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34 dez 11 / jan 12 A VIDA É AMIGA DA ARTE Música é o fio condutor do novo documentário de Eduardo Coutinho, As Canções OBRA QUE SE DESDOBRA O escritor Luiz Ruffato revela o processo criativo de Inferno Provisório ENTRE O MUSEU E A RUA Os grafiteiros Binho Ribeiro e Chivitz colocam para conversar o poder público e a rua DANÇA QUE OCUPA A CIDADE Em ensaio fotográfico, bailarinos do Stagium fazem do centro de São Paulo um palco sob o luar A VIDA É AMIGA DA ARTE Música é o fio condutor do novo documentário de Eduardo Coutinho, As Canções OBRA QUE SE DESDOBRA O escritor Luiz Ruffato revela o processo criativo de Inferno Provisório ENTRE O MUSEU E A RUA Os grafiteiros Binho Ribeiro e Chivitz colocam para conversar o poder público e a rua DANÇA QUE OCUPA A CIDADE Em ensaio fotográfico, bailarinos do Stagium fazem do centro de São Paulo um palco sob o luar O estilo musical paraense se firma na mídia e se espalha pelo Brasil, capitaneado pela estrela Gaby Amarantos O estilo musical paraense se firma na mídia e se espalha pelo Brasil, capitaneado pela estrela Gaby Amarantos TECNO BREGA! TECNO BREGA!

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A VIDA É AMIGA DA ARTEMúsica é o fio condutor do novo documentário de Eduardo Coutinho, As Canções

OBRA QUE SE DESDOBRAO escritor Luiz Ruffato revela o processo criativo de Inferno Provisório

ENTRE O MUSEU E A RUAOs grafiteiros Binho Ribeiro e Chivitz colocam para conversar o poder público e a rua

DANÇA QUE OCUPA A CIDADEEm ensaio fotográfico, bailarinos do Stagium fazem do centro de São Paulo um palco sob o luar

A VIDA É AMIGA DA ARTEMúsica é o fio condutor do novo documentário de Eduardo Coutinho, As Canções

OBRA QUE SE DESDOBRAO escritor Luiz Ruffato revela o processo criativo de Inferno Provisório

ENTRE O MUSEU E A RUAOs grafiteiros Binho Ribeiro e Chivitz colocam para conversar o poder público e a rua

DANÇA QUE OCUPA A CIDADEEm ensaio fotográfico, bailarinos do Stagium fazem do centro de São Paulo um palco sob o luar

O estilo musical paraense se firma na mídia e se espalha pelo Brasil, capitaneado pela estrela Gaby Amarantos

O estilo musical paraense se firma na mídia e se espalha pelo Brasil, capitaneado pela estrela Gaby Amarantos

tecno brega!tecno brega!

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Slinkachu, Fantastic Voyage [slinkachu.com]

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COORDENAÇÃO EDITORIALAna de Fátima Sousa

EDIÇÃO EXECUTIVAMarco Aurélio Fiochi

PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE ARTEMarina Chevrand

ASSISTÊNCIA À EDIÇÃO DE CONTEÚDOSRoberta Dezan

EDIÇÃO DE FOTOGRAFIAAndré Seiti

DESIGNLu Orvat Design

REPORTAGEM E REDAÇÃOPaula Fazzio

REVISÃOCiça Corrêa

Nelson ViscontiPolyana Lima

APOIO ADMINISTRATIVOIsabella Protta

CONSELHO EDITORIALAna de Fátima Sousa

Claudiney FerreiraEduardo Saron

Guilherme KujawskiJader Rosa

Marco Aurélio Fiochi

COLABORARAM NESTA EDIÇÃOAutumn Sonnichsen

Carlos CostaChema Llanos

Claus LehmannDani Bonani

Daniel AratangyDaryan Dornelles

Fernando FuchigamiFlávia Bancher

Gabriela BorgesGuilherme Rodrigues

Guilherme WisnikGustavo Ranieri

Kelly Cristina SpinelliLourenço Mutarelli

Malu Rangel Marcelo LacerdaMarcio LevymanMariana Lacerda

Micheliny VerunschkSabrina Duran

Tatiana DinizWaldo Squash

AGRADECIMENTOSCamila Lacerda

Fernando de MeloGeovane de Moura Junior

Kátia PelliMarcel ArêdeMárcia Freire

Marcos PalmeiraMariela Terreri

Paula PerilloRafael CarrionRodolfo Mello

ISSN 1981-8084 Matrícula 55.082(dezembro de 2007)

Tiragem 10 mil –distribuição gratuita.

Sugestões e críticas devem ser encaminhadas ao Núcleo de

Comunicação e [email protected]

Jornalista responsávelAna de Fátima Sousa MTb 13.554

capa: gaby amarantosfoto: daniel aratangy

CARTA DO EDITOR

A ConTINUUM chega à quinta edição em seu novo formato e volta o olhar para as ruas, pois como já dizia um dos maiores expoentes da nossa arte, Hélio Oiticica, “museu é o mundo”. Logo no início, um perfil do britânico Slinkachu evidencia como a criação muitas vezes parte de ideias aparentemente simples para gerar o inusitado, o surreal e o divertido, tendo como pano de fundo as paisagens urbanas. Na sequência o arquiteto e ensaísta Guilherme Wisnik lança luz sobre trabalhos site-specific, que decretaram que a arte não está no espaço, ela é o espaço.

A entrevista da edição foi feita sob as pilastras que sustentam os trilhos do metrô na zona norte de São Paulo, hábitat dos conhecidos e reconhecidos grafiteiros Binho Ribeiro e Chivitz. Os artistas falam sobre sua luta pela transformação do cinza urbano em algo que encha os olhos de cor e alegria. E por falar em alegria viajamos até Belém e, ciceroneados pela cantora Gaby Amarantos, nossa capa, adentramos no universo do tecnobrega, ritmo musical que nasceu no Pará, mas vem ganhando cada vez mais espaço e ouvintes em todo o Brasil.

O Ballet Stagium recebe nossa homenagem nesta edição pelos 40 anos de história, que se confunde com a do nascimento de uma dança verdadeiramente brasileira. Levamos cinco bailarinos do elenco atual da companhia para as ruas do centro de São Paulo e o resultado pode ser conferido no ensaio fotográfico, assinado por Autumn Sonnichsen, bem como no vídeo que está disponível no canal do Itaú Cultural no YouTube e na versão da revista para tablet. O grupo também está em cartaz na exposição Ocupação Ballet Stagium, no Itaú Cultural, em São Paulo, até janeiro. Uma reportagem especial fala do novo documentário de Eduardo Coutinho, As Canções, e mostra as ideias desse mestre em utilizar o cinema para contar histórias reais.

Esta edição traz ainda reportagens sobre o papel dos espaços urbanos nas narrativas cinematográficas e sobre como obras de artistas visuais brasileiros passaram a atingir cifras astronômicas no mercado estrangeiro de arte. Também conversamos com o escritor mineiro Luiz Ruffato para saber mais sobre o processo de criação que envolveu o romance Inferno Provisório, composto de cinco títulos. E não deixe de conferir as dicas do Balaio e o penúltimo capítulo da série criada pelo quadrinista Lourenço Mutarelli, Animais em Fuga.

Baixe o aplicativo da ConTINUUM em seu iPad e veja todas as matérias desta edição e das anteriores, além de vídeos.

Envie seu comentário sobre a ContinUUM para o e-mail [email protected] caso de publicação na seção Carta do Leitor, a mensagem pode ser editada a critério da redação.

na web: itaucultural.org/continuum issuu.com/itaucultural

ERRATANa matéria “Esta Nossa Vida de Artista” (páginas 30-32 da edição de outubro e novembro), não ficou clara a informação sobre o registro de nascimento da atriz Maria Clara Spinelli, que possui em todos os seus documentos a designação “sexo feminino” – sendo, portanto, uma mulher para todos os fins de direito.

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A VIDA É AMIGA DA ARTEMúsica é o fio condutor do novo documentário de Eduardo Coutinho, As Canções

OBRA QUE SE DESDOBRAO escritor Luiz Ruffato revela o processo criativo de Inferno Provisório

ENTRE O MUSEU E A RUAOs grafiteiros Binho Ribeiro e Chivitz colocam para conversar o poder público e a rua

DANÇA QUE OCUPA A CIDADEEm ensaio fotográfico, bailarinos do Stagium fazem do centro de São Paulo um palco sob o luar

A VIDA É AMIGA DA ARTEMúsica é o fio condutor do novo documentário de Eduardo Coutinho, As Canções

OBRA QUE SE DESDOBRAO escritor Luiz Ruffato revela o processo criativo de Inferno Provisório

ENTRE O MUSEU E A RUAOs grafiteiros Binho Ribeiro e Chivitz colocam para conversar o poder público e a rua

DANÇA QUE OCUPA A CIDADEEm ensaio fotográfico, bailarinos do Stagium fazem do centro de São Paulo um palco sob o luar

O estilo musical paraense se firma na mídia e se espalha pelo Brasil, capitaneado pela estrela Gaby Amarantos

O estilo musical paraense se firma na mídia e se espalha pelo Brasil, capitaneado pela estrela Gaby Amarantos

tecno brega!tecno brega!

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R e p o r T A G E M | o epaço é dos bebêsRecém-nascidos agora são público-alvo de eventos culturais.

b a l a I O | a força das referências Artes visuais, novas publicações, entrevista com Andréa del Fuego e arte pública recheiam nossas páginas de dicas culturais.

Q u a d r I N H O S | animais em fugaO penúltimo capítulo da saga criada por Lourenço Mutarelli.

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1424 e S P E C I A L | a vida é amiga da arte

Eduardo Coutinho lança documentário sobre histórias de vida e reitera a importância da música em seus filmes.

R e p o r T A G E M | cenário idealTrabalhos de diversos artistas funcionam como resposta ao estímulo que as cidades lhes provocam.

R e p o r T A G E M | na crista da ondaA arte brasileira ultrapassa o caráter folclórico, vence estereótipos e ganha espaço e reconhecimento ao redor do globo.

p e R F I L | questão de ponto de vistaO artista britânico Slinkachu cria cenas surreais e divertidas ao fotografar pequenos objetos em paisagens urbanas.

a R T I G O | o lugar da arteGuilherme Wisnik fala sobre trabalhos site-specific dos anos 1960 até hoje.

C e R T I d à o d E N A S C I M E N T O | de passagemOs painéis Guerra e Paz, de Candido Portinari, chegam a São Paulo e marcam o cinquentenário da morte do pintor.

e n T r E V I S T A | entre o museu e a ruaOs grafiteiros Binho Ribeiro e Chivitz contam como

transformaram repressão em iniciativa inédita no cenário brasileiro da arte de rua.

C A P A | treme, tecno brega!O crescimento do estilo musical paraense sinaliza maior

profissionalização de músicos como Gaby Amarantos, prestes a lançar CD nos moldes da grande indústria.

e n S a I O | dança que ocupa a cidadeBailarinos do Stagium arriscam seus passos precisos pelas

ruas do centro de São Paulo.

R e p o r T A G E M | obra que se desdobraLuiz Ruffato e os 15 anos de dedicação ao romance Inferno

Provisório, composto de cinco títulos.

R e p o r T A G E M | caligrafia do afetoDedicatórias potencializam artisticamente a comunicação cotidiana.

M u S e u S D O M U N D O | novo trajeto para as artesInstituto Figueiredo Ferraz, em Ribeirão Preto, coloca o interior

paulista na rota cultural do país.

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TEXTO tatiana diniz FOTOS slinkachu

O artista britânico Slinkachu brinca com a ilusão de óptica ao fotografar seus pequenos objetos em cenários urbanos

questão de ponto de vista

Certa vez, enquanto montava seu trabalho nas ruas de Londres, o artista britânico Slinkachu foi abor-dado por um policial. Deu-se o seguinte diálogo:

Policial: Com licença, o senhor se importa de me dizer o que está fazendo?Slinkachu: Oh. É... Eu só estou colando essa pe-quena pessoa de plástico.Policial: Como?Slinkachu: Aqui, olhe. É um... É... um negócio de arte. Mais ou menos. Eu tiro foto dessas pessoinhas e depois as abandono.Policial: Ah! Que interessante! Desculpe, achei que você estivesse cheirando cola, ainda mais com esse supertubo aí. Temos visto muito disso por aqui. Slinkachu: Ahn?!Policial: Meus filhos adorariam seu trabalho. Slinkachu: É? É uma pequena prostituta... e seu cliente... no carro.Policial: Ooh!!! Bem... Continue, então.Slinkachu: Obrigado.

A conversa com o policial virou a introdução do livro Little People in the City: The Street Art of Slinkachu [que pode ser adquirido em amazon.com]. Abandonadas em cenários urbanos, minia-turas de pessoas de plástico compõem minús-culas réplicas de situações diversas. Um resgate após uma tempestade, um flerte entre uma pros-tituta e seu cliente, uma senhora exibicionista sentada numa gigante ponta de cigarro... Ao criar um espaço de surpresa dentro do cotidiano, as cenas levam da estranheza ao envolvimento.

As miniaturas usadas nas instalações são adquiri-das com fornecedores de modelismo e garimpadas em lojas diversas. No site slinkachu.com, o artista brinca que mantém as pessoinhas sob sua cama em regime de trabalho forçado. Lixo e insetos en-contrados na rua também viram material para as obras. Depois de montadas, as cenas são fotografa-das em zoom e a distância. As fotos criam uma es-pécie de ilusão de óptica em que pequenas poças d’água viram lagos gigantescos, por exemplo.

