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3 Internet, redes sociais digitais e o Facebook [...] como tendência histórica, as funções e os processos na era da informação estão cada vez mais organizados em torno de redes. Redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura [...] o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social. Manuel Castells Expressão da sociedade global contemporânea, a tecnologia do computador cada vez mais se apresenta como um fenômeno que estimula a própria condição humana, muito além do surgimento de novos arranjos sociais, culturais, políticos e econômicos. A integração de equipamentos portáteis, de telefone celular e uma gama de outros dispositivos digitais ao dia-a-dia dos indivíduos vêm modificando o espaço público e o privado. A ambiência virtual passa a ser não somente um espaço de novas trocas simbólicas, um terreno profícuo para o surgimento de correlatos processos de subjetivação, mas também de atualização de tradicionais práticas humanas. A convivência com suportes tecnológicos digitais, sua naturalização na vida cotidiana, seus usos nos atos mais inconscientes do comunicar, modifica a cognição, a maneira como se sente, percebe, conhece e, por conseguinte, se é no mundo. Não é exagerado afirmar que em nosso tempo há uma reconfiguração de dimensões sociológicas clássicas (Castells, 1999/2010; Sodré, 2001), como escola, família, trabalho, entre outras. Articuladas a meios ultramodernos de midiatização rádio, televisão e, mais recente e fortemente, a Internet , tais reconfigurações são frutos diretos do impacto dessas tecnologias na vida humana. São convergências que formam e conformam sujeitos. Manuel Castells considera que em virtude da morfologia social global articulada em rede estaríamos adentrando um novo estágio fundamental da ação humana. Tal patamar teria como uma de suas características o fato de que agora o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos de poder(Castells, 2010, p. 565), ou seja, uma organização social que se articula principalmente em torno da circulação acelerada de informações. Ainda que seja forçoso posicionarmo-nos ao

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3 Internet, redes sociais digitais e o Facebook

[...] como tendência histórica, as funções e os processos na era da informação estão

cada vez mais organizados em torno de redes. Redes constituem a nova morfologia

social de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifica de forma

substancial a operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência,

poder e cultura [...] o novo paradigma da tecnologia da informação fornece a base

material para sua expansão penetrante em toda a estrutura social.

Manuel Castells

Expressão da sociedade global contemporânea, a tecnologia do computador

cada vez mais se apresenta como um fenômeno que estimula a própria condição

humana, muito além do surgimento de novos arranjos sociais, culturais, políticos e

econômicos. A integração de equipamentos portáteis, de telefone celular e uma

gama de outros dispositivos digitais ao dia-a-dia dos indivíduos vêm modificando

o espaço público e o privado. A ambiência virtual passa a ser não somente um

espaço de novas trocas simbólicas, um terreno profícuo para o surgimento de

correlatos processos de subjetivação, mas também de atualização de tradicionais

práticas humanas.

A convivência com suportes tecnológicos digitais, sua naturalização na vida

cotidiana, seus usos nos atos mais inconscientes do comunicar, modifica a

cognição, a maneira como se sente, percebe, conhece e, por conseguinte, se é no

mundo. Não é exagerado afirmar que em nosso tempo há uma reconfiguração de

dimensões sociológicas clássicas (Castells, 1999/2010; Sodré, 2001), como

escola, família, trabalho, entre outras. Articuladas a meios ultramodernos de

midiatização – rádio, televisão e, mais recente e fortemente, a Internet –, tais

reconfigurações são frutos diretos do impacto dessas tecnologias na vida humana.

São convergências que formam e conformam sujeitos.

Manuel Castells considera que em virtude da morfologia social global

articulada em rede estaríamos adentrando um novo estágio fundamental da ação

humana. Tal patamar teria como uma de suas características o fato de que agora

“o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos de poder” (Castells, 2010, p.

565), ou seja, uma organização social que se articula principalmente em torno da

circulação acelerada de informações. Ainda que seja forçoso posicionarmo-nos ao

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lado dos que defendem uma “Revolução da Informação”, como já argumentou

Sodré69 (2012), acreditamos que existam aspectos bastante significativos nas

transformações provocadas pelas novas tecnologias no âmbito da organização e

articulação sociais.

Os processos de transformação social sintetizados no tipo ideal de sociedade em

rede ultrapassam a esfera de relações sociais e técnicas de produção: afetam a

cultura e o poder de forma profunda. As expressões culturais são retiradas da

história e da geografia e tornam-se predominantemente medidas pelas redes de

comunicação eletrônica que interagem com o público e por meio dele em uma

diversidade de códigos e valores, por fim incluídos em um hipertexto audiovisual

digitalizado [...] Em nível mais profundo, as bases significativas da sociedade,

espaço e tempo, estão sendo transformadas, organizadas em torno do espaço de

fluxos e do tempo intemporal. (CASTELLS, 2010, p. 572).

Essa forma de estruturação das sociedades industriais contemporâneas

promove, de acordo com Sodré, o aparecimento de um novo modo de presença do

sujeito no mundo. Resultado de uma mediação tecnointerativa baseada

acentuadamente nas tecnologias do computador, o quarto bios70 (ou bios

midiático) é a dimensão da existência humana onde prevalece “a esfera dos

negócios, com uma qualificação cultural própria (a ‘tecnocultura’)” (Sodré, 2012,

p. 25). Neste âmbito, as formas tradicionais de sociabilidade são transformadas,

impulsionando uma nova ordem social – a sociedade em rede – que parece, aos

olhos de grande parte dos indivíduos, “uma sequência automática e aleatória de

eventos, derivada da lógica incontrolável dos mercados, tecnologia, ordem

geográfica ou determinação biológica” (Castells, 2010, p. 573).

Contudo, devemos estar atentos ao generalizar e estender a todo o globo

terrestre o modo de comunicação mediada por computador (CMC). Certamente a

maior parte da população mundial ainda tem restrições quanto ao uso cotidiano

dessas tecnologias. Além disso, as formas e as finalidades de comunicação

eletrônica são variadas, ainda que ajudem a reforçar padrões sociais preexistentes

(Castells, 1999/2010). Mesmo assim, para a população dos países e regiões que

integram o grupo de usuários das redes sociais digitais, “a experiência e os usos

69 Muniz Sodré afirma que uma “revolução” tem implicações eticopolíticas notórias,

caracterizando-se pela ruptura e pelo estabelecimento de novos valores éticos. (SODRÉ, Muniz.

Antropológica do espelho. Petrópolis: Vozes, 2012). 70 Sodré (2012) recorre à filosofia de Aristóteles, que estabelece três gêneros qualificativos de

existência (bios) na pólis (bios theoretikos: vida contemplativa; bios politikos: vida política; bios

apolaustikos: vida prazerosa do corpo), para definir o que chama de quarto âmbito existencial, um

bios midiático.

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da CMC estarão cada vez mais interligadas ao novo mundo da comunicação

associada ao surgimento da multimídia” (Ibid., p. 449).

