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PONDERAÇÕES ACERCA DO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS Revista Direito e Liberdade - ESMARN - v. 13, n. 1, p. 157 – 172 – jan/jun 2011. 157 ISSN Impresso 1809-3280 | ISSN Eletrônico 2177-1758 www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas PONDERAÇÕES ACERCA DO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS REFLECTIONS ON THE JUDICIAL CONTROL OF PUBLIC POLICIES Rafael da Cunha Pimenta RESUMO: A implacável evolução dos sistemas jurídicos já não é capaz de tolerar a manu- tenção de posicionamentos doutrinários cuja exacerbada rigidez impossibilite a concreti- zação de direitos fundamentais previstos constitucionalmente. Diante de tal circunstância, o presente trabalho objetiva, a partir de uma análise doutrinária e jurisprudencial, ratificar a necessidade de uma revisão no sistema de tripartição dos poderes estatais, de modo a legitimar a atuação comissiva do Poder Judiciário na promoção e no controle jurisdicional de políticas públicas. Para tanto, enfatiza-se o caráter político atribuído, hodiernamente, aos magistrados e ressalta-se a aplicação casuística de toda a temática ora proposta às ações coletivas, em face da importância social que lhes é inerente e em virtude dos benefícios que podem advir da plena aplicabilidade do modelo apresentado a seu objeto material. Palavras-chave: Tripartição dos poderes. Controle jurisdicional. Políticas públicas. ABSTRACT: e relentless evolution of the judicial systems is no longer able to endure the existence of rigid doctrinaire positions that make the maintenance of fundamental constitutional rights impossible. Under such circumstances, this paper aims at presenting an argument in favour of a revision in the tripartite system of the state power. It does so through both doctrinaire and jurisprudence analysis that support an active position of the Judicial power in the promotion and judicial control of public policies. e emphasis, the- refore, relies on the political attributes contemporarily given to magistrates and highlights the casuistry application of all issues proposed in collective cases. e abovementioned cases were selected based in their inherent social importance and benefits that may arise from the full applicability of the model presented here. Keywords: Tripartite Division of Powers. Judicial Control. Public Policies. Acadêmico do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Servidor Público Federal. Natal – Rio Grande do Norte – Brasil.

351-1378-2-PB

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    JURISDICIONAL DE POLTICAS PBLICAS

    Revista Direito e Liberdade - ESMARN - v. 13, n. 1, p. 157 172 jan/jun 2011. 157

    ISSN Impresso 1809-3280 | ISSN Eletrnico 2177-1758www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas

    PONDERAES ACERCA DO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLTICAS PBLICAS

    REFLECTIONS ON THE JUDICIAL CONTROL OF PUBLIC POLICIES

    Rafael da Cunha Pimenta

    RESUMO: A implacvel evoluo dos sistemas jurdicos j no capaz de tolerar a manu-teno de posicionamentos doutrinrios cuja exacerbada rigidez impossibilite a concreti-zao de direitos fundamentais previstos constitucionalmente. Diante de tal circunstncia, o presente trabalho objetiva, a partir de uma anlise doutrinria e jurisprudencial, rati car a necessidade de uma reviso no sistema de tripartio dos poderes estatais, de modo a legitimar a atuao comissiva do Poder Judicirio na promoo e no controle jurisdicional de polticas pblicas. Para tanto, enfatiza-se o carter poltico atribudo, hodiernamente, aos magistrados e ressalta-se a aplicao casustica de toda a temtica ora proposta s aes coletivas, em face da importncia social que lhes inerente e em virtude dos benefcios que podem advir da plena aplicabilidade do modelo apresentado a seu objeto material.Palavras-chave: Tripartio dos poderes. Controle jurisdicional. Polticas pblicas.

    ABSTRACT: Th e relentless evolution of the judicial systems is no longer able to endure the existence of rigid doctrinaire positions that make the maintenance of fundamental constitutional rights impossible. Under such circumstances, this paper aims at presenting an argument in favour of a revision in the tripartite system of the state power. It does so through both doctrinaire and jurisprudence analysis that support an active position of the Judicial power in the promotion and judicial control of public policies. Th e emphasis, the-refore, relies on the political attributes contemporarily given to magistrates and highlights the casuistry application of all issues proposed in collective cases. Th e abovementioned cases were selected based in their inherent social importance and bene ts that may arise from the full applicability of the model presented here.Keywords: Tripartite Division of Powers. Judicial Control. Public Policies.