O nome Slinkachu surgiu por acaso a partir do apelido Slinky, que o artista ganhou por causa do cabelo cacheado. Nascido e criado em Devon, área rural situada na costa do Reino Unido, ele conta que teve uma infância repleta de espaço e de liber-dade para explorar. “Eu era um menino que gosta-va de ficar sozinho, de desenhar e de fazer coisas.”

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Na opinião dele, perde-se o senso de exploração na idade adulta. “Talvez, de algum modo, eu agu-ce essa noção tentando criar surpresa diante de personagens assustadores, ou cínicos.” Apesar disso, ele prefere não registrar as reações das pessoas às instalações. “Nem fico perto para ver!”

Hobby que virou profissãoNa adolescência, Slinkachu fez toda sorte de bi-cos. Trabalhou em um supermercado, tomou conta de um quiosque de sorvete e foi vendedor numa loja de livros. O primeiro emprego formal foi como diretor de arte de anúncios publicitários.

A princípio, lembra, a arte para ele não passava de um hobby. “Era somente algo que eu gostava de fazer e que não estava conectado ao mundo do design comercial que eu integrava”, relata. “Curtia a ideia de ter algo criativo só meu, que não fosse ditado por um cliente.”

No verão de 2006, o artista começou a espalhar miniaturas de pessoas por Londres e depois pelo mundo. “A ideia original foi bem aleatória, algo que me passou pela cabeça enquanto eu estava pensando em outra coisa. Naquele tempo, eu andava muito intrigado com as escalas e estava bastante interessado em arte de rua”, conta.

Além disso, Slinkachu nutria outras motivações pessoais para continuar se dedicando a seu tra-balho artístico: “Imaginava que podia ser uma surpresa para quem passasse e tivesse a sorte de encontrar aquilo. Também achei que seria diver-tido fazer as instalações e elas me permitiriam aprender mais sobre fotografia”. Ele explica que quanto mais fazia mais se interessava pela nar-rativa presente nas instalações e nas fotografias. “Eu me surpreendi com quanta empatia era evo-cada pelas miniaturas e isso me levou a explorar diferentes histórias e personagens.”

As miniaturas de Slinkachu já foram fixadas em cenários de cidades da Itália, do Marrocos, dos Estados Unidos, da Holanda e da Noruega, só para citar alguns países. “Gostaria muito de fazer minha ação no Brasil. Deveria ir logo, mas ainda não planejei isso”, confessa.

Paralelamente às cenas com miniaturas de pes-soas, ele começou a decorar objetos em forma de caracol com grafite e outras técnicas, para que circulem carregando mensagens. “Eles viram ar-te-móvel, ou mídia de propaganda. Não sei como a Cola-Cola, a Sony ou outra dessas grandes em-presas nunca usaram caracóis como mídia.”

Slinkachu costuma pensar muito sobre qual se-ria sua própria reação se encontrasse suas ins-talações. “Quando eu era criança, queria ser ar-queólogo e até hoje amo a ideia de achar coisas

escondidas. Acredito que eu, mais novo, teria adorado encontrar uma das minhas instalações. Acho que teria ficado pasmado e manteria aque-la informação na memória”, observa.

A capital inglesa, onde vive, sempre exerceu in-fluência em seu trabalho. “Amo a cidade, mas ao mesmo tempo acho-a frustrante e solitária. Ten-to refletir as diferentes reações dos londrinos no meu trabalho. Exploro o estilo de vida em gran-des cidades e como elas nos fazem parecer me-nores e perdidos.”

Slinkachu

Gostaria muito de fazer minHa ação no brasil. deveria ir loGo, mas ainda não planejei isso.”

A obra de Slinkachu Fantastic Voyage, de 2011, abre esta edição (veja nas páginas 2 e 3). Conheça mais do trabalho do artista em: <slinkachu.com> e <little-people.blogspot.com>, de onde foram retiradas essas imagens.

Detalhes da mesma foto revelam o processo criativo do artista, que se vale do zoom para brincar com a realidade

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O artista norte-americano Michael Heizer afirmou, em um texto emblemático sobre a land art e o conceito de site-specificity (a especificidade do lugar), que “o trabalho (de arte) não é posto em um lugar, ele é esse lugar”. Com essa fra-se, conceituou de forma clara o propósito de artistas que realizam trabalhos de grande escala em espaços abertos e em geral distantes da “civilização” ur-bana – os site-specifics (sítios específicos). Surgidos nos anos 1960 e também chamados de land art ou earthworks buscaram uma forma radical de fuga à institucionalização e à mercantilização da arte, atingindo um grau de liberda-de distinto daquele que caracterizava as exposições no interior de galerias ou museus, em geral voltadas para o mercado. Assim, transformaram paisagens ermas em lugares dotados de um significado singular – daí a afirmação de que o trabalho artístico site-specific não é simplesmente posto em um lugar, como uma escultura criada no ateliê e instalada em um espaço qualquer.

Eminentemente ativas, essas esculturas geográficas criam física e simboli-camente esse novo “lugar” e, portanto, passam a ser elas mesmas o próprio lugar, não podendo mais ser separadas daquela paisagem. Por sua contun-dência e radicalidade, os trabalhos de land art deram um curto-circuito na definição tradicional de escultura, invadindo em muitos sentidos os cam-pos da arquitetura e da engenharia à medida que empregaram equipes de operários, realizaram movimentos de terra e utilizaram máquinas como es-cavadeiras, tratores e helicópteros.

É nesse contexto de hibridização e ampliação das antigas fronteiras artís-ticas que as esculturas site-specific retornam dos desertos para as cidades no final dos anos 1970, criticando a abstração e a placidez da escultura mo-derna. O escultor norte-americano Richard Serra criou trabalhos de grande escala para espaços urbanos, que foram pensados para um lugar específico e, portanto, só podiam existir naquele contexto. Esse é o caso, por exemplo, do seu Arco Inclinado (1981), uma imensa peça curva de aço corten instala-da na Federal Plaza, em Nova York.

Criando uma barreira de 36,6 metros dentro da praça, a escultura fazia com que os apressados pedestres tivessem de contorná-la, sendo levados a de-sautomatizar sua percepção cotidiana daquele lugar. Tamanha foi a reper-cussão negativa dessa implantação que o sucesso da obra veio a significar o seu rotundo fracasso. Ou, melhor dizendo, fez com que a peça de Serra re-presentasse um ponto-limite na história da escultura site-specific, pois, alvo de inúmeros processos, Arco Inclinado foi condenado pela Justiça ameri-cana em 1989, tendo de ser removido. Coerente em relação aos princípios da linguagem site-specificity em arte, Serra não permitiu que a obra fosse deslocada para outra praça da cidade, optando pela sua destruição.

Ao longo dos anos 1980, o conceito de site-specificity mudou muito, à medida que foi substituindo a abordagem fenomenológica da escultura que altera a percepção do lugar concreto por práticas mais relacionais en-volvendo a comunidade, que tratam o “site” não tanto como lugar físico, e sim como um contexto de relações entre agentes (vizinhança, grupos definidos por características étnicas, religiosas, sexuais ou de gênero e instituições). Na onda do multiculturalismo dos anos 1980 e 1990, com sua busca crescente de aceitação e incorporação do “outro” no processo criativo – como signo de uma suposta identificação entre arte e democra-cia –, dá-se uma desmaterialização do “site” propriamente dito, fazendo com que a especificidade resida então no contexto engendrado pelo lu-gar, chamado de “community-specific”.

RepeRcussãO inteRnaciOnalAqui, cabe uma menção ao trabalho de uma artista brasileira que teve ines-perada repercussão internacional. No dia 2 de setembro de 2009, fotos da instalação Monumento Mínimo, de Néle Azevedo, realizada nas escadarias da Praça Gendarmenmarkt, em Berlim, se tornaram a imagem do dia na imprensa, ocupando as capas dos principais jornais impressos do mundo, os noticiários televisivos e as chamadas de internet. Monumento Mínimo é um trabalho de arte pública que consiste na fabricação e colocação de uma multidão de pequenas esculturas antropomórficas de gelo em espaço urbano e que se consuma com o seu total derretimento. Iniciado em 2001, originalmente o trabalho é composto de apenas uma ou duas figuras, que testemunhavam sua existência efêmera e solitária diante dos passantes, em locais urbanos diversos. Mas a partir de meados da década a artista come-çou a aumentar o contingente populacional de sua ação, com um visível ganho dramático. Em 2005, colocou cerca de 300 peças de gelo no centro de São Paulo. Em Berlim, em 2009, já eram mil.

Com um reconhecimento ainda modesto no Brasil, Néle, sem saber, entrou no olho do furacão contemporâneo, no qual arte, globalização e ecologia se confundem na instantaneidade da imagem midiática. Mas o que restaria, aqui, da ideia do site-specific? Talvez nada, no sentido do que foi descri-to até então. Pois o que é específico nesse caso não é nem o lugar nem a comunidade envolvidos, mas a oportunidade inscrita em sua forma de difusão. O trabalho de Néle se vale de um novo sentido de totalidade dado pela questão ecológica. No final das contas, resta a questão: qual poderá ser o futuro da arte site-specific num mundo que tende a ser povoado por “cidades globais” e por “cidades genéricas”, todas elas unidas pela internet e pelo consenso ecológico?

TEXTO guilherme wisnikA evolução da linguagem do site-specific dos anos 1960 até a atualidade

O lugAr da arte

Guilherme Wisnik é arquiteto e ensaísta, publicou diversos textos sobre arquitetura em livros, revistas especializadas e jornais.

A instalação Monumento Mínimo, da brasileira Néle Azevedo, apresentada em Berlim, em 2009, ganhou repercussão mundial

Silvina D

er-Meguerditchian

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DE PASSAGEMOportunidade rara de conhecer pessoalmente os painéis Guerra e Paz, de Candido Portinari, em São Paulo, marca o cinquentenário da morte do pintor

TEXTO carlos costa

Guerra e Paz, os monumentais painéis, com cerca de 14 x 10 metros, pin-tados por Candido Portinari (1903-1962) para o edifício sede da ONU, em Nova York, na década de 1950, serão expostos no Memorial da América Latina, em São Paulo, de 6 de fevereiro a 21 de abril de 2012 – ano do cin-quentenário da morte do pintor.

A mostra integra o Projeto Guerra e Paz, ação do Projeto Portinari. As obras foram desinstaladas por ocasião da reforma do prédio da ONU, o que per-mitiu a restauração e a exibição dos painéis que ficam em local de acesso restrito. Agora, os trabalhos poderão ser conhecidos pelo grande público.

A reforma começou em 2010 e o primeiro evento foi em dezembro do mes-mo ano: uma exposição no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, seguida da abertura ao público do ateliê de restauro, no Palácio Gustavo Capanema, na mesma cidade. Após o restauro, a primeira exibição pública da obra será em São Paulo, no Salão de Atos do Memorial. Para compor a mostra virão também cem estudos originais do pintor para Guerra e Paz, os quais nunca foram apresentados junto com os painéis.

Após a temporada no Memorial, o conjunto viajará por outros destinos. “Es-tamos empreendendo uma ação de relevância política e social. Um grande grito brasileiro pela paz”, explica Maria Duarte, diretora da ação. No roteiro há duas cidades definidas: Oslo, na Noruega, por ocasião da entrega do Prê-mio Nobel da Paz, em dezembro de 2012; e Hiroshima, no Japão, em 2013.

Os painéis são compostos de 28 placas de madeira – cada uma tem 2,2 x 5 metros e pesa 75 quilos. A área total pintada é de 280 metros quadrados. A iconografia, em planos sobrepostos, apresenta temas recorrentes nas obras do pintor: a mãe com o filho morto nos braços, inspirada na imagem de Ma-ria amparando o corpo de Jesus; os retirantes; e os meninos de Brodósqui (cidade natal do artista, no interior de São Paulo).

Na execução, entre 1953 e 1956, Portinari e equipe trabalharam em um gal-pão da extinta TV Tupi. O pintor não pôde executar a obra nos Estados Unidos, nem estar presente na inauguração, por ser comunista e não ter permissão para entrar no país.

Paz e GuerraUm dos mais importantes artistas brasileiros, Portinari teve sua obra co-mentada por uma diversidade de críticos e historiadores contemporâneos. Sobre o painel com o tema paz, escreveu Israel Pedrosa: “São múltiplas as reminiscências de obras anteriores de Portinari, como também são vários os vestígios desses trabalhos em quadros posteriores do mestre. [...] O que emana desse painel nos enleva e encanta, mais que a ideia de paz [...], é a própria paz que nos invade ao contemplá-lo”.

Antônio Bento descreveu o painel bélico: “Na representação da guerra, como tivesse relativa liberdade de criação, Portinari optou pelo tema in-temporal dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse. Pareceu-lhe uma solução melhor do que pintar a guerra com um caráter realista, figurando os com-bates do século XX com o arsenal das armas contemporâneas”.

A história registra que a pintura desses quadros foi para o pintor uma mis-são social e que realizá-los contribuiu para a deterioração de sua saúde. Portinari foi diagnosticado com intoxicação por chumbo, proveniente das tintas que usava, antes de assumir a encomenda. A pintura dos painéis, por sua grande extensão, causou uma considerável piora no quadro de envene-namento, que o levou à morte alguns anos depois.

Cem estudos, entre desenhos e pinturas, serão exibi-dos pela primeira vez junto às obras. Em sentido horário: Mãos Entrelaçadas (1955, grafite e crayon colorido so-bre papel, 10 x 10 cm); Meninos no Balanço (1955, grafi-te e lápis de cor sobre papel, 25 x 24 cm); e Mulher com Filho Morto (1955, óleo sobre madeira, 158 x 118 cm)

Conheça as ações do Projeto Portinari em <www.portinari.org.br>.

