35743864 Fischer Lieber Trabalho Em Turnos

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FISCHER, FM. & LIEBER, RR. Trabalho em Turnos.. In: Mendes, R.. (Org.). Patologia do Trabalho. 2 ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2003, v. 1, p. 825-868.

TRABALHO EM TURNOSFrida Marina Fischer Renato Rocha Lieber

ndice do captulo 1. Introduo 2. A ocorrncia de trabalho em turnos e noturno, terminologia, escalas de trabalho, legislao. 3. Natureza das variaes rtmicas 4. Questes relacionadas higiene ocupacional 4.1. Horrios de trabalho 4.2. Trabalho em turnos e riscos ambientais 4.3. Riscos qumicos 4.3.1. Variaes rtmicas e interao com xenobiticos 4.3.2. Evidncias experimentais 4.4. Limites de exposio ocupacional no trabalho em turnos 5. Alteraes de sade decorrentes do trabalho em turnos 5.1. Alteraes de ritmos biolgicos 5.2. Desempenho e acidentes 5.3. Sono 5.4. Alteraes cardiovasculares 5.5. Alteraes gastrointestinais 5.6. Perturbaes psiconeurticas 5.7. Efeitos cumulativos 5.8. Mortalidade 5.9. Absentismo 5.10. Trabalho em turnos e gnero 5.11. Fatores scio-familiares 6. As variveis que interagem na adaptao ao trabalho em turnos. Alguns modelos explicativos 7. Instrumentos utilizados na coleta de dados 8. Organizao do trabalho em turnos e formas de interveno 9. Referncias bibliogrficas

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1. INTRODUO A produo de bens e prestao de servios na sociedade ainda tem como elemento fundamental dos processos a presena do Homem, a despeito da crescente utilizao de sistemas de trabalho automatizados. Parte de complexos ecossistemas produtivos, os trabalhadores enfrentam constantes desafios no decorrer de suas vidas de trabalho. Estes so devidos no apenas a situaes de risco ocupacional associados com as caractersticas fsico qumico- biolgicas presentes nos ambientes de trabalho, mas tambm por numerosos outros fatores perturbadores da sade que trazem desconforto, restringem a participao dos trabalhadores nas atividades scio-familiares, so potencializadores de doenas, pioram a qualidade de vida, tanto no trabalho como fora dele. Os fatores organizacionais do trabalho reconhecidos como importantes e muitas vezes tambm responsveis pelo desencadeamento das doenas e desconforto no trabalho tm sido minuciosamente analisados pelos pesquisadores de vrias reas, particularmente em Ergonomia, como discutidos na primeira parte deste captulo. Levi (1981), Karasek (1981), Johansson (1991) citam alguns destes fatores, muitos dos quais indicam a perda, reduo, ou ausncia do controle no trabalho: o aumento das responsabilidades individuais com conseqente sobrecarga de trabalho, a intensificao nos ritmos de produo, tendo o trabalhador controle ou no da situao, a constante repetio de ciclos de trabalho, a predeterminao detalhada de mtodos e tcnicas levando baixa utilizao de conhecimentos e iniciativas dos trabalhadores, os locais de trabalho no compatveis com as necessidades de concentrao aumentando as dificuldades em realizar as tarefas, particularmente as que exigem longos perodos de ateno sustentada, as ms relaes de trabalho, a crescente incerteza sobre a permanncia no emprego, as pausas insuficientes para descanso intra e interjornadas, os horrios irregulares e em turnos de trabalho. Mais recentemente durante a ltima dcada, teve lugar processos de reestruturao produtiva, ao surgirem polticas gerenciais que levaram desregulamentao das relaes de trabalho. Se para as empresas a principal razo alegada foi a manuteno da competitividade, ao se reduzir os custos de produo ou de prestao de servios, para muitos trabalhadores isto representou, entre outros, perdas salariais e de benefcios sociais. Em muitos casos, ao serem contratados por empresas que prestam servios a terceiros, a mudana converteu-se na imposio de maior flexibilidade nos horrios de trabalho (inclusive na durao semanal, mensal das jornadas de trabalho), maior instabilidade no emprego, empregos temporrios, ou simplesmente a impossibilidade de ter um emprego decente. As questes sobre qualidade de vida no trabalho tomaram ento outros caminhos alm daqueles que at ento eram conhecidos em dcadas passadas e se constituam no principal motivo de preocupao dos profissionais de Medicina do Trabalho. Desde o incio da dcada de 70, um grupo de pesquisadores escandinavos na rea de Sade Ocupacional discutiu em numerosos eventos e publicaes haver a necessidade imperiosa de uma viso holstica do Homem no ambiente de trabalho, onde sejam considerados de forma abrangente os vrios elementos constituintes do trabalho e as repercusses destes na sade. Desta viso global que deriva o conceito dos fatores psicossociais no trabalho influenciando no desempenho e na satisfao do trabalho realizado, alm da sade dos trabalhadores. Os fatores psicossociais referem-se s interaes entre o ambiente de trabalho, o contedo das tarefas, as condies organizacionais, interagindo com as capacidades, expectativas e necessidades dos trabalhadores,

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seus costumes e cultura, como tambm suas condies de vida fora do trabalho (Levi, 1981; ILO/WHO, 1984). A avaliao destes fatores e seu impacto sobre o trabalho e a sade requerem abordagens que levem em conta os mltiplos aspectos das questes diretas ou indiretamente envolvidas com trabalho. O trabalho realizado em sistemas de turnos fixos ou rodiziantes, somente noite, ou em horrios irregulares, faz parte do grupo de fatores psicossociais no trabalho que interagem nos processos sade-doena. Sero genericamente citados neste texto como trabalho em turnos, embora as diferentes caractersticas da organizao do trabalho provoquem distintas repercusses sade, s relaes scio-familiares e ao prprio desenvolvimento do trabalho. O plano deste captulo inclui, alm das questes de sade-doena, tambm a exposio dos temas mais atuais, como a tolerncia ao trabalho e as diferenas individuais, questes ligadas higiene ocupacional, seleo de instrumentos de pesquisa, bem como s principais propostas para a organizao e interveno em sistemas de turnos. Como esta forma de organizao do trabalho pode interferir sobremaneira na ritmicidade biolgica dos trabalhadores envolvidos, o texto inclui uma fundamentao terica da natureza dos ritmos biolgicos para melhor orientao dos leitores ainda no versados no assunto.