    Acadmico do Curso de Graduao em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN. Servidor Pblico Federal. Natal Rio Grande do Norte Brasil.

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    1 INTRODUO

    Logo nos primeiros contatos do operador da cincia jurdica com seu objeto de trabalho apreende-se a concepo de que o Direito um instrumento de tutela dos interesses da coletividade, por meio do qual se busca um estado de paci cao social, fato que consubstancia seu m pre-cpuo. Essa situao ideal de plena harmonia entre os indivduos situa-se, no entanto, inegavelmente, no que se convencionou denominar mundo do dever-ser, uma vez que diante das particularidades inerentes a cada pessoa nunca se observou - e nem se observar - um patamar de relaes sociais irrepreensveis, no qual cada ser aja estritamente dentro de sua esfera de liberdade pessoal, de modo a no se imiscuir na individualidade do outro.

    Desde tempos imemoriais, antigos pensadores1 j preconizavam que o homem um ser social, e em face dessa impossibilidade de sobreviver sozinho, no h como imaginar que todas as relaes cotidianas possam ser dotadas de plena convergncia de interesses. Veja-se que as interaes so-ciais so interpessoais e que seus sujeitos, muitas vezes, possuem aspiraes, conceitos e padres comportamentais totalmente distintos uns dos outros, fato que culmina em uma total incompatibilidade de nalidades e suscita o con ito. , pois, esse con ito que o Direito se presta a regular.

    inegvel, tambm, que para assegurar e cazmente a tutela dos in-teresses da sociedade, o Direito necessita acompanhar as modi caes veri- cadas em sua dinmica.

    Com relao a essa questo, imperioso, ainda, observar que a ve-locidade com que acontecem as modi caes na dinmica da sociedade em muito superior a do desenvolvimento jurdico, restando evidente, desse modo, a necessidade de o Estado se munir de instrumentos que possibi-litem essa atualizao, sob pena de negar efetividade plena defesa dos interesses da coletividade almejada pelo Direito.

    Nas seguintes linhas, sero apresentados alguns importantes meca-nismos de atuao comissiva que tm sido adotados pelo Poder Judicirio, com o escopo de melhor assegurar a tutela dos interesses coletivos submeti-dos a sua apreciao. E nesse sentido, importante perceber que a partici-1 Aristteles, em sua obra intitulada Poltica, concebia o homem como ser social, o qual s seria capaz de sobre-

    viver em comunho com indivduos semelhantes.

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    pao ativa do Judicirio nas polticas estatais tem, muitas vezes, possibilita-do a concretizao casustica de direitos fundamentais constitucionalmente consagrados no ordenamento jurdico ptrio.

    2 UMA REAVALIAO DA TRIPARTIO FUNCIONAL DOS PODERES

    No incio da organizao do Estado moderno vigorava o modelo ab-solutista de acordo com o qual determinado ente o prncipe detinha plena soberania para o desempenho das atividades governamentais, sendo o encarregado de todas as funes estatais. Ele era responsvel por administrar o Estado, editar as normas regulamentadoras das relaes interpessoais e apli-car ao caso concreto cada uma delas, na medida de suas convices pessoais. Havia um exacerbado grau de liberdade para a atuao do soberano, de modo que ele nem mesmo se vinculava s normas editadas. No existia, sequer, um sistema de controle desses atos tal como o que se conhece, hodiernamente.

    Alm disso, tinha-se um Estado extremamente interventor, que no conferia qualquer espcie de liberdades pessoais aos indivduos, tentando manter todo o funcionamento estatal e as relaes pessoais sob o manto de um poder soberano.

    O contnuo desenvolvimento da sociedade, entretanto, no foi ca-paz de tolerar a manuteno de tal sistemtica estatal. Surge, ento, nesse contexto, o Estado de Direito, inaugurando um modelo no qual o poder do prncipe2 deveria, tambm, ser objeto de regulao pelo prprio sistema vigente, no comportando mais todo e qualquer tipo de arbitrariedade, de modo a assegurar o mnimo de liberdades negativas3 aos indivduos, frente soberania do Estado.

    Imperioso ressaltar, nesse ponto, a importncia do modelo de tripar-tio dos poderes estatais preconizado por Montesquieu4, o qual se pautava em um pressuposto baseado em uma ideia de dividir para melhor organizar. Estabelecendo trs funes estatais bsicas a administrativa; a legislativa e

    2 Tal terminologia deve ser aqui entendida sob uma perspectiva ampliativa, de modo a se conformar s particularida-des de todo e qualquer Estado que, porventura, no tenha empregado essa exata denominao a seus soberanos.