A dinâmica multimídia que compõe a sociedade em rede emerge da

interação entre dimensões sociais variadas, os meios de comunicação e as

tecnologias de base majoritariamente computacional a elas relacionadas. Aos

tradicionais meios de comunicação de massa que se difundiram nas três décadas

seguintes ao pós-guerra seguiu-se a diversificação da audiência e a especialização

do conteúdo a partir dos anos 80 (Castells, 1999/2010). Esse processo permanece

sem que os demais momentos tenham sido suprimidos integralmente. Isto é, ainda

se observa a influência dos complexos midiáticos tradicionais, que foram

obrigados a adequar seus serviços às demandas aparentemente particularizadas de

seus públicos.

Castells pondera: “a diversificação dos meios de comunicação (...) não

transformou a lógica unidirecional de sua mensagem nem realmente permitiu o

feedback da audiência, exceto na forma mais primitiva de reação de mercado”

(Ibid., p. 427). Mesmo com o advento da Internet a rede de alianças e estratégias

dos meios de comunicação permite que as empresas de telecomunicação, e em

geral de serviços e equipamentos do setor, mantenham sua esfera de influência

junto ao fluxo de informações dos mercados. A comunicação de massa pode estar

segmentada e os indivíduos podem estar usufruindo dos recursos que os permitem

produzir e reproduzir informação numa determinada escala. Porém, de uma

perspectiva histórica mais ampla, “as transformações tecnológicas da informação

mostram-se francamente conservadoras das velhas estruturas de poder” (Sodré,

2012, p. 12).

Assim, para que possamos ser objetivos em nossa explanação e tenhamos

êxito na abordagem deste capítulo, se faz necessário um corte histórico preciso

que nos ajude a construir uma linha expositiva simples e de fácil compreensão.

Tentaremos então apresentar nas próximas páginas, de maneira cronológica e

didática, os principais momentos de uma trajetória que tem início na criação do

computador e se estende até o estabelecimento das redes sociais digitais,

entendidas enquanto ponto alto da dinâmica da comunicação nas sociedades

humanas.

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3.1. A tecnologia do computador

O final do século XX e o início do século XXI em especial foram palco do

acelerado desenvolvimento da tecnologia do computador enquanto expoente de

produção e consumo do sistema capitalista. Eixo estratégico para o voraz apetite

dos mercados, a computação/informatização assumiu o papel de impulsionar e

congregar os mais diversos setores do conhecimento humano. Indústrias militar,

de entretenimento, de minérios e até mesmo de alimentos buscam na

informatização de suas estruturas o que chamam de “otimização” de seus

negócios. Não basta fazer arte, deve-se concebê-la em meio digital, ou ao menos

divulgá-la enquanto tal, do mesmo modo que as produções acadêmicas e/ou o

telejornal. Difícil encontrar atualmente empreendimentos que prescindam de

recursos computacional-interativos.

Os primeiros passos na trajetória de construção de uma máquina capaz de

realizar cálculos matemáticos com grande rapidez – o que poderia ser uma

definição muito incipiente de computador – ocorrem no início do século XIX, no

curso da Revolução Industrial. A substituição do trabalho artesanal pelo trabalho

assalariado com o uso de máquinas, principal característica desse período, impôs

severas transformações às sociedades europeias. A ampliação da capacidade

produtiva das indústrias, mediante o uso de tecnologia mecânica, impressionava

empresários e trabalhadores, mas igualmente engenheiros e cientistas. Entre

outras coisas, estes também enxergavam o cenário como uma oportunidade para

desenvolver projetos que até então existiam somente no plano das ideias.

De acordo com Neil Postman (1994), é no ano de 1822 que podemos

encontrar o cientista inglês Charles Babbage anunciando ao mundo que estava

trabalhando em uma máquina capaz de realizar operações aritméticas simples,

como adição e subtração. Abandonando seu projeto inicial, começou então a

trabalhar em outra máquina mais complexa, mas também desistiu. Somente em

1833 Babbage viria a se tornar o criador do dispositivo mecânico programável

precursor dos modernos computadores. Por quase quarenta anos dedicou-se a

aperfeiçoar sua invenção, até que:

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Em algum momento, ele percebeu que a mecanização das operações numéricas

dava-lhe os meios para manipular símbolos não numéricos. Não é forçado dizer

que o discernimento de Babbage foi comparável à descoberta dos gregos [...] do

princípio da alfabetização – ou seja, a percepção de que os símbolos do alfabeto

podiam ser separados de sua função fonética e usados como sistema para

classificação, armazenamento e recuperação de informação. (POSTMAN, 1994, p.

115).

Muito tempo passou até que a palavra “computador”, usada para falar do ser

humano responsável por computar dados, fizesse alusão à máquina criada por

Jonh von Neumann entre os anos 1940 e 1950. Muitas outras invenções e

descobertas ainda precisaram ser feitas, tais como o telégrafo, o telefone e o

circuito digital até que o computador, tal qual o concebemos, pudesse ser criado

(Postman, 1994). Ainda assim, havia algo que necessitava ser desenvolvido para

que a máquina respondesse não apenas mecanicamente a um estímulo, mas que de

fato “calculasse” uma resposta. Faltava algo para que a máquina não só

computasse, mas interagisse.

Responsável por decodificar do código alemão durante a Segunda Guerra

Mundial, o matemático Alan Turing demonstrara em 1936 ser possível a

construção de uma máquina que sustentasse em parte uma conversa com um ser

humano. Isto é, que respondesse com alguma informação a mensagens

datilografadas (Postman, 1994). A ideia somente ganhou aplicações práticas em

meados dos anos 1960, quando nos “primeiros dias do Laboratório de Inteligência

Artificial do MIT, Joseph Weizenbaum escreveu um programa chamado ELIZA”

(Ibid., p. 116). O programa conseguia, por exemplo, articular elementos textuais

de maneira a construir enunciados simples que continham o núcleo de uma

pergunta/afirmação, nomes próprios e os sinais gráficos.

Por volta da metade do século XX começaram a ser criadas as primeiras

máquinas de computador, de onde haveriam de brotar os meios que vieram a

tornar possível a comunicação mediada por este instrumento. Se não são ainda

parecidas com o que os estudiosos da inteligência artificial seguirão perseguindo,

ao menos podem ser percebidas como dispositivos protointerativos construídos

com plástico e com componentes eletroeletrônicos, fundamentados em códigos

matemáticos que lhes permitem processar dados de ordens diversas. Se ainda não

estão diretamente disponíveis aos cidadãos e cidadãs comuns, começariam a

integrar sorrateiramente o cotidiano das massas através de seus usos pelos

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complexos de comunicação da época através da popularização dos equipamentos

de televisão. Afinal, o televisor é um eixo fundamental que proporciona a conexão

entre os princípios interativos do computador e da TV. É através da tela que jogos

eletrônicos entrariam nas casas onde as novelas e os programas de auditório já

estavam. Através da tela os indivíduos começariam a experimentar certa

autonomia de trânsito – uma forma diferente de “sair de casa”.

3.2.