2. A OCORRNCIA DE TRABALHO EM TURNOS E NOTURNO, TERMINOLOGIA, ESCALAS DE TRABALHO, LEGISLAO. 2.1. Um pouco da Histria do trabalho em turnos e noturno A histria da organizao do tempo de trabalho pode ser traada desde o incio da vida. O livro Eclesiastes j menciona existir um tempo certo para as atividades humanas: tudo tem seu tempo determinado e h tempo para todo propsito debaixo do cu: h tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, tempo de curar; tempo de arrancar, tempo de construir; tempo de chorar, tempo de rir..... Uma interessante descrio da evoluo e freqncia da ocorrncia de trabalho noturno ao longo dos sculos foi feita por Scherrer (1981). Este autor relata fatos ocorridos desde o Imprio Romano at a poca atual. Segundo este autor, havia nas estreitas ruas das cidades romanas um grande congestionamento durante o dia, de mercadores, camponeses, artesos, etc. Foi ento proibida pelos imperadores Claudius e Marcus Aurelius tanto na Itlia como em todas as outras cidades do Imprio, a circulao de veculos durante o dia, exceto de funerais a p, e a construo e demolio de edifcios. Assim sendo, os trabalhadores que deviam conduzir carroas, cavalos, mercadorias, passaram a trabalhar noite, perturbando o prprio sono assim como o das pessoas que habitavam em ruas de grande movimento. Durante a Idade Mdia, houve diminuio do trabalho noturno por conta das migraes populacionais das cidades para os campos e da predominncia das atividades dos artesos, que se dedicavam ao trabalho principalmente durante o dia. Aps a Idade Mdia e antes do incio da Revoluo Industrial, o trabalho noturno volta cena principalmente devido atividade mineira. O livro escrito em 1556 pelo mdico Georg Bauer, De Re Metallica, relata as dificuldades que os mineiros enfrentavam no seu cotidiano, incluindo o trabalho noturno (Hunter, 1975). Tambm Ramazzini, em sua obra De Morbis Artificum, de 1700, descreveu os padeiros como

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artfices noturnos; quando outros artesos terminaram a tarefa diria e se entregam a um sono reparador de suas fatigadas foras, eles trabalham de noite e dormem quase todo o dia...(p. 91, Ramazzini, 1700, trad. 1985). A Revoluo Industrial na Europa se d entre 1770 e 1850. Com as grandes descorbertas nas reas da fsica, qumica e a mecanizao, houve um tremendo aumento do uso do carvo para mover fbricas que passaram a trabalhar dia e noite. Uma rpida urbanizao acompanhou a Revoluo Industrial. Neste perodo era comum se empregarem homens, mulheres e crianas, para trabalharem longas jornadas, que se iniciavam ao redor de 5 horas da manh, e se extendiam por 12, 14 ou 16 horas consecutivas. Era freqente a ocorrncia de acidentes, tanto pela fadiga dos trabalhadores, quanto pelas precrias condies de trabalho existentes nas fbricas. Uma das limitaes ao trabalho noturno era a precria iluminao por lmpadas a leo. Esta foi abandonada em 1800 quando surgiu a iluminao a gs, e posteriormente a querosene na metade do sculo XIX. No final do sculo XIX, Thomas Edison inventa a lmpada eltrica, tornando possvel extender em larga escala a jornada de trabalho para os horrios noturnos. O grande desenvolvimento das atividades industriais e comerciais no final do sculo XVIII e incio do sculo XIX, acompanhado da transio de uma sociedade agrria para uma sociedade industrial, levou milhares de pessoas de todas as idades a se dedicarem ao trabalho nas indstrias emergentes. A durao do dia normal de trabalho teve cada vez menos relao com as horas do dia: longas e extenuantes jornadas diurnas e noturnas tornaram-se freqentes. Os limites entre o dia e a noite no so mais respeitados para a viglia e o descanso dos trabalhadores- que so organismos diurnos. O trabalho noturno torna-se to importante como o trabalho diurno, numa grande variedade de locais e tarefas a serem conduzidas. Shapiro e colaboradores (1997) comentam em seu ilustrativo e interessante livro de auto-ajuda aos trabalhadores em turnos: Thomas Edison previu que sua inveno nos liberaria da noite, e transformaria nossas vidas. . ns podemos fazer compras, ir a um banco eletrnico, comer fora de casa, fazer ginstica em academias, clubes, e ir a locais de entretenimento noite. O preo que pagamos por esta liberdade a necessidade do trabalho em turnos... (p.27). Moore-Ede (1993) comenta que nos dias de hoje somos participantes de uma nova revoluo: a converso de nosso mundo numa nica comunidade integrada pela tecnologia, a round- the- clock community, uma sociedade que trabalha continuamente, 24 horas por dia, e que se desenvolveu em resposta s vrias necessidades. 2.2. Principais razes para a existncia do trabalho em turnos As razes de se estabelecer o trabalho em turnos podem ser de ordem tcnica, social, e/ou econmica. Desde as atividades essenciais do setor pblico (telecomunicaes, servios de eletricidade, gua, servios de sade, segurana pblica) quelas ligadas as atividades do setor industrial onde a interrupo dos processos de produo s deveria ocorrer durante paradas programadas para servios de manuteno. Nestes casos inserem-se quase todas as indstrias petroqumicas, qumicas, de petrleo, siderrgicas, cimento, vidro, papel, minerao, que so empresas de processo contnuo. O setor de servios tambm apresenta significativo nmero de estabelecimentos que mantm turnos de trabalho. Citam-se como exemplos: transportes urbanos e interurbanos, rodovirio, areo e fluvial, servios de sade (hospitais e outros servios de