    3 Denominao utilizada na teoria dos quatro status proposta por Jellinek.4 Alm de Montesquieu, em sua obra O Esprito das Leis, Aristteles (em obra j mencionada denominada Pol-

    tica) tambm tratava da diviso dos poderes estatais como forma de melhor organizar as funes do Estado.

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    a jurisdicional o autor procurava um modo de otimizar a atuao do ente pblico, por intermdio de uma estruturao organizada de funes distin-tas e de extrema importncia para o pleno funcionamento estatal.

    Cada faceta do Estado seria, ento, responsvel por determinada atri-buio, gozando de considervel margem de autonomia para o desempe-nho de tal mister.

    Por se coadunar perfeitamente com as necessidades estatais, pode-se dizer que tal modelo deteve plena aceitao, sendo, at hoje, o fundamento basilar de quase todos os Estados contemporneos, evidentemente, tendo sofrido inme-ras adaptaes em face da dinmica que permeia a sistemtica da sociedade.

    A vigente Constituio da Repblica Federativa do Brasil (CRFB), em seu art. 2, apresenta como poderes independentes e harmnicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judicirio.

    Cada um desses trs poderes estatais possui uma atribuio espec ca que consubstancia sua funo tpica. Nesses termos, cabe ao Poder Executivo a admi-nistrao do Estado; ao Poder Legislativo a edio de atos normativos que regula-mentem a atuao do Estado e dos particulares; e ao Poder Judicirio a aplicao das leis editadas pelo legislador aos casos concretos submetidos sua apreciao.

    Importante referenciar, todavia, que essas no so as nicas funes desempenhadas por cada um dos poderes estatais. Aliadas s atribuies referidas, existem as chamadas funes atpicas tambm por eles desempe-nhadas. Trata-se de situaes nas quais, por exemplo, o Poder Judicirio autorizado a editar determinadas normas que regulamentem a estrutura e funcionamento interno de tribunais5, alm de ter o poder de administrar questes atinentes a seu quadro de pessoal6 (aproximando-se das funes legislativa e administrativa, respectivamente). Tambm expressam situaes similares os casos em que ao Poder Legislativo dada a competncia para julgar crimes de responsabilidade7 (denotando atribuio agrantemente jurisdicional) e a possibilidade de o Presidente da Repblica (chefe do Po-der Executivo) editar Medidas Provisrias8, com fora de lei lato sensu con gurando atribuio veementemente legiferante.

    5 Art. 96, I, a, CRFB.6 Art. 96, I, f, CRFB.7 Art. 86, CRFB.8 Art. 62, CRFB.

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    Urge ressaltar que a prpria Constituio da Repblica que autoriza tais posicionamentos aparentemente excepcionais, no havendo como se falar em qualquer eventual interferncia indevida de um poder sobre outro.

    Alm disso, a evoluo dos sistemas jurdicos j no permite a con-cepo de uma diviso absoluta entre os poderes que compem o Estado. H que se entender que o ente pblico uno e, portanto, seu poder tam-bm o . A tripartio tem como nalidade precpua uma melhor organiza-o das atividades desenvolvidas, no podendo, desse modo, constituir um bice plena scalizao dos deveres dos agentes pblicos.

    Admitir a possibilidade de poderes totalmente independentes e des-considerar a harmonia prevista constitucionalmente permitir o retorno ide-olgico ao sistema vigente no Estado Absolutista, j que nem mesmo seria possvel o controle judicial dos atos administrativos. Veja-se que os critrios de razoabilidade e proporcionalidade so os mais indicados para o deslinde de tais questes, uma vez que o extremismo mostra-se signi cativamente nocivo para ambas as concepes. Perceba-se que a adoo de posicionamentos dia-metralmente opostos impediria tanto a determinao de atitudes comissivas, quanto a prpria regulao negativa por parte do Judicirio.

    Ora, sabe-se de maneira incontroversa que nenhum legislador capaz de antever todas as situaes possveis a serem alcanadas pela norma que editou. Em face disso, dota a norma de signi cativo carter geral e abstrato, de modo a alcanar o maior nmero de casos possveis a serem regidos pelo dispositivo proposto.

    O constituinte, ento, alm de estabelecer expressamente certas cir-cunstncias em que os poderes exerceriam funes atpicas, determinou que eles atuassem de forma independente e harmnica.

    Pautando-se em um modelo interpretativo sistemtico, tem-se, alm de todo o exposto, a existncia de um permissivo constitucional que possibilita a adoo de um mecanismo de freios e contrapesos9 entre os poderes estatais, capaz de conferir uma autorregulao do sistema pelo prprio sistema.

