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CORNELIUS RYAN O DIA MAIS LONGO Tradução de MARIA DO CARMO OLIVEIRA Título do original: The Longest Day Copyright by Cornelius Ryan DIFUSÃO EUROPÉIA DO LIVRO Rua Bento Freitas, 362 Rua Marquês de Itu, 79 SÃO PAULO 19 6 3 Direitos exclusivos para a língua portuguesa Livraria Bertrand, Lisboa e Difusão Européia do Livro, S. Paulo

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CORNELIUS RYAN

O DIA MAIS LONGO

Tradução de MARIA DO CARMO OLIVEIRA

Título do original: The Longest Day

Copyright by Cornelius Ryan

DIFUSÃO EUROPÉIA DO LIVRO

Rua Bento Freitas, 362 Rua Marquês de Itu, 79

SÃO PAULO 19 6 3

Direitos exclusivos para a língua portuguesa Livraria Bertrand, Lisboa

e Difusão Européia do Livro, S. Paulo

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"Acredite-me, Lang, as primeiras vinte e quatro horas da invasão serão decisivas... Delas dependerá o destino da Alemanha... Tanto para os Aliados como para nós esse será o dia mais longo." O Marechal Erwin Rommel ao seu ajudante de campo 22 de abril de 1944

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ÍNDICE

Prefácio .............................................................................. 8 PRIMEIRA PARTE - A Espera ................................................ 9 SEGUNDA PARTE - A Noite ................................................. 78 TERCEIRA PARTE - O Dia ................................................. 137 APÊNDICES ................................................................... 216

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Prefácio A INVASÃO da Europa pelos Aliados, a OPERAÇÃO OVERLORD, começou

precisamente à meia-noite e quinze do dia 6 de junho de 1944, dia que conservaria eternamente na História o nome de "D-Day" (Dia D). Neste momento preciso, alguns homens cuidadosamente escolhidos e pertencentes às 101.ª e 82.ª divisões aerotransportadas americanas saltaram dos seus aviões no luar da noite normanda. Cinco minutos mais tarde, a cerca de setenta e cinco quilômetros, pequeno grupo de homens da 6ª divisão aerotransportada inglesa fizera o mesmo.

Eram os batedores, encarregados de balizar as zonas onde desceriam os pára-quedistas e onde aterrariam os planadores que transportavam a infantaria.

As forças aerotransportadas traçaram assim as linhas do campo de batalha da Normandia. Entre elas, ao longo da costa francesa, estendiam-se cinco praias de desembarque, batizadas: Utah, Omaha, Gold, Juno e Sword. Durante as horas que precederam a aurora, enquanto os pára-quedistas se batiam nos obscuros caminhos baixos da Normandia, o exército mais colossal que o mundo jamais conhecera começava a reunir-se ao largo destas praias — cerca de cinco mil navios transportando mais de duzentos mil soldados e marinheiros. A partir das seis horas e trinta, após martelamento maciço, naval e aéreo, alguns milhares destes homens, constituindo a primeira vaga da invasão, avançaram, patinhando, para estas praias.

O que se segue não é um relato militar. É a história dos homens das Forças Aliadas, dos inimigos que eles combateram, dos civis que foram surpreendidos pelo caos sanguinário do Dia D — uma história humana —, a do Grande Dia que marcou o início da última batalha, aquela que pôs fim à demente tentativa de Hitler de dominar o mundo.

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PRIMEIRA PARTE - A Espera CAPÍTULO I NA ÚMIDA madrugada de junho a aldeia estava silenciosa. Chamava-se

La Roche-Guyon e dormitava docemente há doze séculos num anel do Sena, aproximadamente a meio caminho entre Paris e a Normandia. Durante anos, não passara de uma aldeia que se atravessava. A sua única curiosidade residia no castelo, berço dos duques de La Rochefoucauld. E foi este castelo, debruçado dum cume rochoso por cima da aldeia, contra um cenário de falésias, que pôs fim à calma existência de La Roche-Guyon.

Nessa manhã acinzentada, o castelo dominava tudo, com as suas muralhas de pedra luzindo de umidade. Estavam prestes a soar seis horas, mas nada se movia ainda nos dois grandes pátios empedrados. Para além dos gradeamentos, estendia-se a estrada nacional, larga e deserta, e na aldeia os guarda-ventos das casas de telhas vermelhas permaneciam fechados. La Roche-Guyon estava calma — tão calma que parecia abandonada. Contudo, este silêncio era um logro. Por trás das persianas corridas havia pessoas que esperavam que um sino tocasse.

Às seis horas em ponto, o sino de Saint-Samson, uma capela do século XV pertencente ao castelo, tocaria as ave-marias. Em tempo de paz, a voz de bronze tinha um significado bem simples — os aldeões de La Roche-Guyon benziam-se e murmuravam uma oração. Já há muito que as ave-marias não lançavam só um apelo à meditação. Nessa manhã, o sino marcaria o fim do recolher e o começo do milésimo quadringentésimo qüinquagésimo primeiro dia da ocupação alemã.

Viam-se sentinelas por todo o lado. Embuçadas nos capotes de camuflagem, estavam de guarda nos gradeamentos do castelo, nas trincheiras construídas em cada entrada da aldeia, em guaritas encostadas às falésias calcárias e às ruínas vacilantes dum antigo torreão que dominava o castelo. Lá do cimo, os metralhadores podiam ver tudo o que se passava na aldeia mais ocupada de toda a França ocupada.

Sob a sua fachada pastoril, La Roche-Guyon era, na realidade, uma prisão, visto que, para cada quinhentos e quarenta e três habitantes do aglomerado e dos seus arredores campestres, havia mais de três soldados alemães. Um desses soldados era o marechal de campo Erwin Rommel, comandante-chefe do grupo de Exército B, a força mais potente de que a Alemanha dispôs no Ocidente. Tinha instalado o seu quartel-general no castelo de La Roche-Guyon.

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Neste quinto e crucial ano da segunda guerra mundial, um Rommel tenso, quase desesperado, preparava-se para comandar a mais terrível batalha da sua carreira. Sob o seu comando, mais de meio milhão de homens mantinham a Muralha do Atlântico, defendendo cerca de mil e quinhentos quilômetros de costa, desde os diques da Holanda até às praias meridionais da Bretanha. O 15.° Exército, a sua unidade mais importante, estava concentrado frente ao Pas-de-Calais, o ponto mais estreito entre a França e a Inglaterra.

Noite após noite, os bombardeiros aliados martelavam a região. Os veteranos do 15.º Exército, com os nervos arrasados pelos bombardeamentos constantes, gracejavam amargamente, repetindo que o 7.° Exército, acantonado na Normandia, ocupava um setor extremamente calmo e que nunca tinha, por assim dizer, sido bombardeado.

Já há alguns meses que as tropas de Rommel aguardavam, entrincheiradas atrás de inextricável selva de defesas de concreto e de campos de minas. Mas nenhum navio vinha sulcar as águas cinzento-azuladas da Mancha. Nada acontecia. Em La Roche-Guyon, nessa madrugada calma e enevoada de domingo, nada deixava adivinhar um próximo desembarque. Estava-se a 4 de junho de 1944.

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CAPÍTULO II No SALÃO do rés-do-chão que utilizava como escritório, Rom-mel estava

só. Sentado a uma grande secretária Renascença, trabalhava à luz de um único candeeiro. A sala era ampla e de teto alto. Uma tapeçaria dos Gobelins de cores desbotadas cobria uma das paredes. Numa outra, a figura altiva do Duque François de La Rochefoucauld — o autor das Máximas — julgava o mundo do alto da sua pesada moldura dourada. Além de algumas poltronas sobre o chão encerado e de espessos cortinados nas janelas, poucos mais móveis havia.

Nada, sobretudo de Rommel, além de si próprio; nem fotografias de sua mulher, Lucie-Maria, nem de seu filho de quinze anos, Manfred. Nem mesmo recordações das vitórias alcançadas nos desertos da África, nem sequer o suntuoso bastão de marechal de campo que Hitler lhe dera com entusiasmo em 1942. (Rommel só tinha empunhado uma vez esse pesado bastão de ouro, de trinta e cinco centímetros de comprimento, forrado de veludo vermelho, constelado de águias douradas e de cruzes suásticas de esmalte negro: no dia em que o recebera.) Não tinha sequer mapas indicando a colocação das suas tropas. A lendária "Raposa do Deserto" estava mais misteriosa e longínqua do que nunca: se saísse dessa sala não deixaria nela o menor rasto da sua passagem.

Aos cinqüenta e um anos, Rommel parecia mais velho do que era, mas mantinha-se infatigável. Nunca ninguém, do grupo de Exércitos B, o vira dormir mais de cinco horas. Nessa manhã, como de costume, levantara-se antes das quatro horas. E agora, também ele, aguardava impacientemente as seis horas. Tomaria então o pequeno almoço com o seu estado-maior e partiria em seguida para a Alemanha.

Seria a sua primeira licença, ao fim de muitos meses. Partiria de carro. Hitler tinha estritamente proibido aos seus generais que andassem de avião, a menos que se tratasse "dum aparelho trimotor... e sempre escoltado por caças". Aliás, Rommel não gostava de aviões; levaria oito horas para chegar a Harrlingen, perto de Ulm, no seu Horch, conversível preto. Aguardava esta licença com ansiedade, mas fora a custo que se decidira a gozá-la. Rommel carregava sobre os ombros a pesada responsabilidade de repelir o ataque aliado, onde e quando se desencadeasse. O Terceiro Reich de Hitler sofria catástrofe após catástrofe; dia e noite milhares de aviões aliados bombardeavam a Alemanha, as forças russas invadiam a Polônia, os exércitos aliados estavam às portas de Roma — em todas as frentes a Wehrmacht, outrora tão poderosa, cedia terreno, dizimada. A Alemanha

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ainda estava longe de ser vencida, mas o desembarque aliado decidiria do resultado da guerra. O destino da Alemanha ia ser jogado, ninguém o sabia melhor que Rommel.

E no entanto, nessa manhã, Rommel preparava-se para voltar para casa. Há meses que sonhava passar na Alemanha os primeiros dias de junho. Havia numerosas razões que o levavam a acreditar que poderia ausentar-se nessa altura e, embora tivesse corado se o confessasse, sentia grande necessidade de repouso. Telefonara alguns dias antes ao seu superior, o velho marechal Gerd von Rundstedt, comandante-chefe dos exércitos do Oeste, para lhe pedir autorização, prontamente concedida, para fazer esta viagem. Fizera em seguida uma visita de cortesia a Saint-Germain-en-Laye, quartel-general de von Rundstedt, a fim de se despedir. Von Rundstedt e o seu chefe de estado-maior, o General Günther Blumentritt, ficaram surpreendidos com o aspecto de Rommel. Blumentritt recordaria mais tarde que o achara "fatigado e preocupado... um homem que precisava seriamente de passar alguns dias em casa com a família".

Rommel estava efetivamente fatigado e preocupado. Desde o dia em que chegara a França, nos fins de 1943, a questão da data e do lugar do eventual desembarque aliado constituía fardo opressivo. Como todos aqueles que defendiam a frente da invasão, tinha vivido longo e estafante pesadelo. Dia e noite, constantemente, procurava prever as intenções dos Aliados — como se lançariam ao ataque... onde tentariam desembarcar e, sobretudo, quando?

Um só ser no mundo conhecia o resultado desta prova. Rommel só se abria com a mulher, Lucie-Maria. Em menos de quatro meses, tinha-lhe escrito mais de quarenta cartas e, em quase todas, formulava uma idéia sobre o próximo ataque.

A 30 de março, escrevia: "O mês de março está prestes a terminar e os anglo-americanos não se lançam ao ataque... Começo a crer que estão perdendo a confiança".

A 6 de abril: "Aqui, a tensão aumenta de dia para dia... Julgo que somente algumas semanas nos separam dos acontecimentos decisivos...".

A 26 de abril: "Na Inglaterra, o moral está baixo... As greves sucedem-se, aos gritos de "Abaixo Churchill e os judeus", reivindicam a paz cada vez com mais força. São maus presságios para lançar uma ofensiva".

A 27 de abril: "Os ingleses e os americanos, julga-se, não nos vão dar o prazer de vir num futuro próximo".

A 6 de maio: "Sempre sem sinais dos ingleses e americanos... Tornamo-nos mais fortes... dia a dia... semana a semana... Aguardo o combate com confiança. Talvez no dia 15 de maio, ou no fim do mês...".

A 15 de maio: "Agora já nem posso fazer longas deslocações (de inspeção)... porque ninguém sabe quando se irá dar a invasão. Só nos restam

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algumas semanas, julgo eu, antes que isto comece a animar aqui no Oeste". A 19 de maio: "Espero poder adiantar um pouco os meus projetos...

(mas) pergunto-me se poderei descansar alguns dias em junho. De momento, não é assunto que possa ser considerado".

No entanto, o assunto foi considerado. A decisão de partir de licença foi fundamentalmente motivada pela idéia que Rommel. fazia das intenções dos Aliados. Tinha então à sua frente o relatório semanal do grupo de Exércitos B. Os seus comentários, meticulosamente estabelecidos, seriam expedidos ao meio-dia para o quartel-general de von Rundstedt, ou antes, como se dizia em gíria militar, para o OB. Oeste (Oberbefehlshaber West). Daí, após alguns ajustes e floreados, o relatório seria anexado à exposição geral dos campos de operações e remetido ao quartel-general de Hitler, ao OKW (Oberkommando der Wehrmacht).

Neste relatório, Rommel anunciava que os Aliados tinham atingido "altíssimo grau de preparação" e que havia "nítido aumento de mensagens destinadas à Resistência francesa". Mas, acrescentava, "pelo que posso deduzir de experiências passadas, isto não indica que esteja iminente um desembarque".

Desta vez, Rommel enganava-se.

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CAPÍTULO III No GABINETE do chefe do estado-maior, situado ao fundo do corredor, o

Capitão Hellmuth Lang, de trinta e seis anos, ajudante de campo de Rommel, pegou no relatório diário. Era sempre o seu primeiro gesto matinal. Rommel gostava de receber cedo este relatório, de modo a poder discuti-lo com o seu estado-maior durante o pequeno almoço. Mas nessa manhã nada havia de especial: a frente do Atlântico continuava calma, excetuando os bombardeamentos constantes na região do Pas-de-Calais. Já não havia dúvida: não levando em conta as outras indicações, este bombardeamento monstruoso mostrava que era esta região que os Aliados escolheriam para lançar a ofensiva. Se tencionavam desembarcar, seria lá. Quase toda a gente parecia estar convencida disso.

Lang consultou o relógio: faltavam alguns minutos para as seis. Partiriam às sete horas em ponto e fariam boa média. Não haveria escolta, somente dois carros, o de Rommel e o do Coronel Hans George von Tempelhof, chefe do gabinete de operações do grupo de Exércitos B, que os acompanharia. Como de costume, os diversos governadores militares das regiões que deveriam atravessar não haviam sido avisados da passagem do marechal de campo. Rommel preferia assim: detestava atrasar-se devido às momices protocolares, ao bater de tacões dos comandantes dos setores e às escoltas de motociclistas à entrada e saída das cidades. Assim, com um pouco de sorte, chegariam facilmente a Ulm por volta das três horas.

Havia sempre um problema que se punha: o almoço do marechal de campo. Rommel não fumava, raramente bebia e pensava tão pouco na comida que freqüentemente se esquecia de comer. Muitas vezes, ao verificar com Lang os preparativos de uma longa viagem, Rommel riscava com um traço a lápis a ementa proposta e escrevia com grandes letras negras: Para comer na cozinha rolante. Por vezes, embaraçava Lang ao máximo, dizendo-lhe:

— Se desejar mandar acrescentar uma costeleta ou duas para você, não faça cerimônia.

O pobre Lang nunca sabia ao certo o que convinha pedir na cozinha. Nessa manhã, além dum termo de caldo, tinha mandado preparar alguns sanduíches. De qualquer modo, tinha a certeza de que Rommel não pensaria em almoçar.

Lang deixou o escritório e percorreu o longo corredor de lambris de carvalho. De um lado e de outro, por trás das portas fechadas, percebia o murmúrio das conversas e o matraquear das máquinas de escrever. O

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quartel-general do grupo de Exércitos B fervia de atividade. Lang pensava algumas vezes como poderiam dormir com todo este barulho o duque e a duquesa, que ocupavam os aposentos do primeiro andar.

Ao fundo do corredor, Lang parou diante de uma porta maciça. Bateu levemente, virou a maçaneta e entrou. Rommel não levantou os olhos. Estava de tal modo absorvido com os papéis que tinha à frente que pareceu não se aperceber da presença do seu ajudante de campo. Lang não se atreveu a interrompê-lo. Esperou.

Por fim, Rommel levantou a cabeça. — Bom dia, Lang. — Bom dia, marechal. O relatório. Lang pousou os papéis sobre a secretária e saiu, para esperar Rommel no

corredor. O marechal de campo parecia extremamente ocupado nessa manhã. Lang, que conhecia as mudanças súbitas de opinião e os impulsos do seu chefe, duvidava se partiriam realmente pela manhã.

Rommel não fazia a menor tenção de anular a viagem. Mesmo sem ter marcado antecipadamente uma entrevista, esperava ver Hitler. Todos os marechais tinham acesso junto do Führer e Rommel tinha telefonado ao seu velho amigo o General Rudolf Schmundt, ajudante de campo de Hitler, pedindo-lhe uma entrevista. Schmundt julgava que poderia ser entre o dia 6 e o dia 9. Fato característico, ninguém estranho ao seu estado-maior pessoal sabia que tencionava encontrar Hitler. No quartel-general de von Rundstedt tinham simplesmente anotado que Rommel iria gozar alguns dias de licença em casa.

Aliás, Rommel estava persuadido de que poderia abandonar o quartel-general sem qualquer inconveniente. O mês de maio passara — e o tempo fora especialmente favorável a uma ofensiva aliada — portanto, pensava ele, o desembarque não se daria nas próximas semanas. De tal modo estava convencido disso que marcara uma data para terminar o programa de defensiva. Sobre a secretária estava uma ordem dirigida aos 7.º e 15.° Exércitos: "Importa que tudo esteja a postos para acabar a edificação dos obstáculos, a fim de que um desembarque durante a maré baixa só seja possível à custa de pesadas perdas para o inimigo... ativar os trabalhos... o relatório sobre a sua conclusão deverá estar comigo até dia 20 de junho".

Como Hitler e o Alto Comando alemão, Rommel calculava que o desembarque se efetuaria ao mesmo tempo que a ofensiva de verão do Exército Vermelho ou imediatamente a seguir. Esta ofensiva russa, sabiam-no, não poderia ser desencadeada antes do degelo da Polônia, isto é, nunca antes do fim de junho.

No Oeste, o tempo estava mau há já vários dias e ameaçava piorar. O boletim das cinco horas, preparado pelo coronel professor Walter Strobe,

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chefe da seção de meteorologia da Luftwaffe em Paris, previa nuvens baixas, ventos fortes e chuva. Nesse momento, rajadas fortes varriam a Mancha a cinqüenta quilômetros por hora. Rommel duvidava bastante que os Aliados ousassem lançar uma ofensiva durante os dias mais próximos.

Também em La Roche-Guyon o tempo mudara durante a noite. Frente à secretária de Rommel, altas janelas abriam para um roseiral. Pouco restava das rosas, nessa manhã. As aléias estavam juncadas de pétalas, de flores mortas e de ramos. Pouco antes da madrugada, uma ligeira trovoada de verão, vinda da Mancha, varrera a costa francesa antes de se lançar impetuosamente para o interior.

Rommel abriu a porta do escritório. — Bom dia, Lang — disse como se ainda não tivesse visto o seu

adjunto. — Estamos prontos para partir? Os dois homens foram almoçar juntos. Na aldeia de La Roche-Guyon, o sino de Saint-Samson tocou as ave-

marias. O vento dispersava as sonoridades do bronze. Eram seis horas da manhã.

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CAPÍTULO IV EXISTIA certa amizade entre Rommel e Lang e as suas relações

desprezavam qualquer protocolo. Viviam juntos há longos meses. Lang reunira-se a Rommel em fevereiro e quase não se passara um dia sem inspeção. Geralmente punham-se a caminho por volta das quatro e meia da manhã, e rodavam erre grande velocidade até aos mais longínquos postos controlados por Rommel. Um dia seria a Holanda, outro dia a Bélgica, no dia seguinte a Normandia ou a Bretanha. O marechal de campo, obstinado, não deixava perder um minuto.

— Só tenho um inimigo — dizia Rommel a Lang; — é o tempo. Para vencer o tempo, Rommel não poupava ninguém, nem ele nem os

seus homens. E isso durava desde o dia em que fora enviado para França, em novembro de 1943.

Nesse outono, von Rundstedt, responsável pela defesa da Europa Ocidental, pedira reforços a Hitler. Em vez de tropas, deram-lhe o audacioso, ambicioso Rommel de idéias fixas. O comandante-chefe da frente do Oeste, aristocrata de sessenta e oito anos, ficou profundamente humilhado ao ver chegar Rommel com um "Gummibefehl", ou "ordem elástica", autorizando-o a inspecionar as fortificações costeiras — a célebre Muralha do Atlântico — e a apresentar o seu relatório diretamente à OKW, quartel-general do Führer. Von Rundstedt ficou tão humilhado e desapontado com a chegada do jovem Rommel — chamava-lhe Marschall Bubi (Marechal Bebê) — que perguntou ao marechal de campo Wilhelm Keitel, chefe da OKW, se deveria considerar Rommel como seu sucessor. Keitel mandou dar-lhe a resposta de que "não devia tirar conclusões erradas" e que, "apesar das suas altas capacidades, Rommel não tinha envergadura para assumir semelhante cargo".

Pouco depois da sua chegada, Rommel procedeu a uma inspeção-relâmpago da Muralha do Atlântico, e o que viu horrorizou-o. Só em raros pontos estavam acabadas as fortificações de cimento armado e aço, isto é, nos principais portos e estuários, e na entrada dos estreitos, desde o norte do Havre, mais ou menos, até a Holanda. Nos outros lugares, estava tudo por fazer. Em certos pontos, os trabalhos sequer tinham começado. Contudo, tal como estava, a Muralha do Atlântico representava uma barreira formidável. Estava eriçada de enormes canhões. Mas, na opinião de Rommel, não havia bastantes. Nada daquilo lhe parecia suficiente para deter o formidável assalto que Rommel — que não esquecia a pungente derrota que Montgomery lhe infligira na África do Norte no ano precedente — esperava com firmeza. O seu espírito crítico via a Muralha do Atlântico tomar o aspecto duma

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fortificação de teatro. Denunciava-a como uma fantasia saída da enevoada imaginação de Hitler.

Podia-se dizer que dois anos atrás esta Muralha não existia. Até 1942, o Führer e os seus arrogantes nazis estavam de tal modo certos

da vitória que não sentiam a necessidade de aumentar as fortificações. Os estandartes de cruzes gamadas flutuavam por toda parte. A Áustria e a Tcheco-Eslováquia haviam sido anexadas antes de começar a guerra. Desde 1939 que a Polônia fora partilhada entre a Rússia e a Alemanha. A guerra não começara ainda há um ano, e já os países da Europa Ocidental caíam um a um, como maçãs demasiado maduras. A Dinamarca fora invadida num só dia. A Noruega, sapada pelo interior, resistira mais tempo: seis semanas. Depois, em maio e junho, sem qualquer aviso, precisamente em vinte e sete dias, as tropas de Hitler invadiram a Holanda, a Bélgica, o Luxemburgo, a França e, ante os olhos incrédulos do mundo inteiro, lançaram os ingleses ao mar, em Dunquerque. Após o esmagamento da França, só faltava a Inglaterra. Que teria Hitler feito de uma muralha?

Hitler não invadiu a Inglaterra. Os seus generais instigavam-no a isso, mas ele preferiu esperar, certo de que os britânicos pediriam a paz de joelhos. O tempo correu, e a situação mudou rapidamente. Com a ajuda americana, a Grã-Bretanha começou a erguer-se, lentamente mas com segurança. Hitler, excessivamente comprometido na frente russa — atacara a União Soviética em junho de 1941 — acabou por compreender que a costa da França já não era um trampolim para uma ofensiva, mas, doravante, um ponto fraco, uma fenda na couraça. Desde o outono de 1941, que o Führer propusera aos seus generais fazer da Europa uma "fortaleza inexpugnável". E nesse mês de dezembro, quando os Estados Unidos entraram na guerra, Hitler delirou e bramou aos quatro ventos: "Uma faixa de bastiões e fortificações gigantescas cobre a costa desde Kirkenes (na fronteira fino-norueguesa) até aos Pireneus... Tomei a decisão inabalável de fazer com que esta frente seja impenetrável a todo e qualquer inimigo!"

Fanfarronice demencial, quase risível. Mesmo sem contar com os recortes da costa, esta frente, que começava nos gelos do Ártico para terminar na costa de Espanha, estendia-se ao longo de cerca de quatro mil e quinhentos quilômetros.

Mesmo no local mais estreito da Mancha, frente à Inglaterra, as fortificações eram inexistentes. Mas Hitler estava obcecado pela sua idéia de fortaleza. O General Franz Halder, então chefe do Alto Estado-Maior alemão, nunca esqueceria a primeira vez que Hitler o pusera a par do seu insensato projeto. Halder, que não perdoava ao Führer ter-se recusado a invadir a Inglaterra, mostrou-se extremamente reticente. Exprimiu a opinião de que essas fortificações, "se alguma vez viessem a ser necessárias",

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deviam ser edificadas "longe do litoral, fora do tiro dos canhões da marinha de longo alcance", senão as tropas seriam esmagadas lá mesmo. Hitler lançou-se com ímpeto para uma mesa sobre a qual estava aberto um grande mapa e, durante cinco minutos, abandonou-se a uma cólera incrível. Batendo com os punhos sobre o mapa, disse esganiçando-se:

— As bombas e os obuses cairão ali... e até ali, diante da Muralha, atrás, por cima... Mas as tropas estarão perfeitamente ao abrigo no interior! Em seguida, sairão para se bater!

Halder não respondeu, mas sabia, como todos os outros oficiais-generais do alto comando, que, a despeito das vitórias embriagadoras do Reich, o Führer começava a temer uma segunda frente, um desembarque.

Apesar de tudo, trabalhou-se sem entusiasmo nestas fortificações. Em 1942, quando a sorte da guerra começou a mudar, os comandos britânicos assaltaram a famosa fortaleza "inexpugnável" da Europa. Seguiu-se a incursão de Dieppe, durante a qual mais de cinco mil heróicos canadenses desembarcaram na França: levantar de pano sangrento do desembarque. Os Aliados souberam assim até que ponto os alemães tinham fortificado os portos. As perdas canadenses elevaram-se a novecentos mortos e cerca de três mil feridos. O desembarque foi desastroso, mas Hitler teve dificuldade em se recompor. Bramou aos seus generais e rugiu que a Muralha do Atlântico deveria ser construída a toda velocidade. Era preciso "fanatizar" a construção.

E foi-o. Milhares de trabalhadores requisitados apressaram-se dia e noite. Utilizaram-se milhões de toneladas de concreto, de tal forma que em toda a Europa foi impossível encontrar concreto ou cimento para outros trabalhos. Foram encomendadas quantidades astronômicas de aço, mas havia tão pouco disponível que os engenheiros tiveram que passar sem ele. Conseqüentemente, só alguns fortins foram equipados com torrinhas giratórias, visto estas toninhas necessitarem de aço; o campo de alcance das peças ficou portanto forçosamente restrito. Tantos materiais eram ao mesmo tempo indispensáveis e impossíveis de encontrar que chegaram a desmantelar a linha Maginot e a linha Siegfried, em benefício da Muralha do Atlântico. Pelos fins de 1943, embora a Muralha estivesse longe de estar terminada, trabalhavam nela mais de meio milhão de homens; as fortificações transformavam-se em ameaçadora realidade.

Hitler não ignorava que o desembarque era inevitável, e teve de resolver outro problema angustiante: encontrar divisões para ocupar estas fortificações. Na Rússia, as divisões eram destruídas e dizimadas uma apôs outra, enquanto a Wehrmacht tentava manter uma frente de três mil quilômetros, face a incessantes ofensivas soviéticas. A Itália, posta fora de combate depois da invasão da Sicília, ainda retinha alguns milhares de

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soldados alemães. Hitler foi portanto obrigado, em 1944, a reforçar as guarnições do Oeste com tropas bastante curiosas: velhos reservistas e crianças, os restos das divisões aniquiladas pela frente russa, os "voluntários" arrancados aos países ocupados (polacos, tchecos, húngaros, romenos, iugoslavos, para não falar de outros) e até duas divisões constituídas por russos que preferiam bater-se pelos nazis que apodrecer em campos de prisioneiros. Por mais duvidoso que fosse o valor destas tropas, serviam para tapar buracos. Existiam contudo sólido núcleo de batalhões bem treinados e de blindados. No Dia D, as forças de Hitler no Oeste deviam elevar-se ao número imponente de sessenta divisões.

Nem todas estas divisões contavam com efetivos completos; assim tinha de ser, mas Hitler confiava sempre na sua famosa Muralha. Esta Muralha mudava tudo. Contudo, homens como Rommel, que se tinham batido — e que haviam sido vencidos — noutras frentes, ficaram aterrados quando a viram. Rommel deixara a França em 1941. Como muitos outros generais alemães, acreditara na propaganda de Goebbels e julgava estas fortificações quase terminadas.

As brutais denúncias que fez sobre as insuficiências da Muralha não espantaram von Rundstedt, na OB. West. Partilhou a opinião de Rommel. Foi sem dúvida o único momento em que esteve de acordo com Rommel. O velho von Rundstedt, na sua sagacidade, nunca confiara nas defesas fixas. Tinha dirigido o cerco magistral da linha Maginot, que levara à derrota da França em 1940. Para ele, a Muralha do Atlântico não passava dum monumental blefe "destinado mais ao povo alemão do que ao inimigo... e o inimigo, graças aos seus agentes de informações, sabe mais do que nós sobre a Muralha". As fortificações "aborreceriam temporariamente" os Aliados, mas não dominariam a ofensiva. Nada, na opinião de von Rundstedt, poderia impedir o sucesso dos primeiros desembarques. O seu plano, a sua contra-ofensiva, consistia em juntar o maior número possível de tropas em pontos relativamente afastados da costa e em atacar depois do desembarque. Era nesse momento que seria preciso assestar o golpe: na altura em que o inimigo estava ainda fraco, em que seu abastecimento não estava organizado e em que não tinha tido tempo para consolidar a sua cabeça de ponte.

Rommel combatia energicamente esta teoria. Para ele, só existia um processo de repelir o assalto: de frente, cabeça baixa. Não teriam tempo para mandar vir reforços maciços da retaguarda. Os comboios, estava certo, seriam destruídos pelos incessantes ataques aéreos e pelos bombardeios navais. Na sua opinião, tudo deveria estar a postos, no local, desde as tropas de infantaria até as divisões blindadas. O ajudante de campo de Rommel lembrava-se bem do dia em que o marechal lhe expusera a sua estratégia. Estavam numa praia deserta e Rommel, silhueta maciça e atarracada dentro

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do pesado capote, com um lenço ao pescoço, andava para trás e para diante agitando o bastão de marechal "oficioso", um chicote negro de botão de prata donde pendia uma borla de seda preta, branca e vermelha. Mostrava o areai com a ponta do chicote.

— A guerra será ganha ou perdida nestas praias — disse. — Só temos uma possibilidade de repelir o inimigo, e é quando estiver na água, chafurdando e lutando para chegar a terra. Os nossos reforços nunca chegarão aos locais de ataque e seria loucura esperar por eles. A Hauptkampflinie (a principal linha da resistência) estará aqui. Todas as nossas forças devem encontrar-se ao longo destas praias. Acredite-me, Lang, as primeiras vinte e quatro horas da invasão serão decisivas... Tanto para os Aliados como para a Alemanha, esse será o dia mais longo.

Hitler aprovara o projeto de Rommel no seu conjunto e, a partir desse dia, von Rundstedt passara para segundo plano. Rommel executava as ordens de von Rundstedt unicamente quando estavam de acordo com as suas idéias. Para levar a sua avante, usava um argumento irrefutável.

— O Führer deu-me pessoalmente ordens explícitas. Nunca dizia isto diretamente ao digno von Rundstedt, mas ao seu chefe

de estado-maior, Blumentritt. Apoiado por Hitler e com o acordo enfadado e reticente de Rundstedt

("Este boêmio cabo de Hitler — dizia o chefe do OB. West — só toma decisões com que ele não está de acordo"), o obstinado Rommel empreendera a revisão total e a remodelação de todos os planos de defesa contra a esperada invasão.

Em poucos meses apenas, a sua teimosa persistência transformou tudo. Em todas as praias que considerava propícias a um eventual desembarque, conseguiu que os seus homens, ajudados pela mão-de-obra recrutada no local, erigissem vastas obstruções formadas por diversos engenhos: tetraedros de aço de arestas agudas, paliçadas de dentes de serra, estacas de madeira pontiagudas, cones de concreto, entre as linhas da praia e a baixa-mar. O todo estava semeado de minas. Se falhassem, seriam substituídas por obuses, que explodiriam ao menor contado.

As estranhas invenções de Rommel (ele próprio as concebera quase todas) eram ao mesmo tempo simples e temíveis. Tinham por objetivo trespassar, arrombar as embarcações e os lanchões de desembarque, ou imobilizá-los o tempo suficiente para as baterias costeiras os exterminarem. De qualquer modo, pensava Rommel, as tropas inimigas seriam dizimadas muito antes de alcançar terra firme. Mais de meio milhão destes mortais obstáculos submarinos estavam espalhados por toda a costa.

No entanto, Rommel, o minucioso, não se dava ainda por satisfeito. Na areia, nas dunas, em todos os caminhos e barrancos que davam para as

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praias, mandou instalar uma infinidade de minas de todos os tipos desde os grandes discos capazes de fazer saltar um carro de assalto até às pequenas minas S, contra o pessoal, que, assim que eram pisadas, saltavam e explodiam à altura da cintura. Mais de cinco milhões de minas deste tipo infestavam a costa. Rommel esperava que no momento do desembarque houvesse mais seis milhões. A sua ambição era instalar sessenta milhões de minas no setor ameaçado*.

* Rommel estava fascinado com as minas, como armas de defesa. Durante uma inspeção, o General Alfred Gause, primeiro chefe do estado-maior de Rommel, apontou para um campo semeado de flores selvagens e exclamou:

— Não é encantador? — Tome nota, Gause — replicou o marechal de campo com um abanar de cabeça. — É preciso

cerca de mil minas neste local. De outra vez, a caminho de Paris, Gause propôs que visitassem a fábrica de Sèvres e espantou-se ao

ver Rommel aceder. Mas Rommel não se interessava por porcelanas. Ao atravessar a passo de carga as salas de exposição, limitou-se a dizer a Gause:

— Veja se podem fabricar revestimentos estanques para as minhas minas. Dominando as praias, por trás deste enredado de minas e obstáculos, as

tropas de Rommel esperavam nas pillboxes, abrigos de concreto ligados entre si por galerias de comunicação e protegidos por arame farpado. Destas posições, todas as peças de artilharia que o marechal de campo pudera encontrar batiam as praias e o mar, sobrepondo os seus campos de alcance. Algumas peças formavam baterias sobre as próprias praias, nos abrigos de concreto, sob vivendas de férias de aspecto inocente, não podendo atirar ao largo, mas destinadas a atacar de enfiada as tropas que desembarcassem.

Rommel tirava partido de todas as novas técnicas e invenções. Se tivesse falta de canhões, instalava lança-foguetes ou morteiros. Em certo local, chegou mesmo a colocar carros-robot em miniatura chamados Goliaths. Estes engenhos, capazes de transportar mais de meia tonelada de explosivos, seriam teleguiados das fortificações e lançados sobre as praias para explodir mesmo no meio do exército invasor.

Nada faltava no arsenal medieval de Rommel, a não ser os vasos com chumbo fundido para despejar sobre os assaltantes, mas havia o equivalente moderno: os lança-chamas automáticos. Em certos recantos da costa havia uma enorme rede de tubagens ligadas a cisternas cheias de petróleo, camufladas nas entradas das praias. Premindo um botão era possível afogar em chamas os assaltantes.

Rommel não esquecera igualmente a ameaça dos pára-quedistas e das forças transportadas pelos planadores. Por trás da zona fortificada, as terras baixas estavam inundadas; até dez quilômetros da costa, enormes estacas cobriam todos os espaços livres. Estas estacas estavam ligadas por fios. Desde que os tocassem, explodiam imediatamente milhares de minas.

Rommel preparara uma recepção sangrenta às tropas aliadas. Nunca na

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história das guerras modernas se vira um emprego de defesas tão poderoso, tão ameaçador e tão formidável. E Rommel ainda não estava satisfeito. Exigia mais pillboxes, mais obstáculos nas praias, mais canhões, mais homens. Acima de tudo, exigia a aproximação das divisões blindadas aquarteladas no interior. Tinha ganho batalhas memoráveis com os panzers, nas areias do deserto africano. Mas nesta época crucial, nem ele nem von Rundstedt tinham poder para deslocar os carros. Era preciso uma ordem de Hitler. O Führer empenhava-se em mantê-los sob a sua autoridade. Rommel necessitava pelo menos de cinco divisões blindadas sobre a costa, prontas a contra-atacar a ofensiva aliada desde os primeiros minutos. Só havia uma forma de as obter: falar com Hitler. Rommel afirmara a Lang muitas vezes:

— Com Hitler, o último a falar tem sempre razão. Nesta pesada manhã de junho, em La Roche-Guyon, enquanto se

preparava para tomar o longo caminho da Alemanha, do seu lar, Rommel estava mais resolvido do que nunca a ter razão e a ganhar a partida.

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CAPÍTULO V ACENTO E OITENTA quilômetros deste lugar, no quartel-general do 15.º

Exército, junto da fronteira belga, um homem via com alegria o nascer do sol do dia 4 de junho. O Tenente-Coronel Hellmuth Meyer estava sentado à secretária, com ar cansado e olhos vermelhos. Desde o primeiro de junho que não dormira uma noite inteira. Mas a que acabava de passar fora a pior de todas. Nunca a esqueceria.

Meyer cumpria uma função ingrata, estafante e perigosa para os nervos. Além das suas funções de oficial de informações do 15.° Exército, dirigia ainda a única seção de contra-espionagem da frente de invasão. O núcleo desta organização era um serviço de interceptação radiotelegráfica de trinta homens que trabalhavam por turnos sem um instante de interrupção, num abrigo de concreto abarrotado de instrumentos de precisão. O seu trabalho consistia em escutar, nada mais. Mas cada homem era um especialista, falando fluentemente três línguas, que não deixava escapar uma só palavra, um só balbuciar de morse lançado sobre as ondas pelos Aliados.

Os homens de Meyer eram de tal forma peritos, e o seu equipamento tão aperfeiçoado, que conseguiam captar as mensagens emitidas pelos postos de jipes militares na Inglaterra, a mais de quinhentos quilômetros do local onde se encontravam. Tal fato era uma grande ajuda para Meyer. Os M. P. ameri-canos e britânicos, conversando entre si pelo rádio ao dirigirem as colunas de tropas, tinham-no auxiliado grandemente a estabelecer uma relação das diversas divisões acantonadas na Inglaterra. Mas, nos últimos tempos, os rádios de Meyer já não captavam qualquer apelo. O fato não deixava de ser significativo: o silêncio fora imposto ao rádio. Era mais um indício, a juntar àqueles que já possuía, para supor que o desembarque não tardaria.

Além dos numerosos relatórios dos agentes, eram pormenores deste tipo que permitiam a Meyer fazer uma idéia das intenções dos Aliados. E era conhecedor do seu ofício. Várias vezes ao dia estudava com minúcia os montões de relatórios, procurando o insólito, o anormal, o suspeito, em suma: o inacreditável.

Ora, durante a noite precedente, os seus homens tinham captado o inacreditável, um telegrama de Imprensa urgente, recebido ao crepúsculo: URGENTE FLASH ASSOCIATED PRESS NYK QG EISENHOWER ANUNCIA DESEMBARQUE ALIADO NA FRANÇA.

Meyer ficou sufocado. O seu primeiro movimento incitou-o a pôr de alerta o quartel-general. Mas conteve-se, acalmou-se, na certeza de que se tratava de engano.

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Duas razões ditavam-lhe esta certeza. Primeiro, a ausência total de atividade na frente de invasão: se houvesse uma ofensiva, tê-lo-ia sabido imediatamente. Segundo, durante o mês de janeiro o Almirante Wilhelm Canaris, então chefe do serviço de informações alemão, dera a Meyer os pormenores duma mensagem inacreditável em duas partes, que os Aliados empregariam, disso tinha a certeza, para pôr alerta as forças da Resistência antes do desembarque.

Os Aliados, afirmava Canaris, lançariam centenas de mensagens para a Resistência, durante os meses que precedessem o ataque. Só algumas estariam relacionadas com o Dia D; as outras seriam falsas, destinadas a enganar o inimigo, a embaralhar as pistas. Canaris era categórico: Meyer devia captar todas estas mensagens, a fim de estar certo de não deixar escapar as verdadeiras.

Ao princípio, Meyer ficara céptico. Parecia-lhe insensato fiar-se numa só e única mensagem. Além disso, sabia por experiência que as fontes de informação de Berlim se enganavam noventa vezes em cem. Possuía um processo de relatórios falsos que apoiavam a sua tese; os Aliados pareciam ter saturado todos os agentes alemães, de Estocolmo a Ancara, com "pormenores" sobre a data e o local do desembarque; estes relatórios não concordavam uns com os outros.

Mas desta vez, Meyer estava seguro que Berlim não se enganava. Na noite de 1.º de junho, os seus homens, após meses de escuta, acabavam de captar a primeira parte da mensagem dos Aliados — tal como Canaris lhe anunciara. Esta mensagem não diferia em nada das centenas de frases em código que os operadores de Meyer vinham interceptando há muito. Diariamente, após o boletim de informação, a BBC difundia instruções camufladas, em francês, holandês, dinamarquês e norueguês, destinadas à Resistência. A maior parte das mensagens eram incompreensíveis para Meyer, que achava exasperante não conseguir decifrar frases tão enigmáticas como "Não haverá guerra de Tróia", "Amanhã o melaço pertence à aguardente", "João tem grandes bigodes", ou "Sabina acaba de ter sarampo e papeira". Mas a mensagem pessoal que se seguiu ao boletim de informações das vinte e uma horas, na tarde de 1.° de junho, Meyer compreendeu-a muito bem.

— Queiram agora escutar algumas mensagens pessoais — anunciou em francês a voz do locutor.

O Sargento Walter Reichling pôs imediatamente o magnetofone em movimento. Houve uma pausa, em seguida ouviu-se.

— Les sanglots longs des violons de l'automne. Reichling arrancou os auscultadores e saiu repentinamente do abrigo, em

direção ao gabinete de Meyer. O sargento irrompeu pelo gabinete do chefe e

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gritou, no máximo da excitação: — A primeira parte da mensagem! Chegou finalmente! Juntos, voltaram para o abrigo do rádio e Meyer escutou o registador.

Era isso mesmo: a mensagem que Canaris lhe anunciara, os primeiros versos do célebre poema de Verlaine. Segundo Canaris, estes versos deveriam ser transmitidos "no dia um ou quinze do mês... e representariam a primeira parte duma mensagem anunciando o desembarque anglo-americano".

A segunda parte da mensagem seria o seguimento da primeira estância do poema: "blessent mon coeur d'une langueur monotone". Esta frase, sempre segundo a opinião de Canaris, significava que "a invasão começaria dentro de quarenta e oito horas... a contar da meia-noite a seguir à transmissão da mensagem".

Assim que ouviu o registro do primeiro verso da Chanson d'Automne, Meyer preveniu o chefe do estado-maior do 15.° Exército, o General Rudolf Hofmann.

— A primeira parte da mensagem foi transmitida — disse. — Agora, vai acontecer qualquer coisa.

— Tem a certeza absoluta? — inquiriu Hofmann. — Registramos a mensagem. Hofmann transmitiu imediatamente o sinal de alerta ao 15.° Exército. Por seu lado, Meyer expediu a mensagem por teletipo à OKW. Em

seguida telefonou para o quartel-general de von Rundstedt (OB. West) e para o de Rommel (grupo de Exércitos B).

Na OKW, a mensagem foi comunicada ao General Alfred Jodl, chefe do gabinete de operações. Mas este deixou-a sobre a mesa, e não deu o alerta. Von Rundstedt, pensou, já o tinha feito, mas Rundstedt, por seu turno, pensou também que o quartel-general de Rommel tinha emitido a ordem necessária*.

* Rommel devia ter tido conhecimento desta mensagem; mas, fiando-se nas suas convicções sobre as intenções dos Aliados, é manifesto que não lhe deu importância.

Assim, na costa, um só exército ficou de alerta: o 15.°. O 7.°, que dominava a costa da Normandia, não ouviu falar da mensagem e não tomou quaisquer providências.

Nas tardes de 2 e 3 de junho, a BBC repetiu a primeira parte da mensagem, o que inquietou Meyer. Segundo as informações que tinha, tal mensagem só seria transmitida uma vez. Os Aliados, calculava, repetiam o sinal para ter a certeza de que a Resistência o ouviria bem.

Na noite de 3 de junho, uma hora após a terceira difusão da mensagem, o telegrama da Associated Press, o aviso dado por Canaris estava correto: este flash devia ser falso. Passado o primeiro instante de pânico, Meyer decidiu confiar em Canaris. Estava esgotado mas exultante. A aproximação da

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alvorada e a calma persistente da frente davam-lhe mil vezes razão. Só restava aguardar a segunda parte da mensagem principal, que poderia

ser lançada de um momento para o outro. Meyer sentia-se ultrapassado e submergido pelo seu significado dúbio. O esmagamento das tropas de invasão, a vida de centenas de milhares de compatriotas, a própria sobrevivência da pátria dependiam da rapidez com que os seus homens e ele próprio captassem a mensagem e avisassem a defesa. Meyer e os seus homens estavam atentos, como nunca tinham estado. Meyer desejava de todo o coração que os seus superiores compreendessem também a importância da mensagem.

E, enquanto esperava, a cento e oitenta quilômetros, o comandante-chefe do grupo de Exércitos B preparava-se para partir para a Alemanha.

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CAPÍTULO VI O MARECHAL de campo Rommel estendeu cuidadosamente uma fina

camada de mel numa fatia de pão com manteiga. À sua frente, à mesa do pequeno almoço, tinha o seu brilhante chefe de estado-maior, o General Hans Speidel, e outros oficiais. Não faziam qualquer cerimônia durante o pequeno almoço. Nenhum embaraço limitava a conversa; dir-se-ia uma mesa familiar, presidida pelo pai de família. E, até certo ponto, tratava-se realmente duma família. Cada oficial fora cuidadosamente escolhido por Rommel e era-lhe inteiramente dedicado. Nessa manhã, tinham, um a um, informado Rommel dos diversos assuntos que esperavam vê-lo discutir com Hitler. Rommel não dissera grande coisa, limitando-se a escutá-los. De momento, tinha pressa de partir. Viu as horas:

— Meus senhores — disse bruscamente — tenho de partir. Daniel, o motorista de Rommel, aguardava diante do alpendre, junto à

porta aberta do carro. Rommel convidou o Coronel von Tempelhof, único oficial do seu estado-maior que o acompanhava com Lang, a subir para o Horch. O carro de Tempelhof iria atrás. Rommel apertou as mãos aos seus oficiais, disse algumas palavras ao seu chefe de estado-maior e sentou-se, como de costume, ao lado do motorista. Lang e o Coronel von Tempelhof instalaram-se atrás.

— Vamos, Daniel — disse Rommel. O carro contornou lentamente o grande pátio principal, passou sob as

dezesseis tílias, podadas em forma de cubo, da grande aléia, transpôs o gradeamento e, na aldeia, virou à esquerda, para seguir em direção a Paris.

Eram sete horas. Rommel estava absolutamente encantado por deixar La Roche-Guyon na triste manhãzinha enevoada desse domingo, 4 de junho. A data da viagem não poderia ter sido melhor escolhida. A seu lado, no banco do carro, havia uma caixa de papelão com um par de sapatos de fino fabrico, em antílope cinzento n.° 37, para sua mulher. Tinha uma razão especial, e bem humana, para querer estar a seu lado na terça-feira, 6 de junho. Era o dia do seu aniversário*.

* Depois da guerra, muitos oficiais superiores de Rommel tentaram explicar a sua ausência da frente, nos dias 4 e 5 de junho e no começo do Dia D. Em diversos livros, artigos e entrevistas, declararam que Rommel partira a 5 de junho. Não é verdade. A única pessoa do quartel-general de Hitler que tinha conhecimento da visita que Rommel planejara era o ajudante de campo do Führer, o General Rudolf Schmundt. O General Walter Warlimont, então adjunto do comandante-chefe da OKW, disse-me que nem Jodl, nem Keitel, nem ele próprio sabiam que Rommel se encontrava na Alemanha. No próprio Dia D, Warlimont estava certo de que Rommel se encontrava no seu P. C., dirigindo as manobras. Quanto à data em que Rommel partiu para a Alemanha e deixou a Normandia, esta foi realmente o dia 4 de junho; a prova irrefutável está no diário do grupo de Exército B, sempre meticulosamente em dia, que indica a data e hora exatas.

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Na Inglaterra, eram oito horas. (Havia uma hora de diferença entre a hora

de verão inglesa e a hora alemã.) Num reboque, ao fundo de um bosque perto de Portsmouth, o General Dwight D. Eisenhower, comandante-chefe dos exércitos aliados, dormia profundamente, depois de ter passado quase toda a noite de pé. Do seu quartel-general, que não ficava distante, eram transmitidas, há já algumas horas, mensagens em código por telefone, pelo correio e pelo rádio. Eisenhower, pouco mais ou menos à hora em que Rommel se levantara, tinha tomado uma decisão fatídica: devido às desfavoráveis condições meteorológicas, adiara de vinte e quatro horas o desembarque aliado. Se as condições fossem propícias, a terça-feira, dia 6 de junho, seria o Dia D.

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CAPÍTULO VII O CAPITÃO-DE-CORVETA George D. Hoffman, que, aos trinta e três

anos, comandava o contratorpedeiro americano Corry, observava pelo binóculo a infindável coluna de navios que sulcavam regularmente as águas da Mancha, guiados pelo navio que ele próprio comandava. Parecia-lhe inverossímil que já tivessem conseguido chegar tão longe sem terem sofrido o menor ataque. Seguiam pontualmente o percurso previsto. O comboio avançava lentamente, a menos de quatro nós, seguindo uma rota sinuosa, e tinha coberto mais de oitenta milhas desde que havia aparelhado em Portsmouth, na noite anterior. Mas presentemente Hoffman preparava-se para o pior, dentro de momentos: um ataque aéreo ou submarino, ou os dois simultaneamente. Esperava pelo menos encontrar campos de minas, visto que de minuto a minuto mais profundamente entravam pelas águas inimigas. A costa da França erguia-se diante deles, a menos de quarenta milhas.

O jovem comandante — em menos de três anos passara de simples tenente-de-mar-e-guerra a comandante do Corry — sentia-se imensamente orgulhoso por comandar tão magnífico comboio. Mas, observando o mar pelo binóculo, sabia que oferecia ao inimigo um alvo de primeira.

Precedendo-o, seguiam os draga-minas, seis pequenos barcos formados em diagonal, arrastando cada um, a estibordo, um comprido cabo de aço munido de grandes tesouras, destinadas a cortar os arinques das âncoras das minas para as fazer explodir à superfície. Atrás dos draga-minas vinham os esbeltos perfis dos "pastores", os contratorpedeiros de escolta. E, mais atrás, estendendo-se a perder de vista, navegava o comboio, uma larga procissão de navios de desembarque, maciços e inestéticos, transportando tropas, carros, canhões, veículos e munições. Cada um desses barcos, pesadamente carregado, estava munido dum balão, seguro por um sólido cabo. E estes balões de proteção, empurrados pelo vento do largo, flutuavam à mesma altitude, dando a sensação de que todo o comboio se inclinava para um lado.

Hoffman admirava o espetáculo. Calculando os intervalos entre os navios e conhecendo o seu número, deduziu que a cauda deste desfile fantástico deveria ainda estar na Inglaterra, na enseada de Plymouth.

E existiam muitos outros comboios semelhantes. Dezenas deles deviam ter aparelhado ao mesmo tempo que este, ou partiriam da Inglaterra nesse mesmo dia. Nessa noite, convergiriam para o estuário do Sena. Pela manhã, surgiria ao largo das praias da Normandia uma incrível frota de cinco mil navios.

Hoffman fervia de impaciência. O comboio que comandava tinha partido

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da Grã-Bretanha muito cedo, visto ser o que deveria fazer o maior percurso. Transportava parte da poderosa 4.ª divisão americana, destinada a desembarcar num local de que Hoffman, como milhões de outros americanos, nunca ouvira falar: uma extensão de areia batida pelos ventos, na costa oriental da península de Cotentin, chamada em código "Utah". A vinte quilômetros a sudoeste, frente às estâncias balneárias de Vierville e Colleville, encontrava-se a outra praia americana, "Omaha", enorme praia prateada, em meia-lua, onde desembarcariam os homens da 1.ª e 29.ª divisões.

O comandante do Corry esperava ver outros comboios a seu lado, nessa manhã, mas a Mancha parecia pertencer-lhe. Contudo, não estava inquieto. Junto à costa, muito próximo, pensava, dirigem-se também para a Normandia outros comboios das Forças U e O. Hoffman ignorava que, devido à instabilidade do tempo, Eisenhower, inquieto, só autorizara que uma quinzena de comboios se fizesse ao mar durante a noite.

Subitamente, o telefone da ponte tocou. Um dos oficiais de dia estendeu o braço, mas Hoffman, que estava mais próximo do aparelho, atendeu. Escutou por momentos, depois perguntou:

— Tem certeza? A mensagem foi repetida? Hoffman escutou por mais uns instantes, em seguida desligou. Incrível: o

comboio devia voltar para Inglaterra, e sem explicações. Que se estaria passando? Teria o desembarque sido anulado?

Hoffman olhou os draga-minas pelo binóculo. Não tinham mudado de rumo. O mesmo acontecia com os contratorpedeiros. Teriam recebido a mensagem? Antes de tomar uma resolução, decidiu ver a mensagem com os seus próprios olhos para ficar descansado. Rapidamente, subiu a escada de ferro, até ao local do rádio, na ponte inferior.

O radiotelegrafista Bennie Glisson não se tinha enganado. Mostrou o registro ao comandante, dizendo:

— Verifiquei duas vezes para ter bem a certeza. Hoffman galgou de quatro em quatro a escada para a ponte. O seu trabalho, e o dos contratorpedeiros, consistia agora em fazer o

monstruoso comboio dar meia volta sem perda de tempo. Como se encontrasse à testa, Hoffman tinha primeiro que se ocupar dos draga-minas, que estavam várias milhas à frente. Não podia contactá-los pelo rádio, visto que eram obrigados a guardar silêncio absoluto.

— Para a frente a toda velocidade! — ordenou Hoffman. — Alcancem os draga-minas! Armem o projetor!

Enquanto o Corry aumentava de velocidade, Hoffman voltou-se e viu que os contratorpedeiros que o seguiam mudavam de rumo e navegavam contra os lados do comboio. Depois, à força de sinais luminosos,

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empreenderam o trabalho monumental de obrigar o comboio a voltar-se sobre si próprio. Hoffman pensou com apreensão que se encontravam perigosamente perto da costa de França: apenas a trinta e oito milhas. Não teriam já sido assinalados? Só um milagre poderia dissimular a difícil evolução à atenção do inimigo.

No lugar do rádio, Bennie Glisson continuava a receber de quarto em quarto de hora a mensagem que adiava o desembarque. Para ele, era a pior notícia que recebera de há muito, pois parecia confirmar-lhe uma suspeito lancinante: os Alemães estavam a par do plano de invasão. Anulava-se o Dia D por eles o conhecerem? Como milhares dos seus semelhantes, Bennie vira os imensos preparativos, os comboios, a extraordinária concentração de tropas e de material em todos os portos, em todos os recantos da costa, de Land's End a Portsmouth, e pensava que não poderiam deixar de ser vistos pelos serviços de reconhecimento da Luftwaffe. Se se tratasse de simples adiamento, os alemães teriam ainda mais tempo para descobrir a esquadra aliada.

O jovem operador de vinte e três anos ligou outro aparelho para pegar Rádio Paris, a estação de propaganda alemã. Queria ouvir a voz quente e rouca de Axis Sally. As suas gabarolices eram divertidas, até mesmo por serem ridiculamente exageradas, mas quem o saberia? Bennie tinha ainda outra razão para se pôr à escuta. A "Pega de Berlim", como lhe chamavam grosseiramente, parecia possuir infindável reserva de canções em voga.

Bennie não pôde escutar durante muito tempo porque primeiro teve que receber um interminável boletim meteorológico. Mas assim que acabou de o registrar, Axis Sally tocou o primeiro disco da tarde. Bennie reconheceu imediatamente os primeiros compassos duma cançoneta, I Double Dare You. Mas tinham escrito nova letra para a música. Ao ouvi-la, compreendeu que o seu maior medo era justificado. Nessa manhã, um pouco antes das oito horas, Bennie e. milhares de soldados aliados que se tinham preparado para desembarcar na Normandia a 5 de junho, e que deviam esperar, na angústia, mais vinte e quatro horas, ouviram, com a música de I Double Dare You, esta letra pertinente e cheia de ameaças:

I double dare you to come over here. I double dare you to venture too near. Take off your high hat and quit that bragging. Cut out that claptrap and keep your hair on. Can't you take a dare on? I double dare you to venture a raid. I double dare you to try and invade.

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And if your loud propaganda means half of what it says, I double dare you to come over here. I double dare. Vê se te atreves a vir até aqui. / Vê se te atreves a aproximar-te demais. / Tira o chapéu e baixa a

proa. / Deixa-te de fitas e não percas a cabeça. / Não és capaz de te atrever? / Vê se te atreves a arriscar uma ofensiva. / Vê se te atreves a tentar a invasão. / E se toda a tua propaganda corresponder à metade do que diz, / Vê se te atreves a vir até aqui. / Vê se te atreves.

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CAPÍTULO VIII No ENORME gabinete de operações do quartel-general naval aliado de

Southwick House, nos arredores de Portsmouth, aguardava-se o regresso dos comboios. Havia intensa atividade na ampla sala, de teto alto e revestida de papel branco e ouro. Uma das paredes estava totalmente coberta por grande mapa da Mancha. A todo o momento, duas ajudantes, das WREN, empoleiradas em bancos de rodas, deslocavam sobre o mapa pequenas marcas coloridas, assinalando a posição dos navios que faziam meia volta. Em grupos de dois ou três, alguns oficiais do estado-maior pertencentes aos diversos aliados, viam-nas trabalhar em silêncio. Pareciam calmos, mas a tensão em que estavam era inegável. Os comboios tinham, não só de manobrar nas barbas do inimigo e voltar sulcando as águas minadas, mas ainda fazer face a outro perigo: o mau tempo. Uma tempestade podia ser desastrosa para os pesados navios carregados de homens e de material, lentos e difíceis de conduzir. O vento já soprava na Mancha a mais de cinqüenta quilômetros por hora, o mar encapelava-se e as ondas atingiam quase dois metros. E os serviços meteorológicos anunciavam agravamento das condições atmosféricas.

O mapa revelava, de minuto a minuto, o regresso ordenado dos comboios. Longas filas de marcas subindo o mar da Irlanda juntavam-se na vizinhança da Ilha de Wight, amontoavam-se nos diversos portos e bases navais da costa sudoeste da Inglaterra. Alguns levariam certamente todo o dia para alcançar o porto.

Num simples relance, via-se neste mapa a posição de todos os navios aliados. Dois mantinham-se contudo invisíveis: dois submarinos de bolso. Pareciam ter desaparecido por completo do mapa.

Num gabinete vizinho, uma encantadora "tenente" das WREN, de vinte e quatro anos, interrogava-se sobre o tempo que seu marido levaria a voltar à base. Naomi Coles Honour estava ligeiramente preocupada, mas por enquanto não muito inquieta, embora os seus amigos da sala de manobras parecessem nada saber sobre a posição do seu marido, o Tenente-de-Mar-e-Guerra George Honour, comandante de um desses submarinos de dezenove metros, o X-23.

*

A uma milha da costa da França emergiu da água um periscópio. Dez

metros abaixo, encoscorado no inconfortável posto central do X-23, o

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Tenente George Honour atirou o boné para a nuca. Lembra-se de ter dito na altura:

— Bem, meus senhores, e se déssemos uma olhadela? Encostando um olho à borracha do visor do periscópio fez girar este

lentamente e, quando a camada deformante de água cintilante desobstruiu a objetiva, o tenente distinguiu a pequena cidade adormecida de Ouistreham, na embocadura do Orne. Estava tão perto e o periscópio tinha tal potência que Honour viu fumegar as chaminés das casas e, ao fundo, um avião que decolava do aeroporto de Carpiquet, perto de Caen. Havia mais: fascinado, contemplou alguns soldados alemães que trabalhavam tranqüilamente na instalação dos obstáculos na extensa praia de areia.

Foi um grande momento na existência do jovem tenente-de-mar-e-guerra de reserva. Afastando-se do periscópio, dirigiu-se ao Tenente Leonel G. Lyne, que embarcara especialmente para esta operação:

— Dê uma olhadela, Thin, estamos quase em cheio no alvo! De certo modo, a invasão já tinha começado. O primeiro barco e os

primeiros homens das forças aliadas estavam a postos, frente à costa normanda. Diante do X-23 estava o setor anglo-canadense. Nem o Tenente Honour nem a sua tripulação ignoravam o significado desta data. Num outro dia 4 de junho, quatro anos antes, a menos de trezentos quilômetros do local onde se encontravam, os últimos trezentos e trinta e oito mil soldados do corpo expedicionário britânico deixavam em chamas um porto chamado Dunquerque. Dentro do X-23, cinco ingleses, cuidadosamente escolhidos, sentiam-se profundamente emocionados e orgulhosos. Formavam a vanguarda britânica e vinham, na qualidade de batedores, explorar a costa da França, balizando o percurso que milhares de compatriotas iriam em breve seguir.

Estes cinco homens, encoscorados no único e minúsculo compartimento do X-23, estavam equipados com roupas de homens-rãs, e os seus passaportes, magistralmente falsificados, teriam iludido a vigilância da mais suspeitosa das sentinelas alemãs. Cada um tinha uma falsa carteira de identidade francesa completa, com fotografia, e ainda autorização de trabalho, senhas de abastecimento com todos os carimbos oficiais, cartas e outros documentos. Se as coisas corressem mal, no caso de o X-23 ir a pique ou ter de ser abandonado, os tripulantes poderiam nadar até à costa e, protegidos pelas falsas identidades, escapar ao inimigo, a fim de tentarem pôr-se em contacto com a Resistência francesa.

A missão do X-23 era particularmente delicada. Vinte minutos antes da hora H, o submarino de algibeira e o seu gêmeo, o X-20 — que se encontrava vinte milhas mais a oeste, frente à pequena aldeia de Hamel — subiriam audaciosamente à superfície a fim de servirem de balizas,

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delimitando os extremos da zona de desembarque anglo-canadense, dividida em três praias: Sword, Juno e Gold.

Deviam seguir um plano complicado e preciso. Uma baliza hertziana automática emitiria sinais contínuos assim que subisse à superfície. Ao mesmo tempo, um sanar enviaria ondas submarinas, que seriam captadas por escutas. A frota que transportava as tropas britânicas e canadenses abordaria a costa utilizando uma dessas emissões, ou ambas.

Cada submarino de bolso possuía também um mastro-telescópico de seis metros, equipado com um projetor, pequeno mas potente, visível a mais de cinco milhas. A luz verde significaria que os submarinos estavam a postos. No caso contrário, a luz seria vermelha.

Para facilitar mais ainda a abordagem, cada submarino dispunha de um bote de borracha que podia transportar um homem, que se afastaria um pouco em direção à costa, levando consigo um pequeno projetor. Os sinais luminosos dos submarinos e destes botes permitiriam que a frota determinasse com exatidão a localização das três praias.

Nada fora esquecido, nem mesmo o perigo que os minúsculos submarinos corriam de ser abalroados e afundados pelos navios de desembarque. Como medida de proteção, o X-23 içaria grande bandeira amarela. Honour pensava que tal bandeira seria um magnífico alvo para os alemães. O que não o impedia de hastear uma segunda: a "insígnia branca" da Royal Navy. Honour e os seus homens aceitavam ser bombardeados pelos canhões do inimigo, mas não queriam ser afundados pelos seus.

Todo este equipamento, e muitos outros objetos heteróclitos, tinha sido comprimido no bojo, já de si bastante exíguo, do X-23. À tripulação normal de três homens, juntaram-se dois navegadores experimentados, o que fazia com que só muito dificilmente se pudessem mover no único compartimento do submarino, de um metro e sessenta de altura, um metro e trinta de largura e somente dois metros e cinqüenta de comprimento. A atmosfera era sufocante e tomar-se-ia quase irrespirável enquanto aguardassem o anoitecer para subir à superfície.

Mesmo submerso, nestas águas pouco profundas, Honour bem o sabia, o navio era fácil de assinalar por aviões de reconhecimento que voassem a baixa altitude, ou por vedetas de patrulha, e o risco aumentava com a emersão periscópica.