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emergncia), segurana pblica, eletricidade, distribuio e tratamento de gua e esgotos, telecomunicaes, servios de compensao bancria, restaurantes, bares, supermercados, estabelecimentos de lazer. Presser (1999) lembra que em anos recentes cresceram em todo o mundo os servios 24 horas. Segundo esta autora trs fatores podem ser citados para explicar porque houve um grande aumento no trabalho executado fora horrio diurno e de fim-de- semana: mudanas nas caractersticas demogrficas, na tecnologia, e importante modificaes na economia americana. Especialmente este ltimo fator levou a um grande aumento de empregos no setor de servios, principalmente aqueles que fazem uso de computadores e todas as outras formas de telecomunicao, com elevada prevalncia de horrios de trabalho no-usuais, se comparados com os setores da manufatura que tinham e ainda tem horrios de trabalho mais tradicionais. Tambm houve um grande aumento do nmero de corporaes internacionais que tem escritrios em vrios pases do mundo, e exigem que estes estejam operando seus servios 24 horas dirias, para se manterem em permanente contato uns com os outros. Alm disso, os mercados financeiros internacionais expandiram suas horas de operao, assim como os servios de correspondncia, particularmente os de operao rpida. 2.3. Definindo trabalho em turnos O trabalho em turnos caracterizado pela continuidade da produo e uma quebra da continuidade no trabalho realizado pelo trabalhador (Maurice, 1975). A continuidade da produo ou da prestao de servios alcanada pe1a participao de vrias turmas que se sucedem nos locais de trabalho. Estas turmas podem modificar seus horrios de trabalho ou serem fixas. Pode haver vrias turmas trabalhando continuamente durante as 24 horas, mantendo a produo ou a prestao de servios ininterruptamente ou paralisar suas atividades por algumas horas durante a noite e, ou no fim-de semana, ou em dia pr-determinado. muito grande a diversidade dos turnos de trabalho existente entre as empresas ou mesmo intra-empresas, em distintos setores da produo. Algumas mantm turnos bastante regulares, permitindo que os empregados recebam seus calendrios de trabalho e folga com at um ano de antecedncia, como comum se observar entre os trabalhadores dos ramos das industrias qumicas, petroqumicas, petrleo, siderrgicas, vidro, etc. Certos setores econmicos empregam trabalhadores durante alguns meses do ano e reduzem temporariamente as atividades de trabalho em pocas de menor demanda de produo. Este o caso dos produtos agrcolas. Nas usinas de cana-de -acar, por exemplo, aps a colheita, trabalhadores so contratados para trabalhar por 6 meses, em turnos de 8 ou 12 horas dirias; muitos so dispensados no perodo entre-safra, permanecendo pessoal das reas de manuteno. Antes de certas festas religiosas, como o Natal, por exemplo, so empregados no comrcio temporariamente para o trabalho pessoas em turnos diurnos e vespertinos. Em anos recentes, com o aumento da terceirizao, muitas empresas que possuem turnos contnuos tem contingentes de trabalhadores terceirizados que prestam servios em suas instalaes. As jornadas dirias e semanais no tem relao com as dos trabalhadores empregados pela empresa na qual prestam os servios. Usualmente estes trabalhadores no gozam dos mesmos benefcios, suas escalas de trabalho costumam ser piores, como menor

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nmero de folgas (alm de menor remunerao), comparado as dos funcionrios nestas empresas. Uma outra tendncia tem sido observada na Europa, Estados Unidos, Canad, Austrlia. Muitas empresas do ramo petroqumico e petrleo, implantaram a semana comprimida de trabalho. Trabalha-se mais de 8 horas por dias (usualmente 12 horas por dia), em turnos fixos ou rodiziantes, por 3 a 4 dias consecutivos, seguidos de 3 a 4 dias de folga. A principal vantagem o nmero de dias de folgas consecutivas. A principal desvantagem a prpria durao da jornada, que pode ser muito fatigante dependendo do tipo de tarefas que so realizadas, e quantas pessoas as realizam em cada turno. Quando o tempo de transporte para chegar no trabalho longo, por exemplo, em plataformas de produo de petrleo, minerao, os turnos de 12 horas podem ser uma alternativa correta, pois os trabalhadores geralmente no moram prximo do trabalho com suas famlias, dormem em alojamentos e necessitam de um perodo livre maior para retornar a seus lares. Mas, se o tempo de transpote de ida e volta ao trabalho demorado, e os trabalhadores devem retornar s suas residncias todos os dias, o tempo livre para outras atividades no diretamente associadas ao trabalho torna-se extremamente restrito. Isto trar problemas para a recuperao, com insuficiente repouso, e muitas dificuldades para realizar outras atividades nos dias de trabalho. Existem escalas de trabalho com uma caracterstica singular: so completamente irregulares. Os horrios de entrada e sada no trabalho, assim como os dias de folga no obedecem a um esquema pr-determinado. Em quase todos os perodos de trabalho semanais h significativas variaes na durao, nos incios e finais de jornadas. Um bom exemplo desta irregularidade de turnos pode ser encontrado na aviao civil, entre os aeronautas (pilotos, engenheiros de vo e comissrios de bordo). Entre estes profissionais h um agravo adicional : a restrita previsibilidade de seus perodos de folga, pois somente alguns dias antes do ms terminar ou ainda, semanalmente recebem suas escalas de vo contendo os horrios de incio e fim de suas jornadas dirias, os dias de trabalho e folga, os itinerrios a serem cumpridos, em que cidades iro repousar aps cada jornada diria (Fernandez & Fischer, 1990; Fischer, 1991). 2.4. Terminologia bsica que define os esquemas de trabalho em turnos Turno: unidade de tempo de trabalho (6, 8 ou 12 horas, em geral) Turmas: grupos de trabalhadores que operam em revezamento, isto , trabalham no mesmo local, nos mesmos horrios, sucedendo-se umas s outras. Turno fixo: os trabalhadores tem horrios fixos de trabalho, sejam diurnos ou noturnos. Turno alternante ou rodiziante: os trabalhadores modificam seus horrios de trabalho segundo uma escala pr-determinada. Ou seja, so escalados para trabalhar em determinado horrio por alguns dias, semana, quinzena ou ms, e aps este perodo passam a trabalhar em outro horrio ou perodo. Ciclo de rotao: intervalo de tempo compreendido entre duas designaes de um trabalhador para o mesmo turno. Rodzio direto: o trabalhador modifica seus horrios de trabalho segundo os ponteiros do relgio. Ou seja, se est trabalhando no turno matutino e o prximo turno que deve cumprir o vespertino, seus horrios de entrada e sada no trabalho se atrasam, em relao ao turno anterior.