    Tem-se, ento, como inconcebvel a persistncia, veri cada ainda hoje, de decises judiciais fundadas simplesmente na independncia dos

    9 O STF, no julgamento, da ADI 3046/SP, de relatoria do Min. Seplveda Pertence, j manifestou entendi-mento no sentido de que vige, no ordenamento ptrio, o sistema de limitao recproca dos poderes pautado no modelo proposto de freios e contrapesos (checks and balances).

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    poderes, revelando um contedo eminentemente poltico e no jurdico.Diante de tais constataes, resta patente a inegvel importncia da

    atuao do Poder Judicirio nesse modelo, uma vez que ele o responsvel pela aplicao casustica da norma ao caso concreto.

    Como decorrncia silogstica dessa concepo, o magistrado como rgo jurisdicional tambm possui participao extremamente relevante em todo esse processo, visto que por intermdio de sua atuao que o objeto da funo judicante se concretiza.

    3 ATUAO POLTICA DO MAGISTRADO

    Hodiernamente, a funo atribuda aos juzes no se limita mera subsuno do fato norma, como outrora se concebia. O magistrado, in-vestido da funo estatal de aplicar casuisticamente o Direito, rotineira-mente levado a julgar litgios dos quais nunca decorrem interesses absolutos ou incontestveis. Tratam-se dos chamados hard cases, caracterizados por situaes de con itos entre direitos efetivamente relevantes suscitados por ambos os polos envolvidos no processo10.

    Sabe-se que excetuados os casos de impossibilidade legalmente reco-nhecida de se proceder ao julgamento11, no conferida ao magistrado a prer-rogativa de negar a prestao jurisdicional pleiteada pelas partes, mediante a alegao de razes infundadas, sob pena de violar as garantias constitucionais de inafastabilidade da apreciao do Judicirio e do acesso justia, previstas no art. 5, XXXV e LXXIV da Constituio da Repblica. O art. 12612 do CPC tambm trata expressamente acerca dessa impossibilidade, conforman-do assim, satisfatoriamente, o sistema ptrio Teoria da Plenitude do Orde-

    10 Nesse ponto merecem destaque as aes coletivas em face de seus objetos socialmente relevantes e da impor-tncia prtica das questes postas em discusso, uma vez que a resoluo do con ito suscitado pode repercu-tir para alm de limites pessoais ou geogr cos, possibilitando o gozo de benefcios obtidos por intermdio de determinao judicial a indivduos que inicialmente nem participaram ativamente do processo, mas cujos interesses foram plenamente defendidos por entes legitimados para o exerccio de tal atribuio.

    11 O vigente Cdigo de Processo Civil, por exemplo, estabelece em seu art. 134 e seguintes, causas de impe-dimento e suspeio que impossibilitam o exerccio das funes jurisdicionais pelos magistrados diante de determinadas circunstncias.

    12 O juiz no se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe- aplicar as normas legais; no as havendo, recorrer analogia, aos costumes e aos princpios gerais de direito. (art. 126, CPC).

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    namento Jurdico preconizada pelo professor Norberto Bobbio13.Ora, se o juiz no pode se escusar de decidir acerca de um litgio

    submetido sua apreciao deve, necessariamente, angariar subsdios, so-bretudo de cunho hermenutico, para solucionar fundamentada e satisfa-toriamente o caso concreto14. nesse ponto que reside o cerne do papel poltico desempenhado pelo magistrado.

    Ao se deparar com uma situao de confronto entre interesses se-melhantemente relevantes cabe ao magistrado buscar no sistema vigente fundamentos que respaldem sua deciso, sejam eles compostos de elemen-tos normativos ou axiolgicos, desde que suportados pelo ordenamento jurdico e em conformidade com ele.

    Para formar seu convencimento acerca da matria posta em discus-so, o magistrado ter que determinar qual dos interesses em questo deve, no caso concreto, prevalecer sobre os demais. Isso no signi ca, contudo, que seu posicionamento ser manifestado sempre nesse sentido. A anlise to somente casustica, levando em considerao os elementos presentes no caso concreto.

    , portanto, perfeitamente possvel que em um processo posterior, en-volvendo interesses de mesma natureza, o juiz prolator da deciso manifeste-se exatamente em sentido contrrio ao que havia anteriormente determinado, desde que fundamente satisfatria e adequadamente sua proclamao.