O Projeto Guerra e Paz rendeu um documentário dirigido por Carla Camurati, com narração de Fernanda Montenegro e Luíz Inácio Lula da Silva. Veja em: <http://goo.gl/cwXos >.

Saiba mais sobre Candido Portinari na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais, disponível em: <itaucultural.org.br/enciclopedias>.

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TEXTO sabrina duran FOTOS claus lehmann

Primeiro, o Estado enquadrou os artistas. Foram 11 detidos no dia 3 de abril de 2011, todos levados para a delegacia, ainda su-jos de tinta, acusados de crime ambiental por estar grafitando as pilastras que sustentam os trilhos do metrô sobre a Avenida Cruzeiro do Sul, na zona norte de São Paulo. Seis meses depois, o mesmo Estado dava àqueles artistas a tinta e a estrutura ne-cessárias para que finalizassem as obras. Em meados de ou-tubro, surgia do cinza das pilastras o 1º Museu Aberto de Arte Urbana do Brasil (Maau), com 35 colunas e 68 obras gráficas de puro reconhecimento ao grafite paulistano. Trabalharam ali 58 artistas durante duas semanas, entre eles Binho Ribeiro, 40 anos, e Chivitz, 34, idealizadores do projeto. O Maau começou a ganhar forma durante as oito horas em que os dois, além dos outros nove, passaram na delegacia tentando provar à polícia que, ao contrário do que dizia o artigo 65 da Lei de Crimes Am-bientais, grafite não era o mesmo que pichação – no dia 25 de maio, a presidente Dilma Rousseff assinava a Lei nº 12.408, que descriminaliza o grafite. Amigos de longa data e parceiros de esqueite, hip-hop, spray e tinta látex, Binho e Chivitz, expoentes da arte urbana no Brasil e com prestígio no exterior, abriram um precedente inédito: colocaram para conversar o poder público e a rua. Com esse diálogo, conseguiram substituir por cores e formas o cinza chapado da cidade malcuidada.

Como foi o contato de vocês com o poder público?BINHO: No próprio dia 3 de abril, ainda na delegacia, a gente já era manchete no UOL e havia mais de 200 posts sobre a nossa detenção. Graças à minha conexão, know- how e crédito, e também do Chivitz, obtivemos uma re-percussão que rapidamente chegou ao conhecimento do secretário de Cultura do Estado [Andrea Matarazzo], de Regina Monteiro, da SP Urbanismo [presidente da comissão de proteção à paisagem urbana da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano], e da presidên-cia do Metrô. Foi uma combinação muito importante de credibilidade e vontade política.

CHIVITZ: Fomos detidos por volta do meio-dia e li-berados umas 8 da noite. Na delegacia, formalizamos um pouco o projeto. Depois fomos para casa, ligamos

o Skype e fizemos uma reunião. Ficamos a noite intei-ra escrevendo o projeto e juntando imagens. No dia se-guinte, a gente se encontrou às 8 da manhã no centro da cidade e fomos atrás de apoio. Nossa intenção era só pintar esse lugar superdeteriorado. Antigamente havia umas pilastras pintadas aqui, mas de uns anos para cá tudo ficou cinza.

BINHO: Fomos para a SP Urbanismo e aprovamos um pré-projeto. A gente somou tudo o que tinha de credibi-lidade e contatos para fazer o projeto acontecer.

CHIVITZ: Foi essa credibilidade que nos tranquilizou. No dia em que a gente estava se programando para pin-tar, o Binho falou: “A gente vai ser preso”. Eu disse: “Ima-gina, mano, você é o Binho, cara...” [risos].

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BINHO: A gente convocou fotógrafos para registrar o momento do enquadro. Temos esse material. O Chivitz está coordenando a criação de um documentário sobre toda a história, inclusive com a participação do secretá-rio de Cultura. Vamos mostrar os dois lados, os artistas contraventores e o poder público.

Foi uma guinada radical na postura do poder pú-blico em relação à arte de rua?BINHO: Essa disposição política em fazer uma ação com a gente foi inédita. É a primeira vez que vejo um projeto underground se transformando em algo pa-trocinado pelo governo. Oficialmente, o espaço foi decretado museu pelo próprio secretário. Isso é pio-neiro no mundo.

CHIVITZ: O grafite nunca entra num museu ou galeria. O que entra é o trabalho do artista de rua. É difícil levar

para o museu a efemeridade que a rua tem, e aqui [no Museu Aberto] a gente conquistou isso.

BINHO: Esse espaço fica entre o museu e a rua.

Vocês pretendem dar continuidade ao Maau?CHIVITZ: Nos próximos anos queremos abrir o proje-to para que seja um edital para a cidade. Em 2011 não tivemos tempo. Foi uma ação regional porque, claro, conquistamos isso com essa galera e quisemos valorizar todo mundo, desde os [artistas] mais novos até os mais antigos. No futuro, vamos fazer um trabalho educacio-nal, realizar oficinas para ver quem realmente merece participar do projeto.

Como foi feita a curadoria?BINHO: Nossa curadoria foi separada em três partes: se-lecionamos alguns dos principais nomes dessa cultura

A repercussão negativa da prisão de Binho e Chivitz foi o estopim para que o poder público mudasse sua postura em relação ao grafite

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no Brasil; artistas que tiveram história nessas colunas [da Avenida Cruzeiro do Sul]; e jovens artistas que têm grande interatividade com o bairro [de Santana]. Não agradamos a todos em nenhuma das seções, porém conseguimos ter representantes desses três segmentos. Encontramos uma espinha dorsal para uma curadoria bem democrática.

Vocês receberam alguma crítica por ter patrocí-nio do poder público?BINHO: Se rolou essa crítica, ela passou despercebi-da. O que a gente está expondo aqui não é o grafite, mas a obra dos artistas. O grafite continua nas ruas e os artistas continuam pintando onde acham que têm de pintar. É claro que tudo o que o poder público apoia ou discrimina sempre vai receber algum tipo de críti-ca. Mas acho que a positividade do projeto passou por cima desse questionamento.

CHIVITZ: A gente respeita muito o grafite, o ato da pin-tura, a correria, a dedicação e a ousadia da galera que está fazendo arte na rua. Mas isso não foi um encontro de grafite, e sim uma mostra de arte urbana.

Mas qual é a diferença entre um encontro de gra-fite e o que foi feito no Maau?BINHO: Um encontro de grafite é uma coisa mais livre, coletiva, talvez até mais gostosa. As obras costumam se mesclar. Aqui, o fato de cada artista ter uma obra indivi-dual e uma separação natural pela arquitetura do lugar já dá uma cara diferente.

O que vocês receberam dos patrocinadores para realizar o trabalho?BINHO: Viabilizaram material, estrutura – locação de es-cada, equipe de trabalho de produção – e ajuda de custo

para os artistas. Às vezes, artistas são contratados pelo Estado para fazer um painel e chegam a cobrar valores absurdos, algo em torno de 200, 300 mil reais. Nós, com metade desse valor, fizemos esse volume todo de obra.

CHIVITZ: A gente queria era o espaço. Trabalhamos em cima do orçamento, reformulamos várias vezes para fazer um trabalho legal com a grana que havia. A aju-da de custo foi um pequeno alívio. Era mais para o cara poder se transportar para cá, pagar um estacionamento.

Como o grafite evoluiu para esse nível mais “pro-fissional”? Existe algum questionamento sobre ganhar dinheiro com ele?BINHO: Há uns 20 anos as pessoas começaram a prestar mais atenção no grafite. Foi quando começou a ter uma pincelada do que fazemos hoje. Só que, naquela época, a gente era muito jovem e não tinha força para organizar as coisas. Nós fomos amadurecendo, somando conteúdo e profissionalizando uma coisa que era só rua, dando um valor para aquilo, uma necessidade de produção. Hoje é que tem esse questionamento, porque o artista que vem da rua hoje não passou por essa fase que passamos.

CHIVITZ: Hoje tem muita gente que entra na rua que-rendo ter fama, reconhecimento. A diferença dessa gera-ção para a geração do Binho, que tem 25 anos de estrada, e para minha, com 15 anos, é que a gente começou sem nenhuma pretensão. A galera iniciou simplesmente por-que gostava, e o que aconteceu dali para a frente foi lucro.

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Há um movimento mundial de fortalecimento do grafite. o futuro dessa arte é aumentar ainda mais seu relacionamento com o poder público, a sociedade e as empresas.” Binho

Museu Aberto de Arte Urbana estampa obras de 58 artistas nas pilastras de um elevado na zona norte paulistana

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Conheça o trabalho de:cHivitz em: <coracaovandalo.com> binHo em : <flickr.com/binhone>.

Quais as perspectivas para o grafite no futuro?BINHO: Há dois caminhos claros. Um é que as ruas con-tinuem ocupadas por grafiteiros, mesmo que eles sejam detidos, bem ou mal-interpretados, porque é uma cul-tura que faz parte de toda grande cidade e transborda pela sociedade. O outro caminho é que, com o amadu-recimento dos artistas, surja uma contrapartida. Há um movimento mundial de fortalecimento do grafite, e as cidades, que antes se sentiam agredidas, agora vêm ga-nhando com isso. O futuro dessa arte é aumentar ainda mais seu relacionamento com o poder público, a socie-dade e as empresas. A cidade oferece o espaço, e os ar-tistas contribuem com suas obras.

CHIVITZ: Acho que muitos artistas vão passar para essa fase mais contemporânea de museus, galerias e exposições.

Como vocês se conheceram?BINHO: Não me lembro da época, mas já encontrava o Chivitz andando de esqueite, com amigos que temos em comum. Eu me lembro de estar pintando numa pista de esqueite e de o Chivitz ter um estúdio de tattoo naquele lugar. A gente aproveitou para ficar trocando ideia.

CHIVITZ: Eu conhecia o Binho porque ele já era do grafite. Mas lembro do dia em que conheci o Binho mesmo. Eu estava na zona norte com um amigo dando uma caminhada. Aí a gente passou em frente de uma esfiharia e ele disse: “Olha o Binho lá, é ele mesmo!” [risos]. Para a gente era como conhecer o Tony Hawk [famoso esqueitista norte-americano]. Ficamos espe-rando ele sair para trocar uma ideia. E hoje estamos aí, o cara é meu amigo, meu parceiro.

Quando vocês estão pintando juntos, como é a troca de ideias?BINHO: A integração é muito natural entre grafiteiros que não se conhecem e não falam a mesma língua [artís-tica]. A gente não tem muitos trabalhos em conjunto. O mais frequente são obras de cada um dividindo o mes-mo espaço. Mas há uma em especial, na minha casa, que a gente pintou com bastante interação.

CHIVITZ: Temos a liberdade de dar um toque no tra-balho do outro, de mostrar um ponto de vista diferente, uma coisa sincera, algo que a amizade construiu.

Como o amadurecimento pessoal interferiu no trabalho de vocês?BINHO: Acho que até completar 15 anos de pintura, eu tinha uma produção mais eclética e menos preocu-pada com conceitos. De uns oito anos para cá, além do meu trabalho clássico de letra e personagem, comecei a montar outro, em paralelo, que chega a ser o somatório de tudo o que já fiz, mas concentrado em um conceito específico. Venho trabalhando os animais porque eles têm muitos movimentos e uma plasticidade que me aju-da na elaboração da obra. Desprendo-me do colorido e trabalho de forma livre no interior da silhueta do ani-mal. Estou focando minha atuação no universo das artes plásticas, em exposições e galerias.

CHIVITZ: Quando comecei a pintar na rua eu já fazia tatu-agem, e por isso tinha uma referência muito forte de tattoo. Quando desencanei um pouco dessa arte, passei a olhar mais para os meus personagens na cidade, no contexto do movimento hip-hop, do esqueite, do desenho animado, das coisas de que eu gostava. Inseri mais cores. Depois meu trabalho começou a entrar em galerias e se transformou por completo. Posso dizer que tenho um estilo figurativo e abstrato para pintar tanto nas ruas quanto na tela.

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nos próximos anos Queremos abrir o projeto [do maau] para Que seja um edital para a cidade. no futuro, vamos fazer um trabalHo educacional, realizar oficinas para ver Quem realmente merece participar.” Chivitz

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tecno brega!O estilo musical paraense e seu universo apoteótico se firmam no cenário nacional

com o sucesso de Gaby Amarantos, prestes a lançar novo CD

TEXTO carlos costa FOTOS daniel aratangy (Gaby Amarantos) e andré seiti (festas)

No início do século XXI, num estado cortado por rios e florestas, no Norte do Brasil, surge uma mistura de ritmos que ganha fama de exótica, tecnológica e é reconhecida como produto cul-tural genuíno da periferia. A mistura se chama tecnobrega. O estado, Pará. E essas supostas qua-lidades atreladas a ela reforçam o exagero visual e sonoro que a caracteriza.

Com um de seus grande talentos, Gaby Amaran-tos, alcançando a maturidade e prestes a lançar um disco produzido nos moldes do mainstream, o tecnobrega se firma na mídia, se espalha. Mas o que há por trás de tanta apoteose?

Para o antropólogo Andrey Faro de Lima, que em 2008 se debruçou sobre o tema na dissertação “É a Festa das Aparelhagens!”, defendida na UFPA, o tecnobrega nasceu como um estilo musical e cresceu tanto que hoje em dia é apresentado como um movimento. “Pitoresco, descrito, em al-guns aspectos, de forma similar ao funk carioca, é, sem dúvida, uma manifestação ligada à identi-dade do Pará, mas bastante contaminada por um discurso midiático externo a ela, impregnado das vicissitudes contemporâneas”, reflete.

Ou seja, o tecnobrega não é exótico para quem o faz, tem a tecnologia natural da contemporanei-dade e, de fato, vem dos subúrbios, mas não traz nenhum conteúdo revolucionário nem difere de outras manifestações similares, como o brega em Pernambuco ou a quebradeira na Bahia.