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Rodzio inverso: o trabalhador modifica seus horrios de trabalho ao contrrio dos ponteiros do relgio. Se est trabalhando no turno matutino e o prximo turno que deve cumprir o noturno, seus horrios de entrada e sada do trabalho se antecipam, comparados ao do turno anterior. Sistema de turnos contnuos: o trabalho na empresa realizado durante 24 horas dirias, 7 dias por semana, o ano todo. Geralmente h trs ou quatro turnos dirios, dependendo se as jornadas so de 8 ou 6 horas respectivamente. Sistema de turnos semi-contnuos: o trabalho na empresa realizado durante 24 horas dirias, mas h uma interrupo semanal de um ou dois dias. Geralmente h trs ou quatro turnos dirios. Sistema de turnos descontnuos: a empresa no mantem trabalhadores 24 horas por dia. Geralmente, h um ou dois turnos dirios. 2.5. Caractersticas de escalas de trabalho Atravs da descrio das caractersticas das escalas de turnos pode-se avaliar seus aspectos positivos e negativos, assim como, propor melhorias na forma de organizar as escalas . As escalas de trabalho devem ser caracterizadas avaliando-se pelo menos os seguintes parmetros: - Regularidade do sistema de turnos - Nmero de equipes (turmas) de trabalho por turno - Durao do ciclo de turnos - Durao diria dos turnos - Horrios de incio e f im das jornadas de trabalho - Nmero de horas de repouso entre dois turnos consecutivos - Nmero de noites consecutivas de trabalho - Nmero de turnos trabalhados, antes da folga - Direo do rodzio (direto ou inverso) - Outras caractersticas (nmero de dias livres por semana, dias livres em cada ciclo de turnos, dias de frias por ano, possibilidades de trocas entre colegas, etc). As figuras 1, 2 e 3 apresentam distintas escalas de trabalho em turnos rodiziantes, contnuos. A figura 1 apresenta a escala de uma refinaria de petrleo brasileira. H cinco equipes que trabalham 6 horas dirias, e se alternam nos turnos em sentido anti-horrio (rodzio inverso). O nmero de turnos trabalhados consecutivos varia de 3 a 7 dias. Embora os trabalhadores tenham jornadas dirias reduzidas, este tipo de escala no permite muitos dias de folga durante o ciclo de turnos, assim como h muitos dias consecutivos de trabalho sem folgas intermedirias. A figura 2 apresenta uma escala de trabalho com turnos rodiziantes contnuos. Esta escala tem boas vantagens: permite aos trabalhadores ter dois grupos de 5 dias de folgas coincidentes com o fim de semana durante o ciclo de turnos, o sentido de rotao dos turnos horrio, e h poucas noites de trabalho consecutivas. A figura 3 e correspondente tabela 1 foram extradas de um exemplo de Lillqvist, Hrm e Grtner (1997). Foi construda uma escala de trabalho com 5 turmas. A novidade desta escala que h possibilidades de distribuir de forma diferencial o total de turnos matutinos, verpertinos e noturnos que cada equipe vai trabalhar. Por exemplo, o grupo A e C tero menor nmero de

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noites do que os outros grupos. Segundo os autores, tal esquema seria adequado em empresas onde alguns funcionrios preferem trabalhar um menor nmero de noites e outros mais noites de trabalho. Por razes de sade ou para cuidar da famlia, trabalhadores mais velhos ou com filhos pequenos podem preferir permanecer em casa no perodo da noite por mais tempo, do que trabalhadores mais jovens que preferem ganhar mais trabalhando noite. Os autores citados consideram que quanto maior for o nmero de dias de trabalho noturno mais exigente ser a carga de trabalho deste turno. As escalas de trabalho flexveis dependem de modificaes: na organizao do trabalho, nos tempos de trabalho e esquemas de turnos. H vrias possibilidades dentro da mesma empresa: grupos que trabalham apenas em jornadas parciais, combinao de jornadas parciais e integrais, horas de trabalho variveis segundo o mes, ou perodo do ano, interrupo temporria do emprego para reciclagem, ou estudos, por prazos mais longos, reposio de horas durante perodos de frias, teletrabalho, etc. Os esquemas de trabalho vo depender da forma como as tarefas e processos de produo esto organizados ou pretendem se re-organizar (Kogi, 2000). (inserir figuras 1, 2, 3 e tabela 1) 2.6. Quantos so os trabalhadores em turnos? Segundo Shapiro et al (1997) um em cada quatro trabalhadores no mundo desenvolve suas atividades em horrios fora do perodo entre 8:00 horas da manh s 17:00 horas. Um levantamento de 1994 na Comunidade Europia mostrou que ao redor de 20 por cento dos setores de manufatura e servios trabalham em algum sistema de turnos ou em trabalho nodiurno (BEST, 1993). Em pesquisa conduzida nos Estados Unidos em maio de 1997, foi constatado que apenas 29,1% dos trabalhadores americanos empregados trabalhavam na chamada semana padro, definida como sendo de segunda a sexta feira, num horrio de trabalho fixo, e de 35 a 40 horas por semana (Presser, 1999). importante ressaltar que as estimativas dos nmeros de trabalhadores em turnos dependem da definio que dada ao trabalho em turnos. Se se corresponder apenas a jornadas no-diurnas, os trabalhadores em turnos no perodo da tarde sero excludos das estatsticas. Estatsticas mais antigas, como a da Organizao Internacional do Trabalho, estimam freqncia entre 15 a 30% em pases em desenvolvimento industrial da fora de trabalho empregada em sistemas de turnos (Dumont, 1985). O porcentual dos trabalhadores empregados em turnos em relao ao nmero total de trabalhadores depende do ramo de atividade e do tamanho das empresas. Por exemplo, mais comum haver trabalho em turnos, com jornadas noturnas de trabalho, entre bombeiros, policiais, enfermeiros, do que entre comercirios. Segundo levantamento efetuado pelo lnstituto Nacional de Pesquisa e Segurana-INRS, na Fiana, em 1975, enquanto a indstria metalrgica Francesa alcanava 71%, a indstria qumica tinha 34,6%. As empresas com at 499 empregados apresentavam em seus quadros 25,1% de trabalhadores em turnos, e aquelas com mais de 500 empregados, 43,1% (INRS, 1975). possvel que o nmero de trabalhadores em turnos no Brasil (a includos todos os que trabalham em horrios no diurnos de forma regular ou irregular) alcance aproximadamente 15% da fora de trabalho. Em 1994, em levantamento realizado pela Fundao SEADE, a

