75
1

352 de Tombamento Portal) - betim.mg.gov.br · questão, sob os pontos de vista históricos e arquitetônicos, para o que contribuem uma ampla documentação cartográfica e fotográfica

Embed Size (px)

Citation preview

1

2

SUMÁRIO:

I- Apresentação..........................................................................................2

II- Introdução.............................................................................................4

III- Histórico do Município..................................................................11

IV- Histórico do Bem Cultural.................................................................14

V- Descrição e Análise do Bem Cultural.................................................23

VI- Medidas de Proteção Propostas – Enquadramento Legal.................27

VII- Medidas Complementares............................................................29

VIII- Documentação Cartográfica e Fotográfica..................................30

IX- Anexos...............................................................................................61

X- Referências Bibliográficas................................................................66

XI- Ficha Técnica...................................................................................67

XII- Documentação do tramite do tombamento......................................68

3

I – Apresentação

Este documento destina-se a apresentar ao Conselho Deliberativo do Patrimônio

Cultural de Betim o bem cultural “Portal da Colônia Santa Izabel”, situado na Colônia

Santa Izabel, região de Citrolândia, no município de Betim. Após uma introdução, onde

se explicitam as diretrizes programáticas que norteiam a política de preservação de

Betim, seguem- se um histórico geral do município e a descrição detalhada do bem em

questão, sob os pontos de vista históricos e arquitetônicos, para o que contribuem uma

ampla documentação cartográfica e fotográfica. Uma vez estabelecida a sua importância

cultural, este dossiê apresenta recomendações quanto às medidas de proteção a serem

adotadas, bem como sugere medidas complementares necessárias, entre as quais se

destaca a da revitalização da Colônia Santa Izabel.

4

II – Introdução

A preservação do Patrimônio Cultural é considerada, hoje, uma problemática mundial, e

a importância da questão tem sido reconhecida de maneira progressiva por entidades

internacionais, governos nacionais e parcelas representativas da opinião pública.

Iniciado na segunda metade do século passado, o debate sobre as formas de

conservação/ restauração / proteção / revitalização dos bens culturais de valor histórico /

artístico ganha, a cada dia, novas dimensões e seu significado político – e não apenas

cultural, torna-se cada vez mais visível. Afinal, em cada peça preservada está registrada

e revelada a memória, a identidade e o valor do grupo humano como criador autônomo

de uma forma particular de cultura e de sua história.

Durante o transcorrer do debate, a categoria Patrimônio Cultural tem mudado de

sentido. No início, ou seja, no Século XIX, o patrimônio era identificado,

principalmente, como o acervo arquitetônico, e a atenção dos interessados era

centralizada na conservação de edificações ou bens imóveis, como igrejas, palácios,

castelos, fortalezas e a parte antiga das cidades. E quando, ainda no século passado, as

escolas de arquitetura passam a oferecer os primeiros cursos de pós-graduação para

restauradores de bens histórico-artísticos, a relação entre bens imóveis / patrimônio

cultural se torna mais concreta.

Atualmente, o significado de patrimônio cultural ganhou amplitude e densidade. É

inegável, logicamente, o valor que os bens arquitetônicos têm como patrimônio cultural,

mas a tendência hoje dominante é a de incluir dentro desse campo todo e qualquer

produto representativo do sentir, pensar e agir humano. O desenvolvimento de

disciplinas como a Arqueologia e a Antropologia demonstrou que a cultura dos grupos

sociais se revela não só nos seus bens monumentais, como também nos objetos que

compõem o cotidiano das pessoas anônimas. Objetos que aos olhos dos leigos aparecem

como coisas insignificantes, trazem em si uma preciosa carga informativa referente à

forma de ser e ver o mundo de uma dada sociedade.

Por isso mesmo, estudiosos constroem longas listas quando relacionam os diferentes

bens que compõem o patrimônio cultural. Américo Pellegrini Filho (1993), por

5

exemplo, aponta para os seguintes itens como partes integrantes do patrimônio cultural:

inscrições de povos pré-históricos, sítios arqueológicos e seus objetos, esculturas,

pinturas, textos e publicações de valor histórico, arquivos e coleções bibliográficas,

desenhos de significado artístico ou cultural, peças representativas para o estudo da

ergologia de um povo ou uma época, e as variadas peças de valor etnológico. Deve,

assim, ser conservado de forma adequada tudo aquilo que servir para o conhecimento de

pormenores de uma região, de uma época, de um estilo de vida, como, por exemplo,

“um pente que integrava a indumentária feminina com função decorativa; uma urna

literária de povos pré-letrados; um exemplar de certo meio de transporte (...); uma

espada como instrumento de guerra e símbolo de status; desenhos e fotografias

documentais (de paisagens, famílias e eventos); culinária regional; máquinas; filmes;

uma gravação de lendas, de músicas e de outras manifestações orais documentando

também a fala regional; uma coleção de jornais; uma imagem religiosa etc.”1

Outro estudioso do assunto, Carlos Lemos, também destaca esse caráter amplo do

patrimônio cultural quando declara que “preservar não é só guardar uma coisa, um

objeto, uma construção, um miolo histórico de uma grande cidade velha. Preservar

também é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter

vivos, mesmo que alterados, usos e costumes populares. É fazer, também,

levantamentos de qualquer natureza, de sítios variados, de cidades, de bairros, de

quarteirões significativos dentro do contexto urbano.”2

Aqui é importante perceber que não se trata simplesmente de uma mudança

quantitativa: a expansão do conceito faz com que se modifique o seu próprio caráter, o

que, por sua vez, faz com que também a postura em relação ao que se entende por

patrimônio deva sofrer alterações. Trata-se, de fato, como podemos perceber, de campos

com amplitudes e articulações bastante diferentes, que solicitam respostas distintas.

Assim, num primeiro momento, que corresponde a uma visão mais restrita do

patrimônio, lidava-se com um campo estreito e, ainda que pudessem aparecer

divergências quanto aos critérios, essencialmente delimitável: afinal, tratava-se de

identificar um elenco limitado de excepcionalidades. Aqui não parecia haver dúvida

também quanto ao papel – decisivo – que cabia aos peritos: além da incumbência da

1 PELLEGRINI FILHO, 1993, p. 91. 2 LEMOS, 1981, p. 29.

6

própria delimitação do campo, esses tratariam de fiscalizar, restaurar e conservar os

bens identificados. Quando, porém, estende-se de maneira tão significativas o campo de

abrangência do chamado patrimônio, as coisas mudam de figura: não é mais possível

exercer esse tipo de “controle esclarecido” sobre tão imenso domínio. Assim,

instrumentos como o tombamento, que se mostraram importantes (decisivos mesmo, em

alguns casos), num primeiro momento, passam agora a expor, de uma maneira cruel,

suas limitações, e têm, a nosso ver, que ser revistos, à luz de novos condicionantes e

critérios. Coloca-se no horizonte claramente um novo e grande desafio: forjar-se

mecanismos que reflitam a concepção ampliada e processual do patrimônio cultural.

Tentando caminhar nessa direção, hoje quando se propõe uma política de preservação

do patrimônio parece-nos importante considerar:

1. A amplitude do patrimônio cultural, que deve ser contemplado em todas suas

variantes. Devem-se trabalhar todos os diversos suportes da memória – as

edificações e os espaços, mas também os documentos, as imagens e as palavras.

