serviço de Colaboração Apostólica Internacional (SCAI – nascido

em 1964), e que também inclui o Centro de Animação e Estudos Missionários (CAEM).

Logo, quando pensamos na Igreja Católica no Brasil e na formação de seus missionários

(estrangeiros ou que vão atuar fora do país) o Centro Cultural Missionário (CCM) é a

principal referencia. É no CCM que muitos missionários estrangeiros que chegam ao Brasil

terão seus primeiros cursos de formação no país (por exemplo, em missiologia, teologia,

espiritualidade, realidade sócio religiosa e cultural brasileira). Ali também são oferecidos

cursos de formação para missionários brasileiros que vão atuar no país ou no exterior.

Igualmente são proporcionados vários serviços de apoio aos missionários nos seus processos

de inserção na realidade brasileira. São promovidos eventos e meios de trocas de experiências

missionarias, são produzidos estudos sobre missiologia, são articuladas redes de apoio e

contato.

Parece-nos, contudo, que o CCM tende a atingir como mais força um universo de

atuação muito próximo das ordens, grupos e congregações religiosas que tende a ter um perfil

1 O uso do termo “hub” (“pivô” em inglês) é muito comum na área de informática e de aviação comercial. No

caso da área da informática um “hub” costuma ser um aparelho que funciona como concentrador cuja finalidade

é realizar o processo pelo qual se transmite ou difunde determinada informação, tendo, como principal

característica, que a mesma informação está sendo enviada para muitos receptores ao mesmo tempo

(broadcast). No caso da aviação comercial os “hubs” são os centros de conexão, que são as designações dadas

ao aeroporto utilizado por uma companhia aérea como ponto de conexão para transferir seus passageiros para o

destino pretendido.

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diferente daquele dos Novos Movimentos Eclesiais Católicos (NMECs). Parece-nos que o

perfil dos (as) missionários(as) que passam pelo CCM este mais próximo do tipo de grupos e

ordens religiosas como aqueles identificados na pesquisa do COMINA em 2001. É o caso,

por exemplo, da Congregação dos Scalabrianos, Irmãs Missionárias da Consolata,

Congregação das Missionárias de Santo Antônio Maria Claret, Ordem dos Frades Menores,

Pia Sociedade Filhas de São Paulo ou Orionitas. Por outro lado, nos parece ser pouco

presente grupos de missionários como o das Comunidades de Vida e Aliança vinculadas à

RCC.

Uma possível interpretação para o papel que costuma ser desempenhado pela

Comissão para Ação Missionária da CNBB - o CCM em particular, mas também ao seu

modo o COMINA, CIMI, POM e Pastoral dos Brasileiros no Exterior (PBE) – é a de que

estejam mais vinculados a uma concepção e uma tradição de ação missionária que em boa

medida estão refletindo as visões de mundo e formas de conceber a Igreja Católica no Brasil

(e sua atuação no país e no além-fronteiras) numa perspectiva mais sensível a desafios tais

como a evangelização e suporte material e espiritual aos mais pobres, aos mais necessitados.

Não que estejamos sugerindo que as missões dos NMECs não sejam sensíveis a isso. Nem

que o trabalho do CCM e de outros órgãos ligados à Comissão de Ação Pastoral não busquem

também responder a outras demandas. Porém, nos parece ser possível compreender melhor

uma atuação como a do CCM quando ficamos atentos ao fato de que ele, COMINA, CIMI,

POM e PBE estão muito próximos e tem como importante referência uma concepção de

Igreja Católica que emergiu na segunda metade do século XX, através da atuação do

Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) e que tomou forma a partir do II Conselho

Episcopal Latino-Americano (ocorrido em Medelín, Colômbia, em 1968) e o III Conselho

Episcopal Latino-Americano (ocorrido em Puebla, México, em 1979).

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São nos CELAMs de Medelín e Puebla que ganha força a ideia de uma Igreja

Católica latino-americana que faz uma “opção preferencial pelos pobres”, atenta aos

problemas sociais da América Latina (portanto também do Brasil). Opção esta que foi uma

importante referência para a Igreja Católica no Brasil na segunda metade do século XX. E

uma das consequências dessa “opção pelos pobres” foi que o Brasil se converteu em um país

atraente para um número expressivo de missionários (as) católicos (as) igualmente sensíveis

às questões sociais e que queriam atuar para além das fronteiras de seus países de origem. E

com isso muitos missionários (as) e missões (principalmente da Europa) vieram para o Brasil.