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pedido da Fundacentro, verificou-se que entre os trabalhadores residentes na rea metropolitana de So Paulo (correspondente a 38 cidades e na poca a 16 milhes de habitantes), 8,6% eram de trabalhadores em turnos. Destes, 3,3% eram trabalhadores fixos noturnos, 3,0% de turnos alternantes e 2,3% trabalhavam em horrios irregulares (Fischer et al, 1995). 2.7. Legislao Brasileira No Brasil, o trabalhador noturno tem hora de trabalho reduzida igural a 52 minutos e 30 segundos e tem remunerao 20 por cento superior hora diurna. Pela legislao brasileira (Consolidao das Leis do Trabalho, Seo IV, Do trabalho noturno) considerado trabalho noturno aquele realizado entre 22:00 horas de um dia at 05:00 horas do dia seguinte (Campanhole e Campanhole, 1994). Em 1988, foi prevista pela nova Constituio Brasileira em seu artigo 7 inciso XIV, a jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociao coletiva (Brasil, 1988). Em muitas empresas que possuem trs turnos contnuos, ou seja, naquelas cujas atividades continuam durante as 24 horas do dia, sete dias por semana, a quinta turma de trabalhadores foi criada. Entretanto, a jurisprudncia firmada aps a aprovao da nova Constituio estabeleceu que apenas nas empresas onde h modificao dos horrios dos trabalhadores haveria exigncia de reduzir as jornadas de trabalho. O texto da Constituio menciona turnos ininterruptos de revezamento que foi erroneamente confundido com rodzio dos horrios de trabalho. No Novo Dicionrio Aurlio (Ferreira, 1999) o termo revezar significa substituir alternadamente, trocar de posio e revezador significa aquele que reveza ou substitui outro por sua vez ou turno. Portanto, turno de revezamento poderia perfeitamente ser como aquele que tem outro que lhe sucede e no necessariamente estaria ligado aos horrios de cada trabalhador, mas dependeria exclusivamente da existncia da continuidade do sistema de turnos em vigor nas empresas. Devido a esta interpretao, muitas empresas fixaram horrios de trabalho dos seus empregados, com reais prejuzos para os trabalhadores em turnos, especialmente aqueles que devem cumprir jornadas fixas vespertinas e/ou noturnas. Tambm com este artifcio, as jornadas dirias e semanais no foram reduzidas, e mantidas as 44 horas semanais nos turnos fixos. Vale lembrar que o artigo 7o, inciso XXXIII da Constituio Federal de 1988 probe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos (Brasil, 1988). A 77 Conferncia Internacional do Trabalho (Fundacentro, 1990) discutiu numerosas proposies sobre o trabalho noturno, estabelecendo recomendaes quanto durao do trabalho, perodos de descanso, compensaes pecunirias, aspectos relacionados com a segurana e sade, servios sociais, entre outros itens. Entre as recomendaes, surge uma novidade: a necessidade de ser dada uma ateno especial aos efeitos cumulativos originados por fatores que provocam agravos sade, inclusive s formas de organizao do trabalho em turnos. Em 12 de maio de 1999 foi publicado no Dirio Oficial da Unio a nova regulamentao acerca das doenas profissionais e doenas relacionadas com o trabalho, regulamentando o Decreto 3.048 de 6 de maio de 1999. Este d nova redao ao regulamento da Previdncia

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Social, a incluindo os benefcios a serem auferidos pelos trabalhadores em caso de acidente e doenas profissionais e do trabalho. O trabalho em turnos e noturno est includo como agente etiolgico ou fator de risco de natureza ocupacional, sendo descrito como m adaptao organizao do horrio de trabalho - trabalho em turnos e trabalho noturno ( Z56.6 da CID10) para o desenvolvimento de transtornos do ciclo viglia-sono devido a fatores no -orgnicos (F 51.2, grupo V da CID-10), e de distrbios do ciclo viglia-sono (G 47.2, grupo VI da CID-10) ( Dirio Oficial da Unio, 1999). Isto representa um grande avano, colocando a legislao brasileira frente da maioria dos pases do mundo no que diz respeito proteo legal conferida a trabalhadores em turnos e noturnos.

3. NATUREZA DAS VARIAES RTMICAS Os seres vivos vivem num mundo rodeado por ciclos naturais. Ao longo do processo evolutivo, criaram-se mecanismos que os permitiram apresentar um comportamento adaptativo frente s variaes ambientais. As funes dos seres vivos obedecem de forma geral a variaes rtmicas endgenas e so influenciadas e modificadas, na presena de certos estmulos ambientais. Somente alguns fatores ambientais so capazes de arrastar os ritmos, tais como, a durao do dia e da noite, a intensidade luminosa, a temperatura, a disponibilidade de alimento, os hbitos alimentares, etc. Os ritmos endgenos dos seres vivos so independentes das variaes ambientais e continuam a se manifestar mesmo na ausncia destes estmulos. Ou seja, na ausncia de influncias do ciclo de luz/ escuro, ou de pistas temporais sociais, o sistema temporizador endgeno mantem a ritmicidade das suas funes. O sistema temporizador humano composto de estruturas no sistema nervoso central, tais como, o ncleo supraquiasmtico e a glndula pineal, que juntos contribuem para a sincronizao de ritmos fisiolgicos e comportamentais. Estas estruturas so conhecidas como osciladores ou relgios biolgicos porque contribuem continuamente para a gerao da ritmicidade circadiana. Modelos foram propostos para explicar o sistema temporizador: seria composto de osciladores mltiplos acoplados, muitos dos quais ainda desconhecidos (Comperatore e Krueger, 1990). Os ritmos endgenos no se modificam imeditamente aps uma brusca mudana ambiental, ou de hbitos dos organismos. As variaes fisiolgicas e comportamentais apresentadas por todos seres vivos so rtmicas e seu perodo (o tempo para completar um ciclo completo) pode ocorrer em fraes de segundos (como por exemplo os ritmos de disparo de neurnios ou de batimento do flagelo de espermatozides), segundos (os batimentos rtmicos do corao), uma vez por dia (a nossa temperatura corporal), uma vez por ms (o ciclo menstrual), uma vez por ano ( o comportamento de hibernar de alguns animais ou at anos, como o ciclo reprodutivo da cigarra americana (13 ou 17 anos) ou do bambu chins (100 anos) . O ciclo claro- escuro um dos mais importantes que influencia o comportamento dos ritmos biolgicos. Os ritmos biolgicos associados ao ciclo claro-escuro so conhecidos como ritmos circadianos, e o perodo destes ritmos pode variar de 20 a 28 horas, de acordo com a espcie. Nos seres humanos, muitas das variaes observadas no funcionamento do nosso organismo apresentam comportamento rtmico com durao aproximada de 24 horas. Os ritmos que oscilam com perodos menores que 20 horas so chamados de ultradianos (por exemplo, os batimentos cardacos, a respirao, as