A “superestrada da informação”

Como sustenta Castells (1999, 2010), a televisão somente se “libertaria da

tela”, ou seja, apenas poderia começar a integrar um sistema multimídia após seu

acoplamento às tecnologias do computador. Tal vinculação veio somente “após

um longo desvio tomado pelos computadores para serem capazes de conversar

com a televisão apenas depois de aprender a conversar entre si” (Ibid., p. 427). O

longo desvio que permitiu aos computadores conversar entre si no início dos anos

1960 teve início na Agência de Projetos de Pesquisa Avançada (ARPA).

Vinculada ao Departamento de Defesa dos EUA e seguindo uma solicitação

deste, a agência buscava desenvolver um sistema de comunicação que resistisse a

ataques nucleares (Blum, 2013; Castells, 1999/2010; Wu, 2012)71. O sistema

idealizado por Paul Baran e desenvolvido pela ARPA era baseado na tecnologia

da comunicação da troca de pacotes e tinha como pressuposto a construção de

uma “rede independente de centros de comando e controle, para que a mensagem

procurasse suas próprias rotas” (Castells, 2010, p. 82) de propagação. Em

paralelo, a tecnologia digital foi sendo desenvolvida até o ponto em que se tornou

viável a transmissão de pacotes de dados de tipos variados contendo também

imagem e som.

Com a instalação de uma máquina conhecida como processador de

mensagem de interface, ou IMP (Interface Message Processor), nas dependências

da Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles, a rede da ARPA poderia

entrar em funcionamento. Entretanto, somente depois de alguns meses, no Dia do

Trabalho americano, em 1º de setembro de 1969, é que a rede de computadores

71 Vale lembrar que após a Segunda Guerra Mundial seguiu-se a Guerra Fria, e que os russos, ao

final dos anos 1950, tornavam-se ameaça aos norte-americanos com seus projetos de foguetes e

lançamentos de satélite.

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que viria a se tornar o embrião da Internet começou realmente a funcionar.

Inicialmente, a ARPANET seria formada por apenas quatros nós, referentes aos

quatro centros de pesquisa interconectados: UCLA, Instituto de Pesquisa de

Stanford, Universidade de Utah e Universidade da Califórnia em Santa Bárbara

(Blum, 2013; Castells, 1999/2010; Wu, 2012).

O desafio fundamental que esses pioneiros da rede enfrentaram – e que ainda está

no cerne do DNA da Internet – era projetar não apenas uma rede, mas uma rede das

redes. Eles não só tentavam conseguir que dois, três ou até mil computadores

conversassem, mas que conversassem dois, três ou mil tipos diferentes de

computadores, agrupados de todo o jeito, dispersos a grandes distâncias. Esse

gigantesco desafio era conhecido como Internetworking. (BLUM, 2013, p. 50).

A versão da Internet tal qual a conhecemos interligando computadores de

usuários a velocidades assustadoras mundo afora, ainda necessitaria de alguns

anos – e muito desenvolvimento tecnológico – para poder ser estabelecida. Apesar

de estabelecer sua primeira conexão internacional já em 1973, ano em que criou

um link por satélite com o University College de Londres (Blum, 2013), durante

os primeiros anos de existência a ARPANET foi basicamente uma rede que ligava

centros de pesquisa militares e acadêmicos nos EUA. E assim permaneceu por

toda a década.

“A comunicação por computador demandava uma linguagem em comum e

algum meio para chegar às massas”, comenta o professor Tim Wu (2012, p. 214).

Somente no ano de 1978 é que professores da UCLA e da Universidade do Sul da

Califórnia (USC) dividiram o protocolo de transmissão dos dados, a arquitetura

fundamental da rede, no binômio hoje bastante conhecido TCP/IP (protocolo de

controle de transmissão/protocolo de Internet). O protocolo foi adotado de

maneira integral por todos os computadores da ARPANET na virada de 1982 para

1983, possibilitando que diversas empresas, centros de pesquisa e redes

acadêmicas regionais, especialmente dos EUA e Europa, se conectassem

efetivamente (Blum, 2013).

Para o escritor especialista em tecnologia Andrew Blum, a mudança

operada nessa transição “foi o equivalente computacional de uma língua

internacional. O TCP/IP passou de dialeto dominante a uma língua franca oficial”

(Blum, 2013, p. 60). Juntamente com o UNIX, sistema operacional que tornava

viável o acesso entre computadores, desenvolvido em 1969 pela Bell

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Laboratories, o protocolo TCP/IP passou a ser amplamente utilizado a partir de

1983. Os computadores “capazes de decodificar entre si os pacotes de dados que

trafegavam em alta velocidade pela Internet” (Castells, 2010, p. 85) enfim podiam

se comunicar. A ARPANET ganhava a cara de Internet que conhecemos hoje,

crescendo exponencialmente nos anos seguintes.

Em 1982, havia apenas 15 redes ou “sistemas autônomos” na Internet, o que quer

dizer que se comunicavam com TCP/I; em 1986, eram mais de 400. (Em 2011,

havia mais de 35 mil). O número de computadores nessas redes aumentou ainda

mais rapidamente. No outono de 1985, havia 2 mil computadores com acesso à

Internet; no fim de 1987, eram 30 mil e, no fim de 1989, 159 mil. (Em 2011, são 2

bilhões de usuários da Internet, com as mãos e outros dispositivos.) A Internet, que

por quase 20 anos foi uma cidade universitária chamada ARPANET, começou a

ficar mais parecida com uma metrópole. (BLUM, 2013, p. 62).

A história da Internet passa também pelas articulações que ocorreram à

margem das esferas de poder dos militares, dos centros acadêmicos e de pesquisa

computacional. É prova disso o surgimento do modem para PC, um aparelho que

ao modular um sinal digital em analógico e na sequência desfazer esse processo,

permite o envio de dados por linha telefônica. Concebido em 1978 por dois

estudantes, o equipamento logo se tornaria indispensável aos usuários. Um ano

depois um grupo de alunos de universidades que não integravam a ARPANET

construía o Usenet, um fórum on-line de debates sobre informática, através de

uma versão modificada do protocolo UNIX que permitia acesso por linha

telefônica comum – e não modificada pela AT&T, como no caso da rede da

ARPA (Castells, 1999/2010; Wu, 2012).

A ARPANET saiu de cena no início de 1990, deixando a NSFNET

(National Science Foundation Network) em seu lugar. “Contudo, as pressões

comerciais, o crescimento de rede de empresas privadas e de redes cooperativas

sem fins lucrativos levaram ao encerramento dessa última espinha dorsal operada

pelo governo em abril de 1995”, comenta Castells (2010, p. 83). Ainda no início

da década, outras invenções fundamentais para consolidar a Internet surgiram do

trabalho desenvolvido por um grupo de pesquisadores do Centre Européen pour

Recherche Nucléaire (CERN). Entre as novidades estavam o novo aplicativo para

organizar o tema dos sites por informação conhecido como world wide web

(WWW), o formato para documentos em hipertexto (hypertext mark-up language

ou HTML), o protocolo de transferência de hipertextos (hypertext transfer

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protocol ou HTTP) e o formato padronizado de endereços para a Internet (uniform

resouce locator ou URL) (Castells, 1999/2010). O ano de 1993 veria surgir ainda

o Mosaic, primeiro navegador de Internet e no ano seguinte o Netscape Navigator.