Tecnobrega é o estilo musical principal tocado nas festas de aparelhagem – eventos comuns em Belém e outras cidades do Pará. Ocorre também em outros estados da região e, conforme Lima, “em países como o Peru e a Colômbia”. É, basica-mente, uma festa na qual as aparelhagens são o elemento essencial.

As ApArelhAgensNas palavras de Gaby aparelhagens são: “imensas caixas de som, soundsystems, com uma cabine e um DJ”. Numa visão mais acadêmica, Antônio Maurício da Costa, professor da UFPA, descreve: “[...] é o equipamento sonoro composto de uma unidade de controle e seu operador (o DJ), que possibilita o uso de diversos recursos e alta quali-dade na emissão musical, e suas caixas de som, que comportam diversos alto-falantes e tweeters [...]”.

As aparelhagens existem em Belém desde os anos 1950. Surgiram na Jamaica, como soundsys-tem, e foram responsáveis pela popularização do reggae. No Maranhão, chamadas de radiolas, são essenciais nas festas de reggae e simples na for-ma. Em Belém fazem as festas de tecnobrega e são rebuscadas criações visuais.

Gaby conta quando o DJ Gilmar, da aparelha-gem Rubi, resolveu virar a cabine para o público e assumir a função de mestre de cerimônia. Des-sa forma, o vínculo DJ/público ganhou mais im-portância e essa relação é um dos combustíveis da festa: o DJ virou um astro.

Gaby Amarantos: apresentação no Video Music Brasil 2001, da MTV, e novo disco produzido pelo aclamado Carlos Eduardo Miranda

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Além dessa interferência na posição da cabine, as aparelhagens evoluíram no formato e nos equipamentos. O que era uma simples coluna de caixas de som se transformou em nave espa-cial, calhambeque, uma diversidade de formas às quais são acopladas luzes, sistema hidráulico que movimenta as cabines, fogos de artifício, te-lões, gelo seco. “É culpa da Xuxa”, brinca Gaby se referindo à nave que compunha o cenário da apresentadora no programa de TV Xou da Xuxa.

Assim, as aparelhagens foram conquistando um público cativo e se firmando. Mega Prínci-pe, Tupinambá, Rubi, Superpop, Vetron. Em sua dissertação, Lima estimava mais de 2 mil apare-lhagens no Pará. Têm nome, DJs de referência e seguidores. Foram associadas a gestos, geral-mente relativos à primeira letra de seus nomes. Para o Tupinambá se faz um T com os braços. Para o Superpop, um S com as mãos. E ganha-ram músicas em seu louvor. Como a da banda AR-15: “No Superpop é muita pressão/Quando eu vi fazer o S pra mim/Eu percebi que encon-trei meu amor”.

Em outubro, durante as comemorações do Círio de Nazaré, quando chega a dobrar a população em circulação na Grande Belém, as aparelhagens se fizeram presentes, a cada noite, em diferen-tes pontos da cidade. Em um clube popular, em Ananindeua, segundo município da região me-tropolitana, o Superpop promoveu uma festa na sexta-feira do Círio. Geralmente, antes das apa-relhagens se apresenta uma banda. Nessa noite, era um grupo de forró. As redondezas dos clubes ficam lotadas de carros e ambulantes – a cena clássica de um grande show.

“Meu águiA de fogo!”O Superpop é formado pelos DJs Elison e Ju-ninho, que tocam juntos há cerca de 20 anos. A aparelhagem é conhecida como “Águia de Fogo” e seu formato é inspirado em uma ave. “Entrei no clima, cenário 3D/meu águia de fogo!”, canta a AR-15, distorcida e a todo volume.

O DJ Juninho estima que o público, em uma apresentação como essa, chega a 6 mil pesso-as. Mas há outras maiores, que reúnem 15 mil.

Normalmente, vão das 22 às 4 da madrugada. A aparelhagem começa a tocar depois da banda, por volta da 1 hora. Os ingressos, em geral, cus-tam até R$ 25. A frequência é majoritariamente popular. E o ambiente lota.

O som é alto, muito alto, e acelerado proposital-mente pelos DJs. “Uma música com 190 batidas por minuto (BPM) toca a mais de 200 BPMs. O som fica muito rápido e distorcido”, explica Gaby. Os DJs tocam um pouco de tudo: forró, funk, músi-cas de sucesso. Mas o tecnobrega impera − “é 70% tecnobrega de produção local”, avalia a cantora.

A sequência de músicas vai num crescente, pre-parando o público para o momento em que a ca-bine do DJ se levanta e se projeta; começam os fogos de artifício, as luzes e a fumaça. A catarse do público é inevitável e o baile “treme”. O verbo “tremer” é usado com frequência no tecnobrega. O novo disco de Gaby se chama Treme; a apa-relhagem Tupinambá é conhecida por “O Treme Terra”; e quando é hora de se soltar na pista, to-dos gritam: “Treme!”.

o público chegA A 6 Mil, 15 Mil pessoAs. As ApresentAções vão dAs 22 às 4 dA MAdrugAdA. os ingressos, eM gerAl, custAM Até 25 reAis. A frequênciA é MAjoritAriAMente populAr. e o AMbiente lotA.

As festas de aparelhagem fazem tremer toda Belém: DJs-astros, cenário de Xou da Xuxa e uma bem azeitada rede informal de comercialização da música

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Em todas as apresentações são constates as in-tervenções dos DJs saudando os grupos. Uma diversidade de equipes, pequenos fã-clubes, acompanham as aparelhagens. “São como torci-das organizadas de 10 a 15 pessoas. Vão para as festas uniformizadas e esperam pelo momento em que o DJ vai falar o nome deles e o da equi-pe. É uma coisa de ego. O DJ está lá, vendo todo mundo, fazendo referência, e a galera querendo mesmo chamar a atenção em meio àquele som muito alto, à vibração”, narra Gaby.

Entre frases de efeito, sobre temas certeiros, como paquera e futebol, o DJ convoca as “famí-lias”. E o público delira. Lima calculou que uma aparelhagem de médio ou grande porte tenha de 30 a 50 fã-clubes. O resultado do show é posto à venda logo que acaba a apresentação. “Enquanto o DJ está tocando, gravam o show para ser vendi-do no final, por poucos reais. A equipe que o DJ falou o nome e mandou um abraço vai comprar. As pessoas ficaram viciadas em ir para a festa e comprar o CD para ouvir em casa e mostrar. Des-sa forma, fugiu do modelo de ter de estar na TV, fazer propaganda. O movimento é autossustentá-vel”, arrisca Gaby.

O movimento paralelo à mídia tradicional tam-bém ocorre com a divulgação dos artistas. Os cantores levam para os camelôs os CDs que gravam em estúdios caseiros. Mandam para os DJs. Não há mais o meio de campo das rádios. Quem escolhe o que toca são os DJs e o públi-co. O produtor musical Carlos Eduardo Miran-da, há anos trabalhando com música paraense como organizador do festival Terruá Pará e no novo disco de Gaby, considera as músicas do tecnobrega praticamente descartáveis, “de con-sumo imediato”. A produção alucinante de can-ções reforça essa informação. A cantora estima que, por dia, são lançadas mais de uma dezena de tecnobregas. Geralmente, versões. A baixa qualidade é uma constante.

dignidAde pArA o tecnobregASegundo Gaby, sua história profissional corre paralela ao tecnobrega. Começou a mergulhar nesse mundo há sete anos, quando fazia parte da banda Tecnoshow. Desde essa época, explica que tentou, com os demais integrantes, dar um trata-mento mais cuidadoso às canções que gravavam. “São músicas feitas por meninos de 12 anos, em lan houses, com programas que baixam ali mes-mo. Sem equipamento de qualidade, sem instru-mento acústico”, explica.

Foi assim que surgiu o tecnomelody, filho do tecno-brega. Gaby e o parceiro do Tecnoshow DJ Beto Me-tralha criaram o estilo para desacelerar as canções. “As pessoas não conseguiam mais dançar por causa da aceleração da música. Fizemos o tecnomelody para que pudessem dançar, mais romântico, por isso as letras são de amor.” Como o brega clássico.

Assista ao vídeo desta reportagem na versão para tablet e no canal <youtube.com/itaucultural>.

Ensaio fotográfico Gaby Amarantos: produção de moda Dani Bonani; beleza Guilherme Rodrigues; assistente de fotos Fernando Fuchigami. look 1 (foto p.14): body e adereço de cabeça Walério Araújo; braceletes Lázara Design. look 2 (foto p.17) body de renda e adereço de cabeça Walério Araújo; cinto corset Otávio Giora; braceletes Lázara Design. Tratamento de imagem: Rodolfo Mello.

Com a banda, Gaby investiu em um produto de maior qualidade e refinou o trabalho. O ápi-ce é seu novo CD, em que além do tecnobrega surgem outras referências da música de Belém, como a guitarrada e as percussões, e do mundo. A produção e direção musical são de Miranda, as batidas do DJ Waldo Squash e os arranjos de Félix Robatto. “Miranda foi o arquiteto; Waldo, o pedreiro; e Félix o mestre de obras. O ritmo ele-trônico ganhou metal, guitarra e percussão. De-mos dignidade ao tecnobrega.”

Na capa do seu disco, Gaby aparece entre enor-mes árvores e a aparelhagem Glacial, prova-velmente a mais antiga em funcionamento em Belém. A Glacial é a estrela do bar DJeca, no po-pular e central bairro do Jurunas, onde a cantora nasceu e ainda mora.

Segundo seu proprietário, Cláudio Jairo, ela tem quase 40 anos e, durante esse tempo, foi a garan-tia de funcionamento da casa. Uma ida ao DJeca é um passeio no tempo. A Glacial é um conjun-to de caixas de som, ligadas hoje em dia a um computador. Difere das parafernálias das atuais aparelhagens. É feita de madeira com forma re-tangular. As festas que embala também são di-ferentes: o que toca é brega de raiz. Até entram músicas atuais, mas sem distorção, sem efeitos de luz e fogos, como em um grande baile.

Esse formato de festa ocorre com algumas apare-lhagens mais modernas nos chamados bailes da saudade. O antropólogo Andrey Lima destaca que os bailes da saudade têm muito apelo entre a po-pulação e fazem o elo com o que antecedeu o tec-nobrega. Passado e presente, unidos pelo brega.

enquAnto o dj está tocAndo, grAvAM o show pArA ser vendido no finAl, por poucos reAis. dessA forMA, fugiu do Modelo de ter de estAr nA tv, fAzer propAgAndA. o MoviMento é Autossustentável.” Gaby Amarantos

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São Paulo, madrugada do dia 1º de novembro de 2011. Tem-peratura em torno dos 10 graus. Cinco dançarinos que integram o Ballet Stagium fazem das ruas e viadutos do centro da cidade o seu palco. Neste ensaio, o grupo mostra um dos ideais da companhia: a dança pode ser feita, com o mesmo apuro técnico, em qualquer lugar, seja num teatro sofisticado, seja na praça pública de um vilarejo. Naque-la noite, pelos passos dos bailarinos, a dança emprestou à metrópole, por breves horas, o encanto roubado pelo pro-gresso. Corpo e arquitetura em comunhão.

Dança queocupa a cidade

FOTOS autumn sonnichsen

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Momentos que marcaram a trajetória de 40 anos do Ballet Stagium podem ser conhecidos na exposição do programa Ocupação, do Itaú Cultural, até 22 de janeiro. Saiba mais em <itaucultural.org.br/ocupacao>.

Dança queocupa a cidade

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Assista ao vídeo deste ensaio fotográ-fico na versão para tablet e no canal <youtube.com/itaucultural>.

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Participaram desta sessão de fotos os bailarinos Camila Lacerda, Márcia Freire, Marcos Palmeira, Rafael Carrion e Paula Perillo.

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vida é amiga

da artea dupla tetine em sua casa no norte de londres - xx xxxxxxdff legenda fal-sa

TEXTO paula fazzio FOTO daryan dornelles

Eduardo Coutinho lança o documentário As Canções e afirma que não vai mais filmar histórias de vida

Eduardo Coutinho não gosta de ser chamado de senhor nem usa a internet para encontrar in-formações sobre as pessoas que entrevista. “O Google não me diz se Napoleão morreu infeliz.” Para isso, prefere conversar pessoalmente e ou-vir relatos de vida, matéria-prima de seu trabalho. Ele traça seus roteiros da seguinte forma: origem, família, saúde, amor, sexo, dinheiro (e a falta dele) e morte. “E se tem morte existe religião”, acredi-ta. Com uma equipe de pesquisa e reportagem, Coutinho já rodou quase 30 filmes, entre curtas, médias e longas-metragens. Dos seus 78 anos, passou os últimos 47 atrás das câmeras.

Na Paraíba, registrou uma família camponesa despedaçada pelo regime militar (Cabra Mar-cado para Morrer, 1984). Passou duas semanas no morro Santa Marta, no Rio de Janeiro, para retratar a violência que os moradores da fave-la enfrentam diariamente (Santa Marta – Duas Semanas no Morro, 1987). Conversou com uma comunidade que vive no “lixão” (Boca de Lixo, 1992), seguidores de Padre Cícero (Os Romeiros de Padre Cícero, 1994), moradores de um prédio em Copacabana (Edifício Master, 2002), operá-

rios da região do ABC paulista (Peões, 2004) e atores do grupo de teatro Galpão (Moscou, 2009).