    Pode-se veri car, diante de tais circunstncias, que em determinadas situaes o magistrado passa a contar com uma maior gama de critrios subjetivos para proferir suas decises15. Ele deve, no entanto, avaliar cada caso a partir de parmetros concretos que possuam respaldo no ordena-mento jurdico, mas que, sobretudo, tenham plena a nidade com os an-seios da populao e considerem, sobremaneira, a realidade social na qual esto inseridos, de modo a conferir a almejada e ccia de sua deciso.13 Sobre o tema, imprescindvel conferir as elucidativas consideraes do professor Norberto Bobbio, em sua

    obra Teoria do Ordenamento Jurdico. 6. ed. Braslia: Editora UnB, 1995.14 Veja-se que tais situaes, de modo nenhum, autorizam o magistrado a decidir sem a necessria fundamentao

    exigida pelo art. 93, IX, da Constituio de Repblica, mesmo porque tal determinao constitucional visa asse-gurar o devido processo legal, garantindo s partes respaldo material para o exerccio do contraditrio, da ampla defesa e da possibilidade de reviso das decises judiciais mediante o recurso ao duplo grau de jurisdio.

    15 Ao estipular qual interesse deve prevalecer no caso concreto, resta evidenciado o vis poltico da atuao do ente judicante, aliado a sua funo criadora, j h muito reconhecida na doutrina jurdica. Nesse sentido, veja-se KELSEN, Hans. Jurisdio Constitucional. So Paulo: Martins Fontes, 2003.

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    Com o escopo de melhor instrumentalizar esse modelo, a doutrina16 prope a observncia de certos mtodos hermenuticos para permitir a adequa-da concretizao desse vis poltico das atribuies dos magistrados, dentre os quais merecem destaque a ponderao e o princpio da proporcionalidade.

    No que tange ponderao, imperioso ressaltar sua relevncia na determinao prtica de qual interesse deve prevalecer no caso concreto. Veja-se que se trata de um mecanismo por intermdio do qual o julgador ir sopesar cada um dos interesses suscitados e de nir qual , casuisticamen-te, o mais importante.

    Perceba-se, por exemplo, que diante de situaes nas quais estejam em jogo direitos de hierarquia constitucional, tais como direitos funda-mentais, no h como solucionar a demanda empregando simplesmente tcnicas processuais ou legais.

    Atualmente, impossvel a rmar, por exemplo, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225 da Constituio da Repblica, deve sempre sobressair garantia do desenvolvimento nacio-nal, rmada constitucionalmente como objetivo fundamental da Repblica (art. 3, II, CR). Da mesma forma, nem sempre o direito sade tambm assegurado constitucionalmente (art. 196, CR) dever se sobrepor aos limites oramentrios aos quais se submete o Estado. Todos os direitos ora referenciados tm guarida na Lei Fundamental do ordenamento ptrio, no havendo, portanto, uma soluo pr-estabelecida para tais con itos.

    Neste ponto reside a importncia da ponderao. Somente com o adequado emprego deste artifcio hermenutico que o operador do Di-reito poder, pautando-se numa interpretao sistemtica da Constituio e respeitando os princpios fundamentais dela decorrentes, aferir qual inte-resse deve ser tutelado.

    H que se observar, todavia, a necessidade da razoabilidade e propor-cionalidade dessas decises, uma vez que a tomada de posio em um de-terminado sentido importa, necessariamente, em uma leso a outro direito tambm resguardado pela Constituio. O limite imposto pela manifestao jurisdicional contrria deve, ento, ser suportvel pelo seu titular sob pena de violar, do mesmo modo, um direito constitucionalmente assegurado.

    16 Por todos: BARROSO, Lus Roberto. Interpretao e aplicao da Constituio. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1999.

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    Mais uma vez impende despertar a ateno para a aplicao dessa realidade s demandas coletivas. Em face de sua relevncia social, o resultado delas decorrente assume contornos bem mais visveis perante toda a coletividade, determinando tambm uma maior efetividade das medidas implementadas judicialmente. Portanto, ao mesmo tempo em que uma deciso acertada poder bene ciar inmeros indivduos; uma manifestao judicial inapropriada pode desencadear consequncias so-ciais desastrosas.