A despeito de ser reconhecida posteriormente como uma das maiores bolhas

da economia americana, a Internet apresentava-se como um grande

empreendimento, despertando o interesse de múltiplos setores do mercado e da

sociedade. “Os negócios explodiam para todos, mas o empreendimento inteiro era

ameaçado pela ausência de um imóvel”, ressalta Blum (2013, p. 66). A solução

encontrada pela MFS, uma das primeiras empresas a entrincheirar por conta

própria seus cabos de fibra ótica. Ela decidiu transformar seus escritórios em um

grande dispositivo para interligar computadores de uma rede local, ou seja, um

hub apelidado de Metropolitan Area Exchange. O MAE-East, como foi

posteriormente apelidado, ficava nos subúrbios a oeste de Washington.

Possibilitou às diversas redes agirem como uma só.

Quando nascia um novo serviço de provedor de Internet, seus clientes ligavam por

uma linha telefônica comum usando um modem. Mas depois o provedor tinha de

conectar o resto da Internet [...] Em alguns anos, a MAE-East era o cruzamento

para metade de todo o tráfego de Internet do mundo. Uma mensagem de Londres a

Paris provavelmente passava pela MAE-East. Um físico de Tóquio pesquisando

um website de Estocolmo passava pela MAE-East – no quinto andar do número

8.100 do Boone Boulevard, em Tysons Corner, Virgínia. (BLUM, 2013, p. 67).

O congresso americano ajudou a impulsionar ainda mais o desenvolvimento

da Internet, estabelecendo a Lei de Comunicações e Computação de Alto

Desempenho em 1991. Com verbas federais e administração privada, um novo

modelo de ponto de acesso foi construído em moldes semelhantes ao da MAE-

East. Os contratos foram distribuídos para quatro grandes operadoras de

telecomunicações, dentre elas a MFS, que já administrava a MAE-East e que em

breve abriria a MAE-West. “À medida que aumentava o número de redes, sua

autonomia era melhor atendida por pontos de encontro centralizados”, aponta

Blum (Ibid., p. 71), numa clara demonstração de que a descentralização da rede

não seria tão viável assim72. Seja como for, em 1997 cerca de 1/5 dos americanos

adultos já transitavam na “superestrada da informação” (Blum, 2013).

72 Vale recordar que a filosofia inicial da “rede das redes”, concebida ainda idealmente, era ser

estruturada em uma malha ampla sem necessidade de pontos de comando e controle.

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3.3.

Redes sociais digitais

Dentre os muitos exemplos de aplicação das tecnologias do computador e da

Internet, podemos destacar uma que parece ocupar lugar cada vez maior nas

sociedades contemporâneas: as redes sociais digitais. Apesar de as sociedades

humanas há bastante tempo já se organizarem em redes, as tecnologias digitais

proporcionaram nova dinâmica desse modelo de experiência social. As redes

agora se expandem, contraem e se reconfiguram em velocidades surpreendentes,

abarcando mercados, sistemas de entretenimento, pessoas (Castells, 1999/2010).

São realidades vivas que permitem observar a dinâmica de relacionamento entre

os vários atores e/ou instâncias sociais.

“O que faz as redes sociais digitais singulares não é o fato de que elas

permitem que indivíduos conheçam desconhecidos, mas sim que elas permitem

aos usuários articular e tornar visíveis suas redes sociais” (Boyd et Ellison, 2008,

p. 211, tradução nossa) defendem os pesquisadores Danah Boyd e Nicole Ellison.

Ao mudar as maneiras como as pessoas se expressam e interagem à distância, não

seria exagero dizer que as redes sociais digitais têm transformado a comunicação

mediada por computador. Os pacotes de dados da antiga ARPANET, recipientes

de mensagens com severas limitações, muito evoluíram. Hoje permitem que os

indivíduos se sociabilizem lançando mão de recursos diversos em suas formas

mais arrojadas.

Mas afinal, o que são as redes? Quais suas principais características?

Castells responde:

Rede é um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se

entrecorta. Concretamente, o que um nó é depende do tipo de redes concretas de

que falamos [...] A topologia definida por redes determina que a distância (ou a

intensidade e frequência da interação) entre dois pontos (ou posições sociais) é

menor (ou mais frequente, ou mais intensa), se ambos os pontos forem nós de uma

rede do que se não pertencerem à mesma rede. Por sua vez, dentro de determinada

rede os fluxos não têm nenhuma distância, ou a mesma distância, entre os nós.

Portanto, a distância (física, social, econômica, política, cultural) para um

determinado ponto ou posição varia entre zero (para qualquer nó da mesma rede) e

infinito (para qualquer ponto externo à rede). A inclusão/exclusão em redes e a

arquitetura das relações entre redes, possibilitadas por tecnologias da informação

que operam à velocidade da luz, configuram os processos e funções predominantes

em nossas sociedades. (CASTELLS, 2010, p. 566).

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Nota-se então que a rede é composta por dois elementos básicos: os nós

(atores) e as distâncias (conexões ou grafos). Diferentemente de uma rede de

pesca – que serve de modelo inicial para se pensar uma rede – as redes sociais

possuem um número de nós que pode tender ao infinito, dependendo do universo

contemplado. Possuem também uma estrutura de conexões que não são restritas à

dimensão plana de uma folha de papel (planos x e y), mas que podem parecer

mais uma espécie de ouriço-do-mar (planos x, y e z), com uma potencial

infinidade de linhas que conectam um nó a potenciais infinitos outros nós.

Quando Castells afirma que a distância entre os nós tende a zero dentro de

uma mesma rede, especialmente no caso das redes sociais em ambientes digitais é

importante ter em mente que uma linha não representa o trajeto a ser percorrido de

um ponto ao outro – a “distância” propriamente. Essa linha é tão somente a

representação da conexão virtualmente instantânea entre ambos os pontos. Por

isso “tende a zero”, quer dizer, a comunicação pode ser acionada de modo

imediato. Assim fica mais simples compreender a ideia de supressão do tempo-

espaço nas comunicações mediadas por computador.

Aprofundemo-nos nos conceitos de nó e de distância nas redes sociais

digitais. A pesquisadora Raquel Recuero afirma que os nós representam os atores

de uma rede. Acrescenta que estes “atuam de forma a moldar as estruturas sociais,

através da interação e da constituição de laços sociais” (Recuero, 2011, p. 25). Os

atores envolvidos nas interações das redes sociais digitais são entretanto

representações de atores sociais e não podem ser imediatamente discernidos. Em

outras palavras, um ator social em ambiente digital pode ser tanto um perfil

pessoal, quanto o de uma instituição ou mesmo uma rede social digital dentro da

lógica da Internet enquanto a “rede das redes”.