O Tenente-de-Mar-e-Guerra Lyne fez o estudo topográfico da área. Reconhecera rapidamente diversos pontos de referência: o farol de Ouistreham, o campanário da igreja, dois outros campanários, os das aldeias de Lagrune e de Saint-Aubin-sur-Mer, a alguns quilômetros. Honour não se enganara. Estavam quase "mesmo no alvo", apenas a três quartos de milha da posição que deveriam tomar.

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Para Honour foi um alívio estar tão perto. A travessia fora longa e penosa. Tinham levado pouco menos de dois dias para percorrer as noventa milhas desde Portsmouth, a maior parte das vezes através de campos de minas. Iam agora ocupar a posição prevista e assentar no fundo. A operação "Gambit" começava bem. Contudo, lamentava secretamente que não tivessem escolhido outro nome para esta operação. Mesmo não sendo supersticioso, o jovem comandante sentira cortar-se-lhe o coração ao procurar a palavra "gambit" no dicionário e ao descobrir que queria dizer, no xadrez, "sacrificar um peão na abertura".

Honour lançou um último olhar aos soldados alemães que estavam na praia. No dia seguinte, a essa mesma hora, o inferno seria desencadeado nessas praias.

— Recolham o periscópio! — ordenou. Submergidos, sem qualquer contacto com a base, Honour e a sua

tripulação ignoravam que o desembarque fora adiado por um dia.

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CAPÍTULO IX Às ONZE da manhã, a brisa aumentava sobre a Mancha. Ao longo das

regiões costeiras interditas da Grã-Bretanha, isoladas do resto do país, as forças de invasão enregelavam. O seu universo limitava-se aos locais de reunião, aos aeroportos e aos navios. Já não pertenciam à terra firme e estavam estranhamente suspensas entre o mundo familiar da Inglaterra e as "terrae incógnitae" da Normandia. Uma espessa cortina de ferro separava-as do mundo.

Do outro lado desta cortina, a vida continuava como de costume. Havia gente que labutava no trabalho quotidiano sem suspeitar que centenas de milhares dos seus semelhantes aguardavam uma ordem que marcaria o começo do fim da segunda guerra mundial.

Na pequena cidade de Leatherhead, no Surrey, um professor de Física, de cinqüenta e quatro anos, magro e franzino, passeava o cão. Leonard Sidney Dawe era um homem tranqüilo e discreto, completamente desconhecido fora de pequeno círculo de amigos. Desfrutava, no entanto, de vasto público, que ultrapassava de longe o de uma estrela de cinema. Todos os dias, cerca de um milhão de leitores debatia-se com o problema de palavras cruzadas que ele compunha, com o seu amigo Melville Jones, também professor, para o Daily Telegraph, de Londres.

Havia mais de vinte anos que Dawe era o melhor compilador de palavras cruzadas do Telegraph, e os seus problemas, difíceis e complicados, tinham exasperado e seduzido milhões de amadores. Alguns entusiastas da modalidade pretendiam que as palavras cruzadas do Times eram mais difíceis, mas os fanáticos de Dawe replicavam que os problemas do Telegraph nunca tinham repetido a mesma definição. Dawe tinha extremo orgulho neste fato.

Teria ficado estupefato ao saber que, desde o dia 2 de maio, era alvo de inquérito discreto e por parte do serviço de contra-espionagem da Scotland Yard, o M.I.5. Durante um mês, os seus problemas tinham inquietado e terrificado muitos dos estados-maiores do Alto Comando aliado.

Nesse domingo de manhã, o M.I.5 tinha finalmente resolvido ter uma conversa com Dawe. Quando voltou do passeio, era esperado por dois homens. Dawe, como toda a gente, ouvira falar do M.I.5, mas que poderiam querer dele?

— Sr. Dawe — disse um dos homens ao começar o interrogatório — durante o mês passado, certo número de palavras de código altamente confidenciais apareceram nas palavras cruzadas do Telegraph, palavras

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referentes a determinada operação aliada. Poderá dizer-nos o que o levou a empregá-las e onde as obteve?

Antes que Dawe, estupefato, pudesse responder, o agente do M.I.5 tirou uma lista do bolso e prosseguiu:

— Gostaríamos especialmente de saber como foi levado a escolher esta palavra.

Pousou o dedo sobre a lista. O problema de palavras cruzadas do Telegraph, datado de 27 de maio, compreendia a seguinte definição (11 horizontal): "Esta importante personagem roubou várias vezes" (alusão à definição precedente). Há que acreditar que estas palavras obscuras podiam ser compreendidas pelos admiradores de Dawe. A resposta, que veio no Telegraph da antevéspera, 2 de junho, era Overlord (grande senhor feudal). Ora, Overlord era a designação em código de todo o plano de invasão dos Aliados.

Dawe não sabia de que operação estes homens queriam falar. Tais perguntas espantaram-no e até o indignaram. Respondeu que não podia explicar por que e como tinha escolhido aquela palavra. Fez notar que tal palavra se encontrava freqüentemente em livros de história, e acrescentou:

— Como poderia eu ter adivinhado que tinha um significado em código? E como poderia saber se esta ou aquela palavra não é empregada?

Os dois agentes do M.I.5 mostraram-se corteses. Reconheceram que era evidentemente impossível sabê-lo. Mas não seria, mesmo assim, estranho que num só mês aparecessem tantas palavras de código?

Percorreram a lista, sob os olhos míopes do professor estupefato. No problema do dia 2 de maio, a resposta à designação: "Um entre quarenta e oito" (17 horizontal) era Utah (Estado da América do Norte). A resposta ao 3 vertical, do dia 22 de maio, "Pele-Vermelha sobre o Misúri", era Omaha.

O problema de 30 de maio incluía a seguinte definição (11 horizontal): "Provoca revoluções nas creches", e a resposta era Mulberry (uma célebre cantiga de roda infantil que faz andar as crianças à volta do silvado de amoras, ou mulbery-bush). Ora, Mulberry designava em código dois portos artificiais que deveriam ser montados ao largo das praias de desembarque. E a solução do 15 vertical, do problema do primeiro de junho, "Compartilha o seu reinado com Britânia", era Netuno, designação em código do conjunto das operações navais do desembarque.

Dawe não conseguiu dar qualquer explicação para a escolha destas palavras. Aliás, observou, estes problemas podiam ter sido compostos seis meses antes. Haveria uma explicação? Dawe só podia dar uma: uma série de coincidências fantásticas.

*

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Tinha havido outros alarmes terrificantes. Três meses antes, no correio

central de Chicago, abrira-se na mesa de separação um volumoso embrulho mal acondicionado, exibindo um maço de documentos suspeitos. Doze funcionários dos correios pelo menos tomaram conhecimento destes documentos: tratava-se duma operação batizada Overlord.

Os agentes da contra-espionagem invadiram o correio. Interrogaram os funcionários encarregados da separação, que foram em seguida aconselhados a esquecer o que tinham visto. Seguiu-se a vez da destinatária: uma rapariga perfeitamente inofensiva. Foi incapaz de dizer por que lhe eram endereçados estes documentos, mas identificou a letra da etiqueta: era a do seu irmão, jovem sargento, igualmente inofensivo, que pertencia ao quartel-general americano de Londres. Tinha-se enganado no sobrescrito e enviara o embrulho à irmã.

Este pequeno incidente poderia ter tomado proporções gigantescas, se o Supremo Estado-Maior dos Aliados tivesse sabido que o serviço de informações alemão, o Abwehr, já tinha descoberto o significado da palavra de código Overlord. Um dos seus agentes, um albanês chamado Diello, mais conhecido por Cicéron, fizera chegar a informação a Berlim, em janeiro. Ao princípio, Cicéron dera ao plano o nome de Overlock, mas em seguida retificara-o. E Berlim tinha inteira confiança em Cicéron, que trabalhava como criado de quarto na Embaixada Britânica na Turquia.

Cicéron fora incapaz de descobrir o grande segredo de Overlord: o local e a data do Dia D. Tal segredo foi tão escrupulosamente guardado que até ao fim de abril apenas algumas centenas de oficiais aliados o conheceram. Mas no decurso desse mês, a despeito dos avisos constantes da contra-espionagem e dos sucessivos avisos sobre a presença de agentes alemães nas Ilhas Britânicas, dois oficiais superiores, um general americano e um coronel inglês, violaram inconsideradamente o segredo. Durante um coquetel no Claridge de Londres, o general confiou a alguns camaradas que o desembarque se daria antes de 15 de junho. Noutro ponto da Inglaterra, o coronel foi ainda mais tagarela. Contou a amigos civis que os seus homens estavam treinando para alcançar certo objetivo, e deu a entender que tal objetivo se encontrava na Normandia. Os dois oficiais foram imediatamente demitidos e destituídos das respectivas patentes *.

* Embora o general americano tivesse sido colega de curso do General Eisenhower, em West Point, o comandante-chefe dos Exércitos Aliados nada pôde fazer por ele. Após o desembarque, o caso do general teve grande publicidade e voltou a ser ventilado quando mais tarde se aposentou, com a patente de coronel. Nada deixa supor que o Q. G. de Eisenhower tivesse sido posto a par da indiscrição do coronel inglês. O assunto foi prontamente abafado e resolvido pelos seus superiores. Este inglês foi mais tarde membro do Parlamento.

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Depois, na memorável tarde deste domingo, 4 de junho, o G.Q.G. aliado recebeu um golpe no coração ao ter conhecimento de novo deslize, mais perigoso que os precedentes. Durante a noite, um teletipista da Associated Press, não encontrando nada melhor para fazer, entreteve-se a praticar numa maquina inutilizada, para aumentar a sua velocidade como operador. A fita perfurada transportando o seu flash imaginário foi incompreensivelmente introduzida no começo do comunicado diário da frente russa. Foi anulado trinta segundos mais tarde, mas o mal estava feito. O "boletim" que chegou aos Estados Unidos era o seguinte: FLASH URGENTE ASSOCIATED PRESS NYK QG EISENHOWER ANUNCIA DESEMBARQUE ALIADO NA FRANÇA.

Por mais graves que pudessem ser as conseqüências desta mensagem, era demasiado tarde para fazer fosse o que fosse. A gigantesca engrenagem do desembarque estava em movimento. Agora, enquanto as horas passavam lentamente e as condições atmosféricas pioravam, a mais colossal de todas as forças aéreas e anfíbias jamais reunidas aguardava a decisão do General Eisenhower. Confirmaria Ike a data de 6 de junho como a do Dia D? Ou seria que a tempestade sobre a Mancha — a mais violenta dos últimos vinte anos — forçá-lo-ia a adiar mais uma vez o desembarque?

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CAPÍTULO X Ao FUNDO de um bosque molhado de chuva, a três quilômetros do Q. G.

naval de Southwick House, o americano que tinha de tomar esta grave decisão debatia-se com o problema e tentava descansar no seu reboque modestamente mobiliado. Embora pudesse instalar-se mais confortavelmente na ampla residência de Southwick, Eisenhower recusara-se a fazê-lo. Queria aproximar-se o mais possível dos portos onde as suas tropas embarcavam. Alguns dias antes, tinha mandado edificar um pequeno quartel-general de campanha: algumas tendas para o reduzido estado-maior e diversos reboques, incluindo o que ocupava e a que chamava o seu "circo ambulante".

O reboque de Eisenhower, longo e baixo, bastante parecido com um caminhão de mudanças, compreendia três pequenos cubículos, que serviam de quarto, escritório e salinha. Havia ainda uma cozinha minúscula, uma pequena bateria de telefones, as "privadas" de fossa química e nas traseiras uma varanda envidraçada. Mas o comandante supremo nunca ficava parado o tempo suficiente para gozar inteiramente do seu reboque. Raramente utilizava o escritório e a sala. As reuniões do estado-maior eram geralmente realizadas numa das tendas mais espaçosas. Só o quarto parecia habitado. Era o reflexo da sua personalidade. Havia uma pilha de romances do Far-West junto da mesa de cabeceira e duas fotografias emolduradas: sua mulher, Mamie, e seu filho, de vinte e um anos, John, envergando o uniforme de cadete de West Point.

Deste reboque, Eisenhower comandava cerca de três milhões de soldados aliados, dos quais mais de metade eram americanos: aproximadamente um milhão e setecentos mil soldados, marinheiros, aviadores e guarda-costas. As forças britânicas e canadenses atingiam um milhão de homens e o resto era formado pelos contingentes de franceses livres, polacos, tchecos, belgas, noruegueses e holandeses. Nunca, no curso da História, um americano comandara tantos homens pertencentes a tantas nações diferentes, nem assumido tão pesadas responsabilidades.

Contudo, apesar da amplidão da sua missão e do seu poder absoluto, nada deixava suspeitar estar neste homem do Middle-West, bronzeado e de sorriso comunicativo, o comandante supremo das Forças Aliadas.

Ao contrário de outros célebres chefes aliados, que eram imediatamente reconhecidos por certa particularidade no vestir, pelo corte de cabelo excêntrico ou por uma bateria de condecorações vistosas, Eisenhower fazia-se antes notar pela sua discrição. Além das quatro estrelas da patente, só uma estreita fita de condecorações sobre o bolso do peito e, no ombro, o escudo

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com a espada flamejante do SHAEF (G.Q.G. do corpo expedicionário aliado). O próprio reboque de Eisenhower não tinha qualquer distintivo, qualquer sinal da sua alta autoridade, nenhuma bandeirola, não continha mapas, nem fotografias com dedicatórias dos grandes homens que freqüentemente o vinham ver. Mas, no quarto, junto à mesa de cabeceira, havia três telefones da maior importância e de cores distintas. O vermelho estava reservado para as comunicações urgentes com Washington, o verde diretamente ligado à residência de Churchill, no número 10 da Downing Street, e o preto punha-o em comunicação com o seu brilhante chefe de estado-maior, o General Walter Bedell Smith, com o Q.G. e com os outros generais do Alto Comando aliado.

Foi através do telefone preto que, para confirmar as suas suspeitas, Eisenhower foi posto ao corrente do envio do falso flash referente ao desembarque. Nada disse ao receber esta notícia. O seu ajudante de campo naval, o Capitão Harry C. Butcher, conta que o comandante supremo se limitou a resmungar entre dentes. Que poderia dizer ou fazer na altura?

Quatro meses antes, na nota que lhe outorgava a autoridade suprema, os grandes chefes de estado-maior de Washington tinham-lhe especificado a sua missão num único e sucinto parágrafo: "Desembarcará no continente europeu e, em ligação com as outras Nações Unidas, organizará operações para atingir o coração da Alemanha e destruir as suas forças armadas..."

A finalidade e o propósito da ofensiva estavam contidos nesta simples frase. Mas, para todos os aliados, tratava-se de outra coisa além de simples operação militar. Eisenhower chamava-lhe "uma grande cruzada", que devia. pôr termo de uma vez para sempre à monstruosa tirania que mergulhara o mundo na mais sanguinária das guerras, que tinha aniquilado um continente e reduzido à escravatura mais de trezentos milhões de homens. (Nessa altura, ninguém podia ainda imaginar o alcance da barbárie nazi, os milhões de mortos nas câmaras de gás e fornos crematórios de Heinrich Himmler, os milhões de trabalhadores forçados arrancados à terra natal, o incalculável número de homens e mulheres que jamais voltariam, os milhões de torturados, de reféns executados, de mortos pela fome...) O objetivo da grande cruzada não era somente ganhar a guerra mas também destruir o nazismo, pondo fim a uma era de selvajaria sem precedentes na História.

Mas primeiro era preciso que o desembarque tivesse êxito. Se falhasse, a derrota final da Alemanha requeriria talvez longos anos.

Duravam há mais de um ano os preparativos deste desembarque com que contava o mundo inteiro. Muito antes de Eisenhower ter sido nomeado comandante supremo das Forças Aliadas, um pequeno grupo de oficiais anglo-americanos, sob o comando do general inglês Sir Frederick Morgan, tinha estabelecido os primeiros planos da ofensiva. O problema era árduo;

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havia poucos dados, poucos precedentes militares e muitos pontos de interrogação. Onde e quando deveria dar-se a ofensiva? Quantas divisões seria preciso utilizar? Estas X divisões poderiam ser treinadas, reunidas e estar prontas a atuar na data Y? Quais os meios de transporte necessários? Que forças deveriam ser empregadas no bombardeamento naval e nas escoltas? Onde se encontrariam os barcos e lanchões de desembarque? Poderiam ser destacados do Pacífico, do Mediterrâneo e dos outros teatros de operações? Quantos campos de aviação seriam necessários para receber os milhares de aparelhos indispensáveis para o ataque aéreo? Quanto tempo seria preciso para reunir o material, o equipamento, as armas, as munições, os meios de transporte, os víveres? Quais as quantidades a prever, não só para o ataque, mas também para o que se seguisse?

Entre milhares de outras, eram estas algumas das perguntas angustiantes às quais os estrategistas aliados tinham que responder. Finalmente, os seus estudos e projetos, modificados, revistos e desenvolvidos, constituíram o plano Overlord, depois de Eisenhower ter tomado o comando, e exigiram mais homens, mais navios, mais aviões, mais material do que qualquer outro operação militar da História.

Colossal empreendimento! Antes mesmo que o plano tivesse tomado a forma definitiva, incrível torrente de homens e material despenhou-se sobre a Inglaterra. Em breve houve tan tos soldados americanos nas cidades e aldeias da Grã-Bretanha que ultrapassaram em número os autóctones. Os cinemas, hotéis, restaurantes e pubs ingleses foram bruscamente invadidos por tropas vindas de todos os Estados da América do Norte.

Por toda parte surgiram campos de aviação. Para uma ofensiva aérea tão importante urgiu construir-se cento e sessenta e três bases suplementares, de tal modo que se tornaram num motivo de brincadeira entre os aviadores da 8.ª e 9.ª Forças Aéreas, que pretendiam ser possível ir do norte ao sul e do leste a oeste da Inglaterra sem sequer ser preciso decolar. Os portos estavam engarrafados. Começou a juntar-se uma frota de cerca de novecentos navios, desde os couraçados até às vedetas. Os comboios chegavam em tal número que na primavera já tinham trazido quase dois milhões de toneladas de víveres e material, a ponto de terem de ser montados duzentos e cinqüenta quilômetros de carris novos para os transportar.

Em maio, o sul da Inglaterra assemelhava-se a gigantesco arsenal. Nos bosques e florestas estavam dissimuladas pilhas de munições. Nas charnecas comprimiam-se, capota contra pára-choque, intermináveis filas de veículos, carros half-tracks, autometralhadoras, carros blindados, caminhões, jipes, ambulâncias... Havia mais de cinqüenta mil. Os campos estavam cobertos de obuses, canhões antiaéreos, montões de peças soltas e de material pré-fabricado, desde as barracas Nissen até às pistas de aterragem, bulldozers e

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escavadoras. Os armazéns abarrotavam de víveres, vestuário e medicamentos, desde os comprimidos contra o enjôo até às vinte e quatro mil camas de hospital. Mas o espetáculo mais impressionante era o dos vales pejados de longas colunas de material ferroviário: cerca de um milhar de locomotivas absolutamente novas, vinte mil vagões-cisternas e vagões de mercadorias, destinados a substituir o material francês que fora destruído.

Também havia estranhos engenhos da guerra moderna. Carros capazes de flutuar, outros carregados com enormes cilindros recobertos de ripas que serviriam para transpor as valas anticarros ou para escalar as paredes, outros equipados na dianteira com enormes chicotes de correntes para bater o solo e fazer explodir as minas. Havia barcos chatos, guarnecidos de uma floresta de tubos para lançar a mais recente das armas modernas: o foguete. A coisa mais extraordinária era sem dúvida os dois portos artificiais destinados a serem rebocados até às praias da Normandia, verdadeiros milagres de técnica e engenho, um dos grandes segredos da operação Overlord. Estes portos, chamados Mulberries, compreendiam primeiro um quebra-mar exterior, constituído por enormes flutuadores de aço. Seguiam-se cento e quarenta e cinco caixotes de concreto de diversos tamanhos, que seriam imergidos lado a lado, para formar um paredão interior. O maior destes caixotões continha abrigos para a tripulação e peças antiaéreas. Ao vê-lo atrás dos rebocadores dir-se-ia um prédio de cinco andares deitado de flanco. Nestes ancoradouros artificiais, cargueiros tão importantes como os Libertys-ships descarregariam a sua carga em batelões que fariam a ligação entre as praias e o porto. As embarcações de mais fraca tonelagem desembarcariam o seu carregamento sobre pontões de aço, onde estariam à espera caminhões que o transportariam para terra ao longo de extensas estacadas flutuantes. Para além dos Mulberries, sessenta blocos de cimento constituiriam um quebra-mar suplementar. Cada um destes portos, uma vez no lugar, teria a superfície do de Dover.

Durante todo o mês de maio chegaram aos portos e pontos de embarque homens e material. O engarrafamento das estradas levantou graves problemas, mas a intendência, a M.P. e as estradas de ferro britânicas realizaram o milagre de conduzir tudo e todos sem estorvo nem demora.

Comboios carregados de tropas e de material obstruíam todas as vias secundárias, esperando o momento de convergirem sobre a costa. Os comboios bloqueavam as estradas. As aldeias, os mais humildes lugarejos, cobriam-se de uma poeira fina e, na calma das noites de primavera, todo o Sul da Inglaterra ressoava com o surdo roncar dos caminhões, o matraquear dos carros e a voz característica dos americanos, que pareciam só ter uma pergunta a fazer:

— É ainda longe, esse maldito lugar perdido?

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Numa noite, ou pouco mais, surgiram do solo, ao longo do litoral, cidades inteiras de barracões Nissen e tendas para receber os homens que não paravam de chegar. Dormiam em tarimbas de três e quatro andares. Os chuveiros e os abrigos ficavam muitas vezes bastante longe e os homens faziam fila para esperar a vez. As filas de esfomeados, à hora das refeições, atingiam por vezes mais de um quilômetro. Os regimentos eram tão numerosos que, só para o serviço das instalações americanas, foram precisos cinqüenta e quatro mil homens, dos quais quatro mil e quinhentos eram cozinheiros. Pela última semana de maio, os homens começaram a embarcar com o material. Já não faltava muito para a hora soar.

Os números ultrapassavam a imaginação; tais forças pareciam invencíveis. E esta arma incrível — a juventude do mundo livre, todas as disponibilidades do mundo livre — aguardava a decisão de um só homem: Eisenhower.

Durante quase todo o dia 4 de junho, Eisenhower isolou-se no reboque. Eisenhower e os seus oficiais tinham feito tudo o que era concebível a fim de que a vitória pudesse ser alcançada com a menor perda de vidas humanas. Desse momento em diante, após meses de minuciosa preparação, quer política, quer militar, a operação Overlord estava à mercê dos elementos. Eisenhower tinha as mãos atadas; só lhe restava aguardar e esperar que o tempo melhorasse. Mas, acontecesse o que acontecesse, seria forçado a tomar uma decisão, pesada de conseqüências, antes do fim do dia: dar ordem de prosseguir ou adiar mais uma vez o desembarque. O sucesso ou malogro da operação dependiam da sua decisão, fosse ela qual fosse.

E ninguém o podia substituir para tomar tal decisão. Pesava sobre ele a responsabilidade, unicamente sobre ele.

Eisenhower encontrava-se perante terrível dilema. A 17 de maio decidira que o Dia D só poderia ser escolhido entre três dias de junho: 5, 6 ou 7. Só durante estes três dias haveria dois fatores a favorecer o desembarque: um tardio nascer de lua e, pouco depois da alvorada, uma maré baixa.

A infantaria aerotransportada e os pára-quedistas abririam o assalto, cerca de dezoito mil homens pertencentes às 101.ª e 82.ª divisões americanas e à 6.ª divisão britânica. Precisavam do luar, mas, para salvaguardar o efeito de surpresa, era necessário que chegassem sobre as suas zonas pela noite escura. Era pois indispensável um nascer de lua tardio.

O desembarque por mar deveria efetuar-se com a maré baixa, para que os obstáculos de Rommel fossem visíveis. O horário de toda a operação dependia desta maré. E, para complicar mais ainda o trabalho dos meteorologistas, os reforços que desembarcariam muito mais tarde teriam igualmente necessidade de uma maré baixa — e deveriam chegar antes da noite.

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Estes dois fatores críticos — o luar e a maré — irritavam Eisenhower. Só a maré reduzia a seis o número de dias propícios para o desembarque, e três destes dias não tinham luar.

Mas não era tudo. Havia muitos mais elementos a tomar em consideração. Primeiro, eram precisos dias longos e boa visibilidade, para identificar as praias, a fim de a marinha e a aviação reconhecerem os alvos, para reduzir os riscos de abalroa-mento entre os cinco mil navios que evolucionariam quase costado a costado na baía do Sena. Uma calmaria absoluta era igualmente necessária. Não contando já com o perigo que um mar cavado representaria para os navios, o enjôo ameaçava pôr fora de combate muitos homens, antes mesmo de terem posto pé em terra firme. Em terceiro lugar, era desejável um vento do largo soprando a baixa altitude, que varresse a fumaça das praias e pusesse os obstáculos bem à vista. Finalmente, e para facilitar o rápido embarque dos homens e do material, os Aliados precisavam de três dias de calmaria antes do Dia D.

No G.Q.G. aliado ninguém ousava ter esperanças em condições atmosféricas perfeitas, e Eisenhower ainda menos. Durante longas sessões de treino com os meteorologistas, tinha-se dedicado a reconhecer e a pesar todos os fatores que lhe dariam um mínimo de condições aceitáveis para desencadear a ofensiva. Mas, segundo os peritos, havia dez probabilidades contra uma de que a Normandia oferecesse em junho o mínimo de requisitos. Nesse domingo tempestuoso, enquanto Eisenhower, só no seu reboque, examinava todas as hipóteses, as probabilidades contrárias pareciam tomar proporções astronômicas.

Entre estes três dias favoráveis ao desembarque, Eisenhower escolhera o dia 5 a fim de que, se houvesse que o adiar, pudesse lançar a ofensiva a 6. Mas se desse a ordem de desembarcar no dia 6 e fosse mais uma vez obrigado a anulá-la, a necessidade de reabastecer de combustível certos navios impediria o lançamento da ofensiva no dia 7. Ficava só uma alternativa: adiar o desembarque para o dia 19 de junho, data em que a maré seria novamente favorável, mas os exércitos aerotransportados seriam então forçados a atacar na escuridão. A 19 não haveria luar. Ou então Eisenhower podia esperar pelo mês de julho, mas esta demora interminável, diria ele mais tarde, "despedaçava-lhe o coração".

A eventualidade dum adiamento tão prolongado horrorizava de tal forma os que rodeavam Eisenhower que os mais prudentes dos seus oficiais estavam prontos a arriscar o ataque no dia 8 ou 9. Não viam como mais de duzentos mil homens, treinados e escalonados, podiam ser mantidos isolados e encerrados durante semanas, em barcos, campos ou terrenos de aviação sem que o segredo da ofensiva não se escoasse. E mesmo que não houvesse qualquer deslize durante este período, os aviões de reconhecimento da

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Luftwaffe não deixariam de descobrir a imensa frota, se tal não tivesse já acontecido; os agentes de informação alemães já tinham forçosamente recebido indicações a este respeito. Para toda a gente, a idéia de um adiamento para data tão distante parecia impossível. Mas cabia a Eisenhower tomar a decisão. Ao pôr do sol, o comandante supremo vinha de tempos a tempos à entrada do reboque e erguia os olhos para as grandes nuvens baixas que esmagavam a copa das árvores. Por vezes saía e andava de trás para diante na clareira, fumando sem parar, as costas curvadas, mãos nos bolsos.

Durante os seus passeios solitários, Eisenhower parecia que nunca via ninguém, mas nessa tarde viu um dos quatro correspondentes de guerra acreditados juntos do Q.G. avançado: Merril "Red" Mueller, da NBC (cadeia de rádio americana).

— Venha dar uma volta, Red — disse bruscamente. E sem esperar por Mueller, Ike partiu com o seu passo largo, sempre de mãos nos bolsos. Mueller teve de correr para o alcançar já no bosque.

Foi um passeio estranho e silencioso. Eisenhower calava-se. 0 correspondente lembra que "Ike estava totalmente absorto pelos seus pensamentos, mergulhado nos seus problemas. Dir-se-ia que esquecera a minha presença a seu lado". Mueller teria muitas perguntas a fazer ao comandante supremo dos exércitos aliados, mas conteve-se; não queria ser importuno e dizia de si para si que a ocasião não era propícia.

Ao voltarem ao acampamento e quando Eisenhower disse "até à vista" a Mueller, o correspondente viu-o subir a escada de alumínio do reboque, "curvado sob o peso das suas preocupações... como se cada uma das quatro estrelas que tinha sobre os ombros pesasse uma tonelada".

Nessa noite, pouco antes das nove e meia, os oficiais de estado-maior e os seus ajudantes de campo reuniram-se na biblioteca de Southwick House, ampla e confortável divisão com uma grande mesa coberta de pano verde, algumas poltronas fundas e dois canapés. Três das paredes estavam cobertas de estantes de carvalho, mas havia poucos livros e a sala parecia curiosamente nua. Por causa do black-out, as janelas estavam escondidas atrás de cortinas duplas, pesadas e escuras; nessa noite, abafavam o crepitar da chuva e os gemidos do vento.

Em pequenos grupos, os oficiais discutiam a meia voz. Junto do fogão, o General Bedell Smith, chefe do estado-maior de Eisenhower, conversava com o Marechal-do-Ar Tedder, grande fumador de cachimbo. Sentado junto deles, estava o impetuoso Almirante Ramsay, comandante naval inter-aliado, e, muito próximo, o Marechal-do-Ar Leigh-Mallory, comandante das forças aéreas. O General Smith recorda-se que só um dos oficiais não estava fardado: Montgomery, sempre magro, encarregado de dirigir a ofensiva no Dia D, vestia calças de bombazina e uma camisa de gola alta. Estes homens

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transmitiriam a ordem de atacar, quando Eisenhower a desse. De momento, aguardavam com os ajudantes de campo e os oficiais de estado-maior — estavam ao todo na sala doze oficiais generais — a chegada do comandante supremo e o início da conferência, aprazado para as nove e meia. Nessa ocasião, ouviriam as últimas previsões dos serviços meteorológicos.

Às nove e meia precisas a porta abriu-se. Eisenhower surgiu, impecável no seu fardamento de campanha verde-escuro. Seu célebre sorriso passou-lhe brevemente sobre o rosto quando saudou os velhos companheiros, mas uma máscara preocupada substituiu-o bem depressa, assim que iniciou a conferência. Qualquer preâmbulo seria supérfluo. Todos conheciam a gravidade da decisão que era preciso tomar. Os três meteorologistas da operação Overlord entraram a seguir, precedidos pelo seu chefe, capitão de grupo (coronel), J. N. Stagg, da Royal Air Force.

Fez-se silêncio quando Stagg começou a exposição. Resumiu rapidamente as condições atmosféricas no curso das últimas vinte e quatro horas e em seguida disse, muito calmamente:

— Meus senhores... a situação desenvolve-se muito depressa... de forma inesperada...

Todos os olhos estavam fixos em Stagg, que talvez trouxesse ao ansioso Eisenhower e aos seus oficiais um fraco raio de esperança.

Explicou que nova frente atmosférica se deslocava em direção à Mancha e podia, em poucas horas, iluminar provisoriamente a zona de desembarque. Esta melhoria de condições manter-se-ia durante todo o dia seguinte e continuaria pela manhã do dia 6 de junho. Seguidamente, o tempo pioraria novamente. Durante a esporádica melhoria, os ventos acalmar-se-iam de forma apreciável e o céu ficaria limpo — o suficiente para permitir que os bombardeiros entrassem em ação na noite de 5 para 6 e na manhã do dia 6. Pelo meio-dia, os bancos de nuvens formar-se-iam de novo e o céu ficaria coberto. Em suma anunciava a Eisenhower que podia contar com um período de tempo relativamente bom, bastante acima do mínimo indispensável, e isto durante um pouco mais de vinte e quatro horas.

Assim que acabou a exposição, Stagg e os seus colaboradores foram bombardeados por uma série de perguntas. Tinham a certeza das suas previsões? Não havia possibilidade de erro? Tinham colhido informações suficientes? Tinham verificado com atenção os relatórios? Não poderia o tempo continuar a melhorar durante alguns dias depois do dia 6?

Para os meteorologistas era impossível responder a algumas dessas perguntas. O relatório tinha sido cuidadosamente verificado, os cálculos refeitos, e mostravam-se tão otimistas quanto possível nas suas previsões, mas é impossível prever o tempo com segurança absoluta. Podia sempre surgir uma perturbação. Responderam o melhor que podiam e foram-se

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embora. Durante um quarto de hora, Eisenhower e os seus oficiais deliberaram. O

Almirante Ramsay insistia sobre a urgência de tomar uma decisão. Os comboios americanos destinados às praias de Omaha e Utah, sob as ordens do Contra-Almirante A. G. Kirk, deviam receber ordens dentro de meia hora, para que a operação Overlord pudesse ser desencadeada na terça-feira. O problema do combustível atenazava Ramsay. Se estas forças aparelhassem e tivessem de voltar às bases, seria impossível fazê-las reexpedir na quarta-feira, dia 7.

Em seguida Eisenhower ouviu a opinião dos seus subordinados, um a um. O General Smith pensava que a ofensiva devia ser desencadeada a 6: era desafiar a sorte, mas urgia tentá-la. Tedder e Leigh-Mallory temiam que as nuvens baixas e as nuvens previstas impedissem que a aviação operasse eficazmente. Parecia-lhes que a ofensiva se daria, nesse caso, sem ser suficientemente apoiada pela aviação. Na sua opinião, era "arriscado". Montgomery mantinha a decisão que tomara na véspera, quando o Dia D, 5 de junho, tinha sido adiado.

— Eu — disse — sou de opinião que se parta. Ike voltava a ter a palavra. Chegara o momento em que tinha de tomar

sozinho uma decisão definitiva. Houve longo silêncio, enquanto pesava os prós e os contras. O General Smith, que o observava, impressionou-se com "o alheamento e a solidão" do comandante supremo, sentado, as mãos cruzadas sobre a mesa, a cabeça baixa. Passaram minutos, alguns dizem que dois, outros cinco. Por fim Eisenhower ergueu um rosto crispado e murmurou lentamente:

— Estou persuadido de que devemos dar a ordem... Não gosto disto, mas enfim... Julgo que não podemos escolher.

Eisenhower levantou-se. Parecia esgotado, mas a tensão quase lhe desaparecera do rosto. Seis horas mais tarde, durante breve reunião para examinar os últimos relatórios meteorológicos, confirmaria a decisão que acabara de tomar: a terça-feira, 6 de junho, seria o Dia D.

Eisenhower saiu da sala com os seus oficiais, apressados agora em pôr em movimento a monumental ofensiva. Atrás deles, no silêncio da biblioteca, planava sobre a mesa verde uma nuvem de fumo azul, e as chamas da lareira refletiam-se no chão encerado; sobre o fogão, o relógio marcava nove horas e quarenta e cinco.

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CAPÍTULO XI ERAM dez horas da noite quando o soldado Arthur B. "Dutch" Schultz,

da 82.° divisão aerotransportada, resolveu voltar à partida de craps; talvez nunca voltasse a ter ocasião de perder tanto dinheiro. O jogo de dados durava desde que tinham anunciado que o desembarque fora adiado de vinte e quatro horas. Começara numa tenda, continuara sob a asa de um avião e atingia agora o auge no hangar que tinha sido transformado em amplo dormitório. A partida tinha mudado de um lado para o outro, dentro do próprio dormitório, subindo e descendo entre as camas e ao longo das galerias. E Dutch era quem mais embolsara durante a tarde.

Não sabia quanto ganhara. Mas adivinhava, pela espessura do maço de dólares amarrotados, de notas inglesas e de notas azul-esverdeadas novinhas em folha de origem francesa, que tinha na mão mais de dois mil e quinhentos dólares. Durante os vinte e um anos da sua existência nunca vira tanto dinheiro.

Física e moralmente, tinha feito tudo para se preparar para o grande salto. Pela manhã, haviam celebrado serviços religiosos, na base, para todos os credos. Dutch, que era católico, tinha-se confessado e comungado durante a missa. Agora, sabia bem o que ia fazer do que ganhara. Fez mentalmente a distribuição. Deixaria mil dólares no cofre do vagomestre; ser-lhe-iam úteis quando voltasse de licença à Inglaterra. Outros mil dólares seriam enviados à sua mãe, em São Francisco, para que dispusesse de quinhentos e conservasse o resto: bem precisava deles. Quanto ao que sobrasse, saberia empregá-lo: serviria para pagar uma "farra" memorável com os camaradas de regimento, o 505.°, assim que chegassem a Paris.

O jovem pára-quedista sentia-se bem. Estava contente, o seu dinheiro tinha sido bem colocado... A sério? Por que razão lhe vinha constantemente à cabeça o incidente da manhã, causando-lhe tal mal-estar?

Pelo correio da manhã, recebera uma carta da mãe. Quando rasgou o sobrescrito, escorregou dele um rosário que lhe caiu aos pés. Com um gesto rápido, para que a turba de amigos trocistas não o visse, apanhara o rosário e enfiara-o no saco que contava deixar na base.

E agora a lembrança do rosário levantou de repente uma pergunta em que nunca teria pensado: por que razão jogava em tal momento? Olhou as notas machucadas na mão, mais do que o dinheiro que ganhava num ano. Nesse instante, o soldado Schultz teve a certeza de que, se guardasse o dinheiro, seria morto. Dutch resolveu não correr o risco.

— Apertem-se um pouco — disse bruscamente — e deixem-me jogar.

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Viu as horas e perguntou a si mesmo quanto tempo precisaria para perder dois mil e quinhentos dólares.

Schultz não foi o único a conduzir-se de forma bizarra, nessa noite. Ninguém, dos simples soldados aos generais, parecia tentado a desafiar o destino. Junto de Newbury, no Q.G. da 101.° divisão aerotransportada, o General Maxwell D. Taylor, que a comandava, tinha reunido os seus oficiais para longa conferência oficiosa. Na sala estavam talvez uma meia dúzia de homens, e um deles, o General Don Pratt, sentou-se na cama. Enquanto conversavam, chegou outro oficial, que tirou o boné e o atirou para a cama. O General Pratt levantou-se dum salto, atirou o boné para o chão e gritou:

— Santo Deus, isso dá azar! Toda a gente rebentou a rir, mas Pratt não voltou a sentar-se na cama.

Tinha de conduzir os planadores do 101.° Exército na Normandia. A noite desceu; em toda a Inglaterra, os exércitos de invasão

aguardavam. Enervados pelos meses de treino intenso, os homens estavam mais que preparados e a demora exasperava-os. Havia dezoito horas que a partida fora adiada, e cada hora que passava moía-lhes a paciência. Ignoravam que dentro de vinte e seis horas somente soaria o Dia D. Era ainda demasiado cedo para terem conhecimento da notícia. Assim, na noite sibilante desse domingo, em plena solidão, na ansiedade e no medo, os soldados aguardavam que algo acontecesse, fosse o que fosse... Faziam exatamente o, que o mundo podia imaginar: pensavam nas famílias, nas mulheres, nos filhos, nas noivas. E todos falavam da batalha que os esperava. Como seriam as praias? Seria o desembarque tão difícil como se previa? Ninguém podia imaginar o Dia D, mas cada um antevia-o a seu modo.

Nas águas sombrias e agitadas do mar da Irlanda, a bordo do destroyer americano Herndon, o oficial Bartow Farr tentava concentrar-se no seu problema de bridge. Era difícil: havia fatos em demasia a- lembrarem-lhe que não se tratava de uma tarde como as outras. Na parede, via as enormes ampliações fotográficas das posições alemãs nas praias normandas. Tais posições seriam os objetivos do Herndon no Dia D. Farr pensou que o Herndon seria também o objetivo deles.

O jovem oficial estava quase certo de que sobreviveria ao Dia D. Tinha havido bastantes piadas sobre os que escapariam e os que não regressariam. Na enseada de Belfast, a tripulação do Corry, o barco gêmeo do Herndon, tinha apostado dez contra um como o Herndon não voltaria. A tripulação do Herndon respondera fazendo correr o boato de que o desembarque seria feito sem o Corry, retido no porto devido ao baixo moral da sua tripulação.

Farr tinha confiança. O Herndon regressaria são e salvo, com ele a bordo. Mas mesmo assim estava contente por ter escrito longa carta ao filho

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que ainda não nascera. Nunca lhe passara pela cabeça que sua mulher, Ana, em Nova Iorque, pudesse dar à luz uma menina. (E tinha razão. Os Farr tiveram um rapazinho no mês de novembro.)

Num acampamento perto de Newhaven, o Cabo Reginald Dale, da 3.ª divisão britânica, estava sentado na cama e preocupava-se com sua mulher, Hilda. Casados em 1940, tinham sempre desejado ardentemente um filho. Por ocasião da última licença, alguns dias antes, Hilda tinha-lhe anunciado que estava grávida. Dale ficara furioso. Era convicção sua que o desembarque não tardaria e que nele tomaria parte. Dissera a sua mulher, e de forma bastante seca, que a época tinha sido mal escolhida. Via ainda o olhar ferido de Hilda, o seu desgosto, e maldizia-se por ter deixado escapar tais palavras. Mas era demasiado tarde. Nem sequer lhe podia telefonar. Estirou-se na tarimba, como milhares de outros, e em vão tentou adormecer.

Contudo, alguns homens dotados de nervos de aço e de sangue-frio a toda prova, dormiam profundamente. Na 50.ª divisão britânica, o Sargento-chefe Stanley Hollis era um deles. Há muito que aprendera a dormir quando queria. A próxima ofensiva não o inquietava de modo algum. Sabia com o que podia contar. Fora evacuado de Dunquerque, combatera no 8.ª Exército na África e tinha desembarcado nas praias da Sicília. Dentre os milhões de homens acantonados na Inglaterra, Hollis era uma exceção. Aguardava o desembarque com impaciência. Tinha pressa de estar na França e de poder matar mais alguns alemães.

Para Hollis, tratava-se de assunto pessoal. Agente de ligação no momento de Dunquerque, vira em Lille, durante a retirada, um espetáculo que jamais esquecera. Separado da sua unidade, Hollis enganara-se no caminho e passara por uma parte da cidade que os alemães acabavam sem dúvida de atravessar. Encontrou-se subitamente num beco onde jaziam corpos ainda quentes de alguns civis franceses, homens, mulheres e crianças, que acabavam de ser metralhados. As paredes e pavimentos estavam crivados de balas. A partir desse instante, Stan Hollis só pensava em matar alemães. Tinha abatido mais de oitenta. No fim do Dia D, viria a fazer o centésimo segundo risco no cano da sua "Sten".

Havia outros que também tinham pressa em chegar às terras da França. Para o comandante Philippe Kieffer e os seus cento e setenta e um voluntários do comando francês, a espera parecia intolerável.

Excetuando raros amigos que tinham conhecido na Inglaterra, não tinham ninguém de quem se despedir. As respectivas famílias tinham ficado na França.

No seu acampamento, na foz do Hamble, eles passavam o tempo a verificar as armas, a estudar a maqueta, de espuma de borracha, da praia de Sword e os seus objetivos em Ouistreham. Um dos voluntários, o Conde

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Guy de Montlaur, orgulhoso dos seus galões de sargento, exultou ao saber que o plano tinha sido ligeiramente modificado: o seu pelotão devia desencadear o ataque ao cassino da praia, que, julgava-se, estava ocupado por um P.C. alemão bem defendido.

— Fá-lo-ei com o maior dos prazeres — tinha dito o comandante. — Perdi fortunas nessa boite.

A duzentos quilômetros do local, no acampamento da 4.ª divisão de infantaria americana, perto de Plymouth, o Sargento Harry Brown, ao ser rendido, encontrou uma carta que o esperava. Tinha visto muitas vezes brincadeiras deste tipo em filmes de guerra, mas nunca pensara que tal lhe pudesse acontecer. A carta era um folheto publicitário dos sapatos de tacão alto "Adler". Um tal prospecto irritou especialmente o sargento. Os homens de sua seção eram todos tão baixos que lhes chamavam os "Anões do Brown". O sargento era o mais alto e media um metro e sessenta e cinco.

Enquanto perguntava a si mesmo quem poderia ter indicado o seu nome à Sapataria Adler, aproximou-se dele um dos seus homens. O Cabo John Gwiadosky acabara de decidir pagar as dívidas. O Sargento Brown não percebeu nada ao ver o outro estender-lhe solenemente o seu dinheiro.

— Não vá ficar com idéias. Acontece simplesmente que não quero vê-lo a perseguir-me até ao inferno reclamando o seu quinhão.

Do outro lado da baía, a bordo do transporte de tropas New Amsterdam, o Alferes George Kerchner, do 2.º batalhão de "rangers", executava uma estopada: a censura do correio. Nessa noite havia muito. Toda a gente parecia ter querido escrever longas cartas à família. Os 2.° e 5.° "rangers" tinham herdado uma das missões mais difíceis do Dia D. Deviam escalar as abruptas falésias da Ponta do Hoc, de cerca de trinta metros de altura, a fim de reduzirem ao silêncio uma bateria de seis canhões de longo alcance: peças tão perigosas que eram capazes de atingir a praia de Omaha, até mesmo a zona da praia de Utah. Os "rangers" tinham precisamente trinta minutos para efetuar esse trabalho.

Todos estavam preparados para sofrer grandes perdas — alguns falavam em sessenta por cento — a menos que os bombardeiros ou os canhões da marinha conseguissem destruir as peças antes da chegada dos "rangers". De qualquer modo, ninguém pensava que esse assalto fosse "canja". Isto é, ninguém, exceto o Primeiro-Sargento Larry Johnson, um dos chefes de seção de Kerchner. O alferes ficou completamente embasbacado ao ler a carta de Johnson. O correio só seria expedido depois do desembarque, qualquer que fosse a sua data. Mas em caso algum poderia esta carta passar pelas vias ordinárias. Kerchner mandou chamar Johnson e, quando o sargento se apresentou, entregou-lhe a carta.

— Meu caro Larry, será melhor que você mesmo ponha isto no correio

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quando chegar à França. Johnson tinha escrito a uma moça, marcando um encontro para os

primeiros dias de junho. A jovem vivia em Paris... Ao ver partir o sargento, Kerchner pensou que nada seria impossível

enquanto o exército contasse com otimistas como Johnson. Quase todos os homens das forças de desembarque escreveram a alguém

durante as prolongadas horas de espera. Estavam fechados há tanto tempo que as cartas funcionavam como válvulas de escape. Foram numerosos os que exprimiram o seu pensamento de forma pouco habitual entre homens.

O Capitão John F. Dulligan, da 1.ª divisão de infantaria, destinado a desembarcar na praia de Omaha, escrevia à sua mulher: "Gosto destes homens. Dormem por todos os cantos do navio, na ponte, nos veículos, numa confusão total. Fumam, jogam cartas, divertem-se e gracejam. Juntam-se em grupos e falam das jovens que conheceram, das suas famílias e das suas recordações (geralmente relacionadas com moças...) São bons soldados, os melhores do mundo... Antes do desembarque no Norte da África estava inquieto e sentia certo medo. Durante a invasão da Sicília tinha tanto que fazer que o medo desapareceu. Desta vez, vamos desembarcar numa praia francesa e em seguida só Deus sabe o que acontecerá. Quero que saibas que te amo acima de tudo no mundo... Peço a Deus que me poupe e que permita que volte a encontrá-los, a ti, a Ann e a Pat".

Os mais afortunados eram os que se encontravam a bordo dos grandes navios de guerra ou dos barcos de transporte, nos aeroportos e nos portos de embarque. Estavam amontoados uns sobre os outros, mas a seco, no quente e bem alimentados. Nada disto acontecia com os soldados dos barcos de desembarque de fundo chato, que não andavam nem para trás nem para a frente em quase todos os portos. Alguns já aí se encontravam há mais de oito dias. Tais barcos estavam superlotados e eram nauseabundos, as tripulações incrivelmente miseráveis. Para eles, a batalha começara muito antes de deixarem a Inglaterra. Havia uma luta constante entre a náusea e o enjôo. A maioria lembra-se ainda hoje do cheiro destes barcos, um cheiro pestilento de resíduo de petróleo, de latrinas entupidas e de vômito.

As condições variavam de navio para navio. A bordo do LCT 777* o soldado de segunda-classe George Hackett estava atemorizado ao ver vagas tão altas que escalavam a proa da embarcação, varriam-na de ponta a ponta e caíam em cascata pela popa. O LCT 6, um batelão britânico, estava de tal modo sobrecarregado que o Tenente-Coronel Clarence Hupfer, da 4.ª divisão americana, pensou que iria afundar-se. O mar subia até à armadura, e por vezes passava-lhe por cima. A cozinha ficou inundada e os homens tiveram de comer as refeições frias — se o conseguissem.

(1) LCTs Landing craft tanks: batelões para o desembarque de carros. (N. do T.).

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O Sargento Keith Bryan, da 5.ª brigada especial do 5.º corpo de

engenharia, recorda-se de que o seu batelão, o LCT 97, estava a tal ponto superlotado que os homens andavam uns por cima dos outros; o balanço era tal que aqueles que tinham tido a sorte de conseguir uma cama só a custo conseguiam ocupá-las. Segundo disse o Sargento Morris Magee, da 3.ª divisão canadense, os movimentos do seu barco eram "piores do que os de um bote de recreio no meio do Lago Champlain". Estava tão doente que não conseguia vomitar.

Mas os homens que mais sofreram durante este período de espera foram os dos comboios que tinham voltado para trás. Durante todo o dia, tinham sido sacudidos sobre as águas tumultuosas da Mancha. Ensopados, estafados, aferravam-se tristemente aos parapeitos dos pesados navios, que vinham ancorar um a um. Às vinte e três horas, todos os comboios tinham regressado ao porto.

Ao largo da enseada de Plymouth, o comandante Hoffman, do Corry, contemplava do alto da ponte as intermináveis filas de sombras negras, as colunas de escuros navios, de todos os tamanhos e formas. Estava frio. O vento continuava em rajadas. Os barcos de fundo chato batiam na água e voltavam a cair no côncavo das vagas.

Hoffman sentia grande lassidão. Acabavam de regressar ao porto e de conhecer a razão do adiamento. E agora tinham de estar prontos para partir de novo ao primeiro sinal.

Em breve a notícia se espalhou pela tripulação. Bennie Glisson, o radiotelegrafista, soube-a quando ia ficar de quarto. Dirigiu-se ao posto e, quando lá chegou, encontrou boa dúzia de homens a jantar — nessa noite havia peru bem guarnecido. Todo o mundo parecia deprimido.

— Ao ver-vos — disse Bennie — dir-se-ia que é a vossa última refeição! Bennie quase que tinha razão. Metade dos que ali se encontravam iriam

ao fundo com o Corry, nos primeiros minutos a seguir à Hora H. Perto deles, a bordo do LCT 408, o moral estava igualmente baixo. A

tripulação dos guarda-costas estava convencida de que a falsa partida não passava de mais um estratagema. O soldado de segunda classe William Joseph Phillips, da 29.a divisão de infantaria, tentava reconfortá-los prognosticando com ar solene:

— Esta unidade nunca verá um combate. Estamos na Inglaterra há tanto tempo que só seremos chamados quando a guerra acabar. E há de ser para ir caiar as falésias brancas de Dover!

À meia-noite, as vedetas dos guarda-costas e os destroyers começaram a juntar novamente os comboios, um trabalho de Hércules. Desta vez já não se tratava de dar meia volta.

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*

Ao largo das costas da França, o submarino de bolso X-23 veio

lentamente à superfície. Era uma hora da manhã, 5 de junho. O Tenente George Honour desaferrolhou rapidamente o painel da escotilha e subiu, com um dos seus homens, ao minúsculo compartimento para levantar a antena. Embaixo, o Tenente James Hodges regulou a rádio nos 1.850 quilociclos e pôs os auscultadores. Não esperou muito. O sinal chegou muito fraco: Padfoot... Padfoot... Padfoot... Era o indicativo. Quando ouviu a mensagem que se seguiu, e que se resumia numa palavra, nem quis acreditar no que ouvia. Ergueu os olhos, escutou mais uma vez. Mas não se enganara. Deu a notícia aos outros. Ninguém disse uma palavra. Entreolharam-se, de semblantes pesados: tinham em perspectiva mais um longo dia debaixo d'água.

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CAPÍTULO XII A CLARIDADE do dia nascente, as praias da Normandia estavam veladas

de bruma. A chuva intermitente da véspera transformara-se numa chuvinha regular, que ensopava tudo. Os • campos estendiam-se sob a chuva, para além das praias, em prados irregulares onde se tinham travado tantas batalhas e que viriam a conhecer tantas mais.

Há quatro anos que os normandos viviam com os alemães. Para eles, a ocupação manifestara-se de diversas maneiras. Nas três cidades principais — Havre e Cherbourg, os dois portos que enquadravam a zona do desembarque, e Caen, a uns vinte quilômetros para o interior das terras — a ocupação fora dura, com os S.S. e a Gestapo. Impossível esquecer a guerra; havia todos os dias prisões de reféns, represálias contra as redes de Resistência, os bombardeamentos aliados, bem-vindos mas apavorantes.

Entre as grandes cidades estendia-se o campo, o dos caminhos tortuosos, sobretudo de Caen e Cherbourg, esses famosos caminhos tortuosos que desde o tempo dos romanos serviam de fortificações naturais tanto para os defensores como para os assaltantes. Por entre os campos surgiam grandes quintas, com suas casas de tetos de palha ou telhas vermelhas, paredes caiadas e vigas à mostra, assim como burgos e aldeias, de casas apertadas em torno de grandes campanários quadrados. Quase toda a gente ignorava o nome destas aldeias: Vierville, Colleville, La Madeleine, Sainte-Mère-1'Église, Chef-du-Pont, Sainte-Marie-du-Mont, Arromanches, Luc-sur-Mer. Aí, nesses campos quase despovoados, a ocupação revestia-se dum significado que não tinha nas cidades. O camponês normando tinha-se adaptado conforme podia. Milhares de homens e mulheres tinham sido arrancados às suas aldeias pelo S.T.O. e os que ficavam eram muitas vezes obrigados a trabalhar para o inimigo. Mas estes bravos camponeses nada faziam além do estritamente necessário. Viviam o dia-a-dia, odiando os alemães com uma obstinação tipicamente normanda e aguardando estòicamente o dia da libertação.

Em casa de sua mãe, numa colina que dominava Vierville, um jovem advogado de trinta e um anos, Michel Hardelay, observava pelo binóculo, através da janela da sala, um soldado ale-mão cavalgando um corpulento percherão pela estrada à beira-mar. Do selim pendiam algumas gamelas. Era um espetáculo pasmoso: a sólida garupa do cavalo, as gamelas saltitantes e o boné quadrado do soldado coroando o todo.

Hardelay viu o alemão atravessar a aldeia, passar frente à igreja de esguio e delicado campanário, e voltar a descer em direção ao muro de

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concreto que separava a estrada da praia. Aí chegado, apeou-se e pegou nas gamelas, deixando só uma presa ao selim. De repente, apareceram como por magia três ou quatro soldados vindos das dunas. Apossaram-se das gamelas e desapareceram como tinham surgido. O alemão agarrou na última gamela, escalou o muro e dirigiu-se para a grande vivenda cor-de-rosa rodeada de árvores, junto ao passeio, no extremo da praia. Agachou-se, e a gamela passou entre duas mãos que surgiram ao nível do solo, diante dele, debaixo da casa.

Esta cena repetia-se todas as manhãs. O alemão nunca chegava atrasado. Levava sempre à mesma hora o café para os postos avançados. O dia já tinha começado para os artilheiros escondidos nos pillboxes e abrigos camuflados no topo da praia: uma plácida extensão de areia dourada que no dia seguinte seria conhecida pelo mundo inteiro com o nome de Omaha Beach.

Michel Hardelay sabia que eram exatamente seis horas e quinze. Sempre achara cômica esta cena, em parte devido à figura do soldado e em parte porque se divertia ao ver a tão louvada organização técnica dos alemães ser reduzida a zero quando se tratava simplesmente de levar aos homens o café matinal. Mas a alegria de Hardelay tinha um travo amargo. Como todos os normandos, odiava os alemães, hoje mais do que nunca.

Há alguns meses que Hardelay vigiava as tropas alemães e os trabalhadores requisitados que escavavam, raspavam e aplanavam ao longo das dunas, na faixa onde as areias terminavam. Tinha-os visto semear a praia de obstáculos e plantar milhares de minas mortais. Não era tudo. Com uma consciência encarniçada e meticulosa, tinham demolido o alinhamento de encantadoras vivendas de férias "com vista para o mar". Das noventa que tinham existido, só restavam sete. Não tinham sido destruídas com o fim único de ampliar o campo de tiro dos artilheiros, mas também porque os alemães necessitavam de madeira para os seus abrigos. Das sete casas que ainda estavam de pé, a maior — em alvenaria — pertencia à família Hardelay. Alguns dias antes, os alemães tinham-nos avisado de que a demoliriam no devido tempo. Precisavam de tijolos e de pedra.

Hardelay perguntava a si próprio se alguém, algures, não viria a dar uma contra-ordem. Com os alemães, nunca se sabia com que contar. Ia sabê-lo melhor nas próximas vinte e quatro horas e sairia da incerteza, visto que lhe tinham dito que a casa seria arrasada no dia seguinte, 6 de junho, uma terça-feira.

Às seis e meia Hardelay ligou o rádio para escutar a BBC. Manteve-o em surdina. Como de costume, no final do boletim informativo, o "Coronel Britain" (Douglas Ritchie, a voz do G.Q.G. aliado) leu importante comunicado:

"Hoje, segunda-feira, 5 de junho, fui encarregado pelo Alto Comando de

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vos dizer o seguinte: Temos agora, com estas emissões, um processo de comunicar diretamente entre o Comando Supremo e vós, os dois países ocupados... Na devida altura, ser-vos-ão dadas instruções capitais, mas nem sempre poderemos fazê-lo a horas fixadas com antecedência. Conseqüentemente, pedimos-lhes para nos escutarem a todas as horas do dia. É menos difícil do que parece..."

Hardelay adivinhou que tais "instruções" deveriam andar relacionadas com o desembarque que toda a gente aguardava. Pensava que os Aliados atacariam pelo ponto mais estreito da Mancha, do lado de Dunquerque ou Calais, onde existiam portos. De qualquer modo, não para os seus lados.

Os Dubois e os Davot, que habitavam Vierville, não ouviram esta emissão. Tinham-se deitado tarde na véspera, como quase todas as famílias de Vierville, porque fora o dia da primeira comunhão. Primos, tios e avós tinham vindo de longe e sobretudo de Paris, pois no Calvados ainda se podiam encontrar provisões com relativa facilidade. Os festins deviam durar três dias. Na terça-feira, as famílias parisienses retomariam o comboio da manhã. Mas estas férias normandas iam durar muito mais tempo. As famílias seriam retidas em Vierville durante quatro meses.

Numa quinta, na estrada de Colleville, à saída da aldeia, Fernand Broeckx, como todas as manhãs, às seis e meia, estava sentado no estábulo úmido, os óculos de banda, a cabeça inclinada contra o flanco de uma vaca e dirigia o jato de leite para um balde. A sua quinta erguia-se sobre um pequeno montículo, apenas a oitocentos metros do mar, à beira do pequeno caminho térreo. De há muito que não descia até à praia — desde que os alemães tinham edificado a Muralha.

Fixara-se na Normandia há cinco anos. Em 1914, Broeckx, que era belga, tinha visto destruírem-lhe a casa. Nunca o esquecera. Assim, quando a guerra foi declarada, em 1939, deixara o emprego no escritório e refugiara-se na Normandia com sua mulher e filha, onde estariam a salvo.

A linda Anne-Marie, sua filha, de dezenove anos, era vigilante de crianças em Bayeux, a quinze quilômetros de Vierville. Tencionava passar as férias com os pais e como a jardim de infância onde trabalhava fechava no dia seguinte, voltaria imediatamente para casa de bicicleta.

Nesse mesmo dia, desembarcava na praia, frente à quinta de seu pai, um americano alto e magro, do Estado de Rhode Island, que Anne-Marie nunca vira na vida e que viria a desposá-la.

Ao longo de toda a costa normanda, os habitantes entregavam-se aos seus afazeres costumeiros. Os fazendeiros trabalhavam nos campos, cuidavam dos animais e podavam os pomares. Nas aldeias abriam-se as lojas. Para todos era mais um dia de ocupação igual aos outros.

No lugarejo de La Madeleine, aninhado atrás das dunas da praia que

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seria conhecida pelo nome de Utah Beach, Paul Gazengel abriu como de costume a sua venda, embora os clientes rareassem. Antes da guerra, o negócio não ia muito mal. Mas presentemente, para alimentar sua mulher, Marthe, e a filha, de doze anos, Jeannine, Gazengel só podia contar com a fraca clientela do lugarejo, sete famílias ao todo, e os poucos soldados alemães que era forçado a servir.

Gazengel gostaria bastante de partir. Sentado na venda, aguardava o primeiro freguês, ignorando que no dia seguinte partiria de viagem. Juntamente com todos os homens da aldeia, seria enviado para Inglaterra a fim de ser interrogado.

Um dos amigos de Gazengel, o padeiro Pierre Caldron, tinha nessa manhã outras preocupações. Na clínica do doutor Jeanne, em Carentan, estava sentado à cabeceira do filhinho de cinco anos, Pierre, que acabava de ser operado das amígdalas. Ao meio-dia, o doutor Jeanne veio examinar o doentinho e disse ao pai:

— Não tem razões para se preocupar. Tudo corre bem. Pode levá-lo para casa amanhã.

— Não — respondeu Caldron, que ponderara o assunto. — Julgo que a mãe ficará mais feliz se o levar esta noite.

Meia hora mais tarde, com o filho nos braços, Caldron pôs-se a caminho da aldeia de Sainte-Marie-du-Mont, junto de Utah Beach — onde as tropas pára-quedistas deveriam operar a ligação com os homens da 4.ª divisão no dia do desembarque.

*

Também para os alemães o dia foi calmo e sem incidentes. Nada

aconteceu e nada aguardavam; o tempo estava mau demais. Tão mau que, em Paris, no Q.G. da Luftwaffe, instalado no palácio de Luxemburgo, o Coronel Walter Stobe, chefe meteorologista, disse aos seus oficiais, durante uma conferência matinal, que podiam descansar um bocado. Duvidava grandemente que os aviões aliados se mostrassem nesse dia. Os homens da D.C.A. receberam dispensas sem demora.

Em seguida, Stobe telefonou para o número 20 da Avenida Vítor Hugo, em Saint-Germain-en-Laye. Tratava-se de enorme casa fortificada, de três andares, cem metros de comprimento e vinte de profundidade, enterrada no coração de uma colina, junto duma escola para meninas: o quartel-general da OB. West, von Rundstedt. Stobe conversou com o seu oficial de ligação, o meteorologista Hermann Mueller, que tomou conscienciosamente nota do boletim e o transmitiu ao seu chefe de estado-maior, o General Blumentritt. No Q.G. da OB. West levavam muito a sério os boletins meteorológicos, e

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Blumentritt esperava por este impacientemente. Estudava os últimos pormenores do itinerário dum dia de inspeção que o comandante-chefe projetava. O relatório sossegou Blumentritt; a inspeção poderia ser feita no dia previsto. Von Rundstedt, acompanhado de seu filho, um jovem tenente, tencionava visitar na terça-feira, 6 de junho, as defesas costeiras da Normandia.

Em Saint-Germain poucos conheciam a existência da casa, e mais raros eram ainda os que sabiam que o todo-poderoso marechal de campo vivia numa modesta vivenda, por trás do liceu na Rua Alexandre Dumas. A vivenda era circundada por um muro e o portão estava permanentemente fechado. Entrava-se por um corredor expressamente cavado e dando para o liceu, ou então por uma pequena e discreta porta de serviços, na Rua Alexandre Dumas.

Como habitualmente, von Rundstedt dormiu até tarde (o velho marechal já nunca se levantava antes das dez e meia) e pouco faltava para o meio-dia quando desceu para se instala no escritório do rés-do-chão. Foi neste escritório que discutiu com o seu chefe de estado-maior e aprovou o relatório sobre as "Prováveis intenções dos Aliados", que devia ser transmitido no mesmo dia à OKW. Tal relatório constituía mais um característico erro de previsão:

"A sistemática intensificação dos bombardeamentos aéreos indica que o inimigo está pronto. A frente de invasão será provavelmente setor compreendido entre Escaut, na Holanda, e a Normandia... É possível que a costa norte da Bretanha seja atacada. Mas não se pode por enquanto prever onde tenciona o inimigo efetuar o desembarque nesta região. Os repetidos ataques aéreos sobre Dunquerque e sobre a costa até Dieppe parecem indicar que o esforço aliado incidirá neste setor... Contudo, a iminência do desembarque parece pouco provável..."

Dispondo deste relatório vago — onde se previa que os Aliados desembarcariam num ponto qualquer duma costa de quase duzentos quilômetros de extensão —, von Rundstedt e o filho foram almoçar no restaurante favorito do marechal de campo, o Coq. Hardi, em Bougival. Pouco passava da uma hora. Dentro de doze horas, soaria o Dia D.