Neste sentido, a questão do patrimônio não pode ser mais exclusividade de

alguns profissionais que tradicionalmente se ocupam com ela, exigindo a

composição de equipes interdisciplinares amplas e a ativa participação da

sociedade. Na medida em que se amplia o próprio conceito de patrimônio, torna-

se necessária a ampliação dos instrumentos de conhecimento e análise, com a

incorporação das perspectivas dos mais diversos profissionais e os da própria

população, enquanto usuária e produtora do patrimônio;

2. A dinâmica própria do patrimônio cultural, que não pode ser percebido como

uma coleção de objetos, afastados da vida, mas sim como um suporte para um

processo contínuo de produção da própria vida. Trata-se de perceber o potencial

transformador de nosso patrimônio, que deverá ser continuamente relido e

utilizado de forma libertadora. É como escreve Marilena Chauí: “Numa

perspectiva socialista, História se diz em muitos sentidos e particularmente

naquele que teve nas origens: compreender o passado como pressuposto do

presente que o presente repõe e repete, enquanto o ignorar como o seu passado, e

7

que ultrapassará quando dessa compreensão nascer a prática de emancipação,

em que o futuro é o novo como realização das promessas não realizadas no

passado nem no presente”3. Neste sentido, a questão do patrimônio, como diz a

Carta de Ouro Preto de 1992, “deve superar a abordagem histórico-estatística e

ser trabalhada dentro de uma concepção que integre as questões sócio-

econômicas, técnicas, estéticas e ambientais”, devendo-se considerar qualquer

intervenção sobre o patrimônio como uma ação sobre o presente e uma proposta

para o futuro.4

A Cidade como Patrimônio Ambiental Urbano

Considerando a amplitude do patrimônio cultural, é muito importante, antes de mais

nada, que se façam alguns recortes setoriais para que se possam pensar estratégias

específicas para cada uma de suas regiões. É fundamental tratar de forma diferenciada

os diversos suportes da memória: não podemos querer aplicar, por exemplo, à cidade, os

mesmos critérios de preservação que se aplicariam a um quadro ou a um documento.

Neste sentido, analisaremos rapidamente a posição específica da cidade, avaliando, a

partir da ampliação do conceito do patrimônio, a questão de sua preservação.

Se pudermos classificar a cidade como um “artefato” humano, como um bem tangível

imóvel, é importante percebermos, no entanto, que se trata de um artefato sui generis,

de origem coletiva e em processo de constante transformação, que se dá por substituição

de camadas. Se, como diz Carlos Nelson, as cidades são constituídas por um processo

continuo de “agregação de trabalho humano a um suporte natural”, é importante que

percebamos que elas vivem se refazendo e se transformando.5 Por outro lado, se esse

processo de transformação acompanha a história das cidades, com cada geração

intervindo sucessivamente no tecido preexistente que recebe como herança, com a

vitória do capitalismo, e principalmente com o seu desenvolvimento mais recente, passa

a predominar na ocupação urbana quase que unicamente o valor econômico-

3 CHAUÍ, 1992, p. 46. 4 Carta de Ouro Preto. Ouro Preto, 1992. 5 SANTOS, 1986, pp. 59-63.

8

especulativo, em detrimento de todos os outros valores humanos, simbólicos, políticos,

etc. A terra passa a ser vista agora como mais um bem especulativo, o que provoca

resultados desastrosos em termos de qualidade de vida das cidades.

No que se refere à preservação do meio ambiente urbano, temos, então, um duplo

condicionamento: por um lado, sendo este um organismo vivo, não há que se impedir o

processo de renovação, intrínseco a ela, e que acompanha o próprio desenvolvimento da

vida humana. Por outro lado, no entanto, cabe à sociedade e governo orientar essa

renovação e transformação, para que a paisagem urbana evolua de maneira equilibrada,

e para que não predominem apenas os interesses econômicos imediatos de um

determinado segmento. Não se trata, portanto, de congelar a vida, ou de transformar as

cidades em museus, mas em pensar em preservação e melhoria de sua qualidade de

vida, o que abrange tanto as áreas consideradas “históricas” quanto aquelas mais novas.

É nesse sentido que nos parece fundamental o conceito contemporâneo de “patrimônio

ambiental urbano”, matriz a partir da qual podemos pensar a preservação do patrimônio,

sem cair nas limitações da visão tradicional. Pensar na cidade como “patrimônio

ambiental” é pensar, antes de mais nada, no sentido histórico e cultural que tem a

paisagem urbana em seu conjunto, valorizando o processo vital que informa a cidade e

não apenas monumentos “excepcionais” isolados.

Assim, não há de fato, que se pensar apenas na edificação, no momento isolado,

testemunha de um momento singular do passado, mas é preciso, antes de mais nada,

perceber as relações que os bens naturais e culturais apresentam entre si, e como o meio

ambiente urbano é fruto dessas relações. Aqui a ênfase muda: não interessa mais, pura e

simplesmente, o valor arquitetônico, histórico ou estético de uma dada edificação ou

conjunto, mas em pensar como os “artefatos”, os objetos se relacionam na cidade para

permitir um bom desempenho do gregarismo próprio ao ambiente urbano. Em outras

palavras: é importante perceber como eles se articulam em termos de qualidade

ambiental. Preservar o patrimônio ambiental urbano é, como se pode perceber, muito

mais que simplesmente tombar determinadas edificações ou conjuntos: é antes,

preservar o equilíbrio da paisagem, pensando sempre como inter-relacionados a infra-

estrutura, o lote, edificação, a linguagem urbana, os usos, o perfil histórico e a própria

paisagem natural. Não se trata mais, portanto, de uma simples questão estética ou

artística controversa, mas antes da qualidade de vida e das possibilidades de

9

desenvolvimento do homem. Com isso, desloca-se o eixo da discussão, recolocando-se

a questão do patrimônio frente a balizamentos capazes de enquadrá-la em sua extensão

contemporânea. (Mais uma vez, frisamos como hoje fica clara a fraqueza dos critérios

na seleção do que tradicionalmente, considera-se “significativo”: a leitura histórica-

estética sempre será intencional, e marcada por visões particulares de época, classe, etc.

Assim, é muito comum lamentar-se tempos depois a demolição de edificações ou

conjuntos considerados “não significativos”.)

Partindo-se, portanto, dessas considerações preliminares, propõem-se algumas

estratégias gerais para se intervir sobre o patrimônio ambiental urbano, que herdamos

das gerações precedentes e que devemos transmitir às próximas:

1. Priorizar sempre o contexto urbanístico, percebendo a cidade como um

organismo vivo e complexo, onde os bens naturais e culturais se relacionam

entre si. Neste sentido, devem-se privilegiar conjuntos e ambiências a

edificações isoladas.

2. Adotar um procedimento unitário, visando à melhoria do meio-ambiente urbano

como um todo, não tratando desigualmente as chamadas áreas históricas e os

outros espaços que compõem a cidade. Assim, é importante pensar

conjuntamente e a partir dos mesmos critérios de qualidade, os espaços

moldados pela história, a serem protegidos, e os espaços novos ou os espaços

recuperáveis, a serem ainda estruturados. Em ambos os casos deve-se considerar

sempre a infra-estrutura, o lote, a edificação, a linguagem urbana, os usos, o

perfil histórico e a paisagem natural.

3. Nesse sentido, é fundamental a integração absoluta entre a política específica de

preservação do meio-ambiente urbano e a política urbana de um modo geral. Ao

se pensar em termos de preservação ambiental, deve-se tentar harmonizar sítios

e edificações preexistentes como as novas, utilizando-se para isso dos

instrumentos urbanísticos mais gerais, como o Plano Diretor para o município, a

Lei do Uso e Ocupação do Solo, os códigos de obras e posturas, entre outros.

4. Priorizar planos mais simples de recuperação de edifícios e conjuntos, ao invés

de caríssimas restaurações. É importante para a preservação da memória, da

identidade cultural e preservação da qualidade do meio ambiente urbano

10

conservar aquilo que os conjuntos têm de essencial, como sua volumetria, traços

básicos de fachada e, eventualmente, mesmo tipologias em plantas.

5. Reavaliar a gestão do meio-ambiente urbano. Antes de qualquer intervenção no

tecido vivo da cidade é muito importante a percepção dos mecanismos criadores

de significado em jogo ali: é vital perceber, acima de tudo, como os moradores e

usuários utilizam e valorizam aqueles espaços que constituem o seu dia-a-dia.6

É necessária, para isso, a criação de mecanismos que permitam a real e efetiva

participação dos agentes envolvidos no processo, em todos os seus momentos:

na elaboração, implantação e gestão dos projetos a serem eventualmente

desenvolvidos.