Nesse sentido, os atores73 nas redes sociais digitais podem ser entendidos

como espaços ou lugares de interação e fala respectivamente, concebidos como

expressão pessoal ou personalizada de seus usuários (ou instituições). “A

percepção de um weblog como uma narrativa, através de uma personalização do

Outro, é essencial para que o processo comunicativo seja estabelecido”, comenta

Recuero (2011, p. 26). Assim, um perfil em uma rede social digital pode ser

entendido como narrativa de um “eu” em constante transformação, que precisa se

73 Feita a ressalva quanto ao aspecto representacional do termo “atores” nas redes sociais,

entendemos que não seja necessário seguir indicando cada vez que o mesmo for utilizado.

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tornar visível aos demais para que exista a sociabilidade com outros atores, isto é,

para que haja comunicação mediada por computador.

Nos perfis do Orkut, por exemplo, é clara a individualização e a construção pessoal

de cada página. Ali são expostos os gostos, as paixões e os ódios dos atores sociais

[...] Essas ferramentas, portanto, são apropriadas como formas de expressão do self,

espaços do ator social e percebidas pelos demais como tal [...] os atores no

ciberespaço podem ser compreendidos como os indivíduos que agem através de

representações performáticas de si mesmos, como seus fotologs, weblogs e páginas

pessoais, bem como através de seus nicknames. (RECUERO, 2011, p. 28).

Os perfis são as faces que os atores usam para realizar suas performances

diante dos outros nas redes sociais digitais. São as plataformas onde se constroem

pluralmente e exibem-se regularmente. Se não são interações face a face nos

moldes estabelecidos por Goffman (1959/2013), guardam com elas certas

semelhanças. Não havendo performance de um corpo propriamente físico, há uma

performance de seu correlato digital, que também busca imprimir nos “presentes”

determinada informação. É próprio dos atores atuar, perfomar, interpretar papéis.

Mas com isso não queremos conferir um caráter necessariamente insincero à

dinâmica encontrada nas interações em redes sociais digitais, como Mauss (1921)

também não quis com relação às expressões obrigatórias dos sentimentos. Do

mesmo modo que a expressividade do indivíduo, no sentido goffmaniano,

contempla impressões intencionais ou não, passíveis de transmissões fraudulentas

ou dissimuladas, o desempenho em ambiente digital também pode conter

informações verdadeiras e falsas.

Por fim, cabe registrar que a variedade de redes sociais digitais é ampla.

Seus respectivos públicos, igualmente diversificados. Existem redes voltadas para

segmentos específicos de usuários e/ou temas, como MiGente74, BlackPlanet75,

Catster76, Flickr77, entre outros. De modo geral, cada rede social digital tem uma

maneira de administrar o modo como seus usuários se conectaram e visualizaram

os dados dos demais. “Variedades estruturais em torno da visibilidade e do acesso

é uma das primeiras formas que as redes sociais digitais têm para se diferenciar

entre si”, observam Boyd e Ellison (2008, p. 213, tradução nossa).

74 Em http://www.migente.com/, acesso em 03/02/2016. 75 Em http://www.blackplanet.com/, acesso em 03/02/2016. 76 Em http://www.catster.com/, acesso em 03/02/2016. 77 Em https://www.flickr.com/, acesso em 03/02/2016.

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3.4. Facebook: rede social digital, ferramenta de comunicação

As primeiras redes sociais digitais surgiram no final dos anos 1990, quando

a Internet já havia se mostrado ao mundo, começando a fazer a fortuna de muitos,

a bancarrota de outros e a “cabeça” de todos. A primeira rede foi a Six

Degrees.com, que surgiu no ano de 1997 permitindo que seus usuários criassem

profiles (perfis), listassem seus amigos e já no ano seguinte “navegassem” pelas

listas destes. Serviços como o AIM e o ICQ possuíam listas anteriormente a essa

data, mas as mesmas não ficavam visíveis a terceiros. Mesmo atraindo milhões de

usuários, o serviço não conseguiu ser autossustentável, o que acarretou seu

fechamento três anos depois (Boyd et Allison, 2008).

Dentre as maiores redes sociais já lançadas, a mais antiga em

funcionamento é a LiveJournal78 de 1999. Outras redes sociais bastante

conhecidas, especialmente pelo público brasileiro, e que ainda estão ativas são o

LinkedIn79 (2003) e o MySpace80 (2003). O Orkut, por exemplo, “foi lançado nos

Estados Unidos com sua interface exclusivamente em inglês, mas os falantes de

português do Brasil rapidamente se tornaram o grupo dominante de usuários”81

(Boyd et Ellison, 2008, p. 214). O site, que hoje não existe mais, apesar dos

genéricos recentemente lançados na Internet82, em início de 2008 chegou a ter

aproximadamente 23 milhões de usuários brasileiros83.

À época, o Facebook ainda era a segunda rede social mais utilizada84. Isso

permaneceu até meados de 2011, quando a plataforma tomou oficialmente o

primeiro lugar em quantidade de usuários únicos – 30,9 milhões contra 29

milhões do Orkut85. Já com aproximadamente 800 milhões de usuários em todo o

mundo, a rede criada pelo norte-americano Mark Zuckerberg iria, com o passar

dos anos e com o aperfeiçoamento do serviço oferecido, continuar a apresentar

78 Em http://www.livejournal.com/, acesso em 12/02/2016. 79 Em https://www.linkedin.com/portugues, acesso em 12/02/2016. 80 Em https://myspace.com/, acesso em 12/02/2016. 81 BOYD, Danah; ELLISON, Nicole (2008). Social network sites: definition, history, and

scholarship. Journal of Computer-Mediated Communication, n. 13. p. 214. 82 Existem dois sites que tentam “ressucitar” o Orkut: o Orkuti e o Orkut 2. 83 Dados de janeiro de 2008, em http://www1.folha.uol.com.br/tec/2008/01/361596-microsoft-faz-

campanha-contra-o-orkut-google-ironiza-ataques.shtml, acesso em 12/05/2015. 84 Dados de junho de 2010, em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2010/06/orkut-segue-lider-

no-brasil-twitter-e-facebook-empatam.html, acesso em 20/11/2014. 85 Dados de agosto de 2011, em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/09/facebook-

ultrapassa-orkut-em-usuarios-unicos-no-brasil-diz-ibope.html, acesso em 13/06/2014.

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números surpreendentes e aceitação nunca antes vista no campo das redes sociais

digitais.

Atualmente com mais de 1,5 bilhão de usuários em todo o mundo86, sendo

pouco mais da metade desses usuários ativos87, o Facebook vem mantendo um

crescimento regular desde seu lançamento. Somente no Brasil, que hoje ocupa o

terceiro lugar no ranking de contas ativas, somam-se mais de 60 milhões88 de

usuários. Segundo a administração do site, 45% da população brasileira acessam

mensalmente a rede89. Aparentemente ocupamos o primeiro lugar no acesso geral

a redes sociais, com 86% de nossos internautas participando ativamente de

comunidades online90.

A origem do Facebook está associada à origem do Facemash, um website colocado

online a 28 de outubro de 2003 por Mark Zuckerberg, um estudante universitário

de Harvard, e pelos seus colegas [...] Zuckerberg estava no segundo ano do curso

de Psicologia quando escreveu o código do software para esse website, desenhado

para os estudantes de Harvard, que permitia aos seus visitantes votar na pessoa

mais atraente, com base em duas fotografias de estudantes, apresentadas lado a

lado, provenientes da base de dados de identificação dos alunos daquela instituição.