Em todos os P.C., em todas as zonas costeiras de ocupação, o mau tempo agia como um soporífero e um tranqüilizante. Os diversos estados-maiores tinham a certeza de que não haveria qualquer ofensiva nos próximos dias. Baseavam o seu raciocínio sobre as condições atmosféricas verificadas durante os anteriores desembarques dos Aliados, no Norte da África, na Sicília e na Itália. As condições tinham variado em cada caso mas meteorologistas como Stobe e o seu superior em Berlim, o Professor Karl Sonntag, haviam verificado que os Aliados nunca tinham tentado um

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desembarque sem estarem certos de conseguir um tempo favorável, sobretudo para as operações « aéreas. O espírito metódico dos alemães não admitia que esta regra tivesse uma exceção: o tempo devia ser favorável ou então os Aliados não atacariam. E de momento não era nada favorável.

No Grupo de Exército B, em La Roche-Guyon, a vida continuava como se Rommel não tivesse partido, e o General Speidel, chefe de estado-maior, achou que estava tudo suficientemente calmo para poder oferecer um pequeno jantar. Convidara o cunhado, o Doutor Horst, o escritor Ernst Junger e um velho amigo, o comandante Wilhelm von Schramm, um dos correspondentes de guerra oficiais. Speidel, o intelectual, regozijava-se de antemão com o jantar. Esperava que discutissem sobre o seu assunto preferido, a literatura francesa. Havia ainda outro assunto interessante de conversa, um manuscrito de vinte páginas, que Junger tinha entregue secretamente a Rommel e Speidel. Ambos tinham uma fé cega neste trabalho. Era nada mais nada menos que um plano para dar a paz ao mundo, depois de Hitler ter sido ou julgado por um tribunal alemão ou assassinado. Esfregando as mãos, Speidel confiara a Schramm:

— Vamos realmente passar uma bela noite a discutir! Em Saint-Lô, no Q.G. do 84.º corpo, o Major Friedrich Hayn, oficial de

informações, preparava-se para dar outro gênero de recepção. Tinha encomendado várias garrafas de excelente Chablis, pois, à meia-noite, os oficiais tencionavam surpreender o comandante do seu corpo, o General Erich Marcks, cujo aniversário era a 6 de junho.

Tinham planejado esta surprise-party noturna visto que Marcks devia partir de madrugada para Rennes. Juntamente com os outros comandantes dos setores da Normandia. Marcks devia tomar parte em grandes manobras no mapa, que começariam na terça-feira, de manhã cedo. Marcks divertia-se com o papel que desempenharia. Representaria "os Aliados". Este Kriegsspiel tinha sido organizado pelo General Eugen Meindl e, como este tinha sido pára-quedista, o auge do exercício seria um "desembarque", começando por um assalto de tropas pára-quedistas e seguido de um desembarque por mar. Todos pensavam que o exercício seria apaixonante: o desembarque teórico seria feito na Normandia.

Contudo, este Kriegsspiel inquietava o General Max Pensei chefe do estado-maior do 7.° Exército. No seu quartel-general de Mans tinha pensado nele durante toda a tarde. Já era bastante grave que os comandantes de setores da Normandia e da península de Cotentin estivessem todos ao mesmo tempo ausentes dos seus postos. Mas tal fato poderia tornar-se muito perigoso se passassem uma noite fora dos respectivos P.C. Para alguns, Rennes ficava bastante afastado dos respectivos acantonamentos, e o general temia que fizessem tenção de abandonar a frente antes da aurora. E a

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madrugada era a preocupação constante de Pensei. Se o desembarque se viesse a realizar na Normandia, o primeiro assalto seria feito ao amanhecer. Decidiu prevenir todos os que tomariam parte nas manobras. Expediu por teletipo a seguinte ordem: "Os generais e outros oficiais superiores que participam no Kriegsspiel não deverão pôr-se a caminho de Rennes antes da madrugada de 6 de junho".

Mas era demasiado tarde; alguns já tinham partido. E foi assim que um a um, os oficiais generais de Rommel abandonaram

as suas posições na própria véspera da batalha. Todos tinham fortes razões, mas poder-se-ia acreditar que um capricho do destino preparava a sua partida. Rommel encontrava-se na Alemanha, assim como von Tempelhof, chefe de onerações do grupo de Exércitos B. O Almirante Theodor Krancke, comandante naval no Oeste, depois de ter prevenido von Rundstedt de que as suas patrulhas não podiam abandonar o porto devido ao meu tempo, partiu para Bordéus. O Tenente-General Heinze Hellmich, comandante da 243.ª divisão, que ocupava a península de Cotentin, partiu para Rennes, e do mesmo modo procedeu o General Karl von Schlieben, da 709.ª divisão. O General Whilhelm Falley, chefe da "dura" 91.ª divisão aerotransportada, preparava-se por seu turno para partir. O Coronel Wilhelm Mayer-Detring, oficial de informações de von Rundstedt, estava de licença e foi impossível encontrar o chefe do estado-maior de uma das divisões, por este ter partido para a caça com a amante francesa *.

* Depois do Dia D, Hitler ficou de tal modo chocado com a coincidência destas partidas simultâneas que fez questão de abrir um inquérito para averiguar se os serviços secretos britânicos não tinham sido em parte responsáveis pelo assunto.

A verdade é que Hitler não estava mais preparado para a ofensiva do que os seus generais. O Führer encontrava-se em Berchtesgaden. O seu ajudante de campo naval, o Almirante Karl Jesko von Puttkamer, lembra-se de que Hitler se levantou tarde, presidiu à conferência diária, ao meio-dia, e almoçou às quatro horas. Tinha consigo, além da amante Eva Braun, alguns altos dignitários nazis e respectivas esposas. Hitler, que era vegetariano, pediu desculpa às senhoras pela falta de carne na refeição e concluiu com o seu comentário usual. "O elefante é o animal mais potente do mundo, e nunca come carne." Depois do almoço, o grupo passeou pelo jardim e nele permaneceu. O Führer bebeu um chá de tília e dormiu uma pequena sesta, teve nova conferência às onze da noite e mandou chamar as senhoras um pouco antes da meia-noite. Se a memória de Puttkamer não falha, foram todos forçados a ouvir quatro horas de Wagner, de Lehar e de Strauss.

Neste momento, enquanto os oficiais responsáveis estavam dispersos pelos quatro cantos da Europa, o Alto Comando Militar alemão decidiu transferir as últimas esquadrilhas da Luftwaffe que estavam na França para pontos donde não poderiam atingir as praias da Normandia. Os aviadores ficaram aterrados.

A razão fundamental desta decisão residiu na necessidade de esquadrilhas para a defesa do Reich, que, de há meses, sofria o ataque incessante dos bombardeiros aliados. Nestas condições, o Alto Comando considerou imprudente deixar estes aviões indispensáveis ficarem expostos

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em terrenos franceses às bombas da aviação aliada. Hitler tinha prometido aos seus generais que um milhar de aviões da Luftwaffe defenderiam as praias no dia do desembarque. Tal plano parecia agora irrealizável. A 4 de junho, havia em todo o território francês apenas cento e oitenta e três caças de dia, dos quais cento e sessenta estavam disponíveis. E destes cento e sessenta foi destacada uma esquadrilha de cento e vinte e quatro, a 26.ª esquadrilha de caça, que abandonou as regiões costeiras durante a tarde.

No seu P.C. de Lille, no setor do 15.° Exército, o Coronel Josef "Pips" Priller, um dos grandes ases da Luftwaffe (tinha noventa e seis vitórias no seu ativo), de pé no meio do terreno, não decolaria. Sobre a sua cabeça roncava uma das esquadrilhas, que se dirigia para Metz. A segunda esquadrilha preparava-se para decolar em direção a Reims. A terceira já partira para o Sul da França.

O comandante da esquadra aérea nada podia fazer além de protestar. Priller era um piloto de sangue quente, conhecido na Luftwaffe pelas suas cóleras súbitas e pelo mau gênio. Tinha fama de dizer das boas aos generais, e quando se cansou de bramar sozinho foi telefonar, para berrar ao comandante de grupo:

— É uma loucura! Se estamos à espera de um desembarque, o lugar das esquadrilhas é na costa, e não longe da frente. Que é que acontece se o inimigo atacar durante a transferência? Tanto o material como o reabastecimento que me são destinados não chegarão às novas bases antes de amanhã ou mesmo depois de amanhã. Estão todos loucos!

— Ouça, Priller — respondeu o comandante de grupo — não podemos admitir a hipótese de um desembarque. O tempo está mau demais!

Priller desligou de forma grosseira. Regressou ao campo, onde tinham ficado dois únicos aparelhos, o seu e o do Sargento Heinz Wodarzyck.

— Que podemos fazer? — disse Priller a Wodarzyck. — Se os outros desembarcam é possível que nos peçam aos dois para repelir o ataque. Mais vale começar por nos embebedarmos rapidamente!

*

Entre os milhões de seres que por toda a Europa esperavam, velavam e

rezavam só um punhado de homens e mulheres sabia que o desembarque estava iminente. Eram ao todo menos de uma dúzia e trabalhavam nas suas ocupações, calmamente, como nos outros dias. Tal calma e aparente indiferença faziam parte das suas funções: eram os chefes da Resistência francesa.

A maioria deles estava em Paris, donde comandavam vastas e complicadas redes. Era na verdade um verdadeiro exército, com postos de

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comando, serviços inumeráveis e uma administração que se ocupava de tudo, desde a coordenação das operações dos sabotadores aliados lançados em pára-quedas, até à espionagem e ao assassínio. Havia comandantes de regiões, comandantes de setores, chefes de seções e milhares de homens e mulheres. Em teoria, esta organização compreendia tantos serviços diferentes que parecia inutilmente complicada. Este caos aparente era intencional. Nele residia a força da Resistência. Os comandos ofereciam uma maior proteção na medida em que se interligavam, as múltiplas redes de ação asseguravam o sucesso de cada operação e o plano geral era tão secreto que os chefes de redes só se conheciam por pseudônimos. Nenhum grupo sabia o que fazia o vizinho. Assim era necessário para que a Resistência sobrevivesse. E mesmo com todas estas precauções, as medidas de represália alemãs eram tais que, em maio de 1944, segundo os cálculos dos chefes, um bom "resistente" só dispunha de seis meses para viver.

Este exército secreto de homens e mulheres lutava em silêncio, há mais de quatro anos, em combates pouco espetaculares mas sempre perigosos. Milhares de "resistentes" haviam sido executados e outros milhares tinham morrido durante a deportação. Mas, embora os da base não o soubessem ainda, o dia para que tinham lutado chegar enfim e a hora por que esperavam soara para todos.

Durante os últimos dias, o Alto Comando da Resistência tinha captado centenas de mensagens em código emitidas pela BBC. Algumas destas mensagens anunciavam a iminência do desembarque, entre elas os primeiros versos do poema de Verlaine Chanson d'Automne, a mesma passagem que os homens do Tenente-Coronel Meyer do 15.ª Exército alemão tinham captado no dia 1." de junho, provando que Canaris dissera a verdade.

Agora, ainda mais sobrexcitados que Meyer, os chefes das redes da Resistência aguardavam febrilmente o segundo verso e outras mensagens que confirmassem as informações já recebidas. Estas não deviam ser difundidas muito antes do desembarque. Mesmo nessa altura, os chefes das redes não ficariam ainda a saber o local exato da ofensiva. Para o conjunto da Resistência, o índice decisivo seria dado quando os Aliados ordenassem a execução do plano de sabotagem pré-organizado. A primeira mensagem, Faz calor em Suez, desencadearia o Plano Verde: a sabotagem das estradas de ferro e do material ferroviário; a segunda, Os dados estão na mesa, desencadearia o Plano Vermelho: a destruição das linhas e cabos telefônicos. Todos os chefes de região, de setor ou de seção tinham sido avisados de que deveriam estar à escuta e aguardar estas mensagens.

Na segunda-feira à noite, véspera do Dia D, a BBC transmitiu, às dezoito horas e trinta, a primeira mensagem:

"Faz calor em Suez... Faz calor em Suez", pronunciou o locutor

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solenemente. Guillaume Mercader, chefe das informações para a zona costeira da

Normandia, entre Vierville e Port-en-Bessin (a zona de Omaha Beach), estava acocorado diante do posto de rádio, que dissimulara na adega do seu armazém de bicicletas, em Bayeux, quando a ouviu. As palavras atordoaram-no. Foi para ele um momento inesquecível. Não sabia ainda quando e onde seria o desembarque, mas ao cabo de tantos anos chegara enfim o dia.

Houve um silêncio, em seguida chegou a segunda mensagem que Mercader aguardava:

"Os dados estão na mesa... Os dados estão na mesa", duas vezes. Seguiu-se uma longa série de mensagens, todas elas repetidas duas

vezes: "O chapéu de Napoleão está na arena... John ama Mary... A Flecha não

passará..." Mercader desligou. Ouvira as duas mensagens que lhe diziam respeito.

As outras destinavam-se a diversas redes, disseminadas por toda a França. Galgou os degraus a quatro e quatro e gritou para a mulher, Madeleine:

— Tenho de sair. Esta noite venho tarde! Em seguida tirou da loja uma bicicleta de corrida e saltou para o selim a

fim de ir prevenir os chefes de seções. Mercader era um antigo corredor ciclista normando, que se distinguira por diversas vezes na Volta à França. Sabia que os alemães não o fariam parar. Tinham-lhe dado um salvo-conduto especial a fim de treinar.

Presentemente, por toda parte, as redes de resistência tomavam conhecimento da notícia através dos seus chefes imediatos. Cada rede tinha o seu próprio plano e sabia o que havia de fazer. Albert Auge, chefe de Caen, devia destruir com os seus homens os depósitos de água da estação e demolir os coletores de vapor das locomotivas. André Farine, proprietário de um café em Lieu-Fontaine, ao lado de Isigny, tinha por missão destruir as comunicações da Normandia: a sua rede de quarenta homens devia cortar o cabo principal da linha telefônica que servia Cherburgo. Yves Gresselin, merceeiro em Cherburgo, tinha a tarefa mais pesada: a destruição com dinamite duma rede de vias secundárias entre Cherburgo, Saint-Lô e Paris. Havia muitos mais. A Resistência ia ter muito que fazer. O tempo corria e a ofensiva só poderia começar de noite. Mas ao longo de toda a costa, entre a Bretanha e a Bélgica, os homens estavam a postos e todos pensavam que o ataque se daria no setor que ocupavam.

Surgiram problemas para certos "resistentes". Na pequena cidade de Grandcamp, na foz do Vire, situada quase a meio caminho das futuras praias de Omaha e Utah, o chefe de seção Jean Marion estava de posse das informações capitais que deviam ser transmitidas para Londres. Perguntava a

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si mesmo o que fazer, para onde enviar a informação. Ao começo da tarde, os seus homens tinham-lhe indicado a chegada de nova bateria antiaérea, apenas a um quilômetro. Para ter a certeza, Marion fora calmamente de bicicleta ver as peças. Mesmo que encontrasse uma patrulha, sabia que poderia passar; entre os numerosos documentos falsos que tinha, dispunha duma carta atestando que ele trabalhava na Muralha do Atlântico.

Marion foi surpreendido pela importância e extensão da unidade. Tratava-se de um grupo de assalto motorizado, equipado com peças antiaéreas pesadas, ligeiras e mistas. Havia cinco baterias, vinte e cinco canhões ao todo, que os alemães dispunham de forma a dominar a região, que ia da foz do Vire às proximidades de Grandcamp. Marion notou que os serventes se apressavam febrilmente a colocar as baterias em posição, como se trabalhassem contra relógio. Esta atividade frenética inquietou Marion. Talvez significasse que o desembarque se viria a dar ali e que os alemães já o sabiam.

Simplesmente, Marion ignorava que as peças cobriam exatamente a rota que os aviões e planadores das 82.ª e 101.ª divisões aerotransportadas deveriam seguir dentro de poucas horas. Contudo, se alguma vez o Alto Comando alemão tinha sido informado da ofensiva, ninguém achara conveniente falar do assunto ao Coronel Werner von Kistowski, comandante do 1.º regimento de defesa antiaérea, que ainda perguntava a si mesmo por que razão a sua unidade de D.C.A., de dois mil e quinhentos homens, fora destacada para aquele local. Mas Kistowski estava habituado a tais movimentos súbitos. Uma vez, a sua unidade tinha sido destacada para o Cáucaso, sozinha. Já nada o espantava.

Passando lentamente de bicicleta diante dos soldados atarefados, Jean Marion procurava febrilmente a solução do seu problema. Como faria chegar a informação capital ao Q.G. secreto de Léonard Gille, comandante-adjunto das informações militares da Normandia, em Caen, a setenta e cinco quilômetros do Vire!... Marion não podia abandonar o setor a que pertencia: tinha muito que fazer. Decidiu portanto arriscar tudo por tudo e transmitir a mensagem, por estafetas, a Mercader em Bayeux. Este processo levaria horas, mas, se ainda fosse a tempo, Mercader havia certamente de conseguir fazer chegar a informação a Caen.

Havia outra coisa de que Marion queria informar Londres. Não era tão importante como a posição das baterias de D.C.A. Simplesmente a confirmação das numerosas mensagens que tinha enviado, durante os últimos dias, sobre as posições previstas, no cimo das enormes falésias da Ponta do Hoc, para as peças pesadas. Marion queria confirmar para Londres que os canhões ainda não haviam sido colocados. Ainda estavam a caminho, a três quilômetros das posições previstas. (Apesar dos esforços desesperados

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de Marion para avisar Londres, no Dia D os "rangers" americanos iam perder cento e trinta e cinco homens dos duzentos e vinte e cinco destacados para a heróica tentativa de reduzir ao silêncio as baterias que jamais foram montadas.)

Para alguns "resistentes", que ignoravam a iminência do desembarque, a terça-feira, 6 de junho, revestia-se de outros aspectos. Para Léonard Gille esse dia coincidiria com uma reunião, em Paris, com os seus superiores. Sentado calmamente num compartimento do comboio de Paris, Gille preparava-se para descarrilar de um momento para o outro, de acordo com o Plano Verde de sabotagem. Mas Gille estava certo de que o desembarque não se daria na terça-feira, pelo menos no seu setor. Se se previsse o desembarque na Normandia, os seus superiores teriam certamente anulado a reunião.

Contudo, a data inquietava-o. Durante a tarde, em Caen, um dos chefes de seção de Gille, filiado num subgrupo comunista, anunciara-lhe categoricamente que o desembarque seria feito na madrugada de 6 de junho. Até à data, as informações deste homem tinham sido sempre exatas. Gille pensava mais uma vez no assunto. Dar-se-ia o caso de receber as informações diretamente de Moscou? Parecia no entanto inconcebível que os russos se arriscassem deliberadamente a fazer falhar o plano aliado fornecendo assim segredos militares. Em Caen, Janine Boitard, noiva de Gille, esperava impacientemente pela terça-feira. Em três anos de resistência ativa, tinha escondido no pequeno apartamento que ocupava num rés-do-chão da Rua Laplace mais de sessenta pilotos aliados. Era um trabalho perigoso e ingrato que lhe punha os nervos em frangalhos. À menor indiscrição, defrontaria o pelotão de execução. Passada a terça-feira respiraria um pouco mais à vontade — até que recolhesse mais um aviador aliado — porque nessa terça-feira Janine devia acompanhar até ao caminho da evasão dois pilotos da R.A.F. abatidos no Norte. Tinham vivido quinze dias em sua casa. Janine esperava continuar a ter sorte.

Outros viram a sorte abandoná-los. Para Amélie Lechevalier, o dia 6 de junho podia significar tudo ou nada. Seu marido, Louis, e ela haviam sido presos pela Gestapo a 2 de junho. Depois de terem ajudado mais de uma centena de aviadores aliados, um dos trabalhadores da quinta denunciara-os. Nesse momento, na cela da prisão de Caen, Amélie Lechevalier, sentada nas tábuas da cama, pensava quando seriam executados, ela e o marido.

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CAPÍTULO XIII Um pouco antes das vinte e uma horas, apareceram ao largo da costa

francesa uns doze pequenos barcos. Progrediam lentamente no horizonte, tão perto da praia que as tripulações podiam distinguir nitidamente as casas normandas. Estes barcos passaram despercebidos. Cumpriram a sua missão e afastaram-se. Eram draga-minas britânicos, a vanguarda da frota mais gigantesca que jamais se reunira.

Na verdade, nesse momento, sulcando as águas cinzentas e encapeladas da Mancha, uma falange de navios dirigia-se rumo à Europa hitleriana: desencadeados, enfim, o poder e a fúria do mundo livre. Chegavam, vaga após vaga, numa frente de trinta quilômetros, cinco mil navios de todos os tipos. Havia transportes de assalto novos e rápidos, cargueiros enferrujados, pequenos paquetes, barcos-correios da Mancha, navios-hospitais, petroleiros antiquados, embarcações de cabotagem e enxames de deselegantes rebocadores. Havia colunas intermináveis de navios de desembarque de fundo chato, pesados e inestéticos, que chegavam a ter mais de cem metros de comprimento. A maior parte deles, como os grandes transportes, trazia também embarcações destinadas a assaltar as praias.

Precedendo os comboios, sobre os quais flutuavam os balões de barragem antiaérea, vinham draga-minas, vedetas, baliza-dores e chalupas a vapor. Esquadrilhas de caça evoluíam sob as nuvens. E envolvendo, protegendo este desfile fantástico de navios carregados de homens, munições, armas, material e víveres, carros de assalto e veículos, estava de guarda uma formidável armada de setecentos navios de guerra*.

* O número exato de navios que compunham a frota de invasão é muito discutido, mas as obras mais dignas de crédito sobre o Dia D, O Ataque Pela Mancha, de Gordon Harrison (historiador militar oficial do Exército americano), e A Invasão da França e da Alemanha, pelo Almirante Samuel Eliot Morison, estão ambas de acordo ao citarem cinco mil. Este número compreende as embarcações de desembarque transportadas pelos navios grandes. Mas na Operação Netuno, o Capitão-de-Fragata Kenneth Edwards, da Royal Navy, indica o número mais reduzido de quatro mil e quinhentos.

Havia o pesado cruzador americano Augusta, arvorando o pavilhão do

Contra-Almirante Kirk, que conduzia as forças americanas — vinte e um comboios — em direção às praias de Omaha e Utah. Quatro meses antes de Pearl Harbour, o Augusta transportara o presidente Roosevelt até uma discreta enseada da Terra Nova, para o primeiro dos seus numerosos e históricos encontros com Churchill. Nos flancos, pavilhão de guerra flutuando ao vento, navegam os couraçados ingleses Nelson, Ramillies e Warspite, os americanos Texas e Arkansas, e o altivo Nevada que os japoneses tinham afundado e pensavam ter destruído em Pearl Harbour.

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À frente dos trinta e oito comboios anglo-canadenses, que se dirigiam para Sword, Juno e Gold, avançava o cruzador Scylla, arvorando o pavilhão do Contra-Almirante Sir Philip Vian, o homem que perseguira o couraçado alemão Bismarck, levando ao lado um dos mais célebres cruzadores ligeiros da Inglaterra, o Ajax, um dos três navios que tinham contribuído para a perda, na baía de Montevidéu, depois da batalha do Rio da Prata, em dezembro de 1939, do orgulho da frota alemã, o Graf von Spee. Viam-se ainda outros cruzadores célebres — os americanos Tuscaloosa e Quincy, os britânicos Enterprise e Black Prince, o francês Georges-Leygues — vinte e dois ao todo.

Os comboios eram enquadrados por uma variedade infinita de barcos, chalupas graciosas, corvetas pesadas, canhoneiras esguias como a holandesa Soemba, vedetas rápidas, caçadores de submarinos e, por toda parte, esbeltos destroyers. Além dos ingleses e americanos, havia os canadenses Qu'Appelle, Saskatchewan e Ristigouche, o norueguês Svenner e até um polaco, o Poiron.

Lentamente, pesadamente, esta frota extraordinária atravessava a Mancha, segundo um horário elaborado de forma jamais tentada. Os navios largavam dos portos da Grã-Bretanha, costeavam o litoral através de canais, e convergiam para o local de concentração, ao sul da Ilha de Wight. Fazia-se então uma seleção e cada barco incorporava-se num comboio, a fim de rumar em direção às respectivas praias, seguindo um trajeto balizado com bóias. Destes percursos, cinco partiam do ponto de concentração, que sem demora fora batizado de "Piccadilly Circus". Ao largo da costa da França, estes cinco trajetos dividiam-se em dez caminhos, dois para cada praia, um reservado para a navegação rápida e o outro para o tráfego lento. Logo atrás da vanguarda dos draga-minas, couraçados e cruzadores, eriçavam-se, de antenas de radar e rádio, cinco transportes de assalto. Estes P.C. flutuantes seriam os centros nervosos da expedição.

Para onde quer que se olhasse, viam-se navios, grandes e pequenos. As tripulações e as tropas falam ainda desta armada como do espetáculo "mais impressionante, mais inesquecível" jamais contemplado. Os homens, embora ainda estivessem inquietos, pareciam menos tensos. Agora, toda a gente tinha pressa de que aquilo começasse e acabasse. Dentro dos transportes e embarcações de fundo chato, escreviam cartas à última hora, jogavam cartas, discutiam com azedume. O Major Thomas Spencer Dallas, da 29.ª divisão, recorda com humor que "os capelães faziam magníficos negócios".

A bordo de um navio de desembarque superlotado, um padre, o Capitão Lewis Fulmer Koon, capelão do 12.° regimento de infantaria pertencente à 4.ª divisão, viu-se promovido a pastor de todos os credos. Um oficial judeu, o Capitão Irving Gray, perguntou ao capelão Koon se quereria dirigir as

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orações de toda a companhia, "ao Deus em que todos acreditamos, judeus, protestantes e católicos, para que a nossa missão seja cumprida e para que, se Ele assim o quiser, voltemos todos sãos e salvos aos nossos lares". Koon acedeu com agrado. E ao tombar do crepúsculo, a acreditar nas recordações do quartel-mestre artilheiro William Sweeney, a bordo duma vedeta dos Coast Guarás, o transportador Samuel Chase transmitiu por sinais ópticos: "Vai-se dizer missa".

A maioria dos homens passou as primeiras horas de viagem com calma. Numerosos foram os que se debruçaram sobre o passado e revelaram coisas que os homens geralmente guardam para si. Depois, centenas deles confessaram que não tinham medo de reconhecer o seu terror, e de falar sem vergonha dos assuntos mais íntimos. Durante esta estranha noite aproximara-se uns dos outros e confiaram-se a homens que nunca tinham visto. Na ponte molhada e escorregadia do seu barco, o soldado Earlston Hern, do 146.º batalhão de engenharia, conversou com um major médico, de quem nunca veio a saber o nome, e relata-nos a conversa íntima que tiveram:

— O "doutor" tinha aborrecimento em casa. A mulher, que era manequim, queria divorciar-se. Estava muito preocupado, coitado. Dizia que ela devia esperar que ele voltasse. Lembro-me também que, a nosso lado, estava um miúdo que trauteava sozinho. 0 garoto notou que estava a cantar melhor do que nunca e isso parecia dar-lhe muito prazer.

A bordo do Empire Anvil, um novo recruta, o soldado de segunda-classe Joseph Steinber, de Wisconsin, aproximou-se dum veterano dos desembarques no Norte da África, na Sicília e na Itália, o Cabo Michael Kurtz, da 1.ª divisão americana, e perguntou-lhe:

— Achas que temos na verdade alguma probabilidade de nos safarmos? — Quê? Claro que sim, amigo! Nunca devemos pensar que nos podemos

deixar matar. Nesta companhia, só nos inquietamos com a batalha quando estamos no banho.

O Sargento Bill Petty, do 2.° batalhão de "rangers", começava a ficar seriamente inquieto. Estava sentado com um amigo, o soldado Bill Mac Hugh, na ponte do velho paquete da Mancha Isle of Man, e contemplava o céu encoberto. A formidável escolta de navios que os rodeava não o tranqüilizou. O pensamento voava-lhe para as falésias da Ponta do Hoc. Petty voltou-se para Mac Hugh e disse-lhe:

— Não temos a menor probabilidade de voltarmos vivos. — És um chato e um pessimista — replicou Mac Hugh. — Talvez seja, mas só um de nós vencerá. Mas, sou eu que te digo. Mac Hugh não se deixou impressionar: — Quando é preciso ir — disse simplesmente — vai-se mesmo. Alguns tentavam ler. 0 Cabo Alan Bodet, da 1.ª divisão, começou a ler o

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Kings Row, de Henry Bellamann, mas tinha dificuldade em se concentrar na leitura por estar preocupado com o seu jipe. Seria suficientemente estanque, quando o conduzisse através de mais de um metro de água? O artilheiro Arthur Henry Boon, da 3.ª divisão canadense, a bordo de um navio carregado de tanques, tentava terminar a leitura de um livro de bolso de título aliciante: Uma Jovem e Um Milhão de Homens. 0 capelão Lawrence E. Deery, da 1.ª divisão, a bordo do transporte Empire Anvil, ficou estupefato ao ver um oficial da marinha britânica a ler as Odes, de Horácio, em latim. Mas o próprio Deery, que devia desembarcar em Omaha na primeira vaga de assalto com o 18.° regimento de infantaria, passou a noite a ler a Vida de Miguel Ângelo, de Symond. Em outro comboio, a bordo dum barco que balançava de tal modo que toda a gente estava enjoada, o Capitão James Douglas Gillan, um canadense, abriu o único volume apropriado para essa noite. Para acalmar os nervos excitados, e os dum companheiro de armas, leu em voz alta o Salmo 23: "O Senhor é o meu pastor; nada me faltará..."

Nem todos estavam tão solenes. Também havia alegria e despreocupação. A bordo do transporte Ben Manchree, alguns "rangers" prenderam largos cabos aos mastros e começaram a trepar por toda parte, como macacos, para grande espanto da tripulação inglesa. A bordo de outro navio, diversos canadenses da 3.ª divisão deram um espetáculo teatral, com recitação de vários poemas, sortes de prestidigitação, malabarismos e coros. O Sargento James Percival "Paddy" de Lacy, do King's Regiment, emocionou-se de tal modo ao ouvir a Rose de Tralee tocada em gaita-de-foles, que esqueceu onde se encontrava, levantou-se e fez um brinde a Eamon de Valera, "que nos evitou a guerra".

Muitos homens, que tinham passado horas a perguntar a si próprios se escapariam vivos, esperavam agora com impaciência o momento de pôr pé na praia. A travessia revelava-se ainda mais terrível do que o terror que tinham dos alemães. O enjôo atacara os cinqüenta e nove comboios como uma peste, sobretudo a bordo dos navios de desembarque, que eram horrorosamente sacudidos. Todos os homens se tinham servido dos comprimidos contra o enjôo, e ainda de um artigo que era designado nas folhas de embarque em termos precisos, característicos do Exército: Saco para vomitar, um.

Tudo fora previsto, mas este "tudo" revelava-se insuficiente. — Os sacos para vomitar estavam cheios, os bonés estavam cheios, a

areia dos baldes de incêndio tinha sido despejada e estes estavam cheios — lembra o Sargento William James Wiedefeld, da 29.ª divisão. — Não havia processo de se conseguir ficar de pé nas pontes de aço e, por toda parte, ouviam-se tipos que diziam: "Tanto pior se tivermos de ser mortos, mas que nos tirem destas malditas banheiras".

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Em certos barcos, os homens estavam tão doentes que ameaçavam — mais para "marcar uma atitude" do que a sério, sem dúvida — lançar-se ao mar. O soldado de segunda-classe Gordon Laing, da 3.ª divisão canadense, agarrou-se de tal forma à cintura de um camarada que este teve de lhe suplicar que o largasse. Um voluntário do Royal Marines, o Sargento Russel John Wither, lembra-se de que, no barco em que seguia, os famosos sacos tinham ficado todos cheios e só restava um, que andava de mão em mão.

O enjôo fez com que os homens perdessem a melhor refeição dos últimos meses. Tinham sido tomadas providências de modo a servir aos homens a melhor cozinha possível. Os cardápios especiais, a que os soldados chamaram a "refeição do condenado", variavam de barco para barco, assim como os apetites. A bordo do transporte de assalto Charles Carroll, o Capitão Carrol B. Smith, da 29.ª divisão, comeu um enorme bife, com dois ovos a cavalo, seguindo-se um sorvete de baunilha e compotas. Duas horas mais tarde, empurrava toda a gente para correr até à amurada. O alferes Joseph Rosenblatt, do 112.° batalhão de engenharia, serviu-se por três vezes de bouchés à la reine e sentiu-se bem, assim como o Sargento Keith Bryan, da 5.ª brigada especial de engenharia. Devorou sanduíches e café e declarou que ainda tinha fome. Um dos seus camaradas surrupiou da despensa uma lata com cinco litros de salada de frutas e comeram-na entre quatro.

A bordo do Prince Charles, o Sargento Avery J. Thornhill, da 5.ª divisão de "rangers", evitou todos os inconvenientes. Engoliu de um só trago toda a ração de comprimidos contra o enjôo e dormiu profundamente durante toda a travessia.

A despeito dos males e medos, as recordações de todos estes homens mantêm-se espantosamente vivas. O alferes Donald Anderson, da 29.ª divisão, lembra-se de que o raio de sol que atravessou as nuvens, aproximadamente uma hora antes do anoitecer, iluminou toda a frota. Em honra do Sargento Tom Ryan, da 2.ª divisão de "rangers", os homens da companhia F rodearam-no e cantaram o Parabéns a Você. Tinha vinte e dois anos. E, para o simples soldado de dezenove anos Robert Marion, da 1.ª divisão, que sentia saudades da terra natal, cantaram Uma noite sonhada para descer de barco o Mississipi.

Por toda parte, a bordo de cada navio da imensa frota, os homens que, de madrugada, iam escrever uma página da História, acomodaram-se o melhor que podiam, para descansarem um pouco. Quando se enroscou nos cobertores, o comandante Philippe Kieffer, do único comando francês, lembrou-se da oração de Sir Jacob Astley na batalha de Edgehill, em 1642:

— Meu Deus — rezou Kieffer — Vós sabeis que hoje vou ter muito que fazer. Se eu Vos esquecer, meu Deus, não Vos esqueçais de mim...

Puxou o cobertor até ao queixo e adormeceu quase imediatamente.

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*

Passava um pouco das vinte e duas horas e quinze quando o Tenente-

Coronel Meyer, chefe da contra-espionagem do 15.° Exército alemão, saiu a correr do gabinete. Tinha na mão a mais importante das mensagens que os alemães haviam interceptado, durante toda a segunda guerra mundial. Meyer sabia agora que o desembarque se daria nas próximas quarenta e oito horas. De posse de tal informação, ainda podiam rechaçar os Aliados de novo para o mar. A mensagem transmitida pela BBC à Resistência francesa era a continuação do poema de Verlaine:

Blessent mon coeur d'une langueur monotone. Meyer irrompeu pela sala de jantar onde o General Hans von Salmuth,

comandante do 15.ª Exército, jogava bridge com o chefe do estado-maior e outros dois oficiais. Ofegante, Meyer gritou-lhe:

— Meu general! A mensagem! A segunda parte! Foi transmitida! Von Salmuth refletiu um instante, em seguida deu ordem para que todo o

15.ª Exército estivesse alerta. Enquanto Meyer se apressava em fazer cumprir a ordem, von Salmuth retomou as cartas e murmurou:

— Sou um macaco velho e não vou excitar-me só por isto. Uma vez de volta ao gabinete, Meyer e os seus subordinados deram

imediatamente o alerta para o Q.G. de von Rundstedt por telefone. Este, por seu turno, preveniu a OKW. Todos os outros setores foram simultaneamente informados por tele-tipo.

E, uma vez mais, o 7.° Exército não foi avisado*. A frota aliada levaria ainda quatro horas para atingir as zonas de desembarque ao largo da costa normanda; dentro de três horas, dezoito mil homens desceriam de pára-quedas sobre os campos e caminhos sinuosos, no meio do silêncio noturno — no coração de uma zona ocupada pelo único exército alemão que não tinha sido avisado do Dia D.

* Todas as horas indicadas neste livro representam a hora de verão inglesa, adiantada uma hora em relação à hora alemã. Assim, para Meyer, eram vinte e uma horas e quinze quando interceptou a mensagem. A título documental, eis o texto exato do teletipo enviado às várias regiões, tal como figura nos arquivos do 15.° Exército: "Teletipo n. 2117/26. Urgente, para os 67.°, 81.°, 82.° e 89.° corpos, governadores militares da Bélgica e do Norte da França; grupo de Exércitos B; 16.a divisão D.C.A.; Almirantado da Mancha; Luftwaffe da Bélgica e Norte da França. Mensagem da B.B.C., 2.115, 5 de junho ser-vos-á transmitida. Segundo as nossas informações, quer dizer "Preparem-se para desembarque nas próximas quarenta e oito horas, a contar das 00 horas de 6 de junho".

De notar que nem o 7.° Exército, nem o 84.° corpo figuram nesta lista. Meyer não tinha que os prevenir. Tal responsabilidade cabia ao Q.G. de Rommel, visto estas unidades fazerem parte do grupo de Exércitos B. Contudo, o maior mistério reside na razão pela qual a O.B. West não considerou conveniente dar o alarme a todas as forças alemãs na frente do Atlântico, da Holanda até à Espanha. O mistério aumenta quando se pensa que no fim da guerra os alemães pretenderam ter interceptado e interpretado corretamente mais de quinze mensagens relacionadas com o Dia D. As mensagens Verlaine foram as únicas que encontrei nos arquivos alemães.

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*

O soldado de segunda classe Arthur B. Schultz, conhecido por Dutch, da

82.ª divisão aerotransportada, encontrava-se a postos. Como toda a gente no campo de aviação, estava equipado para saltar, segurando no braço direito um pára-quedas. A cara estava enegrecida com carvão de madeira; o crânio, co mo o de todos os pára-quedistas nessa noite, estava rapado à iroquês, com um pequeno tufo de cabelos no cimo do occipital. Tinha à volta o seu material. Estava a postos. Dos dois mil e quinhentos dólares que ganhara algumas horas antes, só lhe restavam vinte.

Os homens esperavam agora pelos caminhões que os conduziriam aos aparelhos. O soldado Gerald Columbi, amigo de Dutch, abandonou uma partida de dados que continuava num canto e correu para Dutch:

— Empresta-me depressa vinte dólares! — Para quê? Se calhar vais-te matar! — Toma, dou-te isto — respondeu Columbi tirando o relógio. — Está bem, pronto — disse Dutch, e deu-lhe os últimos vinte dólares. Columbi precipitou-se de novo para o jogo. Dutch olhou para o relógio;

era de ouro e no interior tinha gravado o nome de Columbi e uma inscrição de seus pais. Nesse momento alguém gritou:

— Até que enfim! Vamos partir! Dutch pegou no equipamento e, com os outros pára-quedistas, deixou o

hangar. Ao subir para o caminhão, passou junto a Columbi e devolveu-lhe o relógio:

— Toma lá. Não preciso de dois. Dutch só tinha agora o rosário que a mãe lhe mandara. Decidira por fim

levá-lo consigo. Os caminhões rodaram lentamente em direção aos aviões. Por toda a Inglaterra, as tropas aerotransportadas subiram para os aviões

e planadores. Os aviões que transportavam exploradores, encarregados de balizar as zonas de descida dos pára-quedistas, já tinham decolado. Na 101.ª divisão aerotransportada, em Newbury, o comandante-chefe supremo, Dwight D. Eisenhower, com um pequeno grupo de oficiais e quatro correspondentes de guerra, via os primeiros aparelhos entrarem na pista de decolagem. Tinha passado mais de uma hora a falar aos homens e preocupava-se mais com a operação aerotransportada do que com todas as outras fases da ofensiva. Alguns dos seus oficiais generais pensavam que este ataque teria o saldo de oitenta por cento de perdas.

Eisenhower despedira-se do General Maxwel D. Taylor, comandante da 101.ª divisão, que levava os seus homens para a batalha. Taylor afastara-se a passos rápidos, as costas muito direitas. Não queria que o comandante

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supremo soubesse que tinha rasgado um ligamento do joelho direito a jogar ao squash, na tarde desse próprio dia. Eisenhower seria capaz de o impedir de partir.

Eisenhower via agora os aparelhos rodarem lentamente sobre a pista de decolagem e elevarem-se no ar, vagarosamente, um a um, para desaparecerem na noite. Descreveram um circulo sobre o campo de aviação e dispuseram-se em formação. ' De mãos nos bolsos, Eisenhower levantou os olhos para o céu negro. E, enquanto a enorme formação roncava ainda sobre o campo antes de se dirigir para a França, o correspondente Red Mueller, da NBC, voltou-se para o comandante supremo. Eisenhower tinha os olhos rasos de lágrimas.

Alguns minutos mais tarde, na Mancha, as tropas de invasão ouviram o roncar dos aviões. O barulho intensificou-se; passaram, vaga após vaga. As formações levaram muito tempo a desfilar. Em seguida o trovão dos motores ensurdeceu. Na passerelle do Herndon, o guarda-marinha Bartow Farr, os oficiais de quarto e Tom Wolf, correspondente da NEA, levantavam a cabeça, de olhos fixos nas trevas, a garganta cerrada, incapazes de pronunciar uma palavra. E depois, quando a última formação lhes passou por cima, uma luz ambarina cintilou por entre as nuvens, em direção à frota. Lentamente, transmitiu em morse: três pontos, um traço — V de Vitória.

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SEGUNDA PARTE - A Noite CAPÍTULO I O LUAR inundava o quarto. Mme Angèle Levrault, uma professora de

sessenta anos, de Sainte-Mère-1'Êglise, abriu lentamente os olhos. Em frente à cama deslizavam vagarosamente traços luminosos vermelhos e brancos. Mme Levrault sentou-se do leito e olhou fixamente. As luzes cintilantes pareciam escorrer pela parede.

Ao acordar melhor, a velha senhora compreendeu que estava olhando para os reflexos difundidos pelo espelho grande do roupeiro. Nesse momento ouviu ao longe o roncar surdo dos aviões, das explosões abafadas e do estalar seco dos obuses da D.C.A. Precipitou-se para a janela.

Ao longe, na direção da costa, viu very-lights, estranhamente suspensos no céu como balões. As nuvens estavam debruadas de vermelho. Ao longe viam-se repuxos de fogo rosa-vivo e os rastos laranja, verdes e amarelos das balas tracejantes. Mme Levrault pensou que Cherburgo, a trinta e cinco quilômetros de distância, estava ainda sendo bombardeada e congratulava-se por viver na pequena e tranqüila aldeia de Sainte-Mère-1'Église.

A professora calçou os sapatos e vestiu um roupão, atravessou a cozinha e desceu ao jardim, para ir às "privadas". O jardim estava absolutamente calmo. O luar e os very-lights iluminavam como em pleno dia. Os campos vizinhos, ladeados de sebes vivas, estendiam-se, plácidos e tranqüilos, cortados por sombras alongadas.

Mal dera alguns passos pelo jardim, ouviu os aviões aproximarem-se, dirigindo-se precisamente para a aldeia. De súbito todas as baterias da D.C.A. da região entraram em ação. Aterrorizada, Mme Levrault correu a refugiar-se debaixo de uma árvore. Os aviões chegavam rapidamente, voando baixo, rodeados de explosões de obuses. O barulho tornava-se ensurdecedor. Depois, quase de repente, o roncar dos motores calou-se, os tiros cessaram e, como se nada tivesse acontecido, tudo recaiu no silêncio.

Foi então que a velha senhora ouviu um murmúrio estranho, vindo do céu, por cima dela. Levantou os olhos. Qual imenso nenúfar, viu um pára-quedas com qualquer coisa volumosa a balançar-se por baixo. Durante um segundo, a lua foi coberta por uma sombra e o soldado Robert M. Murphy, do 505.º regimento da 82.ª divisão aerotransportada, caiu com um baque surdo a vinte metros da velha senhora, dando uma cambalhota no jardim. Mme Levrault ficou presa ao chão*.

* Na qualidade de correspondente de guerra, entrevistei Mme Levrault em junho de 1944. Ignorava

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tudo sobre o homem e a unidade a que ele pertencia, mas mostrou-me três carregadores de metralhadoras, ainda metidos nas respectivas caixas, que o pára-quedista deixara cair. Em 1958, quando comecei a escrever este livro e interroguei todos os participantes do Dia D que pude encontrar, só consegui falar com uma dúzia dos primeiros exploradores americanos. Um deles, M. Murphy, que é atualmente um eminente advogado em Boston, disse-me que, "depois de ter tocado no solo, tirei da bota a faca de mato e desembaracei-me do pára-quedas. Sem dar por isso, cortei os cordões dum saco de pano que continha trezentos cartuchos". O relato de Murphy corroborava portanto o que Mme Levrault me fizera quatorze anos antes.

Com um gesto rápido, o pára-quedista, de dezoito anos, tirou uma faca

da bota, desembaraçou-se do pára-quedas, apanhou um grande saco e levantou-se. Foi então que viu Mme Levrault. A idosa senhora franzia os olhos e achava o jovem pára-quedista estranho e assustador. Era alto e magro e a pintura de camuflagem que lhe mascarava a cara acentuava-lhe as maçãs e o nariz. Vacilava sob o peso do equipamento e das armas. Depois, enquanto a velha senhora se mantinha atordoada incapaz de fazer um gesto, a estranha aparição pousou um dedo sobre os lábios, intimando-a a guardar silêncio, e desapareceu. Só então Mme Levrault recuperou os movimentos. Arregaçando a comprida camisola, correu para casa como uma louca. Acabava de ver um dos primeiros americanos que desceram na Normandia. Eram zero horas e quinze, da terça-feira, dia 6 de junho de 1944. O Dia D fora iniciado.

Por toda a região tinham saltado pára-quedistas, alguns duma altura de cem metros apenas. A missão desta vanguarda, pequeno grupo de corajosos voluntários, consistia em balizar as "zonas de aterragem" numa área de oitenta quilômetros quadrados na península de Cotentin, atrás da praia de Utah, para as 82.ª e 101.ª divisões aerotransportadas. Tinham treinado num campo especial, sob a direção do General James M. Gavin.

— Quando vocês saltarem na Normandia — dissera-lhes — terão um só amigo: Deus Nosso Senhor.

Tinham ordem para evitar encrencas a todo custo. O sucesso da missão dependia da rapidez e silêncio com que agissem.

Mas, desde o início, foram os exploradores submergidos pelas encrencas. Mergulharam em pleno caos. Os Dakotas apareceram com tal velocidade que ao princípio os alemães tomaram-nos por caças. Surpreendidas pela rapidez do ataque, as baterias da D.C.A. abriram fogo ao acaso, enchendo o céu de balas e explosões de obuses. Enquanto descia lentamente, o Sargento Charles Assay, da 101.ª divisão, contemplava com grande desprendimento "os graciosos arcos multicores das balas que vinham de terra". O espetáculo lembrava-lhe os fogos de artifício do 4 de junho. Achou "realmente muito bonito".

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Todo o alto comando alemão esperava que o ataque se desenvolvesse na

direção marcada pela flecha. Este mapa foi composto a partir de desenhos do chefe do estado-maior de von Rundstedt, General Gunther Blumentritt.

O mapa de Blumentritt mostra claramente as razões por que

aguardavam um desembarque no Pas-de-Calais: era o ponto mais próximo da fronteira alemã.

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No momento preciso em que o soldado Delbert Jones ia saltar, o

aparelho em que seguia foi rudemente atingido. A granada esborrachou-se sem fazer grandes estragos, mas por pouco não atingia Jones. E quando o soldado Adrian Doss caiu, sobrecarregado com um peso de mais de cinqüenta quilos de material, ficou horrorizado ao ver-se rodeado de balas trace-jantes. Estas cruzavam-se-lhe por cima da cabeça e Doss sentiu os puxões do pára-quedas quando a seda foi esfarrapada. Autêntico rosário atravessou o equipamento que lhe pendia à frente. Por milagre, Doss não foi atingido, mas a sacola ficou com enorme buraco "pelo qual tudo pirou".

A intensidade da barreira da D.C.A. foi tal que diversos aparelhos manobraram de forma a esquivar-se. Dos cento e vinte exploradores, somente trinta e oito aterraram nos locais indicados. Os outros ficaram dispersos por quilômetros de distância. Foram parar em campos, jardins, ribeiros e pântanos. Esmagaram-se nas árvores, nas sebes e nos telhados. Estes homens eram na maioria veteranos, mas não ficaram menos desorientados quando tentaram reconhecer o local. Os campos eram menores, as sebes mais altas, os caminhos baixos mais estreitos do que os que tinham estudado durante meses em maquetas. Durante os primeiros minutos, os homens agiram de forma estranha e por vezes perigosa. O soldado de primeira-classe Frederick Wilhelm estava tão confuso ao tocar terra que, esquecendo que se encontrava atrás das linhas inimigas, carregou no botão de uma das enormes balizas luminosas que transportava, para ver se ainda funcionava. E funcionava. O campo iluminou-se de repente; Wilhelm teve tanto medo como se o inimigo tivesse aberto fogo sobre ele. O Capitão Frank Lillyman, chefe das equipes da 101.ª divisão, por pouco não revelou a sua posição. Caiu num campo e encontrou-se frente a frente com um enorme vulto negro que, na escuridão, se precipitou sobre ele. Ia atirar, quando o corpo se revelou com um surdo mugido.

Se se assustaram a si mesmos e se atemorizaram os normandos, os exploradores também surpreenderam e aterrorizaram os poucos alemães por quem foram vistos. Dois pára-quedistas caíram mesmo diante do P.C. do Capitão Ernst Düring, da 352.ª divisão alemã, a mais de oito quilômetros do ponto de descida previsto. Düring, que comandava uma companhia de metralhadoras pesadas, acantonada em Brevands, tinha sido acordado pelos foguetões, pelos aviões e pela D.C.A. Saltou da cama, vestiu-se com tanta precipitação que trocou as botas (do que só se apercebeu no fim do Dia D) e saiu para fora, onde distinguiu a alguns metros duas silhuetas humanas. Acenou-lhes mas não obteve resposta. Abriu fogo imediatamente e varreu a rua com a metralhadora Schmeisser. Os dois exploradores que estavam bem treinados não se atreveram a ripostar. Evaporaram-se na noite e

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desapareceram. Düring precipitou-se novamente para o P.C. e chamou o comandante do batalhão:

— Fallschirmjaeger! — ofegou ao telefone. — Fallschirmjaeger! (Pára-quedistas!)

Outros exploradores tiveram menos sorte. No momento em que o soldado Robert Murphy, da 82.ª divisão, saía do jardim de Mme Levrault arrastando o saco (que continha um radar portátil) a fim de se dirigir à zona em que deveria ter caído, ao norte de Sainte-Mère-1'Église, ouviu um tiroteio súbito vindo da direita. Saberia mais tarde que um amigo seu, o soldado Leonard Devorchak, tinha então sido morto. Devorchak, que julgara "ganhar uma condecoração, quanto mais não fosse para provar do que era capaz", foi, sem dúvida, o primeiro americano morto no Dia D.

Por todos os arredores, os exploradores tentavam orientar-se, do mesmo modo que Murphy. Deslizavam silenciosamente de sebe em sebe, horrorosos à vista, desajeitados dentro dos pesados uniformes, vacilando sob o peso das armas, das minas, das munições, dos postos de radar, dos painéis fluorescentes, procurando os pontos de reunião. Dispunham apenas de uma hora para balizar as zonas onde o grosso das tropas aerotransportadas devia desembarcar à uma hora e quinze.

A oitenta quilômetros, na parte leste da Normandia, chegavam à costa seis aviões carregados de exploradores ingleses e seis bombardeiros da R.A.F. rebocando planadores. À sua frente, o céu reluzia de obuses e balas tracejantes, trovejava e ribombava, sob as espetaculares girândolas de very-lights. Na pequena aldeia de Ranville, a alguns quilômetros de Caen, um rapazinho de onze anos, Alain Doix, também vira os foguetões. Fora acordado pelo bombardeio e olhava agora, transfigurado, como acontecera a Mme Levrault, o reflexo multicor que cintilava no espaldar de cobre da cama. Sacudiu a avó, Mathilde Doix, que dormia a seu lado.

— Vovó! Vovó! Acorda! Parece que está acontecendo alguma coisa! Nesse instante, o pai de Alain, René Doix, irrompeu pelo quarto. — Levantem-se depressa! Vistam-se! Acho que vai começar a dança! Da janela, pai e filho puderam ver os aviões que sobrevoavam os campos

vizinhos, mas de súbito René Doix notou que os aviões não faziam qualquer ruído. De repente, compreendeu e exclamou:

— Santo Deus! Não são aviões! São planadores! Como enormes morcegos, os seis planadores, transportando cada um

cerca de trinta homens, desciam em silêncio. Tinham sido largado sobre a costa, a cerca de oito quilômetros de Ranville, a uma altitude de mil e quinhentos a dois mil metros, e dirigiam-se agora para dois braços de água paralelos, que brilhavam ao luar, o canal de Caen e o Orne. Duas pontes bem guardadas, uma a seguir à outra, transpunham os dois cursos de água, entre

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Ranville e Bénouville, e constituíam os objetivos deste pequeno grupo da 6.ª divisão de infantaria aerotransportada britânica, composta por voluntários pertencentes a unidades tão famosas como o Oxfordshire e Buckinghamshire Light Infantery e os Royal Engineers. A perigosa missão que lhes fora destinada consistia em ocupar as referidas pontes e aniquilar as respectivas guarnições. Cortariam assim uma das principais vias de comunicação entre Caen e o mar, impedindo que os reforços e blindados alemães viessem do leste para atacar de flanco as forças de invasão anglo-canadenses. Estas pontes eram indispensáveis para permitir alargar a zona de desembarque e urgia conquistá-las intactas, antes de os guardas terem tempo de as fazer ir pelos ares. A surpresa impunha-se. Assim, os ingleses tinham imaginado uma estratégia audaciosa e arriscada. Os homens, que se tinham dado os braços e retinham a respiração, nos planadores que murmuravam suavemente na clara noite de junho, preparavam-se para aterrar brutalmente sobre as entradas das pontes.

O soldado Bill Gray, que seguia a bordo de um desses três planadores, cerrou os olhos e inteiriçou-se para resistir ao choque. O silêncio era impressionante. Os alemães não disparavam. O único barulho era o do vento soprando ao longo de enorme engenho. Junho à porta, pronto a abri-la no momento em que o planador aterrasse, estava o Major John Howard, que dirigia o ataque. Gray lembra-se de que o seu chefe de seção, o Tenente H. D. Brotheridge, conhecido por Danny, teve tempo para gritar:

— É agora, rapazes! Seguiu-se o estrondo da aterrissagem, o esmagamento ensurdecedor. A

parte inferior da fuselagem rasgou-se, do cockpit voaram estilhaços, e o pesado planador, qual caminhão louco, atravessou o solo semeando faíscas. Após um último e aterrorizante balanço o aparelho estacou, como disse Gray, "com o focinho nos arames farpados, quase sobre a ponte". Alguém clamou:

— Vamos, rapazes! Os homens saltaram para terra, atropelaram-se à porta, caindo e

levantando-se na terra branda. Quase na mesma altura, a alguns quilômetros, os dois outros planadores aterraram e vomitaram o resto do grupo de assalto. Todos se precipitaram para a ponte. Foi um inferno. Os alemães, surpreendidos, ficaram desorientados. Explodiram granadas dentro dos abrigos. Os que dormiam, acordaram em sobressalto e encontraram-se frente a frente com metralhadoras Sten. Outros, ainda meio adormecidos, lançaram-se sobre as espingardas e metralhadoras que possuíam e começaram a disparar ao acaso, sobre as silhuetas difusas que pareciam ter nascido do solo como por magia.

Enquanto um grupo reduzia a resistência à entrada da ponte, Gray e

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cerca de quarenta homens, conduzidos pelo Tenente Brotheridge, atravessavam-na a passo de carga, a fim de se apoderarem da outra extremidade, a mais importante. A meio caminho, Gray viu uma sentinela alemã segurando na mão direita uma pistola Very, pronta a disparar um foguete de alarme. Foi o último gesto desse corajoso soldado. Gray disparou a metralhadora à altura da anca e pensa que todos os seus companheiros fizeram o mesmo. A sentinela caiu no momento preciso em que o foguete se incendiava acima da ponte.

O alarme, destinado sem dúvida aos alemães de guarda na ponte sobre o Orne, a algumas centenas de metros mais longe, vinha demasiado tarde. A guarnição já tinha sido facilmente reduzida, embora o assalto só tivesse sido feito por dois planadores, tendo o terceiro aterrado dez quilômetros mais longe, na margem do Dives. As duas pontes foram conquistadas simultaneamente. Surpreendidos pela rapidez do ataque, os alemães não tiveram sequer possibilidades de se defender. É curioso notar que, mesmo que para isso tivessem tido tempo, não poderiam fazer saltar as pontes. Tinham preparado tudo, mas os explosivos ainda não haviam sido colocados. Os sapadores britânicos descobriram-nos numa cabana próxima.

O estranho silêncio que se segue sempre a uma batalha surpreendeu os homens, aturdidos com a rapidez dos acontecimentos, espantados por ainda estarem vivos e cada um perguntando a si mesmo quem mais teria sobrevivido. O jovem Gray, feliz pela sua participação no ataque, apressou-se a procurar o chefe de seção, Danny Brotheridge, que tinha visto dirigir o ataque sobre a ponte. Mas havia mortos, e entre eles o tenente de vinte e oito anos. Gray descobriu o corpo de Danny diante de um pequeno café, junto à ponte sobre o canal. "Tinha um ferimento na garganta — relata Gray — sem dúvida causado por uma granada de fósforo. A blusa ainda fumegava."

A pouca distância dum pillbox capturado, o saldo de primeira classe Edward Tappenden enviou o sinal de vitória. Com a boca colada ao microfone do seu walkie-talkie, repetiu infatigavelmente a mensagem em código:

— Ham and jam... Ham and jam... Ham and jam... (Presunto e geléia). Tinha terminado a primeira batalha do Dia D. Não durara mais de um

quarto de hora. O Major Howard e os seus cento e cinqüenta homens, aquartelados atrás das linhas inimigas, cortadas provisoriamente de todo e qualquer reforço, preparavam-se para conservar estas pontes indispensáveis.

Pelo menos, sabiam onde estavam. O mesmo não se poderia dizer da maior parte dos sessenta pára-quedistas exploradores que haviam saltado de seis bombardeiros ligeiros às 0:20 horas, no momento preciso em que os planadores de Howard aterravam.

Estes homens tinham a seu cargo uma das mais perigosas missões do Dia

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D. Constituíam a vanguarda da 6.ª divisão aerotransportada britânica e tinham-se oferecido como voluntários para saltar sobre o desconhecido e delimitar três zonas de aterragem a oeste do Orne com balizas luminosas, radares e outros aparelhos de precisão. Tais zonas, localizadas num retângulo de cerca de trinta quilômetros quadrados, situavam-se junto a três pequenas aldeias — Varanville, a menos de cinco quilômetros da costa; Ranville, não longe das pontes agora ocupadas por Howard e seus homens; e Touffréville, aproximadamente a oito quilômetros a leste de Caen. Às zero horas e cinqüenta, os pára-quedistas ingleses começaram a descer. Os exploradores dispunham de meia hora para cumprir a sua missão.

Mesmo na Inglaterra e em pleno dia, teria sido difícil reconhecer estas zonas e balizá-las em meia hora. Mas no meio da noite, em território inimigo e num país que não conheciam, tal tarefa parecia impraticável. Do mesmo modo que os seus camaradas americanos situados a oitenta quilômetros, os ingleses encontraram logo dificuldades. Também eles ficaram dispersos e a aterrissagem foi ainda mais caótica.

As encrencas começaram com as condições atmosféricas. Uma brisa imprevista soprava (que os exploradores americanos não tiveram de enfrentar) e alguns locais estavam mergulhados na bruma. Os aviões que transportavam os exploradores britânicos foram obrigados a atravessar grandes tiros de barragem. Os pilotos afastaram-se instintivamente das rotas e, conseqüentemente, ultrapassaram e erraram os seus objetivos. Alguns voltaram para trás, descrevendo círculos, e passearam sobre a região antes de lançar os pára-quedistas. Um avião, voando muito baixo, obstinou-se em ir e voltar sob um fogo intenso, durante quatorze atrozes minutos, antes de lançar os seus pára-quedistas. A maior parte dos exploradores caiu com o equipamento em lugares errados.

Os pára-quedistas de Varanville aterraram bastante perto do objetivo, mas logo notaram que o material se partira durante a queda, ou caíra noutra parte. Dos que pertenciam a Ranville, nenhum desceu onde devia; ficaram dispersos por vários quilômetros. Mas, incontestavelmente, os mais infelizes foram os de Touffréville. Dois grupos de dez homens deviam balizar este setor com focos que projetassem no céu, em morse, a letra K. Uma das equipes caiu no setor de Ranville. Os homens juntaram-se sem grande dificuldade, descobriram o que pensaram ser a ponte prevista e alguns minutos mais tarde lançaram um sinal errado.

A segunda equipe, destinada a Touffréville, também não atingiu o seu objetivo. De cada dez homens, somente quatro desceram sãos e salvos. Um deles, o soldado James Morrissey, viu com horror uma rabanada de vento arrebatar para oeste seis dos seus camaradas. Estes desapareceram na direção do vale de Dives, que estava alagado e espelhava ao longe com o luar —

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região inundada pelos alemães para reforçarem as suas defesas. Morrissey não voltaria mais a vê-los. Os outros quatro homens tinham caído muito próximo de Touffréville. Juntaram-se e o soldado de primeira classe Patrick O'Sullivan afastou-se em reconhecimento. Alguns instantes mais tarde, foi abatido por tiro vindo precisamente da zona que deviam assinalar. Morrissey e os outros dois decidiram montar as balizas no campo de trigo onde tinham aterrado.

Para falar a verdade, durante estes primeiros minutos de confusão, poucos exploradores experimentaram o fogo do inimigo. Aqui e ali, alguns homens surpreenderam sentinelas que fizeram fogo, houve inevitavelmente alguns mortos e feridos. Contudo, o fato mais angustiante foi o total e ameaçador silêncio do campo. Tinham-se preparado para um fogo intenso, para combates encarniçados mal chegassem à terra. Todavia, de modo geral, tudo estava calmo, tão calmo que os homens viveram pesadelos devidos unicamente à sua imaginação. Nalguns casos, bateram-se uns com os outros nos campos e caminhos sinuosos, julgando cada um que o outro era um alemão.

Às apalpadelas na noite normanda, à volta de fazendas em trevas, nas entradas de aldeias adormecidas, os exploradores e duzentos e dez homens das vanguardas de batalhões tentaram orientar-se. Antes de mais urgia saber exatamente onde se encontravam. Aqueles que caíram no local previsto reconheceram facilmente os pontos de referência que tinham estudado na Inglaterra em mapas e maquetas. O Capitão Anthony Windrum resolveu o problema muito simplesmente. Qual motorista que se engana na estrada numa noite sem lua, Windrum subiu a um poste de sinalização, riscou um fósforo e descobriu que Ranville, o seu ponto de reunião, ficava apenas a alguns quilômetros.

Outros ficaram irremediavelmente perdidos. Dois exploradores surgiram do céu negro mesmo em cima do relvado do P.C. do General Josef Reichert, comandante da 711.ª divisão alemã. Reichert jogava cartas com alguns oficiais quando os aviões os sobrevoaram e precipitou-se para a entrada da casa, a tempo de ver aterrar os dois ingleses.

Seria difícil dizer qual deles, se Reichert ou os exploradores, ficou mais estupefato. Os oficiais de informação do general agarraram os dois homens, desarmaram-nos e levaram-nos até à entrada da casa. Atordoado, Reichert só conseguiu dizer:

— Donde saíram vocês? Ao que um dos exploradores respondeu, com o aprumo dum homem que

chega a um coquetel sem ser convidado: — Sinto muito, meu amigo, mas caímos aqui absolutamente por acaso. Enquanto os levavam para serem interrogados, quinhentos e setenta

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pára-quedistas ingleses e americanos, constituindo as primeiras forças de libertação, montavam os cenários para a batalha do Dia D. Por todas as zonas de aterrissagem começavam já a nascer fogueiras que rompiam a noite de junho.

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CAPÍTULO II QUE é que aconteceu? — rugiu ao telefone o Major Werner Pluskat. Meio adormecido, com um olhar distante, estava ainda de ceroulas. O

estrondo dos aviões e da D.C.A. tinha-o acordado e o instinto dizia-lhe tratar-se de algo mais que um bombardeio. Dois anos de amarga experiência na frente russa haviam ensinado ao major a fiar-se cegamente no instinto.

O Tenente-Coronel Ocker, superior do major, pareceu ficar irritado com o telefonema de Pluskat. Respondeu-lhe em tom glacial:

— Meu caro Pluskat, não sabemos ainda o que se passa. Quando o soubermos, informá-lo-emos.

E desligou secamente. O major não se deu por satisfeito com a resposta. Havia vinte minutos que aviões roncavam no céu iluminado por foguetões, bombardeando a costa a leste e a oeste. O setor comandado por Pluskat, pelo contrário, estava desagradavelmente calmo. Do seu P.C de Etreham, a seis quilômetros da costa, comandava quatro baterias da 352.ª divisão alemã — vinte canhões ao todo. Estas peças atingiam metade da praia de Omaha.

Irritado, Pluskat resolveu não obedecer ao superior. Telefonou para o Q.G. da divisão e falou com o oficial de informações da 352.ª divisão, o Major Block.