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fases do sono REM e no-REM, as variaes de sonolncia diurna). Enquanto que os infradianos so ritmos de baixa freqncia com perodos maiores de 28 horas (Marques, Golombek & Moreno, 1997). Conforme comentado em pargrafo anterior, o resultado observado de um ritmo advm da combinao de sua expresso endgena, ajustada pelos fatores ambientais. Nos seres humanos, o perodo de oscilao dos ritmos circadianos maior que 24 horas. Sob condies normais este relgio deve ser ajustado diariamente, um processo que se chama arrastamento. O arrastamento do relgio interno alcanado por ciclos no ambiente externo que fazem o papel de sincronizadores ou Zeitgebers (em alemo, doadores do tempo), ou seja, h pistas temporais externas que permitem aos organismos deslocar as fases de seus ritmos e ajust-los segundo as modificaes ambientais e suas necessidades. Se no houvesse a sincronizao do relgio interno, haveria um contnuo desajuste entre nosso tempo interno e externo. Para o homem, os grupos de sincronizadores mais importantes que diariamente ajustam o relgio biolgico so aqueles ligados vida social, familiar e de trabalho, embora o ciclo de luz-escuro tambm possa influenciar no comportamento dos ritmos biolgicos. As modificaes do ciclo claro-escuro alcanam o relgio biolgico no homem atravs da projeo da retina no ncleo supraquiasmtico do hipotlamo. H relaes de fase harmnicas entre vrios ritmos. Por exemplo, a sonolncia vai aumentando medida que passamos mais tempo acordados, e noite. O aumento da sonolncia depende de um outro ritmo endgeno: o da temperatura corporal. Sua diminuio noite facilita o adormecimento e a manuteno do sono, mantendo uma relao de fase com o ritmo da temperatura. Durante o sono aumenta a secreo de melatonina, sinalizando ao sistema temporizador de nosso organismo que noite. Quando os nveis de melatonina comeam a declinar, no final de uma noite de repouso, o nvel de cortisol comea a se elevar, e acordamos (Monk e Folkard, 1992). H outros processos reguladores do sono funcionando de forma integrada. As variaes nas funes, no comportamento, na morfologia estrutural e ultra-estrutural dos seres vivos ocorrem de forma generalizada com toda matria viva. Acumulam-se evidncias experimentais de ritmos biolgicos dos mais diferentes tipos e nas mais diferentes espcies. Apenas para citar alguns poucos exemplos: j foram observados ritmos mesmo em protistas, (Brady, 1979); em seres vivos superiores, observa-se ritmo no apenas em nvel sistmico, mas tambm em nvel celular, como, por exemplo, na morfologia (Von Mayersbach (1976), no contedo enzimtico ( North et al, 1981), na diviso mittica por Scheving e Pauly (1967), entre muitos outros. A observao sistemtica no homem teve incio em 1960 com os trabalhos experimentais de Aschoff (Reinberg e Smolensly, 1983). O carter peridico das variaes expressando ritmo foi sistematicamente estudado a partir dos anos 50, aps a demonstrao por Bnning, em 1935, da origem gentica na durao do perodo. Revises do assunto so apresentadas por Moore-Ede et al (1975), Reinberg e Smolensky (1983) e em nosso pas h grupos de estudo com livros-texto publicados sobre o assunto (Cipolla-Neto et al,1988; Marques e Menna-Barreto, 1997). As observaes do comportamento de numerosos ritmos permitiram estabelecer as caractersticas comuns aos ritmos biolgicos, distinguindo-os das variaes triviais. Segundo Minors e Waterhouse (1985), os principais componentes de um ritmo so: a mdia, a faixa de oscilao, a fase do ritmo (momento quando os valores mximos so encontrados), o perodo do

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ritmo (o tempo para completar um ciclo- como no caso dos ritmos circadianos cerca de 24 horas). Como os valores de um determinado ritmo em cada indivduo podem se expressar com muitas variaes, estas podem ser ajustadas e quantificadas utilizando-se uma curva senide. Os principais parmetros desta curva ajustada so: o seu valor mdio (mesor), a distncia entre o valor mximo e o mesor (amplitude), o momento quando ocorre o valor mximo da curva ajustada (acrofase). A figura 4 apresenta a representao de uma curva senide ajustada aos dados obtidos da temperatura corporal de um indivduo com viglia diurna e repouso noturno, no decorrer de 24 horas. Pode-se avaliar se os ritmos biolgicos esto se expressando de maneira usual, ou se esto alterados. Por exemplo, comparando o comportamento de um determinado ritmo biolgico entre vrios indivduos avaliados num mesmo perodo de tempo, ou no mesmo indivduo com dados coletados em dias ou pocas distintas. Isto tem sido muito til para avaliar a intensidade e a gravidade das alteraes apresentadas em vrios ritmos biolgicos, conforme ser descrito no item alteraes dos ritmos biolgicos. Na figura 4 h uma representao grfica do ritmo biolgico circadiano da temperatura corporal de um indivduo com viglia diurna e repouso noturno. Dados ajustados segundo uma curva senide. Na figura 5, extrada de Folkard (1996), so apresentados exemplos de ritmos circadianos da temperatura oral, nveis urinrios de corticosterides (17-OCHS), adrenalina, noradrenalina, potssio e sdio, de pessoas vivendo em condies controladas de laboratrio, mas com ciclo viglia-sono normal (ou seja, com viglia diurna e repouso noturno). Segundo o autor, todas as variveis foram medidas nos mesmos dias, e nos mesmos indivduos. Os erros-padro do indicao da variabilidade individual entre as pessoas. Os ritmos apresentados na figura 5 no esto na mesma fase, embora seus valores mximos ocorram em diferentes momentos durante a viglia diurna. Exemplos: o valor mximo dirio da temperatura corporal ocorre geralmente no final da tarde, enquanto o dos metablitos urinrios dos corticosterides, de manh. A maior parte dos ritmos comportamentais e fisiolgicos que exibem periodicidades circadianas apresenta suas acrofases durante o dia. Durante o sono noturno so observados os nveis mximos de melatonina e hormnio de crescimento. (Inserir figuras 4 e 5)

4. QUESTES RELACIONADAS HIGIENE OCUPACIONAL NO TRABALHO EM TURNOS 4.1. Horrio de trabalho e as exposies ambientais H condies de trabalho em que o horrio de realizao da tarefa acaba por determinar uma exposio a um risco ambiental especfico. Entre os riscos biolgicos, freqente a maior ocorrncia do agente ou do vetor em determinadas horas do dia. Tal acontece, por exemplo, nas pneumonites provocadas por fungos (Lacey e Crook, 1988). Em nosso meio, Iversson (1989) e Romano (1996) constataram por inqurito sorolgico, que o risco de encefalite viral predomina entre lavradores e pescadores, j que estes deslocam-se pelas matas em direo ao trabalho nos