A esta iniciativa aderiram 450 visitantes e foram registadas mais de 20.000

visualizações de fotografias, apenas nas primeiras 4 horas online. (CORREIA et

MOREIRA, 2014, p. 169).

Apesar de ter sido acusado pelo Conselho da Universidade de violação de

regras de informática e invasão de privacidade, Zuckerberg não foi expulso da

entidade. A experiência, em todo caso, conferiu ao jovem estudante ter em mãos o

conceito para o Facebook (Correia et Moreira, 2014). Os primeiros meses de 2004

testemunhariam o surgimento da plataforma Thefacebook, que inicialmente era

utilizada apenas no âmbito da Harvard. Em 2005, ocorre a mudança de nome para

Facebook, juntamente com a compra do domínio www.facebook.com. A

utilização do site havia se ampliado, mas ainda era restrita a poucas redes

universitárias (Boyd et Ellison, 2008). Somente em 2006, após permitir que

86 Dados de janeiro de 2016, em http://www.statista.com/statistics/264810/number-of-monthly-

active-facebook-users-worldwide/, acesso em 24/01/2016. 87 CORREIA, Pedro; MOREIRA, Maria. Novas formas de comunicação: história do Facebook –

uma história necessariamente breve. Revista ALCEU – PUC-Rio. Rio de Janeiro, v. 14, n. 28. p.

168-187. 88 Dados em fevereiro de 2014, em http://tecnologia.uol.com.br/noticias/afp/2014/02/03/facebook-

em-numeros.htm, acesso em 14/05/2014. 89 Dados de março de 2015, em https://pt-br.facebook.com/business/news/BR-45-da-populacao-

brasileira-acessa-o-Facebook-pelo-menos-uma-vez-ao-mes, acesso em 20/01/2016. 90 Dados de junho de 2010, http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2010/06/internautas-brasileiros-

sao-os-que-mais-acessam-redes-sociais.html, acesso em 04/05/2013.

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organizações comerciais começassem a utilizar o serviço, é que a rede social

autorizou o ingresso de qualquer usuário “com idade superior a 13 anos e com um

endereço de e-mail válido” (Correia et Moreira, 2014, p. 171).

Como em boa parte das redes sociais, o sistema permite que o usuário: a)

construa um perfil público – ou semi-público, caso queira pouca exposição – que

deve se conectar a uma rede de usuários, grupos (comunidades) ou serviços; b)

compartilhe textos, fotos, vídeos e diversos arquivos com sua lista de usuários,

grupos ou serviços conectados a ele e c) navegue pela lista de suas conexões –

exceto em casos em que o usuário configure seu perfil de modo a negar essas

informações a seus contatos (Boyd et Ellison, 2008). O Facebook é um excelente

exemplo do modelo de comunicação de um para muitos – ou muitos para muitos –

alcançado com o desenvolvimento das plataformas multimídia aliadas ao advento

da Internet.

Das suas principais funcionalidades, podemos destacar o feed de notícias

(página inicial), o mural de compartilhamentos do usuário (linha do tempo) e o

sistema de mensagens privadas (Messenger). Ao criar uma conta, o usuário A

deverá iniciar o processo de configuração de seu perfil, sendo possível adicionar

uma imagem (foto de perfil), que será seu “rosto” em todas as interações que

estabelecer na rede, e uma foto de capa, que funcionará como o header (topo) de

sua página principal, isto é, da página de seu perfil. Outras imagens podem ser

adicionadas e organizadas em álbuns de acordo com a vontade do usuário – por

data, por tipo de evento, etc. Além de “batizar” seu perfil com um nome, que pode

ser tanto fictício quanto real, o usuário A poderá preencher inúmeros outros dados

em seu perfil, tais como estado civil, cidade onde mora, data de aniversário,

instituição onde estuda/estudou, entre outros. Todas essas informações, exceto o

nome, podem ficar ou não públicas e isso vai depender do tipo de configuração

escolhida pelo dono do perfil.

O sistema, cruzando os dados preenchidos, especialmente o e-mail

fornecido na abertura da conta, começa a apresentar outros usuários para que

sejam adicionados na lista de “amigos” – pessoas que o usuário conhece ou

potencialmente pode conhecer, como um/a amigo/a de um/a amigo/a91. Uma vez

91 Os usuários podem aceitar, ignorar ou adiar a resposta de um pedido de amizade. Da mesma

forma, uma solicitação de amizade pode ser apagada, abrindo a possibilidade de que um novo

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adicionados, estes “amigos” passam a ser as conexões do usuário A. A exemplo

das informações pessoais, também podem ser separados em diversas esferas de

intimidade, como “melhores amigos”, “amigos”, “conhecidos” etc. Cada esfera

funcionará como um filtro de atividade na rede: quanto “mais íntimo”, mais

atividades do usuário B aparecerão para A; “menos íntimo”, menos atividades

serão visualizadas. Por atividade, queremos dizer toda e qualquer ação realizada

no âmbito do Facebook, desde a publicação de uma mensagem em murais de

terceiros, ao upload de fotos em murais próprios.

Estabelecidas as primeiras conexões, inseridas as primeiras informações

pessoais, o usuário A poderá então começar a “se comunicar”, publicando algum

comentário – que pode ser conjugado com foto/s, vídeo/s, áudio/s ou não – em sua

linha do tempo, ou clicando no hiperlink do nome de alguma de suas conexões e

inserindo um comentário no compartilhamento alheio, desde que isso seja

previamente autorizado pelo responsável da postagem. De maneira geral,

dependendo da esfera de amizade na qual os usuários estão inseridos, seus

compartilhamentos aparecerão ou não no feed dos demais; se B é apenas um

conhecido de A e C é muito amigo, então as atividades de C terão mais

visibilidade para A do que as de B. O filtro pode ser ainda mais refinado e A pode

avisar ao sistema que quando C, mesmo sendo muito amigo seu, publicar algo

sobre um tema com qual não tenha afinidade e/ou interesse, a publicação não seja

visualizada em seu feed de notícias.

É importante compreender que uma dinâmica de comunicação muito

semelhante se aplica entre os usuários e seus grupos ou comunidades, que também

funcionarão como outros nós da rede. Apreciador de caminhadas na natureza, A

pode ingressar no grupo “Montanhismo no Rio de Janeiro” (X), tornando visíveis

em seu feed as publicações da comunidade, e de seus usuários quando em

compartilhamentos dentro do grupo. Ou seja, se D não é uma conexão de A, mas

como ele integra a comunidade de praticantes e/ou apreciadores do montanhismo,

então quando D publicar algo em X, A automaticamente visualizará a publicação,

salvo se A configurar seu perfil para que não receba qualquer notícia das

publicações de D – é possível “bloquear” usuários, ou comentários de usuários,

pedido seja feito. A administração da rede de amizades contempla ainda a possibilidade de

remoção de conexões da lista.