— Deve ser mais uma incursão de bombardeiros, Pluskat — disse-lhe Block. — Ainda não se sabe muito bem.

Pluskat desligou, sentindo-se um tanto ridículo. Perguntou a si mesmo se não se teria mostrado demasiado impulsivo. A final de contas, o alerta não tinha sido dado. De fato, após tantas noites movimentadas, era uma das raras em que os seus homens haviam recebido autorização para descansar.

Mas Pluskat estava agora demasiado acordado para readormecer e não se sentia nada à vontade. Sentou-se um momento à borda da cama. A seus pés, o cão-pastor alemão Harras dormia calmamente. Tudo estava tranqüilo no castelo, mas Pluskat ainda ouvia ao longe o roncar dos aviões.

Súbito, tocou o telefone de campanha. Pluskat precipitou-se e ouviu a voz tranqüila do Coronel Ocker:

— Foram assinalados pára-quedistas na península. Dê o alerta aos seus homens e dirija-se imediatamente para a costa. Talvez seja o desembarque.

Escassos minutos bastaram a Pluskat, ao Capitão Ludz Wilkening, comandante da segunda bateria, e ao Tenente Fritz Theen, seu diretor de tiro, para partirem para o P.C. avançado, um observatório de concreto-armado construído nas falésias, junto da aldeia de Sainte-Honorine. O cão Harras acompanhava-os. Apertaram-se no Volkswagen em forma de jipe e Pluskat

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lembra-se de que durante os poucos minutos de trajeto ninguém falou. Alguns dias antes, o General Marcks, do 94.° corpo de exército, tinha inspecionado as baterias e respondido a algumas perguntas de Pluskat:

— Se alguma vez se der um desembarque no seu setor, receberá mais munições do que poderá utilizar.

Rodando ao longo das defesas costeiras, o Volkswagen alcançou Sainte-Honorine. Seguido pelos seus homens e levando Harras à trela, Pluskat subiu lentamente um atalho íngreme até chegar ao P.C. O atalho estava ladeado de arames farpados. Era o único acesso, o solo estava minado dos dois lados. Chegado quase ao cimo da falésia, o major deixou-se escorregar por uma estreita galeria, desceu uma escada de cimento-armado, seguiu por um túnel sinuoso e entrou finalmente numa ampla divisão guardada por três soldados.

Pluskat dirigiu-se imediatamente para os potentes binóculos de artilharia, montados num pedestal, diante de uma das duas seteiras do abrigo. O observatório não poderia estar melhor situado: dominava a trinta metros a praia de Omaha, quase no centro do que ia ser a cabeça de ponte normanda. Com bom tempo, podia-se ver toda a baía do Sena, desde a ponta de Barfleur, à esquerda, até ao Havre e ao cabo de Hève, à direita. E mesmo neste momento, com o luar, Pluskat desfrutava uma visibilidade notável. Lentamente, fez girar os binóculos da esquerda para a direita, percorrendo a baía. Havia uma leve neblina. Nuvens negras velavam de vez em quando a lua resplandecente e lançavam grandes manchas de sombra sobre o mar, mas não se notava nada de anormal. Nem uma luz, nem um só ruído. O major observou longamente a baía, mas não distinguiu um único navio. Por fim, afastou-se.

— Não há nada — disse ao Tenente Theen, ligando para o P.C. do seu regimento; no entanto, acrescentou, atormentado por um mal-estar indefinido: — Vou ficar aqui. Talvez se trate de um falso alarme, mas ainda pode acontecer qualquer coisa.

*

Aos P.C. do 7.° Exército, por toda a Normandia, chegavam agora relatórios vagos e contraditórios, e por toda parte havia oficiais tentando tirar deles algumas conclusões. As informações eram muito escassas: silhuetas confusas aqui, tiros acolá, um pára-quedista pendurado numa árvore noutro sítio. Eram indícios, mas o que indicavam? Tinham descido em pára-quedas apenas quinhentos e setenta homens. O suficiente para criar a pior das confusões.

Os relatórios eram truncados, pouco claros e tão dispersos que mesmo os oficiais com maior experiência permaneciam cépticos. Quantos homens

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haviam descido? Dois ou duzentos? Seria a tripulação de um bombardeiro abatido? Tratar-se-ia de ataques da Resistência francesa? Ninguém tinha a certeza de nada, nem mesmo aqueles que, como o General Reichert, da 711.ª divisão, haviam deparado face a face com pára-quedistas. Reichert julgou tratar-se de uma incursão dirigida contra o seu P.C. e assinalou-o no relatório que apresentou ao comando do corpo. A notícia chegou muito tarde ao Q.G. do 15.º Exército, onde foi inscrita com o lacônico comentário: "Sem detalhes".

Já tinham sido dados tantos falsos alertas que todos desconfiavam. Os comandantes de companhias refletiam duas vezes antes de dar o alerta ao batalhão. Primeiro enviavam patrulhas de verificação. Os comandantes de batalhão tomavam ainda mais precauções antes de informar os seus superiores. Uma só coisa parecia clara: à luz de tantos relatórios incompletos, ninguém quis tomar a responsabilidade de dar o alerta: um alerta que podia muito bem ser infundado. E os minutos correram.

Dois generais já tinham deixado a península de Cotentin para assistir ao exercício de Rennes. Um terceiro, o General Wilhelm Falley, da 91.ª divisão aerotransportada, escolheu este momento para se pôr a caminho. Apesar da interdição feita pelo Q.G. do 7.° Exército aos oficiais generais de partirem antes da madrugada, Falley não compreendia como poderia chegar a tempo ao Kriegsspiel se não partisse mais cedo. Esta decisão ia-lhe custar a vida.

No Q.G. do 7.° Exército, em Mans, o General Friedrich Dolmann dormia. Provavelmente devido ao mau tempo, tinha anulado um exercício de alerta que devia ser dado justamente nessa noite. Fatigado, deitara-se cedo. O seu chefe de estado-maior, o eficiente e consciencioso Major-General Max Pemsel, preparava-se para o imitar.

Em Saint-Lô, no Q.G. do 84.º corpo, o escalão inferior de comando do exército, estava tudo pronto para a festa de aniversário do General Erich Marcks. O Major Friedrich Hayn, oficial de informações, pusera o vinho no gelo. Hayn, o Tenente-Coronel Friedrich von Criegern, chefe do estado-maior, e diversos oficiais superiores deveriam irromper pelo quarto do general quando o campanário da catedral de Saint-Lô desse a meia-noite (uma hora segundo a hora de verão inglesa). Todos indagavam como reagiria o severo Marcks, que perdera uma perna na frente russa. Era considerado um dos melhores generais da Normandia, mas também um homem austero e pouco comunicativo. No entanto, tudo estava a postos e, embora todos se sentissem um tanto infantis, os oficiais do estado-maior dispunham-se a fazer triunfar o seu projeto. Iam abrir a porta do quarto do general quando subitamente ouviram uma bateria da D.C.A. vizinha abrir fogo. Precipitaram-se para fora, a tempo de ver um bombardeiro aliado despenhar-se em chamas e ouvir os homens da D.C.A. berrar:

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— Acertamos-lhe! Acertamos-lhe! O General Marcks não saiu do quarto. Os sinos da catedral começaram a

tocar, e o pequeno grupo, com o Major Hayn à frente levando a garrafa de Chablis e os copos, entrou no quarto do general, talvez um tanto solene, para desejar-lhe um feliz aniversário. Houve um silêncio quando Marcks levantou a cabeça e os inspecionou calmamente através dos óculos. "A perna artificial estalou-lhe — conta-nos Hayn — quando se levantou para nos receber." Fazendo com a mão um gesto tranqüilizador, pôs todos à vontade. Abriram as garrafas e o pequeno grupo perfilou-se à roda do general de cinqüenta e três anos. Os oficiais levantaram os copos e beberam à sua saúde, ignorando totalmente que a sessenta quilômetros dali desciam sobre a França quatro mil duzentos e cinqüenta e cinco pára-quedistas ingleses.

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CAPÍTULO III ATRAVÉS dos campos banhados de lua da Normandia, ouviu-se um som

estranho, incôngruo, rouco e insólito: o lamento desolado de uma trompa de caça inglesa. A trompa repetia a chamada, de minuto a minuto. Através dos campos, nos ribeiros, ao longo das sebes, vacilavam em direção a este toque dezenas de silhuetas com bonés, vestindo fardamentos camuflados, carregados de sacos, sacolas e equipamento. Outras trompas retomaram a chamada. De repente, soou um clarim. Para as centenas de homens da 6.ª divisão aerotransportada britânica tinha sido dado o sinal de batalha.

A bizarra cacofonia vinha da região de Ranville. Esses toques de trompa constituíam os sinais de reunião de dois batalhões da 5.ª brigada de pára-quedistas, que deviam agir com rapidez. O primeiro devia levar socorros ao pequeno grupo comandado pelo Major Howard, que dominava as pontes. O outro tinha por missão ocupar Ranville e manter-se nessa posição, a leste das pontes estratégicas. Nunca até então os comandantes de pára-quedistas haviam reunido os seus homens de tal modo, mas nessa noite a velocidade era fundamental. A 5.ª divisão aerotransportada lutava contra relógio. As primeiras vagas de assalto inglesas e americanas abordariam as cinco praias das seis horas e trinta para as sete horas e trinta. Os "Diabos Vermelhos" dispunham de cinco horas e meia para se estabelecerem sòlidamente e "ancorarem" o flanco esquerdo das forças de invasão.

A divisão tinha diversas missões complexas a cumprir e cada uma exigia cronometragem perfeita. Os pára-quedistas deviam ocupar as elevações a nordeste de Caen, apoderar-se das pontes sobre o Orne e o canal de Caen, fazer saltar outras cinco sobre o Dives e bloquear assim a chegada dos reforços inimigos, em particular a dos blindados.

Mas as armas ligeiras dos pára-quedistas não bastavam para deter uma ofensiva de blindados. O sucesso da operação dependia, pois, inteiramente da rapidez de execução e da pronta chegada dos canhões antitanques e das munições capazes de furar as blindagens mais fortes. Devido ao seu volume e peso, os canhões só podiam ser conduzidos por comboios de planadores. Às três horas e vinte, sessenta e nove planadores deviam invadir o céu da Normandia, trazendo homens, veículos, material pesado e as preciosas peças.

A sua chegada constituía, só por si, um problema colossal. Os planadores eram enormes, maiores que os DC-3. Quatro deles, os Hamilcars, eram tão grandes que podiam transportar carros ligeiros. Para fazer aterrar os sessenta e nove planadores, os pára-quedistas deviam primeiro proteger as zonas de aterragem contra um ataque inimigo. Em seguida, era preciso transformar os

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prados semeados de obstáculos em gigantesco campo de aviação, ou seja, derrubar uma floresta de troncos minados e de travessas de caminho de ferro numa noite sombria — e tudo isto em duas horas e meia. O mesmo terreno seria utilizado por um segundo comboio de planadores esperado à tarde.

Outra missão, talvez a mais importante: destruir uma bateria de artilharia pesada, junto de Merville. Os agentes aliados de informações estavam convencidos de que as suas quatro possantes peças poderiam atormentar a frota de desembarque e massacrar as tropas que desembarcassem em Sword. A 6.ª divisão aerotransportada recebera ordens para neutralizar essa bateria antes das cinco horas da manhã.

Quatro mil duzentos e cinqüenta e cinco soldados, das 3.ª e 5.ª brigadas de pára-quedistas, desceram na Normandia para levar a cabo estas diferentes tarefas. Caíram em quase toda parte, num vasto perímetro, vítimas de erros de navegação de aparelhos transviados pela D.C.A., por uma balizagem deficiente das zonas e por rajadas de vento. Alguns tiveram sorte, mas milhares de pára-quedistas caíram a distâncias que variaram de cinco a cinqüenta quilômetros dos seus objetivos.

Das duas brigadas, a 5.ª teve mais sorte. A maioria dos homens foram largados não longe do seu objetivo de Ranville. Apesar disso, os comandantes de companhia levaram quase duas horas para reunir metade dos efetivos. Guiados pelos lamentos modulados das trompas de caça, os homens vacilavam às apalpadelas no meio da noite, em direção ao local de reunião.

O soldado Raymond Batten, do 13.º batalhão, ouviu a trompa, mas, embora se encontrasse muito perto da sua zona, nada podia fazer para obedecer. Batten despenhara-se num pequeno bosque frondoso e ficara pendurado numa árvore pelas correias do pára-quedas, balançando-se suavemente a três metros do solo. O bosque estava muito calmo, e Batten podia distinguir o som sincopado das metralhadoras, o roncar dos aviões e, ao longe, o tiro da D.C.A. No momento em que empunhava a faca para se libertar das correias, Batten ouviu de súbito aproximar-se o gaguejar seco duma pistola-metralhadora Schmeissen. Um minuto depois, houve um ruído de folhas e ramos quebrados e alguém aproximou-se prudentemente em direção a Batten. Este perdera a Sten durante a queda e não tinha revólver. Indefeso, mantinha-se suspenso, sem saber se a silhueta escura era de alemão ou de outro pára-quedista.

— Quem quer que fosse — diz hoje Batten — o tipo aproximou-se e mirou-me. Nada podia fazer a não ser ficar sem me mexer e o tipo, julgando-me morto, como eu esperava que pensasse, resolveu ir embora.

Batten saltou da árvore o mais depressa que pôde e dirigiu-se em direção às trompas que tocavam a reunir. No entanto as suas atribulações ainda não

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tinham acabado. Na orla do bosque deparou com o cadáver de um jovem cujo pára-quedas se não abrira. Em seguida, esbarrou com um homem que o ultrapassou na estrada, berrando como um louco:

— Mataram o meu amigo! Mataram o meu amigo! E, para terminar, ao juntar-se ao grupo que se dirigia para o ponto de

reunião, Batten deu por si ao lado de um soldado que parecia completamente ausente. Andava, como um autômato, de olhar fixo, parecendo não notar que o cano do fuzil que segurava convulsivamente na mão estava dobrado em dois.

Em muitos locais, nessa noite, homens como Batten encontraram-se imediatamente mergulhados nas duras realidades da guerra. Enquanto tentava desesperadamente livrar-se das correias do pára-quedas, o soldado de primeira classe Harold Tait, do 8.º batalhão, viu um dos Dakotas de transporte ser atingido pela D. C. A. O avião passou-lhe sobre a cabeça como um cometa ébrio e explodiu num campo a mil e quinhentos metros. Tait perguntava a si mesmo se os pára-quedistas que nele seguiam já teriam saltado.

O soldado Percival Liggins, do 1.º batalhão canadense, também viu um avião em chamas. O avião "corria a todo vapor, largando imensos pedaços, em chamas por toda parte" e parecia ir de encontro a ele. Mas o aparelho sobrevoou-o e esmagou-se num campo mais atrás. Tait e alguns companheiros quiseram tentar salvar os que talvez estivessem no avião, mas "as munições começaram a explodir e não nos pudemos aproximar".

Para o soldado do 12.º batalhão Colin Powell, de vinte e dois anos, caído a quilômetros do seu objetivo, o primeiro ruído de guerra foi um gemido no meio da noite. Ajoelhou junto de um pára-quedista gravemente ferido, um irlandês, que lhe implorou docemente que o matasse. "Mata-me, rapaz, suplico-te." Powell foi incapaz de o fazer. Instalou o ferido o melhor que pôde e partiu, prometendo enviar-lhe socorros.

Durante estes primeiros minutos, muitos homens ficaram a dever a vida unicamente às suas próprias iniciativas. Um pára-quedista (o Tenente Richard Hilborn, do 1.º batalhão canadense) caiu sobre uma estufa, "lançando estilhaços de vidro por toda parte e fazendo um barulho dos diabos, mas levantou-se e abandonou o local antes que o vidro acabasse de cair". Outro enfiou-se com precisão impressionante num poço. Içou-se graças às correias do pára-quedas e partiu para o local de reunião como se fosse a coisa mais natural deste mundo.

Por toda parte houve homens que tiveram de se desvencilhar de situações incríveis, assaz delicadas mesmo em pleno dia, mas que de noite e em território inimigo tomavam proporções aterrorizantes, agravadas ainda pelo medo e pela imaginação. Tal foi o caso do soldado Godfrey Maddison.

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Estava na orla de um prado, aprisionado numa rede de arames farpados, incapaz de fazer um movimento. Tinha as duas pernas presas nos fios, e o peso do equipamento — cinqüenta e seis quilos, incluindo quatro obuses de morteiro — enterrara-o tão profundamente que estava quase totalmente preso. "Fui primeiro tomado de pânico — disse; — estava muito escuro e tinha a certeza de que me iam acertar em cheio." Durante alguns instantes não se mexeu, esperou, ouvido alerta, e depois, quando percebeu que ninguém o tinha notado, Maddison começou a tentar libertar-se, lenta e dificilmente. Pareceu-lhe que levava horas a desprender um braço para poder pegar no alicate preso à cintura. Mas por fim conseguiu livrar-se e partiu em direção aos sons de trompa.

No mesmo instante, o Major Donald Wilkins, do 1.° batalhão canadense, escalava o que pensava ser uma pequena fábrica. De ' repente viu um grupo de pessoas no relvado. Deitou-se imediatamente por terra e ficou imóvel. As silhuetas sombrias não fizeram o menor gesto. Wilkins examinou-as atentamente e, passado um minuto, levantou-se resmungando para ir certificar-se das suas suspeitas. Eram estátuas de pedra.

Um sargento pertencente à mesma unidade viveu aventura semelhante, com a única diferença de as estátuas serem de carne e osso. O soldado Henry Churchill, que se encontrava numa vala próxima, viu o referido sargento cair num buraco com água, libertar-se das correias do pára-quedas e olhar desesperadamente em volta, enquanto se aproximavam dois homens. "O sargento esperou — conta-nos Churchill — tentando identificar se eram ingleses ou alemães." Os homens aproximaram-se e as suas vozes eram indiscutivelmente germânicas. A Sten do sargento ladrou e "abateu os dois de uma só rajada".

Contudo, durante estes primeiros minutos do Dia D, o inimigo mais sinistro do homem não foi o exército alemão, porém a natureza. As precauções de Rommel, as suas defesas contra os desembarques aéreos, mostraram-se eficazes. As águas e pântanos do vale do Dives inundado representavam perigos mortais. Um forte contingente da 3." brigada caiu nessa região como confeitos lançados de um saco. Sucederam-se desventuras trágicas. Alguns pilotos, desorientados pelo nevoeiro, tomaram a foz do Dives como sendo a do Orne e largaram os homens sobre um labirinto de pântanos e lagos. Todo um batalhão de setecentos homens, que deveria ter descido sobre uma área de um quilômetro quadrado, disseminou-se por oitenta quilômetros de pântanos e bosques. E este batalhão, maravilhosamente treinado, o 9.°, recebera uma das mais importantes e perigosas missões daquela noite: a destruição de Merville. Alguns destes homens iriam levar vários dias até regressarem à sua unidade. Outros não voltariam mais.

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Nunca se virá a conhecer o número de infelizes mortos nos arredores do Dives. Os sobreviventes dizem que os pântanos estavam cortados por uma intrincada rede de valas cheias de lodo peganhento, com mais de três metros de profundidade e cinco de largura. Um homem isolado, entorpecido pelo peso das armas e do equipamento, era incapaz de sair de lá. As mochilas molhadas pesavam o dobro e os homens tinham de as abandonar. Alguns conseguiram atravessar os pântanos, mas afogaram-se no rio, a alguns metros de terra firme.

O soldado Henry Humberstone, da 224.ª ambulância de campanha aerotransportada, escapou por pouco a morte semelhante. Caiu num pântano, com água quase até à cintura, não fazendo a mínima idéia do local onde se encontrava. Esperava aterrar nos pomares próximos de Varanville, mas caíra muito mais para leste. Entre Varanville e ele sucediam-se os pântanos e o Dives transbordava. Um nevoeiro úmido envolvia a paisagem e Humberstone nada ouvia à sua volta além do coaxar das rãs. Depois, mesmo à sua frente, distinguiu o barulho característico de água corrente. Patinhando através dos prados inundados, chegou à margem do Dives. Enquanto procurava um processo de transpor o rio, viu dois homens na margem oposta. Eram canadenses do 1.° batalhão. Humberstone gritou-lhes:

— Que devo fazer para atravessar? — Não há perigo — respondeu-lhe um dos soldados. O canadense entrou na água, sem dúvida para lhe indicar o caminho.

"Estava a vê-lo quando, de repente, desapareceu — lembra-nos Humberstone. — Não gritou, nem nada. Afogou-se sem que eu ou o seu companheiro, na outra margem, pudéssemos fazer fosse o que fosse para salvá-lo."

John Gwinnett, capelão do 9.° batalhão, encontrava-se completamente perdido. Também ele caíra nos pântanos, e o silêncio que o envolvia tinha qualquer coisa de angustiante. Gwinnett estava absolutamente decidido a sair dali. Era sua convicção que o ataque a Merville seria sanguinário e queria estar junto dos seus homens. No campo de aviação, imediatamente antes de decolarem, dissera-lhes:

— O medo bateu à porta. A Fé abriu, e não era ninguém. Gwinnett ainda não o sabia, mas ia levar mais de dezessete horas para

sair dos pântanos. No mesmo momento, o Tenente-Coronel Terence Otway, comandante

do 9.º batalhão, debatia-se com uma cólera atroz. Fora largado a quilômetros do local de reunião e sabia que a sua unidade estava espalhada pelos campos. Enquanto Otway avançava rapidamente no meio da noite, apareceram pequenos grupos de homens, uns aqui, outros ali, confirmando as suas piores suposições. Perguntava a si mesmo qual seria a extensão das perdas.

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O seu comboio de planadores especiais ter-se-ia também dispersado? Otway precisava urgentemente dos canhões e do material transportado

pelos referidos planadores para atacar Merville, pois não se tratava duma bateria ordinária. Estava cercada por formidável cintura de defesas profundas. Para atingir a bateria propriamente dita — quatro canhões pesados dentro de fortificações de concreto — o 9.° batalhão tinha de atravessar campos de minas, transpor valas antitanques, penetrar através de uma sebe de arames farpados de quatro metros de largura, atravessar outros campos de minas e abrir uma passagem num labirinto de trincheiras repletas de metralhadoras. Esta praça-forte, guardada por duzentos homens, era considerada pelos alemães como impenetrável.

Otway não pensava do mesmo modo e elaborara um plano de ataque extremamente preciso e incrivelmente minucioso, nada querendo deixar ao acaso. A bateria seria primeiro bombardeada com bombas de duas toneladas, lançadas de cem Lancasters. Os comboios de planadores trariam jipes, canhões antitanques, lança-chamas, torpedos Bangalore (tubos cheios de explosivos para destruir os arames farpados), detectores de minas, morteiros e até leves escadas de alumínio. Depois de terem recuperado ô material, os homens de Otway lançar-se-iam ao ataque, divididos em onze grupos.

O plano requeria uma precisão de minutos. Algumas patrulhas partiriam em reconhecimento. Depois, diversas equipes desentulhariam os campos de minas e marcariam as passagens livres. Seguir-se-iam outros grupos, com os Bangatores para destruir os arames farpados. Atiradores de primeira, metralha-dores e homens com morteiros por-se-iam finalmente em posição para desencadear o assalto propriamente dito.

O plano de Otway reservava uma surpresa final: no momento em que as tropas se lançassem ao assalto, três planadores repletos de soldados viriam despenhar-se mesmo em cima da bateria, permitindo assim um ataque simultâneo por ar e por terra.

Este plano apresentava detalhes quase suicidas, mas valia a pena correr o risco, pois os canhões de Merville podiam matar aos milhares os soldados ingleses que desembarcassem em Sword. Mesmo que tudo corresse bem, Otway e os seus homens dispunham apenas de uma hora para levar a cabo a missão. Se falhassem, havia sido dito a Otway, os canhões dos navios de guerra interviriam. Isto é, se o sinal de vitória não fosse lançado de Merville às cinco horas e trinta, o mais tardar, o bombardeio começaria e Otway deveria bater em retirada.

Tal era portanto a estratégia. Mas, enquanto Otway se dirigia angustiado para o local de reunião, a primeira parte do plano já tinha falhado. O ataque aéreo dera-se às zero horas e trinta e resultará num malogro total: nem uma só bomba atingira a bateria. Por outro lado, não tinham chegado os

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planadores que deviam trazer o material indispensável.

* No centro do setor de desembarque, do seu abrigo dominando a praia de

Omaha, o Major Werner Pluskat continuava a observar. Via as cristas brancas das vagas, e nada mais. O mal-estar não o abandonava; bem ao contrário. Pluskat estava cada vez mais convencido de que se tramava qualquer coisa. Pouco depois de ter chegado ao abrigo, tinham passado inúmeras formações aéreas, roncando sobre a costa, ao longe, para o lado direito. Pluskat pensava que deviam ser centenas de aviões. A partir do momento em que os ouviu ficou aguardando um telefonema do seu regimento, confirmando-lhe as suspeitas e anunciando o desembarque. Mas o telefone não tocava. Ocker não dera mais notícias, desde a primeira ligação. Nesse momento, Pluskat ouvia outra coisa: um roncar surdo de aviões, que ia aumentando, à sua esquerda. E depois o mesmo rugir, desta vez pela parte de trás, parecendo que aviões se aproximavam de Cotentin vindos do oeste. Pluskat ficou mais perplexo do que nunca. Maquinalmente, espreitou outra vez pelos binóculos. A baía estava completamente vazia. Nada à vista.

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CAPÍTULO IV EM Sainte-Mère-1'Église, o bombardeio parecia muito próximo.

Alexandre Renaud, maire da pequena cidade e farmacêutico de profissão, sentia a terra tremer. Pareceu-lhe que os aviões atacavam as baterias de Saint-Marcouf e de Saint-Martin-de-Varreville, a alguns quilômetros, e preocupava-se com a cidade e os seus habitantes. Estes só se podiam abrigar nas adegas ou nas trincheiras cavadas nos jardins, pois a ordem de recolher proibia-os de saírem de casa. Renaud conduziu a mulher, Simone, e os três filhos através do corredor junto ao salão, onde pesadas vigas ofereciam alguma proteção. Era uma hora e dez quando a família se reuniu no abrigo improvisado. Renaud lembra-se da hora (para ele meia-noite e dez) porque nesse momento bateram à porta com insistência.

Renaud deixou a família na habitação, atravessou a farmácia e às escuras entrou no armazém que dava para o largo da igreja. Antes de chegar à porta compreendeu o que se passava. Através da vitrina, o pequeno largo com os seus castanheiros e a grande maciça igreja surgiam brilhantemente iluminados. A vivenda do Senhor Hairon, do outro lado da praça, estava em chamas.

Renaud abriu a porta. De boné na cabeça, o chefe dos bombeiros estava à sua frente.

— Deve ser uma bomba incendiaria perdida — disse sem preâmbulos, fazendo ao maire sinal para que o acompanhasse. — O fogo está-se propagando rapidamente. Não pode pedir à kommandantur que levante a ordem de recolher? Vamos precisar de homens para fazer cadeia.

O maire correu para a kommandantur, expôs rapidamente a situação ao sargento de serviço que, à sua responsabilidade, lhe concedeu a autorização pedida. Ao mesmo tempo, o alemão destacou alguns dos seus homens para vigiar os voluntários. Renaud foi em seguida ao presbitério e acordou o prior, Louis Roulland. Este mandou o sacristão tocar o sino a rebate, enquanto ele próprio acompanhava o maire e alguns populares para acordar os habitantes e pedir-lhes ajuda. O sino começou a tocar a rebate sobre a cidade. Apareceram pessoas, em trajes menores, meio vestidas, e dentro em pouco mais de uma centena de homens e de mulheres, colocados em duas filas, passavam baldes de água de mão em mão. Estavam rodeados por uns trinta soldados alemães, armados com fuzis e Schmeissers. Renaud lembra-se de, no meio de toda esta confusão, o cura o ter chamado à parte.

— Preciso falar-lhe, é muito importante. Conduziu Renaud à cozinha do presbitério. Aguardava-os Mme

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Levrault, a velha professora. Estava em estado impressionante. Com voz trêmula, anunciou-lhes:

— Um homem, um pára-quedista, caiu nas minhas ervilhas-de-cheiro! Renaud já tinha bastante preocupações, mas tentou acalmá-la: — Não se inquiete — disse. — Volte para casa e não torne a sair. Em seguida partiu correndo para o incêndio. Durante a sua ausência, o

barulho e a confusão tinham continuado a aumentar. As chamas subiam cada vez mais alto. Feixes de fagulhas caíam sobre as casas mais próximas e algumas começavam já a arder. Renaud julgava viver um pesadelo. Estático, olhava a multidão febril, as caras congestionadas dos bombeiros, os soldados alemães, sempre impassíveis, armados de fuzis e metralhadoras. E o toque a rebate não cessava, juntando ao tumulto geral a sua voz de bronze.

Foi então que todos ouviram o roncar dos aviões. O barulho vinha do oeste — um rugido surdo que ia aumentando,

acompanhado pelo ribombar da D.C.A., à medida que uma bateria após outra abriam fogo contra a formação. No largo de Sainte-Mère-1'Êglise, todos os rostos se ergueram, transfigurados, e o incêndio foi esquecido. Seguidamente os canhões do burgo entram em ação e a balbúrdia tornou-se estonteante, mesmo por cima das cabeças. As vagas de aviões sucediam-se asa contra asa, através do tiro de barragem. Traziam holofotes acesos e voavam tão baixo que as pessoas se agacharam instintivamente. Renaud lembra-se de que os aparelhos "projetavam enormes sombras sobre o solo e por dentro pareciam iluminados de vermelho".

Vaga após vaga, as formações sobrevoaram a localidade, os primeiros aviões da mais gigantesca operação militar aerotransportada jamais tentada — oitocentos e oitenta e dois aparelhos ao todo, transportando treze mil homens. Estes soldados, das 101.ª e 82.ª divisões aerotransportadas americanas, dirigiam-se para seis zonas, todas situadas a alguns quilômetros de Sainte-Mère-1'Église. Os homens saltaram dos aviões, stick após stick. E enquanto balançavam no céu aqueles que deviam descer nas vizinhanças da localidade, ouviram um barulho incôngruo no meio do tumulto da batalha: um sino de igreja tangendo na noite. Para muitos, foi o último barulho que ouviram. Arrebatados pelas rajadas de vento, numerosos soldados foram arrastados para o inferno do largo da igreja, e contra as espingardas e metralhadoras ali colocadas caprichosamente pelo destino. O Tenente Charles Santasiero, do 506.º regimento da 101.ª divisão, encontrava-se à porta do avião quando este sobrevoou Sainte-Mère-1'Église e não esqueceu o que viu. "Estávamos a uns cento e cinqüenta metros de altitude, talvez menos, e eu via chamar e alemães correndo por todos os lados. No largo reinava uma confusão total. Um verdadeiro inferno. A D.C.A. e as armas ligeiras faziam fogo e toda aquela pobre gente estava presa no meio."

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Mal tinha acabado de saltar do avião, o soldado John Steele, do 505.° regimento da 82.ª divisão, notou que, em vez de cair numa zona balizada, se dirigia para o centro de uma aglomeração com todo o aspecto de estar queimando. Em seguida viu soldados alemães e civis franceses que corriam em todas as direções. Steele teve a impressão de que a maior parte deles levantava a cabeça para o ver. Foi então atingido por qualquer coisa que lhe deu a sensação "de um golpe com uma faca afiada". Acabava de receber uma bala num pé. E Steele viu algo que o alarmou ainda mais. Balançando preso às correias do pára-quedas, incapaz de se afastar, viu que estava sendo arrastado precisamente para o pontiagudo campanário da igreja.

Por cima de Steele, o soldado de primeira classe Ernest Blanchard ouviu o sino tocar e viu a tromba de fogo subir e envolvê-lo. Dois segundos mais tarde, horrorizado, olhou o homem que se balançava, quase a tocá-lo, e de repente viu-o "explodir e desintegrar-se completamente à minha vista", vítima, sem dúvida, dos explosivos que transportava.

Blanchard começou a sacudir desesperadamente as correias do pára-quedas, tentando evitar a multidão do largo. Mas era demasiado tarde. Caiu com estrondo num dos castanheiros. À sua volta, desciam homens atingidos pelas rajadas das metralhadoras. Havia gritos, urros, gemidos, lamentos: Blanchard jamais os esqueceria. Frenèticamente, enquanto as rajadas de metralhadoras se aproximavam, Blanchard cortou as correias. Depois saltou da árvore e correu sempre em frente, tomado de pânico, não notando sequer que decepara a cabeça do polegar.

Os alemães devem ter tido a impressão de que Sainte-Mère-l'Église fora completamente submergida por um assalto de pára-quedistas, e os habitantes da cidade, apinhados no largo, pensaram certamente estar mergulhados no coração de importante batalha. Na verdade, poucos foram os americanos — uma trintena ao todo, no máximo — que caíram na localidade, e não mais do que vinte no largo ou à sua volta. Mas tanto bastou para lançar o pânico na guarnição alemã, composta por menos de cem homens. Acorreram reforços e, chegados ao largo, caindo bruscamente num cenário infernal, no meio do sangue e do fogo, alguns soldados perderam a cabeça, na opinião de Renaud.

A alguns metros do maire, um pára-quedista caiu sobre uma árvore e tentou imediatamente livrar-se das correias, mas já tinha sido descoberto. À vista de Renaud, "uma meia dúzia de alemães despejaram os carregadores sobre o rapaz, que ali ficou, suspenso, olhos abertos, como se contemplasse as próprias feridas".

Prisioneiro do massacre que se desenrolava à sua volta, o povo aglomerado na praça esqueceu-se da poderosa esquadra aérea que não cessava de voar-lhe sobre a cabeça. Milhares de homens saltaram sobre as zonas da 82.ª divisão aerotransportada, a nordeste da localidade, nos setores

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do 101.° regimento, a leste e a oeste, e entre Sainte-Mère-1'Église e a praia de Utah. Mas os saltos eram muito escalonados, e soldados pertencentes a quase todos os regimentos foram como que deportados para o holocausto da praça. Um ou dois destes soldados, carregados de munições, de granadas e de explosivos de plástico, caíram precisamente sobre a casa em chamas. Ouviram-se breves e em seguida um estrondo de cartuchos e explosivos.

No meio de todos estes horrores e desta confusão geral, o soldado Steele agarrava-se a uma vida que se mantinha literalmente por um fio. O pára-quedas, enrolado no campanário da igreja, pendia graciosamente até as goteiras. Steele ouvia os gritos e urros. Via os alemães e americanos fuzilarem-se no largo e nas ruas. E, paralisado de terror, via as balas passarem, fulgurantes, à sua volta e cruzarem-se-lhe sobre a cabeça assobiando. Steele tentara cortar as correias, mas não sabia da faca. Decidiu que a única esperança era fingir de morto. No telhado da igreja, apenas a alguns metros dele, havia metralha-dores alemães que atiravam em tudo o que viam, mas não sobre ele. Mantinha-se suspenso, tão perfeitamente "morto" que o Tenente Willard Young, da 82.ª divisão, que desceu no auge da batalha, se lembra ainda do "cadáver suspenso do campanário da igreja". Steele manteve-se nesta posição durante mais de duas horas, até que os alemães o soltaram e fizeram prisioneiro. O terror e a dor causada pela ferida no pé foram tais que não conserva a mínima recordação do sino, que, contudo, não deixou de lhe badalar aos ouvidos.

O pequeno combate em Sainte-Mère-1'Église constituiu um prelúdio da ofensiva americana aerotransportada, mas, no plano de conjunto, foi puramente acidental*. Embora a comuna fosse um dos principais objetivos da 82.ª divisão aerotransportada, a verdadeira batalha de Sainte-Mère-1'Église deu-se mais tarde. Muitas coisas aconteceriam primeiro, visto que as 101.ª e 82.ª divisões, como as divisões inglesas, lutavam contra o tempo.

* Nunca consegui saber ao certo quantos homens tinham sido mortos ou feridos no largo, porque na cidade a fuzilaria continuou até ao assalto que a fez cair nas mãos dos Aliados. Mas calculam-se as perdas em cerca de doze mortos, feridos e desaparecidos. A maioria destes homens pertencia à companhia F, 2.° batalhão, 505.° regimento, e há uma pequena e patética nota nos respectivos registros, onde se lê: "O Tenente Cadish e os seguintes homens caíram sobre a cidade e foram mortos quase instantaneamente: Sheare, Blankenship, Bryant, Van Holsbeck e Tlapa". O soldado John Steele viu dois homens caírem dentro da casa em chamas, e pensa que um deles era o soldado White, da sua própria seção, que saltou atrás dele.

Aos americanos cabia manter o flanco direito da futura cabeça de ponte,

à semelhança do que os seus camaradas britânicos faziam com a ala esquerda. Mas os pára-quedistas americanos tinham uma responsabilidade muito mais pesada: deles dependia o sucesso do desembarque na praia de Utah.

Um pequeno rio, o Douve, constituía o obstáculo principal. Os oficiais

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de engenharia de Rommel haviam tirado dele um magnífico partido, assim como do seu principal afluente, o Merderet. Estes dois cursos de água banhavam a base da península e atravessavam as terras baixas antes de se lançarem no canal de Carentan e, paralelamente ao Vire, desaguarem na Mancha. Manobrando as velhas represas de La Barquette, alguns quilômetros acima de Carentan, os alemães inundaram tantos terrenos, já de si pantanosos, que Cotentin ficara quase isolada do resto da Normandia. Assim, dominando algumas estradas, algumas pontes e algumas represas, os ocupantes estavam em posição de rodear as eventuais forças de invasão e aniquilá-las. No caso de se dar o desembarque pela costa leste, forças alemães que atacassem pelo norte e por oeste podiam facilmente fechar o cerco e rechaçar o invasor para o mar.

Tal era, pelo menos, a estratégia. Mas os alemães não faziam a mínima tenção de deixar que o invasor penetrasse até tão longe; como proteção suplementar, tinham inundado cerca de vinte quilômetros quadrados de terrenos baixos, atrás das dunas da costa leste. Utah estendia-se quase ao centro desses lagos artificiais. As forças da 4.ª divisão de infantaria (incluindo tanques, canhões, veículos e equipamento) só tinham um processo de abrir passagem para o interior: seguir as cinco estradas construídas em terrenos pantanosos. E estas sofriam o fogo dos canhões alemães.

A península e suas barreiras naturais estavam dominadas por três divisões alemães: a 709.ª ao norte e na costa leste, a 243.ª diante da costa oeste e a 91.ª, recentemente chegada, no meio e na base. Além disso, ao sul de Carentan e dentro da área de tiro ou quase, estava acantonada uma das melhores e mais temidas unidades da Normandia: o 6.º regimento de pára-quedistas do Barão von der Heydte. Excetuando as baterias costeiras da marinha, os contingentes antiaéreos da Luftwaffe e as restantes unidades acantonadas nas vizinhanças de Cherbourg, os alemães estavam em posição de lançar cerca de quatro mil homens quase de um momento para o outro, em caso de ataque aliado. Foi neste setor poderosamente defendido que a 101.ª divisão aerotransportada do Major-General Maxwell D. Taylor e a 82.ª do Major-General Matthew B. Ridgway tiveram a perigosa missão de conquistar e manter uma "cabeça de ponte aérea" — uma ilha de defesa que ia desde a praia de Utah até um ponto bastante setentrional, atravessando a península. Estas divisões deviam abrir caminho à 4.ª divisão e mantê-lo livre até serem rendidas. Os pára-quedistas americanos eram excedidos em.número, na razão de três contra um.

No mapa, a cabeça de ponte aérea assemelhava-se à pegada de um pé esquerdo, curto e largo, com os dedinhos ao longo da costa, o dedo grande nas represas de La Barquette, acima de Carentan, e o calcanhar para lá dos pântanos do Merderet e do Douve, medindo vinte quilômetros de

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comprimento por doze de largura na região dos dedos e seis no calcanhar. Um território muito vasto só para treze mil homens e que devia ser ocupado em menos de cinco horas.

Tropas e veículos a serem embarcados para três batelões de desembarque, em

Brixham. De notar as plataformas rígidas destinadas a facilitar o embarque das pequenas embarcações de desembarque.

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Destino Normandia. Em cima, um pelotão de pára-quedistas da 101.a

Divisão procede às últimas verificações antes de subir a bordo do DC 3. Embaixo, os comboios, protegidos pela barragem de balões cativos e por uma escolta de destroyers, dirigem-se às praias.

(Wide World)

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Os homens de Taylor tinham por missão conquistar uma bateria de seis peças, situada em Saint-Martin-de-Varreville, quase diretamente atrás da praia de Utah, e irromper por quatro das cinco estradas construídas nos pântanos entre a costa e o lugarejo de Pouppeville. No mesmo momento, as passagens e pontes do Douve e o canal de Carentan, nomeadamente as represas de La Barquette, deviam ser tomadas ou destruídas. Enquanto os "Águias Uivantes" da 101.ª divisão tomassem os seus objetivos, os soldados de Ridgway ocupariam e dominariam o calcanhar e o lado esquerdo do pé, defenderiam as passagens sobre o Douve e o Merderet, tomariam Saint-Mère-1'Église e apoderar-se-iam das posições ao norte da localidade, a fim de impedirem os contra-ataques no flanco da cabeça de ponte.

Os homens das divisões aerotransportadas tinham outra missão capital: era preciso desalojar o inimigo dos campos de pouso previstos para os numerosíssimos planadores que viriam trazer reforços antes do amanhecer e, tal como acontecia com os ingleses, fazê-lo durante a própria noite. O primeiro vôo, compreendendo mais de cem aparelhos, estava previsto para as quatro horas da manhã.

Desde o início, os americanos tiveram de lutar contra um destino adverso. Como os britânicos, as suas divisões foram tragicamente dispersadas. Um único regimento, o 505.ª da 82.ª divisão, desceu no devido lugar. Perdeu-se sessenta por cento do material, incluindo a maior parte dos rádios, morteiros e munições. Pior ainda, os homens sofreram graves perdas. Desceram a quilômetros de distância dos pontos de referência conhecidos e ficaram desesperadamente sós e desorientados. Os aviões, avançando de poente para nascente, levavam somente doze minutos para atravessar a península. Saltar demasiado tarde significava cair na Mancha; fazê-lo cedo demais era pousar entre a costa oeste e as regiões inundadas. Alguns sticks foram tão desgraçadamente largados que caíram mais perto da costa oeste do que da sua zona, a leste. Centenas de homens, pesadamente sobrecarregados, desciam nos pântanos traidores do Merderet e do Douve. Numerosos foram os que se afogaram, por vezes em menos de um metro de água. Outros, saltando demasiado tarde, foram perder-se na Mancha.

Um stick completo da 101.ª divisão — quinze a dezoito homens — conheceu tal sorte. Do avião seguinte, o Cabo Louis Merlano caiu numa praia mesmo defronte de uma tabuleta indicando: Achtung! Minen! Fora o segundo a saltar. Ao longe, nas trevas, Merlano ouvia o marulhar das ondas. Estava deitado na areia, no sopé das dunas, rodeado pelos obstáculos antidesembarque de Rommel, a alguns metros de Utah Beach. Ganhava coragem para se levantar, quando ouviu gritos ao longe. Merlano soube mais tarde que os gritos vinham da Mancha, onde os últimos onze pára-quedistas do seu avião se estavam afogando.

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Merlano apressou-se a deixar a praia, ignorando as minas. Escalou uma barreira de arames farpados e abrigou-se atrás de uma sebe. Já lá estava alguém; Merlano não parou. Atravessou a estrada correndo e começou a trepar por um muro de pedra.

Ouviu então atrás de si um urro de dor. Voltou-se. Um lança-chamas regava a sebe que acabava de transpor e iluminava a silhueta de um camarada pára-quedista. Petrificado, Merlano acocorou-se junto ao muro. Do outro lado vinham gritos de soldados alemães e o crepitar de uma metralhadora. Merlano encontrava-se no centro da cintura fortificada, rodeado de alemães por todos os lados. Preparava-se para vender caro a pele, mas quis primeiro cumprir um dever. Merlano, que pertencia a uma unidade de sinalização, tirou do bolso um pequeno manual contendo os códigos e as senhas para três dias, rasgou-o cuidadosamente e, página a página, comeu-o todo.

Na outra extremidade da zona, os homens lutavam contra os lúgubres pântanos. Havia pára-quedistas de todas as cores espalhados pelo Merderet e pelo Douve; as pequenas luzes dos fardos de material cintilavam e brilhavam estranhamente sobre as águas paradas. Os pára-quedistas desciam do céu em grupos tão compactos que quase caíam uns sobre os outros, chafurdavam na água e patinhavam. Alguns nunca mais voltaram à superfície. Outros levantaram-se meio afogados, lutando pela vida, cortando desesperadamente as correias dos pára-quedas e do equipamento que podiam levá-los de novo para o fundo.

Como o seu colega John Gwinnett, da 6.ª divisão britânica, a oitenta quilômetros dali, Francis Sampson, capelão da 101.ª divisão americana, caiu em mau local. As águas fecharam-se sobre ele. O padre sentiu-se preso ao fundo pelo pesado equipamento, enquanto o pára-quedas, enfunado pelo vento forte, se lhe mantinha aberto sobre a cabeça. Com frenesi, desvencilhou-se do equipamento, incluindo os objetos de culto. Em seguida, o pára-quedas, funcionando como uma vela de barco, tirou-o da água e elevou-o ligeiramente até a superfície, a cem metros dali, para o depor em terra firme. Esgotado, ficou estendido no lodo uns vinte minutos. Por fim, desprezando o crepitar das metralhadoras e os tiros de morteiro que se começavam a ouvir, o capelão regressou ao ponto onde caíra e, obstinadamente, começou a mergulhar para recuperar os objetos de culto. Encontrou-os na quinta tentativa.

Muito tempo depois, o capelão Sampson, ao recordar as suas atribulações, notou que o ato de contrição que fizera às pressas enquanto se debatia debaixo da água era afinal o Benedicite!

Muitos americanos avançaram de noite através de prados, de campos e de regiões inundadas, guiados, não pelas trompas de caça, mas pelos

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estalidos de uma cega-rega de criança. As suas vidas dependiam de um brinquedo de bazar feito de ferro branco. Um estalido pedia em resposta um estalido duplo ou — unicamente para a 82.ª — uma senha. A resposta a um estalido duplo era um só estalido. Ao ouvir este sinal, havia homens que deixavam os esconderijos, surgiam por trás de árvores, saíam de valas e contornavam muros, a fim de se reconhecerem e juntarem. O Major-General Maxwell D. Taylor e um soldado desconhecido, com a cabeça a descoberto, encontraram-se face a face junto a uma sebe e abraçaram-se como irmãos. Alguns pára-quedistas juntaram-se imediatamente às suas unidades. Outros depararam com caras desconhecidas, e tranqüilizaram-se ao ver a pequena flâmula americana cosida no ombro.

Apesar da confusão total, os homens depressa se adaptaram. Os soldados da 82.ª divisão, experimentados nos desembarques da Sicília e de Salerno, sabiam o que os esperava. Os da 101.ª, que participavam pela primeira vez num lançamento de combate, não queriam fazer figura de fedelhos ao lado dos "ilustres" companheiros mais velhos. Todos perderam o mínimo tempo possível, pois não o podiam desperdiçar. Os mais afortunados, aqueles que sabiam onde se encontravam, reuniram-se prontamente e dirigiram-se rapidamente para os seus objetivos. Os que estavam perdidos juntaram-se a pequenos grupos pertencentes a diversas companhias, batalhões e regimentos. Alguns pára-quedistas da 82.ª divisão encontraram-se sob as ordens de oficiais da 101.ª e vice-versa. Soldados pertencentes às duas divisões lutaram lado a lado, para objetivos de que, muitas vezes, nem tinham sequer ouvido falar.

Centenas de homens encontraram-se em pequenos campos, rodeados de sebes. Os prados constituíam pequenos universos fechados, silenciosos e angustiantes. O menor ruído, um grito de animal, o estalido de um ramo, uma sombra, transformava-se num inimigo. O soldado Dutch Schultz, isolado num mundo de trevas, não conseguia sair do prado onde caíra. Resolveu servir-se da cega-rega metálica. Ao primeiro toque, recebeu uma resposta com que não contava: uma rajada de metralhadora. Deitou-se de borco no chão, apontou o fuzil na direção do ninho de metralhadoras e apertou o gatilho. Nada aconteceu. Tinha-se esquecido de carregá-lo. A metralhadora abriu fogo mais uma vez e Dutch correu a abrigar-se junto à sebe.

Após um momento, saiu de novo em reconhecimento. Ao ouvir um estalar de ramos, teve um instante de pânico, mas acalmou-se ao ver sair da sebe o seu comandante de companhia, o Tenente Jack Tallerday.

— É você, Dutch? — murmurou Tallerday. Schultz correu para ele. Juntos, os dois homens deixaram o prado e

foram juntar-se ao grupo que o tenente já reunira. Havia soldados da 101.ª

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divisão e dos três regimentos da 82.ª. Pela primeira vez desde que saltara, Dutch respirou à vontade. Deixara de estar só.

Tallerday contornou a sebe, seguido pelo seu grupo. Alguns instantes mais tarde, ouviram e viram outro pequeno grupo que lhes vinha ao encontro. Tallerday fez estalar a cega-rega e julgou distinguir um toque que lhe respondia. "Mas, diz Tallerday, à medida que os nossos dois grupos se aproximavam, tornava-se evidente pelo feitio dos bonés, que os que vinham ao nosso encontro eram soldados alemães. Aconteceu então uma dessas coisas estranhas e incompreensíveis que por vezes ocorrem durante a guerra. Os dois grupos cruzaram-se em silêncio, como que em transe, sem disparar um único tiro. A distância aumentou, as trevas envolveram as silhuetas. Foi como se nunca tivessem existido.

Nessa noite, em todos os pontos da Normandia, encontraram-se inesperadamente americanos e alemães. A vida dos homens dependeu muitas vezes do sangue-frio e da fração de segundo necessária para premir o gatilho. A cinco quilômetros de Saint-Mère-1'Église, o Tenente John Walas, da 82.ª divisão, por pouco não esbarrou com uma sentinela alemã, de guarda em um ninho de metralhadoras. Por um momento atroz, os dois homens encararam-se. O alemão foi o primeiro a reagir. Atirou à queima-roupa sobre Walas. A bala bateu na culatra móvel do fuzil que o tenente segurava, raspou-lhe as costas da mão e perdeu-se na noite. Com uma sincronização perfeita, os dois homens deram meia volta e fugiram a correr.

O Major Lawrence Legere, da 101.ª divisão, livrou-se à custa da sua loquacidade. Num campo, entre Utah Beach e Sainte-Mère-1'Église, Legere, à frente de pequeno grupo que juntara, dirigia-se para o ponto de reunião. De súbito, foi interpelado em alemão. Não sabia uma palavra de alemão, mas falava francês corretamente. Como os homens que o seguiam ficavam invisíveis na escuridão, o major fez-se passar por um jovem camponês e explicou, num francês rápido e fluente, que acabava de visitar a sua namorada, pedindo desculpa por ter deixado passar a hora de recolher. Enquanto falava, arrancou discretamente a faixa de esparadrapo que protegia o detonador de uma granada de mão. Sem parar de tagarelar, arrancou a espoleta, atirou a granada e deitou-se de borco no chão. Quando se levantou, viu que matara três alemães. "E quando quis reunir-me ao meu pequeno grupo — conta-nos Legere — os valentões tinham fugido às carreiras."

Não faltaram situações cômicas. Num pomar sombrio, a um quilômetro de Sainte-Mère-1'Êglise, o Capitão Lyle Putnam, cirurgião de um dos batalhões da 82.ª divisão, encontrou-se totalmente isolado. Pegou no estojo de cirurgia e tentou procurar uma saída. Junto duma sebe distinguiu uma silhueta que avançava prudentemente. Putnam estacou, inclinou-se para a frente, e pronunciou a senha da 82.ª divisão — "Flash" — e em seguida,

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calado e tenso, aguardou a resposta prevista: "Thunder" (trovão). Com grande espanto seu, o homem exclamou: "Jesus Cristo!", deu meia volta e fugiu como um louco. O médico ficou tão furioso que se esqueceu de ter medo. A oitocentos metros dali, o seu amigo George Wood, capelão da 82.° divisão, encontrou-se igualmente sozinho e ia fazendo estalar a cega-rega. Ninguém lhe respondia. De repente, deu um salto no ar ao ouvir uma voz que mesmo atrás das costas lhe dizia:

— Santo Deus! Já acabou de fazer toda a barulheira, senhor capelão? Confuso, Wood seguiu o pára-quedista e saíram do pomar. Durante a tarde, os dois amigos haviam de encontrar-se na pequena

escola de Mme Levrault, em Sainte-Mère-l'Église, travando as suas batalhas, para as quais os uniformes já não contavam: tratar os feridos e assistir aos moribundos dos dois campos.

Às duas horas da manhã — embora ainda faltasse uma hora para que todos os pára-quedistas estivessem em terra — aproximavam-se dos seus objetivos numerosos pequenos grupos de homens decididos. Um deles lançou-se até ao ataque do seu, uma ponte fortificada, com metralhadoras e canhões antitanques, na aldeia de Foucarville, mesmo por cima de Utah Beach. A posição revestia-se de interesse capital, visto controlar todos os movimentos na estrada principal que levava à praia de Utah, estrada que os tanques inimigos deveriam conquistar para atingir a costa. Uma companhia inteira teria sido necessária para cercar Foucarville, mas onze homens somente, sob o comando do Capitão Cleveland Fitzgerald, tinham lá chegado. Fitzgerald e o seu pequeno grupo lançaram-se contudo ao assalto sem esperar pelos outros. No decurso desta operação, primeira batalha "ordenada" da 101.ª divisão no Dia D, Fitzgerald e os seus homens alcançaram o P.C. inimigo. O combate foi breve e sangrento. Fitzgerald recebeu uma bala num pulmão, mas, antes de cair, matou o alemão. Por fim, os americanos, dominados em número, tiveram de se retirar para as vizinhanças da aldeia e esperar pelo romper do dia e por reforços. Ignoravam que nove pára-quedistas tivessem já atingido Foucarville quarenta minutos antes, caindo no centro da ponte fortificada. Nesse momento, esquecidos da batalha, sentados numa trincheira sob a vigilância dos guardas, ouviam atentamente um soldado alemão tocar harmônica.

Todos conheceram momentos de pura loucura — sobretudo os generais. Encontravam-se sem estado-maior, sem comunicações, sem homens para comandar. O Major-General Maxwell Taylor reuniu um grupo que incluía diversos oficiais, mas somente dois ou três soldados. "Nunca — fez-lhes notar — tantos homens comandaram tão pouco."

Só, num prado, revólver na mão, o Major-General Matthew B. Ridgway considerava-se com sorte. Conforme contou mais tarde, "se não havia

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amigos, pelo menos não havia inimigos". O General-de-Brigada James M. Gavin, seu adjunto, que viria a dirigir

toda a operação da 82.ª divisão, encontrava-se a quilômetros de distância dali, nos pântanos do Merderet. Com alguns pára-quedistas, tentava salvar os containers, nos quais se encontravam rádios, bazucas, morteiros e munições, de que Gavin precisava tão urgentemente. Não ignorava que pela madrugada a cabeça de ponte aérea que os seus homens e ele próprio deviam manter seria submetida a um fogo mortífero. Mergulhado em água gelada até aos joelhos, ao lado dos seus homens, Gavin estava entregue a outras preocupações. Não sabia bem onde se encontrava e pensava no que iria fazer aos feridos que se haviam juntado ao seu grupo e que, por enquanto, jaziam na margem do pântano.

Uma hora mais cedo, vendo fogos vermelhos e verdes cintilarem ao longe sobre a água, Gavin enviara o ajudante de campo, Tenente Hugo Olson, a ver o que aquilo significava. Esperava que fossem os fogos de sinalização do local de reunião de dois batalhões da 82.ª. Olson ainda não voltara, e Gavin começava a inquietar-se. Um dos seus oficiais, nu como um verme, no meio do rio, mergulhou, a fim de recuperar os containers. "Cada vez que subia à superfície — relata Gavin — erguia-se como uma estátua de mármore branco e eu não podia deixar de pensar que estaria condenado se os alemães o vissem."

De súbito, apareceu uma silhueta solitária patinhando no pântano. O homem estava ensopado, escorrendo lama e limo. Era Olson. Vinha dizer que havia uma linha de estrada de ferro em aterro elevado, mesmo defronte de Gavin e dos seus homens; foi a primeira boa notícia da noite. Gavin sabia que a única via férrea da região era a de Cherbourg-Carentan, a longo do vale do Merderet. O general respirou fundo. Sabia finalmente onde se encontrava.

Num pomar dos arredores de Sainte-Mère-1'Église, o homem que devia ocupar as estradas ao norte da pequena cidade sofria um martírio, tentando não mostrar as dores que experimentava. O Tenente-Coronel Benjamin Vandervoort, da 82.ª, partira um tornozelo ao saltar, mas estava firmemente decidido a tomar parte na batalha, acontecesse o que acontecesse.

A pouca sorte não a abandonava. Sempre levara a sua missão muito a sério, talvez mesmo demasiado a sério. Ao contrário do que acontecia com a maioria dos oficiais, Vandervoort nunca fora batizado com uma alcunha amigável e nunca deixara que se estabelecesse certa familiaridade entre ele e os seus homens, como acontecia com tantos outros. A Normandia mudaria tudo isso: e mais ainda. O desembarque ia fazer dele, como o disse mais tarde o General Ridgway, "um dos mais bravos, dos mais duros, dos mais corajosos condutores de guerreiros". Durante quarenta dias, Vandervoort

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travou batalhas, de tornozelo partido, ao lado dos homens de quem queria ganhar a confiança e a aprovação.

O Capitão-médico Putnam, cirurgião do batalhão de Vandervoort, sempre furioso devido ao incidente na sebe com o pára-quedista desconhecido, encontrou no pomar o coronel e alguns soldados. Putnam ainda se lembra muito bem de Vandervoort. "Estava sentado, uma capa impermeável sobre os ombros e a cabeça, consultando um mapa à luz duma lâmpada elétrica. Reconheceu-me, fez-me sinal para que me aproximasse e pediu-me a meia voz que desse uma olhadela no tornozelo, mas que me fizesse notar o menos possível. O tornozelo estava manifestamente partido. Insistiu em calçar a bota de salto e apertamo-la muito."

Depois, enquanto Putnam o observava, Vandervoort levantou-se e pegou no fuzil, usando-o como muleta. Olhou os homens que o rodeavam, deu um passo em frente e disse-lhes:

— Pronto, vamos. Foi o primeiro a atravessar o pomar. Tal como os pára-quedistas ingleses a leste, os americanos — com

alegria ou tristeza, com terror ou sofrimento — começaram o trabalho que deviam levar a cabo na Normandia.

*

Assim foi o começo. Os primeiros invasores do Dia D, cerca de dezoito

mil americanos, ingleses e canadenses, encontravam-se nos flancos do campo de batalha normando. Entre eles estendiam-se as cinco praias de desembarque e, além do horizonte, lenta mas seguramente, aproximava-se a extraordinária frota de cinco mil navios. O primeiro desses navios, o Bayfield, comandado pelo contra-almirante americano D. P. Moon, comandante da Força U, estava já a doze milhas de Utah Beach e prestes a ancorar.

Lentamente, o plano desenvolvia-se, e os alemães mantinham-se cegos. Para tanto contribuíam muitas razões: o mau tempo, a falta de aviões de reconhecimento (só alguns tinham sobrevoado as regiões de concentração durante as semanas precedentes e todos foram abatidos), a obstinação em acreditar que o desembarque só se poderia dar no Pas-de-Calais, a confusão e sobreposição dos diversos comandos, a insistência em não levar a sério as mensagens destinadas à Resistência, tudo isto teve o seu papel. Até mesmo as estações de radar lhes falharam nessa noite. As que não tinham sido bombardeadas, ficaram desorientadas devido aos windows largados em pacotes ao longo de toda a costa pelos aviões aliados — compridas tiras de folhas de estanho que davam nos écrans de radar imagens semelhante às dos

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aviões. Uma única estação apresentou relatório. Só via "tráfego normal na Mancha".

Mais de duas horas tinham decorrido desde a descida dos primeiros pára-quedistas. Só então os chefes alemães da Normandia começaram a compreender que se passava, sem dúvida, qualquer coisa de importante. Os primeiros relatórios chegavam-lhes um a um; lentamente, como um doente que acorda da anestesia, abriram por fim os olhos.

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CAPÍTULO V DE PÉ, diante de uma comprida mesa, o General Erich Marcks estudava

os mapas do estado-maior estendido à sua frente. Os oficiais rodeavam-no. Não o haviam abandonado desde que lhe tinham desejado feliz aniversário e ajudavam-no a reunir os documentos para o Kriegsspiel de Rennes. De tempos em tempos, o general exigia um mapa suplementar. O oficial de informações, o Major Friedrich Hayn, teve a impressão de que Marcks se preparava para este Kriegsspiel como para uma verdadeira batalha.

No meio da discussão, o telefone tocou. Quando o general atendeu, pararam todas as conversas. Hayn lembra-se de que "o general pareceu inteiriçar-se de repente". Marcks indicou por gestos ao chefe de estado-maior que usasse o segundo ausculta-dor. Era o General Wilhelm Richter, comandante da 716.ª divisão, que ocupava a costa acima de Caen.

— Desceram pára-quedistas a leste do Orne — anunciou. — Parece ter sido nos arredores de Bréville e Ranville... ao longo da orla norte da floresta de Bavent...

Era o primeiro relatório oficial, sobre um ataque aliado, a chegar a um importante Q.G. alemão. A notícia, lembra Hayn, "atingiu-nos como um relâmpago". Eram exatamente duas horas e onze da manhã (hora inglesa).

Marcks telefonou ao General Max Pemsel, chefe do estado-maior do 7.° Exército. Às duas horas e quinze, Pemsel pôs este Exército em Alarmstruffe II, o mais alto estado de alerta. A segunda mensagem Verlaine fora interceptada quatro horas antes.

Pemsel julgava conveniente não correr qualquer risco. Acordou o General Friedrich Dollmann.

— General — disse Pemsel — julgo tratar-se do desembarque. Poderá vir imediatamente?

Ao desligar, Pemsel lembrou-se subitamente de qualquer coisa. Entre as numerosas informações recebidas dos serviços secretos, durante a tarde, havia a de um agente de Casablanca, especificando categoricamente que o desembarque se daria na Normandia a 6 de junho.

Enquanto Pemsel aguardava a chegada de Dollmann, o 84.° corpo enviou mais um relatório: "... Largada de pára-quedistas junto de Montebourg e de Saint-Marcouf (Mancha)... Já começaram combates parciais"*. Pemsel chamou prontamente o chefe do estado-maior de Rommel, no grupo de Exércitos B. , Eram então duas horas e trinta e cinco.

* Discutiu-se muito a hora exata da primeira reação alemã e das mensagens que passaram de um Q. G. para outro. Quando comecei os meus estudos, o General Franz Halder, antigo chefe do Grande Estado-Maior alemão (atualmente adido à seção histórica do Exército americano na Alemanha), disse-me que em

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nada se devia acreditar "do que se passava entre nós, a não ser nos registros e arquivos oficiais dos diversos Q.G.". Segui o seu conselho. Todas as horas indicadas (acertadas pela hora inglesa), os relatórios e telefonemas relacionados com os movimentos e atividades alemães provêm destas fontes oficiais.

Quase no mesmo instante do Q.G. do 15.º Exército, junto da fronteira

belga, o General Hans von Salmuth tentava obter informações em primeira mão. Embora o grosso do seu exército se encontrasse afastado dos setores atacados, umas das divisões, a 711.*, comandada pelo General Josef Reichert, estava acantonada a leste do Orne, sobre a linha de demarcação entre os Exércitos 7." e 15.°. Tinham chegado diversas mensagens vindas do 711.°. Havia uma anunciando descida de pára-quedistas junto do Q.G. de Cabourg; outra especificava que se travavam combates à volta do posto de comando.

Von Salmuth resolveu informar-se pessoalmente. Telefonou para Reichert.

— Que diabo se passa por aí? — perguntou. — General — respondeu a voz estafada de Reichert — se mo permite,

vou deixá-lo ouvir. Houve um silêncio, e em seguida Salmuth distinguiu nitidamente um

matraquear de metralhadoras. — Obrigado — disse. E desligou. Chamou imediatamente o grupo de Exércitos B e anunciou ao Q.G. do

711.ª divisão que "se ouvia o tumulto da batalha". Os telefonemas de Pemsel e de von Salmuth chegaram quase um a seguir

ao outro e deram ao quartel-general de Rommel a primeira notícia sobre a ofensiva aliada. Seria o tão esperado desembarque? Ninguém o podia afirmar por ora. De fato, o Vice-Almirante Friedrich Ruge, ajudante de campo naval de Rommel, lembra-se ainda de que "algumas mensagens indicavam que se tratava de manequins vestidos de pára-quedistas".

Em parte era verdade. Para aumentar a confusão dos alemães, os Aliados tinham efetivamente largado centenas de manequins de borracha, muito perfeitos, vestidos de pára-quedistas, ao sul da zona de desembarque.

As bombas presas a estes manequins explodiam no solo e davam a sensação duma fuzilaria de armas ligeiras. Durante mais de três horas, alguns destes manequins induziram o General Marcks a pensar que tinham aterrado pára-quedistas em Lessay, a cerca de trinta e cinco quilômetros ao sul do seu quartel-general.

