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Arte-ciência não precisam ser cam- pos distintos e rigidamente separa- dos, pois possuem histórias em co- mum, bastando recorrer à figura de Leonardo da Vinci para nos lembrar sobre essa proximidade. Não só da Vinci, mas os artistas renascentistas contribuiram, em muito, com a ciência e a medicina da época. Du- rante os últimos séculos, porém, um lento processo distanciou os pontos de convergência dessas grandes áreas do conhecimento. Agora, graças a diversos “agitadores culturais”, as relações e diálogos en- tre essas duas áreas têm se tornado cada vez mais comuns. Anna Dumitriu, artista plástica in- glesa, é uma dessas agitadoras. Junto com o grupo Hybrid, ela promove na Inglaterra, em maio, o simpósio “New sensations – art, science and healthcare” (Novas sensações – arte, ciência e saúde), no qual a discussão sobre o tema é recortado introdu- zindo-se novas práticas na medicina e em saúde que incluem artistas, cientistas e sociedade. ARTE, CIÊNCIA E SOCIEDADE Anna tra- balha junto ao Centro de Neuro- ciência e Robótica Computacional 19 Notícias do Mundo (CCNR, na sigla em inglês) em uma função que já foi ocupada pe- lo artista plástico Stelarc e, assim como seu famoso predecessor, ela se envereda pela discussão sobre tecnologia e bioética, tentando tra- zer para o centro dos debates vi- sões distintas que podem contrui- buir, mesmo que informalmente, para um movimento que parece ser global. “Acho que artistas são inovadores, então, se uma nova tecnologia ou mídia se torna dis- ponível, eles tendem a testá-la, ex- perimentá-la e ver quais são seus li- mites. Isso também faz com que esses artistas, teoricamente, tragam considerações éticas e morais sobre os avanços da ciência, comuni- quem suas idéias e ampliem o de- bate com a sociedade” afirma. An- na é uma das artistas que contribui com o grupo Hybrid, fundado há nove anos por Mandee Gage, que tenta conciliar pesquisas atuais em tecnologia, medicina e ciências na- turais, além de trabalhar colabora- tivamente com cientistas em busca de inovações que sejam traduzidas em artes visuais, instalações, per- formances ou outras formas artís- ticas. Uma das características do grupo é transformar essas exibições e colaborações em discussões com a sociedade, através de fóruns e simpósios, como o atual ”New sensations”. “Isso cria uma opor- tunidade para os praticantes da arte e da ciência expandirem seus horizontes e compartilharem ND Chair Flora – Cadeira entalhada e bordada usando imagens de cultura de bactérias que vivem na própria cadeira. Lab Coat Flora – Detalhe de jaleco, bordado manualmente em branco com imagens das culturas de micróbios que vivem na própria peça. A RTE - CIÊNCIA Simpósio na Inglaterra coloca pesquisas de saúde e medicina como campo de possibilidades nas artes Fotos: divulgação

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Arte-ciência não precisam ser cam-pos distintos e rigidamente separa-dos, pois possuem histórias em co-mum, bastando recorrer à figura deLeonardo da Vinci para nos lembrarsobre essa proximidade. Não só daVinci, mas os artistas renascentistascontribuiram, em muito, com aciência e a medicina da época. Du-rante os últimos séculos, porém,um lento processo distanciou ospontos de convergência dessasgrandes áreas do conhecimento.Agora, graças a diversos “agitadoresculturais”, as relações e diálogos en-tre essas duas áreas têm se tornadocada vez mais comuns. Anna Dumitriu, artista plástica in-glesa, é uma dessas agitadoras. Juntocom o grupo Hybrid, ela promovena Inglaterra, em maio, o simpósio“New sensations – art, science andhealthcare” (Novas sensações – arte,ciência e saúde), no qual a discussãosobre o tema é recortado introdu-zindo-se novas práticas na medicinae em saúde que incluem artistas,cientistas e sociedade.

ARTE, CIÊNCIA E SOCIEDADE Anna tra-balha junto ao Centro de Neuro-ciência e Robótica Computacional

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N o t í c i a s d o M u n d o