    Ressalta-se, nesse ponto, ento, a importncia do princpio da proporcionalidade, o qual, simplificadamente, deve ser entendido como a busca do justo equilbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcanados.17

    Fazendo uso das sbias consideraes tecidas pelo professor Srgio Cruz Arenhart18, tem-se que:

    preciso sempre considerar a nalidade dos dispositivos le-gais em con ito (que tutelam bens jurdicos determinados); tais ns podem ser logrados por distintos meios, sendo sem-pre de se optar pelo meio mais adequado situao espec- ca. Na avaliao dessa adequao, entra tambm o critrio da exigibilidade, no sentido de que tal meio represente o me-nor sacrifcio possvel ao outro interesse, que ser subjugado. Por m, dever ser avaliada a proporcionalidade em sentido estrito, de forma a apresentar o resultado mais vantajoso, ou seja, aquele que obtm o melhor resultado em relao a um interesse, com o menor sacrifcio aos demais interesses envolvidos no con ito.

    Perceba-se a importante referncia feita anlise acerca da ratio dos dispositivos envolvidos e constate-se a inegvel necessidade da observncia da nalidade pretendida pela norma para a plena e adequada concretizao dos direitos e interesses fundamentais nela consubstanciados.

    17 GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle de polticas pblicas pelo Poder Judicirio. Revista de processo RePro, So Paulo, n. 164, a. 33, out. 2008.

    18 ARENHART, Srgio Cruz. As aes coletivas e o controle jurisdicional das polticas pblicas pelo Poder Judicirio. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n 777, 19 ago. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 2 jun. 2010.

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    4 CONCRETIZAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E EFETIVIDADE DAS POLTICAS PBLICAS

    Os direitos fundamentais possuem em seu cerne uma forte e inegvel acepo poltica. Sua atual previso no sistema jurdico ptrio fruto de calorosos embates, no apenas no mbito ideolgico, mas tambm, muitas vezes, fsicos19. Essa constatao, todavia, no deve ensejar a desconsidera-o da juridicidade inerente a tais direitos.

    A Constituio da Repblica, promulgada em 1988, inaugurou um Estado Democrtico de Direito fundado em importantes princpios, den-tre os quais merece destaque a dignidade da pessoa humana (art. 1, III, CR), podendo ser concebida, por exemplo, na importncia conferida s liberdades individuais face ao Estado e na necessidade de o ente pblico atuar em benefcio dos particulares, de modo a assegurar-lhes o gozo de seus direitos20.

    Em face de seu carter eminentemente analtico e apresentando-se internacionalmente como uma das mais ricas Leis Fundamentais institui-doras desses direitos e garantias fundamentais, a Constituio brasileira, em seu art. 5, estabelece uma gama de previses que possibilitam aos in-divduos a fruio de uma srie de prerrogativas frente ao Estado, podendo exigir tanto prestaes negativas quanto atuaes propriamente positivas do ente pblico.

    No h como se negar efetividade a tais previses normativas. O 1 do referido art. 5 declara, expressamente, a imediata aplicabilidade das normas garantidoras de direitos e garantias fundamentais, caracterizando tais dispositivos como possuindo e ccia plena21. Alm disso, buscando respaldo na teoria da pirmide normativa, proposta por Kelsen22, as dispo-sies de natureza constitucional devem prevalecer sobre todos os demais diplomas legais, servindo, inclusive, como fundamento de validade das de-

    19 Nesse sentido: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. So Paulo: RT, 2008.

    20 O Supremo Tribunal Federal, cumprido sua funo de guardio da Constituio, tem adotado posicio-namentos importantes fundados na dignidade da pessoa humana. Como exemplo dessa atuao, pode-se referenciar a edio da Smula Vinculante n 11, por parte do STF.

    21 SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. So Paulo: Malheiros, 2007.22 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. So Paulo: Martins Fontes, 1999.

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    mais normas integrantes do sistema.Ora, se a Constituio ocupa o pice da pirmide normativa, seus

    dispositivos possuem plena efetividade e seu contedo funciona como fun-damento de validade de todos os outros preceitos legais do sistema, o in-divduo tem total possibilidade de exigir do Estado a concretizao desses seus direitos e garantias fundamentais.

    inconcebvel, hodiernamente, considerar os dispositivos expressos no art. 5 da Constituio da Repblica como meras normas programti-cas. A programaticidade preconizada pela doutrina diz respeito a um dire-cionamento da atividade estatal por parte do poder constituinte. Trata-se uma poltica que o legislador gostaria de ver implementada pela atuao dos entes estatais.

    Ocorre, todavia, que j so passados mais de 20 (vinte) anos da pro-mulgao da vigente Constituio e algumas das polticas intentadas pelo constituinte ainda permanecem sem uma regulamentao apropriada, consti-tuindo-se patente omisso do Estado em seus deveres para com a sociedade.