Escravidão, fé, velhice, Portinari, a virada do últi-mo século e interpretação teatral também já fo-ram tema de seus filmes. Por mais brasileira que seja sua trajetória de documentários, Coutinho consegue imprimir marcas universais em cada um deles. É possível sensibilizar-se com alguns personagens em todos os seus filmes, mesmo que pertençam a uma realidade distante. “Cou-tinho faz filme com os outros e não sobre os ou-tros [...]. Ninguém está previamente condenado a nada”, explica João Moreira Salles no prefácio do livro O Documentário de Eduardo Coutinho: Televisão, Cinema e Vídeo (Jorge Zahar, 2004), de Consuelo Lins.

Por Isso umA forçA me LevA A cAntArHá algumas características que se repetem em quase todas as produções de Coutinho, apesar da variedade de assuntos abordados. A presença da música, por exemplo, é um elemento marcan-te. Em Jogo de Cena (2007), uma mulher canta a canção que usava para fazer a filha dormir, após

Eduardo Coutinho: “Quando você tem mais de 30 anos, a música passa a ter a função de preencher o passado”

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relatar as dores e dificuldades do relacionamento entre elas. Em Santa Marta: Duas Semanas no Morro, há uma cena em que aparece uma tradi-cional roda de samba, que não necessariamente tem papel fundamental no roteiro, mas reafirma a importância da música nas obras do cineasta.

Seu último trabalho, As Canções (lançado em outu-bro de 2011), mostra desconhecidos cantando sem ajuda de instrumentos. Com 500 mil reais de orça-mento – o filme mais barato até o momento –, sete dias de filmagem, 42 pessoas entrevistadas e 200 re-ais de cachê para os 18 selecionados que aparecem no longa-metragem, Coutinho realizou um sonho antigo. “O que cansava, às vezes, é que entravam pessoas insuportáveis.”

Para recrutar os participantes, a produção colo-cou anúncios no jornal e na internet, mas foi na busca pelas ruas que encontraram a maior par-te dos personagens. Em caraoquês, na praia de Ramos e em outros lugares do Rio de Janeiro a equipe andou com uma placa onde se lia: “Cante e conte”. O objetivo era fazer com que as pessoas cantassem uma música que marcou suas vidas e explicassem o motivo pelo qual ela é ou foi tão importante. “Se a pessoa não lembrava a música, saía na hora”, diz ele.

No filme, há canções de Ary Barroso, Noel Rosa, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Roberto Car-los, Jorge Ben Jor. Tem samba, balada e bolero, além de três composições dos próprios entrevis-tados. “Não me interessava saber qual era a mais bela, mas qual a música da história da vida daque-las pessoas”, conta ele. Um dos personagens do filme, Queimado, diz que não escolheu a que acha mais bonita de todos os tempos, mas a que ficou na sua cabeça no momento em que sofreu por amor.

Por Isso é que eu cAnto, não Posso PArArCoutinho acredita que alguns de seus entrevista-dos mentiram – ou aumentaram – suas histórias durante os depoimentos, mas diz não se importar muito com isso: “A memória é um passado inven-tado. O que não é factualmente absurdo e é bem contado é verdade. É isso que é fascinante. Quan-to mais criativo for, melhor, e não mais mentiroso”.

Silvia Helena, de 56 anos, ficou muito nervosa durante os 30 minutos em que esteve diante da câmera do diretor. Não imaginava que seria esco-lhida, e conversar com Coutinho “foi uma coisa de tiete mesmo. Cantar e contar minha história para ele não era pouca coisa”, explica ela.

Seu caso de amor durou mais de 30 anos e foi no cinema que ela encontrou uma forma de pôr um ponto final na história em grande estilo. “Foi um exorcismo, botei os fantasmas para correr. Coutinho ajudou com o respeito, a seriedade e a sabedoria com que faz seu trabalho.” Ela ficou satisfeita com o resultado e orgulhosa de ter conseguido cantar uma música que acreditava não lhe fazer bem, “Retrato em Branco e Preto”, de Chico Buarque.

O diretor afirma que a maior parte dos entrevista-dos saiu da gravação com a mesma sensação de Silvia, “felicíssimos”, seja porque colocaram suas lembranças ruins para fora seja porque tiveram a oportunidade de relembrar os bons momen-tos. Nesse caso, por exemplo, um homem chora ao lembrar uma música que sua mãe costumava cantar enquanto trabalhava com costuras de ves-tido de noiva. Logo em seguida diz não entender o motivo pelo qual se emocionou ao recordar esse momento, porque sua mãe está viva e saudável.

o temPo não PArA e, no entAnto,eLe nuncA enveLheceGravado no fim de 2010, perto do Natal, o filme fez o cineasta enfrentar dificuldades para recru-tar jovens para as filmagens. “Se eu quisesse gente que gosta do Radiohead, do Nirvana, eu poderia ir até alguma faculdade, mas não tinha nenhuma aberta.” O período de férias escolares foi um fator que diminuiu a presença de pes-soas com esse perfil, mas Coutinho diz que, mesmo se encontrasse gente nova, seria difícil achar alguém com a música da vida, porque jo-vem não recorda, vive. “Quando você tem mais de 30 anos, a música passa a ter a função de preencher o passado”, explica.

Em determinado momento de As Canções, o personagem Queimado diz que não sabe como

alguém faz para relembrar algo de que gosta se não for por meio da música. Para ele, o cheiro também é um elemento que carrega lembranças, mas letra, harmonia e melodia são ainda mais fortes. Coutinho concorda com a afirmação por-que “a canção é imortal e faz viajar no tempo, ge-ralmente ao passado”.

Para o diretor, a música tem uma função muito clara, que é mandar um recado para alguém. Ele acredita que, se um dia a arte desaparecer, a mú-sica será a última, porque “a canção só vai morrer no dia em que o homem for imortal. O homem só canta porque sabe que vai morrer”. Coutinho adora “Juízo Final”, de Nelson Cavaquinho, e, se pudesse escolher, teria colocado “Força Es-tranha”, de Caetano Veloso, neste último docu-mentário. Em sua vida, quem cumpre o papel da imortalidade é outra arte: “Estou vivo porque faço cinema. Ganho a vida fazendo cinema. Só sei fazer isso e mais nada”.

Para o cineasta, o principal problema de seu trabalho é conseguir fazer as pessoas irem ao cinema. No caso do recém-lançado As Canções, diz saber de antemão que filmes sobre músi-ca costumam render bons índices de público. “Sempre dão, no mínimo, 10 mil espectado-res”, conta. Embora não compre discos desde a invenção do CD e fique apenas sabendo “por alto” das novidades desse cenário artístico, não foi pelo retorno financeiro que Coutinho teve vontade de gravar pessoas cantando. “Para mim a filmagem foi um prazer.”

A responsabilidade e o cuidado com as pessoas com quem ele conversa são motivo de orgulho: “Ninguém se queixou da forma como apareceu nos filmes até hoje, em 30 anos. Sou responsá-vel pela imagem das pessoas e não posso pre-judicar ninguém”. Sobre os próximos trabalhos, tem apenas uma certeza: não vai mais filmar histórias de vida. Acredita que já esgotou todos os temas: origem, família, saúde, amor, sexo, di-nheiro e morte. “Você pode ser Napoleão, Ma-dre Tereza de Calcutá, Silvio Santos, um herói ou o camelô da esquina. História de vida é isso. É muito simples.”

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Frames de As Canções mostram os selecionados para cantar e contar suas histórias, entre eles Silvia Helena (foto maior)

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“a memória é um passado inventado. o que não é

factualmente absurdo e é

bem contado é verdade. é isso

que é fascinante. quanto mais criativo for,

melhor, e não mais mentiroso.” Eduardo Coutinho

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Nascido na Dinamarca em 1967, o artista Olafur Eliasson tornou-se conhecido ao conceber ins-talações em escalas urbanas. Com suas obras, ele transformou paisagens e propôs formas de vivenciá-las. Água, ar, alteração na temperatura de ambientes e luz são alguns dos recursos utili-zados pelo artista para instigar leituras surpreen-dentes das cidades.

O trabalho de Eliasson pode ser visto em São Paulo na exposição Seu Corpo da Obra, em car-taz até janeiro nas unidades do Sesc Pompeia e Belenzinho e na Pinacoteca do Estado. Trata-se da primeira mostra individual do artista na Amé-rica Latina e apresenta dez obras site-specific, que são uma espécie de resposta aos estímulos que a cidade provocou nele.

Todos os trabalhos proporcionam ao especta-dor experiências acerca da maior metrópole do

TEXTO mariana lacerda

Brasil. Propõem uma pausa para refletir sobre o presente ou o passado da cidade. Um deles, Sua Cidade Empática, exposto no Sesc Pompeia, foi concebido e executado em parceria com o cine-asta brasileiro Karin Ainouz.

Ele produziu imagens de São Paulo, em preto e branco, para mostrar a Eliasson. Priorizou filmar lugares com usos múltiplos, a exemplo do Mi-nhocão. Durante a semana, uma importante via para passagem de carros. Nos fins de semana, fe-chado para os automóveis, transforma-se em um estranho, porém funcional, parque urbano. Nele, passeia-se de bicicleta, faz-se caminhada, ven-dem-se picolés. Seja para carros, seja para pedes-tres, o lugar se apresenta próximo, quase dentro dos apartamentos de edifícios que o margeiam e que já existiam antes dessa arrebatadora constru-ção. Foi essa a cidade que o cineasta elegeu para apresentar ao artista visual.

Com as imagens de Ainouz, Eliasson produziu Sua Cidade Empática. Ele criou “a partir da luz e do tempo, que é de fato a matriz do cinema, o espaço”, disse o cineasta em uma palestra pro-movida pelo Sesc em outubro de 2011 para de-bater esse e outros trabalhos dos dois artistas. Para tanto, Eliasson projetou formas abstratas com luz nas imagens dirigidas por Ainouz. O resultado é “uma narrativa de luz e cor”, como analisa o diretor. A obra recria as histórias con-tidas em formas construídas.

AlGo mutAntEImagens cinematográficas têm criado e recriado o espaço urbano desde sua mais remota existência. “Foram elas o que o cinema mais filmou”, diz a ar-quiteta e pesquisadora baiana Silvana Olivieri, au-tora do livro Quando o Cinema Vira Urbanismo: O Documentário como Ferramenta de Abordagem da Cidade (Edufba, 2011).

Narrativas cinematográficas revelam a potencialidade imagética e poética de espaços urbanos

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8O cinema nasceu com o cinematógrafo, invenção de Thomas Edison que permitia registrar uma série de instantâneos fixos, os fotogramas. Mas o apare-lho era pesado demais (cerca de 500 quilos). Im-possível então retirá-lo do estúdio para vivenciar as ruas de uma cidade. Os irmãos franceses Auguste e Louis Lumière apresentaram ao mundo uma tra-quitana mais leve, com cerca de 5 quilos. Com esse novo cinematógrafo, tornou-se possível explorar o mundo. “E o mundo mais próximo para ser explora-do era o urbano”, diz Silvana.

Na primeira projeção cinematográfica feita pe-los Lumière o que se viu foram as “vistas”, filmes curtos, com duração de 50 segundos. No Grand Café, em Paris, no final de 1895, cenas do cotidia-no das cidades foram exibidas: operários saindo de uma fábrica, passageiros na estação esperan-do o trem, pedestres numa praça, o movimento de uma grande avenida.

Poucos meses depois dessa sessão, os irmãos iniciaram uma operação bastante interessante para a divulgação de seu equipamento: espalha-ram operadores de cinematógrafos por todos os continentes, exceto a Antártida. Durante cerca de dois anos, eles captaram imagens das cidades onde estiveram para, depois, exibir à população. Quando os operadores voltaram a Lyon, a cidade dos Lumière, foi montado um catálogo de filmes que reunia um vasto inventário da vida urbana no final do século XIX.

“Nesse primeiro momento da história do cinema, tanto no Brasil como nos outros países, o cenário foi dominado pelo registro da vida cotidiana e urbana nas chamadas ‘atualidades’, que incluíam não apenas as ‘vistas’ criadas pelos Lumière, mas também encenações e reconstituições de assun-tos de repercussão na imprensa”, explica Silva-na. Tratava-se de um reconhecimento da cidade como algo mutante, que, logo mais, não seria a mesma: era preciso preservá-la, documentá-la. O cinema mostrou-se perfeito para isso.

EstAr no mundoApós as duas guerras mundiais, as cidades, elas mesmas, passaram a ser objeto de outras formas de olhar: “A catástrofe se tornou espetáculo da catástrofe; pela primeira vez na história, cidades destruídas foram filmadas e vimos imagens do-cumentárias delas”, escreveu o cineasta e crítico de cinema Jean-Louis Comolli, no livro Ver e Poder (Editora da UFMG, 2008). Alemanha, Ano Zero (1948), de Roberto Rossellini, e Hiroshima, Meu Amor (1959), de Alain Resnais, são os dois exemplos citados por Comolli nesse texto.

De lá até aqui, foram muitas e variadas as for-mas experimentadas por cineastas para filmar as cidades e a vida nelas, em documentários e filmes de ficção. Em ambos os casos, elas foram

FOTO ANDRE / SESC POMPEIA

criadas e reinventadas – tal qual a São Paulo de Elliason e Ainouz.

A história das imagens do cinema brasileiro e seus diálogos com nossas cidades também é marcada por uma extensa lista de bons e im-portantes filmes. Em sua pesquisa, Silvana des-taca os curtas-metragens realizados pelo diretor e fotógrafo Aloysio Raulino. O filme Lacrimosa (1969-1970), citado pela pesquisadora, começa com um longo travelling de dentro de um car-ro percorrendo a Marginal do Tietê, via expressa então recém-inaugurada em São Paulo. Jardim Nova Bahia (1971), outro filme de Raulino cita-do por Silvana em seu trabalho, compõe-se, na primeira parte, de entrevistas com Deutrudes Carlos da Rocha, migrante nordestino, negro e analfabeto, que fala de sua vida na cidade. “Na segunda parte, o cineasta abdica de sua posição […]: a câmera é entregue a Deutrudes, que avisa: ‘Estou aqui para poder contar umas coisas que se passam na minha vida aqui em São Paulo’. Rau-lino experimenta uma polifonia até então inédita no cinema brasileiro, ao compartilhar não apenas o comentário, mas também as imagens do filme com a personagem, com o ‘outro’ – e, no caso, um ‘outro’ também da cidade”, ressalta Silvana.