Isto, como nós vimos acima, ocorrendo em um contexto em que a atuação da Igreja Católica

na América Latina passou a ser internamente mais articulada e orgânica, como evidencia o

surgimento e atuação de organismos como a CNBB (1952) e o CELAM (1955).

O surgimento e desenvolvimento do CCM devem ser lido, portanto, levando em

conta este contexto. Ou seja, é dentro deste quadro mais geral das opções e demandas da

Igreja Católica no Brasil na segunda metade do século XX que o CCM surge, se desenvolve e

atua. Evidentemente ele vai se atualizando e incorporando novas demandas, conforme o

quadro missionário e o papel e a posição da Igreja Católica e do catolicismo vãos se

alternando em nessa sociedade. Alterações essas que, por sua vez, estão relacionados não só

às mudanças que vão ocorrendo no Brasil - e nas configurações de seu campo religioso e no

lugar das religiões e do religioso nesta sociedade -, mas também em relação ao contexto mais

global dentro do qual se inserem.

Mas, e este é um ponto que queremos por em evidência, não devemos perder de

vista que o quadro traçado nos parágrafos anteriores diz respeito ao contexto genealógico do

CCM e, por conseguinte, à forma mais hegemônica através da qual a Igreja Católica atuou e

vem atuando em relação à questão e atuação missionária ao longo das ultimas décadas.

Porém, se isso reflete uma forma de atuação mais hegemônica da Igreja Católica em relação à

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questão missionária, desde a ultima década do século XX importantes mudanças foram

ocorrendo tanto no campo religioso brasileiro, quanto dentro do próprio catolicismo no

Brasil. E essas mudanças paulatinamente vieram e vem tendo reflexo inclusive no que vem a

ser o sentido das ações missionárias dentro do catolicismo brasileiro.

E, como já sinalizamos, uma das mudanças mais visíveis e relevantes dentro do

catolicismo brasileiro vem sendo a emergência e aumento da importância dos Novos

Movimentos Eclesiais Católicos (NMECs). Principalmente o Movimento de Renovação

Carismática Católica (RCC). E, considerando a questão que nos interessa aqui – que diz

respeito às missões e missionários(as) católicos brasileiros atuando além-fronteiras nacionais,

principalmente na Europa - consideramos que o Movimento de RCC ainda é um importante

promotor de transformações dentro do universo católico brasileiro. E, o que nos é caro em

termos de nossa pesquisa, as missões nascidas a partir da RCC vem promovendo mudanças

nos significados e formas de ações em relação às atuações de grupos missionários católicos

no Brasil e fora Brasil. E como nos interessa o tema das “missões reversas” tendo em vistas a

atuação de grupos missionários brasileiros na Europa em intercessão com o tema

contemporâneo da transnacionalização religiosas, consideramos fundamental para analisar

melhor isso voltarmos nossa atenção para o Movimento de RCC e seus grupos e comunidades

que atuam além-fronteiras, principalmente em países europeus.

Transnacionalização Religiosa e Missões reversas

Consideramos que a questão das “missões reversas” e suas missões e missionários

(as) brasileiros devem serem lidos tendo em vista o tema mais amplo e relativamente mais

recente da globalização, com particular destaque para o fenômeno da transnacionalização

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religiosa (que, por sua vez, relaciona-se com o tema da globalização). (Isto, a nosso ver,

implica em mudanças ou formulação de novas agendas missionárias e naquilo que anima

essas novas missões). Por exemplo, nestas novas agendas o “pobre” a ser atingido pelo

trabalho missionário não é mais (ou apenas) aquele que é vitima das injustiças e

desequilíbrios sociais que atinge a América Latina. Não são tão somente aqueles que estão

sendo explorados, sendo vítimas das injustiças sociais. Inclusive no discurso de muitos

grupos sensíveis a este tipo de questão o termo “explorado” foi sendo substituídos pelo termo