Foram momentos estranhos e desordenados para o estado-maior de von Rundstedt, em Paris, e para os oficiais de Rommel, em La Roche-Guyon. Os relatórios chegavam, ao mesmo tempo e de toda parte, por vezes inexatos, outras vezes incompreensíveis, mas sempre contraditórios.

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O Q.G. da Luftwaffe em Paris anunciou que "cinqüenta a sessenta bimotores" sobrevoavam Cotentin e que tinham caído "perto de Caen" alguns pára-quedistas. O Q.G. do Almirante Theodor Krancke — Marinegruppenkommando West — confirmou o lançamento de pára-quedistas britânicos, observou com certo nervosismo que o inimigo descera junto de uma das baterias costeiras e acrescentou que "uma parte dos pára-quedistas eram manequins de palha". Nenhum desses relatórios mencionou a presença de tropas americanas na península de Cotentin; e, contudo, nesse momento, a bateria naval de Saint-Marcouf, que dominava a praia de Utah, tinha prevenido o Q.G. de Cherbourg de que doze americanos haviam sido feitos prisioneiros. Escassos minutos após a primeira mensagem, a Luftwaffe telefonou um segundo relatório, afirmando que junto de Bayeux tinham descido alguns pára-quedistas. Na realidade, nem um saltara nessa região.

Nos dois quartéis-generais, os oficiais tentavam desesperadamente entender a súbita erupção de pontos vermelhos nos mapas. Os oficiais do grupo de Exércitos B telefonaram aos colegas da OB. West, esmiuçaram a situação e chegaram a conclusões que, quando se conhece a realidade, parecem incríveis. Por exemplo: o Major Doertenbach, oficial de informações da O.B. West, telefonou para o grupo de Exércitos B a fim de se informar e obteve como resposta que "o chefe do estado-maior estudava a situação com muita calma" e que "os pára-quedistas assinalados representavam talvez a tripulação de um bombardeiro abatido".

Não era esta a opinião do 7.° Exército. Às três horas da manhã, Pemsel convenceu-se de que o Schwerpunkt — o principal contingente — se dirigia realmente contra a Normandia. Os mapas assinalavam-lhe pára-quedistas em cada extremo do setor do 7.° Exército, na península de Cotentin e a leste do Orne. Da marinha, em Cherbourg, acabavam de chegar relatórios muito alarmantes. Detectores de som e radares tinham localizado numerosos navios que se aproximavam da baía do Sena.

Para Pemsel não restavam dúvidas: o desembarque começara. Telefonou a Speidel:

— Os pára-quedistas — disse-lhe — constituem a primeira fase de importante ofensiva inimiga. No mar ouve-se o ruído de motores — acrescentou.

Mas Pemsel não conseguiu convencer o chefe do estado-maior de Rommel. A resposta de Speidel, tal como está transcrita nos registros das comunicações do 7.º Exército, foi que "a operação era estritamente local". As suas suposições sobre a situação, então expostas a Pemsel, estão inscritas no diário de operações do exército: "O chefe do estado-maior do grupo de Exércitos B julga que, de momento, não há razões para considerar a situação como uma ofensiva maciça".

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No instante preciso em que Pemsel conversava com Speidel, os últimos dezoito mil soldados do ar desciam sobre a península de Cotentin. Sessenta e nove planadores, transportando homens, armas e material pesado, chegavam neste minuto às costas da França e dirigiam-se para as zonas de aterrissagem junto de Ranville. E, a doze milhas do litoral normando, frente às cinco praias de desembarque, ancorava o Ancon, navio de comando da Força O, comandado pelo Contra-Almirante John L. Hall. Atrás dele, e em filas cerradas, chegavam as embarcações transportando os homens da primeira vaga de assalto, destinados a Omaha Beach.

Mas em La Roche-Guyon nada indicava ainda a estupidificante importância da ofensiva aliada; em Paris, a OB. West partilhou da opinião de Speidel e confirmou as suas primeiras apreciações sobre a situação. O General Bodo Zimmermann, excelente chefe de operações de von Rundstedt, foi posto ao corrente da conversa telefônica entre Pemsel e Speidel e enviou ao primeiro uma mensagem concordando com Speidel: "Operações OB. West não pensam que se trate de uma ofensiva aerotransportada de envergadura, tanto mais que, segundo informa o almirante que comanda as costas da Mancha (Krancke), o inimigo lançaria manequins de palha".

É muito difícil levar a mal estes oficiais por se terem enganado tão redondamente. Encontravam-se muito longe da zona de combate e só se podiam fiar nos relatórios que recebiam. Estes eram tão fragmentados, tão despistantes, que não permitiam que, mesmo os oficiais mais lúcidos e experimentados, fizessem uma idéia precisa sobre a amplitude do ataque aerotransportado — e menos ainda do plano de conjunto de que este ataque fazia parte. No caso de se tratar realmente do desembarque, visava a Normandia? Só o 7.° Exército parecia pensar assim. Mas as descidas em pára-quedas podiam constituir uma diversão destinada a despistar a atenção do verdadeiro ponto de desembarque e da verdadeira ofensiva — contra o potente 15.° Exército do General Hans von Salmuth, no Pas-de-Calais, onde toda a gente concordava em pensar que os Aliados desembarcariam. O General-de-Divisão Rudolph Hofmann, chefe de estado-maior do 15.º Exército, estava a tal ponto convencido de que a ofensiva se daria no setor que ocupava, que chamou Pemsel a fim de apostar um jantar em como tinha razão. "Ora aí está uma aposta que você vai perder", retorquiu Pemsel. Contudo, neste momento, nem o grupo de Exércitos B nem a OB. West possuíam elementos seguros suficientes para tirarem conclusões precisas. As regiões costeiras da Mancha foram postas em estado de alerta, com prescrições contra os ataques de pára-quedistas. Em seguida, todos aguardaram novas informações. Era totalmente impossível fazer outra coisa.

Mas os relatórios e mensagens não tardariam a chover sobre os postos de comando, através de toda a Normandia. Um dos primeiros problemas, para

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algumas divisões, consistiu em encontrar os chefes — os generais que já se tinham posto a caminho de Rennes por causa do Kriegsspiel. Na sua maioria foram rapidamente encontrados, mas não foi possível localizar dois deles, Karl von Schlieben e Wilhelm Falley, comandantes das divisões de Cotentin. Von Schlieben dormia num quarto , de hotel de Rennes e Falley ainda estava a caminho.

O Almirante Krancke, comandante das forças navais do Oeste, estava em visita de inspeção a Bordéus. Foi acordado no hotel pelo chefe de estado-maior que lhe anunciou:

— Caíram pára-quedistas junto de Caen. A OB. West afirma que se trata de uma diversão e não do desembarque, mas nós detectamos navios. Julgamos que desta vez é mesmo.

Krancke alertou imediatamente as poucas unidades de que dispunha e pôs-se a caminho do quartel-general, em Paris.

Um dos homens que recebeu as suas ordens no Havre era já uma figura lendária da marinha alemã. O Capitão-de-Corveta Heinrich Hoffmann tinha feito nome como comandante de vedetas rápidas. Desde o começo da guerra, ou quase, a sua possante frota tinha cruzado a Mancha, atacando todos os navios que encontrava. Hoffmann também se distinguira durante a incursão sobre Dieppe e escoltara audaciosamente os couraçados alemães Scharnhorst, Gneisenau e Prinz Eugen na altura da sua dramática travessia da Mancha em 1942.

Quando recebeu a mensagem do quartel-general, Hoffmann estava na cabina do torpedeiro T-28, principal navio da 5.ª flotilha, e preparava-se para aparelhar, a fim de proceder à colocação de minas. Reuniu imediatamente os comandantes dos outros navios. Eram todos jovens e embora Hoffmann os prevenisse de que "se tratava sem dúvida do desembarque", não se mostraram espantados. Já o esperavam. Só três dos seis barcos estavam prontos, mas Hoffmann não podia esperar pelos outros. Alguns minutos mais tarde, os três torpedeiros saíram do Havre. Na ponte do T-28, boné branco sobre a nuca como de costume, o comandante de trinta e quatro anos embrenhava-se nas trevas. Atrás dele, os outros dois barcos seguiam em fila indiana, imitando as menores evoluções do guia. Corriam a mais de vinte e três nós, andando cegamente de encontro à mais gigantesca frota jamais reunida.

Aqueles, pelo menos, estavam em ação. Mas os homens que ficaram mais atordoados na Normandia, nessa noite, foram certamente os 16.242 soldados da temível 21.ª divisão blindada, que tinha feito parte do célebre Afrika Korps de Rommel. Dominando as aldeias, lugarejos e bosques, numa extensão de trinta quilômetros a sudeste de Caen, estes homens encontravam-se na orla do campo de batalha. Era a única panzerdivision

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capaz de intervir imediatamente, a única que na realidade tinha experiência de combate.

Desde o início do alerta, os oficiais e tropas estavam junto dos tanques e veículos motorizados, com os motores funcionando ao ralanti, aguardando a ordem de partida. O Coronel Hermann von Oppeln-Bronikowski, comandante do regimento de tanques da divisão, não compreendia a causa do atraso. Tinha sido acordado pouco depois das duas horas pelo General Edgar Feuchtinger, comandante da 21.ª D.B., que lhe gritou aterrorizado e ofegando:

— Oppeln! Imagine! É incrível! Eles desembarcaram! Em seguida pôs Bronikowski a par da situação e precisou-lhe que, assim

que recebesse ordem de ataque, a divisão "varreria imediatamente a região compreendida entre Caen e a costa". Mas não chegou ordem alguma. Remoendo pragas, sentindo aumentar a fúria, Bronikowski continuava a esperar.

A alguns quilômetros dali, o Tenente-Coronel Priller, da Luftwaffe, recebia os mais desconcertantes relatórios. O Sargento Wodarczyk, seu companheiro de incursões, e ele tinham caído na cama por volta da uma hora, no campo agora deserto da 26.ª esquadrilha de caça, junto de Lille. Com a ajuda de algumas garrafas de conhaque tinham afogado a cólera que sentiam contra o alto comando da Luftwaffe. O telefone arrancou Priller dum sono profundo e dos vapores do álcool. Acordou lentamente e tateou a mesa de cabeceira antes de encontrar o aparelho. O Q.G. do 2° corpo aéreo chamava.

— Priller — disse o oficial de operações — parece que está em curso uma espécie de desembarque. Aconselho-o a pôr a sua esquadrilha em estado de alerta.

Embora estivesse meio adormecido, Pips Priller sentiu a mostarda chegar-lhe ao nariz. Os cento e vinte e quatro aviões da sua esquadrilha tinham deixado Lille na véspera, à tarde, e o que ele sempre temera realizava-se! A linguagem de Priller, segundo se lembra, é absolutamente impublicável, mas depois de ter dito ao seu correspondente tudo o que pensava do Q.G. e do alto comando da Luftwaffe, o ás da aviação de combate rugiu:

— E quem querem que eu alerte, com os diabos? Eu já estou de alerta. Wodarczyk também. Mas sabem muito bem, seus imbecis, que só disponho de dois malditos táxis!

Dizendo isto, Priller desligou abruptamente. Alguns minutos mais tarde, o telefone tocou de novo. — Que há mais? — gritou Priller. Era o mesmo oficial, que lhe respondia com voz suave:

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— Meu caro Priller, estou muito aflito. Houve um erro. Recebemos um relatório errado. Está tudo em ordem, não há sombra de desembarque.

Priller sentiu uma tal raiva que nada pôde responder. Pior ainda, não pôde mais reconciliar o sono.

Apesar da confusão, das hesitações e da indecisão dos altos comandos, os soldados alemães que se encontraram em contado direto com o inimigo reagiram rapidamente, bilhares de homens estavam já em movimento e, ao contrário do que acontecia com os generais do grupo de Exércitos B e da OB. West, não duvidaram por um segundo de que se tratava do desembarque aliado. Numerosos soldados repeliam já a ofensiva conforme podiam, isoladamente, em escaramuças rápidas, desde que os primeiros americanos e ingleses lhes tinham caído do céu sobre a cabeça. Milhares de outros, em estado de alerta, aguardavam por trás das formidáveis fortificações, prontos a repelir o inimigo, qualquer que fosse o lado por onde viesse. Estavam inquietos, mas decididos e corajosos.

No Q.G. do 7.º Exército, um dos poucos oficiais generais a não ficar desorientado tinha reunido o seu estado-maior. Na sala dos mapas, profusamente iluminada, o General Pemsel falava com voz tão calma e pausada como de costume. Só as palavras lhe traíam a inquietação.

— Meus senhores — disse — estou convencido de que o desembarque começará pela madrugada. O nosso futuro depende dos combates que travarmos hoje. Peço-lhes que façam todos os esforços possíveis e que não se lamentem.

Na Alemanha, a oitocentos quilômetros dali, o homem que poderia ter auxiliado Pemsel — o único oficial que tinha ganho muitas batalhas graças à sua extraordinária faculdade de ver claro em situações confusas — dormia calmamente. No grupo de Exércitos B a situação não era considerada suficientemente grave para justificar que chamassem o Marechal de campo Erwin Rommel.

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CAPÍTULO VI Os PRIMEIROS reforços começavam a juntar-se às tropas

aerotransportadas. No setor da 6.ª divisão britânica tinham pousado sessenta e nove planadores, quarenta dos quais no campo junto de Ranville. Já tinham descido outras pequenas formações — nomeadamente as do Major Howard, junto das pontes do Orne, e uma formação transportando o equipamento pesado da divisão — mas tratava-se presentemente do principal comboio de planadores. Os sapadores haviam trabalhado muito. Não tinham tido tempo para limpar completamente o longo campo de aterrissagem de todos os obstáculos, mas tinham-no dinamitado o suficiente para que os aparelhos pudessem pousar. Após a chegada dos planadores, a zona de pouso apresentou um espetáculo fantástico. Ao luar, dir-se-ia um cemitério de Dali. Por toda parte viam-se aparelhos destruídos, asas em pedaços, cabinas destroçadas, fuselagens torcidas e erguidas para o céu. Parecia impossível que houvesse homens capazes de sobreviver a semelhante "rachar de lenha", mas, no conjunto, as perdas eram mínimas. Tinham sido feridos mais homens pela D.C.A. do que durante as descidas.

O comboio de planadores transportara o General Richard Gale e o seu estado-maior, e ainda outros homens, algum equipamento pesado e os famosos canhões antitanques. Os soldados que aos magotes brotavam dos planadores esperavam chegar a terra debaixo de fogo inimigo; ao contrário, caíram em estranho silêncio bucólico. O Sargento John Hutley, que comandava um Horsa, preparava-se para uma recepção impetuosa, e tinha avisado o segundo-piloto:

— Salta assim que tocarmos no solo e corre para o abrigo mais próximo. Mas os únicos vestígios de batalha eram os rastos multicores das balas

tracejantes no horizonte e o longínquo crepitar das metralhadoras, para os lados de Ranville. À sua volta, o terreno pululava de homens, que retiravam os destroços e colocavam sobre jipes os canhões antitanques. Uma vez terminada a viagem em planador, reinava até certo ar de júbilo. Hutley e o seu contingente de homens, todos sentados na cabina em migalhas do planador, bebiam chá antes de partirem para Ranville.

Na outra extremidade do campo de batalha da Normandia, na península de Cotentin, apareciam os primeiros comboios de planadores americanos. O General-de-Brigada Don Pratt, o mesmo que tinha tido tanto medo, na Inglaterra, ao ver atirar um boné para cima da cama onde estava sentado, ocupava o lugar do segundo-piloto no planador de vanguarda da 101.ª divisão. Segundo as testemunhas, Pratt estava "feliz como uma criança" por

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efetuar o primeiro vôo em planador. Rebocados por Dakotas, seguiam-no em procissão cinqüenta e dois planadores formados quatro a quatro. O comboio transportava jipes, canhões antitanques, um hospital de campanha e até um bulldozer. Na frente do planador de Pratt estava pintado um enorme número 1, e uma monstruosa "Águia Uivante", emblema da 101.ª divisão, sustentada por uma bandeira americana, ornava a fuselagem de tela, de cada lado da cabina de pilotagem. Na mesma formação, o cirurgião Emile Natalle via os obuses explodirem e os veículos em chamas, "como uma parede de fogo vindo ao nosso encontro". Mantendo-se ligados aos rebocadores, os planadores dançavam e oscilavam ao atravessarem um tiro de barragem "suficientemente compacto para nele se poder aterrar".

Ao contrário do que acontecera com os aviões dos pára-quedistas, os planadores aproximavam-se da península por leste. Sobrevoavam as terras havia alguns segundos quando os homens viram os fogos da zona de aterrissagem de Hiesville, a seis quilômetros de Sainte-Mère-1'Église. Um a um, os reboques de nylon, de trezentos metros de comprimento, soltaram-se e os planadores desceram assobiando. O de Natalle passou além do campo de pouso e foi esmagar-se num campo eriçado de "aspargos de Rommel" — fileiras de sólidas estacas fixadas ao solo destinadas a impedir a descida de planadores. Sentado num jipe, no interior do planador, Natalle espreitava pelas vigias e viu, com uma fascinação horrorizada, as duas asas serem arrancadas e as estacas desfilarem a toda a velocidade. Seguiu-se enorme estrondo e o planador partiu-se em dois, precisamente no ponto onde estava o jipe, "o que me facilitou muito a saída", como disse Natalle.

A carcaça do planador número 1 jazia perto deles. Descendo ao longo de um prado em declive, sendo os travões incapazes de diminuírem a corrida a cento e cinqüenta por hora, o aparelho tinha ido picar de focinho na sebe. Natalle descobriu o piloto, lançado para fora da cabina, estendido nos silvados, com ambas as pernas partidas. O General Pratt tinha morrido logo, esmagado pelos destroços da carlinga. Foi o primeiro oficial-general, quer de um lado, quer do outro, a morrer no Dia D.

Pratt foi um dos raros mortos durante esta descida da 101.ª divisão. Quase todos os planadores da divisão pousaram no terreno de Hiesville, ou perto. Embora quase todos os aparelhos ficassem destruídos, o equipamento chegou em bom estado. Este feito foi absolutamente notável. Poucos pilotos tinham efetuado mais de três ou quatro pousos de treino, e sempre em pleno dia*.

* Também havia falta de pilotos de planadores. "A certa altura — lembra o General Gavin — pensamos que nunca viríamos a ter que chegassem. Durante o desembarque todos os lugares de segundos-pilotos eram ocupados por um soldado aerotransportado. Por mais incrível que possa parecer, estes soldados nunca tinham sido treinados nem instruídos na pilotagem de planadores ou na sua aterragem. Alguns encontraram-se com um piloto ferido e um planador cheio de soldados sob sua responsabilidade,

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correndo através de tiros de barragem e da D.C.A. durante a noite de 6 de junho. Felizmente, o tipo de planadores que utilizávamos não era muito difícil de pilotar. Mas quando se deve fazê-lo pela primeira vez e aterrar sem saber como, em pleno combate, sentimo-nos muito pequenos. Há razões para converter o homem mais duro."

Se a 101.ª divisão teve sorte, a 82.ª, em contrapartida, não teve nenhuma.

A inexperiência dos pilotos provocou um desastre quase total e por pouco não ocasionou a perda de cinqüenta planadores. Menos de metade das formações encontraram o terreno de aterrissagem previsto, a noroeste de Saint-Mère-l'Église; os restantes despedaçaram-se nas sebes, mergulharam nos cursos de água ou afundaram-se nos pântanos do Merderet. O material e os veículos tão urgentemente necessários ficaram espalhados um pouco por toda parte e as perdas de homens foram muito pesadas. Dezoito pilotos morreram durante os primeiros minutos. Um dos planadores carregado de homens passou diretamente sobre a cabeça do Capitão Robert Piper, do 505.° regimento, que, horrorizado, o viu "saltar sobre a chaminé de uma casa, cair no pátio, descrever dois ou três círculos e acabar por se desmantelar contra uma parede de pedra. Nem um só gemido veio da carcaça".

Para a 82.ª divisão, que lutava contra as horas, a dispersão do comboio de planadores foi uma calamidade. Precisou de horas para recuperar e reunir os poucos canhões e o escasso material que chegara em bom estado. Enquanto esperavam, os soldados iam lutar com as armas que eles próprios traziam. Mas, ponderados todos os fatores, para os pára-quedistas a regra era: baterem-se com os meios de que dispunham até serem rendidos.

Neste momento, as tropas da 82.ª divisão que mantinham a retaguarda da cabeça de ponte — as pontes sobre o Douve e o Merderet — repeliam já os primeiros contra-ataques alemães. Estes pára-quedistas não possuíam nem veículos, nem canhões antitanques, tinham poucas bazucas e quase nenhuma metralhadora ou morteiro. Pior ainda, não dispunham de qualquer meio de comunicação. Não sabiam o que se passava à sua volta, quais as posições tomadas, quais os objetivos conquistados. O mesmo acontecia com a 101.*, exceto que o acaso lhes permitira receber o material. Os soldados das duas divisões estavam isolados e dispersos, mas pequenos grupos lançavam-se à conquista dos seus objetivos — e pontos fortificados começavam a cair nas suas mãos.

Em Sainte-Mère-1'Êglise, sob os olhares atônitos dos habitantes que espreitavam por trás das persianas, os pára-quedistas do 505.° regimento da 82.ª divisão deslizavam prudentemente pelas ruas desertas. O sino parará de tocar a rebate. O pára-quedas vazio do soldado John Steele pendia ainda do campanário e, de tempos em tempos, os escombros incandescentes da casa de M. Hairon lançavam para o céu negro feixes de fagulhas, iluminando

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rapidamente os castanheiros do largo. Por vezes uma bala perdida assobiava furiosamente nas trevas, mas, além disto, não havia qualquer ruído; por toda parte reinava o mesmo silêncio angustiante.

O Tenente-Coronel Edward Krause, que dirigia o ataque, tinha-se preparado para travar duros combates em Sainte-Mère-l'Église, mas excetuando alguns atiradores isolados, parecia que a guarnição alemã havia desaparecido. Os homens de Krause apressaram-se aproveitar a situação. Ocuparam os edifícios, colocaram barragens nas estradas, puseram metralhadoras em bateria e cortaram os fios telefônicos. Outros invadiram a povoação, deslizando como sombras, de sebe em sebe, de porta em porta, convergindo para o centro, o largo da igreja.

Contornando a igreja, o soldado de primeira classe William Tucker chegou ao largo e colocou a metralhadora junto a uma árvore. Em seguida, olhando o largo banhado de lua, viu um pára-quedas e, deitado perto, um alemão morto. Em frente, jaziam em monte outros cadáveres. Tucker, sentado nas trevas, tentava compreender o que se tinha passado quando lhe pareceu não estar só — alguém estava atrás dele. Agarrando fortemente na metralhadora, voltou-se. À altura dos olhos balançava-se lentamente um par de botas. Tucker recuou rapidamente. Um pára-quedista morto, suspenso pelos ramos de uma árvore, fixava-o com enormes olhos abertos.

Ao largo chegavam agora outros pára-quedistas e também eles viram subitamente os cadáveres nas árvores. O Tenente Gus Sanders lembra-se de que "os homens ficavam paralisados, esbugalhados os olhos, tomados de ódio terrível". O Tenente-Coronel Krause chegou por sua vez. Ao ver os pára-quedistas mortos, conseguiu pronunciar unicamente duas palavras:

— Santo Deus! Krause tirou então do bolso uma bandeira americana, velha e um tanto

esfarrapada, a mesma bandeira que o 505.º regimento desfraldara em Nápoles. Krause tinha prometido aos seus homens que "esta bandeira flutuará antes da madrugada sobre Sainte-Mère-1'Église". Atravessou o largo, dirigiu-se à Câmara Municipal, fez-se içar até à cornija e fixou a flâmula à haste, por cima da porta. Não houve qualquer cerimônia. A batalha tinha terminado no largo cheio de pára-quedistas. O estandarte estrelado flutuava sobre a primeira cidade da França libertada pelos americanos.

No Q.G. do 7.° Exército alemão, em Mans, o 84.º corpo do General Marcks recebeu a seguinte mensagem: "Comunicações cortadas com Sainte-Mère-l'Église..."

Eram precisamente 4 horas e 30 minutos.

*

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As ilhas de Saint-Marcouf são dois rochedos áridos, situados a três milhas da praia de Utah. Quando da complicada elaboração do plano de invasão, estas ilhas só chamaram as atenções três semanas antes do Dia D. O G.Q.G. supôs então que elas poderiam possuir baterias pesadas. Não podiam correr o risco de ignorá-las. À pressa, cento e trinta e dois homens do 4." e 24." esquadrões de cavalaria foram treinados, a fim de as tomar antes da Hora H. Estes homens chegaram às ilhotas cerca das quatro e meia. Não encontraram* canhões nem soldados — nada, além duma morte instantânea. Assim foi, pois os soldados do Tenente-Coronel Edward D. Dunn não tinham dado dois passos sobre as praias e já se encontravam presos numa intrincada rede de minas S — pequenas minas que saltam e explodem à altura da cintura, estripando as vítimas —, semeadas como grãos ao vento. Em poucos segundos a noite foi rasgada pelo fragor das explosões e pelos urros dos feridos. Três tenentes foram feridos imediatamente, dois soldados morreram e o Tenente Alfred Rubin, igualmente ferido, jamais esqueceria "o espetáculo de um homem deitado a seus pés que cuspia rolamentos de esferas". Ao fim do dia, as perdas elevar-se-iam a dezenove mortos e feridos. Rodeado de mortos e moribundos, o Tenente-Coronel Dunn lançou o sinal "missão cumprida". Foram as primeiras tropas a invadir a Europa por mar. Mas a sua ação não passou de um ínfimo detalhe do desembarque, uma vitória inútil e amarga.

*

Na zona britânica, junto da costa, apenas a cinco quilômetros para leste

de Sword Beach, o Tenente-Coronel Terence Otway e os seus homens estavam debaixo de um fogo cerrado de metralhadoras, na orla da rede de arame farpado e dos campos de minas que protegiam a potente bateria de Merville. A situação era desesperada. No decurso de longos meses de treino, Otway nunca tinha esperado que todas as fases de tão complicado ataque se desenrolassem conforme o previsto. Mas também não estava preparado para um insucesso total. Era contudo o que tinha acontecido.

O bombardeio falhara. O comboio especial de planadores tinha-se perdido, e com ele a artilharia, os lança-chamas, os morteiros, os detectores de minas e as escadas próprias para escaladas. Dos setecentos homens do seu batalhão, Otway só tinha encontrado cento e cinqüenta e, para se apoderar da bateria, guarnecida por duzentos defensores, os seus soldados dispunham unicamente de fuzis, metralhadoras Sten, granadas, alguns torpedos Bangalore e uma metralhadora pesada. Não hesitaram contudo em se lançar ao assalto, substituindo a falta de meios pela improvisação.

Com alicates já tinham feito algumas brechas na primeira rede de arames

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farpados e colocado os poucos torpedos Bangalore que possuíam, de modo a fazer saltar o resto. Um grupo abriu uma passagem através do campo de minas, trabalho terrificante. Rastejando sobre os cotovelos e os joelhos, ao luar, procuraram os fios metálicos tateando o terreno com a ponta das baionetas. Nesse momento, os cento e cinqüenta homens de Otway encobriam-se em valas e covas feitas por obuses ou ao longo de sebes, aguardando a ordem de ataque. O General Glade, comandante da 6.ª divisão aerotransportada, recomendara a Otway:

— O seu estado de espírito deve ser o seguinte: o insucesso não pode ser admitido...

Otway via os homens que o cercavam e pensava que as perdas seriam pesadas. Mas urgia reduzir ao silêncio os canhões da bateria — estes podiam massacrar as tropas que desembarcassem em Sword Beach. As probabilidades de sucesso eram mínimas, pensava Otway, mas não havia outra alternativa. Era preciso ir ao assalto. Sabia-o, da mesma forma que sabia que a última parte do seu plano, tão cuidadosamente estudado, estava destinada ao insucesso. Os três planadores que deviam despedaçar-se sobre a bateria, no momento do ataque por terra, não desceriam nunca antes de terem recebido um sinal especial: uma bomba luminosa lançada de um morteiro. Simplesmente, Otway não tinha nem bomba nem morteiro. Possuía very-lights e uma pistola própria para os lançar, mas estes só eram usados para indicar o sucesso de um ataque. A sua última esperança de ser apoiado desvanecia-se.

Os planadores apareceram na altura prevista. Os aviões rebocadores acenderam os focos de aterragem e largaram os planadores. Só havia dois, e cada um deles transportava cerca de vinte homens. O terceiro, cujo reboque se rompera sobre a Mancha, tinha conseguido voltar para Inglaterra em vôo planado, sem estragos. Os pára-quedistas ouviram o ligeiro murmúrio dos aparelhos que sobrevoavam a bateria. Impotente, Otway viu os planadores, banhados de lua, perderem altitude e descreverem círculos, enquanto os pilotos procuravam desesperadamente o sinal que Otway não lhes podia lançar. Os planadores desceram mais ainda e os alemães abriram fogo. As metralhadoras assestadas sobre os pára-quedistas viraram-se contra os engenhos silenciosos. Rosários de balas tracejantes de vinte milímetros despedaçaram as fuselagens de tela sem proteção. E os planadores continuavam a circular, obedecendo cegamente ao plano, procurando obstinadamente o sinal de Otway. Completamente aturdido, quase a chorar, o tenente-coronel cerrava os punhos e nada podia fazer.

Por fim, os planadores desistiram. Um deles virou-se sobre a asa e foi pousar seis quilômetros adiante. O outro passou tão rente sobre os ansiosos e impacientes ingleses que os soldados Alan Mower e Pat Hawkins julgaram

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que se ia despedaçar contra a bateria. No último momento, o aparelho ergueu-se e foi estatelar-se num bosque vizinho. Instintivamente, alguns homens fizeram menção de deixar os abrigos e ir socorrer os sobreviventes. Mas foram imediatamente proibidos de o fazer:

— Que ninguém se mexa! Não abandonem as suas posições — sussurraram os oficiais completamente esgotados.

Não havia agora mais nada por que esperar. Otway deu o sinal de ataque. O soldado Mower ouviu-o gritar:

— Avante! Vamos tomar essa maldita bateria! E lançaram-se ao ataque. Com estrondo ensurdecedor, os torpedos Bangalore abriram grandes

brechas nos arames farpados. O Tenente Mike Dowling gritava: — Avancem! Avancem! Mais uma vez, uma trompa de caça ecoou na noite. Dando urros e tiros,

os pára-quedistas de Otway mergulharam por entre os arames farpados na densa fumarada das explosões. Diante deles, para além do no man's land. de minas, de valas e de trincheiras com canhões, erguia-se a bateria. De repente, diversos foguetões vermelhos rebentaram sobre a cabeça dos assaltantes em marcha; seguiu-se um tiroteio maciço de metralhadoras Schmeissers e fuzis. Através da barragem mortífera, os homens avançavam curvados, lançavam-se por terra, corriam de novo, rastejavam e levantavam-se para se lançarem outra vez ao ataque. Mergulhavam em covas cavadas por obuses, brotavam delas e partiam de novo. Explodiam minas. O soldado Mower ouviu um grito e alguém clamou:

— Alto! Parem! Há minas por toda parte! Mower viu à sua direita um cabo gravemente ferido, sentado por terra,

afastando os homens com gestos largos, e ouviu-o repetir: — Não se aproximem! Não se aproximem! Dominando o tumulto das explosões, da fuzilaria e dos gritos dos

soldados, o Tenente Alan Jefferson, à frente de todos, continuava a soprar na trompa de caça. Súbito, o soldado Sid Capon ouviu explodir uma mina e viu Jefferson cair. Correu para o tenente, mas este gritou-lhe:

— Não! Avante! Para a frente! Deitado por terra, Jefferson levou depois a trompa aos lábios e

recomeçou a tocar. Agora só se ouviam gritos e urros, numa confusão de granadas, enquanto os pára-quedistas saltavam para as trincheiras e lutavam corpo a corpo com o inimigo. O soldado Capon, ao entrar para uma trincheira, deu de cara com dois soldados alemães. Um deles levantou acima da cabeça uma maleta da Cruz Vermelha, em sinal de rendição, e exclamou:

— Russki! Russki! Eram dois "voluntários" russos. Na altura, Capon não soube o que fazer.

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Depois viu outros alemães que se rendiam e eram empurrados para as trincheiras pelos pára-quedistas. Confiou a estes os seus dois prisioneiros e lançou-se novamente ao ataque da bateria.

Otway, o Tenente Dowling e uns quarenta homens já a tinham alcançado e lutavam ferozmente. Os soldados que tinham varrido as trincheiras e valas com canhões corriam agora em volta das fortificações de cimento-armado, despejando os carregadores das Sten e lançando granadas pelas seteiras. A batalha foi sangrenta e selvagem. Os soldados Mower e Hawkins e um servente de fuzil-metralhadora Bren, galopando sob um dilúvio de fogo de morteiros e metralhadoras, atingiram um lado da bateria, encontraram uma porta aberta e entraram. Um artilheiro alemão jazia morto na estreita passagem, mas parecia não haver mais ninguém. Mower deixou os dois companheiros à porta e embrenhou-se pela galeria. Desembocou numa ampla sala e viu uma pesada peça de campanha montada numa plataforma, sustentada por altas pilhas de obuses. Mower voltou correndo para junto dos seus camaradas e explicou-lhes com entusiasmo um plano para "fazer saltar toda aquela maldita geringonça lançando granadas no meio dos obuses". Mas não tiveram tempo. Enquanto os três homens discutiam à entrada, houve uma explosão brusca. O homem que transportava a metralhadora Bren morreu instantaneamente. Hawkins foi atingido no ventre. Quanto a Mower, julgou ter as costas "laceradas pelo menos por um milhar de agulhas aquecidas ao rubro". Não conseguia controlar as pernas, que estrebuchavam sozinhas como as dos moribundos. Mower.tinha a certeza de que ia morrer e não queria acabar assim. Começou a gritar por socorro. Chamou pela mãe.

Os alemães rendiam-se em toda a bateria. O soldado Capon alcançou Dowling e os seus homens, a tempo de enxergar "os alemães empurrando-se à porta a ver quem chegava primeiro". Os homens de Dowling quebraram dois dos canhões ao atirarem simultaneamente dois obuses para cada um deles e inutilizaram os outros dois provisoriamente. Em seguida, Dowling foi ao encontro de Otway. Fez a continência diante do coronel, a mão direita cerrada sobre o lado esquerdo do peito.

— A bateria foi tomada, conforme as ordens, coronel. Os canhões ficaram destruídos.

A batalha tinha terminado; durara um quarto de hora. Otway lançou um foguete amarelo — o sinal de missão cumprida — usando uma pistola Very. Um avião de reconhecimento da R.A.F. viu o sinal e preveniu pelo rádio o cruzador Arethusa, que se encontrava ao largo, precisamente quinze minutos antes do cruzador abrir fogo sobre a bateria. Ao mesmo tempo, o oficial de comunicações de Otway expediu uma mensagem confirmativa por pombo-correio. Trouxera consigo a ave durante toda a batalha. Tinha uma pequena cápsula plástica fixada à pata, contendo um papel com uma só palavra de

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código: "Hammer" (martelo). Pouco depois, Otway descobriu o cadáver do Tenente Dowling. Estava moribundo quando escrevera o relatório.

Otway tomou o comando do feroz batalhão e conduziu-o para fora da bateria de Merville. Não recebera ordens para manter a posição depois de destruir as peças. Os seus homens tinham outras missões. Fizeram somente vinte e dois prisioneiros. Dos duzentos alemães da guarnição, cento e setenta e oito estavam mortos ou moribundos, e Otway tinha perdido quase metade do seu efetivo — setenta mortos e feridos. Fato irônico, os canhões destruídos tinham metade da potência indicada nos relatórios. E, quarenta e oito horas mais tarde, os alemães voltariam para esta bateria. Dois dos canhões fariam fogo sobre as praias. Mas durante as horas críticas que se seguiram, a bateria de Merville permaneceu silenciosa, abandonada.

O grupo de Otway não dispunha de material médico, medicamentos suficientes, ou qualquer meio de transporte; tiveram que se resignar a abandonar no local os feridos mais graves. Mower foi levado para fora sobre uma tábua. O estado de Hawkins era demasiado grave para poder ser transportado. Contudo, os dois homens sobreviveram — até mesmo Mower, com cinqüenta e sete estilhaços de obus no corpo. A última coisa de que se lembra, enquanto os camaradas o levavam, é do urro de Hawkins:

— Eh, rapazes, tenham piedade! Santo Deus, não me deixem morrer aqui! Não me abandonem!

Depois, a voz tornou-se cada vez mais fraca, mais longínqua e estranha. Misericordiosamente, Mower desmaiou.

*

A madrugada aproximava-se — essa madrugada para a qual caminhavam lutando dezoito mil pára-quedistas. Em menos de cinco horas tinham conseguido mais do que o próprio General Eisenhower e os seus oficiais calculavam. As tropas aerotransportadas e os pára-quedistas haviam desorientado o inimigo, perturbado as comunicações e, além disso, dado que ocupavam os dois flancos da zona de desembarque, bloqueavam em larga medida a chegada de reforços alemães.

No setor britânico, as tropas do Major Howard tinham acabado por conquistar as pontes vitais sobre o Orne e o canal de Caen. De madrugada, seriam destruídas as cinco passagens sobre o Dives. O Tenente-Coronel Otway e o seu extenuante batalhão tinham aniquilado a bateria de Merville, e os pára-quedistas dominavam as colinas sobre Caen. Assim, os britânicos haviam cumprido as suas principais missões e, na medida em que as diversas vias de comunicações continuassem guardadas, o contra-ataque alemão seria retardado ou mesmo completamente detido.

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Na outra extremidade das cinco praias de desembarque, os americanos, apesar de lutarem num terreno mais difícil e de terem recebido as missões mais variadas, tinham igualmente realizado bom trabalho. Os homens do Tenente-Coronel Krause tomaram o importante burgo de Sainte-Mère-1'Église. Ao norte da pequena cidade, o batalhão do Tenente-Coronel Vandervoort cortara a principal via de estrada de ferro que ligava Cherbourg ao resto do país e estava preparado para repelir todos os ataques neste setor. O General-de-Brigada Gavin e os seus homens estavam entrincheirados à volta das passagens estratégicas sobre o Douve e o Merderet e ocupavam a parte de trás de Utah Beach. A 101.ª divisão do General Maxwell Taylor ainda estava muito dispersa: pela madrugada, o efetivo total disponível da divisão não era ainda de mil e cem homens, de um total de seis mil e quinhentos. Apesar dessas dificuldades, os soldados tinham contudo atingido a bateria de Saint-Martin-de-Varreville, descobrindo que os canhões tinham sido retirados. Outros estavam de vigia nas principais represas de La Barquette, que controlavam as inundações da península. E embora nenhum dos diques que conduziam até à praia de Utah tivesse sido atingido, dirigiam-se para lá alguns grupos de soldados, que já ocupavam o lado oeste das regiões inundadas, atrás da própria praia.

Os homens das tropas aliadas aerotransportadas tinham invadido o continente pelo ar e conquistado os pontos de apoio iniciais para a ofensiva por mar. Aguardavam agora as forças que chegariam em barcos para conjuntamente penetrarem no coração da Europa hitleriana. Os postos avançados americanos encontravam-se já a vinte quilômetros das praias de Utah e de Omaha, no interior. Para as tropas terrestres, a Hora H — seis horas e meia — soaria dentro de cento e cinco minutos.

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Um planador Horsa que transportava 30 homens, veio despedaçar-se

num terreno perto de Sainte-Mère-1'Église, de que pereceram oito soldados. Na escuridão, sobrecarregados pelo equipamento e muitas vezes

incapazes de se livrarem das correias dos pára-quedas, afogaram-se muitos homens, como o soldado em baixo, em menos de um metro de água.

(Coleção do General James M. Gavin)

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Em cima: Tropas canadenses comprimidas num batelão de desembarque

que se dirige para Juno Beach. Na esquerda da fotografia vêem-se as bicicletas desmontáveis. Embaixo: Alguns homens da 4.a Divisão dos Estados Unidos avançam na água em direção a Utah Beach.

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CAPÍTULO VII Às QUATRO horas e quarenta e cinco da manhã, o submarino de bolso X-

23 do Tenente George Honour subiu à superfície, num mar muito agitado, uma milha ao largo da costa normanda. A vinte milhas, o seu gêmeo X-20 imitou-o. Estes dois navios balizavam as extremidades do setor de desembarque anglo-canadense — compreendendo as praias de Sword, Juno e Gold. Cada tripulação tinha a tarefa de aprestar um mastro provido de um very-light e instalar todos os outros aparelhos de sinalização óptica e radielétrica. Feito isto, aguardariam os primeiros navios ingleses, que se guiariam pelos seus sinais.

A bordo do X-23, Honour empurrou o painel e ergueu-se anquilosado para a estreita ponte. As vagas varriam-na e teve de se agarrar para não ser arrastado. A tripulação, totalmente esgotada, imitou-o. Segurando-se à amurada, os pés na água, aspiravam sofregamente o ar fresco. Estavam diante de Sword Beach desde a madrugada de 4 de junho e tinham permanecido mergulhados mais de vinte e uma horas por dia. Ao todo, desde a aparelhagem, em Portsmouth, a 2 de junho, tinham passado cerca de setenta e quatro horas debaixo da água.

As suas atribulações não tinham acabado. Nas praias britânicas, a Hora H variava das sete horas às sete e trinta. Por conseguinte, tinham de agüentar ainda mais duas horas, até à chegada da primeira vaga de assalto. Até lá, o X-23 e o X-20 continuariam à superfície, imóveis, oferecendo assim excelente alvo às baterias costeiras alemãs. E, dentro em pouco, seria dia.

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CAPÍTULO VIII POR TODA parte os homens aguardavam essa madrugada, mas nenhum

com tanta ansiedade como os alemães. Porque, presentemente, a música era outra, e bastante ameaçadora, a que se ouvia na cascata de mensagens desabada sobre os Q.G. de Rommel e von Rundstedt. Ao longo de toda a Gosta, as estações do Almirante Krancke captavam ruídos de navios — não isolados, mas aos vinte, aos cem. Durante mais de uma hora os relatórios tinham-se sucedido. Finalmente, um pouco antes das cinco horas, o opinioso General Pemsel, do 7.° Exército, telefonou a Speidel, chefe do estado-maior de Rommel, para lhe dizer sem refletir:

— Assinalamos uma concentração de navios entre a foz do Orne e a do Vire. É fácil concluir que são iminentes um desembarque e uma ofensiva de grande envergadura contra a Normandia.

No Q.G., nos arredores de Paris, o Marechal de campo von Rundstedt já chegara à mesma conclusão. Continuava contudo a pensar que a ofensiva assinalada contra a Normandia constituía somente "um ataque de diversão" e não o verdadeiro desembarque. Mesmo assim, Rundstedt agira. Já tinha ordenado a duas divisões blindadas — a 12.ª S.S. e a Panzer Lehr, ambas de reserva junto de Paris — que se reunissem e se dirigissem para a costa. Do ponto de vista de tática, estas duas divisões dependiam da OKW e não deviam deslocar-se sem ordem expressa ou consentimento do Führer. Mas von Rundstedt antecipara-se e tentava a sua sorte; não podia acreditar que Hitler o desaprovasse. Convencido de que os Aliados tinham escolhido a Normandia para um "ataque de diversão", von Rundstedt pediu oficialmente as reservas à OKW. A mensagem que enviou por teletipo declarava: "A OB. West está persuadida de que, se se trata na realidade de uma ofensiva inimiga de envergadura, só poderá ser repelida tomando medidas imediatas. Estas pressupõem o pronto envio de todas as reservas estratégicas possíveis... isto é, a 12.ª S.S. e a Panzer Lehr. Se estas duas divisões se puserem imediatamente a caminho, poderão participar na batalha das regiões costeiras durante o dia. Nestas condições, a OB. West pede à OKW que liberte as reservas..." Era uma mensagem puramente de rotina, destinada simplesmente aos arquivos.

Em Berchtesgaden, nas românticas montanhas da Baviera Meridional, bem longe das realidades quotidianas, a mensagem foi transmitida ao escritório do General Alfred Jodl, chefe das operações. Jodl dormia e o seu estado-maior não considerou a situação suficientemente grave para o acordar. A mensagem podia esperar.

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A cinco quilômetros de Berchtesgaden, Hitler dormia com Eva Braun, sua amante, no refúgio que possuía nas montanhas. Como de costume, Hitler deitara-se às quatro horas da manhã e o médico particular, o Dr. Morell, dera-lhe um soporífero, sem o que não conseguia dormir. Pelas cinco horas, o Almirante Karl Jesko von Puttkamer, seu ajudante de campo naval, foi acordado por um telefonema vindo do Q.G. de Jodl.

O seu correspondente — Puttkamer não recorda a sua identidade — informou-o que houvera "uma espécie de desembarque em França". Nada se sabia ainda de concreto — de fato, asseguraram ao almirante que "as primeiras informações eram extremamente vagas". Conviria informar o Führer? Os dois homens discutiram o assunto e acabaram por concordar em deixar Hitler dormir em paz. "De qualquer modo — diz hoje Puttkamer — não havia nada de especial para lhe dizer. Ambos tínhamos medo de que, se eu o acordasse àquela hora, fosse atacado por uma das suas terríveis crises de nervos durante as quais tomava sempre decisões insensatas." 0 almirante decidiu esperar pelo fim da manhã para transmitir as notícias a Hitler. Apagou a luz e voltou a adormecer tranqüilamente.

Na França, os generais da OB. West e do grupo de Exércitos B preparavam-se para esperar. Tinham posto as tropas em estado de alerta e chamado as reservas blindadas; o primeiro passo seria agora dado pelos Aliados. Era ainda impossível avaliar a envergadura da ofensiva. Ninguém sabia — nem era sequer capaz de adivinhar — a potência da frota aliada. O desembarque principal dar-se-ia na Normandia? Ninguém o podia afirmar, a despeito dos indícios que se multiplicavam. Os generais tinham feito tudo o que podiam. O resto dependia dos simples soldados da Wehrmacht acantonados ao longo da costa. De repente, tinham-se tornado importantes. De momento, olhavam para o mar, perguntando a si próprios se se tratava de simples exercício de alerta ou se o grande dia tinha chegado finalmente.

No seu bunker dominando Omaha Beach, o Major Werner Pluskat não recebera qualquer notícia dos superiores, desde uma hora da manhã. Tinha frio, estava cansado, exasperado, sentia-se horrorosamente só e não compreendia por que razão não tinha recebido nenhum relatório vindo dos P.C. regimentais ou divisionários. Evidentemente, o fato de o telefone não ter tocado durante a noite era tranqüilizante; queria sem dúvida dizer que nada de grave se passava. Mas os pára-quedistas, as formações de aviões? Pluskat não conseguia livrar-se do mal-estar que sentia. Uma vez mais, girou o binóculo de artilharia para a esquerda, partiu da sombria massa da península de Cotentin e varreu lentamente o horizonte. Viu os mesmos bancos de bruma sobre o mar, os mesmos reflexos da lua, o mesmo mar agitado, salpicado de cristas brancas. Nada mudara. Tudo parecia calmo.

Atrás dele, no abrigo, o cão Harras dormia, todo estirado. Ao lado, o

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Capitão Ludz Wilkening conversava a meia voz com o Tenente Fritz Theen. Pluskat foi para junto deles.

— Nada de novo. Acho que vou desistir. Mas voltou para junto da seteira, contemplou o céu, que clareava com a

aproximação da madrugada, e por descargo de consciência resolveu efetuar uma última observação.

Enfadado, balançou mais uma vez o binóculo para a esquerda. Lentamente, seguiu o horizonte e chegou ao centro da baía. Foi então que o binóculo estacou. Pluskat inteiriçou-se e olhou atentamente.

Através dos farrapos de neblina que se dissipavam, o horizonte enchia-se de navios, como por encanto — barcos de todos os tipos, do todos os tamanhos, que evoluíam calmamente, como se já lá estivessem havia horas. Dir-se-ia haver milhares de embarcações. Era uma armada espectral, vinda não se sabia de onde. Petrificado, a respiração suspensa, Pluskat contemplava o espetáculo sem acreditar e emocionado como jamais estivera. Neste momento o universo do soldado Pluskat começou a desmoronar-se. Lembra-se de que nestes derradeiros instantes compreendeu, com calma e certeza, que "era o fim da Alemanha".

Voltando-se para Wilkening e Theen, disse simplesmente, com estranha indiferença:

— É o desembarque. Venham ver. Em seguida, telefonou para o Major, Block, no Q.G. da 352.ª divisão: — Block — disse — trata-se realmente do desembarque. À minha frente

há pelo menos dez mil navios. Ao pronunciar estas palavras teve a sensação de que deviam parecer

inacreditáveis. — Então, Pluskat, calma! — interrompeu secamente o major. — Os

americanos e ingleses não possuem em conjunto tantos navios. Ninguém dispõe de tal número!

A incredulidade de Block fez com que Pluskat saísse da espécie de letargia em que se encontrava.

— Ah, sim? — clamou com paixão. — Se não acredita, dê um salto por aqui e veja com os seus olhos! É fantástico! É inacreditável!

Houve curto silêncio, e em seguida Block perguntou: — Para onde se dirigem esses navios? Segurando o telefone, Pluskat virou-se para a seteira do bunker e

respondeu: — Diretamente para cima de mim!

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TERCEIRA PARTE - O Dia CAPÍTULO I NUNCA houvera uma madrugada semelhante. Pela alvorada cinzenta, a

imensa frota aliada, majestosa, grandiosa, temível, espalhava-se diante das cinco praias de desembarque. O mar pululava de navios. Os pavilhões de guerra estalavam ao vento, de um extremo ao outro do horizonte, desde Utah Beach, na península de Cotentin, até Sword Beach, na foz do Orne. Os couraçados monstruosos, os cruzadores ameaçadores e os esbeltos destroyers recortavam-se no céu. Atrás deles vinham os grandes navios de comando, eriçados de antenas, seguidos pelos barcos de transporte e de desembarque, cheios de homens e de material, pesados e lentos, profundamente mergulhados na água. À volta dos transportes de comando, esperando o sinal de assalto, agitavam-se sobre as vagas enxames de batelões e de embarcações cheios de soldados, que seriam os primeiros a desembarcar nas praias.

Esta frota imensa fervia de atividade e barulho. Os motores ofegavam e gemiam, enquanto os patrulhas iam e vinham através do formigueiro de pequenas embarcações. As gruas guinchavam ao lançarem ao mar os veículos anfíbios. As correntes deslizavam nas gruas conduzindo as embarcações de assalto, que batiam de encontro aos cascos dos barcos de transporte, repletos de homens lívidos. Os alto-falantes gritavam: "Alinhem-se, alinhem-se!", enquanto as vedetas, quais cães pastores, aceleravam a formação. Nos grandes navios de transporte, os soldados comprimiam-se na proa, à espera de vez para escorregarem pelas escadas ou redes a fim de chegarem aos batelões, afogados em chuva miúda, que balançavam pesadamente. E, dominando todo este barulho e confusão, os alto-falantes de todos os navios não paravam de lançar exortações:

"Lutem para pôr os homens em terra, lutem para salvar os barcos, se tiverem forças que cheguem, lutem para se salvarem a si próprios... Chega-te a eles, 4.ª divisão, e manda-os para o diabo! Não se esqueçam, o Grande Vermelho está a conduzir-vos. "Rangers", aos vossos postos... Não esqueçam Dunquerque! Lembrem-se de Coventry! Que Deus os abençoe a todos!... Nous mourrons sur le sable de notre France chérie, mais nous ne retournerons pas... (Morreremos nas areias da nossa querida França, mas não voltaremos para trás...) Chegou o momento, rapazes; estação terminus, todos descem, e não há bilhetes de ida e volta! Vinte e nove e não cabem

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mais!" E, em seguida, as duas frases que estes homens, na sua maioria, não conseguiram esquecer: "Empurrem as embarcações!" e "Pai Nosso que estais no Céu, santificado seja o Vosso nome..."

Nos conveses atulhados de tropas muitos homens saíram dos lugares para irem dizer adeus aos camaradas que partiam em outras embarcações. Soldados e marinheiros, tornados bons amigos no decurso das longas horas passadas a bordo, desejavam-se boa sorte mutuamente. E centenas de homens tiveram tempo para dar os endereços "no caso de...". Sargento Roy Stevens, da 29.ª divisão, andou às cotoveladas pela fila até encontrar o irmão gêmeo. "Acabei por lhe deitar a mão — lembra-se. — Sorriu e estendeu-me a mão. Disse-lhe que não, que apertaríamos as mãos numa encruzilhada de caminhos na França, como tínhamos combinado. Dissemos adeus e eu nunca mais voltaria a vê-lo." A bordo do Prince Leopold, o capelão do 5.º e 2° batalhão de "rangers", Joseph Lacy, abria passagem por entre a multidão e o soldado de primeira classe Max Coleman ouviu-o dizer: "De agora em diante, rezo em lugar de vocês. O que vão realizar já é por si uma prece".

A bordo de todos os navios, os oficiais coroavam as suas alocuções com o gênero de frases coloridas ou históricas que consideravam apropriadas para a ocasião — o que por vezes dava resultados inesperados. O Tenente-Coronel John O'Neill, que treinava especialmente os sapadores que deviam desembarcar nas praias de Omaha e Utah, com a primeira vaga de assalto, a fim de destruírem os obstáculos, pensou ter encontrado o remate ideal quando clamou:

— Aconteça o que acontecer, livrem-me desses malditos obstáculos! Junto dele uma voz observou calmamente: — Parece-me que este filho da mãe também está com medo. O Capitão Sherman Burroughs, da 29.ª divisão, confessou ao Capitão

Charles Cawthorn que tencionava recitar A execução de Dan McGrew durante o trajeto para a praia. O Tenente-Coronel Elzie Moore, que devia conduzir a brigada de engenharia até Utah Beach, não soube que dizer. Tencionava recitar um trecho, que considerava muito apropriado, do relato de outra invasão da França, uma cena de batalha do Henrique V, de Shakespeare, mas só conseguiu lembrar-se do primeiro verso: "Mais uma vez na brecha, meus caros amigos...", e resolveu desistir. O Major C. K. King, da 3.ª divisão britânica que fazia parte da primeira vaga de assalto de Sword Beach, tinha escolhido uma passagem da mesma peça. Tivera até o cuidado de copiar os versos, que terminavam com estas palavras: "O que sobreviver a este dia, e voltar salvo para casa, / Erguer-se-á na ponta dos pés quando este dia for mencionado..."

O ritmo acelerava-se. Ao largo das praias americanas, os barcos cada vez mais numerosos, carregados de homens, faziam uma roda que dançava à

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volta dos navios maiores. Encharcados, infelizes, enjoados, estes homens iam ser os primeiros a penetrar na Normandia, pelas praias de Omaha e Utah. No setor dos grandes barcos de transporte, o desembarque atingia a fase culminante. A operação revelava-se complexa e perigosa. Os soldados estavam de tal forma sobrecarregados com material que mal se podiam mexer. Vestiam um colete pneumático salva-vidas e, além das armas, carregavam mochilas, ferratas de terraplenagem, máscaras antigases, embrulhos com curativos, marmitas, facas, rações; transportavam ainda uma quantidade suplementar de granadas, explosivos e munições — até duzentos e cinqüenta cartuchos. As tropas especializadas levavam também todo o material necessário às suas missões. Alguns dizem que deviam pesar quase cento e cinqüenta quilos quando se arrastaram pelas pontes até chegarem às embarcações. Toda esta quinquilharia era indispensável, mas o Major Gerden Johnson, da 4.ª divisão de infantaria, achava que "os seus homens andavam como tartarugas". O Tenente Bill Williams, da 29.ª divisão, considerava que os homens estavam de tal modo sobrecarregados "que não poderiam sequer lutar". O soldado de primeira classe Rudolph Mozgo, debruçado na amurada, ao ver a embarcação embater contra o casco, subindo e descendo sobre as vagas, dizia a si próprio que, se ele e o seu material conseguissem, pelo menos, embarcar, metade da batalha estaria ganha.

Muitos homens, mantendo a custo o equilíbrio enquanto desciam ao longo das redes de assalto, feriram-se antes de sofrerem o fogo inimigo. O Cabo Harold Janzen, pertencente a uma seção de morteiros, sobrecarregado com dois rolos de cabos e diversos telefones de campanha, tentou compensar o balanço da embarcação que o esperava. Saltou quando julgou ser o melhor momento, calculou mal o salto, caiu de quatro metros no fundo do barco e estatelou-se com seu mosquetão. Houve feridos mais graves. O Sargento Romeo Pompei ouviu um grito, olhou e viu um homem pendurado na rede; a embarcação esmagara-lhe um pé contra o casco no navio. O próprio Pompei caiu de cabeça na embarcação e quebrou os dentes da frente.

Os homens que da ponte entravam para as embarcações, em seguida lançadas ao mar, estavam melhor aviados. O Major Thomas Dallas, um dos comandantes do 29.º batalhão, e o seu estado-maior encontravam-se suspensos entre céu e mar quando as talhas emperraram. Ficaram nesta posição — um metro abaixo do tubo de descarga dos sanitários — durante cerca de vinte minutos. "As privadas estavam sendo constantemente utilizadas — lembra-se Dallas — e durante aqueles vinte minutos recebemos tudo na cabeça."

Por vezes, as vagas erguiam-se tão alto que as embarcações subiam e desciam sob as talhas como ioiôs. Um barco de "rangers" estava a meia altura da amurada do Prince Charles, quando uma onda monstruosa

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levantou-o e quase o voltou a colocar sobre a ponte. A vaga retirou-se, e o barco deixou-se cair ao longo dos cabos, sacudindo como bonecos os ocupantes enjoados.

Ao descerem para as embarcações, os antigos combatentes explicavam aos recrutas o que os esperava. A bordo do Empire Anvil, o Cabo Michael Kurtz, da 1.ª divisão, reuniu o seu grupo e fez as devidas recomendações: "Quero que todos vocês, meus amigos, mantenham a cabeça abaixo da amurada. Assim que formos localizados seremos metralhados pelo inimigo. Se conseguirem safar-se, bravo. Do contrário, mais vale morrer lá do que em outro sítio. Vamos a isto". No momento em que Kurtz e os seus homens embarcavam, ouviram gritos. Uma embarcação acabava de se voltar, lançando todos os ocupantes ao mar. O barco de Kurtz chegou à água sem dificuldade. Viram então os homens do primeiro barco nadarem ao longo do casco do navio de transporte. Na altura em que a embarcação de Kurtz se afastava, um dos soldados gritou-lhes esbracejando: "Adeus, fantasmas!" Kurtz olhou para os seus homens. Cada rosto tinha a mesma expressão cerosa e vazia.

Eram cinco horas e trinta minutos da manhã. A primeira vaga já se aproximava das praias. Três mil homens, unicamente, conduziam o ataque deste gigantesco assalto por mar, que o mundo livre preparava com tanto esforço. Eram os grupos de combate da 1.ª, 29.ª e 4.ª divisões e das unidades anexas — equipes de demolição submarina do exército e da marinha, tanques e "rangers". A cada grupo de combate fora destinado um ponto preciso de desembarque. O 16.° regimento da 1.ª divisão, comandada pelo General Clarence R. Huebner, por exemplo, devia abordar numa das metades de Omaha Beach; o 116.° regimento da 29.ª divisão, às ordens do General Charles H. Gerhardt, na outra*. Estas zonas haviam sido divididas em subsetores, cada um com diferente nome de código. Os homens da 1.ª divisão desembarcariam em Easy Red, Fox Green e Fox Red e os da 29.ª em Charlie, Dog Green, Dog White, Dog Red e Easy Green.

* Neste assalto participavam grupos de combate da 1.ª e 29.a divisões, mas os desembarques propriamente ditos estavam sob o comando da l.a divisão, pelo menos durante o começo da ofensiva.

A aterrissagem em Omaha e Utah fora cronometrada por minutos. Na metade de Omaha destinada à 29.ª divisão, deviam descer em Dog White e Dog Green trinta e dois tanques, que tomariam posições à beira-mar, a fim de cobrirem a primeira vaga de assalto, quando faltassem cinco minutos para a Hora H: seis horas e vinte e cinco minutos.

À Hora H em ponto — seis horas e trinta — desembarcariam diretamente em Easy Green e Dog Red outros tanques transportados em oito LCT. Um minuto mais tarde — seis horas e trinta e um — as tropas de assalto abordariam todos os setores. Às seis e trinta e três chegariam as

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equipes de demolição de engenharia, incumbidas da perigosa tarefa de abrir dezesseis passagens com cinqüenta metros de largura através das minas e obstáculos. Dispunham exatamente de vinte e sete minutos para terminar este trabalho delicado. A partir das sete horas da manhã, de seis em seis minutos, desembarcariam cinco vagas, o grosso das tropas do primeiro assalto.

Tal era o plano referente às duas praias. Tudo fora tão bem preparado e cronometrado que esperavam receber o equipamento e artilharia pesada em Omaha uma hora e meia mais tarde. A chegada das gruas, half-tracks e veículos de conserto dos tanques estava prevista para as dez horas e trinta. Este horário era de tal modo preciso e complicado que parecia impossível conseguir respeitá-lo. Muito provavelmente as entidades responsáveis já o tinham previsto.

Os homens da primeira vaga de assalto não distinguiam a linha brumosa da costa da Normandia, visto encontrarem-se ainda a nove milhas. Alguns navios de guerra começavam já a trocar salvas com as baterias alemãs, mas, para os soldados das embarcações, o tiro era ainda longínquo e impessoal. Ninguém os visava ainda. Por enquanto, o inimigo número um era o enjôo. Poucos lhe escaparam. Os batelões de assalto, transportando cada um trinta homens e o respectivo material pesado, estavam tão mergulhados na água que as vagas os cobriam constantemente. A cada nova onda, rolavam e balançavam, e o Coronel Eugene Caffey, da brigada especial do 1.º regimento de engenharia, lembra-se de que certos soldados, deitados no fundo do barco, "se deixavam regar copiosamente, indiferentes a tudo, não se importando de viver ou morrer". Mas, para aqueles que não sofriam de enjôo, a visão da inacreditável frota constituía um espetáculo maravilhoso e aterrador. No barco do Cabo Gerald Burt, cheio de demolidores do regimento de engenharia, um homem suspirou com ar desolado, lamentando não ter levado consigo a máquina fotográfica.

A trinta milhas, a bordo do torpedeiro que comandava, à testa da 5.ª flotilha, Heinrich Hoffmann notou nevoeiro estranho e irreal, cobrindo o mar que se estendia à sua frente. Estava a observá-lo, quando um avião saiu daquela rama de algodão, confirmando-lhe as suspeitas — tratava-se certamente duma cortina de fumaça. Hoffmann embrenhou-se pela bruma para ver o que havia e sofreu o maior choque da sua existência. Do outro lado da cortina de fumaça encontrou-se em frente de inacreditável aglomerado de navios, a frota inglesa quase completa. Para onde quer que olhasse, só via couraçados, cruzadores e destroyers. "Tive a sensação de

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estar sentado num ioiô", diz Hoffmann. Quase instantaneamente, uma saraivada de obuses abateu-se sobre os pequenos barcos, rápidos e ágeis, que comandava. Sem um segundo de hesitação, o audacioso Hoffmann, apesar da ridícula inferioridade numérica em que se encontrava, deu ordem para atacar. Alguns instantes mais tarde — foi a única contra-ofensiva naval do Dia D — dezoito torpedos corriam em direção à frota aliada.

Na ponte do destroyer norueguês Svenner, o tenente inglês Desmond Lloyd viu-os vir, o mesmo acontecendo a outros oficiais nas pontes do Warspite, do Ramillies e do Largs. O Largs bateu rapidamente em retirada. Dois torpedos passaram entre o Warspite e o Ramillies. O Svenner não conseguiu fugir à trajetória das bombas. O capitão gritou:

— Tudo à esquerda! Estibordo todo em frente! Bombordo todo atrás! Desesperadamente procurava evoluir de modo a colocar os torpedos

paralelamente ao navio. O Tenente Lloyd, sem despegar os olhos do binóculo, viu que os torpedos iam bater debaixo da ponte. Só pensou numa coisa: "Até onde irei saltar?" Com uma lentidão desesperante, o Svenner desviou-se para bombordo e durante um segundo ou dois Lloyd pensou estarem salvos. Mas a manobra falhou. Um torpedo veio esmagar-se contra a casa das caldeiras. O Svenner pareceu erguer-se fora de água, estremeceu e partiu-se em dois. O quartel-mestre mecânico Robert Dowie, do draga-minas Dunbar, que estava ao lado do Svenner, ficou estupefato ao ver o destroyer afundar-se no mar "com a proa e a ré fazendo um perfeito V". Houve trinta mortos. O Tenente Lloyd, que ficou indene, nadou durante cerca de vinte minutos, sustentando um marinheiro que partira uma perna, até o destroyer Swift recolher os dois.

Para Hoffmann, agora em segurança do outro lado da cortina de fumaça, o importante era dar o alerta. Transmitiu a notícia para o Havre, ignorando que o rádio de bordo ficara inutilizado durante a pequena batalha que acabava de se travar.