6. Garantir a permanência da população de baixa renda nas áreas a serem

urbanizadas, preservadas, etc. Qualquer política de preservação deve priorizar o

bem estar dos moradores e usuários, procurando evitar a sua expulsão em

decorrência da valorização dessas áreas. Trata-se, na verdade, de um processo

difícil e complexo, mas que se pode enfrentar com alguns mecanismos como:

• não concentrar investimentos pesados numa determinada área, mas

pulverizá-los, de modo que não haja uma transformação radical na sua

natureza;

• realizar pequenas intervenções urbanas, ao invés de grandes obras;

• valorizar as atividades que já se desenvolvem na área, proporcionando-

lhes, no entanto, um ambiente de melhor qualidade.

6 Neste sentido, cf. SANTOS, 1986, pp. 59-63.

11

III – Histórico do Município

O IPAC do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais

apresenta o seguinte “Informe Histórico” do município de Betim:

“Com área total de 376 km², Betim situa-se na Zona Metalúrgica e integra a Micro-

região de Belo Horizonte. Composto de um único distrito-sede, o município possui hoje

população eminentemente urbana – 138.801 na área urbana e 4.930 habitantes na área

rural – dada a expressiva predominância das atividades industriais.7

No principio do século XVIII, o sertanista José Rodrigues Betim, acompanhado de

parentes, se estabeleceu onde é hoje a atual cidade de Betim. Em 14 de setembro de

1711, recebe de Antônio de Albuquerque sesmaria de duas léguas que ficava entre o

“Paraopeba e a estrada que vai para as Abóboras.”8

A capela filial de Curral-del-Rei foi erigida por provisão de 9 de novembro de 1754,

sendo criada a freguesia por Lei Provincial n. 522 de 23 de setembro e instituída por

provisão episcopal de 9 de outubro do mesmo ano com o título de Capela Nova de

Betim.9 Em 1855, teve seu primeiro vigário colado, o padre Manuel Roberto da Silva

Diniz.10

A população floresceu a partir de meados do século XVIII graças à agricultura e à

posição em que se encontrava no entroncamento de diversas rotas por onde se fazia o

comércio e o abastecimento das zonas essencialmente mineradoras. Cessada a

exploração aurífera, a população voltou-se inteiramente para as atividades

agropecuárias, desenvolvendo-se lentamente.

7 PINTO, Wellington. Minas Dicionário Estatístico Geográfico e Histórico. Belo Horizonte: Editora (...), 1983, p. 21. 8 BARBOSA, Waldemar de A. Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Saterb, 1971, p. 70-71. 9 TRINDADE, Cônego Raimundo. Instituições de Igrejas no Bispado de Mariana. Rio de Janeiro: MEC, 1945. (Publicações do SPHAN, N. 13), p. 57 10 Idem, ibidem.

12

Em 1870, a freguesia de Betim possuía 5.700 habitantes e, em 1873, 4.621.11

No ano de 1910, acontece a inauguração da Estrada de Ferro Oeste de Minas, o que

provoca ligeiro crescimento populacional e econômico.12

Pela Lei n. 843, de 7 de setembro de 1923, a denominação é mudada apenas para Capela

Nova, pertencendo a essa época ao município de Santa Quitéria, atual Esmeraldas.

Finalmente, o Decreto – Lei n.148, de 17 de dezembro de 1938 cria o Município de

Betim.13

A agricultura e a pecuária permaneceram como atividades hegemônicas até meados do

século XX. Mais precisamente a partir da década de 60, iniciou-se a implantação de

indústrias de grande porte no município, que hoje dominam sua economia. As empresas

mais importantes são a FIAT Automóveis S/A, a Poly Plaster S/A, a REGAP –

Refinaria Gabriel Passos, a FMB S/A, a KRUPP Indústrias Mecânicas e outras.

Paralelo ao crescimento industrial, a agropecuária também se desenvolveu,

especialmente na produção de hortifrutigranjeiros, visando ao abastecimento da

capital.”

Quanto ao acervo arquitetônico e urbanístico, o documento registra:

“Betim, embora tenha se originado no século XVIII, apresenta-se hoje como um grande

núcleo industrial, em franco crescimento, dotado dos equipamentos urbanos mais

modernos. Seu casario colonial praticamente desapareceu, restando apenas alguns

exemplares dispersos. Presume-se que o núcleo original do povoado tenha sido a praça

da antiga matriz, hoje demolida, que se situa na parte elevada da cidade e é cortada pela

Avenida Governador Valadares. Esta via conduz a outros marcos históricos da cidade,

como a Estação Ferroviária (1911) e o Marco Comemorativo da Criação do Município

(1939). Neste eixo, se encontram as edificações mais antigas da cidade, merecendo

ainda referência no cenário urbano a Capela de Nossa Senhora do Rosário. Destaca-se

11 SENNA, Nelson de. Anuário de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1909. p. 993-995. 12 ENCICLOPEDIA DOS MUNICIPIOS BRASILEIROS. Rio de Janeiro: IBGE, 1958. Vol. XXIV, p.188. 13 BARBOSA, Waldemar de A. Dicionário Histórico-Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Saterb, 1971, p. 70-71.

13

ainda edificação situada na Praça Milton Campos, significativo exemplar da arquitetura

do período colonial,onde se pretende instalar a Casa da Cultura do Município.”

É importante ressaltar que, com o início das ações da política cultural, e em especial, da

política preservacionista para a cidade de Betim, parte desses marcos começa a ser

recuperada. Assim, já foi efetivamente instalada a Casa da Cultura Josephina Bento,

restaurou-se a Capela de Nossa Senhora do Rosário, e agora, através de sua Lei do

Patrimônio, começam a se proteger essas edificações notáveis.

14

IV – Histórico do Bem Cultural

A Colônia Santa Izabel representa um testemunho privilegiado da evolução do

tratamento da hanseníase no Brasil: do confinamento à tentativa de integração foram

várias as estratégias adotadas, que se refletem na própria configuração do conjunto.

Além de sua importância como conjunto, cabe destacar ainda a existência de edificações

significativas, que também devem ser protegidas.

No sentido de iniciar uma ação efetiva sobre esse importante bem cultural do município

de Betim, parece-nos importante, num primeiro momento, o tombamento de um marco

referencial deste conjunto – O Portal da Colônia Santa Izabel, que testemunha a

concepção inicial daquele local de tratamento.

Para uma análise mais detida do processo de formação e evolução do referido conjunto

e da região de Citrolândia em geral, remetemos ao livro “A História da Construção de

Betim”, da Professora Terezinha Assis. Inicialmente, ela situa a região de Citrolândia:

“A região de Citrolândia localiza-se no sul do município, próxima aos limites de Mário

Campos (Ibirité) e Bicas (Igarapé). Atualmente, a região tem crescido ao longo da BR

381, o que tende a se acentuar em função de sua duplicação que já está em andamento.

A região tem uma história que inicia, neste século, com a implantação do Sanatório de

Santa Izabel. Sua articulação com o município é recente, visto que a política de sua

implantação levou-a ao isolamento e à segregação social, pelo estigma da hanseníase.”

Em seguida, passa a fazer considerações sobre as políticas de saúde pública do início

do século XX:

“A compreensão da região de Citrolândia leva-nos a uma busca dos fatos históricos do

final do século passado e início deste que geraram a implantação das colônias de

hansenianos.

A consolidação do capitalismo como sistema econômico mundial gerou a

reorganização do espaço geográfico, isto é, as populações se aglomeraram próximo às

fábricas, dando origem a grandes cidades. O comércio mundial intensificou-se criou

uma separação entre países agrícolas e industriais interdependentes. O intercâmbio de

pessoas e mercadorias assumiu uma importância muito grande para a organização

15

econômica e os portos tinham função de destaque para a exportação e importação dessas

mercadorias.

As aglomerações urbanas formaram bairros operários, cortiços, favelas sem condições

de higiene e saúde, onde várias epidemias e endemias prosperam, dizimando grandes

contingentes de trabalhadores.

Gripe espanhola, varíola, cólera, peste, febre amarela, tuberculose e hanseníase eram

doenças comuns que ocorriam nos países industriais e nos países fornecedores de

matérias primas. O avanço da ciência e a necessidade de manutenção da força de

trabalho geraram uma política sanitária e de saúde na Europa que, posteriormente, foi

trazida para o Brasil.