Recentemente, o filme Um Lugar ao Sol (2009), do pernambucano Gabriel Mascaro, trouxe uma imagem perturbadora: a sombra de prédios al-tos na areia da Praia de Boa Viagem, no Recife. Onde antes existia sol agora há sombra. Onde o sol alcança a praia, passando nos espaços estrei-tos que sobraram entre edifícios, pessoas brin-cam na areia. A Recife de Mascaro está, em parte, ali. Para ele, filmá-la representa “um encontro de presenças. A arquitetura é uma delas, sujeitos, meios de transporte, equipe de filmagem, con-creto, plantas, pessoas. Este devir que é estar no mundo”, diz Mascaro.

Cena do filme Um Lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, mostra a interferência nada sutil dos prédios, que criam imensas sombras sobre a orla de Boa Viagem, no Recife

Obra Sua Cidade Empática (Your Empathic City), 2011, cria-da por Olafur Eliasson com a colaboração de Karin Ainouz

foto: Everton Ballardin/Associação C

ultural Videobrasil

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“Não se pode encaixar o trabalho desses artistas no esquema de arte do pós-guerra como se ele fosse uma variação de movimentos centrados na Europa e na América do Norte”, disse o crítico britânico Guy Brett sobre o movimento neocon-cretista brasileiro. Liderado pelo poeta e crítico Ferreira Gullar e por artistas como Hélio Oiticica, Lygia Pape, Mira Schendel e Lygia Clark, o movi-mento nasceu como reação ao concretismo e pro-vocou uma ruptura na maneira de pensar a arte no final dos anos 1950. Para esses artistas, a arte era um organismo vivo, funcionando em contato com os espectadores. Até hoje, as obras neocon-cretistas causam impacto por seu caráter peculiar, como uma arte participativa, abstrata, visual, que incorpora diversas linguagens.

O elogio de Brett é dos mais nobres, pois ele en-xergou que a arte brasileira podia ir além dos es-

TEXTO gabriela borges e kelly cristina spinelli

tereótipos comuns à arte feita fora do eixo Europa--Estados Unidos: não é apenas folclórica, e não reage somente aos movimentos estrangeiros. Em vez disso, desenvolve ideias que podem influen-ciar outros artistas no mundo. “Nos últimos 10, 15 anos, a história da arte está sendo reescrita porque se percebeu que a visão eurocentrista não faz mais sentido”, diz Jochen Volz, curador e diretor artísti-co do Instituto de Arte Contemporânea Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais. “A arte brasileira não pode mais ser vista como uma produção que está de fora: ela é tão relevante no cenário inter-nacional quanto a de outros artistas estrangeiros.”

Para Frederico Coelho, curador assistente do MAM/RJ, atualmente o Brasil tem maior visibili-dade e seus artistas já não são mais compreendi-dos como alguém que representa uma identida-de nacional. “O público internacional não espera

mais o estereótipo; o artista brasileiro hoje é con-siderado um bom artista, com impacto para as pessoas de qualquer lugar”, explica.

Nos últimos anos, museus como o MoMA, de Nova York, e o Reina Sofía, de Madri, e a galeria Tate Modern, de Londres, fizeram mostras dedica-das a Mira Schendel, Hélio Oiticica e Lygia Pape. A grande retrospectiva de Lygia Pape, exposta até outubro no Reina Sofía, chega à Pinacoteca de São Paulo no primeiro semestre de 2012 (veja box).

E não foram apenas os neoconcretos que ga-nharam espaço. Cildo Meireles foi tema de uma mostra na Tate Modern, em 2008. Rivane Neuens-chwander foi celebrada em 2010 pelo jornal The New York Times, que a citou como herdeira dos neoconcretistas. Carlito Carvalhosa teve uma ins-talação sua exposta no MoMA até novembro.

NA CRISTA DA ONDADe Lygia Pape a Rivane Neuenschwander, passando por Os Gêmeos e Romero Britto, a arte brasileira se livra dos estereótipos e ganha o mundo

foto: divulgação

Lygia Pape, O Divisor, 1968, fotografia colorida, 12,4 x 18,5 cm — acervo Projeto Lygia Pape

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As esculturas de Ernesto Neto e de Tunga, o gra-fite de Os Gêmeos, as pinturas coloridas de Romero Britto... a lista de brasileiros com boa circulação internacional vai longe. Os artistas nacionais já não são tão vinculados a perspec-tivas exóticas e identitárias – apesar de, ob-viamente, encontrarem inspiração na cultura brasileira. Adriana Varejão e Beatriz Milhazes, por exemplo, têm o olhar atento às cores e aos movimentos, à alegria e à felicidade do povo brasileiro, mas os transmitem em obras não localizáveis no espaço. Furacões no exterior, ambas venderam obras classificadas como as mais caras entre artistas brasileiros na histó-ria. A tela Parede com Incisões à La Fontana II, de Adriana, foi vendida em fevereiro por 1,1 milhão de libras (2,9 milhões de reais à época), na Christie’s, casa de leilão de Londres. O qua-dro O Mágico, de Beatriz, foi arrematado por 1,049 milhão de dólares (1,7 milhão de reais à época) em um leilão da Sotheby´s de Nova York, em 2008.

Vik Muniz é outro dos queridinhos no exterior. Carioca radicado em Nova York desde 1983, re-aliza obras com diversas técnicas usando mate-riais inusitados, como chocolate líquido, açúcar, catchup, lixo, poeira, que remetem sempre à memória, à percepção e à representação de ima-gens do mundo das artes e da comunicação. Ele já teve obras expostas no MoMA, fez mostras no Japão e na Coreia, e chegou a ter um filme inspi-rado em seu trabalho concorrendo ao Oscar em 2011, o documentário Lixo Extraordinário.

Esses feitos também abriram as portas para repre-sentantes da geração seguinte à desses criadores, como Renata Lucas – que fez parte da 53ª Bienal de Veneza, em 2009, e conquista cada vez mais espa-ço no cenário internacional – e Cinthia Marcelle, que exibiu seus trabalhos na Bienal de Havana, em 2006, e na de Lyon, em 2007.

CrítiCa da CrítiCaApesar do sucesso, há muito terreno a ser con-quistado pelos brasileiros no exterior. “O pro-blema é que circula a obra, mas não circulam as ideias. Esse é o calcanhar de aquiles lá fora”, diz Coelho. A arte brasileira é analisada pelo ponto de vista do crítico internacional numa perspectiva de consumo e não do dia a dia da construção de sentido e reflexão crítica. São poucos os críticos de arte brasileiros que alcançam reconhecimen-to global, como aconteceu com Paulo Venâncio Filho, autor de catálogos publicados no exterior e curador da exposição Century City: Art and Cultu-re in the Modern Metropolis, na Tate Modern, em 2001. Também Paulo Herkenhoff, que na década de 1990 foi curador adjunto do Departamento de Pintura e Escultura do MoMA, e Mário Pedrosa, morto em 1981, que internacionalizou a discussão sobre a arte moderna brasileira.

Um exemplo foi a escolha do curador da ins-talação de Carlito Carvalhosa no MoMA, o ve-nezuelano Luiz Pérez-Oramas (que será respon-sável pela 30ª edição da Bienal de São Paulo). “Seu conhecimento é inquestionável, mas ele não tem o olhar de um brasileiro. Esse intercâm-bio é interessante, mas a perspectiva é outra”, explica Coelho.

Para completar, falta vencer nossa própria perspectiva eurocentrista da arte. “Tradicional-mente”, ressalta Volz, do Inhotim, “a arte brasi-leira ganha visibilidade no Brasil só depois de ser reconhecida no exterior”. Coincidência ou não, a retrospectiva da obra de Lygia Pape foi primeiramente exposta em Madri, para depois chegar a São Paulo.

Vista de instalação da mostra Lygia Pape – Espaço Imantado, realizada no Reina Sofía, Madri, em 2011

Para Jochen Volz, “a arte brasileira ganha Visibilidade no brasil só dePois de ser reconhecida no exterior”. coincidência ou não, a retrosPectiVa da obra de lygia PaPe foi Primeiramente exPosta em madri, Para dePois chegar a são Paulo.

bola da vEz

“A Lygia é uma das protagonistas das transformações radicais que aconteceram no Bra-sil na segunda metade do século XX”, diz em vídeo oficial a espanhola Teresa Velázquez, uma das curadoras da retrospectiva da artista no museu Reina Sofía, de Madri. A mostra, que chega à Pinacoteca do Estado de São Paulo no primeiro semestre de 2012, rastreia a carreira de Lygia desde seu início com o Grupo Frente, marco do movimento construtivo no Brasil, até as experiências com luzes, formas geométricas, livros e panos – sempre com grande interação com o público –, que permearam sua carreira mais tarde.

Há desde performances como O Divisor (1968) – em que algumas pessoas vestem um grande pano branco, apenas com a cabeça de fora, representando uma multidão que ca-

minha junta, mas com espaço para movimento individual – até um livro-objeto, o Livro da Criação (1959), formatado de acordo com a decisão do visitante de virar as páginas, e ins-talações como Ttéia (2004), feita de fios de ouro projetados em formas quadradas em um espaço escuro que se transformam em feixes de luz quase imateriais.

Essa obra será exposta permanentemente numa nova galeria no Inhotim, ainda no pri-meiro semestre do próximo ano. “O trabalho de Lygia ultrapassou o neoconcretismo. Ela fez arte utilizando diversos meios, como desenho, esculturas e vídeos. Também teve uma trajetória particular, sendo professora de outros artistas e grande influenciadora do pen-samento e reflexão sobre a arte no Brasil”, diz Volz.

a fluminense lygia Pape, que morreu em 2004, tem sua obra valorizada internacionalmente

foto: Joaquín Cortés/R

omán Lores

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A data de publicação de um livro pouco diz do tempo que se levou para escrevê-lo. Especula-se que a obra-prima de Dante Alighieri, A Divina Co-média, demorou quase 20 anos para ser finalizada. Ulisses, de James Joyce, começou a ser pensado em 1903, a ser escrito em 1914 e só ficou pronto em 1921, ao todo 18 anos da ideia inicial ao ponto final. O romance Inferno Provisório, composto de cinco títulos (todos lançados pela Record), tomou 15 anos do escritor mineiro radicado em São Paulo Luiz Ruffato. O último deles, Domingos sem Deus, chegou às livrarias no final de outubro.

Nascido em Cataguases, interior de Minas Gerais, Ruffato foi pipoqueiro, balconista e operário até descobrir que seu ofício era a escrita. “Comecei a escrever em 1996. Só quando publiquei meu terceiro livro, Eles Eram Mui-tos Cavalos (Boitempo, 2001), é que percebi que os anteriores eram a gê-nese de uma coisa bem diferente. Foi um processo complexo, pois comecei a reescrita. Assim, os volumes iniciais de Inferno Provisório (Mamma, Son Tanto Felice, de 2005, e O Mundo Inimigo, do mesmo ano) estavam con-tidos nos livros de estreia [Histórias de Remorsos e Rancores, 1998, e Os Sobreviventes, 2000, também pela Boitempo]”, revela o autor, dando pistas do seu processo de criação.

Nesse percurso, Ruffato conta que o principal desafio foi descobrir como e o que escrever: “Queria falar sobre o que vivi, a realidade do operariado mi-grante brasileiro. Fui procurar o que já havia sido publicado e, para minha surpresa, não havia nada. Ou, antes, havia aqueles romances do Jorge Ama-do que na realidade não falavam sobre o trabalhador, mas, sim, reproduziam uma visão naturalista e preconceituosa, com uma linguagem e sentimentos rebaixados, como se a classe trabalhadora fosse só isso. Mas escrever so-bre a classe trabalhadora usando como base o romance burguês seria uma estupidez sem tamanho. Então fui estudar, voltei para Machado de Assis e para um autor que escreveu sobre o operariado sem nenhum preconceito, o mineiro Roniwalter Jatobá”.

REcupERando históRiasInferno Provisório abre com uma epígrafe desalentadora de Jorge de Lima (1893-1953) que fala de naus que nunca chegam, não por haver naufragado, mas por estar apodrecidas já do tronco de que foram criadas. É a imagem

que o autor utiliza para falar do processo violento de desterritorialização e despertencimento de um Brasil que era rural e passou à urbanidade sem dar conta das individualidades.

Ruffato abarca 50 anos da recente história brasileira tomando como ponto de partida uma cidadezinha operária no interior de Minas Gerais. Na nar-rativa, feita de fragmentos e estilhaços, as vidas se conectam ou se desco-nectam, as relações desmoronam, os tempos dialogam e se interrompem e cabe ao leitor transitar nas lacunas que, propositadamente, o autor põe em seu caminho.

“Para escrever esse livro precisei encontrar antes a forma e a substância. Como leitor, não gosto de histórias em que o narrador é onipresente, oni-potente, que não me deixam participar. Assim esse é um projeto aberto. Escrevi sobre a precariedade usando o método da precariedade”, diz.

Do Beco do Zé Pinto, em Cataguases, microcosmo por onde desfilam os personagens nos três primeiros volumes, à vida nas grandes metrópoles, que se define nos dois últimos, não há linearidade. Recursos gráficos como fontes diversas, uso de caracteres em negrito e diagramação diferenciada reforçam esse aspecto.