*

A bordo do navio-almirante Augusta, ao largo das praias americanas, o

General Ornar N. Bradley pôs algodão nos ouvidos e focou o binóculo sobre os batelões de desembarque, que corriam a assaltar o litoral. Avançavam regularmente, transportando os homens do 1.º Exército americano. Bradley estava profundamente comovido e inquieto. Algumas horas antes pensava ainda que uma única e pequena divisão "estática" alemã, a 716.ª, se estendia pelas regiões costeiras, dos arredores de Omaha Beach até à zona britânica. Mas quando partira da Inglaterra os serviços secretos aliados tinham-lhe comunicado que acabava de se instalar naquele setor uma divisão

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suplementar. A notícia chegara demasiado tarde para que Bradley pudesse avisar as tropas, já "empacotadas". Os homens da 1.ª e da 29.ª divisões dirigiam-se portanto para Omaha Beach, sem suspeitar que a tão temida 352.ª divisão os aguardava, após um treino notável*.

* Os serviços secretos aliados estavam convencidos de que a 352.a divisão ocupava secretamente estas posições e unicamente visando um "exercício de defesa". Algumas unidades da 352.a divisão estavam acantonadas na costa, dominando Omaha Beach, havia mais de dois meses — outras havia ainda mais tempo. Pluskat e as suas peças de artilharia, por exemplo, já lá estavam desde março. Mas até ao dia 4 de junho os serviços secretos aliados supunham ainda a 352.a divisão nos arredores de Saint-Lô, a mais de trinta quilômetros das verdadeiras posições que ocupavam.

O bombardeio naval que devia facilitar-lhes a missão (Bradley rezava

para que assim acontecesse) ia começar. A algumas milhas dali, a bordo do cruzador francês Montcalm, o Contra-Almirante Jaujard dirigia-se aos oficiais e tropas. Com uma voz cortada pela emoção, disse-lhes:

— Cest une chose terrible et monstrueuse que d'être obligés de tirer sur notre propre patrie, mais je vous demande de le faire aujourd'hui. (É uma coisa terrível e monstruosa sermos obrigados a atirar sobre a nossa própria pátria, mas peço-lhes que o façam hoje.)

Quatro milhas ao largo de Omaha Beach, o bordo do destroyer americano Carmick, o Capitão-de-Fragata Robert O. Beer carregou no botão do intercomunicador e gritou:

— Ouçam-me todos! O "baile" vai começar, o maior a que já vos foi dado assistir, meus filhos! Vamos para a pista, e dancemos agora!

Eram cinco horas e cinqüenta. Os navios de guerra britânicos tinham aberto fogo havia mais de vinte minutos. Começou então o bombardeio do setor americano. A costa pareceu transformar-se num vulcão. O fragor da batalha ribombou surdamente ao longo do litoral da Normandia quando as peças pesadas se puseram a metralhar sistematicamente os seus objetivos. O céu cinzento iluminou-se e sobre a terra rodopiaram enormes nuvens de fumaça.

Ao largo das praias de Sword, Juno e Gold os couraçados Warspite e Ramillies vomitaram toneladas de aço sobre as potentes baterias do Havre e da foz do Orne. Os cruzadores e os destroyers cuspiram uma saraivada de obuses sobre os pontos fortificados, os fortins e redutos. Com uma precisão espantosa, os artilheiros do Ajax, célebre desde a batalha do Rio da Prata, destruíram quatro peças de 150, a uma distância de onze quilômetros. Ao largo de Omaha, os grandes couraçados Texas e Arkansas, totalizando ambos dez peças de 355, doze canhões de 305 e doze de 125, regaram com seiscentos obuses a bateria empoleirada na Ponta de Hoc, na esperança de facilitar a escalada dos batalhões de "rangers", que se dirigiam já para as falésias, com mais de trinta metros de altura. Ao largo de Utah, o couraçado

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Nevada e os cruzadores "Tuscaloosa, Quincy e Black Prince pareciam recuar a cada salva. Enquanto os gigantescos navios troavam, a cinco ou seis milhas ao largo, os destroyers aproximavam-se a uma ou duas milhas da costa e, alinhados, cobriam com um manto de fogo toda a rede de fortificações.

As assustadoras salvas do bombardeio naval impressionaram vivamente os homens que as viram e ouviram. O tenente inglês Richard Ryland ficou profundamente orgulhoso com "o aspecto majestoso dos couraçados" e perguntou a si próprio "se não seria a última vez que se oferecia semelhante espetáculo". A bordo do Nevada, o timoneiro Charles Langley ficou quase horrorizado com o bombardeio naval. Não percebia "como um exército podia resistir a semelhante dilúvio de fogo" e pensava que "a frota teria sem dúvida terminado a sua tarefa ao fim de duas ou três horas". E nos batelões correndo ao rés das ondas, debaixo deste dossel de aço, os soldados, infelizes e ensopados, lutando contra os vômitos que vazavam conforme podiam nos capacetes, levantaram a cabeça e soltaram vivas.

Ao fragor geral juntou-se novo ruído. Primeiro lenta e surdamente, como o zumbido de algum inseto gigante, depois num crescendo até ribombar como um trovão, os bombardeiros e caças apareceram no céu. Sobrevoaram a imensa frota, em formações cerradas, asa contra asa. Nove mil aviões! Sobre as cabeças zuniam Spitfires, Thunderbolts e Mustangs. Sem se im-portarem, aparentemente, com o dilúvio de obuses da frota, metralharam as praias e o interior, retomaram altura, evoluíram e recomeçaram. Por cima deles, cruzando-se a todas as altitudes possíveis, vinham os bombardeiros médios B-26 da 9.ª Força Aérea e, mais alto ainda, invisíveis devido ao es-pesso manto de nuvens e fumaça, zumbiam os aparelhos pesados — os Lan-casters da R.A.F. e da 8.ª Força Aérea, as Fortalezas Voadoras e os Libera-tors. Era espantoso como o céu podia conter tantos aviões. Os soldados er-gueram os olhos rasos de lágrimas de emoção e, com a garganta cerrada, pensaram que, dali em diante, tudo correria bem. Estavam protegidos pelas forças aéreas — o inimigo ficaria pregado ao solo, os seus canhões destruí-dos, as praias crivadas de covas. Mas trezentos e vinte e nove bombardeiros, incapazes de ver através das nuvens, e temendo bombardear as suas próprias tropas, lançaram treze mil bombas no interior, a cinco quilômetros dos obje-tivos previstos, os mortíferos canhões de Omaha Beach*.

* Havia oito bunkers de concreto com canhões de 75 e mais; trinta e cinco pillboxes com peças de artilharia de diversos calibres e armas automáticas; quatro baterias de artilharia; dezoito canhões antitanques; seis morteiros; trinta e cinco rampas de lançamento de foguetões, com quatro tubos de 38 mm cada, e nada menos de oitenta e cinco ninhos de metralhadoras.

A última explosão deu-se muito perto. O Major Werner Pluskat pensou que o abrigo se desagregaria. Outro obus bateu na falésia, mesmo por baixo.

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A extrema violência do choque fez Pluskat rodopiar e arremessou-o para trás. Caiu pesadamente no chão, sob uma chuva de lixo. A espessa nuvem de pó toldava-lhe a vista, mas ouviu os seus soldados gritarem. E outros projéteis atingiram a falésia. Sob o efeito do choque, Pluskat quase não conseguia falar.

O telefone tocou. Era o Q.G. da 352.ª divisão: — Qual é a situação? — perguntou uma voz. — Estamos sendo bombardeados — conseguiu dizer Pluskat. —

Violentamente bombardeados. Nesta altura distinguia explosões atrás do abrigo. Outra salva atingiu o cimo

da falésia, projetando uma avalancha de terra e pedras à frente das canhoneiras. O telefone tocou novamente. Desta vez, Pluskat não conseguiu encontrar o aparelho e deixou-o tocar. Notou que estava completamente coberto por uma fina camada de pó branco e que tinha o uniforme em farrapos.

O bombardeio abrandou durante alguns instantes, dando-lhes pequeno descanso, e, quando a poeira se dissipou, Pluskat viu Theen e Wilkening estendidos no cimento. Gritou a Wilkening:

— Seria melhor voltarem aos vossos postos durante este intervalo! Wilkening lançou sobre Pluskat um olhar taciturno — o posto que

ocupava encontrava-se noutro observatório, a alguma distância. Pluskat aproveitou o intervalo telefonando para as baterias. Com profundo espanto, nenhum dos seus vinte canhões — Krupps novinhos em folha, de diversos calibres — tinha sido atingido. Não compreendia como tinham conseguido escapar ao bombardeio aquelas baterias situadas, quando muito, a oitocentos metros da margem; não havia um só ferido. Pluskat pensava se o inimigo não teria tomado os observatórios por baterias. Os estragos verificados no observatório que ocupava assim o pareciam indicar.

O telefone tocou de novo no momento em que o bombardeio recomeçava. A mesma voz queria saber "a localização exata dos pontos de queda".

— Por amor de Deus! — gritou Pluskat. — Caem por todos os lados! Que querem que eu faça? Que vá medir os buracos com um duplo-decímetro?

Desligou com violência e olhou em volta. No bunker ninguém parecia ter sido ferido. Wilkening fora-se embora. Theen estava em frente de uma canhoneira. Pluskat notou então que Harras desaparecera; mas tinha mais que fazer do que ocupar-se do cão. Pegou no telefone, aproximou-se da segunda canhoneira e olhou para fora. Havia ainda mais embarcações do que da última vez, pareceu-lhe, e estavam muito mais próximas. Em breve entrariam no seu campo de tiro. Chamou o Coronel Ocker, no P.C. do regimento.

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— Todos os canhões a meu cargo estão intatos — informou. — Ótimo — respondeu o coronel. — Aconselho-o agora a voltar o mais

depressa possível para o seu P.C. Pluskat telefonou então para os diretores de tiro: — Vou voltar — disse-lhes. — E atenção, hem! Não abram fogo antes

do inimigo chegar à borda da água. Os batelões que transportavam as tropas da 1.ª divisão americana para

Omaha Beach já não tinham muito caminho a percorrer. Por trás das escarpas, dominando Easy Red, Fox Green e Fox Red, os soldados das quatro baterias de Pluskat esperavam que os batelões se aproximassem um pouco mais.

*

"Aqui Londres... Aqui Londres... Instruções urgentes do Comando Supremo. A vida de muitos de vós

depende da vossa prontidão a obediência imediata. Esta mensagem dirige-se muito especialmente àqueles que habitem num raio de trinta e cinco quilômetros de qualquer ponto da costa."

De pé, à janela da casa da mãe, em Vierville, na extremidade oeste de Omaha Beach, Michel Hardelay observava a frota de invasão. Os canhões não paravam de troar e Hardelay sentia a terra tremer-lhe sob os pés. A família — a mãe, o irmão, a sobrinha e a criada — estava reunida na sala. Já ninguém podia ter dúvidas: o desembarque dar-se-ia precisamente em Vierville. Hardelay considerava com fatalismo a sorte da casa. Seria certamente destruída. Ao fundo da divisão, o rádio continuava difundir a mesma mensagem da BBC, infatigavelmente repetida há mais de uma hora:

"Deixem imediatamente as aglomerações e previnam os vizinhos que não tenham ouvido esta mensagem... Não sigam pelas estradas de grande movimento. Partam a pé e levem só o que puderem transportar facilmente... Cheguem ao campo o mais depressa possível... Não formem grupos que possam parecer concentrações de tropas..."

Hardelay pensava se o alemão viria a cavalo, como de costume, trazer o café aos soldados das baterias. Estava quase na hora; não demoraria. Efetivamente, Hardelay viu-o chegar, montando o mesmo percherão e acompanhado pelo mesmo alarido das marmitas. O soldado cavalgava tranqüilamente. Chegou à curva da estrada — e viu a frota. Durante um ou dois segundos ficou imóvel, como que petrificado. Depois desmontou, tropeçou, caiu, levantou-se e correu para um abrigo. O cavalo continuou calmamente o seu caminho até a aldeia. Eram precisamente seis horas e quinze minutos.

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CAPÍTULO II As INTERMINÁVEIS filas de embarcações estavam a menos de uma milha

da costa. Para os três mil americanos da primeira vaga de assalto a Hora H ia soar dentro de quinze minutos.

O fragor era ensurdecedor e, nesta trovoada, os barcos avançavam regularmente, deixando atrás de si longa esteira branca. Nos batelões sacudidos pelas vagas, os homens tinham que gritar para conseguirem ouvir-se, vencendo o barulho dos motores. Sobre eles, qual monstruoso chapéu de chuva de aço, os obuses cruzavam-se e entrecruzavam-se. E, da costa, chegavam as explosões do tapete de bombas. Os canhões da Muralha do Atlântico mantinham-se estranhamente silenciosos. Os homens viram surgir a linha sombria da costa; o silêncio do inimigo pô-los perplexos. Tentaram tranqüilizar-se e pensaram que, a final de contas, talvez o desembarque viesse a ser mais fácil do que esperavam.

As proas inclinadas dos batelões embatiam violentamente em cada onda, e uma água verde e gelada, estriada de espuma, caía sobre os soldados como um aguaceiro. Nestas embarcações não havia heróis — nada mais do que homens infelizes, gelados, inquietos e doentes, tão apertados e tão incomodados pelo equipamento, que por vezes vomitavam por cima uns dos outros. Kenneth Crawford, do Newsweek, pertencente à primeira vaga destinada a Utah, viu um soldado da 4.ª divisão coberto de vômito, que, subjugado pela sua própria infelicidade, sacudia a cabeça com nojo; ouviu-o murmurar:

— Esse tipo do Higgins não tem de que se orgulhar por ter inventado semelhante barcaça!

Alguns não tinham sequer tempo de pensar na sua sorte e mal-estar — estavam totalmente ocupados com o esvaziamento da água das embarcações para salvarem a pele.

Muitos batelões começaram a fazer água assim que saíram dos navios de transporte. A princípio os homens não se inquietaram com a água que lhes rodopiava em volta das pernas; era só mais um incômodo a suportar. O Tenente George Kerchner, dos "rangers", observou a água que subia com regularidade dentro da embarcação que ocupava e pensou se o caso seria grave. Tinham-lhe repetido de mil maneiras que os LCA* eram insubmersíveis. Mas de repente, pelo rádio, os homens de Kerchner ouviram um pedido de socorro:

* Landing craft assault: batelões de assalto.

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— Chama o LCA 860!... LCA 860! Estamos afundando! Estamos afundando!

E por fim houve uma última exclamação: — Santo Deus! Afundamos. Imediatamente, os homens de Kerchner puseram-se, como furiosos, a

esvaziar o batelão. No barco que seguia atrás de Kerchner o Sargento Regis Mac Closkey,

também dos "rangers", estava igualmente preocupado. Havia mais de uma hora que ele e os seus homens se entregavam ao mesmo trabalho. O barco em que seguiam transportava as munições para o ataque da Ponta do Hoc e todas as mochilas dos "rangers".

O barco enchia-se tão rapidamente que Mac Closkey tinha a certeza de que se iria afundar. Restava-lhe uma única esperança: deslastrá-lo suficientemente. Ordenou aos soldados que lançassem pela borda fora tudo o que não fosse indispensável. As rações, o vestuário sobressalente e as mochilas foram para o mar. Num dos sacos havia mil e duzentos dólares que o soldado Chuck Vella ganhara nos dados; noutro, a dentadura do sargento-chefe Charles Frederick.

Tanto no setor de Omaha Beach como no de Utah houve naufrágios deste tipo — dez ao largo de Omaha, sete diante de Utah. Alguns soldados foram pescados por canoas de salvamento, que os seguiam de perto, outros tiveram de nadar durante horas antes de serem recolhidos. Outros, enfim, cujos gritos e chamadas não foram ouvidos por ninguém, sobrecarregados pelo material e munições que transportavam, afogaram-se vendo a costa de França mas sem terem disparado um só tiro.

Num instante, a guerra transformara-se numa coisa pessoal. As tropas que avançavam para Utah Beach viram o barco-guia de uma das formações erguer-se bruscamente e explodir. Alguns segundos mais tarde, apareceram várias cabeças, e os sobreviventes agarraram-se aos destroços que flutuavam. Quase imediatamente deu-se uma segunda explosão. A tripulação de um batelão, que tentava lançar à água quatro dos trinta e dois tanques anfíbios destinados a Utah, abaixou a rampa precisamente em cima de uma mina submersa. A frente da embarcação saltou, e o Sargento Orris Johnson, que seguia num LCA, viu horrorizado um tanque "subir a mais de trinta metros no ar, dar uma volta lentamente, cair de novo na água e desaparecer". Entre os numerosos mortos, viria a sabê-lo mais tarde, encontrava-se o seu colega Don Neill.

Centenas de soldados, a caminho de Utah Beach, viram os cadáveres, ouviram os urros e os gritos de socorro dos que se afogavam. O Tenente Francis X. Riley, da Coast Guard, lembra-se da cena como se fosse ontem. Este oficial de vinte e quatro anos, que comandava um LCI*, teve de se

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limitar a ouvir "os gritos de angústia e súplicas dos soldados feridos que nos imploravam que os tirássemos da água". Mas Riley tinha ordem de "desembarcar os seus homens à hora combinada, sem se preocupar com os feridos". Tentando tapar os ouvidos para não os ouvir, Riley deixou os desgraçados para trás. Nada podia fazer. Numa embarcação que transportava tropas do 8.° regimento de infantaria da 4.ª divisão, o Tenente-Coronel James Batte ouviu um dos seus homens murmurar, de rosto ceroso, ao ver flutuar os corpos dos afogados:

* Landing craft Infantery: batelões de desembarque para a infantaria. — Aqueles "safados" têm sorte. Já não estão enjoados. A visão dos cadáveres, a fadiga do longo trajeto e o espetáculo

ameaçador das areias e dunas de Utah Beach, já próximas, arrancaram os homens da letargia em que estavam. O Cabo Lee Cason, que acabava de completar vinte anos, encontrou-se subitamente "a praguejar contra Hitler e Mussolini, por nos terem metido nestes apuros". A veemência com que falava surpreendeu os colegas. Pela primeira vez ouviram Cason blasfemar. Em muitos barcos os soldados verificavam nervosamente as armas. Os homens tornavam-se tão ciumentos de suas munições, que o Coronel Eugene Caffey foi incapaz de persuadir um só dos seus homens a ceder-lhe um carregador para a espingarda. Caffey, que só devia desembarcar às nove horas, tinha-se escapado sub-repticiamente para uma embarcação do 8.° regimento de infantaria, a fim de se juntar à sua querida e velha brigada do 1.° regimento de engenharia. Não tinha qualquer equipamento e, embora todos os homens do barco estivessem sobrecarregados de munições, "agarravam-se a elas como perdidos". Caffey conseguiu finalmente carregar o fuzil mendigando uma única bala a oito soldados.

Ao largo de Omaha Beach deu-se um desastre. Afundaram-se quase metade dos tanques anfíbios, destinados a apoiar as tropas de assalto. O plano previa o lançamento à água, a duas ou três milhas da costa, de sessenta e quatro tanques, que chegariam a terra sem reboque. Trinta e dois estavam afetos ao setor da 1.ª divisão — Easy Red, Fox Green e Fox Red. Os batelões que os transportavam alcançaram as suas posições, as rampas foram descidas e vinte e nove tanques lançados ao mar. Os estranhos veículos, sustentados por enormes saias de tela impermeável, infladas de ar, começaram a avançar. Depois a catástrofe desabou sobre o 741.º batalhão de tanques. Cortadas pelas lâminas, as saias pneumáticas esfrangalharam-se; os suportes partiram-se, os motores ficaram inundados e, um a um, foram a pique vinte e sete tanques. Os homens içaram-se pelos painéis, encheram os coletes salva-vidas e jogaram-se na água. Alguns conseguiram lançar barcos de borracha. Outros afogaram-se dentro das suas prisões de aço.

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Dois tanques, seriamente avariados e quase submersos, continuavam a dirigir-se para a praia. As tripulações de outros três tiveram a sorte de se encontrar a bordo de um batelão cuja rampa emperrou. Desembarcaram diretamente na praia mais tarde. Salvaram-se trinta e dois, destinados ao setor da 29.ª divisão. Os comandantes dos barcos que os transportavam, horrorizados com a catástrofe de que haviam sido testemunhas, decidiram judiciosamente levá-los diretamente até as praias. Mas a perda dos blindados da 1.ª divisão iria custar centenas de mortos e feridos no decurso dos minutos seguintes.

A duas milhas da costa, os recém-chegados viram flutuar na água os vivos e os mortos. Estes balançavam docemente ao sabor das ondas, levados pela maré em direção à praia, como que procurando, mesmo mortos, juntar-se aos seus camaradas. Aqueles, subindo e descendo sobre as vagas, urravam, pedindo aos camaradas os socorros que estes lhes não podiam dar. O Sargento Regis Mac Closkey, a bordo duma embarcação de munições que já se encontrava fora de perigo, viu homens dentro da água que "gritavam, chamavam por socorro, nos estendiam os braços, nos pediam que parássemos, e nós nada podíamos fazer. Nada, a ninguém". Mac Closkey cerrou os dentes, voltou-se quando o barco desfilou perante os infelizes e, alguns segundos mais tarde, vomitou pela borda fora. O Capitão Ro-bert Cunningham e os seus homens viram também alguns sobreviventes que se debatiam. Os marinheiros da tripulação empurravam instintivamente o barco para eles. Uma vedeta cortou-lhes o caminho e ordenou-lhe pelo alto-falante:

— Vocês não são uma canoa salva-vidas! Avancem! Alcancem a terra! Noutra embarcação, o Sargento Noel Dube, de um batalhão de

engenharia, recitou o ato de contrição. A música marcial e homicida do bombardeio pareceu ir num crescendo,

à medida que as longas e sinuosas filas de embarcações se aproximavam de Omaha Beach. Navios especiais, de vigia a mil metros da costa, juntaram o seu fogo ao da frota; em seguida, milhares de foguetões deslumbrantes passaram assobiando sobre as cabeças. Para estes homens, era inconcebível que algo pudesse resistir ao inacreditável dilúvio de aço que se despenhava sobre as posições alemãs. A praia estava coberta de bruma e, nas dunas, elevavam-se docemente penachos de fumaça, por entre os tufos de erva. Os canhões alemães continuavam calados. Os batelões iam abordar Na rebentação, à beira da praia, os homens distinguiam a selva mortal de obstáculos de concreto e aço. Viam-se por toda parte, cobertos de grinaldas de arame farpado e encimados por minas, tão horríveis e cruéis como os tinham imaginado. Para lá das defesas, a praia propriamente dita estava deserta; nada, ninguém, se movia. As embarcações continuavam a avançar... quinhentos metros... quatrocentos e cinqüenta... Sempre sem réplica do

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inimigo. Levada por ondas com mais de um metro de altura, a flotilha de desembarque avançava aos saltos. Começou então o bombardeio maciço sobre os alvos mais afastados, no interior. As primeiras embarcações estavam a menos de quatrocentos metros da margem quando os canhões alemães — esses canhões que ninguém pensava pudessem ter resistido ao ataque em massa da marinha e da aviação — entraram em ação.

No meio do barulho infernal ouviu-se um ruído, mais próximo, mais nítido, mais ameaçador do que todo o resto — o crepitar das balas de metralhadora que vinham esmagar-se contra o casco de aço dos batelões. A artilharia rugiu. Choveram os obuses de morteiros. Ao longo dos seis quilômetros da praia de Omaha os canhões alemães vomitaram aço.

Era a Hora H. E assim desembarcaram, na praia de Omaha, estes homens estafados e

pouco gloriosos que ninguém invejava. Para eles não houve estandartes altivos, nem clarins, nem mesmo trombetas. Só a História estava a seu favor. Pertenciam a regimentos que haviam acampado em locais chamados Valley Forge, Stoney Greek, Abtietam, Gettysburg*, que tinham lutado em Argonne. Tinham atravessado as praias da África, da Sicília, de Salerno. E iam abordar uma outra que não tardaria a ser chamada "Omaha, a Sangrenta".

* Célebres batalhas da Guerra da Independência e da Guerra da Secessão. O fogo mais intenso vinha das falésias e dos taludes, situados dos dois

lados da praia em forma de meia lua — o setor de Dog Green, da 29.ª divisão, no oeste, e o setor de Fox Green, da 1.ª divisão, no nascente. Os alemães haviam concentrado nesses pontos os contingentes mais poderosos para baterem as principais entradas da praia, em Vierville e para os lados de Colleville. Ao longo de toda a praia, os homens foram submetidos a um fogo esmagador, quando as embarcações abordaram, mas os de Dog Green e Fox Green não tinham a menor probabilidade de escapar; do cimo das falésias as peças alemãs dominavam diretamente os pesados batelões que apareciam nestes setores. Superlotados, e demasiado lentos, os barcos pareciam estar quase estacionados. Eram alvos fáceis. Na barra, os marinheiros, que já tinham bastante dificuldade em dirigir os barcos através da floresta de obstáculos minados, tiveram de fazer face a este tiroteio.

Algumas embarcações, incapazes de abrir uma passagem através do labirinto de obstáculos, e debaixo da chuva de projéteis, foram rechaçadas e erraram ao longo da costa, à procura de um ponto de desembarque menos defendido. Outras, obstinando-se em acostar no local previsto, foram tão duramente bombardeadas que as respectivas tripulações saltaram para a água, ainda funda, onde foram impiedosamente metralhadas. Alguns

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batelões voaram em pedaços ao chegar a terra. O barco do segundo-tenente Edward Gearing, transportando trinta soldados da 29.ª divisão, desintegrou-se num segundo, a trezentos metros da saída de Dog Green, junto de Vierville. Gearing foi projetado para o mar juntamente com os seus homens. Abalado e meio afogado, o tenente de dezenove anos subiu à superfície, a vários metros do local onde o barco fora a pique. Outros sobreviventes foram aparecendo um a um. Tinham perdido os capacetes, as armas e o equipamento. Gearing viu junto de si um dos seus soldados debatendo-se sob o peso de um rádio que tinha preso às costas e berrando:

— Por amor de Deus! Estou me afogando! Ninguém pôde socorrer o radiotelegrafista antes que se afogasse. Para

Gearing e o que restava da sua seção as provações tinham apenas começado. Levariam ainda três horas para alcançar a praia. E, uma vez chegado, Gearing viria a saber que era o único oficial indene da companhia. Todos os outros estavam mortos ou gravemente feridos.

Ao longo da praia de Omaha o abaixamento das rampas pareceu dar o sinal duma recrudescência do fogo inimigo, duma metralha mais concentrada, e novamente o tiro mais pesado dirigiu-se para os setores de Dog Green e de Fox Green. Ao chegarem a Dog Green, os batalhões da 29.ª divisão encalharam nos bancos de areia. As rampas caíram, e os homens mergulharam em águas com uma profundidade de um a dois metros. Só tinham uma idéia: atravessar duzentos metros de areia semeada de obstáculos, galgar a praia seixosa e alcançar o sopé das falésias, único e inseguro abrigo que lhes era oferecido. Mas, sobrecarregados pelo equipamento, incapazes de correr em águas profundas, e sem qualquer espécie de proteção, foram apanhados por um fogo cruzado de metralhadoras e armas ligeiras.

Esgotados pelas infindáveis horas passadas a bordo dos transportes e batelões, enfraquecidos devido ao enjôo, os soldados tiveram de lutar pela vida, em águas que por vezes os cobriam totalmente. O soldado David Silva viu os companheiros que o precediam morrerem um a um ao transporem a rampa. Quando chegou a sua vez, mergulhou na água até as axilas e, peado pelo equipamento, ficou petrificado ao ver as balas que à sua volta chicoteavam a superfície. Em poucos segundos, as rajadas de metralhadora destruíram-lhe a mochila e o uniforme. Silva teve a impressão de servir de alvo no tiro aos pombos. Pareceu-lhe distinguir o metralhador alemão que o visava, mas não pôde ripostar. Estava com o fuzil cheio de areia. Silva avançou patinhando, decidido a alcançar a praia. Acabou por chegar a terra firme e correu a abrigar-se junto da falésia, ignorando totalmente que estava ferido nas costas e na perna direita.

Ao longo da praia, à borda da água, os homens iam perecendo. Alguns

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morriam instantaneamente, outros imploravam o auxílio dos médicos, enquanto a maré enchia, submergindo-os inexoravelmente. O Capitão Sherman Burroughs estava entre os mortos. O Capitão Charles Cawthorn viu o cadáver do amigo, docemente embalado pela maré. Cawthorn perguntou a si próprio se Burroughs teria, como tencionava, recitado aos seus homens A execução de Dan McGrew.

E, ao vê-lo, o Capitão Carrol Smith não pôde deixar de pensar que Burroughs "não sofreria mais daquelas atrozes enxaquecas". Burroughs tinha recebido uma bala na cabeça.

Em Dog Green, nuns escassos minutos de massacre, toda uma companhia foi posta fora de combate. Menos de metade dos efetivos sobreviveu à marcha sangrenta dos batelões até à borda da praia. Os oficiais foram mortos, gravemente feridos ou desapareceram, e os homens, feridos, sem armas, agruparam-se junto do sopé da falésia durante todo o dia. No mesmo setor outra companhia sofreu perdas ainda maiores. A companhia C do 2° batalhão de "rangers" recebera ordem para aniquilar os pontos fortificados de Pointe-de-la-Percée, ligeiramente a oeste de Vierville. Em Dog Green, os "rangers" desembarcaram de duas embarcações, com a primeira vaga de assalto. Foram dizimados. O primeiro batelão foi quase instantaneamente afundado pela artilharia alemã e a um tempo morreram doze homens. Assim que começou a descer a rampa do segundo, os "rangers" foram regados por rajadas de metralhadoras, que mataram e feriram quinze. Os sobreviventes quiseram correr a abrigar-se junto às falésias. Um após outro, todos pereceram. O soldado de primeira classe Nelson Noyes, curvado sob o peso da bazuca, avançou cem metros até ser forçado a deitar-se por terra. Levantou-se e correu de novo. Quando conseguiu abrigar-se, já fora ferido numa perna. Estava ali estendido quando viu os dois alemães que o tinham atingido debruçarem-se, a mirá-lo, do alto da falésia. Apoiando-se nos cotovelos. Noyes levantou-se, disparou a metralhadora e abateu-os. Quando o Capitão Ralph E. Goranson, comandante da companhia, chegou por sua vez junto à falésia, só lhe restavam trinta e cinco "rangers", dos setenta que pertenciam à companhia. Ao pôr do sol sobreviviam doze.

A pouca sorte desabava sobre os homens da praia de Omaha. Os soldados souberam que não tinham sido desembarcados nos respectivos setores. Alguns encontravam-se a três quilômetros. A batalhões da IX divisão misturavam-se seções da 29.ª. As unidades que deviam desembarcar em Easy Green, por exemplo, e conquistar a saída de Les Moulins, viram que estavam na extremidade oriental da praia, no inferno de Fox Green. Quase todos os batelões desembarcaram ligeiramente a nascente dos pontos previstos. O desvio de uma vedeta-piloto, a corrente bastante forte puxando

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para este, a bruma e a fumaça das fogueiras de silvados, que disfarçavam os marcos de referência, tudo contribuíra para que se cometessem erros. Diversas companhias, treinadas para atacarem determinadas posições, nunca chegaram a vê-las. Havia pequenos grupos colados ao solo, isolados num terreno que não reconheciam, muitas vezes sem oficiais nem meios de comunicação.

As brigadas de demolição, que deviam abrir passagens através dos obstáculos, não só se dispersaram, mas também se atrasaram alguns minutos fatais. Desorientados, os homens começaram a trabalhar aqui e ali, onde se encontravam. Mas a batalha estava perdida de antemão. Durante os escassos minutos que lhes restavam até à chegada da vaga seguinte, só conseguiram limpar cinco passagens e meia, em vez das dezesseis previstas. Trabalhavam contra relógio, com a energia do desespero, mas tudo se voltou contra eles — a eles juntaram-se elementos da infantaria, outros abrigaram-se atrás dos obstáculos, que se preparavam para fazer ir pelos ares, e os batelões, erguidos pelas ondas, por pouco os não esmagaram. O Sargento Barton A. Davis, do 299.° batalhão de assalto de engenharia civil, viu, horrorizado, uma embarcação, cheia de tropas da 1.ª divisão, dirigir-se para ele, através dos obstáculos. Deu-se terrível explosão, o barco desintegrou-se. Davis teve a impressão de todos os ocupantes terem sido projetados para o ar. Em volta dos destroços em fogo caíram cadáveres e membros isolados. "Vi homens, como pontos negros, tentarem nadar através do lençol de gasolina estendido sobre o mar e, enquanto pensávamos no que poderíamos fazer, um torso decepado voou, e caiu junto de nós, frouxo e repugnante." Davis não compreendia como um só ser poderia ter sobrevivido à terrível explosão, mas salvaram-se dois homens. Foram pescados, gravemente feridos, mas vivos.

Esta catástrofe não excedeu em horror a que atingira a unidade de Davis, os heróicos sapadores da brigada especial de engenharia. Os batelões, que transportavam explosivos, foram atingidos por obuses e incendiaram-se junto à praia. Os alemães, ao verem os soldados da brigada de engenharia no meio dos obstáculos, tomaram-nos por alvos. Enquanto diversos grupos fixavam as cargas de plásticos, os atiradores visavam as minas colocadas em cada um. Outras vezes pareciam esperar que os sapadores tivessem preparado a destruição de longas fileiras de cavaletes e tetraedros de aço ou concreto, para então fazerem ir tudo pelos ares, com um só tiro de morteiro, antes da brigada se poder proteger. Ao fim do dia, só metade dos homens sobrevivera. 0 próprio Sargento Davis foi ferido. Ao cair da noite estava a bordo dum navio-hospital, a caminho da Inglaterra...

Eram sete horas. A segunda vaga de assalto chegou ao caos de Omaha. Mais uma vez as tropas alcançaram terra chafurdando sob o fogo contínuo

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do inimigo. Novos batelões se juntaram aos montões de destroços fumegantes ou em chamas. Cada nova vaga de embarcações dava o seu tributo sangrento à maré enchente e, ao longo da praia docemente encurvada, os americanos mortos acotovelavam-se meigamente dentro da água.

O mar lançava à praia os restos e destroços do exército invasor. Material pesado, caixas de munições, rádios partidos, telefones de campanha, máscaras antigas, ferramentas de terraplenagem, marmitas de aço, capacetes e cintos de salvação, iam-se amontoando na praia. Viam-se enormes rolos de fio, corda e arame farpado, caixas de rações, detectores de minas e centenas de armas, desde fuzis partidos até bazucas inutilizadas. Os cascos perfurados dos batelões surgiam nas mais extraordinárias posições. Tanques em chamas cuspiam enormes espirais de fumaça negra. Os bulldozers jaziam de lado entre os obstáculos. Perto de Easy Red, um violão flutuava à deriva entre os destroços.

A praia estava semeada de pequenas ilhotas de feridos. Os soldados que os viram notaram que aqueles que ainda o conseguiam mantinham-se sentados, muito direitos, como se se julgassem imunizados. Pareciam tranqüilos, estavam calmos e silenciosos, aparentemente indiferentes a tudo o que os rodeava. O Sargento Alfred Eigenberg, enfermeiro da 6.ª brigada especial de engenharia, lembra-se de ter ficado espantado com "a extraordinária delicadeza dos mais gravemente feridos". Durante os primeiros minutos após ter chegado à praia, Eigenberg encontrou tantos feridos que "não soube por que ponta começar, nem por quem". Em Dog Red viu um soldado muito jovem, sentado na areia, com uma perna "aberta do joelho até a virilha com tanta precisão como se tivesse sido operada a bisturi". A ferida era tão profunda que Eigenberg viu latejar a artéria femoral. O soldado estava fortemente abatido. Com a maior calma disse a Eigenberg:

— Já tomei uns comprimidos de sulfamida e polvilhei a ferida com todo o pó de sulfamida que tinha. Isto dá para ir, não dá?

O enfermeiro, que tinha apenas dezenove anos, não soube muito bem como responder. Deu-lhe uma injeção de morfina e disse:

— Claro que sim, vai ficar bom. Em seguida, juntando os bordos da ferida, Eigenberg fez a única coisa

que lhe veio à cabeça: uniu-os com alfinetes de segurança. Os homens da terceira vaga de assalto chegaram no meio deste caos e

desta confusão — e estacaram. Passados alguns minutos, desembarcaram os da quarta vaga — e estacaram. Os homens estavam estendidos ombro a ombro, na areia, nos seixos e nos limos. Acocoravam-se atrás dos obstáculos; abrigavam-se atrás dos cadáveres. Pregados ao solo pelo fogo de um inimigo que julgavam aniquilado, desorientados devido aos erros de

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navegação, desconcertados com a ausência de crateras de obuses, que esperavam encontrar depois do bombardeio aéreo e nas quais pensavam refugiar-se, aterrados pela devastação e morte que os rodeava, os homens ficaram à beira-mar, como que petrificados, presas de estranha letargia. Alguns, estupefatos ao verem os destroços, pensaram que tudo estava perdido. O Sargento William Mac Clintock, do 741.º batalhão de tanques, encontrou um soldado sentado à borda da água, alheio às rajadas de metralhadora que varriam a praia. Lá estava "jogando pedras ao mar e chorando silenciosamente, como se o coração lhe fosse rebentar".

Tal prosternação não subsistiria. Compreendendo por fim que ficar na praia equivalia a uma condenação à morte, os homens começavam a levantar-se e a avançar.

*

A quinze quilômetros, em Utah Beach, os soldados da 4.ª divisão

invadiam a praia e dirigiam-se para o interior. A terceira vaga acabava de desembarcar e não havia, por assim dizer, oposição inimiga. Caíam alguns obuses, matraqueavam algumas metralhadoras, aqui e ali havia uma explosão, mas nada comparável ao tiro de barragem e às furiosas lutas corpo a corpo que esperavam os homens cansados e excitados da 4.ª divisão. Numerosos foram os que compararam o desembarque a simples exercício. O soldado de primeira classe Donald N. Jones, pertencente à segunda vaga de assalto, teve a impressão de não passar de "uma manobra como tantas outras". Alguns ficaram até decepcionados, considerando-se quase logrados; os longos meses de treino em Inglaterra, em Slapton Sands, tinham sido mais penosos. O soldado de primeira classe Ray Mann sentiu-se "um tanto gozado" porque, "apesar de tudo, o desembarque não era lá grande coisa". Os próprios obstáculos eram menos terríveis do que temiam; apenas alguns cones de cimento-armado, pirâmides e ouriços de aço semeados pela praia. Raros eram os que estavam minados, e todos emergiam, facilitando muitíssimo o trabalho das brigadas de demolição. Os sapadores tinham aberto uma brecha de cinqüenta metros através das fortificações, cavado uma saída no talude que circundava a praia, e calculavam ter tudo limpo dentro de uma hora.

Ao longo de mil e seiscentos metros de areia, as saias de tela pendendo molemente à sua volta, estavam os tanques anfíbios, uma das principais razões da vitória. Surgindo da água com a primeira vaga, tinham dado eficaz apoio às tropas que avançavam pela praia. A sua aparição, após o bombardeio preliminar, parecia ter desmoralizado a guarnição alemã. Contudo, também tiveram o seu quinhão de perdas e miséria. O soldado de

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primeira classe Rudolph Mozgo, assim que pôs pé na areia, viu um cadáver. Um tanque fora atingido em cheio e Mozgo viu "um dos homens que pendia da torre blindada". O Segundo-Tenente Herbert Taylor, da 1." brigada especial de engenharia, ficou petrificado com o espetáculo oferecido por um homem "decapitado por uma explosão de obus, a vinte passos de mim". E o soldado Edward Wolfe passou diante de um americano morto "sentado na praia, recostado a um poste, como se dormisse". O homem estava tão plácido, tinha um ar tão natural que Wolfe "teve vontade de sacudi-lo para que acordasse".

O General-de-Brigada Theodore Roosevelt caminhava de um lado para outro da praia, cabeça erguida, dando de vez em quando uma massagem no ombro artrítico. Apesar dos seus cinqüenta e sete anos — foi o único general a desembarcar com a primeira vaga — insistira em que lhe confiassem aquela missão. Depois de ver indeferida a primeira proposta, Roosevelt apressou-se a apresentar segunda. Numa nota dirigida ao General Raymond O. Barton, comandante da 4.ª divisão, Roosevelt defendeu a sua causa dizendo: "Os meninos ficarão tranqüilizados ao verem-me a seu lado". Barton cedeu a contragosto, e a decisão tomada atormentava-o. "Quando me despedi de Ted, na Inglaterra, preparei-me para nunca mais voltar a vê-lo vivo." Vivo, o indomável Roosevelt estava bem vivo. O Sargento Harry Brown, do 8.º regimento de infantaria, viu-o, "uma bengala numa das mãos e um mapa na outra, passeando como quem procura um terreno à venda". De quando em quando, um obus explodia na praia fazendo rebentar os tufos de ervas; Roosevelt parecia ficar irritado e escovava-se com um gesto impaciente.

Quando desembarcaram os batelões da terceira vaga, enquanto os homens avançavam lentamente dentro da água, ouviu-se de súbito o roncar de uma peça alemã de 88 e a praia foi varrida por obuses, que explodiram no meio das tropas. Morreu uma dúzia de homens. Volvidos um ou dois segundos, uma silhueta solitária surgiu da fumaça, a cara negra, sem boné e sem equipamento. O homem continuava a avançar, com o olhar fixo, em perfeito estado de choque. Ao mesmo tempo que chamava um enfermeiro, Roosevelt correu para o soldado. Segurou-o pelos ombros e disse-lhe meigamente:

— Acho que vamos te levar para um barco, rapaz. Naquele momento, só Roosevelt e alguns dos seus oficiais sabiam que o

desembarque em Utah não se dera no ponto previsto. O que foi um erro feliz; as baterias pesadas, que poderiam ter dizimado as tropas, mantinham-se intactas, mas estavam diante do setor onde se deveria ter dado o ataque. O erro tinha diversas causas. Desorientada pela fumaça do bombardeio naval que lhe escondia os pontos de referência, arrastada por forte corrente

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paralela à costa, uma vedeta-piloto conduzira os batelões da primeira vaga a cerca de dois quilômetros do ponto previsto para o desembarque. Em vez de invadir a zona da praia compreendida entre as passagens 3 e 4 — dois dos cinco aterros para onde se dirigia a 101.ª divisão aerotransportada — toda a cabeça de ponte se desviara cerca de dois mil metros e avançara pela passagem 2. Por um capricho do destino, no mesmo instante, o Tenente-Coronel Robert G. Cole e pequeno grupo composto por elementos da 101.ª e 82.ª divisões aerotransportadas acabava de alcançar a extremidade oeste da passagem 3. Foram os primeiros pára-quedistas a chegar a um dos aterros. Escondidos nos pântanos, os homens comandados por Cole aguardaram a chegada dos soldados da 4.ª divisão.

À saída da passagem 2, Roosevelt preparava-se para tomar uma decisão capital. Em vagas sucessivas iam chegar trinta mil homens e três mil e quinhentos carros. Podia deixá-los desembarcar naquele setor improvisado, relativamente calmo e com um único aterro de passagem, ou dirigi-los para a praia prevista, que dispunha de dois aterros. Se a única passagem não fosse aberta e mantida, o local ficaria transformado em enorme massa. O general consultou os oficiais e tomou uma decisão. Renunciando aos objetivos previstos, a 4.ª divisão iria embrenhar-se pelo interior, seguindo o único aterro, e atacaria o inimigo quando e onde o encontrasse. Tudo dependia da rapidez de ação. Havia que desobstruir a passagem o mais depressa possível, antes que o inimigo se recompusesse da surpresa. A oposição era fraca e os homens da 4.ª divisão atravessaram rapidamente a praia. Roosevelt dirigiu-se ao Coronel Eugene Caffey, da 1.ª brigada especial de engenharia:

— Vou avançar — disse. — Previna a marinha de que deve desembarcar aqui o resto. Vamos começar a nossa guerra a partir deste ponto.

*

Ao largo de Utah Beach os canhões do Corry, de tanto dispararem,

estavam em brasa. Os marinheiros regavam as torres blindadas com mangueiras de incêndio. Desde que o Capitão-de-Corveta George Hoffman ancorara o destroyer que comandava diante da praia, as peças vomitavam oito obuses por minutos. Uma das baterias alemãs já não inquietaria ninguém; o Corry abrira-a em duas com cento e dez obuses bem colocados. Os alemães ripostavam — e bem. O destroyer era o único alvo facilmente visível pelos alemães. Cabia à aviação lançar uma rede de fumaça, a fim de proteger as "embarcações de suporte", mas o avião do Corry fora abatido. Uma bateria instalada nos promontórios dominando a praia de Utah — os clarões dos fuzis localizaram-na perto da aldeia de Saint-Marcouf — parecia concentrar a sua fúria sobre o destroyer assim exposto. Hoffman resolveu

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afastar-se antes que fosse demasiado tarde. "O nosso barco virou-lhe o traseiro como uma solteirona a um marinheiro", conta-nos hoje o radiotelegrafista Bennie Glisson.

Mas o Corry navegava em águas pouco profundas, junto de recifes, e o comandante não dominava completamente a manobra. Durante terríveis minutos foi forçado a brincar de gato e rato com os artilheiros alemães. Tentando adivinhar o ponto de queda das salvas seguintes, Hoffman forçou o Corry a executar verdadeiro bailado, uma espécie de valsa hesitante e sacudida, avançando, recuando, desviando-se para bombordo, em seguida para estibordo, parando de repente, avançando de novo, e sempre fazendo fogo ininterruptamente. O destroyer Fitch, ao ver o Corry em apuros, começou por sua vez a disparar sobre a bateria de Saint-Marcouf. Mas nada a esmoreceu. Quase enquadrado pelos seus projéteis, Hoffman conseguiu contudo afastar-se. Por fim, seguro de que se desviara dos recifes, ordenou:

— Tudo à direita! Em frente! O Corry deu um salto; Hoffman olhou para trás. Uma chuva de obuses

caía na esteira do Corry, fazendo brotar gêiseres. Respirou fundo, considerando-se fora de perigo. Mas, precisamente nesse instante, a sorte abandonou o Corry. Deslizando a mais de vinte e oito nós, o destroyer bateu em cheio numa mina.

O navio foi meio projetado para fora da água por tremenda explosão. A violência do choque atordoou Hoffman, fazendo-o crer que "um tremor de terra tinha levantado o navio". No posto de rádio, Bennie Glisson, que nesse momento espreitava por uma vigia, teve a impressão de ser "mergulhado numa betoneira". Foi projetado contra o teto e fraturou um joelho ao cair.

Por pouco a mina não cortou o Corry em dois. Uma brecha com mais de trinta centímetros de largura sulcava a ponte. A proa e a popa ergueram-se para o céu, ligadas unicamente pelas superestruturas. As casas das caldeiras e das máquinas ficaram inundadas. Na casa número dois a caldeira saltou, escaldando a tripulação. Poucos sobreviveram. O timão emperrou. Embora privado de vapor, o Corry continuava a avançar. Hoffman notou que alguns dos canhões ainda funcionavam — os serventes carregavam-nos e disparavam à mão.

O amontoado de ferros torcidos em que se transformara o Corry cobriu mais de mil metros antes de parar. Foi imediatamente cercado pelas baterias alemãs. Hoffman deu ordem de abandonar o navio. Em pouco minutos, nove obuses ou mais atingiram o casco do Corry; um fez ir pelos ares as munições das peças de 40 mm. Outro acionou o gerador de fumaça instalado na popa e por pouco não asfixiou a tripulação, que febrilmente saltava para as lanchas e jangadas.

A ponte estava mergulhada a sessenta centímetros da superfície quando

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Hoffman, lançando derradeiro olhar ao navio, mergulhou e nadou até uma jangada. O Corry afundava-se lentamente e pousava no fundo, deixando emergir os mastros e uma parte da superestrutura. Foi a perda mais grave da marinha americana durante o Dia D. A tripulação, de duzentos e oitenta e quatro homens, teve treze mortos ou desaparecidos e trinta e três feridos, mais perdas do que houvera até então na praia de Utah.

Hoffman pensava ter sido o último a deixar o Corry. Enganava-se. Ninguém sabe hoje quem lá ficou, mas quando as lanchas e jangadas se afastaram houve quem visse, de outros navios, um marinheiro escalando a popa do Corry. Apanhou calmamente o pavilhão, cujo pau estava partido, e depois, ora a nado, ora agarrando-se aos destroços, chegou ao mastro da frente. Com espanto e admiração, o gajeiro do Butler, Dick Scrimshaw, viu-o sob um dilúvio de fogo prender o pavilhão e içá-lo até ao cimo do mastro. Em seguida afastou-se a nado. Scrimshaw viu o pavilhão pender um instante sobre os destroços do Corry. Pouco depois, o vento desfraldou-o, fazendo-o estalar.

*

Os morteiros transportando cordas foram disparados sobre o pico da falésia da Ponta do Hoc, de trinta metros de altura.

A terceira vaga de assalto abordava entre as praias de Omaha e de Utah. Ao tentarem reduzir ao silêncio as baterias pesadas que, segundo os serviços secretos aliados, ameaçavam de ambos os lados o setor americano, as três companhias de "rangers" do Tenente-Coronel James E. Rudder foram metralhadas por uma chuva de aço de armas ligeiras. Os nove batelões que transportavam os duzentos e vinte e cinco homens do 2° batalhão de "rangers" aglomeraram-se na faixa de praia sobranceira à falésia. Estavam ligeiramente protegidos das rajadas de metralhadoras e das granadas, mas não muito. Ao largo, o destroyer inglês Talybont e o americano Satterlee bombardeavam o cimo metòdicamente.

Os "rangers" de Rudder deviam, em princípio, atingir o sopé da falésia na Hora H. Mas a vedeta-piloto desviara-se e conduzira a pequena frota até à Pointe-de-la-Percée, cinco quilômetros a leste. O erro não passou despercebido a Rudder, que perdeu um tempo precioso a reconduzir os batalhões para o ponto correto. Esta demora custou-lhe quinhentos homens de apoio — o resto do 2° e do 5.° batalhão de "rangers", comandado pelo Tenente-Coronel Max Schneider. O plano previa que Rudder lançasse foguetes atingindo o cimo da falésia, a fim de assinalar aos outros "rangers", que esperavam a algumas milhas ao largo, que podiam avançar. Se nenhum sinal fosse dado até as sete horas, o Coronel Schneider deveria supor que o ataque malograra e dirigir-se para Omaha Beach, a seis quilômetros, a fim de

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avançar para oeste, atrás da 29.ª divisão, no intuito de atacar a bateria pela retaguarda. Eram sete horas e dez. Não tendo sido lançado qualquer foguetão, Schneider dirigiu-se portanto para a praia de Omaha. Rudder e os seus duzentos e vinte e cinco "rangers" ficaram sem apoio.

O espetáculo era apocalíptico. Os foguetões subiam, arrastando os cabos e escadas de corda munidos de fateixas. Obuses e balas de metralhadoras varriam o cimo, vertendo sobre os "rangers" torrões de terra e uma saraivada de pedras. Os homens atravessavam a faixa de praia crivada de covas de obuses. No cimo da falésia apareciam, aqui e ali, os capacetes alemães, e o inimigo lançava granadas "espremedor-de-batatas" ou metralhava-os com Schmeissers. Os "rangers" saltavam de abrigo em abrigo, descarregavam as chalupas e disparavam sobre a falésia — tudo isto ao mesmo tempo. Diante da Pointe-de-la-Percée, dois carros anfíbios DUKWS, equipados com enormes escadas telescópicas, cedidas pelo corpo de bombeiros de Londres, tentavam alcançar a costa. Do cimo das escadas, os "rangers" regavam as posições inimigas com fuzis automáticos Browning e metralhadoras.

O assalto tomou foros de fúria. Alguns nem sequer esperaram que as cordas estivessem presas. De armas a tiracolo, abriram com facas pontos de apoio e começaram a trepar, como moscas, a falésia alta como um prédio de nove andares. Alguns cravaram por fim diversas fateixas e os soldados começaram a subir por escadas e cordas. Ouviram-se urros quando os alemães cortaram as cordas e os "rangers" se despenharam no vácuo. Por duas vezes foram cortadas as cordas por onde subia o soldado de primeira classe Harry Robert. À terceira tentativa, conseguiu alcançar um pequeno nicho junto do topo da falésia. 0 Sargento Billy Petty quis subir a pulso, mas embora fosse excelente ginasta, não o conseguiu, por a corda estar molhada e cheia de lama. Petty experimentou então usar uma escada, subiu dez metros, mas caiu quando a escada foi cortada. Recomeçou novamente. 0 Sargento Herman Stein por pouco não deitou tudo a perder quando a Mae West (colete pneumático de salvação) que trazia vestido se enfunou acidentalmente, afastando-o do rochedo. "Lutou durante uma eternidade" contra o colete, mas na mesma escada havia homens que subiam antes e depois dele. Como conseguiu continuar a escalada não o saberia dizer.

Já tinham sido montadas cerca de vinte cordas. O Sargento Perry, que iniciava a subida pela terceira vez, foi de repente atingido por uma chuva de terra e cascalho. Debruçados sobre a falésia, os alemães metralhavam os "rangers", com a energia 4o desespero, apesar do fogo cerrado dos destroyers e da metralha lançada das escadas de bombeiros. Petty viu um soldado que subia a seu lado inteiriçar-se de repente e cair de pernas para o ar. Stein e o soldado de primeira classe Carl Bombardier, de vinte anos apenas, também o viram. Sob os seus olhares horrorizados, o homem largou

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a corda e caiu, fazendo ricochete de cornija em cornija; Petty pensou que ele "levava uma eternidade até se esmagar na praia". O próprio Petty agarrou-se à corda com mais força, paralisado. Não conseguia erguer a mão e lembra-se de ter dito em voz alta: "Não, é difícil demais". Mas as balas de metralhadora estimularam-no. Quando as rajadas se aproximaram, Petty "descongelou num instante" e içou-se desesperadamente até o topo.

Os homens chegavam ao cimo por todos os lados, abrigando-se em covas de obuses. O Sargento Regis Mac Closkey que, com grande esforço, conseguira abordar um batelão com munições, furado por todos os lados, viu o planalto da Ponta do Hoc como um espetáculo incrível e fantástico. O solo estava cavado por obuses e bombas do bombardeio preliminar, naval e aéreo, a ponto de lembrar as "crateras da lua". Fez-se estranho silêncio, enquanto os soldados chegavam em massa e se abrigavam nas covas protetoras. 0 tiroteio cessara, não se vislumbrava um só inimigo, e para onde quer que se olhasse só se viam crateras, covas de obuses e fendas a perder de vista — uma medonha terra de ninguém de pesadelo.

O Coronel Rudder já estabelecera o primeiro P.C., numa cornija no bordo da falésia, de onde o oficial de comunicações, Tenente James Eikner, enviou a seguinte mensagem: "Deus seja louvado". O que significava: "Todos os homens estão no cimo da falésia". Era um tanto otimista. No sopé da muralha natural, o major-médico dos "rangers", pediatra na vida civil, tratava os moribundos e fechava os olhos dos mortos — cerca de vinte e cinco homens. O número de "rangers" diminuía de minuto a minuto. Ao fim do dia, dos duzentos e vinte e cinco iniciais, não restariam mais de noventa. Fato atroz: todo este esforço heróico fora inútil. Sobre a falésia não havia canhões. A informação que Jean Marion, chefe de seção da Resistência, tentara em vão transmitir para Londres era exata. Os bunkers meio destruídos da Ponta do Hoc estavam vazios — os canhões nunca tinham sido montados*.

* Duas horas mais tarde uma patrulha de "rangers" encontrou abandonada uma bateria de cinco canhões, numa posição camuflada a cerca de dois quilômetros, no interior das terras. Pirâmides de obuses cercavam as peças prontas a disparar, mas os "rangers" não viram soldados, nem nada que lhes indicasse que os tivesse havido. Os canhões destinavam-se provavelmente às posições da Ponta do Hoc.

Enfiado num buraco no cimo da falésia, o Sargento Petty, esgotado

devido à escalada, retomava alento com os quatro municiadores da sua automática Browning. Uma leve bruma cobria a terra revolta, e o ar estava pesado, com um cheiro acre de pólvora. Petty deu uma olhadela um tanto sonhadora à sua volta. E, sobre o rebordo da cova em que se abrigara, viu dois pardais disputando uma minhoca.

— Olhem — disse aos seus companheiros. — Estão comendo o pequeno almoço.

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*

Nesse momento da grande e trágica manhã, começou a última fase do

desembarque. Na outra metade do setor de invasão o 2.º Exército britânico, comandado pelo General M. O. Dempsey, chegou a terra, triste ou alegre, com pompa e cerimônia, e a estudada indiferença que os britânicos afetam para esconder as suas emoções. Esperavam por este dia há quatro anos. Não se limitavam a atacar as praias, mas também recordações amargas — Munique e Dunquerque, retiradas humilhantes, inumeráveis incursões aéreas, dias sombrios em que tinham estado sós. Os canadenses acompanhavam-nos, com as suas contas por ajustar depois das perdas sangrentas de Dieppe. Havia também os franceses, ardentes e impacientes, no dia em que voltavam à terra natal.

Reinava estranho júbilo. Ao largo de Sword o alto-falante dum batelão de salvamento fez ouvir a popular polca Roll out the Barrei. De um barco lança-foguetes, diante de Gold Beach, brotaram os versos de Não sabemos para onde vamos. Os canadenses que se dirigiam para Juno Beach ouviram as notas agudas de uma trombeta. Alguns soldados cantavam. O soldado Denis Lowell recorda que "os rapazes estavam de pé e entoavam todas as velhas canções do exército e da marinha". E os homens da 1.' brigada especial, comandada por Lord Lovat, impecáveis e resplandecentes nas suas boinas verdes (os comandos haviam-se recusado a usar capacetes), lançavam-se à batalha ao som dolente das gaitas de fole. À medida que os batelões passavam diante do Scylla, navio-almirante de Vian, saudavam-no a seu modo erguendo os polegares. Encostado à amurada, o marinheiro Ronald Northwood, de dezoito anos, achou que "eram os tipos mais bacanas que jamais vira".

Mesmo os obstáculos e o fogo inimigo foram encarados com certo desprendimento. A bordo de um LCT, o telegrafista John Weber observou um capitão da marinha real que estudava a complicada rede de obstáculos minados para defesa da costa e ouviu-o murmurar calmamente ao patrão do barco:

— Se quer ser um bom rapaz, meu amigo, trate de levar os meus homens à terra.

Noutro batelão um major da 5.ª divisão contemplou as minas, em forma de pratos, colocadas sobre os obstáculos e disse ao timoneiro:

— Por amor de Deus, não derrube esses malditos cocos, ou iremos todos direitinho para o inferno.

O batelão do 48.º destacamento da marinha real foi recebido por um fogo cerrado de metralhadoras diante da praia de Juno e os homens abrigaram-se

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nas superestruturas. Todos, salvo o Capitão Daniel Flunder. Enfiando calmamente a bengala debaixo do braço, passeou de cabeça erguida, de ponta a ponta do convés. "Pensei — explicou mais tarde — que era a única coisa a fazer." (E enquanto palmilhava o convés, uma bala atravessou-lhe a bolsa dos mapas). A bordo de um batelão que se dirigia para Sword Beach, o Major C. K. King, conforme prometera a si próprio, lia imperturbável o Henrique V, de Shakespeare. Entre o fragor dos "diesels", os salpicos das ondas e o ribombar do tiroteio, King lia ao alto-falante: "E os fidalgos que dormem agora na Inglaterra... Considerar-se-ão malditos por não estarem aqui..."

Alguns só a custo podiam esperar que a batalha começasse. Dois sargentos irlandeses, James Percival de Lacy, conhecido por Paddy, que algumas horas antes fizera um brinde a Valera "por nos ter livrado da guerra", e o seu inseparável Paddy Mac Quaid, estavam diante da rampa de uma embarcação e, fortificados com uns bons goles do rum da armada real, observavam os soldados com ar solene. Olhando fixamente para os ingleses que os circundavam, Mac Quaid observou com gravidade:

— De Lacy, não achas que alguns destes tipos têm um ar um pouco tímido?

Ao aproximar-se da costa, De Lacy gritou aos seus homens: — É agora! Vamos! Corram! O fundo da embarcação raspou na praia. Enquanto os soldados saíam

correndo, Mac Quaid berrou para a costa coberta de fumo: — Saiam daí, se são homens, e venham bater-se conosco! Acabava de pronunciar estas palavras quando desapareceu debaixo da

água. Volvido um instante, voltou à superfície, assoprando e cuspindo, e vociferou:

— Os safados! Querem afogar-me antes de eu chegar à praia! Ao desembarcar em Sword, o soldado Hubert Victor Baxter, da 3.ª

divisão britânica, acelerou o motor da sua Bren autopropulsora e, com os olhos à altura da máscara blindada, mergulhou. A seu lado, num assento sobrelevado, estava o seu inimigo íntimo, o Sargento "Dinger" Bell, com quem Baxter tivera diversas disputas nos últimos meses. Bell gritou:

— Baxter! Levante o assento e veja para onde vai! — Não há perigo — ripostou Baxter. — Vejo muito bem assim! Enquanto saíam da água, o sargento, levado pelo entusiasmo do

momento, fez de novo o gesto que provocara a inimizade entre ambos. Deu um soco no capacete de Baxter e rugiu:

— Avante! Avante! Quando chegaram a Sword Beach, o tocador de gaita de fole de Lord

Lovat, William Millin, saltou da embarcação, ficando mergulhado até aos

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ombros. Via a fumaça nascer na praia, diante dele, e ouvia o fragor dos morteiros. Enquanto Millin patinhava em direção à praia, Lord Lovat gritou-lhe:

— Toca-nos Highland Laddie, rapaz! Com água até à cintura, Millin levou a gaita à boca e ao som áspero do

instrumento continuou a avançar através dos obstáculos. Já na praia e desprezando a metralha, parou, tomou fôlego e começou a pavonear-se deitando os bofes pela boca fora. Os soldados desfilavam à sua frente ao som de O Caminho para as Ilhas, misturado com os assobios das balas e o ribombar dos obuses.

— Assim mesmo, Jock! — disse-lhe um soldado. — Deita-te de borco, pardal maluco! — gritou-lhe outro. Ao longo das praias de Sword, Juno e Gold — numa extensão de trinta

quilômetros, desde Ouistreham, na foz do Orne, até à aldeia de Hamel, a oeste — as tropas britânicas invadiram a costa. A areia cobria-se de homens saídos das embarcações e, em quase todo o setor, as enormes vagas e os obstáculos submarinos causaram mais perdas do que o fogo inimigo.

Os homens-rãs foram os primeiros a chegar — cento e vinte peritos em trabalhos de demolição — para abrirem caminhos de trinta metros através dos obstáculos. Dispunham de vinte minutos para efetuar este trabalho, antes que se aproximasse a primeira vaga de assalto. Os obstáculos eram altamente perigosos e mais cerrados do que em qualquer outro ponto da Normandia. O Sargento Peter Henry Jones, da marinha real, nadou num labirinto de estacas de aço, barrotes, pontas de ferro e cones de concreto. No setor que devia limpar, Jones encontrou doze obstáculos enormes, alguns com cinco metros de comprimento. Quando o Sargento John B. Taylor, também homem-rã, viu a fantástica rede de defesas submarinas que o cercava, gritou ao seu chefe: "Este maldito trabalho é impossível". Mas não desistiu. Sob o fogo inimigo, Taylor e os seus companheiros começaram o trabalho metòdicamente. Um a um, os obstáculos foram pelos ares; eram demasiado grandes para serem destruídos aos grupos. Trabalhavam ainda quando os tanques anfíbios chegaram, seguidos de perto pela primeira vaga de assalto. Os homens-rãs, que se apressavam a sair da água, viram as embarcações, empurradas pela corrente, explodirem de encontro às minas. Os pilares, os barrotes e as estacas esquartejaram os cascos de aço e, em toda a extensão das praias, os batelões afundaram. Em pouco tempo o mar parecia um cemitério de barcos. Os LCT por pouco não se empilhavam uns sobre os outros. O telegrafista Webber lembra-se de ter pensado que o "desembarque era uma tragédia". Quando a sua embarcação abordou, Webber viu "batelões em chamas, montões de ferro-velho na praia, tanques e bulldozers ardendo". E ficou aterrado ao ver "o incêndio que dominava o convés" de um LCT que passou

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à sua frente, fazendo-se de novo ao largo. Na praia de Gold, Jones, que trabalhava então com os serviços de

engenharia na limpeza da praia, viu acostar uma embarcação cheia de homens que, de pé, se preparavam para desembarcar. Envolvido por uma onda, o barco girou sobre si mesmo, voou e tombou sobre uma série de tetraedros de aço minados. Jones viu o batelão explodir com um fragor ensurdecedor. O espetáculo lembrou-lhe "um filme em câmara lenta — os homens perfilados ergueram-se no ar, como que levantados por um jato de água, corpos e bocados de corpos soltaram-se como gotas de água".

As embarcações esmagavam-se continuamente contra os obstáculos. Das dezesseis que transportavam para Gold Beach os componentes da 47.ª divisão da marinha real, quatro foram totalmente destroçadas, onze seriamente danificadas afundaram e só uma conseguiu, regressar ao navio transporte. O Sargento Donald Gardner, da 47.ª divisão, foi lançado à água com os seus homens, a cinqüenta metros da costa. Perderam todo o equipamento e foram forçados a nadar sob a metralha. Enquanto se debatiam no mar, Gardner ouviu alguém dizer:

— Parece que estamos sendo indiscretos. Isto tem todo o ar de ser uma praia particular.