No início deste século, o país era parte do modelo de capitalismo mundial, isto é, o

Brasil era um exportador de produtos agrícolas e matérias-primas. O produto que se

destacava na exportação era o café; sendo assim, internamente, a elite econômica e

política estava ligada à economia cafeeira.

O Rio de Janeiro era a capital do país, uma cidade com sérios problemas de doenças e

grandes aglomerados urbanos, vivendo em precárias condições de saúde e higiene.

É nesse contexto, que começa a ser implementada uma política pública de controle e

erradicação de doenças no país. Inicialmente, tendo à frente Osvaldo Cruz e,

posteriormente, Carlos Chagas.

A primeira medida tomada pelo serviço sanitário foi a vacinação obrigatória contra a

varíola, cujo decreto de regulamentação, é o do dia 9 de novembro 1904. O decreto

governamental enfrentou resistência da população apoiada pela oposição da época que

se utilizou dessa situação para canalizar a insatisfação popular para movimentos de rua

contra o governo.

Apesar de manifestações contrárias, a política sanitária foi implantada de forma

autoritária, baseada em modelos europeus até década de 30.

Segundo Nilson do Rosário Costa, este período da implantação se divide em dois

momentos:

16

1. “A conjuntura de Osvaldo Cruz que corresponde à introdução no país da

organização de saúde, fundada na bacteriologia, microbiologia e na

generalização de medidas de imunização através de vacinas.”

2. “O período de 1918 – 1924 quando é criado o Departamento Nacional de Saúde

Pública, quando ocorrem as chamadas reformas sanitárias de Carlos Chagas, que

assinalam o surgimento das primeiras políticas sociais no país.”

Data desse período um conjunto de medidas e leis relativas ao controle das doenças,

bem como algumas regulamentações trabalhistas relativas ao trabalho do menor, da

mulher e de acidentes de trabalho.

Foi nessa conjuntura que se definiu a assistência e o isolamento dos hansenianos

como atribuições estatais. Elaborou-se uma política de construção das colônias de

hansenianos distribuídas por diversas partes do território nacional.”14

Em seguida, a autora localiza o processo de construção da Colônia Santa Izabel:

“A implantação da política estatal de assistência e isolamento dos hansenianos se

concretizou com a construção das colônias que foram um total de 33 no Brasil,

dentre elas, a de Santa Izabel em Betim. O inicio da construção de Santa Izabel data

de 1922 e sua inauguração oficial, de 1931, segundo depoimento de Cordovil Neves

de Souza, morador de Citrolândia.

Na época de sua construção, Betim era parte do município de Santa Quitéria, que

se estendia ainda para o território de Ibirité, Contagem e Esmeraldas (sede de Santa

Quitéria). O local escolhido para a construção foi o terraço do rio Paraopeba

próximo à jusante do rio Bandeirinhas, cujo vale foi também ocupado pela

construção.

A Colônia, na época de sua construção, tinha como via de acesso principal a

ferrovia que ligava Belo Horizonte a Brumadinho, com uma estação em Mário

Campos (Ibirité15), próximo do seu portão de entrada.

O conceito de colônia isolada da sociedade é visível na estrutura urbana da mesma.

Existem sistemas de produção de energia elétrica e abastecimento de água próprios,

14 ASSIS, 1997.PP. 38/39. 15 Mário Campos emancipou-se Ibirité após a produção deste dossiê (Nota da revisão, 2011).

17

que vinha de uma represa do rio Bandeirinhas; esgoto, calçamento, ruas largas que

demonstram uma concepção de reestruturação urbana, com largas avenidas

influenciando, inclusive, a reforma urbana do Rio de Janeiro (sic)16

.

Além da infra-estrutura avançada para a época, foram construídos, ainda,

equipamentos de lazer coletivo, como o cine-teatro Glória e os clubes recreativos.

Refletindo a religiosidade, não poderia faltar a igreja para completar o quadro local.

A implantação da política de isolamento dos doentes se concretizou com a vinda de

pacientes que eram tratados em outros locais da Região Metropolitana de Belo

Horizonte e a ação dos “médicos caçadores” que viajavam para o interior à procura

de doentes que eram separados da família e trazidos, à força, na maioria das vezes,

para as colônias.

É importante citar alguns trechos do livro “Nós também somos gente” do Dr.

Orestes Diniz, 1º diretor da Colônia Santa Izabel.

- “Aprendi a realizar inquéritos epidemiológicos com o doutor Alexandre, chefe de

serviço, que se encarregava, ele próprio, desse trabalho na capital”... página 20.

- “Em dias sucessivos lá íamos, no infatigável Ford último modelo (1925), aos

solavancos, pelos morros, acima ou abaixo, pelas estradas esburacadas ou vielas

invadidas de mato, em busca de doentes e suspeitos”... página 21.

O Dr. Orestes define em seu livro a política oficial do mal de Hansen, que, na época,

foi implantada pelo Estado:

-“o dispensário que é a arma avançada que descobre, seleciona, trata, interna os

doentes, devolvendo-os ao meio social”,

-“o leprosário que isola assiste, material e moralmente, trata e recupera os doentes,

devolvendo-os ao meio social”,

16 A autora provavelmente quis dizer que os mesmos conceitos que orientaram a construção desta Colônia foram os que orientaram a reforma urbana do Rio de Janeiro, acontecida na primeira década do século XX (Nota da revisão, 2011).

18

-“o preventório que recolhe os filhos sadios dos hansenianos, quer nascidos nos

leprosários, quer os oriundos dos lares de onde saíram os doentes.” Página 50.

A política sanitária da época não conseguiu perceber a dimensão do problema social

criado para os familiares dos doentes que ficavam estigmatizados na sociedade devido à

segregação aos hansenianos como comprovam os depoimentos de familiares:

Depoimento de D. Castorina Moreira de Jesus (Nina)

“Ainda pequena mudamos para João Pinheiro, onde cresci, estudei, me casei. Após 4

anos de casada meu marido apareceu com hanseníase, onde foi obrigado a ir para o

Sanatório Santa Izabel. Chegando em Santa Izabel ele não tolerou ficar longe da

família, fugiu e voltou novamente para João Pinheiro. Chegou lá a revolta da

comunidade foi grande, por causa da hanseníase e nós resolvemos, foi para Bambuí,

um outro sanatório. Também não pudemos ficar juntos, separamos e ele ficou, e

novamente ele fugiu.”

Depoimento de Cordovil Neves de Souza (Vila)

“Faziam o diagnóstico das pessoas e naquele momento já internavam”... “não davam

tempo”... de se despedir dos familiares”... “nas cidades do interior, as famílias ficavam

marcadas”... “principalmente, quando pegava o chamado chefe de família”...

A concepção de isolamento deixou de considerar que o doente tinha laços familiares e

relações com a comunidade onde vivia. Outro elemento de análise que se faz necessário

é que a política oficial de caça ao doente criou um sentimento segregacionista na

sociedade em relação ao hanseniano, que o considerou por muito tempo, como um

marginal a ser denunciado ao serviço de vigilância sanitária para ser caçado e confinado

nas colônias. Esta situação se estendia também aos familiares. ”17

17 ASSIS, 1997, pp .40-41.

19

Em seu trabalho, a professora Terezinha Assis nos fornece ainda importantes

considerações sobre as relações sociais e de trabalho da região:

“A estruturação inicial da Colônia Santa Izabel já pressupunha duas categorias de

pessoas, isto é, os pacientes e os trabalhadores da saúde. Esta estruturação é facilmente

identificada na arquitetura.

A chegada pelo antigo portal, ainda existente, passa primeiro pelo hoje bairro Monte

Calvário, na época área da “saúde”, local onde foram construídas casas e equipamentos

destinados aos trabalhadores que atenderiam à colônia.

Em seguida, havia uma corrente que separava a referida área dos pavilhões e casas

destinadas aos doentes.