“excluído”. Sendo que o termo “exclusão” passou a se referir não só a exclusões de natureza

socioeconômicas, mas também a “exclusões” de outras ordens. São os casos, por exemplo,

dos emigrantes brasileiros que se deslocaram para países desenvolvidos em busca de

oportunidades. E nestes novos contextos esses migrantes começaram a formar comunidades

de diáspora. Ali, nesses países, muitas dessas comunidades de certa maneira também são

comunidades de “excluídos”. Contudo tais exclusões dizem respeito principalmente aos

limites impostos à sua integração na sociedade receptora, nas dificuldades de conseguir

documentos (muitos são “indocumentados”), nas limitações de desolamento (não podem ir e

vir quando quiserem para seus países de origem, podem ser deportados), no tipo de posição

que podem ocupar no mercado de trabalho. Em suma, estamos falando de formas de

“exclusão” que passam a refletir os problemas e desafios de um mundo globalizado. E é nesse

contexto que se insere um novo tipo de ação missionária católica reversa, voltada para esses

migrantes da diáspora brasileira no exterior (aqui vale lembrar a criação da Pastoral dos

Brasileiros no Exterior, em 1996, pela CNBB). Em suma, temos uma ampliação das

configurações dos tipos de missões que passam a serem constituídas. Ampliação esta que se

relaciona à mudanças no quadro mais geral de uma sociedade brasileira que se foi se

tornando mais globaliza, mais inserida no processo de globalização, cada vez mais integrada

às dinâmicas e fluxos de um mundo mais globalizado.

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Dentro desta nova conjuntura global, contudo - como aponta uma vasta literatura

sobre o tema -, não são só as pessoas que deslocam, nem são só questões socioeconômicas,

de mercado (CSORDAS (org.), 2009) e de “exclusão” que constituem o fenômeno como um

todo. Podemos considerar que tudo, ou quase tudo, no mundo globalizado que foi emergindo

a partir das ultimas décadas do século XX como que passou a estar em movimento, em fluxo,

ou ser passível de deslocamentos e fluxos. E nisto podemos incluir as religiões, os grupos

religiosos, as Igrejas, suas crenças, seus ritos, seus objetos, seus atores, seus agentes. E no

que nos diz respeito, isso também possibilita a formulação de novas agendas e motivações

missionárias. Algo que é particularmente verdade no campo do cristianismo ocidental, que

por principio é uma religião universal, universalista e de conversão.

Uma possibilidade que parece se desdobrar a partir deste quadro acima colocado é

que o cristianismo e grupos cristãos do Brasil – católicos e evangélicos - encontram dentro

dele as possibilidades de “exportarem” a si e às suas formas de serem cristãos. Ou seja, agora

não só para países considerados subdesenvolvidos ou emergentes que passam a serem objetos

de atenção das missões além-fronteiras. Muitas regiões da Europa Ocidental também passam

a serem vistas como “terras de missão”. E isso passa a ser uma novidade que não deve ser

desconsiderada: dada as condições de um mundo em fluxo e globalizado, missões cristãs

oriundas de ex-colônias (como o Brasil) assumem para a si o empenho de re-evangelizarem o

continente europeu, que já á algumas décadas estaria marcado por uma cultural secular em

continua expansão. E esta é sem duvidas um novo tipo de agenda missionária. Uma agenda

missionária que conforme se amplia, através das missões reversas, podem vir a ter algum tipo

de impacto a ser considerado na relação da sociedade europeia com suas ex-colônias e vice-

versa. É como num jogo de cartas onde algumas delas são embaralhadas. E dali pode surgir

novas coisas, novas variáveis dentro do jogo. E nesse jogo que se reconfigura partes dessas

cartas que estão sendo embaralhadas dizem respeito ao religioso, à religião, às religiões. E

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sendo isso verdade, devemos dar mais atenção aos empreendimentos missionários, seus

atores, agentes, motivos, sentidos e práticas.

Estamos, portanto, tratando dos movimentos de transnacionalização religiosa (ORO,

STEIL & RICKLI (orgs.), 2012), onde há intensos fluxos e movimentos de atores e agentes

religiosos que se movem com seus objetos, seus valores e visões de mundo, suas práticas e

crenças, deslocando-se e assumindo novos significados e formas de ser. Movimentos estes

que atingem grupos, sociedades, contextos completamente novos e que não estavam no

horizonte dos empreendimentos missionários de algumas décadas atrás (inclusive e

notadamente católicos). Portanto, não podemos negligenciar como isto vem se dando dentro

do universo religioso brasileiro. É preciso estar atentos a esses novos tipos de missões cristãs

(e novas formas de ser missionário) que vem se ampliando e ganhando relevância. Missões

cristãs brasileiras essas (católicas e evangélicas [MARIZ, 2009;FRESTON, 2010]) que, frisa-

se, apresentam características que estão em sintonia com o fenômeno de transnacionalização

religiosa que sinalizamos acima. Missões reversas essas que se num primeiro momento

estavam muito voltadas para uma ação evangelizadora no universo extra-comunitário europeu

(migrantes, comunidades das diásporas), ao poucos também vai atingindo os “comunitários”,

os cidadãos europeus (SILVA, MEDEIROS, RODRIGUES, 2013).