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horrios em que os vetores se encontram em maior atividade. Este fato foi tambm verificado por Khan et al (1997) para diferentes espcies do gnero Culex no Egito. Relao semelhante foi sugerida por Favre (1989) para o risco da esquistossomose entre lavradores de culturas alagadas, pela simultaneidade dos horrios de trabalho e de liberao das cercrias. Em ambiente hospitalar, no s os horrios, como tambm a durao dos turnos, podem favorecer as contaminaes acidentais, conforme Parks et al (2000). Aes de preveno generalizada, como o uso de vacinas na populao trabalhadora, podem comprometer seriamente a disponibilidade da mo de obra, particularmente quando no se leva em conta as reaes adversas, cujas manifestaes tambm esto sujeitas a ritmo, conforme constataram Langlois et al (1995) para a influenza. Em atividades industriais, mesmo organizadas em regime contnuo, tambm pode ocorrer a preferncia por determinados horrios para execuo de algumas tarefas, como manutenes, inspees, manobras perigosas ou mesmo descargas de efluentes. Nesse caso, alm da falta de critrio relativo aos horrios de maior toxicidade para a fauna e flora, as rotinas de reconhecimento podem ser inadequadas e a avaliao acaba sendo conduzida por procedimentos que vo levar a falsos resultados. Conseqentemente, ser sempre necessria uma descrio no apenas das tarefas envolvidas, mas tambm das rotinas dos processos e operaes, dos seus desajustes, bem como dos procedimentos de correo adotados que podem resultar nas exposies sob investigao. 4.2. Trabalho em turnos e os riscos ambientais No caso do trabalho em turnos, contudo, no qual o prprio horrio no-usual de trabalho pode constituir um dos fatores causais para doenas, Sanchez-Ferrandiz (1988), entre outros, prope que os agentes ambientais sejam considerados tambm como co-fatores etiolgicos, capazes de contribuir para as doenas observadas. Todavia, h evidncias mostrando que o nvel desta contribuio deletria depende tambm do horrio em que a exposio ocorre. Assim sendo, o problema permitiria duas linhas de abordagem sistemtica. Ou as exposies ambientais agravam uma situao patolgica pr-determinada em funo da organizao do trabalho em turnos, ou os efeitos da exposio so maiores em decorrncia do horrio dessa exposio levando doena. Na prtica, entretanto, no se pode esperar uma separao entre esses dois fatos. Considerando-se o trabalhador como um sujeito bio-psicossocial, a doena passa a ser o resultado desfavorvel de um dado processo de interao. Nesse sentido, desde os trabalhos pioneiros nesta rea, como de House et al (1979), por exemplo, at os mais recentes, como o de Parkes (1999), vem sendo demonstrado claramente que a percepo subjetiva dos riscos ambientais e os efeitos decorrentes das exposies dependem das relaes organizacionais mantidas no trabalho. Conseqentemente, a proposta mais atual abordar o problema sob o ponto de vista de efeitos combinados, decorrente da exposio aos riscos ambientais e ao trabalho em turnos simultaneamente, como sugerem Rutenfranz, Knauth e Angersbach (1981); Rutenfranz et al (1989), Fischer et al (1997b). Essa abordagem complexa, entretanto, como o trabalho de Parkes (1999) entre petroleiros, tem sido rara. Com maior freqncia, so apresentados estudos relatando horrios de resistncia diminuda (HRD), ou seja, demonstraes do agravo dos efeitos das exposies em funo do horrio da sua ocorrncia. Esses estudos tm mostrado tais

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diferenas na exposio ao calor (Sanchez-Ferrandiz, 1988; Rutenfranz et al, 1989) e ao rudo (Kamal et al, 1989; Karnicki, 1989; Koller et al, 1987; Nurminen e Kurppa, 1989; Seibt et al, 1986; Mukhin, 1994). Outros trabalhos tm indicado tambm a possibilidade dessas diferenas entre os agentes biolgicos (Wongwiwat et al, 1972) e os relativos ergonomia postural, como na resposta s solicitaes mecnicas dos discos intervertebrais (Adams et al, 1990). Estudos subseqentes da poro lombar da coluna, tanto com o auxlio de ressonncia magntica (Botsford et al, 1994; Paajanen, 1994), como de ultra-som (Ledsome, 1996), mostram que a distncia entre os discos intervertebrais maior pela manh em relao tarde, possivelmente devido ao processo de reidratao que se observa nesses discos durante noite, conforme Paajanen et al,1994. No sem razo, portanto, que a movimentao do tronco se verifica mais contida pela manh em relao tarde (Dvorak et al, 1995; Ensink et al, 1996), horrio este em que mesmo a fora muscular maior, conforme Martin et al (1999). Entre os diferentes riscos fsicos a que se sujeitam os trabalhadores em turnos, os efeitos decorrentes da exposio a campos eletromagnticos tm merecido particular destaque em tempos recentes. Para isto, contribuiu no s a popularizao da comunicao celular, mas tambm a sucessivas descobertas do papel da melatonina na correo das perturbaes do sono (Smolensky e Lamberg, 2000). Estes novos estudos partem do fato bem documentado da interferncia de campos magnticos na diviso celular e, portanto, na expresso endgena dos ritmos e suas diferentes conseqncias, como o cncer, combinado com a evidncia da melatonina ser um hormnio secretado pela pineal principalmente noite (Anderson 1993; Reitter, 1993a). Cogitou-se tambm que o campo magntico agiria de forma semelhante ao estmulo luminoso, como um resincronizador, Reitter (1993b). Nesta poca, Yaga et al, (1993) mostraram, em ratos, que campos magnticos estticos afetavam a liberao de melatonina quando aplicados durante o perodo de atividade (meio e fim do escuro), mas no quando aplicados no repouso (comeo do escuro e fase clara). Os resultados em humanos parecem estar coerentes com estes achados. Selmaoui et al (1996a, b) expuseram 32 sujeitos a campos magnticos contnuos e intermitentes de 50-60Hz de 10 T, por 9 horas seguidas durante noite, e, coerentemente, no verificaram supresso significativa de melatonina ou variao nos indicadores hematolgicos e imunolgicos. Pluger e Minder (1996) chegaram a resultado oposto, ao optarem por exposies diurnas. Estudos mais recentes mostram que, mesmo tratando-se de exposio diurna, no h supresso da melatonina se o campo for de baixssima intensidade (0,1 a 1,0 T), conforme Juutilainen et al, 2000, ou de baixa freqncia, como no caso de telefones celulares usados por 2 horas dirias (De Seze et al, 1999). Entretanto, em exposies prolongadas (maior que 2 horas) e sob campos magnticos intensos trifsicos (mas no nos monofsicos), como em subestaes eltricas, foi constatado a supresso da melatonina entre os eletricitrios, (Burch et al, 2000). Caso tais campos magnticos sejam aplicados de forma intermitente, h ainda a possibilidade de interferncia no ritmo cardaco, conforme demonstraram Sastre et al, 1998, entre 77 voluntrios. 4.3. Riscos qumicos Os riscos qumicos, por sua vez, h muito tm sido estudados sob essa abordagem de HRD, permitindo algumas discusses das normas de compensao dos agravos, por exemplo, com a