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para que estes, mesmo fora de sua rede, não consigam estabelecer uma conexão

com você.

O Messenger funciona de modo muito similar ao extinto MSN ou ao

WhatsApp. Ao clicar em B, A pode acionar a função no topo da tela para

conversar com aquele, sem que o teor da comunicação seja tornado público. É

possível ainda adicionar outros amigos à conversa e estabelecer uma dinâmica

coletiva para a mesma. Assim, ao publicar um comentário no compartilhamento

de A, C pode ser acionado por B através do sistema de mensagens e, de modo

privado, externar uma opinião em aprovação/desaprovação à publicação sem que

A fique sabendo. Mas é óbvio que com tal exemplo não queremos dizer que o

Messenger seja utilizado apenas para este tipo de comunicação. A funcionalidade

apresenta uma diversidade de outros usos, sendo muitas vezes mais utilizada do

que o sistema “tradicional” de mensagens trocadas via mural do Facebook.

Um dos elementos de maior importância na dinâmica dessa rede social é

possivelmente o botão de “curtir”. Cada compartilhamento e/ou comentário pode

ser “curtido” pelos usuários que integram a rede de onde aqueles partiram. De

modo resumido, podemos dizer que o “curtir” possui a função de dar suporte às

ideias, aos posicionamentos, às opiniões, às ideologias presentes nos conteúdos

trocados entre os usuários no Facebook, seja em suas redes pessoais, seja em rede

de terceiros, seja em comunidades/grupos. Quanto mais curtidas um comentário

ou um compartilhamento recebe, maior a possibilidade de ele ganhar visibilidade

na rede, aparecendo nos feeds de amigos, amigos de amigos e assim por diante.

O Facebook afirma que “celebra como nossos amigos nos inspiram, nos

apoiam e nos ajudam a descobrir o mundo quando nos conectamos”. Mas não só

isso: a rede social também é lugar disputado pelos mercados mais variados,

possibilitando a criação de conexões das mais diversas entre quem produz e quem

consome. É raro encontrar um produto, seja ele um macarrão instantâneo ou um

equipamento de som, que não disponibilize o endereço da página do Facebook de

seu fabricante na sua embalagem. Além dos tradicionais meios, como serviços de

atendimento ao consumidor via telefone e/ou site, as empresas hoje mantêm

dinâmicos canais de comunicação com seus clientes através de suas contas no

Facebook. Tal qual uma rede social física, a criação de Zuckerberg consegue

simular práticas humanas complexas em um ambiente digital, em consonância

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com a lógica do recente “fenômeno da estocagem de grandes volumes de dados e

a sua rápida transmissão” (Sodré, 2012, p. 13).

Considerada uma das maiores ofertas públicas iniciais de ações (IPO) do

mercado Americano de Internet, o Facebook arrecadou 16 bilhões de dólares em

sua estreia na bolsa de valores, atingindo um valor de mercado de 104 bilhões na

ocasião92. Hoje a rede social está estimada em mais de 260 bilhões de dólares,

tendo chegado a valer incríveis 280 bilhões em dezembro de 201593. Como

podemos perceber, as propriedades dinâmicas dessa rede se revelam não somente

nos números dos usuários, que “partilham, diariamente, quatro bilhões de

unidades de conteúdo, incluindo uploads de 250 milhões de fotografias” (Correia

et Moreira, 2014, p. 172), mas no próprio valor de mercado da empresa.

À medida que o Facebook e os outros sites de redes sociais continuam a sua

expansão, adquirindo influência mundial e onipresença online, as pessoas utilizam

a internet com uma maior interatividade social. Estes desenvolvimentos

representam uma alteração fundamental no papel da internet, no quotidiano, e

somente agora os investigadores estão a começar a compreender o impacto destas

mudanças. (Ibid., p. 182).

De fato, a fartura de números não é garantia de perfeição e harmonia.

Alguns estudos recentes já apontam para cenários – e impactos – não tão

desejáveis para os administradores do Facebook. A pesquisa desenvolvida em

2013 entre os Departamentos de Psicologia das Universidades de Michigan

(EUA) e Louvain (Bélgica)94, aponta que o uso excessivo do Facebook

estimularia a ansiedade e um declínio no bem-estar subjetivo de seus usuários. De

acordo com o trabalho, a demanda por aceitação e popularidade, conseguida

especialmente através da dinâmica de uso do botão “curtir”, deixaria os usuários

ansiosos pela ratificação de seus pares diante dos seus conteúdos publicados. A

ansiedade seria intensificada com o passar do tempo, isto é, mediante a sondagem

regular, minuto a minuto, do número de curtidas direcionadas ao

compartilhamento. À baixa popularidade da postagem, seguiria um quadro de

92 Dados de maio de 2012, em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2012/05/facebook-tem-o-

maior-ipo-entre-empresas-de-internet-nos-eua.html, acesso em 04/05/2013. 93 Dados de janeiro de 2016, em https://ycharts.com/companies/FB/enterprise_value, acesso em

24/01/2016. 94 Dados em agosto de 2013, em

http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0069841#abstract0,

acesso em 27/09/2013.

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desânimo por parte do usuário, que não teria obtido êxito em fazer de sua opinião,

ideia o ou conhecimento uma unanimidade em sua rede.

Em janeiro de 2014, o Departamento de Engenharia Mecânica e

Aeroespacial da Universidade de Princeton (EUA) publicou uma pesquisa que

mexeu com os ânimos da cúpula do Facebook95. Baseados em modelos

epidemiológicos, onde a dinâmica de adesão e desligamento de uma rede social

digital assume características semelhantes às de uma doença, os pesquisadores

estabeleceram que até o ano de 2017 o Facebook poderá perder cerca de 80% de

seus usuários. A ideia base contida no modelo epidemiológico é a de que, tal qual

uma doença, o indivíduo toma contato com a rede (vírus) através de seus amigos

usuários (vetores), sucumbindo ao ciclo de ação da epidemia (ingressando e

performando na rede) e com o passar do tempo entrando em processo de cura

(perdendo o interesse e se desligando ou se tornando inativo na rede).

De qualquer modo, apesar de uma leve flutuação na quantidade de usuários

ativos e/ou novas adesões96, os dados ainda mostram que o Facebook é a maior

rede social digital da história – uma história ainda curta, mas uma história. A

experiência de uso é impulsionada ainda mais pelo advento da telefonia móvel.

Integrados a redes como o Facebook ou o LinkedIn, os smartphones

potencializam não somente as formas ultrarrápidas de controle ao ar livre

(Deleuze, 1992/2010), mas também o indivíduo enquanto eixo tecnointerativo

dessas redes, enquanto agente ativo de construção de discursos. Para todos os

efeitos, trata-se do ápice da comunicação mediada por computador.