Citrolândia não foi programada pelo poder público para surgir no local. Ela foi

resultante da relação social, na época, entre os doentes e familiares com a sociedade nas

suas cidades e locais de origem que expulsou esse grupo para o isolamento.

A colônia adotou uma concepção de criação de atividades sociais, num primeiro

momento. Em seguida, incorporou também o trabalho, para que os doentes não se

sentissem ociosos. Aliado a essa situação havia também o temor de trabalhadores

“sadios” de irem para o local e contraírem a doença, reforçando a necessidade de mão-

de-obra dos doentes, inicialmente, através de bolsa de trabalho.

Esses fatos impulsionaram a montagem de uma infra- estrutura econômica de produção

própria, onde foram criadas olarias, serrarias, unidades de produção agrícola para

cultivo e criação de animais com fins de auto-abastecimento.

Os doentes foram aproveitados como mão-de-obra nos trabalhos de construção civil,

reparos, fabricação de tijolos, serraria, agricultura e pecuária.

A independência político-administrativa da colônia em relação ao município foi um

fato desde o primeiro momento. As decisões eram da alçada do Estado e o órgão que

definia e encaminhava a política e a administração da colônia era o serviço de saúde

pública. Essa situação permanece até os dias atuais, sob a supervisão da FHEMIG

(Fundação Hospitalar de Minas Gerais).

20

Esse fato contribuiu para que algumas situações fossem estabelecidas e interferissem

diretamente na estrutura organizacional do trabalho. Foi estabelecido um serviço de

segurança local, independentemente da polícia estadual, serviço de limpeza pública,

manutenção, construção civil que eram coordenados por uma Prefeitura local

(Intendência). Órgão esse, gerenciado por um doente, indicado pelo diretor da colônia.

Os pacientes foram utilizados como mão-de-obra barata (bolsa de trabalho) nas funções

de serviços como policiais, pedreiros, serventes, marceneiros, carpinteiros, etc.

Utilizaram-se ainda como auxiliares de enfermagem para trabalhar junto com os

profissionais da saúde.

As cooperativas foram incentivadas entre os pacientes, principalmente, no setor de

comércio. Esse espírito associativista ainda está presente em Citrolândia quando a

comunidade luta para criar uma cooperativa para produção de bloquetes.

Citrolândia surgiu como uma comunidade de resistência na periferia da colônia, cujos

moradores tinham íntima relação com os pacientes. Essa situação gerou a reprodução

das práticas de organização do trabalho e das relações sociais da colônia.

Os moradores de Citrolândia eram pacientes, egressos por cura ou expulsão por

indisciplina, pacientes que saíram para criar seus filhos por não aceitarem deixá-los no

preventório.

A relação de centro-periferia pode ser identificada devido à semelhança de problemas

sociais enfrentados e às diferentes condições de solução entre os dois locais. Na colônia,

os pacientes tinham tratamento, alimentação, habitação financiados pelo governo,

enquanto que, em Citrolândia, a população invadiu terreno, não tinha infra-estrutura

urbana, mas resistiu aos despejos para ficar perto dos iguais, isto é, próximo das pessoas

segregadas pela sociedade devido à hanseníase. Assim, Citrolândia ficou isolada da

sociedade, tinha policiamento próprio, comércio próprio e os habitantes “sadios” eram

tratados pela sociedade com o mesmo preconceito dedicado aos hansenianos.

Com o passar do tempo, a política oficial em relação às colônias foi se modificando,

bem como o avanço da ciência que desenvolveu medicamentos e conhecimentos sobre a

hanseníase. O aparecimento da sulfona, como medicamento eficaz para a cura da

doença, foi preponderante na mudança da concepção do tratamento que passa a ser feito

21

em dispensários (postos de saúde especificados). Essa situação explicita ainda uma nova

concepção sobre o contágio que não é tão fácil de ocorrer como se imaginava no

passado.

A estrutura organizacional foi sendo desmontada e, conseqüentemente, as relações dos

moradores com o município foram sendo estreitadas. Atualmente, Citrolândia é uma

região de Betim com intensa inter-relação. Pessoas que moram no local trabalham nos

diferentes setores da economia (indústria, comércio, serviços). Em contrapartida,

pessoas que moram em outras regiões da cidade trabalham em Citrolândia e Colônia. É

intenso o intercâmbio comercial e de pessoas.”18

O Portal19

Um grande portão em alvenaria e ferro, de referência eclética, era o principal marco

dos limites territoriais da Colônia. Outras colônias do Brasil também os tinham,

inclusive com inscrições em seu pórtico, o que demonstra o caráter simbólico que

adquiriram esses portais. O portal de Santa Izabel recebeu a inscrição “Hic manebimus

optime”, do latim, “Aqui ficaremos bem”.

Frei Chico é quem nos conta as origens da inscrição no Portal. Segundo ele,

quando Roma foi incendiada, no tempo de Nero, o Senado se reuniu para decidir se a

cidade deveria ser reconstruída em seu sítio original ou em outro. Havendo um impasse

e um momento de silêncio nas discussões, um centurião chegou à região com sua tropa,

procurando um lugar para acampar. Escolhendo um local nas proximidades de onde se

encontrava o Senado, disse: Hic manebimus optime! (Aqui ficaremos bem). O Senado

compreendeu essa manifestação como um augúrio e decidiu reconstruir a cidade em seu

sítio original. Assim, para Frei Chico, o médico ou administrador que orientou a

inscrição dessa expressão no Portal de Santa Izabel estava se referindo a esse momento

de escolha, de disposição para iniciar-se uma nova vida.

Segundo Félix Rangel, morador de Citrolândia, no Portal trabalhavam dois

guardas. São testemunhas disso as duas janelinhas de guarita ainda presentes na

estrutura da edificação. De um lado, ficava o “guarda sadio”, que recebia funcionários,

18 ASSIS,1997.PP.48/50. 19 Em 2010, a FUNARBE desenvolveu estudos de memória na Regional Citrolândia, no âmbito do Projeto Inventário Participativo do Patrimônio Cultural da Regional Citrolândia. O texto sobre o Portal, ora adicionado a este Dossiê, é um produto das pesquisas realizadas nesta ocasião (Nota da Revisão, 2011).

22

fornecedores e visitantes. Do outro lado, o “guarda doente”, que realizava os contatos

com os atingidos pela hanseníase. Do Portal, nascia uma cerca de arame-farpado, cujos

fios estavam dispostos de dez em dez centímetros. Essa cerca ia até as barreiras

geográficas mais próximas, dentre elas o Córrego Bandeirinhas.

O Portal foi recriado em várias outras edificações de Santa Izabel, como o

Pavilhão Divinópolis (Unidade Geraldo Rabelo da SEMAS) e o Cemitério Reino das

Rosas.

23

V – Descrição e Análise do Bem Cultural

Em seu importante trabalho sobre a história de Betim, a professora Terezinha Assis

descreve a região de Citrolândia, onde se localiza o bem cultural Portal / Colônia

Santa Izabel:

A origem de Citrolândia está intimamente ligada à Colônia e à política oficial que

norteou sua implantação.

O preconceito e a desinformação da sociedade em relação à hanseníase criaram no

imaginário popular, sem distinção de classe social, um sentimento policialesco em

relação ao paciente e seus familiares. Esta situação expulsou do convívio social os

hansenianos e suas famílias, que foram invadindo terrenos próximos às colônias e se

estabelecendo no local.

O Estado tentou evitar que as famílias fossem morar nas proximidades, mas o

estigma social foi mais forte, levando as pessoas a lutar para ficarem próximas dos

parentes. Neste contexto, surgem bairros que hoje compõem a região de Citrolândia.

No início, sem nenhuma articulação com a cidade de Betim e, a partir da década de

70, começa a se articular com a cidade. Hoje, está cada vez mais se tomando parte

de nossa malha urbana, articulada com o centro histórico de Betim.

Alguns depoimentos comprovam a origem de Citrolândia:

Paulo Luiz Domingues – colônias:

“Citrolândia hoje está essa comunidade bonita aí, mas se for olhar bem, é por

causa da ignorância das autoridades de vigilância sanitária é que nasceu essa

Comunidade”...