Ao abordarem Juno, os componentes da 48.ª divisão da marinha real não tiveram de se haver unicamente com os obstáculos, mas também com um cerrado tiro de morteiros. O Tenente Michael Aldworth e os quarenta e tantos homens que comandava agacharam-se na proa do LCT que os transportava, debaixo de uma chuva de obuses. Aldworth ergueu a cabeça para ver como andavam as coisas e viu homens que corriam pelo convés gritando:

— Quando é que saímos daqui? — Calma, rapazes, não é a nossa vez! — berrou com toda a força

Aldworth. Seguiu-se um silêncio, ao fim do qual uma voz perguntou tranqüila: — Nós bem queremos, meu velho, mas, na sua opinião, quanto tempo

isto vai durar? Está entrando água no porão. Os tripulantes do batelão em apuros foram rapidamente recolhidos por

diversas embarcações. Havia tantas, recorda Aldworth, "que tínhamos a sensação de chamar um táxi em Bond Street". Alguns chegaram à praia sem dificuldade, outros foram salvos por um destroyer canadense, mas cerca de cinqüenta soldados ficaram a bordo de um LCT que acabava de descarregar os tanques e tinha ordem de voltar diretamente para Inglaterra. Nada do que os enfurecidos soldados fizeram ou disseram conseguiu persuadir o timoneiro a mudar de rumo. O Major Stackpoole, que fora ferido numa coxa, ao tomar conhecimento da rota da embarcação vociferou:

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— Tolice! Estão todos doidos! Dizendo isto, saltou pela borda fora e nadou para a praia. Para a maioria das tropas, os obstáculos não constituíram a parte mais

dura do desembarque. Uma vez passadas as linhas de obstáculos minados, os soldados verificaram que a oposição inimiga era bastante irregular ao longo das três praias — temível em alguns setores, fraca ou inexistente noutros. Na metade oeste de Gold Beach, os homens do 1.º regimento de Hamp-shire por pouco não foram dizimados enquanto avançavam lentamente dentro da água, por vezes com dois metros de profundidade. Debatiam-se entre as chapas de metal, enrolados pela ressaca, sob um dilúvio de morteiros e de rajadas de metralhadora vindas de Hamel, posição ocupada pela famosa 352.ª divisão alemã. Os homens caíam como passarinhos. O soldado Charles Wilson ouviu uma voz clamar com espanto:

— Ah, amigos! Tirei a sorte grande! Wilson voltou-se e viu o homem, com estranha expressão de

incredulidade estampada no rosto, afundar-se lentamente sem mais uma palavra. Wilson continuou a avançar. Já fora uma vez metralhado dentro da água — com a diferença de, em Dunquerque, caminhar no sentido oposto. O soldado George Stunell também viu companheiros perecerem à sua volta. Deparou com uma Bren automotora mergulhada num metro de água, parada, com o motor ligado, e o condutor "petrificado ao volante e tão horrorizado que não conseguiu conduzi-la até a praia". Stunell derrubou-o e, sob uma chuva de balas, guiou a Bren até terra. Stunell ficou encantado com o seu feito, mas, de repente, estirou-se ao comprido na areia; uma bala acabava de bater com violência terrível na cigarreira que guardava no bolso do casaco. Passados dois ou três minutos, notou que estava ferido nas costas e nas costelas. A mesma bala atravessara-o de lado a lado.

O 1.° regimento de Hampshire levaria quase oito horas para neutralizar as defesas de Hamel e, no fim do Dia D, teria perdido duzentos homens. Fato curioso, não contando com os obstáculos, os componentes deste regimento não tiveram grandes dificuldades nos diversos pontos de desembarque. Pela esquerda, os soldados do 1.º regimento de Dorset tinham deixado a praia ao fim de quarenta minutos. A seu lado as tropas de Green Howard desembarcaram com tal fúria e determinação que se embrenharam pelo interior, conquistando o seu primeiro objetivo em menos de uma hora. O Sargento-ajudante Stanley Hollis, que já matara noventa alemães, dominou sozinho uma metralhadora. O impávido Hollis, ajudado pelos seus nervos de aço, por diversas granadas e por uma Sten, matou dois inimigos e capturou vinte durante a madrugada de um só dia no decurso do qual viria a matar mais dez.

À direita de Hamel, a praia estava calma a ponto de desapontar alguns

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soldados. 0 enfermeiro Geoffrey Leach, ao ver as tropas e carros que invadiam a praia, descobriu que "o melhor que o serviço de saúde tinha a fazer era ajudar a descarregar as munições". Aos olhos do marinheiro Denis Lovell, o desembarque parecia "mais uma dessas malditas manobras feitas em casa". A sua unidade, pertencente ao 47.° regimento da marinha real, avançou cautelosamente, evitando qualquer contacto com o inimigo, e em marcha forçada dirigiu-se para oeste, em direção a Port-en-Bessin, a dez quilômetros de distância, a fim de se juntar aos americanos. Contavam encontrar os primeiros americanos por volta do meio-dia, na praia de Omaha.

As coisas não se iriam passar assim. Ao contrário do que acontecera aos soldados britânicos e canadenses que não haviam encontrado um adversário de envergadura na 716.ª divisão alemã, fatigada e fraca, composta de "voluntários" russos e polacos, em Omaha Beach os americanos ainda estavam sob o domínio da temível 352.ª divisão. Além disso, os ingleses utilizaram ao máximo os tanques anfíbios e um extravagante conjunto de carros especiais. Alguns, os chamados "malhos", batiam com correntes o terreno, fazendo explodir as minas. Outros transportavam pequenas pontes ou enormes rolos de ripas de ferro que, quando desenrolados, formavam uma estrada sobre os terrenos moles. Outros estavam carregados de gigantescos barrotes de madeira, destinados a servir de passadeiras para transpor muros ou a encher as valas antitanques. Estes engenhos e o bombardeio intenso e prolongado de que as praias inglesas tinham beneficiado, deram uma proteção suplementar às primeiras vagas de assalto. Contudo, encontraram diversos pontos de resistência bastante fortes. Numa das metades da praia de Juno, os soldados da 3.ª divisão canadense bateram-se entre inúmeros ninhos de metralhadoras e trincheiras, em casas fortificadas e nas ruas de Courseulles, antes de conseguirem romper a linha inimiga e dirigir-se para o interior. Neste setor a resistência foi porém vencida em duas horas. Quando desembarcou de um LCT que trouxera tropas e tanques até à praia de Courseulles, o marinheiro Edward Ashworth viu alguns soldados canadenses levarem seis prisioneiros para trás de uma duna próxima. Ashworth julgou chegada a oportunidade de apanhar um capacete alemã que desejava guardar como recordação. Correu para a duna e deparou com os seis alemães "que jaziam encarquilhados". Sempre disposto a ficar com um capacete, debruçou-se sobre um cadáver. Mas descobriu que "o tipo tinha a garganta cortada — todos tinham a garganta cortada". Ashworth desviou-se e "enjoado não apanhei o meu chapéu de ferro branco".

O Sargento Paddy De Lacy, igualmente no setor de Courseulles, capturara doze alemães que, de mãos ao ar e quase solícitos, tinham saído de uma trincheira. Em silêncio, De Lacy examinou-os por um momento.

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Perdera um irmão no Norte da África. Em seguida disse ao soldado que estava a seu lado:

— Olhe para estes imbecis! Olhe-os bem! Leve-os, ande, para bem longe da minha vista.

Afastou-se e foi preparar uma chávena de chá para acalmar a cólera. Enquanto aquecia uma caneca de água sobre uma lata Sterno, um jovem oficial "sem um pelinho no queixo" aproximou-se e disse-lhe desabridamente:

— Ouça lá, sargento, não é hora de fazer chá! De Lacy ergueu os olhos e, com a paciência que lhe restava após vinte e

um anos de serviço, respondeu: — Tenente, não estamos brincando de soldadinhos, é uma guerra a sério.

Por que não volta daqui a cinco minutos para tomar uma xícara de chá? Foi o que o oficial fez. Enquanto a batalha prosseguia na área de Courseulles, não paravam de

chegar à praia homens, canhões, tanques, carros e munições. A marcha para o interior fez-se com calma e eficiência. O Capitão Colin Maud, que superintendia o desembarque, não admitiu ociosos em Juno. A maioria dos homens, como o Segundo-Tenente John Beynon, ficaram um tanto embaraçados com o oficial barbudo, de figura imponente e voz tonante que acolhia cada novo contingente com as seguintes palavras:

— Sou o presidente da comissão de recepção desta festa. Queiram entrar e mexer-se.

Quase ninguém teve a veleidade de discutir com o "porteiro" da praia de Juno; Beynon lembra-se de que ele tinha uma matraca numa das mãos e com a outra segurava um corpulento pastor alemão de aspecto feroz. Não se podia desejar melhor efeito. O correspondente da I.N.S., Joseph Willicombe, recorda-se de uma curta e fútil discussão travada com Maud. Tinham garantido a Willicombe, desembarcado com a primeira vaga canadense, que poderia expedir para o navio-almirante uma mensagem de vinte e cinco palavras, usando o rádio do comandante da praia, a fim de ser retransmitida para os Estados Unidos. Ninguém pensara em prevenir Maud. Fixou Willicombe e gritou:

— Meu caro amigo, repare que por aqui se está travando uma guerrinha. Willicombe teve de admitir o peso do argumento*. * Em Juno, os correspondentes de guerra ficaram sem meios de comunicação, até à chegada de

Ronald Clark, da United Press, e dos seus dois cestos de pombos-correios. Os correspondentes redigiram às pressas uns artigos sumários, colocaram-nos nas cápsulas plásticas fixadas nas patas dos pombos e largaram-nos. Infelizmente muitos pombos caíram devido ao excesso de peso. Alguns conseguiram levantar vôo, descreveram alguns círculos no ar e... dirigiram-se para as linhas alemãs. De pé na praia, Charles Lynch, da Reuter, erguia o punho para as aves, gritando: "Traidores! Infames traidores!' Segundo Willicombe, quatro pombos "foram leais". Ao fim de algumas horas, conseguiram chegar ao Ministério das Informações em Londres.

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Os canadenses sofreram muito em Juno, a mais sangrenta das três praias

britânicas. O mar agitado retardara o desembarque. Os recifes, cortantes como lâminas, existentes na metade leste da praia e as fileiras de obstáculos destruíram as embarcações. Pior ainda, o bombardeio naval e aéreo ou não aniquilara as baterias costeiras ou errara totalmente a pontaria e, em alguns setores, as tropas desembarcaram sem o apoio de tanques. Diante de Bernières e de Saint-Aubin-sur-Mer, a 8.ª brigada canadense e o 48.° comando da marinha desembarcaram sob o fogo cerrado. Uma companhia perdeu quase metade dos seus efetivos na corrida para a praia. O tiro de artilharia de Saint-Aubin era tão intenso que provocou uma catástrofe especialmente horrível. Um tanque totalmente fechado para maior segurança e rodando loucamente sobre a areia a fim de escapar ao tiroteio passou sobre mortos e moribundos. Das dunas o Capitão Daniel Flunder viu o que se passava e, sem se importar com os obuses e a metralha, correu pela praia gritando a plenos pulmões:

— Os meus homens! São os meus homens! Louco de raiva, Flunder bateu no tanque com o stick, mas o blindado

prosseguiu na sua corrida. Flunder arrancou então a espoleta de uma granada e fez saltar uma das lagartas do tanque. Só ao abrirem a capota, compreenderam os aturdidos ocupantes o que se passava.

Apesar da violência do combate, os canadenses e os.comandos deixaram as praias de Bernières e Saint-Aubin em menos de meia hora e invadiram o interior. As vagas de assalto que se seguiram encontraram fraca oposição e, passada uma hora, a praia estava tão calma que John Murphy, aeróstata de uma unidade de balões de barragem, achou que "os nossos piores inimigos foram as pulgas-do-mar, que nos enlouqueceram quando a maré começou a subir". Para lá das praias, as tropas teriam de combater nas ruas durante cerca de duas horas, mas este setor de Juno, assim como a metade oeste, já estava solidamente conquistada.

Os comandos do 48.° destacamento marcharam sobre Saint-Aubin-sur-Mer e, dobrando para leste, contornaram o litoral. Tinham uma missão especialmente perigosa. Juno estava a uma dezena de quilômetros de Sword. O 48.° destacamento devia cobrir este intervalo e estabelecer a ligação entre as duas praias. O 41.° destacamento devia desembarcar em Lion-sur-Mer, na extremidade da praia de Sword, cortar à direita e marchar para poente. Passadas algumas horas, as duas unidades deveriam encontrar-se aproximadamente a meio caminho. O plano era este, mas, quase simultaneamente, os dois destacamentos depararam com dificuldades. Em Langrune, cerca de dois quilômetros a leste de Juno, o 48." encontrou-se numa região fortificada absolutamente intransponível. Cada casa era uma

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fortaleza. As ruas estavam obstruídas por minas, arames farpados e muros de concretos — alguns com dois metros de altura e um metro e cinqüenta de espessura. Sem posições, um tiro cerrado acolheu os invasores. Sem tanques e sem artilharia, o 48.° teve de parar.

Em Sword, nove quilômetros mais longe, o 41.°, após difícil acostagem, dirigiu-se para oeste, em direção a Lion-sur-Mer. Aí, os franceses comunicaram-lhe que a guarnição alemã havia batido em retirada. A informação parecia exata. Mas, ao saírem da cidade, os comandos receberam um tiro de barragem que destruiu imediatamente três tanques. Inocentes e aprazíveis vivendas transformadas em praças fortes vomitavam sobre o 41." destacamento rajadas de metralhadora e um dilúvio de obuses de morteiro. Como o 48.°, o 41.° destacamento teve de parar.

Desde então, embora ninguém no Alto Comando disso tivesse conhecimento, a cabeça de ponte estava cortada por uma brecha de nove quilômetros — uma brecha através da qual os tanques de Rommel, se avançassem bastante depressa, poderiam alcançar a costa e, atacando à direita e à esquerda, ao longo da praia, esmagar as tropas britânicas.

Lion-sur-Mer foi dos raros pontos verdadeiramente difíceis da praia de Sword. Calcula-se que Sword fosse, das três praias inglesas, a mais fortemente defendida. As unidades haviam sido prevenidas de que nela sofreriam perdas elevadas. O soldado John Gale, do 1.º regimento de South Lancashire, conta que lhes "tinham comunicado de chofre e a sangue-frio que muito provavelmente a primeira vaga de assalto seria totalmente dizimada". "Aconteça o que acontecer — haviam dito aos comandos — precisamos destas praias, pois não haverá evacuação... não haverá retirada." A acreditar nas recordações do Cabo James Colley e do soldado Stanley Stewart, os homens do 4.° comando contavam ser "liquidados nas praias", visto lhes terem dito que as perdas se elevariam sem dúvida a "oitenta e quatro por cento". E os homens que em tanques anfíbios deviam desembarcar à frente da infantaria haviam sido avisados de que "mesmo os que conseguissem acostar, podiam contar com sessenta por cento de perdas". O soldado Christopher Smith, condutor de um tanque anfíbio, pensava que as probabilidades que tinha de sobreviver eram muito escassas. Os boatos aumentaram as estimativas para noventa por cento e Smith acreditava neste valor, pois quando a sua unidade deixara a Inglaterra, tinham visto enormes guarda-ventos de pano levantados na praia de Gosport e "diziam que serviriam para separar os mortos que trouxessem".

Por momentos, pareceu que as piores previsões se iriam realizar. Em certos setores as tropas da primeira vaga de assalto foram intensamente metralhadas e canhoneadas. Em Sword, para os lados de Ouistreham, os homens do 2° regimento de East York jaziam mortos ou feridos, a todo o

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comprimento da praia. Nunca se virá a saber quantos homens morreram durante esta primeira corrida sangrenta, mas, segundo parece, o 2.º regimento perdeu metade dos seus duzentos mortos do Dia D durante estes primeiros minutos. O aterrador espetáculo das silhuetas de caqui, encoscoradas em fila, parecia confirmar as piores suposições das tropas seguintes. Alguns viram "os cadáveres empilhados como lenha" e contaram "mais de cento e cinqüenta mortos". O soldado John Mason, do 4.° comando, que desembarcou meia hora mais tarde, ficou aterrado ao ver que "corria entre pilhas de soldados de infantaria caídos como passarinhos". O Cabo Fred Mears, do regimento de Lord Lovat, "sufocou ao ver os east yorks empilhados aos molhos... O que talvez nunca lhes tivesse acontecido se se tivessem dispersado" Enquanto corria pela areia, disposto a "fazer com que Jesse Owens fizesse figura de tartaruga", lembra-se de ter pensado com certo cinismo: "da próxima vez, terão mais cuidado".

Embora sangrenta, a batalha foi breve*. Fora as perdas iniciais, a ofensiva em Sword avançou rapidamente e encontrou fraca oposição. Os desembarques foram tão bem sucedidos que muitos homens, que alcançaram a praia poucos minutos após a chegada da primeira vaga, ficaram espantados por serem recebidos com alguns tiros isolados. Viram as praias escurecidas pela fumaça, médicos e enfermeiros tratando os feridos, "tanques providos de malhos" que faziam explodir as minas, tanques e veículos calcinados juncando a areia, mas nada da carnificina para que estavam preparados. Para estes homens que, de nervos à flor da pele, esperavam deparar com um holocausto, o desembarque foi apenas uma decepção.

* Haverá sempre controvérsias sobre a natureza dos combates na praia de Sword. Os homens do regimento de East York não concordam com a sua própria história, que pretende ter o desembarque sido semelhante "a um exercício de treino, porém mais fácil". As tropas do 4.° comando afirmam que quando acostaram, à Hora H e trinta minutos, encontraram os soldados de East York ainda à beira-mar. Segundo o General E. E. E. Cass, comandante da 8.a brigada que desembarcou em Sword, os east yorks já tinham deixado a praia quando chegou o 4° comando. As perdas a chegada do 4.° comando estão calculadas em trinta homens. Na metade oeste da praia, diz Cass, "a oposição fora neutralizada às oito horas e meia, excetuando alguns atiradores isolados". Os homens do 1.° regimento de South Lancashire sofreram poucas baixas e avançaram rapidamente para o interior. O 1.° regimento de Suffolk que se lhes seguiu perdeu apenas quatro homens.

Em muitos pontos de Sword Beach pairava alegre ambiente de férias.

Aqui e ali, ao longo da borda de água, pequenos grupos de franceses entusiasmados faziam sinais aos soldados, gritante: Vivent les Anglais! O soldado Leslie Ford, da marinha real, viu um francês "praticamente à beira-mar, que parecia dar uma lição de estratégia a diversos civis que o cercavam". Ford pensou que estavam completamente loucos, uma vez que as praias e a beira-mar estavam infestadas de minas e debaixo do ocasional fogo do inimigo. Os franceses lançavam-se ao pescoço dos soldados e

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abraçavam-nos sofregamente, parecendo não avaliar o perigo que corriam. O Cabo Harry Norfield e o soldado Ronald Allen ficaram estupefatos ao verem "um indivíduo impecavelmente vestido a rigor e com um capacete de cobre resplandecente descer até à praia". Era afinal o maire de Colleville-sur-Orne, pequena aldeia situada a dois quilômetros, no interior, que decidira receber oficialmente as tropas de invasão.

Alguns alemães receberam as tropas tão efusivamente como os franceses. O sapador Henry Jennings mal acabara de desembarcar quando foi "rodeado por um grupo de alemães — voluntários russos e polacos, na sua maioria — ansiosos por se renderem". Mas foi o Capitão Gerald Norton, de uma unidade da artilharia real, que sofreu a maior surpresa: foi recebido "por quatro alemães que, de malas feitas, pareciam aguardar o primeiro meio de transporte que os levasse da França".

Uma vez saídas do caos de Sword, Juno e Gold, as tropas britânicas e canadenses avançaram para o interior. A marcha era meticulosa e eficaz, não lhe faltando certa grandeza. À medida que os homens se batiam nos burgos e aldeias, multiplicavam-se os atos de heroísmo e coragem. Alguns lembram-se de um major da marinha real que, embora tendo perdido os dois braços, encorajava os seus homens gritando-lhes:

— Avancem, rapazes, avancem, antes que Fritz saiba desta dança! Outros lembram-se da alegre fanfarronice e da espantosa confiança com

que os feridos esperavam pacientemente pelos serviços de saúde. Alguns acenavam às tropas que desfilavam, outros gritavam: "Encontramo-nos em Berlim, amigos!" O artilheiro Ronald Allen jamais esqueceria um soldado que, gravemente ferido no ventre, se encostara a uma parede lendo calmamente um livro.

A rapidez era agora essencial. De Gold Beach, as tropas dirigiram-se para Bayeux, a uma dezena de quilômetros para o interior. De Juno, os canadenses dirigiram-se para a estrada nacional Bayeux-Caen e para o campo de aviação de Carpiquet, a quinze quilômetros. E, partindo de Sword, os ingleses avançaram em direção a Caen. Segundo nos disse mais tarde Noel Monks, do Daily Mail, de Londres, estavam tão convencidos de que tomariam a cidade que informaram os correspondentes de guerra de que haveria uma conferência de Imprensa "no local X, em Caen, às dezesseis horas". O contingente de Lord Lovat não perdeu tempo ao deixar o setor de Sword. Devia render as tropas da 6.ª divisão aerotransportada do General Gale que dominavam as pontes sobre o Orne, a seis quilômetros de Sword, e Lovat prometera a Gale que chegaria "ao meio-dia em ponto". À frente da coluna, o tocador de gaita de fole Bill Millin atacava com galhardia Blue Bonnets Over the Border (Bonés Azuis Para Além da Fronteira).

Para dez ingleses, os que ocupavam os submarinos de bolso X-20 e X-23,

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o Dia D terminara. Ao largo da praia de Sword, o Tenente George Honour manobrava entre as formações de batelões que avançavam em direção à costa em colunas longas e regulares. No mar encrespado, com as superestruturas quase submersas, o X-23 distinguia-se apenas pelas bandeiras que estalavam ao vento. O gajeiro Charles Wilson, a bordo de um LCT, "por pouco não caiu de espanto pela borda fora" quando viu o que supôs serem "duas enormes bandeiras aparentemente sem suporte" que avançavam na sua direção cortando as vagas. Ao ver passar o X-23, Wilson não pôde deixar de pensar "que diabo andaria a fazer um submarino de bolso no meio de um desembarque". Lentamente, o X-23 avançava pela zona dos transportes, à procura do respectivo rebocador, o En Avant. A operação Gambit terminara. O Tenente Honour e os seus quatro companheiros voltavam para casa.

Os homens para quem tinham balizado as praias embrenhavam-se por terras da França. Reinava um otimismo geral. A Muralha do Atlântico fora transposta. Quanto tempo levariam os alemães para recompor-se da surpresa?

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CAPÍTULO III DE MADRUGADA, Berchtesgaden descansava sossegada e calma. O dia já

estava quente e pesado, as nuvens desciam sobre as montanhas. No ninho de águia de Hitler, em Obersalzberg, reinava silêncio absoluto. O Führer dormia. A poucos quilômetros, na Reichskanzlei, quartel-general de Hitler, nascia uma manhã como tantas outras. O General Alfred Jodl, chefe de operações da OKW, estava de pé desde as seis horas da manhã. Como de costume, tomara um pequeno almoço frugal (uma chávena de café, um ovo quente e uma torrada) e agora, no gabinete à prova de som, lia calmamente os relatórios da noite.

As notícias vindas de Itália continuavam a ser más. Roma caíra há vinte e quatro horas e o Marechal Albert Kesselring comandava a rápida retirada das tropas. Segundo Jodl, os Aliados talvez conseguissem abrir caminho antes de Kesselring ter podido dispor dos seus batalhões e tomado novas posições mais a norte. A provável derrota na Itália preocupava Jodl, ao ponto de ter ordenado ao General Walter Warlimont, seu adjunto, que fosse junto de Kesselring verificar exatamente como iam as coisas. Warlimont partiria à tarde.

Na Rússia, nada de novo. Embora a autoridade de Jodl não se estendesse até ao teatro oriental de operações, agira, havia muito, de forma a pôr-se em posição de "aconselhar" o Führer sobre o desenrolar da guerra na Rússia. A ofensiva de verão soviética podia começar de momento para outro e, ao longo dos três mil quilômetros da frente, duzentas divisões alemãs — mas de um milhão e quinhentos mil homens — aguardavam-na de pé firme. Mas nessa manhã a frente russa estava calma. O ajudante de campo de Jodl entregara no gabinete diversos relatórios emanados do Q.G. de von Rundstedt, sobre uma ofensiva aliada na Normandia. Jodl não era de opinião que a situação fosse muito séria, pelo menos no momento. Não, o que o preocupava principalmente era a Itália.

Na caserna de Strub, a alguns quilômetros, o General Warlimont seguia atentamente a ofensiva da Normandia, desde as quatro horas da manhã. Recebera o teletipo da OB. West pedindo reservas blindadas — a Panzer Lehr e a 12.ª D.B. S.S.

— e discutira ao telefone com o General Günther Blumentritt, chefe do estado-maior de von Rundstedt. Warlimont ligou para Jodl.

— Blumentritt telefonou-me sobre o assunto das reservas de panzers — comunicou-lhe. — A OB. West gostaria de as fazer avançar imediatamente para as zonas de desembarque.

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Segundo recorda Warlimont, seguiu-se longo silêncio, enquanto Jodl refletia.

— Tem a certeza de se tratar realmente do desembarque? — perguntou-lhe por fim; e sem esperar a resposta de Warlimont

continuou: — Pelos relatórios que recebi, poderia tratar-se de um exercício de diversão... duma armadilha guerreira. A OB. West tem presentemente bastantes reservas... Deveria tentar rechaçar a ofensiva com as forças de que dispõe. Não me parece que tenha sido bem escolhida a época para libertar as reservas da OKW... É preciso esperar que a situação se esclareça.

Warlimont sabia que seria inútil discutir, apesar de estar convicto de que o desembarque na Normandia tinha mais importância do que Jodl parecia dar-lhe.

— General — respondeu — dada a situação na Normandia, devo ir para Itália, como estava previsto?

— Mas, evidentemente. Não vejo por que não... — replicou Jodl, e desligou.

Warlimont largou o telefone, voltou-se para o General Buttlar-Brandenfels, chefe de operações do exército, e transmitiu-lhe a decisão de Jodl.

— Tenho pena de Blumentritt — disse. — A sua decisão é absolutamente contrária à estratégia que penso ter sido estabelecida para o caso de desembarque.

Warlimont estava chocado com a interpretação literal dada por Jodl ao ucasse de Hitler sobre as panzers. Estas divisões pertenciam efetivamente à OKW, estando por conseguinte sujeitas à autoridade direta do Führer. Mas, compartilhando a opinião de von Rundstedt, Warlimont sempre pensara que, "em caso de desembarque, quer se tratasse, quer não de uma diversão, as panzers seriam, automática e imediatamente, postas em ação". Pensava Warlimont que seria a única manobra lógica; o homem que se encontrava no local e que tinha de fazer face ao inimigo deveria ter à sua disposição todas as unidades possíveis, para delas se servir como melhor entendesse, sobretudo quando o homem em questão era um dos últimos "Cavaleiros Negros" da Alemanha, o venerável estrategista von Rundstedt. Jodl tinha poderes para libertar as panzers, mas não queria correr o menor risco. Conforme Warlimont afirmou mais tarde, "Jodl tomou a decisão que pensou que Hitler teria tomado". Na opinião de Warlimont, tal atitude constituía exemplo flagrante da "ausência de autoridade no Estado autoritário". Mas ninguém discutia as deliberações de Jodl. Warlimont pediu ligação para Blumentritt. A resolução de entregar as panzers dependia unicamente do capricho daquele que Jodl considerava um gênio militar — Hitler.

O oficial que previra semelhante situação e que dela esperava falar a

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Hitler encontrava-se apenas a duas horas de Berchtesgaden. O Marechal de campo Erwin Rommel, na sua casa de Harrlingen, perto de Ulm, parece ter sido completamente esquecido no meio da desordem geral. Nem uma palavra nos arquivos e registros meticulosamente mantidos em dia pelo grupo de Exércitos B deixa supor que Rommel tivesse nessa altura sido avisado do desembarque.

No Q.G. da OB. West, nas portas de Paris, a decisão de Jodl produziu o efeito de uma bomba. Era impossível acreditar. O General Bodo Zimmermann, chefe das operações, recorda que von Rundstedt "explodia de raiva, tinha o rosto congestionado e falava encolerizadamente". Zimmermann também não acreditava no que ouvia. A meio da noite, Zimmermann telefonara à OKW informando o Tenente-Coronel Friedel, oficial de serviço, de que a OB. West tinha posto duas divisões de panzers em estado de alerta, Zimmermann recorda com amargura que "ninguém formulou a menor objeção contra esta medida". Ligou de novo para a OKW. Falou com o General von Buttlar-Brandenfels, que, friamente e copiando a atitude de Jodl, chegou ao ponto de ter um ataque de fúria e gritar:

— Essas divisões estão sob o controle direto da OKW! Não tinha o direito de as pôr em estado de alerta sem o nosso acordo! Ordeno-lhe que as mande parar imediatamente! Nada se deve fazer sem ordem expressa do Führer!

Quando Zimmermann tentou argumentar, von Buttlar cortou-lhe secamente a palavra:

— Faça o que lhe dizem! Era a vez de von Rundstedt falar. Na qualidade de marechal de campo,

podia chamar Hitler diretamente e pode-se admitir que as panzers tivessem sido imediatamente libertas. Mas von Rundstedt não lhe telefonou durante todo o Dia D. Nem mesmo a importância do desembarque conseguiu decidir o velho aristocrata a suplicar algo ao homem a que geralmente chamava "esse cabo boêmio" *.

* Segundo von Buttlar-Brandenfels, Hitler não ignorava o desprezo que von Rundstedt lhe dava. "Enquanto o marechal de campo grunhir — dizia — tudo vai bem."

Os seus oficiais continuavam contudo a bombardear a OKW com telefonemas, fazendo esforços inúteis para modificar a decisão de Jodl. Ligaram para Warlimont, para von Buttlar-Brandenfels e até para o General Rudolf Schmundt, adjunto de Hitler. Esta estranha batalha pelos fios viria a durar horas. Zimmermann resumiu-a assim: "Quando os avisamos de que, se não obtivéssemos as panzers, os desembarques na Normandia poderiam ter sucesso, e que não se podia prever o que se seguiria, responderam-nos simplesmente que nós não estávamos em posição de formular juízos, que o desembarque principal se daria mais tarde e que, de qualquer forma, o

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verdadeiro desembarque se daria noutro local!"** Hitler continuava a dormir, protegido pelo seu pequeno círculo de turiferários militares, no universo fechado e balsâmico de Berchtesgaden.

** Hitler estava tão profundamente convencido de que o "verdadeiro" desembarque seria efetuado no Pas-de-Calais que conservou o 15.° Exército, de von Salmuth, nas suas posições até ao dia 24 de junho! Já era então demasiado tarde. Fato curioso: parece ter sido Hitler o único a acreditar, a princípio, que o desembarque se poderia dar na Normandia. O General Blumentritt lembra-se muito bem de "um telefonema de Jodl, em abril, durante o qual lhe foi comunicado que o Führer possuía informações formais e que um desembarque na Normandia não era impossível".

No Q.G. de Rommel, em La Roche-Guyon, o General Speidel chefe do

estado-maior, nada sabia ainda acerca da decisão de Jodl. Pensava que as duas divisões de panzers tinham sido postas em estado de alerta e estavam já a caminho. Por sua vez Speidel sabia que a 21.ª divisão de panzers se dirigia para a região ao sul de Caen e, embora fosse preciso um certo tempo para que os tanques lá chegassem, já deviam ter entrado em ação algumas unidades de reconhecimento de infantaria. No Q.G. reinava portanto nítido otimismo. "A impressão geral — recorda o Coronel Leodegard Freyberg — era de que os Aliados seriam rechaçados para o mar antes do fim do dia." O Vice-Almirante Friedrich Ruge, ajudante de campo naval de Rommel, partilhava da euforia geral, mas notou um fato estranho: os criados do Duque e da Duquesa de La Rochefoucauld andavam silenciosamente de divisão em divisão, retirando das paredes as preciosas tapeçarias dos Gobelins.

O 7.º Exército, que lutava contra o ataque aliado, parecia ter poucas razões para se mostrar otimista. Os respectivos oficiais estavam firmemente persuadidos de que a 352.ª divisão rechaçara o invasor para o mar, entre Vierville e Colleville, isto é, na praia de Omaha. Eis o que se passara: o oficial de um blockhaus construído sobre a praia conseguira transmitir para o quartel-general um relatório animador sobre o êxito da batalha. O comunicado foi considerado tão importante que o transcreveram palavra por palavra: "À borda da água — dizia o observador — o inimigo procura abrigar-se atrás dos obstáculos. Um grande número de carros, incluindo dez tanques, ardem na praia. As equipes de demolição desistiram. Os desembarques cessaram. As embarcações mantêm-se ao largo. O fogo da nossa artilharia e das nossas armas automáticas está bem colocado e já infligiu pesadas perdas ao inimigo. Grande número de mortos e feridos jazem junto ao mar..."*

* O comunicado foi transmitido, entre as oito e as nove horas, diretamente ao chefe de operação da 352.a divisão, Tenente-Coronel Ziegelmann, por certo Coronel Goth que comandava as fortificações da Pointe-de-la-Percée, na praia de Omaha, junto de Vierville. Causou tal júbilo que Ziegelmann, segundo o relatório que escreveu depois da guerra, ficou convencido de que teria de enfrentar "forças inimigas inferiores". Os relatórios que se seguiram foram cada vez mais otimistas e, às onze horas, o General Kraiss, comandante da 352.a divisão, estava a tal ponto convicto de ter eliminado a cabeça de ponte de Omaha que retirou algumas das suas tropas, enviando-as, como reforços, para a ala direita da divisão, no

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setor britânico.

Eram as primeiras notícias animadoras recebidas pelo 7.° Exército. Resultaram numa tal alegria que, quando o General von Salmuth, comandante da 15.ª divisão, propôs enviar como apoio a 356.ª divisão de infantaria, a oferta foi declinada com desdém. "Não precisamos", disseram-lhe.

Mas embora todos estivessem confiantes, o General Pemsel, chefe do estado-maior, procurou sempre ter uma idéia precisa da situação. 0 que não era nada cômodo, visto estar praticamente privado de comunicações. Os fios e cabos tinham sido cortados e destruídos pela Resistência francesa, pelos pára-quedistas ou pelo bombardeio naval e aéreo. Pemsel declarou ao Q.G. de Rommel:

— Estou a travar o gênero de batalha que Guilherme, o Conquistador, deve ter travado, só pelo que vejo e ouço.

Pemsel ainda ignorava a que ponto as redes de comunicações estavam danificadas. Pensava que os pára-quedistas tinham sido os únicos a chegar a Cotentin. Nesta altura ainda não tinha conhecimento dos desembarques na costa leste, na praia de Utah.

Pemsel, embora incapaz de definir exatamente os limites geográficos da ofensiva, tinha contudo a certeza de uma coisa. O assalto contra a Normandia constituía realmente o grande desembarque. Insistia em repeti-lo aos seus superiores, aos Q.G. de Rommel e de von Rundstedt, mas quase ninguém lhe dava ouvidos. Nos relatórios matinais do grupo de Exércitos B e da OB. West lia-se: "É ainda muito cedo para sabermos se se trata de um ataque de diversão ou da ofensiva propriamente dita". Os generais continuavam a aguardar o Schwerpunkt, que qualquer soldado acantonado na Normandia poderia ter dito onde se encontrava.

*

A oitocentos metros de Sword Beach, o Cabo Josef Haeger, trêmulo e

aturdido, acabou por encontrar o gatilho da metralhadora e recomeçou a atirar. À sua volta a terra parecia revolver-se. O fragor da batalha era ensurdecedor. Haeger tinha a cabeça a zumbir e sentia-se doente de medo. Tinha-se batido valentemente e ajudara a cobrir a retirada da companhia a que pertencia desde o momento em que as linhas da 716.ª divisão haviam sido rompidas diante de Sword Beach. Não sabia quantos soldados ingleses atingira. Fascinado, vira-os deixar a praia e ceifara-os uns atrás dos outros. Já no passado pensara muitas vezes qual seria a sensação de matar um inimigo, assunto freqüentemente discutido com os seus camaradas Huf,

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Saxler e Ferdi Klug. Sabia agora qual era: era horrorosamente fácil. Huf não vivera o suficiente para o saber: fora morto no início da fuga. Haeger abandonara-o junto de uma sebe, de boca aberta e com um buraco onde antes tivera a testa. Haeger não sabia onde estava Saxler, mas Ferdi estava a seu lado, meio cego, a cara toda em sangue. E Haeger sabia agora que era só uma questão de tempo, que iam morrer todos. Abrigava-se numa trincheira diante de um fortim, com dezenove companheiros — tudo o que restava da sua companhia. De todos os lados choviam obuses de morteiro, rajadas de metralhadora e balas. Estavam cercados; podiam escolher entre render-se e suicidar-se. Todos o sabiam — todos exceto o capitão que do fortim disparava tiros de metralhadora, não os deixando entrar, e gritando:

— É preciso agüentar! É preciso agüentar! Foram os momentos mais atrozes da vida de Haeger. Já não sabia para

onde atirava. Sempre que o tiroteio inimigo abrandava um pouco, Haeger premia o gatilho e sentia a metralhadora estremecer, o que lhe incutia coragem. Depois, o dilúvio de fogo recomeçava e os homens gritavam para o capitão:

— Deixe-nos entrar! Deixe-nos entrar! Talvez os tanques o tivessem feito mudar de opinião. Todos ouviram o

chocalhar dos blindados. Eram dois. Um deles parou do outro lado de um prado. O outro prosseguiu lentamente o seu caminho, derrubou uma sebe, passou diante de três vacas que ruminavam calmamente numa pastagem, e, em seguida, os soldados abrigados na trincheira viram o canhão que se erguia, devagar, pronto a atirar à queima-roupa. Precisamente nesta altura o tanque incendiou-se, por milagre, incrivelmente. Na trincheira, um servente de bazuca usara o último projétil e acertara no alvo. Hipnotizados, não acreditando no que se passava, Haeger e o seu amigo Ferdi viram a portinhola do tanque em chamas abrir-se e, através de negras nuvens de fumaça, um homem que desesperadamente tentava salvar-se. Berrando, com a farda a arder, passou metade do corpo pela abertura, em seguida desfaleceu, ficando suspenso ao longo do flanco do tanque. Haeger voltou-se para Ferdi e murmurou:

— Espero que Deus nos reserve uma morte melhor. O segundo tanque, mantendo-se prudentemente fora do alcance da

bazuca, começou por seu turno a atirar. Finalmente o capitão fez entrar todos para o fortim. Haeger e os outros sobreviventes precipitaram-se para o interior; entraram em novo pesadelo. O fortim, pouco maior do que uma sala normal, estava repleto de mortos e moribundos. Além disso, abrigava mais de trinta homens, que estavam tão apertados que não podiam sentar-se nem sequer mover-se. Estava escuro, havia um calor atroz e o barulho era horrendo. Os feridos gemiam. Os homens falavam e gritavam em diversos

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idiomas — havia muitos russos e polacos — e, sem descanso, o capitão, alheio aos gritos dos feridos que lhe pediam que se rendesse, disparava a metralhadora pela única fenda do abrigo.

Durante um breve intervalo, Haeger e os seus infelizes companheiros ouviram gritar do exterior:

— Está bem. Herman, é melhor sair daí! Enfurecido, o capitão despejou mais uma rajada. Volvidos alguns

instantes, a mesma voz insistiu: — É melhor renderes-te, Fritz! A fumaça acre da pólvora fazia os homens tossir e empestava o ar já

irrespirável. Sempre que o capitão parava para carregar a metralhadora, a mesma voz gritava-lhe que se rendesse. Por fim, outra voz dirigiu-se-lhes em alemão e Haeger nunca esquecerá um ferido que, fazendo uso das únicas palavras de inglês que conhecia, se pôs a repetir como um papagaio:

— Hello, boys! Hello, boys! Hello, boys!... De repente, a fuzilaria e os tiros cessaram lá fora. Todos, pensou Haeger,

compreenderam ao mesmo tempo o que se iria passar. Havia uma abertura no teto. Ajudado por alguns companheiros, Haeger içou um homem, para tentar ver o que se passava. Assim que deu uma olhadela pôs-se a berrar:

— Lança-chamas! Trazem lança-chamas! Haeger sabia que as chamas não os alcançariam, visto o orifício de

respiração do fortim estar protegido por uma rede de barras de aço. Mas o calor podia matá-los todos. Ouviram de repente o ufuf do lança-chamas. O fortim era arejado somente pela estreita brecha, através da qual o capitão persistia em fazer fogo, e pelo pequeno furo no teto.

A pouco e pouco a temperatura foi subindo. Alguns soldados foram tomados de pânico. Empurrando, arranhando e berrando "Deixem-nos sair!", tentaram passar através das pernas dos companheiros para chegarem à porta. Mas, apertados e comprimidos pela massa compacta de homens, nem sequer conseguiram pôr-se de gatinhas. Todos voltaram a suplicar ao capitão que se rendesse. Este nem sequer se virou e continuou a atirar. O ar estava cada vez mais irrespirável. Um tenente interferiu e ordenou:

— Vamos todos respirar como eu comandar! Um, inspirar; dois, expirar... Um... Dois... Um... Dois...

Haeger viu o revestimento de aço do orifício de ventilação passar de rosa a vermelho, em seguida a branco incandescente.

— Um... Dois... Um... Dois...! — gritava o oficial. — Hello, boys! Hello, boys! — repisava o ferido. E Haeger ouvia o radiotelegrafista que, num canto, debruçado sobre o

aparelho, repetia: — Venham, Espinafres... Venham, Espinafres...

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— Capitão! — gritou o oficial. — Os feridos sufocam! Temos de nos render!

— Nem pensem nisso — rosnou o capitão. — Vamos-nos bater para sairmos daqui. Conte os homens e as armas!

— Não! Não! — gritavam vozes de todos os cantos do fortim. Ferdi voltou-se para Haeger: — És o único, além do capitão, a possuir uma metralhadora. Este louco

vai-te fazer sair à frente, sou eu que te digo. Provocadores, os homens começaram a arrancar as culatras dos fuzis e a

lançá-las por terra. — Não vou — afirmou Haeger —, não te incomodes. E arrancou

igualmente a culatra da arma. Alguns homens desmaiavam devido ao calor. De joelhos dobrados e

cabeças pendentes mantinham-se contudo em pé: era-lhes impossível cair por terra, de tão apertados que estavam. O jovem tenente continuava em vão a implorar ao capitão que se rendesse. Ninguém se podia aproximar da porta, pois mesmo ao lado ficava a vigia, e o capitão lá estava com a sua metralhadora.

De repente, o capitão parou de atirar e, voltando-se para o operador de rádio, perguntou-lhe:

— Conseguiu contactá-los? — Não, capitão. Foi então que o capitão olhou à sua volta, como se visse o fortim pela

primeira vez. Pareceu ficar embaraçado e confuso. Em seguida lançou a metralhadora ao chão e suspirou:

— Abram a porta. Haeger viu um soldado que pela vigia ia fazendo escorregar uma

coronha de fuzil a que prendera um lenço branco. Do exterior, uma voz gritou-lhes:

— Está bem, Fritz. Cá para fora. Um a um. Sufocados, encadeados pela luz, os homens saíram do fortim

cambaleando. Se não se apressavam a entregar as armas e os capacetes, os ingleses, alinhados dos dois lados da trincheira, atiravam-lhes aos calcanhares. Quando atingiam a extremidade da trincheira, os vencedores arrancavam-lhes os cinturões, tiravam-lhes os atacadores e cortavam-lhes os botões das túnicas e das calças. Depois obrigavam-nos a deitar-se de borco no prado.

Haeger e Ferdi correram para a trincheira de mãos no ar. Ao cortar o cinturão de Ferdi, um oficial inglês disse-lhe:

— Dentro de quinze dias, veremos os teus amiguinhos em Berlim, Fritz. Ferdi, com o rosto ensangüentado e intumescido, tentou gracejar.

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Replicou: — Nessa altura, estamos na Inglaterra! Pretendia dizer que estariam num campo de prisioneiros, mas o inglês

não o compreendeu e rugiu: — Levem-me estes tipos para a praia! Agarrando as calças, os soldados alemães puseram-se a caminho e

passaram defronte do tanque incendiado e das três vacas, que não tinham parado de ruminar calmamente na pastagem.

Um quarto de hora mais tarde, Haeger e os seus companheiros trabalhavam entre os obstáculos, retirando as minas. Ferdi fez notar a Haeger:

— Aposto que quando plantaste estas gracinhas não sonhavas em vir um dia a retirá-las!*

* Nunca consegui encontrar o capitão que tentou fanaticamente defender o fortim, mas Häger julga que se chamava Gundlach e que o jovem oficial era o Tenente Lutke. A meio do Dia D, Häger encontrou Saxler, o companheiro desaparecido, que também estava ocupado em retirar minas dos obstáculos. Nessa mesma noite foram enviados para a Inglaterra e seis dias mais tarde Häger e outros cento e cinqüenta prisioneiros alemães desciam em Nova Iorque, antes de serem enviados para um campo de prisioneiros, no Canadá.

*

O soldado Aloysius Damaski não tinha coragem para lutar. Polaco de

origem e incorporado à força na 71.ª divisão, Damski decidira de há muito que, se o desembarque se realizasse, se lançaria para a primeira embarcação e se renderia. Mas Damski não teve oportunidade de o fazer. Os britânicos desembarcaram sob a proteção de um tal bombardeio, quer naval, quer aéreo, que o comandante da bateria de Damski, acantonada na extremidade oeste de Gold Beach, ordenou imediatamente a retirada. Damski compreendeu que corria para uma morte certa se fosse ao encontro dos ingleses. Mas, na desordem da retirada, fugiu em direção a Tracy, pequena aldeia onde residia em casa de uma velha senhora, pensando que por lá poderia ficar e render-se quando a aldeia fosse tomada.

Ia atravessando os campos quando encontrou um sargento da Wehrmacht, que seguia a cavalo, precedido por um soldado russo, que o acompanhava a pé. O sargento olhou para Damski e perguntou-lhe, com largo sorriso:

— Para onde pensas que vais assim sozinho? Os dois homens fitaram-se um momento em silêncio; Damski

compreendeu que o sargento adivinhara que desertara. Sem abrandar o sorriso, o sargento disse:

— Acho melhor que venhas conosco, anda. Damski não se surpreendeu. Enquanto caminhava, pensou amargamente

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que nunca tivera sorte e que nunca viria a tê-la. A quinze quilômetros, nos arredores de Caen, o soldado Wilhelm Voigt,

pertencente a um grupo móvel de transmissões, pensava igualmente na maneira de se render. Voigt vivera dezessete anos em Chicago, mas nunca se naturalizara. Em 1939, a mulher, que fora até a Alemanha ver a família, teve de ficar por lá a fim de tratar a mãe que estava doente. Em 1940, desprezando os conselhos de todos os amigos, Voigt partiu ao seu encontro. Incapaz de entrar na Alemanha em guerra pelas vias normais, efetuou tortuosa viagem através do Pacífico até o Japão, depois de Vladivostock a Moscou pelo Transiberiano. Daí, deslocou-se até a Polônia e, finalmente, chegou à Alemanha. Levou nisto cerca de quatro meses. Uma vez chegado, Voigt não pôde tornar a sair. A mulher e ele estavam presos na armadilha. No Dia D, pela primeira vez ao cabo de quatro anos, ouvia pelos auscultadores vozes americanas. Durante horas preparara a frase que diria ao avistar os primeiros soldados americanos.. Correria para eles, gritando-lhes:

— Olá, amigos, sou de Chicago! Mas a unidade a que pertencia estava longe da frente. Quase dera a volta

ao mundo, unicamente a fim de voltar para Chicago — e agora nada podia fazer, a não ser continuar sentado no caminhão escutando aquelas vozes, tão próximas, que, para ele, significavam "pátria"*.

* Voigt nunca voltou a ver Chicago. Vive hoje na Alemanha, onde trabalha para uma companhia de aviação.

*

Atrás de Omaha Beach, o Major Werner Pluskat ofegava no fundo de

uma vala. Estava quase irreconhecível, perdera o capacete, tinha o uniforme em farrapos, e a cara, ferida, escorria sangue. Durante mais de hora e meia, desde que deixara o fortim de Sainte-Honorine, a fim de voltar para o P.C, Pluskat arrastara-se através de uma terra de ninguém digna de um apocalipse. Centenas de caças, voando rente às dunas, atiravam sobre tudo o que se movia e as peças pesadas da marinha não cessavam de canhonear aquele setor. Abandonara o Volkswagen, transformado num montão de ferros torcidos e fumegantes. Da fumaça saíam em turbilhão bocados de sebes e braçadas de ervas incendiadas. Por toda parte, Pluskat vira trincheiras repletas de cadáveres de soldados, abatidos pela artilharia ou metralhados pelos aviões. Também ele fora metralhado. Calculava ter percorrido apenas mil e seiscentos metros e encontrar-se a cinco quilômetros do P.C. de Etreham. Avançava com dificuldade. Avistou uma fazendola à sua frente. Quando lá chegasse, pensou, saltaria da vala, atravessaria o pátio a correr e pediria um copo de água. Quando se aproximou, ficou estupefato ao ver duas

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francesas calmamente sentadas à soleira da porta, como se o tiroteio não pudesse atingi-las. Miraram-no; uma delas, com um riso de desprezo, gritou-lhe:

— Cest terrible, n'est-ce pas? (É horrível, não é?) Pluskat continuou rastejando, o riso ribombando-lhe nos ouvidos. Nesse

instante, odiou os franceses, os normandos e toda aquela maldita guerra.

* Anton Wuensch, cabo do 6.º regimento de pára-quedistas, viu o pára-

quedas preso aos ramos de uma árvore. Estava azul e enorme saco de lona balançava-lhe por baixo. Ao longe ouvia-se um tiro cerrado de metralhadora, mas a tal distância que nem Wuensch nem a sua unidade tinham visto o inimigo. Caminhavam havia perto de três horas e chegaram a um pequeno bosque, junto de Carentan, uns quinze quilômetros a sudoeste de Utah Beach.

O Cabo Richter observou o pára-quedas e disse: — Pertence aos americanos. Deve conter munições. O soldado Fritz "Fridolin" Wendt pensava, por seu turno, que devia

trazer comida, e morria de fome. Wuensch aconselhou-os a permanecerem na vala enquanto ele se aproximasse. Talvez fosse uma armadilha; podia haver uma emboscada, o saco podia estar minado.

Prudentemente, Wuensch efetuou o reconhecimento. Em seguida, certo de que o setor estava calmo, fixou duas granadas à árvore e arrancou as espoletas. A árvore tombou, e com ela o saco. Wuensch esperou; as explosões não pareciam ter atraído as atenções. Acenou aos camaradas e gritou-lhes:

— Vamos lá a ver o presente dos tiozinhos americanos! "Fridolin" correu, de faca na mão, e rasgou a lona. O rosto iluminou-se-

lhe: — Santo Deus! Comida! Comida! Durante meia hora, os sete pára-quedistas sentiram-se no paraíso.

Encontraram latas de ananás e de suco de laranja, chocolates e cigarros e uma variedade de víveres de que haviam esquecido a existência. "Fridolin" empanturrou-se vorazmente. Tentou até comer Nescafé, empurrando-o com leite condensado.

— Não sei o que é — disse — mas é ótimo. Por fim, não ouvindo os protestos de "Fridolin", Wuensch declarou que

deveriam "pôr-se a caminho e juntar-se aos que combatiam". Saciada a fome, os bolsos abarrotados de cigarros, Wuensch e os seus homens deixaram o bosque e, em fila indiana, encaminharam-se para o troar da

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fuzilaria. Volvidos alguns minutos, foi a guerra que veio ao encontro deles. Um dos homens de Wuensch caiu com uma bala na fronte. Precipitaram-se para o abrigo, enquanto as balas assobiavam à sua volta.

De repente um dos homens apontou para uma árvore. — Olhem! Estou certo de ter visto um soldado lá em cima! Wuensch focou o binóculo sobre a copa da árvore e inspecionou a

folhagem metòdicamente. Pareceu-lhe distinguir ligeiro movimento numa das árvores, mas não tinha a certeza. Sem se mover, examinou longamente o ponto suspeito. As folhas agitaram-se de novo. Pegou no fuzil e gritou:

— Vamos lá ver! Disparou. A princípio, Wuensch pensou que errara o alvo, pois o soldado

parecia descer da árvore. Wuensch visou novamente, grunindo em voz alta: — Desta vez, meu menino, não me escapas. Viu as pernas do soldado, depois o tronco. Wuensch disparou, disparou

mais uma vez, outra ainda. Muito lentamente, o inimigo deu uma reviravolta e caiu. Os soldados de Wuensch soltaram vivas, precipitando-se para o cadáver. Debruçaram-se sobre o primeiro pára-quedista americano que viam. "Era moreno, belo e muito jovem", contou-nos Wuensch.

Richter revistou os bolsos do morto e dentro da carteira encontrou duas fotografias e uma carta. Wuensch lembra-se de que numa das fotografias se via "o soldado sentado ao lado de uma jovem e concluímos que devia ser a sua mulher". Na outra fotografia viam-se "o soldado e a jovem sentados numa varanda com outras pessoas, sem dúvida a família". Richter quis guardar as fotografias e a carta. Wuensch perguntou-lhe:

— Qual é a idéia? — Acho que, quando a guerra findar, podia mandar tudo isto para o

endereço indicado no sobrescrito. Wuensch disse-lhe que estava louco. — Vamos talvez ser feitos prisioneiros pelos americanos e se te

encontrarem com essas gracinhas... Acabou a frase com um gesto eloqüente, passando o dedo pela garganta,

e continuou: — Deixa que os médicos tratem disso, e safemo-nos. Enquanto os

homens se afastavam, Wuensch permaneceu um momento debruçado sobre o americano, inerte e flácido, "como um cão atropelado". Correu depois atrás dos seus homens.

*

A alguns quilômetros dali uma viatura do estado-maior alemão, flâmula

negra, branca e vermelha estalando ao vento, rodava, por uma estrada

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secundária, em direção à aldeola de Picauville. Havia quase sete horas que o General Wilhelm Falley, da 91.ª divisão aerotransportada, viajava no Horch, com o ajudante de campo e o motorista, desde o momento em que partira para Rennes, para as manobras, um pouco antes da uma da manhã. Em dado momento, pelas três ou quatro horas, o roncar contínuo dos aviões e as longínquas explosões de bombas começou a inquietar Falley, levando-o a voltar para trás.

Estavam a poucos quilômetros do Q.G., ao norte de Picauville, quando uma rajada de metralhadora estilhaçou o pára-brisas. Falley viu o ajudante de campo, sentado ao lado do motorista, cair para a frente. O carro guinou, derrapou e bateu num muro. Com a violência do choque, as portas abriram-se e o motorista e o ajudante de campo foram projetados para fora. O fuzil do general escorregou-lhe dos joelhos. O motorista, abalado e ferido, viu diversos americanos que se precipitavam para o carro. Falley gritou: "Não atirem! Não matem!", mas continuava a tentar alcançar o fuzil. Um tiro partiu e Falley ficou estatelado na estrada, uma mão estendida para o fuzil.

O Tenente Malcolm Brannen, da 82.ª divisão aerotransportada americana, debruçou-se sobre o cadáver. Apanhou o boné. Por dentro tinha gravado a tinta um nome: "Falley". O alemão vestia um uniforme cinzento-esverdeado, com uma lista vermelha ao longo das calças. Tinha dragonas douradas e na gola do dólmã armas vermelhas com folhas de carvalho douradas. A volta do pescoço uma fita negra, da qual pendia uma cruz de ferro. Brannen não teve a certeza absoluta, mas pensou ter abatido um general.

*

No campo de aviação perto de Lille o Tenente-Coronel aviador Joseph

Priller e o Sargento Heinz Wodarczyk correram para os dois caças solitários FW-190. O P.C. do 2.º corpo de aviação de caça telegrafara, anunciando:

— Priller, o desembarque começou. Seria melhor que para lá se dirigisse a toda velocidade.

— É o fim! — explodiu Priller. — Raio de imbecis. Que diabo querem que eu faça com dois táxis? Onde está a minha esquadrilha? Não me podem mandá-la?

O oficial de operações não se perturbou. Com voz tranqüilizadora, respondeu:

— Ainda não sabemos ao certo onde se encontra a sua esquadrilha, Priller, mas vamos encaminhá-la para Poix, para onde deverá transferir imediatamente todo o seu pessoal de base. Entretanto, seria bom que desse um giro sobre o setor de desembarque. Boa sorte, Priller.

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Com a calma que a fúria em que estava lhe permitia manter, Priller perguntou:

— Será para vocês grande incômodo dizer-me onde se efetua o referido desembarque?

Sempre imperturbável, o oficial respondeu: — Na Normandia, meu caro. Para as bandas de Caen. Priller levou cerca de uma hora a preparar a transferência do pessoal em

terra. Priller e Wodarczyk estavam a postos — a postos para partirem para o único contra-ataque da Luftwaffe, no Dia D, contra a invasão*.

* Segundo certos relatos, oito bombardeiros JU-88 atacaram as praias durante o desembarque inicial. Alguns bombardeiros sobrevoaram as praias durante a noite de 6 para 7 de junho, mas não consegui descobrir qualquer relatório sobre incursões aéreas, além da de Priller, na manhã do Dia D.

Antes de subirem para os aviões, Priller aproximou-se do sargento,

declarando-lhe: — Ouça, meu amigo, só restamos os dois. Não nos podemos separar.

Sendo assim, por amor de Deus, faça exatamente o que eu fizer. Voe atrás de mim e imite-me nos menores movimentos.

Havia muito que pertenciam à mesma equipe. Priller achou conveniente definir a situação. Continuou:

— Vamos lutar os dois, sozinhos, e duvido que regressemos. Decolaram às nove horas (oito pela hora alemã) e dirigiram-se para sul, a

baixa altitude. Na vertical de Abbeville, muito alto, no céu, sobre eles, viram os primeiros caças aliados. Priller notou que não voavam em formações cerradas, como seria correto. Lembra-se de ter pensado: "Se tivéssemos aviões, estariam fritos". Já perto do Havre, Priller subiu acima das nuvens. Voaram durante alguns minutos, em seguida picaram de novo. Quando saíram das nuvens depararam com um espetáculo fantástico. Por baixo deles estendia-se uma frota colossal — centenas de navios de todos os tamanhos e tipos, que pareciam espalhar-se por toda a Mancha. Infindáveis colunas de embarcações largavam as tropas à beira-mar; Priller conseguiu distinguir os matizes brancos das explosões para além das dunas. As praias estavam cobertas de soldados, de tanques e de material. Priller embrenhou-se nas nuvens para se esconder e refletir. Havia tantos aviões, tantos navios de guerra ao largo, tantos homens nas praias que, pensou, poderia, no máximo, sobrevoar as praias uma vez antes de ser abatido.

Já não havia razão para manter o rádio em silêncio. Quase alegre, Priller empunhou o microfone e exclamou:

— Que espetáculo! Que espetáculo! Lá embaixo há de tudo, de tudo, por todos os lados. Acredite, meu caro, é o desembarque! Wodarczyk! Vamos a eles! Boa sorte, amigo!

Picaram em direção às praias britânicas, zumbindo, a mais de seiscentos

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à hora, até menos de trinta metros. Priller não tinha tempo para visar. Limitou-se a premir o botão de comando e sentiu as metralhadoras crepitarem. Rasando as cabeças dos soldados, viu caras erguidas, estupefatas.

Em Sword Beach, o comandante Philippe Kieffer, do comando francês, viu chegar Priller e Wodarczyk. Correu para um abrigo. Seis prisioneiros alemães aproveitaram a confusão para tentar fugir. Os homens de Kieffer abateram-nos imediatamente. Na praia de Juno, o soldado Robert Rogge, da 88.ª brigada de infantaria canadense, ouviu o roncar dos aviões e viu-os aproximar-se, "tão baixos que eu conseguia ver a cabeça dos pilotos". Deitou-se de borco, como os outros, e sufocou ao ver um homem que, "de pé, ia muito calmamente disparando a sua Sten contra os aviões". Na extremidade este do Omaha, o Tenente William J. Eisenmann, da marinha americana, não conseguiu reprimir uma exclamação quando os dois FW-190, de metralhadoras a crepitar, picaram "a menos de quinze metros e atravessaram a barragem de balões". A bordo do cruzador Dunbar, o fogueiro Robert Dowie viu, pasmado, todos os canhões antiaéreos da frota abrirem fogo sobre Priller e Wodarczky. Os dois caças passaram ilesos através dos projéteis, viraram em direção à costa e perderam-se entre as nuvens.

— Boches ou não — murmurou Dowie, incrédulo — desejo-vos boa sorte. Não vos falta fibra.

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CAPÍTULO IV A INVASÃO prosseguia ao longo de toda a costa normanda. Para os

franceses envolvidos na batalha foram as horas de caos, de júbilo e de terror. À volta de Sainte-Mère-1'Église, então violentamente bombardeada, os pára-quedistas da 82.ª divisão viram alguns camponeses trabalhando calmamente nos campos como se nada se passasse. De tempos a tempos tombava um, morto ou ferido. Na pequena cidade, outros pára-quedistas observaram o barbeiro do lugar retirar a tabuleta de Friseur, substituindo-a por outra onde se lia Barbier.

A alguns quilômetros, no lugarejo de La Madeleine, Paul Gazengel tinha dores e sentia-se terrivelmente azedo. O bombardeio arrancara-lhe o teto do bar-mercearia, fora ferido e as tropas da 4.ª divisão levavam-no agora para Utah Beach, juntamente com mais sete homens.

— Por que leva o meu marido? — perguntou a mulher ao jovem tenente. — Para o interrogarmos, minha senhora — respondeu o oficial num

francês impecável. — Não o podemos fazer aqui, e por isso os levamos para a Inglaterra.

— Para a Inglaterra! Mas por quê? Que fez ele? O oficial sentiu-se pouco à vontade. Explicou pacientemente que se

limitava a cumprir ordens. A Senhora Gazengel começou a chorar. — E se o meu marido morrer durante os bombardeios? — gemeu. — Há noventa por cento de probabilidade de que isso não aconteça,

minha senhora — afirmou-lhe o tenente. Gazengel despediu-se da mulher e partiu. Não conseguia perceber do que

se tratava — e nunca o viria a saber. Duas semanas mais tarde regressaria à Normandia, despachado pelos raptores americanos com a infeliz desculpa de que "se tratara de um engano".

Jean Marion, chefe do setor da Resistência da cidade balneária de Grandcamp, mordia-se de raiva e sentia-se roubado. Via a frota ao largo da praia de Utah, à sua esquerda, e diante de Omaha, à sua direita,, e sabia que as tropas estavam desembarcando. Mas Grandcamp parecia esquecido. Durante toda a manhã esperou em vão a chegada dos soldados. Acalmou-se um pouco quando a mulher lhe mostrou um destroyer que evoluía lentamente, a fim de se colocar em posição de tiro diante da localidade.

— O canhão! — exclamou Marion. — O canhão que eu lhes indiquei! Alguns dias antes prevenira Londres de que uma pequena peça de

artilharia fora colocada junto do litoral, com um campo de tiro limitado ao que passara a ser a praia de Utah. Marion estava agora certo de que a sua

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mensagem fora recebida: via o destroyer manobrar habilmente no ângulo morto do canhão e começar a disparar. De lágrimas nos olhos, Marion dava um salto de cada vez que o destroyer vomitava fogo.

— Receberam a mensagem! — gritou. — Receberam-na! O destroyer — o Herndon talvez — lançava obus após obus. De repente

houve violenta explosão quando as munições da pequena peça foram pelos ares.

— Fantástico! — exclamou Marion louco de excitação. — Estupendo! Em Bayeux, a uma vintena de quilômetros, Guillaume Mercader, chefe

do serviço de informações da Resistência no setor de Omaha Beach, estava à janela da sala com sua mulher, Madeleine. Mercader mal conseguia conter as lágrimas. Após quatro anos atrozes, as tropas alemãs aquarteladas na cidade pareciam preparar-se para retirar. Ouvia ao longe o troar dos canhões e sabia que se travavam duros combates. Morria de desejo por juntar os seus partidários e escorraçar o resto dos nazis. Mas pelo rádio tinham-lhe recomendado calma e repetido que não deveria haver qualquer levantamento. Era difícil mas Mercader aprendera a saber esperar.

— Em breve seremos libertados — disse à mulher. Em Bayeux, todos pareciam compartilhar dos mesmos sentimentos.

Embora os alemães tivessem afixado cartazes ordenando aos habitantes que ficassem em casa, o povo juntava-se ostensivamente no átrio da catedral ouvindo um padre que dava notícias sobre o desembarque. Do seu posto de observação via nitidamente as praias. Fazendo das mãos porta-voz, o padre gritava do alto do campanário.