    Veja-se que a inrcia executivo-legislativa no pode servir de funda-mento para a no concretizao das polticas preconizadas pela Constitui-o, no sendo possvel ao Estado furtar-se de assegurar interesses consti-tucionalmente resguardados, apoiando-se em uma omisso no admitida pelo sistema constitucional.

    Resta evidenciada, ento, a importncia do Poder Judicirio na con-cretizao e no controle das polticas pblicas.

    Se o magistrado como agente integrante do Estado exerce um munus pblico e, como foi visto, no pode se eximir de proferir uma sentena de mrito quando lhe so postos fatos juridicamente relevantes, formalmen-te consoantes com as regras processuais vigentes, inexiste, em sua atuao jurisdicional, uma limitao concreta ao seu poder de decidir, mesmo que sua determinao con ite, aparentemente, com uma atribuio tipicamen-te conferida a um outro poder estatal.

    imperioso salientar que o Estado uno e que a teoria da tripartio dos poderes tem um cunho eminentemente organizacional, permitindo, como j fora salientado, o exerccio de sua soberania de forma simultnea e especializada em searas distintas de seu mbito de atuao.

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    Diante desse contexto perfeitamente admissvel que o Poder Judicirio, ao decidir litgios submetidos sua apreciao, atue de ma-neira pr-ativa, concretizando e perfectibilizando o gozo de direitos no regulamentados pelo Poder Legislativo ou no implantados pela Administrao, suprindo uma omisso Estatal que, a princpio, no lhe diz respeito.

    Na verdade, at prefervel que o magistrado determine condutas positivas por parte do Estado. Seno veja-se: a nalidade precpua do Direito a tutela dos interesses da coletividade, mediante a aplicao razovel do sistema constitucional vigente, buscando-se a concretizao dos direitos fundamentais e um status de plena harmonia social. Parece ser evidente que a mera atuao do juiz como legislador negativo como at ento propunha o Supremo Tribunal Federal23 sequer tangencia o m pretendido pelo Direito, fundamentando-se to somente em critrios de convenincia poltica, no havendo, efetivamente, como se falar em interferncia indevida do Judicirio em funes legislativas ou adminis-trativas, nem mesmo se utilizar do princpio da separao dos poderes para fundamentar decises nesse sentido.

    A jurisprudncia ptria, sobretudo nos tribunais superiores, tem, no entanto, aos poucos, evoludo no sentido de admitir um posiciona-mento concretista do Judicirio, satisfazendo, casuisticamente, o direito material pleiteado24.

    Merecem destaque, tambm, as decises dos tribunais superiores que permitem o efetivo controle jurisdicional das polticas pblicas, adotando, dentre outras, as concepes ora rati cadas no presente estudo.

    Constatem-se, nesse sentido, as consideraes proferidas pelo Min. Mauro Campbell Marques25:

    23 Rati cando o exposto: BRASIL. STJ. RE 493234 AgR/RS. Relator: Min. Ricardo Lewandowski - 1 tur-ma - 27/11/2007. BRASIL. STJ. RE 358315/MG. Relator: Min. Ellen Gracie - 2 turma - 19/09/2003. BRASIL. STJ. AgR-RE 322348/SC. Relator: Min. Celso de Mello - 2 turma - 06/12/2002.

    24 A determinao da aplicao casustica da lei de greve dos trabalhadores celetistas aos servidores pblicos em face de omisso legislativa atinente a tal direito (MI 712 / PA - Rel. Min. Eros Grau - Tribunal Pleno - 25/10/2007) pode ser considerada o leading case desse posicionamento gradualmente concretista adotado pelo STF. Sugere-se, no entanto, cautela na determinao da posio adotada pelo tribunal, tendo em vista que este ainda trata-se de um caso particular no entendimento majoritrio da atual composio.

    25 BRASIL. STJ. REsp 813.408/RS, julgado pela 2 turma do STJ, em 2 de junho de 2009.

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    [...]Se o Poder Pblico insiste em desconsiderar a norma, fazendo dessa previso letra morta, caber controle e interveno do Judicirio, uma vez que, nestes casos, deixa-se o critrio da razoabilidade para adentrar-se a seara da arbitrariedade, fato que, em ltimo grau, caracteriza a omisso como ilegal.[...]A partir do momento em que opta pela inrcia no autoriza-da legalmente, a Administrao Pblica se sujeita ao contro-le do Judicirio da mesma forma que esto sujeitas todas as demais omisses ilegais do poder Pblico, tais como aquelas que dizem respeito consecuo de polticas pblicas26.