“Alguém da família ficava doente e quando vinha à tona, a sociedade isolava

aquela família. Então o que acontecia, aquela família começava a aproximar de

seus entes queridos que estavam aqui dentro da colônia e começou a montar

barracos aqui em volta da colônia.”...

24

Castorina Moreira de Jesus (D. Nina) – Citrolândia:

“Uma outra coisa de quando eu cheguei, aquilo ali, eu ficava apavorada porque via

aquelas casinhas de capim, as portas eram de madeira, de caixote e a gente

morando de qualquer jeito, mas apesar de tudo, a gente era alegre, vivia satisfeito

porque estavam reunidas as famílias”...

Cordovil Neves de Souza (Vila) – Citrolândia:

“São basicamente de parentes de ex-pacientes e pacientes de hanseníase, era

formado por famílias que vinham para ficar próximo ou que não tinham outro lugar

para ficar”... “de egressos que foram expulsos da colônia por indisciplina,

resistência ou abuso de poder”... “por egressos que fizeram opção de criar os

filhos, não deixando ir para o preventório”...

Nos depoimentos, todos se referem também ao antigo nome de Citrolândia que era

Limas. São duas as versões sobre a origem do nome: uma diz que era o nome antigo

de um proprietário de terras e a outra diz que era devido à cultura da fruta lima no

local20.

O atual nome é resultado de um projeto de um vereador eleito pela Colônia,

aprovado pela Câmara Municipal.

Citrolândia começa seu povoamento ainda na década de 30, próximo do rio

Bandeirinha. Sobe a vertente que separa o córrego Bandeirinha do córrego

Goiabinha. No topo da vertente, está localizado o posto de saúde, a igreja, posto

policial, algumas casas comerciais. Esta área foi o primeiro centro do bairro.

20 A cartografia histórica contribui para a solução da questão. Mapas antigos, a exemplo do Mapa de Betim confeccionado logo após sua emancipação, inscreve na região a Fazenda dos Limas, em alusão ao nome dos proprietários (Nota da Revisão, 2011).

25

Atualmente, o local está perdendo as características de centro e já começa a

apresentar sintomas de decadência. Duas vilas recentes descem à vertente próximo

do posto de saúde.

A expansão de Citrolândia ocorreu em direção à BR 381, ao longo da avenida José

Mariano que atravessa o morro que separa o vale do Bandeirinha do vale do

Goiabinha e chega até a BR.

Atualmente, o centro emergente de Citrolândia fica no vale do Goiabinha, subindo

a vertente até a BR 381. Nesta área, estão se concentrando casas comerciais, o

campo de futebol, a igreja, a prestação de serviços, a administração regional, as

escolas estaduais do bairro Citrolândia e Dr. Orestes Diniz que atendem ao 1º e 2º

graus.

No eixo da avenida José Mariano, da BR 381 até a Colônia Santa Izabel, está

construída a parte mais antiga. A origem desta porção do espaço é resultante da

invasão dos moradores. O traçado das ruas não obedece ao tradicional tabuleiro

xadrez, comum aos loteamentos aprovados pelas imobiliárias na Prefeitura.

As áreas de expansão urbana se localizam às margens da BR 381, como o bairro São

Salvador, que se localiza antes da entrada municipal, à direita e à esquerda da

rodovia. À direita da BR, na direção centro de Betim - Igarapé se localizam,

respectivamente, os bairros São Jorge, Paquetá, São Marcos (tem uma parte à

esquerda da rodovia ) e Jardim Paulista.

Atualmente, pode-se observar uma tendência de aceleração da urbanização devido a

uma menor valorização dos terrenos em relação ao restante da cidade, e ainda à

duplicação da BR 381 que está em andamento. Merece destaque a questão do

preconceito que está sendo quebrado quando pessoas, sem raízes históricas, vão

morar em Citrolândia.”21

Em relação ao bem cultural específico – “Portal” – é necessário observar que este

faz parte do conjunto da Colônia Santa Izabel, que contém um importante acervo

arquitetônico, no qual se destacam:

21 ASSIS, 1997, pp. 43-45.

26

• 2 pavilhões ( um para homens e outro para as senhoras );

• 1 prédio para alojar a administração;

• 1 hospital com 1 ambulatório;

• 1 serviço de nutrição dietética (SND) – cozinha;

• casa das moças;

• casa dos médicos;

• lavanderia;

• escola primária, de 1º grau e supletivo ( antigo pavilhão de crianças );

• a igreja da Colônia;

• o Cine Teatro Glória;

• a sede do União Esporte Clube;

• casas de moradores, construídas em terras do Estado no entorno.

O Portal fica estrategicamente colocado na antiga entrada da Colônia, que tinha como

via de acesso principal a ferrovia que ligava Belo Horizonte a Brumadinho, com uma

estação em Mário Campos (Ibirité). (Fotos 01 e 02). Dali ainda se vê a antiga estrada,

hoje desativada (Foto11). Trata-se de estrutura arquitetônica porticada, de configuração

simples e ornamentação com motivos clássicos (Foto 03 e 04), destacando-se sobre a

entrada a inscrição “COLÔNIA SANTA IZABEL. HIC MANEBIMUS OPTIME”

(Foto 5). Após permanecer abandonado por muito tempo (Foto31), o Portal foi

recentemente recuperado, inaugurado em 06 de fevereiro de 1998, juntamente com a

ligação do trecho Mário Campos/ BR381(Foto 06). As fotos 07 a 09 mostram ainda o

Portal a partir de diversos ângulos, e a foto 10 enfatiza a sua localização hoje, às

margens daquele trecho de rodovia.

As fotos 11 a 29 mostram parte do acervo arquitetônico e urbanístico da Colônia Santa

Izabel, que deverá, segundo recomenda-se no Item VII – Medidas Complementares

deste documento, ser objeto de um trabalho de inventariamento, com vistas à elaboração

de um projeto de revitalização do conjunto

27

VI – Medidas de Proteção Propostas – Enquadramento Legal

A proteção ao denominado patrimônio cultural mereceu da Constituição Brasileira de

1988 referências explícitas em alguns trechos, dentre os quais cabe destacar o at. 216,

onde se definem os termos e as formas de proteção:

Art. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e

imaterial, tomados individualmente ou em conjunto e portadores de referência à

identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos de formadores da sociedade

brasileira, nos quais se incluem:

I. as formas de expressão;

II. os modos de criar, fazer e viver;

III. as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV. as obras, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações

artístico-culturais;

V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e cientifico.

§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o

patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,

tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Em Betim, a proteção ao patrimônio cultural foi instituída pelas Leis Municipais nº

2.944, de 24 de setembro de 1996, que “estabelece a proteção do patrimônio histórico e

artístico de Betim, atendendo ao disposto no artigo 166, V da Constituição Estadual e

Art.161 da Lei Orgânica Municipal, e dá outras providências”, e nº 2.968 de 13 de

dezembro de 1996, que “cria o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Betim

e dá outras providências.”

28

Assim, considerando que o Portal da Colônia Santa Izabel pode ser enquadrado na

definição de “Patrimônio cultural do município”, exposta no Art. 1 da Lei nº 2.944/96,

que adapta a Constituição Brasileira de 88, sugere-se o seu tombamento por parte do

Conselho Deliberativo do Patrimônio, conforme os procedimentos descritos na mesma

lei, especialmente em seus parágrafos 3 a 12.

29

VII – Medidas Complementares

Para a proteção do bem cultural “Portal da Colônia Santa Izabel” recomenda-se ainda:

Revitalização da Colônia Santa Izabel – importante referência histórica do

município e do país, a Colônia Santa Izabel representa um testemunho privilegiado

da evolução do tratamento da hanseníase no Brasil: do confinamento à tentativa de

integração foram várias as estratégias adotadas, que se refletem na própria

configuração do conjunto. Assim, recomenda-se iniciar-se o detalhado

inventariamento do conjunto, visando a uma ação de revitalização urbana.