O escritor diz que seu trabalho imediato é dar projeção e visibilidade ao romance Inferno Provisório e adianta que a próxima edição será em volume único e contendo ainda notas biográficas de cada um dos personagens e um índice onomástico.

Para ele, sua literatura comporta uma tentativa de compreensão do país, uma avaliação política da nossa contemporaneidade. Não é por acaso que Domingos sem Deus se encerra em 31 de dezembro de 2002 numa corrida de São Silvestre. “Naquele dia estávamos todos correndo na mesma direção, para o mesmo futuro. Aquilo era o prenúncio de uma nova era”, finaliza.

TEXTO micheliny verunschk FOTO chema llanos

Siga o blog do escritor em: <http://blogdoluizruffato.blogspot.com>.

Obra que se desdobra O mineiro Luiz Ruffato revela os labirintos da criação do romance Inferno Provisório

O autor faz tentativa de compreender o país em pentalogia iniciada em 1996

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TEXTO roberta dezan

Ao pensar em dedicatórias, a memória traz à tona a expressão poética que evoca pessoas e situações corriqueiras e agrega valores especiais a objetos. Construções discursivas lavradas pela criatividade e pelo sentimento dirigidas a pa-rentes, a amigos, próximos ou distantes, e até desconhecidos, por afinidade ou gentileza, potencializam artisticamente a comunicação cotidiana.

As dedicatórias impressas tornaram-se comuns no Brasil oitocentista por motivos distintos. Numa época em que ser escritor era um desafio, o oferecimento público de lealdade e submissão por meio dos livros abria a possibilidade de inclusão na sociedade da corte. “A abertura da Impressão Régia contribuiu para o despertar da vida cultural e, nesse ambiente, a neces-sidade de conquistar as boas graças do soberano para obter prestígio fez com que as primeiras publicações já contassem com dedicatórias”, revela Ana Carolina Delmas, mestra em história política pela Uerj.

O poeta Carlos Drummond de Andrade tinha o hábito de anotar as dedicatórias antes de enviá-las. Os três cadernos con-servados pela Fundação Casa de Ruy Barbosa, no Rio de Janeiro, deram origem ao livro Versos de Circunstância (Instituto Moreira Salles, 2011). O título, escolhido pelo próprio autor, pode ser encarado como um gênero poético, “um reservatório de textos que reverenciam a amizade e que exploram as possibilidades semânticas e estilísticas das palavras, a serviço de ma-nifestações de afeto, de agradecimento ou admiração”, analisa o professor de literatura brasileira Marcos Antonio de Moraes na apresentação do livro.

A publicação traz todos os poemas em fac-símile, onde é possível acompanhar textos movidos pelo momento. Repletos de intimidade, jogos onomásticos e experimentações sonoras, os versos são testemunhos de relações. No primeiro caderno, Drummond anotou dedicatórias escritas em exemplares de Claro Enigma (1951), como a destinada à escritora Rachel de Queiroz: “ ’Cultiva o teu jardim’. Rachel o sabe,/mas, na Ilha Feliz, ela não deixa/de guardar em ternura quanto cabe/no coração, e ouvir a humana queixa”.

Outro escritor dedicado ao gênero foi Manuel Bandeira, autor de Mafuá do Malungo – Jogos Onomásticos e Outros Versos de Circunstância (O Livro Inconsútil, 1948). Em suas memórias, no texto “Itinerário de Pasárgada” (In: Poesia Completa e Prosa, 1967), Bandeira diz: “Fiz algumas tentativas de escrever poesia sem apoio nas circunstâncias. Todas malogradas. Sou poeta de circunstância e desabafos, pensei comigo”.

O artista, escritor e crítico Sérgio Milliet ao opinar sobre Mafuá do Malungo, como está registrado em Diário Crítico de Sérgio Milliet (1981), disse que os “versos de circunstância” permitem ao leitor se “familiarizar com os grandes, fazendo-nos entrar um pouco na sua vida de homens como os demais”; convencem-nos de que “o grande poeta Manuel Bandeira pode ser malungo (africanismo que significa ‘companheiro, camarada’) também, ama, ri, chora de verdade, tem amigos que a gente conhece, participa como nós mesmos das alegrias e tristezas dos companheiros, admira certos políticos, gosta de certas co-midas, vota nas eleições”.

Poética do encontroA exposição Percursos e Afetos – Fotografias, 1928/2011, do pesquisador, crítico e curador Rubens Fernandes Junior – em car-taz até 15 de janeiro na Pinacoteca do Estado de São Paulo – traz um conjunto de fotografias “construído a partir da profunda relação estabelecida entre os artistas e o pesquisador”, diz o curador de fotografia do museu, Diógenes Moura. São expostas 80 imagens recebidas de amigos fotógrafos – como Mario Cravo Neto e José Oiticica Filho – como presente ou moeda de troca por um trabalho. “É comum eu receber imagens pelos textos e críticas que faço sobre os trabalhos de fotógrafos e é gra-tificante quando chegam junto a palavras de agradecimento, afeto e amizade”, conta Fernandes.

Apesar de mais de 40% das imagens terem dedicatórias no verso e de o crítico considerá-las tão ou mais importantes que as próprias fotografias, não houve espaço para mostrá-las; apenas alguns textos e cartas foram dispostos em vitrines. “O ideal seria expô-las em uma parede de espelhos, mas o espaço era pouco para tanta história”, explica. Na fotografia é comum que os escritos sirvam também para situar o registro no tempo e no espaço, como uma extensão da memória. “Essas lembranças servem como referência de percursos e são fundamentais para o trabalho de pesquisadores. Com elas é possível aproximar os artistas, as suas relações e seus universos criativos”, acredita Fernandes.

Dedicatórias emprestam timbre afetivo às palavras e nos transportam ao universo particular de grandes criadores

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Jorge Guinle Filho, ou Jorginho Guinle, como o chamavam carinhosamente os amigos, respirava os primeiros anos de reconhecimento como de-senhista e pintor quando um de seus trabalhos, o óleo sobre tela Threshold, passou a ocupar uma das paredes da galeria paulistana Luisa Strina. A obra foi a mesma que naquele ano de 1985 o jo-vem economista João Carlos de Figueiredo Ferraz escolheu para ser uma das primeiras a adquirir, e – mesmo sem saber – a que definiria o rumo de uma paixão feroz: colecionar. “O Jorginho começava a aparecer naquela época e participava ainda de salões de arte quando a Luisa me apresentou o tra-balho dele. Foi uma das primeiras peças que tive e, depois, viria a comprar outras obras dele”, diz.

Hoje, mais de 25 anos depois, Threshold é um dos destaques em O Colecionador de Sonhos, exposição que inaugura o Instituto Figueiredo Ferraz, coloca a cidade de Ribeirão Preto (a 313 km da capital paulista) no circuito nacional das artes plásticas e concretiza um antigo desejo de Figueiredo Ferraz: tornar público o acesso a, se-não tudo, pelo menos parte de uma coleção que ultrapassa mil obras de arte.

n o v o t r a j e t o p a r a a s a r t e sInstituto Figueiredo Ferraz abre suas portas em Ribeirão Preto com potencial para fazer do interior paulista um rico polo cultural do país

“Não aguentava mais ver as obras encaixotadas; elas precisavam ser expostas. Então é um prazer imenso que estejam à mostra aqui”, diz o colecio-nador, com 60 anos, e filho do ex-prefeito de São Paulo, de 1971 a 1973, José Carlos de Figueiredo Ferraz (1918-1994).

Acervo de sonhosCom as portas abertas desde os primeiros dias de outubro, o instituto nasceu, na verdade, há aproximadamente dez anos na cabeça de Fi-gueiredo Ferraz. O primeiro passo foi buscar parcerias, que não se concretizaram, com ins-tituições e museus, visando emprestar a eles o vasto acervo que detinha. Depois, tentou nego-ciar auxílio, também sem sucesso, com a pre-feitura de Ribeirão Preto, cidade que escolheu para viver em 1982, quando nela fundou uma usina de açúcar. Tampouco recebeu apoio do governo de São Paulo. Diante dos planos fra-cassados, o colecionador assumiu, por conta própria, a criação do espaço.

“Tomei a decisão de fazer sozinho. A coleção merecia e eu precisava torná-la pública. Isso

que está aqui faz parte do patrimônio do país”, salienta ele, que há dois anos adquiriu um ter-reno de 2 mil metros quadrados e, com a es-posa, a arquiteta Dulce de Figueiredo Ferraz, desenhou as instalações. A concepção arqui-tetônica resultou em 2,5 mil metros quadrados de área construída, na qual estão distribuídas quatro salas para exposição – duas no primei-ro pavimento e duas no segundo –, reserva técnica, um auditório com capacidade para 60 pessoas, biblioteca, escritório, jardim e, ainda, um bar cujo funcionamento fica restrito apenas aos dias de eventos especiais. Para o diretor do instituto, Bibi Junqueira, “as expectativas são enormes, já que a instituição vem preencher uma lacuna não só na cidade, mas em toda a região e no interior do estado”.

Quando a construção estava na reta final e a im-ponente fachada branca já despontava na pai-sagem da cidade, ainda restava a definição das obras que comporiam a primeira exposição. A incumbência foi entregue por Figueiredo Ferraz ao velho amigo Agnaldo Farias, crítico de arte, professor da FAU/USP e curador da 29ª Bienal

TEXTO gustavo ranieri FOTOS maurício froldi/divulgação

Exterior do edifício do Instituto Figueiredo Ferraz: 2,5 mil metros quadrados de área construída

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n o v o t r a j e t o p a r a a s a r t e sInstituto Figueiredo Ferraz abre suas portas em Ribeirão Preto com potencial para fazer do interior paulista um rico polo cultural do país

de São Paulo. “Ao travar contato com o acervo preferi, em um primeiro momento, sublinhar os trabalhos mais consagrados, como forma de hon-rar os artistas e a coleção que o João vem fazen-do há tanto tempo”, destaca o curador. “Separei as obras por famílias e as deixei se expressar. Até porque quando os trabalhos são bons eles con-versam entre si, mesmo que apontem algo muito diferente”, completa.

Para o visitante, o primeiro impacto ao entrar no instituto, que conta ainda com consultoria da museóloga Cecília Machado, é o imenso tríptico de Dudi Maia Rosa, batizado de Pai, Filho e Es-pírito Santo — uma das obras que mais emocio-nam Figueiredo Ferraz. “Os três trabalhos são divididos em cores. No vermelho está escrito ‘abba’, que em hebraico significa pai. Vermelho é fogo, é o que cria, transforma, destrói e dá a vida novamente. No verde está escrito ‘filho’, é o que vegeta, se alastra e aos poucos, pela per-severança, vai tomando tudo. E no roxo está es-crito ‘espírito santo’, que representa o mistério”, conta o colecionador.

Mas a obra de Rosa é apenas uma das 154 exi-bidas em O Colecionador de Sonhos, dedicada inteiramente à arte contemporânea. É o caso de um óleo sobre lona, sem título, de Leonilson (1957-1993). “Quando comprei esse trabalho, ele estava comigo na galeria e sugeriu que eu

o escolhesse em meio a outros dele expostos. Nesse período [1984], o Leonilson estava cheio de energia; é uma obra alegre, colorida. Tenho saudade dessa época pensando nele”, relata Fi-gueiredo Ferraz, que ainda tem, entre tantos ou-tros, criações de Mira Schendel, Tatiana Blass, Luis Paulo Baravelli, José Roberto Aguilar, Vik Muniz e Rosângela Rennó.

Ponto alto da exposição, a parte dedicada à re-ligião surge para provocar o debate. Ocupam o espaço tanto a obra do artista plástico Vander-lei Lopes – uma catedral de cabeça para baixo, com água do mar em seu interior – quanto a de Caetano Dias: estátuas de Santa Bárbara de ce-râmica produzidas em tamanho real. Cada uma delas traz acoplado um pequeno gravador com depoimentos de ex-prostitutas moradoras de um abrigo em Salvador. Também atrai o olhar a fo-tografia Igreja de São Francisco da Penitência I, de Caio Reisewitz. “Essa foto, diferentemente do tradicional, não foi tirada da porta em direção ao altar, mas ao contrário. Então, o que você enxerga são os bancos da igreja. E, em minha opinião, se há alguma coisa sagrada, ela está naqueles ban-cos, na pessoa que tem fé, e não no altar, no meio do ouro”, opina o empresário.

olhAr AdiAnteParalelamente à exposição O Colecionador de Sonhos, planejada, inicialmente, para até abril de

2012, o Instituto Figueiredo Ferraz realiza men-salmente cursos e workshops de artes visuais, fotografia, literatura, arquitetura e design. Para dezembro estão programados os cursos Entre o Espaço e o Lugar, sobre a transformação dos espaços urbanos e o modo como os percebe-mos; Arte e Técnica no Processo Fotográfico; e Linguagem, uma abordagem do design como manifestação cultural. As atividades são em par-te realizadas no auditório. Completa os serviços oferecidos a Biblioteca José Carlos de Figueire-do Ferraz, com publicações dos artistas presen-tes no acervo da instituição.

Com relação às exposições, dois novos projetos já são idealizados. “Queremos fazer, no segundo semestre de 2012, uma bienal da imagem, exibin-do, por exemplo, fotografias, videoinstalações e eslaides show. E, para 2013, organizaremos um balanço do que foi produzido pelo famoso grupo da Casa 7 [casa-ateliê que nos anos 1980 era com-partilhada por Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Nuno Ramos, Paulo Monteiro e Rodrigo Andra-de]”, destaca o curador Agnaldo Farias.