    Por m, resta evidente a necessidade de uma reavaliao da funo institucional atribuda a cada magistrado, em face de sua inegvel impor-tncia para o sistema que integram como entes de notvel relevncia. J no possvel conceber que conceitos rgidos e desarrazoados encubram as verdadeiras nalidades almejadas pelo Estado Democrtico de Direito.

    Nesse particular, imperioso destacar a necessidade de tal postura ser adotada pelos juzes, sobretudo quando estiverem diante de demandas de natureza coletiva, uma vez que a relevncia social de seu objeto requer, de modo ainda mais premente, essa concretizao, na busca pela mxima efe-tividade do processo coletivo e da adequada tutela dos interesses sociais.

    5 CONCLUSO

    Perscrutando o cenrio poltico-jurisdicional do pas, pode-se cons-tatar a considervel relevncia da temtica proposta no presente estudo, sobretudo em face dos recentes posicionamentos adotados por juzes e tri-bunais brasileiros, incluindo o prprio STF.

    Veja-se que o Estado brasileiro, atualmente, passa por uma patente modi cao em sua concepo institucional e em decorrncia dessa evo-luo os cidados, gradativamente, tm podido usufruir, efetivamente, de

    26 Coadunando-se a tal entendimento, veja-se: BRASIL. STF. ADPF 54 MC/DF. Relator: Min. Celso de Mello - De-ciso monocrtica - 04/05/2004. BRAISL. STF. AgR no RE 410715/SP. Relator: Min. Celso de Mello - 2 turma - 03/02/2006. BRASIL. STJ. REsp 1041197/MS. Relator: Min. Humberto Martins - 2 turma - 19/09/2009.

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    direitos h muito assegurados pelo texto constitucional, mas que at en-to no eram concretizados em virtude da adoo de posturas omissivas inadmissveis por parte dos entes dotados de competncia para proceder aguardada regulamentao.

    Embora criticada por parte dos operadores do Direito e, principal-mente, pelos integrantes dos outros dois poderes da Unio, a conduta pr-ativa do Judicirio na concretizao dos direitos fundamentais louvvel, no havendo que se falar em usurpao das funes do Legislativo ou da Administrao.

    bem verdade que os magistrados no foram sufragados pelo povo, no sendo, portanto, efetivos representantes eleitos pela soberania popular. Entretanto, por outro lado, no h como negar a existncia de seu mister pblico, consubstanciado pela investidura de tais agentes como titulares efetivos de poder estatal. Perceba-se que, re examente, o modo legal de investidura dos magistrados - por decorrer de procedimento legiferante re-gular - legitima a atuao pblica desses indivduos, suprindo, por conse-quncia, a outorga popular direta.

    Observe-se, alm disso, que ao agir comissivamente, os membros do Poder Judicirio esto cumprindo razoavelmente com suas atribuies funcionais, primando por resguardar a nalidade precpua do Direito, as-segurando, ainda, aos jurisdicionados, o pleno gozo dos direitos e garantias previstos constitucionalmente, de modo a conferir a necessria fora nor-mativa da Constituio.

    Saliente-se, por oportuno, que as leis regulamentares at ento ine-xistentes podem perfeitamente - mediante iniciativa legtima e trmite pro-cedimental regular - ser elaboradas e aprovadas pelos entes competentes, passando a produzir seus efeitos devidos, evitando-se, assim, as decises judiciais reputadas como ativistas, as quais, na verdade, apenas suprem la-cunas provocadas pela inrcia do Poder Legislativo.

    Os juzes, antes de tudo, devem ser considerados como agentes es-tatais e, sendo o Estado uno, con gurada est a legitimidade do Judicirio para a tomada de tais atos comissivos e atestada a possibilidade de tais me-canismos de atuao para a efetiva tutela dos interesses da coletividade.

    O adendo veemente consiste, contudo, na anlise responsvel do caso

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    concreto, uma vez que todo o arcabouo dogmtico que permite tal modus operandi desconstitudo diante de um excesso de judicializao capaz de efetivamente prejudicar a harmonia entre os poderes da Unio.

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    Correspondncia | Correspondence:

    Rafael da Cunha PimentaAdvocacia Geral da Unio, Av. Prudente de Morais, 2.134, Barro Verme-lho, CEP 59.022-545. Natal, RN, Brasil.Fone: (84) 3092-9700.Email: [email protected]

    Recebido: 29/12/2010.Aprovado: 04/11/2011.