30

VII – Documentação Cartográfica e Fotográfica

VIII. 1. Documentação Cartográfica

VIII. 2. Documentação Fotográfica

31

Foto 01: Vista panorâmica do Portal de entrada da Colônia Santa Izabel

32

Foto 02: Destaque para mata no fundo do Portal

33

Foto 03: Detalhe das cimalhas arqueadas sobre seteiras laterais do Portal, onde

ficavam os guardas da Colônia Santa Izabel

34

Foto 04: Detalhes em ferro trabalhado do portal

35

Foto 05: Ressalto nas laterais imitando folhas, ornamento bastante comum em

monumentos ecléticos. Detalhe da inscrição no frontão do Portal “HIC MANEBIMUS

OP TIME”, tradução “Aqui ficaremos bem”.

36

Foto 06: Detalhe da placa de inauguração da Rodovia MG 155 - Trecho Betim/Mario

Campos (Antiga estrada de acesso a Colônia Santa Izabel por meio da Estação Mario

Campos)

37

Foto 07: Detalhe dos canteiros laterais e paisagem ao fundo

38

Foto 08: Vista lateral do Portal

39

Foto 09: Vista detrás do Portal, detalhes do arco, guarita e do portão metálico

40

Foto 10: Vista Panorâmica detrás do Portal, destaque para Rodovia MG 155

41

Foto 11: Destaque dos vestígios da antiga via de acesso a Colônia pelo Portal

42

Foto 12: Torre do serviço de auto-falante da Colônia Santa Izabel

43

Foto 13: Detalhe da Praça da Antiga Caixa Beneficente da Colônia Santa Izabel

44

Foto 14: Vista panorâmica do Jardim da Antiga Caixa Beneficente

45

Foto 15: Vista da lateral do Pavilhão Juiz de Fora, ícone da vida social e cultural que

se desenvolveu na antiga Colônia

46

Foto 16: Jardim da antiga Caixa Beneficente na lateral esquerda do Pavilhão Juiz de

Fora

47

Foto 17: Fachada do Pavilhão Juiz de Fora, constituído pelo Salão de Bailes, Cine-

Teatro e Clube Recreativo

48

Foto 18: Enquadramento da fachada do Cine Teatro Gloria (Pavilhão Juiz de Fora),

destaque para arquitetura Proto-Modernista

49

Foto 19: Coreto na lateral direita do Pavilhão Juiz de Fora

50

Foto 20: Detalhe do traçado urbano da Colônia Santa Izabel

51

Foto 21: Monumento de inauguração da Colônia Santa Izabel

52

Foto 22: Pavilhão Refeitório Geral

53

Foto 23: Antigo Dispensário Souza Gomes, constituía um espaço de atendimento

ambulatorial da Colônia

54

Foto 24: Biblioteca José Mariano, antiga Intendência da Colônia

55

Foto 25: Igreja Matriz de Santa Izabel

56

Foto 26: Antigo ponto comercial próximo a Praça da Matriz de Santa Izabel

57

Foto 27: Antiga escola para filhos de funcionários da Colônia

58

Foto 28: Sede Social do Minas Esporte Clube

59

Foto 29: Detalhe do arruamento da Colônia Santa Izabel

60

Foto 30: Portal no inicio dos anos 90

61

IX – Anexos

1. Perímetro de tombamento e de entorno dos bens protegidos

2. Mapa do Perímetro de tombamento e entorno

3. Planta de Levantamento Arquitetônico

62

ANEXO 1 – Perímetro de tombamento e de entorno dos bens protegidos

(1.) Delimitação do perímetro de tombamento

Seguindo a delimitação recomendada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), considera-se como perímetro de

tombamento do bem cultural “Portal da Colônia Santa Izabel” a medida de 50

(cinqüenta) metros em todas as direções, tendo como referência o próprio bem,

conforme delimitação no mapa em anexo.

(2.) Delimitação do entorno ou vizinhança do bem tombado

Considera-se o perímetro de proteção ao entorno ou vizinhança do Portal da Colônia

Santa Izabel, a área delimitada, indicada no mapa em anexo, cujo perímetro estende-

se a partir do ponto 1, cruzamento do eixo da rua Álvaro de Barros com o eixo da

Rua Mário Campos, seguindo esse eixo até atingir o ponto 2, no cruzamento com o

eixo da rua Miguel Pereira; deflete à esquerda seguindo por essa rua até encontrar o

ponto 3, no cruzamento com o eixo da rua Álvaro de Barros; deflete à direita,

seguindo o eixo desta rua até atingir o ponto 1, no cruzamento com o eixo da rua

Álvaro de Barros, fechando assim a poligonal que define o perímetro da área em

apreço.

63

ANEXO 2 – Mapa do Perímetro de tombamento e entorno

64

Anexo 3 - Planta de Levantamento Arquitetônico

65

66

X – Referências Bibliográficas

ASSIS, Terezinha. A História da Construção de Betim. Betim: SEGRAC, 1997. BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e Técnica, Arte e Política. Brasiliense: São Paulo, 1986 BOSI, Alfredo. “Cultura como tradição”. In: FUNARTE. Tradição e Contradição na

Cultura Brasileira. Rio de Janeiro, FUNARTE / MEC, 1985.

BOSI, Ecléia. Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. EDUSP: São Paulo, 1987.

CARTA DE OURO PRETO. Ouro Preto, 1992 (mimeografado).

CHAUÍ, Marilena. “Política Cultural, Cultura Política e Patrimônio Histórico”. In: O

Direito à Memória. Patrimônio Histórico e Cidadania / DPH. São Paulo, DPH, 1992.

FONSECA, Geraldo. A Nova Força de Minas. Betim, sua História: 1911/1975. Betim, 1975.

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. Editorial Universitária de Buenos Aires: Buenos Aires, 1970.

MAGALHÃES, Aloísio. “Bens Culturais: instrumento para um desenvolvimento harmonioso”. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, nº 20 / 1984.

PORTOGHESI, Paolo. Depois da Arquitetura Moderna. Martins Fontes: São Paulo, 1982.

SANTOS, Carlos Nelson F. dos. “Preservar não é tombar, renovar não é por tudo abaixo”. Revista Projeto, n. 86, Abril, 86.

SEGRE, Roberto. “Havana: O resgate social da memória”. In: O Direito à Memória.

Patrimônio Histórico e Cidadania. São Paulo: DPH, 1992.

VASCONCELOS, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: Sistemas Construtivos. Belo Horizonte: Rona Editora, 1979. (5ª edição).

67

XI – Ficha Técnica

Este dossiê foi elaborado a partir do convênio estabelecido entre a FUNDAÇÃO ARTISTICO CULTURAL DE BETIM (FUNARBE), o NÚCLEO DE ESTUDOS EM ANTROPOLOGIA E DESENVOLVIMENTO (NEAD), e a UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG), em fevereiro e março de 1998.

EQUIPE UFMG / Pesquisa “Políticas Preservacionistas para Betim”:

Antropólogas:

Ana Lúcia Modesto

Cleonice Pitangui

Arquiteto:

Leonardo Barci Castriota

Colaboração:

Aline Nunes Pacheco

Revisão 2011

Ana Claudia Gomes

Departamento de Memória e Patrimônio

FUNARBE

68

XII - Documentação do tramite do tombamento

• Notificação

• Recibo

• Parecer de Tombamento

69

CONSELHO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE BETIM

NOTIFICAÇÃO Nº006/98

REF: Portal da Colônia Santa Isabel

DE: PRESIDENTE DO CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE BETIM

PARA: Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Betim

Jesus Lima

A/c. Secretário Municipal de Administração

Arkimam Pires da Silva Junior

Vimos notificar V.Sa. que o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Betim,

nos termos dispostos na Seção II do Capítulo III do Título VIII da Constituição Federal,

na Seção IV do Capítulo I do Titulo IV da Constituição do Estado de Minas Gerais, em

conformidade com o decreto-lei Federal nº25, de 30 de Novembro de 1937, as Leis

Municipais nº2.968 e 2.944, de 13 de Dezembro 1996 e 24 de Setembro de 1996

respectivamente, e o Decreto Municipal nº13.921, 20 de Janeiro de 1998, na reunião

realizada em 03 de abril de1998, aprovou o tombamento do imóvel - localizado na

entrada da Colonial Santa Isabel ( Portal).