Missões reversas e Renovação Carismática Católica

Considerando o universo missionário católico e o fenômeno das missões reversas,

fica muito evidente o papel desempenhado por comunidades de vida e aliança da Renovação

Carismática Católica que vem atuando no continente europeu. Canção Nova, Shalom, Obra

de Maria (para ficarmos com três das mais importantes comunidade de vida e aliança da

RCC) são bons exemplos de grupos que tem feito missões e enviado missionários(as) para a

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Europa. Logo, ao falar das missões reversas no contexto católico brasileiro nos leva quase

que necessariamente em falar do Movimento de Renovação Carismática Católica. E, de fato,

na pesquisa que estamos desenvolvendo, temos particular interesse nas missões reversas

empreendidas na Europa por parte de grupos de missionários vinculados à RCC do Brasil.

O nosso interesse pela RCC do Brasil, contudo, não decorre apenas da presença

dessas suas missões no continente europeu. Na realidade, entendemos que esses seus

empreendimentos missionários na Europa tem muito relação com o que a RCC representou e

vem representando para o catolicismo brasileiro e mesmo para o campo e contexto religioso

brasileiro em toda sua amplitude. Isto porque num olhar atento sobre a sociedade brasileira ao

longo desses primeiros anos do século XXI é possível constatar mudanças significativas em

seu contexto religioso. Seja no que diz respeito a um maior pluralismo religioso

(notadamente de viés cristão). Seja no que se relaciona às novas formas de presença e atuação

das religiões, grupos e igrejas no espaço publico. E através desses ou outros fenômenos,

podemos elencar várias alterações no cenário social e religioso em questão. E dentro dessas

transformações nos interessa destacar justamente a emergência de novas formas e maneiras

de ser católico (BRAGA, 2005; CARRANZA, CAMURÇA, MARIZ, 2009). Maneiras novas

essas num Brasil que se já não é mais hegemonicamente católico, ainda encontra no

catolicismo e na Igreja Católica atores, crenças e formas de ação e agencia que são relevantes

para esta sociedade e suas configurações.

Em suma, devemos considerar que também ocorreram relevantes mudanças no

contexto religioso católico brasileiro. Alterações essas que veio e vem ocorrendo numa

dinâmica dialética e/ou multifacetada entre a constância de conformações preexistente de

catolicismo (como as práticas e crenças de catolicismo tradicional, devocional, popular e

institucional) e a emergência e desenvolvimento de novas (re)configurações de/do ser

católico (THEIJE, 2002). (Re)configurações essas muitas vezes em fluxo, hibridas,

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sincréticas (Hannerz, 1997), assumindo hora formas mais constantes, hora formas mais

contingenciais. Isto tudo em consonância com o que poderíamos considerar como parte do

Zeitgeist de nossa contemporaneidade social. Afinal, formas e movimentos fluídos, híbridos,

sincréticos, rearranjando-se entre o constante e o contingencial não são fenômenos exclusivos

do contexto religioso e das religiões.

Voltando o foco para o contexto católico brasileiro, no que tange à emergência de

novas formas de/do ser católico, destacam-se os Novos Movimentos Eclesiais Católicos

[NMEC]. E em relação à esses novos movimentos, aquele que vem tendo maior impacto e

relevância é o Movimento de Renovação Carismática Católica [RCC] (CARRANZA, 2000;

PRANDI, 1998). Movimento de Renovação Carismática cuja propagação e presença no

campo religioso brasileiro – e católico em particular – vem já há algum tempo provocando

significativas mudanças, reconfigurações e reposicionamentos na Igreja Católica e de muitos

dos seus diferentes grupos, membros e atores. Estejam estes mais ou menos próximo da

instituição, mais ou menos aderentes a maneiras “a”, “b” ou “c” de ser católico.