Entre os ouvintes, encontrava-se Anne-Marie Broeckx, a jovem professora do jardim de infância, de dezoito anos, que viria a casar-se com um dos primeiros invasores americanos. Às sete da manhã, partira de bicicleta a caminho da fazendola de seu pai, em Colleville, por trás da praia de Omaha. Pedalando furiosamente, passou pelos ninhos de metralhadoras alemãs e cruzou com tropas que marchavam em direção ao litoral. Alguns soldados acenaram-lhe alegremente, outros aconselharam-na a não ir mais longe, mas ninguém a deteve. Viu aviões que, rasando os outeiros, cuspiam rajadas de metralhadora; alguns alemães abrigaram-se, mas Anne-Marie, cabelos flutuando ao vento e saia enfunada à roda das ancas, prosseguiu o seu caminho. Não tinha medo. Não lhe veio à cabeça que poderia estar em perigo.

Assim chegou a um quilômetro de Colleville. As estradas estavam desertas. Sobre os campos, para o interior, desciam nuvens de fumaça. Aqui e além ardiam brejos. Viu depois alguns sítios em ruínas. Pela primeira vez Anne-Marie foi tomada de medo. Pedalou ainda mais vigorosamente. Quando chegou à encruzilhada, à entrada de Colleville, estava quase louca.

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O troar da batalha ribombava à sua volta e a região parecia-lhe totalmente abandonada. A fazendola de seu pai situava-se entre Colleville e a praia. Anne-Marie decidiu prosseguir a pé. Pôs a bicicleta às costas e partiu através dos campos. Depois, ao escalar um montículo, viu a propriedade paterna — intacta. Correu o resto do caminho.

A princípio Anne-Marie pensou que a fazenda estava abandonada, pois não via sinal de vida. Precipitou-se para o pátio chamando pelos pais. Os vidros da casa haviam sido arrancados. Parte do teto caíra e na porta havia enorme buraco. Mas o batente despedaçado da porta abriu-se e distinguiu o pai e a mãe. Lançou-se-lhes nos braços.

— Querida filha — disse-lhe o pai — é um grande dia para a França. Anne-Marie desfez-se em pranto. A oitocentos metros dali, um soldado de primeira classe, de dezenove

anos, Leo Heroux, lutava pela vida no inferno de Omaha Beach. Era o homem que viria a desposar Anne-Marie*.

* Anne-Marie é uma noiva de guerra que não foi para a América. Leo Heroux e ela continuaram a viver no local onde se conheceram no dia 8 de junho — na fazenda dos Broeckx, em Colleville, junto da praia de Omaha. Têm três filhos e Heroux dirige uma auto-escola.

Enquanto a ofensiva aliada prosseguia com violência na Normandia, um

dos principais chefes da Resistência enfadava-se num comboio à entrada de Paris. Leonard Gille, chefe-adjunto do serviço militar de informações da Normandia, permanecia no comboio havia mais de doze horas. A viagem parecia-lhe interminável. O comboio rastejara pela noite, parando em todas as estações. E agora, por ironia do destino, o chefe do serviço de informações tomava conhecimento do desembarque por intermédio de um bagageiro! Gille não fazia a menor idéia do local onde se dera o desembarque, mas desejava regressar a Caen o mais depressa possível. Estava furioso por, após quatro anos de luta e trabalho na sombra, os seus superiores terem escolhido aquele dia para o mandarem à capital. E o que o mais danava era não poder descer do comboio. A próxima parada era em Paris.

Contudo, em Caen, a sua noiva, Janine Boitard, azafamava-se desde que recebera a notícia. Às sete horas, acordou os dois pilotos da R.A.F. que escondera.

— Despachemo-nos — disse-lhes. — Vou levá-los a uma fazenda, em Gavrus. É a doze quilômetros.

Os dois ingleses ficaram inquietos ao conhecerem o seu destino. Estavam somente a dez quilômetros da liberdade e iam afastá-los para o interior. Gavrus ficava a sudoeste de Caen. Um dos ingleses, o Tenente-Coronel K. T. Lofts, achava que deviam tentar a sua sorte e dirigir-se para

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norte, de encontro aos exércitos a que pertenciam. — Paciência — disse-lhes Janine. — A região está infestada de alemães

até a costa. É mais razoável esperarem. Pouco depois das sete puseram-se a caminho, em bicicleta, os dois

ingleses disfarçados de camponeses. O trajeto efetuou-se sem novidade. Embora fossem por diversas vezes interceptados por patrulhas alemãs, os seus falsos cartões de identidade não os desmascararam e puderam passar. Em Gavrus findou a responsabilidade de Janine — salvara mais dois pilotos. Teria gostado de continuar com eles, mas devia voltar para Caen, a fim de esperar pelos pilotos abatidos, que tomariam o caminho da evasão, e pela libertação que sabia agora estar próxima. Acenou-lhes pela última vez com a mão, montou na bicicleta e afastou-se.

Na prisão de Caen, Amélie Lechevalier, que aguardava a hora da execução por ter contribuído para a salvação de pilotos aliados, ouviu um murmúrio quando lhe entregaram a gamela de sopa através da fresta.

— Tenha esperança — disse-lhe a voz. — Tenha esperança. Os ingleses desembarcaram.

A Senhora Lechevalier começou a rezar. Perguntava a si própria se Louis, seu marido, preso numa cela vizinha, teria ouvido a notícia. Durante toda a noite ouvira diversas explosões, mas pensara que se tratasse de simples bombardeio. Agora, era-lhes dada uma oportunidade; talvez os salvassem antes que fosse demasiado tarde.

De repente, a Senhora Lechevalier ouviu um ruído no corredor. Pôs-se de joelhos de encontro à porta, encostou o ouvido à frincha e ouviu repetir infatigavelmente as seguintes palavras: Raus! Raus! Seguiu-se enorme confusão de passos e de bater de portas das celas, e o silêncio desceu novamente. Alguns minutos mais tarde ouviu lá fora um prolongado tiro de metralhadora.

Os guardas, todos da Gestapo, estavam tomados de pânico. Ao terem conhecimento do desembarque, haviam instalado duas metralhadoras no pátio da prisão. Em grupos de dez, os prisioneiros masculinos foram tirados das celas, encostados contra uma parede e executados. Haviam sido presos por diversos motivos, por vezes falsos, por vezes fundados. Entre eles encontrava-se Guy de Saint-Pol e René Loslier, agricultores; Pierre Audige, dentista; Maurice Primault, vendedor; o Coronel Antoine de Touchet, reformado; Anatole Lelièvre, secretário da Câmara Municipal; Georges Thomine, pescador; Pierre Menochet, agente da polícia; Maurice Dutacq, Achille Boutrois, Joseph Picquenot e seu filho, todos eles ferroviários; Albert Anne, Désiré Lemière, Roger Veillat, Robert Boulard— noventa e dois ao todo, dos quais só quarenta pertenciam à Resistência. Neste primeiro dia da libertação francesa, estes homens foram massacrados sem

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explicações, sem julgamento, sem interrogatório. Um deles era o marido da Senhora Lechevalier.

O fuzilamento demorou uma hora. Na sua cela, a Senhora Lechevalier pensava no que estaria acontecendo.

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CAPÍTULO V NA INGLATERRA eram nove horas e trinta. Durante toda a noite o

General Eisenhower caminhara de um lado para outro do reboque, esperando os primeiros relatórios. Tentara descansar como habitualmente, lendo histórias do Far-West, mas sem grande sucesso. Chegaram finalmente as primeiras mensagens. Eram descosidas, mas boas no conjunto. Os comandantes da Aeronáutica e da Marinha estavam mais que satisfeitos com a atuação das tropas nas cinco praias. Embora a cabeça de ponte ainda fosse precária, não levaria a público o comunicado que redigira vinte e quatro horas antes. Para o caso de insucesso da ofensiva, Eisenhower escrevera: "Dado que nossa tentativa de desembarque na região Cherbourg-Le Havre falhou, ordenei a retirada das tropas. A decisão que tomei de atacar nesta data e neste local baseava-se nas melhores informações possíveis. Os homens, as forças aéreas e a marinha deram provas de uma bravura e de um sentido do dever notáveis. Se foi cometido algum erro e se alguém deve ser censurado sou eu e só eu".

Mas, uma vez certo de que as tropas tinham posto pé nas praias de desembarque, Eisenhower autorizou a difusão de um comunicado totalmente diferente. Às nove e trinta e três o seu adido de Imprensa, Coronel Ernest Dupuis, deu a notícia ao mundo inteiro:

"Sob o comando supremo do General Eisenhower, as forças navais aliadas, apoiadas por poderosas forças aéreas, começaram esta manhã a desembarcar exércitos aliados na costa norte da França".

Era o momento que o mundo livre aguardava, e, agora que chegara o grande dia, a humanidade acolhia-o com curiosa mistura de alívio, entusiasmo e ansiedade. No artigo de fundo do Dia D, o Times de Londres escreveu: "A tensão está finalmente quebrada".

A maioria dos ingleses recebeu a notícia durante o trabalho. Em certas fábricas de guerra o comunicado foi feito por meio de alto-falantes. Operários e operárias abandonaram as máquinas para entoar o God Save the King. Nas aldeias as igrejas abriram as portas de par em par. Desconhecidos conversaram nos comboios dos subúrbios. Nas cidades, civis paravam soldados americanos para lhes apertarem a mão. Nas ruas formavam-se pequenos grupos, que erguiam a cabeça para observar o céu sulcado por um tráfego aéreo jamais visto na Inglaterra.

Naomi Coles Honour, tenente da WREN e mulher do comandante do X-23, quando tomou conhecimento da notícia, soube imediatamente onde se encontrava o marido. Um pouco mais tarde, recebeu um telefonema de um

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dos oficiais do Q.G. da Marinha: — O George está bem, mas você nunca adivinhará o que ele estava

fazendo. Naomi tinha tempo para vir a sabê-lo; o essencial era que ele estivesse

vivo. A mãe de Ronald Northwood, marinheiro de dezoito anos embarcado no

Scylla, ficou tão excitada que correu à casa de uma vizinha, Mrs. Spurdgeon, dizendo-lhe que o seu "Ronald devia lá estar". Mas Mrs. Spurdgeon não se deu por vencida. Tinha uma pessoa da família a bordo do Warspite e estava certa de que também ele lá estava. (Com pequenas variantes nos detalhes, travou-se esta mesma conversa através de toda a Inglaterra.)

Grace Gale, mulher do soldado John Gale, que desembarcara em Sword Beach com a primeira vaga, estava dando banho no mais novo dos seus três filhos quando ouviu o comunicado. Tentou reter as lágrimas, mas não o conseguiu. Tinha a certeza de que seu marido se encontrava na França. "Oh, meu Deus — murmurou — trazei-mo." Em seguida disse a Evelyn, sua filha mais velha, que desligasse o rádio.

— Não devemos desonrar o teu pai, ficando preocupadas — disse-lhe. Na atmosfera quase religiosa do Westminster Bank, em Bridgeport, no

Dorset, Audrey Duckworth trabalhava assiduamente e só recebeu a boa nova mais para o fim da tarde. Não fazia diferença. Seu marido, o capitão americano Edmund Duckworth, da 1.ª divisão, fora abatido ao desembarcar na praia de Omaha. Tinham-se casado havia cinco dias.

O General Sir Frederick Morgan dirigia-se de carro para o quartel-general de Eisenhower, em Portsmouth, quando ouviu o locutor da BBC aconselhar os ouvintes a escutarem um comunicado especial. Morgan ordenou ao motorista que parasse e que aumentasse o volume do rádio. E o autor do plano original de desembarque teve assim conhecimento da notícia da ofensiva.

Nos Estados Unidos era ainda noite quando a notícia foi difundida. Eram três horas e trinta e três na costa do Atlântico e zero horas e trinta e três na do Pacífico. Quase toda a gente dormia. Entre os que primeiro souberam da notícia contaram-se os milhares de trabalhadores dos turnos da noite, os homens e as mulheres que tinham colaborado no fabrico dos canhões, tanques, navios e aviões utilizados no desembarque. Em todas as enormes fábricas o sussurro parou, o trabalho interrompeu-se durante um minuto de solene meditação. Num estaleiro naval de Brooklin, à luz das lâmpadas de arco, centenas de homens e mulheres ajoelharam-se nos conveses dos navios Liberty ainda em construção e recitaram o Padre Nosso.

Por todo o continente, as luzes acenderam-se, nas cidades e aldeias. O silêncio das ruas foi repentinamente quebrado por milhares de rádios

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tonitruantes. Acordavam os vizinhos para lhes dar a novidade e foram tantos os que telefonaram aos parentes e amigos que as centrais telefônicas estiveram esgotadas. Em Coffeyville, no Kansas, homens e mulheres em trajes de dormir ajoelharam à soleira das portas e rezaram em coro. Num comboio entre Washington e Nova Iorque pediram a um pastor que celebrasse um serviço impromptu. Em Marietta, na Geórgia, os habitantes invadiram as igrejas às quatro horas da manhã. O Sino da Liberdade repicou em Filadélfia e, por toda a histórica Virgínia, berço da 29.ª divisão, os sinos das igrejas tocaram durante a noite, como quando da Revolução. Em Bedford, na Virgínia, pequeno burgo de três mil e oitocentos habitantes, a notícia revestia-se de particular significado. Quase todos tinham um filho, um irmão, um noivo ou um marido na 29.ª divisão. Em Bedford ainda não se sabia, mas todos os homens daquela região tinham desembarcado na praia de Omaha. Dos quarenta e seis habitantes de Bedford incorporados no 116.º regimento só regressariam vinte e três.

Lois Hoffman, alferes das WAVE (auxiliares femininas da marinha americana) e mulher do comandante do Corry, estava de serviço na base naval de Norfolk, na Virgínia, quando soube do desembarque. De vez em quando, seguia vagamente as deslocações de seu marido, graças aos amigos oficiais que tinham acesso à sala de operações. A notícia não a afetava pessoalmente. Julgava que o destroyer comandado pelo marido escoltava um comboio de munições no norte do Atlântico.

Em São Francisco, a Senhora Lucille M. Schultz, enfermeira do hospital militar de Fort Miley, estava no serviço da noite quando o comunicado foi transmitido. De bom grado teria ficado junto do aparelho a ver se falariam da 82.ª divisão aerotransportada; tinha fortes suspeitas de que esta divisão tomaria parte na ofensiva. Mas temia enervar o doente, um cardíaco, antigo combatente da Grande Guerra, que queria ouvir as notícias.

— Quem me dera estar lá — suspirou o doente. — Já teve a sua conta de guerra — disse-lhe a enfermeira Schultz,

desligando o aparelho. Sentada na penumbra, as faces brilhantes de lágrimas silenciosas,

começou a rezar o terço por um pára-quedistas de vinte e um anos, seu filho Arthur, mais conhecido no 505.° regimento pela alcunha de "Dutch" Schultz.

Na sua residência em Long Island, a Senhora Theodore Roosevelt teve um sono agitado. Acordou perto das três horas e não conseguiu readormecer. Ligou automaticamente o rádio, no momento preciso em que era dada a notícia oficial sobre o Dia D. Conhecendo o marido, tinha a certeza de que ele se arranjara de modo a estar no meio da batalha. Ignorava que era a única mulher americana a ter o marido em Utah Beach e um filho — Quentin Roosevelt, capitão, de vinte e cinco anos, da 1.ª divisão — em Omaha

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Beach. Sentou-se na cama, fechou os olhos e disse uma antiga prece familiar: "Senhor, ajudai-nos neste dia... até que as sombras se estendam e a noite caia".

No Stalag 17-B, junto de Krems, na Áustria, a notícia foi acolhida com alegria dificilmente contida. Alguns aviadores americanos feitos prisioneiros haviam captado o comunicado com minúsculos postos de galena, alguns construídos de forma a caber num estojo de escova de dentes, outros guardados dentro de lápis grossos. O Sargento James Lang, que fora abatido sobre a Alemanha havia mais de um ano, quase não queria acreditar. A comissão de coordenação das notícias do campo tentou acalmar o otimismo transbordante dos quatro mil prisioneiros, repetindo: "Não estejam demasiado esperançados. Dêem-nos tempo para verificar e confirmar ou desmentir".

Mas, em todas as barracas, os homens estavam já febrilmente ocupados a desenhar mapas da Normandia, sobre os quais tencionavam indicar o avanço vitorioso dos exércitos aliados.

Nesta altura os prisioneiros militares sabiam mais do que os próprios alemães. Até lá, o homem da rua de nada tomara conhecimento oficial. O que aliás não deixava de ser irônico, visto a Rádio Berlim ter sido a primeira a anunciar os desembarques de tropas aliadas. Desde as seis da manhã a rádio alemã difundira, para um mundo um tanto incrédulo, uma surpreendente série de emissões. Estas emissões em ondas curtas não podiam ser escutadas na Alemanha. No entanto, milhares de pessoas tinham sabido do desembarque de outro modo. Embora a escuta de estações estrangeiras fosse estritamente proibida e punível com prisão, alguns alemães ouviram rádios suecas, suíças ou espanholas. A notícia propagou-se rapidamente. Muitos mostraram-se cépticos. Mas outros, sobretudo as mulheres cujos maridos se encontravam na Normandia, não conseguiram esconder a sua inquietação. Entre estas contava-se Frau Pluskat.

Frau Pluskat tencionava ir nessa tarde ao cinema com uma amiga, Frau Sauer, igualmente casada com um oficial. Mas, quando soube que corria o boato de um desembarque aliado na Normandia, afligiu-se. Telefonou imediatamente a Frau Sauer, que também ouvira falar da ofensiva, e anulou o encontro.

— Preciso de saber o que aconteceu a Werner! Talvez não volte a vê-lo! Frau Sauer mostrou-se muito secamente prussiana: — Não tem vergonha! — exclamou. — Deve ter confiança no nosso

Führer e portar-se como boa esposa de um oficial! Sufocando, Frau Pluskat respondeu-lhe antes de desligar abruptamente: — Nunca mais volto a falar-lhe! Em Berchtesgaden poder-se-ia acreditar que os oficiais de Hitler

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aguardavam o comunicado aliado para lhe dar a notícia. Eram dez horas (nove pela hora alemã) quando o Almirante Karl Jesko von Puttkamer telefonou para o gabinete de Jodl pedindo-lhe o último relatório. Responderam-lhe que havia "indícios certos que permitiam pensar que houvera importante desembarque". Juntando todas as informações que conseguiu colher, Puttkamer e o seu estado-maior prepararam à pressa um mapa. Em seguida o General Rudolf Schmundt, ajudante de campo de Hitler, foi acordar o Führer. Este saiu de roupão dos seus aposentos, ouviu calmamente o relatório e mandou chamar o Marechal de campo Wilhelm Keitel, chefe da OKW, e Jodl. Quando estes se apresentaram, Hitler já estava vestido e aguardava-os terrivelmente excitado.

A conferência que se seguiu foi, segundo o depoimento de Puttkamer, "extremamente agitada". As informações eram vagas, mas, com base no pouco que se sabia, Hitler convenceu-se de que não se tratava da verdadeira ofensiva, e não se cansou de o repetir. A conferência durou uns poucos minutos e terminou de forma abrupta, segundo Jodl, quando Hitler se virou para Jodl e Keitel, berrando:

— Então, é ou não a invasão? Em seguida deu meia volta e deixou a sala. A entrega de reservas blindadas a von Rundstedt não foi sequer

ventilada. Às dez e quinze o telefone tocou em casa do Marechal Erwin Rommel,

em Herrlingen. Era o seu chefe de estado-maior que o chamava para lhe dar o primeiro relatório completo sobre o desembarque*. Confuso e estupefato, Rommel escutou sem dizer uma palavra.

* O General Speidel disse-me que telefonara a Rommel "pelas seis horas da manhã, pela linha particular". Disse-me a mesma coisa que no seu livro Invasion 1944. Mas o General Speidel se contradisse um tanto nas horas e datas. No seu livro, por exemplo, precisa que o marechal de campo deixou La Roche-Guyon a 5 de junho — em vez de 4, como afirmam o Capitão Hellmuth Lang e o Coronel Hans George von Tempelhof, e ainda os arquivos do grupo de Exércitos B. O mesmo registro assinala somente um telefonema de Speidel para Rommel, no Dia D: a chamada das dez horas e quinze. Pode ler-se nesta data: "Speidel põe o Marechal Rommel ao corrente da situação por telefone. O comandante do grupo de Exército B vai hoje regressar ao seu quartel-general".

Não se tratava de um reide do "gênero do de Dieppe". Todo o seu

instinto matreiro — que tão bem o servira durante a sua existência — gritava a Rommel que chegara o dia por que esperava, o dia que, já o dissera, seria o mais longo. Esperou pacientemente que Speidel acabasse o seu relatório, em seguida murmurou calmamente, sem menor emoção na voz:

— Sou uma besta! Sou uma besta! Desligou e voltou-se. Frau Rommel viu que "a chamada o transformara...

estava terrivelmente tenso". Durante os três quartos de hora que se seguiram, Rommel telefonou por duas vezes ao seu ajudante de campo, Capitão

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Hellmuth Lang, então em casa, perto de Estrasburgo. De cada vez, indicou a Lang uma hora diferente para voltarem para La Roche-Guyon. O que chegou para inquietar Lang; esta indecisão não parecia de Rommel. "Ao telefone dava a impressão de se encontrar extremamente deprimido", afirmou Lang, "o que também não parecia dele". Finalmente, a hora de partida foi fixada:

— À uma em ponto partiremos de Freudenschaft — disse Rommel. Ao desligar, Lang disse a si próprio que Rommel adiava a partida a fim

de se poder encontrar com Hitler. Ignorava que em Berchtesgaden, ninguém, excetuando o General Schmundt, sabia que Rommel estava na Alemanha.

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CAPÍTULO VI NA PRAIA de Utah o roncar dos caminhões, dos tanques, dos half-tracks

e dos jipes quase abafava o assobio esporádico das peças 88 alemãs. Era o tumulto da vitória. A 4.ª divisão avançava para o interior mais rápida do que se pudera supor.

Na Saída 2, no único aterro que ia até a praia, dois homens, de pé, canalizavam os veículos. Dois generais: Raymond O. Barton, comandante da 4.ª divisão, de um lado, e o exuberante e sempre jovem Teddy Roosevelt, do outro. Quando o Major Gerden Johnson, do 12.° regimento de infantaria, avançou, viu Roosevelt "andando para trás e para a frente, no caminho poeirento, apoiando-se na bengala e fumando o cachimbo, tão calmo como se estivesse no centro do Times Square". Ao ver Johnson, Roosevelt gritou-lhe:

— Viva, Johnny! Continue por esta estrada, vai bem! Lindo dia para a caça, não é?

Roosevelt vivia a sua hora de triunfo. A decisão que tomara de fazer desembarcar a 4.ª divisão a dois mil metros da praia prevista poderia ter sido desastrosa. Presentemente contemplava as intermináveis colunas de veículos e soldados avançando para o interior com imensa satisfação*.

* Pela sua ação na praia de Utah, Roosevelt recebeu a Medalha de Honra do Congresso. A 12 de julho, o General Eisenhower confirmou a sua nomeação como comandante-general da 90.a divisão. Roosevelt não chegou a ter conhecimento desta nomeação. Morreu nessa noite de uma crise cardíaca.

Mas Barton e Roosevelt, apesar dos seus ares despreocupados,

partilhavam um medo secreto: se a 4.ª divisão não se mantivesse sempre em movimento arriscava-se a ser interceptada por um contra-ataque alemão. Incansáveis, os dois generais desengarrafavam o tráfego. Os caminhões empanados eram, sem hesitação, empurrados para as valetas. Aqui e ali alguns veículos em chamas, vítimas do tiro inimigo, ameaçavam retardar o avanço. Os tanques esmagavam-nos e lançavam-nos para os prados inundados onde as tropas patinhavam. Pelas onze horas, Barton recebeu boa notícia. A Saída 3, apenas a mil e quinhentos metros, estava livre. Para descongestionar \a formação, Barton expediu imediatamente os tanques em direção à estrada agora libertada. A 4.ª divisão rodava célere, a fim de estabelecer ligação com os pára-quedistas.

Quando o conseguiram o encontro nada teve de espetacular. Homens isolados encontravam-se em lugares imprevistos, de modo por vezes humorístico ou comovente. O Cabo Louis Merlano, da 101.ª divisão, foi sem dúvida o primeiro soldado aerotransportado a encontrar os homens da 4.ª

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divisão. Juntamente com dois outros pára-quedistas, Merlano, que tombara entre os obstáculos da praia original de Utah, conseguira percorrer cerca de três quilômetros ao longo da costa. Estava cansado, sujo e esfarrapado quando deu de frente com os soldados da 4.ª divisão. Olhou-os por instantes e acabou por exclamar:

— Onde estiveram metidos vocês? O Sargento Thomas Bruff, da 101.ª, viu um explorador da 4.ª descendo o

aterro junto de Pouppeville "segurando o fuzil como se fosse caçar esquilos". O explorador observou o pobre Bruff e perguntou-lhe:

— Onde é a guerra? Bruff, que caíra a doze quilômetros do ponto previsto e se batera durante

toda a noite com um pequeno grupo de homens comandados pelo General Maxwell Taylor, rosnou:

— Começa aqui e vai até ao fim. Continua em frente, tiozinho, que acabarás por encontrá-la.

Perto de Andouville-la-Hubert, o Capitão Thomas Mulvey, da 101.ª, dirigia-se para a costa ao longo de um atalho quando "um soldado, empunhando um fuzil, surgiu de uma sebe, a vinte, vinte e cinco metros diante de mim". Os dois homens correram para um abrigo. Saíram prudentemente, lentamente, prontos a dispararem, e olharam-se num silêncio suspeito. O outro homem ordenou a Mulvey que largasse a arma e avançasse de mãos no ar. Mulvey propôs ao desconhecido que fizesse o mesmo. "Esta gracinha — disse-nos Mulvey — continuou assim por um bom bocado, sem que nenhum quisesse ceder." Por fim, Mulvey, reparando finalmente que o outro vestia um uniforme americano, pôs-se a descoberto. Os dois homens encontraram-se no meio do caminho, apertaram as mãos e deram fortes palmadas nas costas um do outro.

Em Sainte-Marie-du-Mont, Pierre Caldron, padeiro do lugar, viu alguns pára-quedistas empoleirados no cimo do campanário, agitando enorme escudo laranja. Ao fim de alguns instantes uma interminável coluna de homens, marchando em fila indiana, subia pela estrada. Quando a 4.ª divisão atravessou a aldeia, Caldron pôs o filho sobre os ombros. 0 pequeno ainda não se recompusera da operação das amígdalas, mas o padeiro não queria por nada no mundo privar o filho de semelhante espetáculo. De súbito Caldron reparou que o filho chorava. Um corpulento soldado americano sorriu para Caldron e gritou-lhe em francês:

— Viva a França! Caldron sorriu por seu turno, acenou vigorosamente com a cabeça, mas

não conseguiu articular uma palavra. Em toda a região de Utah Beach a 4.ª divisão invadia o território. Tivera

poucas perdas: cento e noventa e sete homens, dos quais sessenta perdidos

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no mar. Esperavam-na terríveis combates na semana seguinte, mas este foi o seu dia de glória. À noite tinham desembarcado vinte e dois mil homens e mil e oitocentos veículos. Com a ajuda dos pára-quedistas, a 4.ª divisão sustentava sòlidamente a primeira grande cabeça de ponte americana na França.

*

Ferozmente, passo a passo, metro a metro, os homens abriam uma passagem através de Omaha, a Sangrenta. Do mar a praia oferecia incrível espetáculo de morte e destruição. A situação era tão crítica que ao meio-dia o General Omar Bradley, a bordo do Augusta, começou a admitir uma eventual evacuação e o desvio das ulteriores vagas de assalto para Utah e para as praias britânicas. Mas, no momento preciso em que Bradley procurava a solução do seu problema, os homens de Omaha, em pleno cataclismo, avançavam.

Ao longo de Dog Green e Dog White, um general, seco e ossudo, de cinqüenta e um anos, chamado Norman Cota, andava para a frente e para trás, debaixo de uma chuva de fogo e balas, agitando um revólver 45 e ordenando aos seus homens que saíssem da praia.

Sobre seixos e cascalho, na erva seca das dunas, junto às escarpas, os soldados avançavam, ombro a ombro, arregalando os olhos, recusando-se a acreditar que um homem conseguisse manter-se de pé no meio daquele inferno e não ser morto.

Um grupo de "rangers" enovelava-se junto da saída de Vierville. — Indiquem-nos o caminho, "rangers"! — lançou-lhes Cota. Os homens

levantaram-se um a um. Um pouco mais longe, um bulldozer carregado de TNT jazia abandonado na areia. Precisamente o que era necessário para fazer saltar o muro anticarros à saída de Vierville.

— Quem conduz este maldito carro? — gritou Cota. Ninguém respondeu. Os homens estavam paralisados pelo tiroteio implacável que varria a praia. Cota começou a perder a paciência. A mostarda subia-lhe ao nariz.

— Então? Nenhum é suficientemente duro para conduzir esta coisa? — rugiu.

Um soldado ruivo levantou-se lenta e pausadamente, avançando em direção ao general.

— Vou eu — limitou-se a dizer. Cota deu-lhe forte palmada nas costas. — Bravo, rapaz! E agora abandonemos esta praia! Afastou-se sem se voltar. Atrás dele, os soldados começaram a mover-se.

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O General-de-Brigada Cota, comandante-adjunto da 29.ª divisão, constituía um exemplo quase desde o momento em que pusera pé na praia. Assumia o comando da metade direita do setor da 29.*, o Coronel Charles D. Canham, comandante do 116.°, ficara com a metade esquerda. Canham, com um lenço ensangüentado a envolver um pulso ferido, empurrava os grupos para diante.

— Aqui assassinam-nos — disse. — Mais vale que nos deixemos assassinar no interior!

O soldado de primeira classe Charles Ferguson viu passar o coronel e com um ar espantado perguntou:

— Quem é este filho da mãe? Mas levantou-se e dirigiu-se para as dunas. Os que o rodeavam

imitaram-no. Na parte de Omaha Beach destinada à 1.ª divisão os antigos combatentes

da Sicília e de Salerno foram os primeiros a recompor-se do choque inicial. O Sargento Raymond Strojny reuniu os seus homens e conduziu-os para as dunas através de um campo de minas. No cimo destruiu um fortim a tiros de bazuca. Strojny estava nessa altura "um tanto colérico". Cem metros adiante, o Sargento Philip Streczyk sentiu-se, por sua vez, farto de estar pregado ao chão. Alguns soldados lembram-se de ter ele quase feito avançar os seus homens a pontapés nos traseiros até às dunas minadas, onde abriu uma passagem nos arames farpados. Volvido um instante, o Capitão Edward Wozenski encontrou Streczyk numa vereda que descia até às dunas. Ficou horrorizado ao vê-lo pôr um pé sobre uma mina Teller. Streczyk disse-lhe calmamente:

— Também não explodiu quando eu subi, capitão. Andando de cima a baixo no setor da 1.ª divisão, indiferente ao tiroteio

de artilharia e das metralhadoras que varria a areia, o Coronel George A. Taylor, comandante do 16.º regimento, irritava-se e gritava:

— Há dois tipos de indivíduos que ficam na praia! Os mortos e os que vão morrer! Safemo-nos daqui depressa!

Por toda parte, homens intrépidos, simples soldados ou generais, conduziam as tropas, indicando-lhes o caminho, encorajavam-nas, faziam-nas abandonar a praia. Uma vez lançadas, as tropas já não paravam. O Sargento William Wiedefeld espezinhou os corpos de centenas de amigos mortos e, de rosto transfigurado, subiu pelas dunas, por entre os campos de minas. O Tenente Donald Anderson, gravemente ferido — uma bala entrara-lhe pelo pescoço e saíra-lhe pela boca — fez a seguinte declaração: "Tive a coragem de me levantar, e nesse momento preciso deixei de ser um civil mobilizado para passar a ser um combatente". O Sargento Bill Courtney, do 2.º regimento, escalou um montículo e gritou à sua companhia:

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— Subam! Venham! Os filhos da mãe estão estrepados agora! No momento em que as tropas começavam a avançar, alguns dos

batelões ainda ao largo preparavam-se para abordar diretamente a praia, ao verem que a coisa era possível, imitaram-nos. Alguns destroyers, apoiando esta avançada, aproximaram-se da margem, arriscando-se a encalhar, a fim de poderem atirar sobre as posições inimigas. Debaixo deste tiro de proteção, os técnicos de engenharia puderam acabar o trabalho de demolição começado havia quase sete horas. Em todos os setores de Omaha a máquina pôs-se de novo em andamento.

Quando os homens compreenderam que podiam avançar, em vez de terror e impotência, sentiram uma cólera monumental. Não longe do cimo do outeiro de Vierville, o "ranger" Carl Weast e o Capitão George Whittington, comandante da companhia, identificaram um ninho de metralhadoras ocupado por três alemães. Enquanto Weast e o capitão o contornavam prudentemente, um dos alemães voltou-se bruscamente, viu os americanos e urrou:

— Bitte! Bitte! Bitte! (Faz favor!) Whittington matou os três. Em seguida virando-se para Weast disse: — Quem me dera saber o que quererá dizer Bitte... Fora do inferno de Omaha Beach os homens espalharam-se pelo interior.

À uma hora e trinta, o General Bradley recebeu a seguinte mensagem: "As tropas até agora coladas ao solo das praias Easy Red, Easy Green e Fox Red progridem para lá das dunas, dominando as praias". Ao fim do dia, os soldados da 1." e 29." divisões tinham avançado cerca de dois quilômetros para o interior. O preço de Omaha? Avalia-se em dois mil e quinhentos mortos, feridos e desaparecidos.

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CAPÍTULO VII ERAM treze horas quando o Major Werner Pluskat chegou ao P.C. de

Etreham. O indivíduo que apareceu à porta nada tinha de semelhante com o comandante que os oficiais conheciam. Pluskat tiritava, tremia dos pés à cabeça e limitava-se a repetir: "Cognac, cognac". Quando lhe deram, as mãos tremiam-lhe tanto que mal conseguiu pegar no copo.

Um dos oficiais comunicou-lhe que os americanos tinham desembarcado. Pluskat lançou-lhe um olhar furioso e afastou-o com um gesto. Os componentes do seu estado-maior rodeavam-no, pensando num só problema, mas capital. As baterias, anunciaram os oficiais, em breve estariam com falta de munições. O regimento já fora informado, disseram-lhe, e o Tenente-Coronel Ocker prometera enviá-las, mas nada chegara por enquanto.

Pluskat telefonou a Ocker. — Quê, meu caro Plus — sussurrou descuidada a voz de Ocker na outra

ponta do fio — você ainda não morreu? Pluskat não respondeu à pergunta. — E as munições? — perguntou secamente. — Estão a caminho. A calma do Tenente-coronel irritou Pluskat, que gritou: — Quando? Quando chegam? Parece-me que você não imagina o que se

passa por aqui! Dez minutos mais tarde, Ocker ligou para Pluskat. — Más notícias — anunciou. — Acabo de saber que o comboio de

munições foi aniquilado. Só para a noite lhe poderemos fazer chegar qualquer coisa.

Pluskat não ficou surpreendido; a própria experiência ensinara-lhe que as estradas estavam intransitáveis. Sabia igualmente que, dado o ritmo com que as baterias disparavam, estariam sem munições ao cair da noite. A questão residia em saber se os americanos ou as munições chegariam em primeiro lugar. Pluskat ordenou às suas tropas que se preparassem para combates corpo a corpo, em seguida errou sem destino pelo castelo. Sentia-se inútil e só. Daria tudo para saber onde estava Harras, o seu cão.

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CAPÍTULO VIII AQUELA hora os ingleses que tinham travado a primeira batalha do Dia

D mantinham-se nas posições conquistadas, as pontes do Orne e o canal de Caen, havia mais de treze horas. Embora as tropas do Major Howard tivessem pela madrugada sido reforçadas com alguns soldados da 6.ª divisão aerotransportada, o seu número ia decrescendo regularmente sob o tiro incessante dos morteiros e das armas automáticas. Os homens de Howard haviam bloqueado diversos contra-ataques inimigos. Nesse momento os soldados, estafados e ansiosos, escondidos nas posições alemãs capturadas, de ambos os lados das pontes, aguardavam impacientemente os reforços que deviam vir do mar.

No seu esconderijo diante da ponte sobre o canal de Caen, o soldado Bill Gray consultou mais uma vez o relógio. Os comandos de Lord Lovat já tinham cerca de hora e meia de atraso. Perguntava a si próprio o que se passaria nas praias. Gray não supunha que a batalha lá embaixo pudesse ser tão dura como nas pontes. Quase tinha medo de levantar a cabeça. O fogo dos atiradores parecia-lhe cada vez mais preciso.

Foi durante uma curta calmaria que o soldado John Wilkes, camarada de Gray, estendido a seu lado, observou de repente:

— Escuta, parece-me ouvir uma gaita de foles. Gray lançou-lhe um olhar de desprezo.

— Estás maluco — disse-lhe simplesmente. Volvidos alguns segundos, Wilkes, voltou-se novamente para o amigo e

insistiu: — Garanto-te que estou ouvindo uma gaita de foles. Gray pôs-se de

ouvido à escuta. Também a ouviu. Os soldados de Lord Lovat desfilavam pela estrada, direitos e galhardos

nas suas boinas verdes. À testa da coluna marchava Bill Millin que, com a sua gaita de foles, continuava tocando Blue Bonnets Over the Border. Nos dois campos o tiroteio cessou bruscamente enquanto todos os soldados contemplavam o espetáculo. Mas a surpresa não durou. No momento em que o comando atingiu as pontes, os alemães recomeçaram a atirar. Bill Millin lembra-se de que "se fiava na sua boa sorte para não ser atingido, visto que pouco mais conseguia ouvir além da gaita de foles". Chegado ao meio da ponte, Millin voltou-se para Lord Lovat. "Ele andava tranqüilamente como se passeasse pelas suas propriedades e fez-me sinal para que continuasse", lembra Millin.

Sem se importarem com o tiro cerrado, os pára-quedistas correram ao

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encontro dos comandos. Lovat desculpou-se "por se ter atrasado alguns minutos". Para os homens estafados da 6.ª divisão aerotransportada foi um momento comovente. Embora as tropas inglesas viessem a levar várias horas até atingir as posições mais avançadas, ocupadas pelos pára-quedistas, os primeiros reforços tinham chegado. As boinas vermelhas e as boinas verdes misturavam-se e em breve levantaram-se os ânimos. O soldado Bill Gray, de dezenove anos apenas, "sentiu-se remoçado de alguns anos".

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CAPÍTULO IX NESTE DIA FATAL para o III Reich, enquanto Rommel se dirigia

frenèticamente para a Normandia, enquanto os seus oficiais da frente do Atlântico tentavam desesperadamente reprimir a ofensiva aliada, tudo dependia neste momento dos blindados: a 21.ª divisão Panzer, já atrás das praias britânicas, e a 12.ª S.S., sempre mantida de reserva, por Hitler, juntamente com a Panzer Lehr.

O Marechal de campo Rommel observava a faixa cinzenta da estrada que se desenrolava à sua frente e incitava o motorista.

— Tempo! Tempo! Tempo! — repetia. Daniel esmagou o acelerador e o carro disparou. Tinham deixado

Freudenstadt duas horas antes e desde então Rommel mal abrira a boca. O Capitão Lang, no banco de trás, nunca vira o marechal tão deprimido. Gostaria da falar do desembarque mas Rommel não se mostrava inclinado a conversas. No entanto Rommel voltou-se de repente e disse:

— Tive sempre razão. Desde o princípio. Tinha razão. Em seguida fixou novamente a estrada.

*

A 21.ª divisão Panzer já não podia atravessar Caen. O Coronel Hermann

von Oppeln-Bronikowski, no comando do regimento de tanques, subia e descia num Volkswagen ao longo da coluna. A cidade estava em ruínas. Fora bombardeada um pouco antes e os bombardeiros tinham feito um belo trabalho. Os escombros bloqueavam as ruas, Bronikowski teve a impressão de que "toda a cidade estava em movimento e tentava fugir". As ruas estavam engarrafadas com homens e mulheres em bicicletas. As panzers perderam a esperança. Bronikowski resolveu retroceder para tentar contornar a cidade. Este movimento far-lhe-ia perder algumas horas mas não podia proceder de outro modo. Onde estava o regimento que, em princípio, deveria suster o seu ataque, uma vez que tivesse passado?

O soldado de dezenove anos Walter Hermes, do 192.° regimento da 21.ª Panzer, nunca estivera tão feliz. Era entusiasmante! Conhecia o seu dia de glória! Dirigia o ataque contra os ingleses! Montado na motocicleta, Hermes desfilava à testa da vanguarda. Diriam-se para a costa, em breve

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encontrariam os tanques e a 21.ª rechaçaria o invasor para o mar. Todos o afirmavam. A seu lado, noutras motocicletas, estavam os seus amigos Tetzlaw, Mattusch e Schard. Todos esperavam ser atacados pelos ingleses mas nada acontecera. Um fato permanecia contudo estranho: não tinham ainda encontrado os tanques. Mas Hermes pensava que estes se encontravam à sua frente, atacando a costa. Hermes acelerava alegremente, dirigindo a companhia de vanguarda através da brecha de doze quilômetros que os ingleses ainda não tinham fechado, entre as praias de Juno e Gold. Os tanques poderiam ter aproveitado esta brecha para destruir as cabeças de ponte britânicas e comprometer todo o desembarque, se simplesmente o Coronel von Oppeln-Bronikowski dela tivesse conhecimento.

*

Perto de Paris, no Q.G. de von Rundstedt, o General Blumentritt ligou

para Speidel, no Q.G. de Rommel. A única frase da conversa foi devidamente transcrita no diário de operações do grupo de Exércitos B.

— A OKW — anunciou Blumentritt — concede-nos a 12.ª S.S. e a Panzer Lehr.

Eram quinze horas e quarenta. Os dois generais sabiam que era demasiado tarde. Hitler e o seu estado-maior haviam retido estas duas divisões blindadas durante mais de dez horas. Nenhuma tinha a menor probabilidade de atingir o setor de invasão durante a tarde decisiva. A 12.ª S.S. chegou diante da cabeça de ponte somente na manhã de 7 de junho. A Panzer Lehr, dizimada por contínuos ataques aéreos, só se apresentou no dia 9. A 21.ª Panzer foi a única a poder intervir no dia 6 de junho.

Pelas dezenove horas, o Horch de Rommel parou em Reims. Na Kommandantur da cidade, Lang pediu ligação telefônica para La Roche-Guyon. Rommel conversou durante um quarto de hora com o seu estado-maior. Quando o marechal de campo saiu do gabinete, Lang compreendeu que as notícias eram más. O carro partiu de novo no mais profundo silêncio. Passado algum tempo, Rommel bateu com o punho enluvado na palma da mão e exclamou amargamente:

— O meu amigável inimigo, Montgomery! Um pouco mais tarde, disse: — Santo Deus! Se a 21.ª Panzer chegar a tempo, ainda podemos

rechaçá-los em três dias!

• Ao norte de Caen, Bronikowski deu ordem de atacar. Mandou avançar

trinta e cinco tanques, sob o comando do Capitão Wilhelm von Gottberg,

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para tomarem os montes de Périers, a seis quilômetros da costa. Ele próprio contava atacar o cume de Biéville, a três quilômetros, com mais vinte cinco tanques.

O General Edgar Feuchtinger, comandante da 21.ª Panzer, e o General Marcks, comandante do 84.º corpo, tinham vindo ver como se apresentava a contra-ofensiva. Marcks aproximou-se de Bronikowski e disse-lhe:

— Meu caro Oppeln, pode muito bem ser que o futuro da Alemanha dependa de você. Se não rechaçar os ingleses para o mar, perdemos a guerra.

Bronikowski bateu os calcanhares, fez a continência e respondeu: — General, farei o melhor que puder. Enquanto avançavam, Bronikowski foi interceptado pelo General

Wilhelm Richter, comandante da 716.ª divisão, e notou que este estava "quase louco de dor". De lágrimas nos olhos, Richter disse a Bronikowski:

— As minhas tropas estão perdidas. Toda a minha divisão foi aniquilada. — Que posso fazer, general? — perguntou Bronikowski. — Vamos

ajudá-lo o melhor que pudermos. Onde se situam as suas posições, general? — acrescentou desdobrando um mapa. — Pode-nos indicar?

Mas Richter abanou a cabeça e murmurou: — Não sei... Não sei...

* Rommel voltou-se um pouco no assento da frente do Horch e disse a

Lang: — Espero que não haja um segundo desembarque no Mediterrâneo

precisamente neste momento. Calou-se um instante e acrescentou em tom sonhador: — Sabe, Lang, se eu comandasse as forças aliadas julgo que poderia

terminar a guerra em quinze dias. Virou-se para a frente e recomeçou a olhar fixamente a estrada. Lang

observava-o, infeliz, incapaz de o ajudar. O Horch embrenhava-se pelo crepúsculo.

*

Os tanques de Bronikowski roncavam no cume de Biéville. Até lá, não

tinham encontrado qualquer resistência. Depois, no momento em que o primeiro dos tanques modelo IV atingia o cimo, houve um súbito troar de canhões abrindo fogo a curta distância. Impossível dizer se acabavam de se lançar contra os tanques ingleses ou se o tiro vinha dos canhões antitanques. Mas o tiroteio era preciso e mortífero. Parecia vir de uma meia dúzia de locais ao mesmo tempo. O tanque da frente saltou sem ter tempo de atirar.

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Dois abriram fogo. Mas não pareceu que causassem qualquer impressão aos atiradores ingleses. Bronikowski não tardou em compreender por quê. Os canhões britânicos pareciam possuir um alcance inacreditável. Um após outro, os tanques de Bronikowski foram postos fora de combate. Em menos de um quarto de hora perdeu seis. Nunca enfrentara um tiro semelhante. Bronikowski nada podia fazer. Parou o contra-ataque e deu ordem de retirada.

*

O soldado Walter Hermes continuava sem perceber onde poderiam estar

os tanques. A vanguarda do 192.º regimento acabava de chegar à costa, em Luc-sur-Mer, sem descobrir o menor traço de blindados. Aliás, de ingleses ainda menos, o que decepcionou Hermes. Mas o espetáculo da frota de desembarque oferecia-lhe uma compensação. Diante da costa, à esquerda e à direita, Hermes viu centenas de navios e de embarcações que iam e vinham, e, uma milha ao largo, evoluíam navios de guerra de todos os tipos. Dirigiu-se ao seu amigo Schard:

— É lindo, hem? Tão bonito como um desfile militar. Hermes e os seus camaradas estenderam-se na relva e começaram a

fumar. Parecia que nada se passava e ninguém lhes tinha dado ordens.

* Os ingleses estavam já sòlidamente fixados nas montanhas de Périers.

Devido ao alcance do tiro, detiveram os trinta e cinco tanques do Capitão Wilhelm von Gottberg antes de estes poderem abrir fogo. Em alguns minutos, Gottberg perdeu dez tanques. O atraso das ordens e o tempo perdido em contornar Caen tinham permitido às tropas britânicas que consolidassem as suas posições nestes montes estratégicos. Gottberg amaldiçoou ponderadamente todos aqueles em quem pensou. Desviou-se para a orla de um bosque, junto da aldeia de Lebissey. Aí, ordenou aos seus homens que escondessem os tanques deixando apenas emergir as torres. Tinha a certeza de que os ingleses avançariam sobre Caen dentro de algumas horas.

Mas, para grande surpresa de Gottberg, o tempo passou sem sombra de ataque. Um pouco antes das vinte e uma horas Gottberg viu um espetáculo fantástico. Começou por um roncar de motores de aviões, que foi crescendo depois, ao longe, destacando-se no céu púrpura do crepúsculo, e distinguiu enxames de planadores vindos da costa. Havia centenas, voando em formações cerradas atrás dos respectivos rebocadores. Viu os planadores

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serem largados e, oscilando, balançando ao sabor do vento, em silêncio, aterraram em qualquer local, entre eles e a costa. Gottberg blasfemou raivosamente.

Em Biéville, Bronikowski mandara igualmente esconder os tanques. De pé na beira da estrada via passar "oficiais alemães, conduzindo grupos de vinte a trinta homens cada, que se afastavam da frente e se dirigiam para Caen". Bronikowski não conseguia compreender por que razão os ingleses não atacavam. Em sua opinião "Caen e toda a região poderiam ter sido tomadas em algumas horas*". Na retaguarda da coluna, Bronikowski viu um sargento com os braços passados sobre os ombros de duas enormes "ratazanas cinzentas". Os três estavam "bêbedos que nem porcos, de cara suja, cambaleando da esquerda para a direita". Passaram aos tropeções, indiferentes a tudo, e cantando com toda a força o Deutschland Uber Alies. Bronikowski observou-os longamente e suspirou em voz alta:

— A guerra está perdida. * Embora os ingleses tivessem efetuado as mais importantes avançadas do Dia D, não conseguiram

conquistar o seu objetivo principal: Caen. Bronikowski viria a ficar nas suas posições com os tanques durante mais de seis semanas, até que a cidade acabasse por cair.

*

O Horch de Rommel roncou através de La Roche-Guyon, passando

lentamente diante das pequenas casas que se alinhavam ao longo da estrada. O carro negro deixou a estrada nacional, passou sob as dezesseis tílias cortadas em cubo e transpôs o gradeamento do castelo dos duques de La Rochefoucauld. Assim que o carro parou, Lang saltou em terra e correu a prevenir o General Speidel da volta do marechal de campo. Na ampla entrada, ouviu o tema de uma ópera de Wagner vindo do gabinete do chefe do estado-maior. A música aumentou de volume quando a porta se abriu e Speidel apareceu.

Lang ficou furioso e chocado. Esquecendo por um instante que se dirigia a um general, gritou:

— Como pode escutar uma ópera numa altura destas? Speidel sorriu e respondeu:

— Meu caro Lang, não pensa certamente que é a minha pobre música que nos vai impedir de rechaçar o invasor, acho eu?

A passos largos, Rommel avançou pelo vestíbulo, enfiado no seu imenso capote de campanha cinzento-azulado, empunhando o bastão de marechal com a mão direita. Entrou no gabinete de Speidel e, de mãos atrás das costas, observou o mapa. Speidel voltou a fechar a porta e Lang, sabendo que a conferência duraria um bom bocado, dirigiu-se para a sala de jantar. Deixou-

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se cair com enfado numa cadeira e pediu café à ordenança. Numa poltrona, um oficial lia o jornal. Ergueu a cabeça e perguntou amavelmente:

— Fez boa viagem? Lang olhou-o fixamente sem nada dizer.

* Em Cotentin, perto de Sainte-Mère-1'Êglise, o soldado Dutch Schultz, da

82.ª divisão aerotransportada, encostou-se ao talude da trincheira e escutou atentamente o sino da igreja que ao longe batia onze badaladas. Mal conseguia manter os olhos abertos. Estava acordado, calculava, havia cerca de setenta e duas horas — desde a noite de 4 de junho, quando recomeçara a jogar dados. Parecia-lhe engraçado, presentemente, que tivesse tido tanto trabalho para voltar a perder o que ganhara. Nada acontecera. De fato, Dutch sentia-se um tanto envergonhado. Não disparara um só tiro durante todo o dia.

Atrás de Omaha Beach, nas dunas, o enfermeiro Sargento Alfred Eigenberg deixou-se cair, estafado, numa cova de obus. Já não sabia quantos feridos tratara. Estava morto de fadiga, mas insistia em querer fazer qualquer coisa antes de adormecer. Eigenberg tirou do bolso uma folha de papel de carta aérea amarrotada e, à luz duma lâmpada elétrica, resolveu escrever à família. Garatujou no cimo "algures em França" e começou: "Queridos pais, sei que já estão agora ao corrente do desembarque. Eu, eu estou bem". Em seguida o jovem enfermeiro de dezenove anos parou. Não encontrava mais nada que dizer.

Na praia, o General-de-Brigada Norman Cota observava os "olhos de gato" dos faróis camuflados dos caminhões e escutava os gritos dos M.P. e dos comandantes de setor que faziam avançar homens e veículos para o interior. Aqui e ali, ardiam ainda alguns batelões de desembarque, projetando reflexos sangrentos na noite. As vagas esmagavam-se de encontro à areia e ao longe Cota ouviu o crepitar solitário duma metralhadora. De repente o general sentiu-se horrivelmente cansado. Um caminhão avançava na sua direção e Cota fez-lhe sinal. Saltou para o estribo, agarrou-se à porta e lançou um último olhar pela praia. Em seguida disse ao motorista:

— Conduz-me até lá acima, meu filho.

* No Q.G. de Rommel, Lang soube como toda a gente a má notícia: o

contra-ataque da 21.ª Panzer falhara. Virou-se para o marechal de campo:

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— Senhor marechal, pensa que os podemos rechaçar? Rommel encolheu os ombros, estendeu os braços e respondeu: — É o que eu desejo, Lang. Até hoje, venci sempre. Em seguida pousou a mão sobre o ombro do seu ajudante de campo e

acrescentou: — Tem um ar cansado. É melhor ir deitar-se. O dia foi muito longo. Depois afastou-se e Lang viu-o percorrer o corredor até ao escritório. A

porta fechou-se docemente sobre ele. Lá fora, nada se movia nos dois enormes pátios. La Roche-Guyon estava

silenciosa. Em breve, esta aldeia, a mais ocupada de toda a França, seria libertada e com ela toda a Europa. A contar deste dia o III Reich não chegaria a durar um ano. Para além do gradeamento do castelo a estrada estendia-se pela noite, larga e deserta, as persianas estavam corridas sobre a janela das pequenas casas de telhas vermelhas. No campanário de Saint-Samson o relógio bateu a meia-noite.

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APÊNDICES PERDAS COM o decorrer dos anos, foram-se indicando números vagos e

contraditórios sobre as perdas sofridas pelas tropas aliadas durante as primeiras vinte e quatro horas do desembarque. Nenhum deverá ser considerado verídico. Ficamos reduzidos às estimativas, pois a própria natureza da ofensiva impossibilita-nos de efetuar um cálculo exato. De modo geral, a maioria dos historiadores militares estão de acordo em avaliar as perdas em dez mil homens; outros vão até doze mil.

As perdas americanas seriam de 6.603 homens. Este número baseia-se no primeiro relatório do 1° Exército que precisa os seguintes detalhes: 1.465 mortos, 3.184 feridos, 1.928 desaparecidos e 26 prisioneiros. Nestes números estão compreendidas as perdas das 82° e 101° divisões aerotransportadas que, por si, se elevavam a 2.499 mortos, feridos e desaparecidos.

Quanto aos canadenses, contam-se 946 soldados postos fora de combate, dos quais 335 mortos. Os britânicos não forneceram quaisquer números mas as suas perdas são avaliadas entre 2.500 e 3.000 homens, pelo menos. A 6.° divisão aerotransportada teve 650 mortos, feridos ou desaparecidos.

Quais as perdas infligidas aos alemães durante o Dia D? Ninguém o poderá dizer. Durante as entrevistas que tive com. diversos oficiais generais alemães, citaram-se números desde 4.000 até 9.000. No fim de junho, Rommel indicaria que as perdas durante o mês eram de "28 generais, 354 oficiais superiores e cerca de 250.000 homens".

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AGRADECIMENTOS As PRINCIPAIS fontes de informação deste livro provêm de sobreviventes

aliados ou alemães, de resistentes franceses e de civis, mais de um milhar ao todo. Deram-me o seu tempo generosa e livremente, sem mais se queixarem. Preencheram questionários e quando estes foram revistos, verificados e comparados com outros, forneceram voluntariamente mais amplos detalhes. Responderam às minhas cartas e perguntas, entregaram-me montanhas de documentos — cartas manchadas pela umidade, antigos registros, relatórios, livros de bordo, cadernos de mensagens, registros de companhias, listas de feridos, cartas pessoais e fotografias — e prestaram-se sempre a serem entrevistados. A todos estou profundamente reconhecido.

De todos os sobreviventes encontrados — um trabalho que me ocupou cerca de três anos — setecentos foram entrevistados nos Estados Unidos, no Canadá, na Inglaterra, na França e na Alemanha. No texto estão incluídos trezentos e oitenta e três relatos. Por várias razões — e sobretudo para evitar repetições — foi impossível publicar todos os relatos. Mas a estrutura deste livro é constituída pelas informações fornecidas por todos os participantes, às quais se juntam relatórios aliados ou alemães, registros de guerra, obras de historiadores e outros relatórios oficiais, como as notáveis entrevistas com os comandantes, realizadas durante e depois da guerra pelo General-de-Brigada S. L. A. Marshall, historiador do teatro de operações europeu.

Antes de mais, quero apresentar os meus agradecimentos a De Witt Wallace, diretor do Reader's Digest, que subsidiou o meu trabalho e que tornou possível a redação do livro.

Em seguida, devo exprimir o meu reconhecimento ao secretário da Defesa dos Estados Unidos, General Maxwell D. Taylor, chefe do estado-maior do Exército dos E.U.; ao Major-General H. P. Storke, chefe do Serviço de Informações do Exército; ao Coronel G. Chesnutt, ao Tenente-Coronel John S. Cheeseboro e ao Tenente-Coronel C. J. Owen, do Magazine do Exército e dos Serviços Literários; ao Comandante Herbert Gimpel, do Magazine da Marinha e dos Serviços Literários; ao Major J. Sundermann e ao Capitão W. M. Mack, do Serviço de Informações do Ar; à Sr." Martha Holler, do Departamento de Defesa e do Serviço de Viagens, assim como a todos os oficiais das relações públicas, dentro e fora da Europa, que me auxiliaram em todas as dificuldades. Todos me ajudaram a localizar diversos antigos combatentes e me abriram numerosas portas; deixando-me consultar documentos e arquivos oficiais e fornecendo-me mapas detalhados, escoltaram-me até à Europa, permitindo-me a obtenção de entrevistas.

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Devo igualmente testemunhar o meu reconhecimento ao Dr. Kent Roberts Greenfield, chefe dos Serviços Históricos do Exército, e aos membros do seu gabinete — Major William F. Heinz, Israel Wise, Charles Finke e Charles von Luttichau — que me autorizaram a mergulhar na documentação e me ofereceram o seu apoio e conselhos. Quero ainda mencionar o trabalho de Charles von Luttichau, que consagrou todo o tempo livre, durante cerca de oito meses, à procura e transporte de braçadas de documentos alemães e dos indispensáveis registros de guerra da Wehrmacht.

Entre todos os que prestaram a sua contribuição a este livro, desejo muito especialmente expressar a minha gratidão às seguintes pessoas: Sargento William Petty, que meticulosamente reconstituiu a ação dos "rangers" na Ponta do Hoc; Cabo Michael Kurts, da 1.ª divisão; Tenente Edward Gearing e General-de-Brigada Norman Cota, da 29.ª divisão, pelas descrições vivas da praia de Omaha; Coronel Gerden Johnson, da 4.ª divisão, pela elaboração da lista detalhada do material transportado pelas tropas da primeira vaga de assalto; Coronel Eugene Caffey e Sargento Harry Brown, pelos seus retratos do General-de-Brigada Theodore Roosevelt na praia de Utah; Major-General Raymond O. Barton, comandante da 4.ª divisão do Dia D, pelos seus preciosos conselhos e por me ter emprestado os seus mapas e documentos oficiais; General E. E. E. Cass, cuja 8.ª brigada britânica conduziu o ataque de Sword Beach, pelo seu memorial detalhado, pelos seus documentos e pelos esforços que fez para tentar avaliar as perdas ,britânicas; Sr." Theodore Roosevelt, pela sua cortesia, amáveis sugestões e críticas; William Walton, em tempos do Time e do Life, único correspondente de guerra a saltar de pára-quedas com a 82.ª, por ter rebuscado malas e baús até encontrar os seus diários e passado dois dias a reconstituir a atmosfera da batalha; Capitão Daniel J. Flunder e Tenente Michael Aldworth, do 48.° comando do Royal Marines, por terem pintado o quadro da praia de Juno; e finalmente o tocador de gaita de foles Bill Millin, dos comandos de Lord Lovat, pelas suas pacientes investigações que conduziram ao conhecimento das marchas e canções por ele tocadas naquele dia.

Quero ainda expressar a minha gratidão ao General Maxwell D. Taylor, que me consagrou um tempo precioso e me fez reviver passo a passo o ataque da 101.ª divisão aerotransportada e que, mais tarde, teve ainda tempo para ler o manuscrito enriquecendo-o com detalhes preciosos. Outros leram duas ou três versões do manuscrito procurando possíveis erros: General Sir Frederick Morgan, autor do plano de invasão Overlord, e General James M. Gavin, que comandou o lançamento dos pára-quedistas da 82.ª divisão em terra normanda.

Também muito devo ao General Ornar N. Bradley, que comandava o 1.º Exército, ao General Walter B. Smith, então chefe do estado-maior do

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General Eisenhower, ao General J. T. Crocker, que comandava o 1.º corpo britânico, e ao General Sir Richard Gale, no comando da 6.ª divisão aerotransportada britânica. Estes homens responderam amavelmente a todas as minhas perguntas, concederam-me entrevistas ou permitiram-me consultar mapas do estado-maior e vários documentos.

Quanto aos alemães, gostaria igualmente de agradecer a generosa cooperação do governo de Bonn e a colaboração de numerosas associações de antigos combatentes que localizaram os participantes do Dia D e me conduziram a entrevistá-los.

Entre os numerosos alemães que me deram a sua contribuição e ajuda, quero indicar muito particularmente o General Franz Halder, antigo chefe do Alto Estado-Maior alemão; o Capitão Hellmuth Lang, ajudante de campo de Rommel; o General Günther Blumentritt, chefe do estado-maior de von Rundstedt; o General Hans Speidel, chefe do estado-maior de Rommel; Frau Lucie-Maria Rommel e seu filho Manfred; o General Max Pemsel, chefe do estado-maior do 7.º Exército, o General Hans von Salmuth, comandante do 15.° Exército; o General von Oppeln-Bronikowski, da 21.ª Panzer; o Coronel Josef Priller, da 26.ª esquadrilha da Luftwaffe; o Tenente-Coronel Hellmuth Meyer, do 15.° Exército, e o Major Werner Pluskat, da 352.ª divisão. Todos estes e centenas de outros foram amáveis a ponto de me receberem e de consagrarem horas à reconstituição das diversas fases da batalha.

Além das informações prestadas pelos participantes do Dia D, foram consultadas muitas obras de eminentes historiadores. Quero manifestar o meu reconhecimento a Gordon A. Harrison, autor da história oficial do Dia D, Attaque à travers la Manche, e ao Professor Forest Progue, autor do Commandement Suprême, história do exército americano, que me ajudaram com os seus conselhos e me permitiram resolver muitos problemas de controvérsias. As suas obras revelaram-me inestimáveis e deram-me uma visão de conjunto da situação política e militar existente imediatamente antes do desembarque, assim como os detalhes do plano de ataque. Outros livros como L'Invasion de la France et de L'Allemagne, de Samuel E. Morrison; Omaha Beachhead, de Charles H. Taylor; De Utah à Cherbourg, de R. G. Ruppenthad; Rendez-vous avec le Destin, de Leonard Rapport e Arthur Norwood Jr.; Men Against Fire, do General S. L. A. Marshall, e L'Armée Canadienne 1939-1945, do Coronel C. P. Stacey, foram-me imensamente preciosos.

Na procura dos antigos combatentes, na consulta aos arquivos e entrevistas finais, fui maravilhosamente assistido pelos serviços de documentação, pelos representantes gerais e redatores-chefes do Reader's Digest, nos Estados Unidos, no Canadá, na Grã-Bretanha, na França e na

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Alemanha. Em Nova Iorque, Miss Francês Ward e Miss Sally Roberts, sob a direção da redatora-chefe Gertrude Arundel, mergulharam em pilhas de documentos, de questionários e de correspondência e nelas se afogaram. Em Londres, Miss Joan Isaacs fez o mesmo e também obteve entrevistas. Com a ajuda do War Office canadense, Shane Mac Kay e Miss Nancy Vail Bashant, do Digest, encontraram e interrogaram dúzias de antigos combatentes canadenses. O mais difícil foi o lado europeu da tarefa, e devo agradecer a Max C. Shcreiber, diretor da edição alemã do Digest, pelos seus conselhos, assim como ao diretor-adjunto George Revay, John D. Panitza e Yvonne Fourcade, da edição européia do Digest em Paris, pelo seu esplêndido trabalho de investigação e pelas suas entrevistas. Os meus mais sinceros agradecimentos para o diretor-geral adjunto do Digest, Hobart Lewis, que foi o primeiro a acreditar no meu projeto e me auxiliou durante os meses de trabalho extenuante.

Há ainda muitos mais para com quem tenho dívidas de reconhecimento. Jerry Korn, pelas suas críticas pertinentes e pela sua ajuda; Don Lassen, pelas numerosas cartas sobre a 82.ª aerotransportada; Don Brice, da Dictaphone Co., e David Kerr, que me ajudaram a entrevistar o Coronel John Verden, da revista Army Times; Kenneth Crouch, do Bedford Democrat, Dave Parsons, da Pan-American Airways; Ted Rowe, da I.B.M, e Pat Sullivan, da General Dynamics, que através das suas companhias e dos seus serviços me ajudaram a localizar os sobrevi-ventes; Suzanne Gleaves, Theodore H. White, Peter Schwed e Phyllis Jackson, pela sua leitura atenta de todas as versões do presente livro; Lillian Lang, pelo seu perfeito trabalho de secretariado; Anne Wright, que classificou, arquivou e manipulou a correspondência e que tudo datilografou, e, acima de todos, minha querida mulher, Kathryn, que organizou as investigações que me ajudou na revisão final do manuscrito e que contribuiu mais do que qualquer outra pessoa — pois teve de me aturar durante todo aquele tempo!