Se depender de João Carlos de Figueiredo Fer-raz, os planos não param por aí: “A ideia é que o instituto se torne não apenas um polo de arte, mas que faça com que Ribeirão Preto receba grandes exposições itinerantes do eixo Rio–São Paulo. E temos estrutura para tanto”.

o espaço expositivo abriga parte das mais de mil obras do colecionador, com destaque para a arte contemporânea

Instituto Figueiredo Ferraz – Rua Maestro Ignácio Stabile, 200 – Alto da Boa Vista – Ribeirão Preto, São Paulo. Horário de funcionamento: terça a sexta, das 14h às 18h – entrada gratuita<institutofigueiredoferraz.com.br>.

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o espaço é dos bebês No Brasil e no exterior, eventos incentivam o contato dos recém-nascidos com a arte

Apagam-se as luzes de um cinema de São Paulo. As pessoas se aquietam. De repente, uma risada de bebê desencadeia outras tantas, seguidas de gritinhos estridentes e até choros. Indignação da plateia? Longe disso. Os bebês engatinham pelo cinema, enquanto os pais interagem com eles e assistem ao filme. Esse é o cenário das sessões do CineMaterna, uma das iniciativas pioneiras em programação cultural voltada para famílias com bebês e crianças pequenas, criada em 2008 e realizada em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Salvador, Campinas e Santo André.

Noutro canto da cidade, a tarde cai ao som do bom e velho samba. Os artis-tas são rodeados por bebês que, dançantes, vez por outra invadem o palco: é assim o Sambebê, que desde 2010 junta pais e filhos em eventos que es-timulam a musicalização e a apreciação artística dos pequenos, não só na capital paulista, mas também no Rio de Janeiro.

Numa oficina de música para bebês realizada no Itaú Cultural, em São Paulo, em outubro de 2011, a musicalização foi conduzida com leveza e criatividade. Incentivadas pela musicista Luciana Feres Nagumo, os bebês brincaram música, sentindo no corpo, como forma de carinho, as canções que traduziam o mundo ao redor. Para Paulo Bira, músico e compositor, “a música envolve e o som não tem barreiras. As crianças não têm preconcei-tos: elas ouvem por inteiro”. Mais um motivo para apresentar essa arte aos bebês desde cedo, então.

Música clássica, cinEMa E ioGaÉ justamente o que pensa Tarsila Zagorski, 33 anos, mãe de Iara, de 2, e Jo-aquim, de 5 meses, e não só no tocante à música: “Iara passeia com a gente desde os 3 meses. Shows, cinema, teatro: tudo que for interessante para nós e estimulante e confortável para ela é boa pedida. Joaquim já ia ao cinema com 1 mês e meio”. A declaração de Tarsila reflete uma tendência: insti-tuições culturais, no Brasil e no exterior, cada vez mais dedicam parte de sua programação aos bebês, promovendo ações que estimulam o convívio familiar e a fruição artística.

Em Bolonha (Itália), a Biblioteca Salaborsa ganhou, em 2008, um espaço para bebês, nascido da percepção da importância da literatura no desenvol-vimento cognitivo. É algo que Isabel Minhós, da editora portuguesa Planeta Tangerina, vive diariamente: ela idealiza eventos que incentivam a leitura para bebês e crianças. Neles percebe, fascinada, como livros “acendem lu-zes em salas do cérebro que nem sempre frequentamos”.

Em terras brasileiras, é crescente o número de programações culturais voltadas para bebês e pais dos mais variados gostos. Em setembro de 2011, o Sesc SP e o Duo Baby Arts realizaram concertos de música clás-sica para os pequenos, apresentando Brahms e Debussy de maneira leve e lúdica; o Festival Internacional de Cinema Infantil (Fici) já está em sua 9ª edição, levando filmes de 20 países para crianças de 10 cidades brasileiras. Os bebês podem até, quem diria, participar de aulas de ioga especialmente planejadas para eles, no Gama (Grupo de Apoio à Mater-nidade Ativa), em São Paulo.

Em meio a tantas opções, em agosto de 2011 o Centro Cultural São Paulo colocou a arte feita para crianças pequenas em debate no programa Con-versas Poéticas entre Arte e Bebês. “O saldo foi positivo: houve muitas pessoas interessadas”, conta Elenira Peixoto, atriz da Cia. Zin e organiza-dora do evento. “Quem acompanhou pôde tecer muitas relações da arte para a primeira infância com o mundo em que vivemos.” Não é para me-nos. O ponto central, sobre o qual muito se refletiu, foi: como apresentar arte aos pequenos?

Anna Marie Holm, arte-educadora dinamarquesa e autora dos livros Fazer e Pensar Arte (Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2005) e Baby-Art: Os Primeiros Passos com a Arte (Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2007), lança luz sobre a questão: “É importante que os pais lembrem que a vida artística de suas pequenas crianças está presente em todos os momentos. Perceber isso é fundamental, além de ser lindo”.

Que sorte têm os bebês desta geração, em que artistas e instituições cul-turais se unem para realizar eventos que promovam o encontro com arte e cultura desde cedo. É o caso da companhia teatral Sobrevento, cujos partici-pantes acreditam “na capacidade poética inata do ser humano e no direito à cultura e ao convívio social em qualquer idade”.

Esses bebês serão adultos mais humanizados e sem tantos preconceitos, que sempre vivenciaram arte junto de seus pais. Serão capazes de perceber, como acena Anna Marie, que “a arte nunca começa e nunca termina, está por perto o tempo todo. É só uma questão de se abrir e conseguir enxergá-la”.

TEXTO malu rangel ILUSTRAÇÃO marcio levyman

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ExposiçõEs

Através: Mira schendelDesenhista, pintora e escultora, Mira Schendel (1919-1988), suíça que viveu no Brasil por 40 anos, é uma das prin-cipais artistas visuais da segunda metade do século XX no país. Sua produção divide-se entre monotipias, objetos e desenhos (como o sem título da foto à direita). A escrita é o elemento que une todas as formas experimentadas por Mira. A artista ganha mostra individual no projeto Arte à Primeira Vista, da Caixa Cultural, em São Paulo. Pen-sada para dialogar com o público infantojuvenil, Através: Mira Schendel aborda a importância do gesto da criação artística e da linguagem escrita na arte.

Até 28 de fevereiro, na Caixa Cultural São Paulo – Praça da Sé, 111, fone 11 3121 4400. Mais informações em <caixacultural.com.br>.

Retrospectiva Jac LeirnerRepresentante da Geração 80, a paulistana Jac leirner tem sua produção artística revisitada após 30 anos. Com curadoria de Moacir dos Anjos, a mostra traz 60 trabalhos, entre esculturas, objetos, instala-ções e aquarelas. Hip Hop, fitas adesivas coloridas aplicadas em parede, de 1998, foi recriado especial-mente para a ocasião. As obras de Jac aludem ao colecionismo por meio do acúmulo de objetos que so-frem intervenções diversas com a finalidade de apresentar a leitura crítica e irônica da artista sobre os hábitos do cotidiano e do consumo. Notas de dinheiro, selos, embalagens de cigarro, sacolas plásticas e cartões de visita compõem trabalhos que estabelecem uma reflexão sobre cor e forma. Jac foi artista residente no Walker Art Center, em Minneapolis, Estados Unidos, e artista convidada do Museu de Arte Moderna de Oxford, no Reino Unido, e da Real Academia de Belas Artes, em Amsterdã.

Até 26 de fevereiro, na Estação Pinacoteca – largo General Osório, 66, fone 11 3335 4990. Mais informações em <pinacoteca.org.br>.

panometers de Leipzig e BerlimO arquiteto e artista Yadegar Asisi e sua organização Asisi Visual Culture, de Berlim, criam obras de arte públicas formadas por imagens enormes de 360 graus, expos-tas nos Panometers − mistura de “panorama” e “gasometer”, pois os espaços cultu-rais funcionaram anteriormente como gasômetros. O da cidade de leipzig traz como tema a Amazônia. Da plataforma de 6 metros de altura, no centro, a imagem circular da floresta exuberante, de 100 metros de comprimento por 30 de altura, é contem-plada pelo observador como se ele estivesse no interior de uma clareira. O dia e a noite, criados por efeitos de luz, e os sons da mata e da música especialmente com-posta convidam a viajar pela exposição paralela com vídeos e instalações interativas, como a anamorfose da seção Flores, na qual uma flor tropical é vista da perspectiva de um inseto. A exposição tem curadoria científica de professores alemães e brasilei-ros. Para quem está em Berlim, o Panometer é uma rotunda temporária construída no átrio do museu Pergamon, com um gigantesco panorama da cidade grega de Pérga-mo [atual Bergama, na Turquia].

Panometer Amazônia, em leipzig, até 1º de janeiro de 2012; Panometer Pérgamo, no Pergamon Berlim, até 30 de setembro de 2012. Visitas guiadas em inglês e francês com agendamento prévio. Saiba mais em <asisi.de/en/Panometer/_start_/index.html>.

(por Flávia Bancher)

A foRçA das referênciasTEMPORADA TRAz EXPOSiçõES DE DUAS iMPORTANTES ARTiSTAS ViSUAiS BRASilEiRAS; ENTREViSTA MOSTRA O MOMENTO DE ANDRéA

DEl FUEGO, GANhADORA DO PRêMiO SARAMAGO DE liTERATURA; liVRO REVElA O ChARME (NEM SEMPRE DiSCRETO) DE PERSONAliDA-

DES DO MUNDO; E, ENCERRANDO O TEMA ARTE PúBliCA, ENFOqUE DESTA EDiçãO, PROJETO EXiBE iMAGENS PANORâMiCAS DA AMAzôNiA.

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Jac leirner, Numbers, 2005

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foToGRAfiAGlamour, de Diana Vreeland, tradução Cláudio Marcondes, prefácio Marc Jacobs (Cosac Naify, 2011)Mais de 30 anos após Jackie Kennedy Onassis lançar Glamour, livro da lendária editora de moda Diana Vreeland (1903-1989), é a vez de o próprio Charles Cosac, sócio fundador da Cosac Naify, colocar no mercado a primeira edição brasileira. Com prefácio assinado pelo estilista Marc Jacobs, o livro mostra a concepção de glamour de Diane Vreeland. Registros produzidos por fotógrafos de renome como Man Ray, Elliott Erwitt e Sir Cecil Beaton – selecionados por serem os preferidos da jornalista – revelam face-tas inusitadas de personalidades como Audrey hepburn, Maria Callas, Eva Perón, Mick Jagger, Gertrude Stein, Charles de Gaulle e Marilyn Monroe, salpicados por comentários sucintos e incisivos. Diana Vree-land trabalhou na Harper’s Bazaar por 26 anos e na revista Vogue entre 1963 e 1971.

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Dona de estilo conciso, a escritora paulistana Andréa del Fue-go ganhou o Prêmio José Saramago de literatura, um dos mais prestigiados em língua portuguesa, em outubro passado por Os Malaquias (língua Geral, 2010). Em seu primeiro romance (an-tes, publicou três livros de contos), ela narra a trágica história dos bisavós, eletrocutados por um raio. Na obra, Andrea retoma elementos do realismo fantástico e revela um processo de es-crita acurado e inventivo. Nesta entrevista, ela fala de sua experi-ência como escritora e dos caminhos abertos com a premiação.

Você estreou na literatura como contista. Como foi a passagem para o romance?Não sei se foi um caminho natural. Como levei sete anos para terminar Os Ma-laquias, esse convívio é, no mínimo, uma experiência maior. Nunca fiquei mais do que alguns meses com um conto. Armar acampamento dentro de um proje-to, ficar nele ainda que faltem paciência e lanterna exige muito mais. Gostei des-se camping e pretendo investir tempo e trabalho em romances. Mas manterei os contos por encomenda, para as antologias, que são igualmente importantes.

Os Malaquias é uma história familiar que você tornou ficção. Como se deu essa escrita?A escrita de Os Malaquias me ensinou a lidar com um livro problemático. O realismo fantástico presente não foi escolha estética, mas um mecanismo de afastamento da própria família retratada. Eu não poderia olhar por tantos anos uma fotografia real, mas, sim, fugir dela. Borrar a imagem, distorcer, abusar das metáforas que camuflam a coisa em si. A escrita se deu com abandono e grande desejo ao mesmo tempo.

Como você recebeu a notícia da premiação?Com susto e uma alegria absurda. Cheguei a sentir uma queimação no pei-to. É imenso o que isso representa na esfera íntima, na qual se dá a escrita mesmo. Confirma que a teimosia é uma joia preciosa.

Qual é a importância desse reconhecimento para o cenário literá-rio nacional?Faz sentido para o mercado, para a livraria, para a editora e para o autor, que consegue certa projeção e ter alguma segurança para publicar os próximos livros. Mas é inegável o desgaste emocional envolvido. O prêmio traz visibi-lidade momentânea, não garante a qualidade do próximo livro e até mesmo pode ser injusto, dado a trabalhos menos significativos. O Prêmio José Sara-mago foi concedido apenas a duas mulheres, por acaso, brasileiras [a outra foi Adriana Lisboa]. Acho que isso pode ser visto como um sintoma de que há muitas mulheres na estrada, o que ainda não foi computado no próprio país, já que são poucas as laureadas nos concursos nacionais.

Seu trabalho é conhecido em Portugal? Não. Sou desconhecida aqui e lá. Por causa do prêmio, o romance será publica-do em Portugal e há uma expectativa com esse fato. Vê-lo atravessar o Atlân-tico é outro estímulo para escrever e para que essa travessia não cesse jamais.

(por Micheliny Verunschk)

Escrita vigOrOsa

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A escritora Andréa del Fuego

foto: André de Toledo Sader/divulgação

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