Na oportunidade cientifico ainda que V.Sa. que o referido imóvel fica sujeito ás

diretrizes de proteção estabelecidas por lei, não podendo ser destruído, demolido ou

mutilado, ou sem prévia deliberação do Conselho de Patrimônio Cultural de Betim,

pintado ou restaurado.

Solicitamos, a V.Sa. o obséquio de acusar recebimento da presente Notificação,

assinando recibo anexo, podendo anuir ao tombamento ao apresentar impugnação ao

ato no prazo de 15(quinze) dias.

Betim, 03 de abril de 1998

Marilene Lana

Presidente do Conselho de Patrimônio Cultural de Betim

Rua Santo Onofre, 123, Centro-Betim

70

Recibo

Recebi Notificação nº006/98 do Conselho Deliberativo do

Patrimônio Cultural de Betim, referente ao tombamento do Portal da

Colônia Santa Isabel, localizado na Colônia Santa Isabel, Município de

Betim

Betim, 03 de abril de 1998

_______________________________

Jesus Lima

Prefeito Municipal de Betim

71

CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE

BETIM-MG

DOSSIÊ DE TOMBAMENTO

PORTAL/COLÔNIA SANTA ISABEL

PARECER

Ao me ser encaminhado o DOSSIÊ DE TOMBAMENTO do bem cultural

PORTAL/COLÔNIA SANTA ISABEL para emissão de leitura e análise do seu

conteúdo, e de onde transcrevo tópicos que considero de suma importância para a

caracterização de sua relevância no contexto cultural do Município.

O DOSSIÊ, na sua introdução, traz uma visão ampliada do conceito de patrimônio

cultural quando destaca que “preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma

construção, um miolo histórico de uma grande cidade velha. Preservar também é gravar

depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter vivos, mesmo que

alterados, usos e costumes populares. É fazer também levantamentos de qualquer

natureza, de sítios variados, de cidades, de bairros, de quarteirões significativos dentro

do contexto urbano”.

Continuando, o DOSSIÊ, ainda na introdução destaca que “hoje”, quando se propõe

uma política de preservação do patrimônio, parece-nos importante considerar:

1 – A amplitude do patrimônio cultural, que deve ser contemplado em todas suas

variantes. Devem-se trabalhar todos os diversos suportes da memória – as edificações e

os espaços, mas também os documentos, as imagens e as palavras. Neste sentido, a

questão do patrimônio não pode ser mais exclusividade de alguns profissionais que

tradicionalmente se ocupam com ela, exigindo a composição de equipes

interdisciplinares amplas e a ativa participação da sociedade. Na medida em que se

amplia o próprio conceito de patrimônio, torna-se necessária a ampliação dos

instrumentos de controle e análise, com a incorporação das perspectivas dos mais

diversos profissionais e os da própria população, enquanto usuária e produtora do

patrimônio.

72

CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO CULTURAL

DE BETIM-MG

2 – A dinâmica própria do patrimônio cultural, que não pode ser percebido como

uma coleção de objetos, afastados da vida, mas sim como um suporte para um

processo contínuo de produção da própria vida. Trata-se de perceber o potencial

transformador de nosso patrimônio, que deverá ser continuamente relido e utilizado

de forma libertadora. Neste sentido, a questão do patrimônio, como diz a Carta de

Ouro Preto de 1992, “deve superar a abordagem histórico-estilista e ser trabalhada

dentro de uma concepção que integre as questões sócio-econômicas, técnicas,

estéticas e ambientais, devendo-se considerar qualquer intervenção sobre o

patrimônio como uma ação sobre o presente e uma proposta para o futuro”.

Ao descrever o histórico do bem cultural PORTAL/COLÔNIA SANTA ISABEL,

o DOSSIÊ afirma que “a Colônia Santa Isabel representa um testemunho

privilegiado da evolução do tratamento da hanseníase no Brasil: do confinamento à

tentativa de integração foram várias as estratégias adotadas, que se refletem na

própria configuração do conjunto. Além de sua importância como conjunto, cabe

destacar ainda a existência de edificações significativas, que também devem ser

protegidas. No sentido de iniciar uma ação afetiva sobre esse importante bem

cultural do município de Betim, parece-nos importante, num primeiro momento, o

tombamento de um marco referencial deste conjunto – o Portal da Colônia Santa

Isabel, que testemunha a concepção inicial daquele local de tratamento”.

A descrição e análise do bem cultural PORTAL/ COLÔNIA SANTA ISABEL

informa que este faz parte do conjunto da Colônia Santa Isabel, que contém um

importante acervo arquitetônico, entre os quais se destacam:

� 2 pavilhões (um para homens e outro para senhoras);

� 1 prédio para alojar a administração;

� 1 hospital com 1 ambulatório;

� 1 prédio para alojar o ambulatório;

� 1 serviço de nutrição dietética – cozinha;

73

CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE

BETIM-MG

� Casa das moças;

� Casa dos médicos;

� Lavanderia;

� Escola primária, de 2º grau e supletivo (antigo pavilhão das crianças);

� A Igreja da colônia;

� O Cine-Teatro Glória;

� A sede do União Esporte Clube;

� Casas de moradores, construídas em terras do Estado no entorno;

Continuando a descrição, o DOSSIÊ informa que “o Portal fica estrategicamente

colocado na antiga entrada da Colônia, que tinha como acesso principal a ferrovia que

ligava Belo Horizonte a Brumadinho, com uma estação em Mário Campos (Ibirité).

Dali ainda se vê a antiga estrada, hoje desativada. Trata-se de estrutura arquitetônica

porticada, de configuração simples e ornamentação com motivos clássicos, destacando-

se sobre a entrada a inscrição “COLÔNIA SANTA ISABEL. HIC MANEBIMUS

OPTIME”. As fotos 11 a 29 mostram parte do acervo arquitetônico e urbanístico da

Colônia Santa Isabel, que deverá, segundo recomenda-se no item VII – Medidas

Complementares deste documento, ser objeto de um detalhado trabalho de

inventariamento, com vistas à elaboração de um projeto de revitalização do conjunto.

Quanto às medidas de proteção propostas e seu enquadramento legal, o DOSSIÊ,

“considerando que o PORTAL DA COLÔNIA SANTA ISABEL pode ser enquadrado

na definição de “patrimônio cultural do Município”, exposta no Art. 1º da Lei 2.944/96,

que adapta a Constituição Brasileira de 1988”, SUGERE O SEU TOMBAMENTO

POR PARTE DO CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO, conforme os

procedimentos descritos na mesma lei, especialmente em seus parágrafos 3 a 12.

Como medidas complementares para a proteção do bem cultural PORTAL DA

COLÔNIA SANTA ISABEL, o DOSSIÊ recomenda ainda a REVITALIZAÇÃO DA

COLÔNIA SANTA ISABEL, destacando que “é uma importante referência histórica do

74

CONSELHO DELIBERATIVO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE

BETIM-MG

município e do País, e representa um testemunho privilegiado da evolução do

tratamento da hanseníase no Brasil: do confinamento à tentativa de integração foram

várias as estratégias adotadas, que se refletem na própria configuração do conjunto.

Assim, recomenda-se iniciar o detalhado inventariamento do conjunto, visando a uma

ação de revitalização urbana.

Face ao exposto, sou de PARECER FAVORÀVEL AO TOMBAMENTO DO BEM

CULTURAL PORTAL DA COLÔNIA SANTA ISABEL, acatando “in totum” as

recomendações do DOSSIÊ, quando aproveito para congratular-me com a

FUNDAÇÃO ARTÍSTICO CULTURAL DE BETIM (FUNARBE), o Núcleo de

Estudos em Antropologia e Desenvolvimento – NEAD, e a UNIVERSIDADE

FEDERAL DE MINAS GERAIS pelo excelente trabalho apresentado neste DOSSIÊ,

que passa a integrar o presente Parecer.

Betim, 3 de abril de 1998

VALDEMAR FREDERICO DA SILVA JÚNIOR

Conselheiro - Relator

75