(CCNR, na sigla em inglês) emuma função que já foi ocupada pe-lo artista plástico Stelarc e, assimcomo seu famoso predecessor, elase envereda pela discussão sobretecnologia e bioética, tentando tra-zer para o centro dos debates vi-sões distintas que podem contrui-buir, mesmo que informalmente,para um movimento que pareceser global. “Acho que artistas sãoinovadores, então, se uma novatecnologia ou mídia se torna dis-ponível, eles tendem a testá-la, ex-perimentá-la e ver quais são seus li-mites. Isso também faz com queesses artistas, teoricamente, tragam

considerações éticas e morais sobreos avanços da ciência, comuni-quem suas idéias e ampliem o de-bate com a sociedade” afirma. An-na é uma das artistas que contribuicom o grupo Hybrid, fundado hánove anos por Mandee Gage, quetenta conciliar pesquisas atuais emtecnologia, medicina e ciências na-turais, além de trabalhar colabora-tivamente com cientistas em buscade inovações que sejam traduzidasem artes visuais, instalações, per-formances ou outras formas artís-ticas. Uma das características dogrupo é transformar essas exibiçõese colaborações em discussões coma sociedade, através de fóruns esimpósios, como o atual ”Newsensations”. “Isso cria uma opor-tunidade para os praticantes daarte e da ciência expandiremseus horizontes e compartilharem

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Chair Flora – Cadeira entalhada e bordada usando imagens de cultura de bactérias quevivem na própria cadeira. Lab Coat Flora – Detalhe de jaleco, bordado manualmente embranco com imagens das culturas de micróbios que vivem na própria peça.

ART E-C I Ê N C I A

Simpósio na Inglaterra coloca pesquisas de saúdee medicina como campo de possibilidades nas artes

Fotos:divulgação

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tação da área médica e por que algu-mas representações das formas natu-rais seriam universalmente aceitas eesteticamente mais “belas”, enquan-to outras são consideradas feias epouco agradáveis? A questão deHeather é se a arte presente em umhospital é apenas uma distração es-tética ou se é possível usá-la para quedialogue e se aproprie da medicinapara derrubar barreiras que o apara-to médico pode causar, transfor-mando o espaço da medicina em umespaço que contemple a criatividadee o pensamento crítico. O espaço também é o tema que An-na vai discutir em “The normal flo-ra project”. Esta sua série de obrasrevê o senso comum que diz que asbactérias devem ser eliminadas donosso entorno, associando isso àlimpeza e saúde. Ao contrário, comoela mesma descobriu ao conversarcom microbiologistas do Eastbour-ne District General Hospital, essasbactérias compartilham de nossoecossistema, além de conviver har-monicamente conosco em nossopróprio organismo; e viver em umespaço totalmente asséptico é quepoderia trazer sérias complicações.Mais do que limpeza, a total assepsiaestaria mais ligada a um ideal de su-blime, talvez o mesmo sublime asso-ciado ao branco reluzente dos aven-tais médicos, por exemplo.Outros trabalhos partem de pre-missas diferentes. A artista Luciana

Haill, por exemplo, transforma si-nais de seu cérebro, captados porum eletroencefalograma, em sonsamplificados e performances, ten-tando se comunicar com o públicopor via de sensores que, geral-mente, só fazem sentido com expli-cação médica. E as relações do público com a ciên-cia e a medicina se modificam após ocontato com a arte? De acordo comAnna, sim. Dentro desse hibridismoproposto pelo grupo, “abre-se umdebate e cria-se um espaço onde pes-soas de todas as esferas do conheci-mento podem expressar suas idéiasabertamente”. Através do trabalhocolaborativo, a barreira entre a obrade arte e o público são normalmen-te quebradas, acredita. A artista re-corre à teórica Suzi Gablick, parailustrar seu ponto de vista: “existeuma mudança que distingue o localda criatividade do indivíduo autô-nomo, auto-contido para um novomodelo dialógico e que não é maisproduto de uma única pessoa, masresultado de um processo colabora-tivo e interdependente”.Talvez por isso Anna faça questãode suprimir o uso da conjunção“e”, apelando para o termo arte-ciência, o que pode ser interpreta-do como indicativo de aproxima-ção dos dois campos sem uma rela-ção hierárquica.

Enio Rodrigo Barbosa

idéias, influências e descobertas”,afirma a artista plástica.

O HOSPITAL COMO CAMPO DE APROXI-

MAÇÃO O terceiro pivô da discus-são arte-ciência indicado no títulodo simpósio, que acontece na gale-ria TactileBosh em Cardiff, é car-regado de significados. Falar desaúde é falar do ponto onde ciên-cia e corpo (o indivíduo) se encon-tram. De acordo com Anna, a fas-cinação pelo tema “corpo” é temarecorrente na arte desde a idadedas pedras, e com os avanços cien-tíficos estamos agora mais aptos aentender essa questão sob novaótica. O ponto de partida, ou o deencontro entre ciência e corpo, se-rá o ambiente médico-hospitalar. O trabalho de Heather Barnettaborda diretamente o tema. Ondeestaria o ideal de beleza na represen-

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Bread Flora – pão mofado, micrografia ampliada

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