O Movimento de Renovação Carismática Católica tem sua origem vinculada à

cidade de Pittsburgh (Pensilvânia, EUA) no ano de 1967 e chegou ao Brasil aos anos 70, em

Campinas, SP. Desde então o Movimento de Renovação Carismática se propagou e se

desenvolveu, sendo hoje o movimento eclesial mais expressivo da Igreja Católica no Brasil.

E igualmente, como dito acima, protagonista de importantes mudanças nas formas de ser

católico e expressar o catolicismo na sociedade brasileira.

Dada a própria relevância da Renovação Carismática enquanto fenômeno religioso,

esse Movimento foi e vem sendo também objeto de grande interessa dentro das Ciências

Sociais. E elencar os estudos dedicados ao tema torna-se tarefa das mais hercúleas. Trabalhos

como os de Maria das Dores Machado (1996), Reginaldo Prandi (1997) Brenda Carranza

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(2000), Emerson Silveira (2008) e Flavio Sofiati (2011) são apenas algumas das referências

num amplo leque de pesquisas voltadas para essa temática.

O Movimento de Renovação Carismática em si é um novo movimento eclesial

católico bastante complexo, com características muito específicas. O núcleo da experiência

do movimento RCC se dá usualmente a partir dos Grupos de Oração. Estes estão hoje

presentes em diferentes contextos: em paróquias - em muitos casos estimulados pelo pároco,

noutros respondendo a demandas de paroquianos -, indicando uma relação de sintonia com a

lógica organizacional territorial da Igreja Católica; em contextos que são autônomos em

relação à paróquias, como são os casos dos “GOU” (Grupos de Oração Universitários); e sob

a forma Comunidades de Vida e Aliança, que estão em sintonia com as formas

“desterritorializadas” [“desparoquializadas”] que marcam os Novos Movimentos Eclesiais

Católicos (NMECs).( E aqui cabe ressaltar o fato de que o fenômeno da desterritorialização é

algo que se vincula ao fenômeno mais amplo da globalização do mundo contemporâneo.

Aspecto este que permite que tomemos a questão da “desparoquialização” como um

indicativo do como um movimento religioso como o de RCC está em sintonia com as novas

configurações e reconfigurações da sociedade contemporâneo global.

Outro aspecto importante é que, apresentando-se como um Movimento que busca

renovar os ritos e mística católica em sintonia com as Doutrinas e demais diretrizes da Igreja

Católica, o impacto da RCC se faz sentir de diferentes maneiras dentro desta Igreja: a própria

presença de Grupos de Oração em contextos paroquiais abre novas possibilidades de práticas

e experiências religiosas (manifestas, por exemplo, nos momentos de oração grupal); em

muitas paróquias os membros desses grupos participam do trabalho pastoral, sob a forma de

“ministérios” (como os de musica e arte, oração, pregação, formação), desempenhando

relevantes papeis nas dinâmicas paroquiais e diocesanas e na relação dos católicos com a

Igreja (estejam muitos deles vinculados ou não à RCC); seus encontros e retiros (muitos deles

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promovidos por comunidades de Vida e Aliança) vão desde aqueles formados por pequenos

grupos, como outros de grande impacto e até mesmo atingindo públicos que estão

posicionados fora de um universo originalmente católico.

Para além do contexto interno da Igreja Católica, o movimento de RCC vem

igualmente tendo grande impacto: no uso dos veículos de comunicação de massa (televisão,

rádio, mídia impressa e digital) afirmando determinadas identidades católicas e propagando

crenças e práticas católicas (Braga, 2004 & 2005); no fenômeno dos novos artistas católicos,

como os “padres cantores” (Souza, 2005); na inserção no mercado editorial e fonográfico

religioso e em alguns casos ultrapassando o mesmo; nas experiências e contatos ecumênicos

formais e informais (notadamente em virtude de algumas proximidades com o contexto

pentecostal evangélico); na presença nos espaços públicos (como nas tomadas de posições

por parte de certos grupos em relação a questões como aborto, pesquisas com célula tronco,

união civil homoafetivas. Ou na participação dos processos políticos formais, que se

evidencia em figuras públicas com cargos eletivos identificados com a RCC); em leituras que

colocam a RCC como movimento capaz de conter o avanço evangélico e a diminuição do

número de fieis católicos tendo em vista as novas configurações do campo religioso

brasileiro (PIERRUCI & PRANDI, 1996) .