3.4.1. Novos usos, velhas realidades

Por se tratar de uma ferramenta de comunicação, o Facebook tem como

princípio favorecer as dinâmicas na troca de mensagens (conexões) entre seus

usuários (atores). É dessa característica que advém o sucesso dessa rede social,

que articula diversas esferas da vida humana a procedimentos específicos de

programação, tendo como pano de fundo a comunicação como fonte de dados,

como produto final propriamente. Por isso, para que funcione plenamente,

95 Dados de janeiro de 2014, em http://arxiv.org/abs/1401.4208, acesso em 02/06/2014. 96 Dados de janeiro de 2014, em http://blogs.estadao.com.br/link/pesquisa-mostra-queda-de-

usuarios-jovens-no-facebook/, acesso em 07/07/2014.

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podemos dizer que são necessários no mínimo dois agentes que devem funcionar

como polos do processo de comunicação.

Como, então, compartilhar consonância ou diferença de um objeto

discursivo – princípios da comunicação – em circunstâncias onde um dos polos

não está presente? De que modo realizar o clássico circuito emissor-receptor que

faz circular as mensagens? A comunicação, como sabemos, é caracterizada pelo

transporte de signos que permitem ao homem habitar o mundo em sua maneira

mais própria, significando, valorando. Esse transporte, por sua vez, tem como

destino outra consciência, o lugar onde essa significação continua operando e

criando a comunicação propriamente.

Ao descrever o Orkut, a maior rede social digital até alguns anos atrás, a

psicóloga Matos-Silva afirma que se trata de “um ambiente extremamente

dinâmico e cheio de vida” (2011, p. 84). Pois assim também é o Facebook! Um

ambiente digital por onde os fluxos de comunicação são constantes e a troca de

mensagens é o fundamento do negócio – enquanto “coisa” e enquanto

empreendimento.

Contudo, eis que nos últimos anos os pesquisadores têm acompanhado o

surgimento de fenômeno bastante particular, um modo um tanto quanto curioso de

utilização do Facebook. Que uso seria esse? Uma prática cada vez mais comum de

usuários que, durante algum tempo, seguem performando, mantendo “contato”,

deixando mensagens e registros dos mais variados tipos nos perfis de amigos e/ou

conhecidos já falecidos. A mensagem de Camila X97, deixada no perfil do usuário

Jack Z no dia de sua morte, em 11 de fevereiro de 2014, ajuda a ilustrar:

“Meu querido professor Jack Z, obrigado por fazer parte da minha formação

profissional, sempre incentivando nossas ideias às vezes inusitadas e loucas!

Sentirei saudades”.

O texto não se destina a “ninguém” ou “qualquer um”, mas objetivamente

ao professor Jack Z, que não vai ler nem agradecer as palavras de sua antiga

aluna. Em outro post, a mensagem de Jony M é uma foto onde se vê um jovem

Jack Z com seu filho, o então pequeno Jony M, em uma praia, num momento

97 Todos os nomes, mesmo os que aparecem com visualização pública, serão alterados neste

trabalho.

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familiar e descontraído. A postagem recebeu mais de 100 curtidas de familiares,

amigos, conhecidos e admiradores do saudoso Jack Z.

Em outro perfil, no de Marcia P, as mensagens seguem um padrão

semelhante, quer dizer, são direcionadas a quem não mais está presente:

“Parabéns Marcia P, hoje porque você completaria seus tão sonhados 40 anos”,

registra a usuária Alexa P. Uma narrativa que é direcionada a quem não responde,

que estrutura um discurso público em um perfil que somente será habitado por

lembranças. Ao tratar de questão semelhante em sua pesquisa sobre o luto no

Orkut, Matos-Silva comenta que “há perfis que chegam a receber mais de 400

mensagens apenas na semana em que o falecimento ocorreu. Quase todos os

recados possuem uma característica comum: a escrita na segunda pessoa do

singular” (2011, p. 87).

Trata-se de performances que parecem guardar certa diferença qualitativa

em relação às encontradas nas comunidades que abordam assuntos afeitos ao tema

da morte, caso da comunidade Profiles de Gente Morta. Neste caso, as mensagens

são expostas em um espaço onde os participantes estão reunidos por afinidade ao

tema, não porque são surpreendidos pelo mesmo. De todo modo, também nesse

caso observamos a morte ganhar certa visibilidade, constituindo a espinha dorsal

dos compartilhamentos encontrados.

[...] os scraps98 enviados a perfis de pessoas mortas nas primeiras semanas após o

falecimento não são deixados somente por familiares, amigos e conhecidos,

abalados pela perda. São também enviados por pessoas que não eram tão próximas

e até mesmo por outras que sequer conheciam o falecido, mas se consternaram com

a notícia da morte. (MATOS-SILVA, 2011, p. 88).

Até o final do ano de 2009, o Facebook não apresentava nenhuma política

de manutenção de perfis para usuários mortos99. A partir dessa data, contudo, a

empresa decidiu transformar estes perfis em memoriais, mediante a solicitação de

usuários previamente conectados ao falecido e a comprovação de sua morte. Por

meio do envio de atestado de óbito, por exemplo, as configurações do perfil do/a

falecido/a eram alteradas, dispostas de maneira diferente de um perfil ativo

98 Scraps era como se chamavam as mensagens na época do Orkut. 99 Dados de outubro de 2009, em http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/facebook-vai-

transformar-perfis-de-usuarios-mortos-em-memorial-20091027.html, acesso em 23/04/2014.

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padrão, ficando visíveis somente aos usuários já conectados, isto é, não acessíveis

ao público em geral.

Em fevereiro de 2014, o Facebook fez uma revisão nessa política100 e

passou a manter a exibição do memorial de acordo com as restrições de

visibilidade dos usuários quando vivos. Ou seja, onde antes haveria um memorial

fechado para terceiros, pode agora haver um aberto, dependendo apenas de o dono

do perfil, quando em vida, estabelecer que suas publicações, fotos e demais

informações são públicas, logo, podem ser vistas por todos, mesmo os não

diretamente conectados. Segundo a empresa de Zuckerberger, a ideia seria

balancear os desejos e o legado de seus usuários, respeitando a escolha inicial de

cada um sobre deixar suas informações acessíveis ou não.

Outra opção foi adicionada ao funcionamento do Facebook em fevereiro de

2015101. Inicialmente restrito aos usuários norte-americanos, mas agora já liberado

para todas as demais nacionalidades, qualquer pessoa que faça parte da rede pode

escolher um herdeiro para administrar sua conta no caso de seu falecimento. A

pessoa poderá, então, fixar uma publicação na linha do tempo do perfil do

falecido, responder a novas solicitações de amizade e atualizar a foto do perfil.

Entretanto, o herdeiro fica vedado de publicar algo como se fosse o morto, ou

mesmo checar as mensagens do mesmo. Somente após a comprovação do

falecimento do usuário é que o herdeiro “tomará posse” do perfil. O usuário pode

ainda optar pela desativação da conta, o que somente será efetivado mediante a

comprovação do falecimento.

100 Dados de fevereiro de 2014, em

http://www.computerworld.com/s/article/9246514/Facebook_expands_user_memorial_page_acces

s, acesso em 30/03/2014. 101 Dados de fevereiro de 2015, em http://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/vida-digital-

apos-morte-facebook-cria-funcao-para-indicacao-de-herdeiros-15316992, acesso em 14/02/2015.

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