As experiências religiosas proporcionadas pela RCC igualmente são indicativas de

sua complexidade. Neste sentido dentro do Movimento de RCC encontramos um universo

amplo de práticas religiosas. Há uma promoção daquelas de tipo mais tradicional: como uma

profunda valorização das práticas católicas de tipo sacramental (destacando-se a eucaristia,

mas também promovendo os outros seis sacramentos, como batismo, confirmação...) e

devocional (devoção à Nossa Senhora, reza do terço...), assim como a valorização do

sacerdócio e de uma a atuação laica proativa em consonância com as demandas e doutrinas

da Igreja Católica. E há também a inserção de práticas e experiências religiosas específicas,

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que constituem uma verdadeira novidade trazida pelo Movimento de RCC para dentro do

contexto religioso católico. O “batismo no Espírito Santo”, o “orar e falar em línguas”, o

“repouso no Espírito”, são algumas dessas experiências possíveis de serem vivenciadas em

grupos de oração, retiros ou “Cenáculos” promovidos pela RCC. Sendo que elas abrem para

os indivíduos que delas participam um conjunto completamente novo de possibilidades de

contato direto com o sagrado. Permitem que o “Espírito Santo” e seus “Dons” se manifestem

a partir do próprio indivíduo, nele, em sua pessoa, no seu corpo e seu lugar no mundo

(Csordas, 2008) oferecendo a ele possibilidades de contato com o sagrado que ultrapassam e

rompe com as maneiras mais institucionalizadas, domesticadas (Bastide, 2006) e

racionalizadas deste se manifestar (Maués, 2003).

Por fim devemos considerar que o Movimento de RCC é muito amplo em termos

numéricos e de diversidade interna. Seus membros podem ser contados na casa dos milhares.

Eles estão organizados em torno de Grupos de Oração (sendo que nem todos estão

contabilizados) e várias Comunidades de Vida e Aliança que apresentam variações

importantes em relação ao Carisma matriz. Ou seja, ainda que a RCC apresente também uma

organização institucional formal (há, por exemplo, um Conselho Nacional da RRC/Brasil) e o

contato com o “Espírito Santo” (a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade cristã) e seus

“Dons” seja a base do Carisma, há uma amplitude e diversidade interna no Movimento de

RCC que não pode ser desconsiderada.

Para compreendermos o papel das missões reversas vinculadas à RCC e que atuam

na Europa não podemos, portanto, perder de vista esta complexidade do Movimento de RCC

e de sua relevância para o contexto religioso contemporâneo, brasileiro em particular.

Heterogeneidade e complexidade que é, é bom frisar, interna ao Movimento de RCC. Logo,

se assim procedermos estaremos mais aptos tanto a perceber e compreender melhor suas

nuances internas, quanto os tipos de relações e implicações que o Movimento de RCC tem

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com o contexto religioso contemporâneo no qual se insere. E que diz respeito também aos

seus empreendimentos missionários além-fronteiras. Como é o caso Europeu, que é nosso

objeto de interesse.

Este artigo é parte de um trabalho em andamento, em execução. Foi desenvolvido

especificamente para este GT “Religiões em Movimento: Transnacionalização Religiosa” da

29ª Reunião Brasileiro de Antropologia. É, portanto, um trabalho em aberto. Aberto as

críticas do grupo. Nosso intuito aqui é o de apontar para a pertinência de nosso objeto,

buscando sinalizar algumas de suas especificidades dentro do quadro mais geral do contexto

missionário católico brasileiro, buscando apontar para o fato de que o Movimento de RCC

faz emergir novas formas de ser missionário dentro do catolicismo brasileiro. No presente

momento consideramos que estas “novas” formas de ser missionário tanto ajudam a

compreender o como o catolicismo brasileiro e a Igreja Católica no Brasil se insere dentro do

fenômeno das missões reversas, quanto pode relevar aspectos importantes relativos ao lugar,

forma e papel do catolicismo brasileiro, e seus agentes e atores, em relação ao fenômeno mais

amplo da transnacionalização religiosa.

Dito isso, abrimos o texto para as críticas, sugestões, novas possibilidades que

decorrem de nosso debate.

Grato,

Antônio Braga

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