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reduo dos limites de exposio ocupacional. As variaes circadianas nos efeitos txicos decorrentes da exposio aos riscos qumicos despertaram interesse inicial na farmacologia, possibilitando, j em 1971, uma reviso no assunto por Reinberg e Halberg. As conseqncias destas variaes nas exposies relacionadas ao trabalho motivaram alguns pesquisadores (Smolensky, 1981; Smolensky et al, 1985; Reinberg e Smolensky, 1985; Gaffuri e Costa, 1986) a questionar a validade da aplicao dos limites de exposio ocupacional, prprios ao controle dos riscos de uma forma geral, para determinadas situaes especficas, como o trabalho em turnos. Alm disso, outros (Calabrese, 1977; Reinberg et al, 1986; Brief e Scala, 1986) tm sugerido que tais diferenas circadianas deveriam ser tambm consideradas ao se estender as jornadas dirias de trabalho alm de oito horas de durao. Como so ainda poucos os estudos epidemiolgicos, a argumentao sustenta-se principalmente na reinterpretao das relaes com os xenobiticos e nas evidncias experimentais, sob o ponto de vista de variaes rtmicas. 4.3.1. Variaes rtmicas e interao com xenobiticos Na interao de xenobiticos com o organismo vivo destacam-se dois aspectos: ao da substncia sobre o organismo (ao dinmica) e ao deste sobre a substncia (ao cintica). As conseqncias dessa interao ativa e biunvoca so as mais diversas, podendo ser favorveis, como a produo de energia e sntese de protenas, ou desfavorveis, caracterizando uma ao nociva ou efeito txico. Todavia (pelo postulado de Paracelso), este aspecto favorvel ou desfavorvel no decorre apenas da natureza do xenobitico em si, mas tambm da dose ou da quantidade que se encontra em interao com o organismo vivo. Supe-se, entretanto, que uma das contribuies para a adaptao dos organismos vivos ao meio foi o desenvolvimento de uma organizao temporal interna, capaz de prepar-los por antecipao aos eventos ambientais recorrentes (incluindo a a interao com xenobiticos). Conseqentemente, ao se introduzir um relativismo temporal, pode-se concluir que o efeito nocivo de um xenobitico em um organismo vivo dependeria no apenas da dose, mas tambm das condies do preparo prvio em que organismo se encontra. Este conceito complementar, compatvel com a interao biunvoca j citada, tem sido amplamente demonstrado. Assim, observa-se, para os mais diversos xenobiticos, que a mesma dose produz diferentes efeitos quando aplicada em diferentes horas do dia. Essas variaes circadianas foram evidenciadas na ao farmacolgica por Markiewicz (1984), Bruguerolle (1987) Lemmer e Bruguerolle (1994); no ganho de peso pela alimentao oral por Reinberg (1974) e Halberg (1974, 1983, 1989); na ao hepatotxica da hiperalimentao parenteral por Maine et al (1976), e na utilizao dos nutrientes administrados por esta via por Just et al (1990). 4.3.2.Evidncias experimentais Pelo menos em nvel institucional prevalece em alguns pases uma posio contrria ao reconhecimento das implicaes at aqui sugeridas. Tem sido alegado por alguns, conforme consta nos anais da 76 Reunio da Conferncia Internacional do Trabalho promovida pela OIT em 1989 (ILO, 1989) que no h evidncias suficientes demonstrando as implicaes

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particulares do horrio de trabalho nos riscos ambientais. Tais alegaes, entretanto, no se sustentam. Extenso trabalho de reviso no assunto, Lieber (1991), mostrou que, ao contrrio do suposto, as evidncias disponveis no s cobrem a maioria dos efeitos sade, classificados pela OSHA (14 dos 19 pertinentes), como tambm referem-se em grande parte (77%) s observaes com efeitos no letais, de particular interesse ocupacional. Embora no tenham sido localizadas evidncias para danos pulmonares do tipo cumulativo (pneumoconioses) e do tipo agudo/edema, para anemias do tipo meta-hemoglobulina, bem como para irritao forte e suave, apresentaram-se evidncias indiretas que permitem a generalizao da variao analisada. Dados reunidos no trabalho citado mostram que tanto os eventos cinticos (absoro, distribuio, biotransformao e eliminao) como os eventos dinmicos (cinco fundamentais) esto sujeitos s variaes rtmicas, justificando as diferenas de sensibilidade observadas. Estudos mais recentes mostraram a variao circadiana tambm para o efeito de dano pulmonar agudo/edema, expondo-se ratos ao oznio. Constatou-se que as exposies durante o perodo de atividade acarretam maiores leses nos bronquolos terminais em relao ao perodo de repouso, segundo Witshi et al, 1997, mas nesse mesmo perodo de exposio o grau de inflamao broncoalveolar menor, conforme McKinney e col. 1998. Muito embora no tenha sido publicado ainda nenhum estudo relativo s variaes circadianas na anemia induzida por produto qumico, sabe-se que a reconstituio da hemoglobina est sujeita ritmo, conforme observao de Levitt et al, 1994, em estudo conduzido entre 7 voluntrios, usando monxido de carbono. Variaes temporais do efeito txico em exposies agudas tm despertado crescente interesse na prtica mdica de urgncias (Gallerani et al, 1993). A regularidade observada tal que, em alguns casos, como nas cardiopatias, j se usa a expresso cronorisco, como propem Portaluppi et al, 1999. Na prtica ocupacional, por sua vez, o mdico do trabalho deve ter em mente que os novos estudos vm no s confirmando os achados anteriores de variao, como o caso dos solventes (Harabuchi et al, 1993; Kiesswetter et al, 1996), mas tambm colocando em questo as prticas de diagnstico, como por exemplo, as correlaes pela creatinina (Boeninger et al, 1993), e as avaliaes de fluxo respiratrio (Gannon e Burge, 1997). Em grande parte devido aos novos movimentos econmicos observados na ltima dcada, os meios de produo vm sendo submetidos a um crescente esforo de modernizao e automao.Com isto, pode-se esperar mudanas radicais nos perfis de exposio txica. As exposies crnicas tendem a dar lugar s exposies agudas (acidentais) e s exposies subcrnicas. Esse novo contexto, longe de trazer tranqilidade, fomenta a necessidade da constatao de efeitos sub-clnicos, obrigando o mdico do trabalho a questionar cada vez mais a adequao dos limites de tolerncia a serem adotados com segurana na sua prtica. 4.4. Limites de exposio ocupacional no trabalho em turnos A fixao de limites de exposio ocupacional, restringindo as exposies ambientais nos locais de trabalho, est sujeita a diversos critrios. Alguns, por omisso ou por restrio de cobertura, fazem supor que os mesmos sejam aplicveis independentemente da hora do dia e, logo, prprios tambm s exposies noturnas. Tal premissa, entretanto, no tem embasamento cientfico suficiente.

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J de incio, os prprios limites de exposio ocupacional (LEO), na sua grande maioria, no se sustentam em base cientfica adequada. Lieber (1991), analisando o embasamento filosfico e as restries tcnico-cientficas no estabelecimento de LEO, concluiu que os fatores intervenientes so muitos, os coeficientes de segurana so discutveis, e o estabelecimento decorre de um processo poltico pouco participativo. Conseqentemente, os LEOs podem, na melhor das hipteses, ser considerados adequados s para algumas circunstncias. No sem razo, portanto, o constante questionamento da adequao de tais limites. Ensaios experimentais ou observaes epidemiolgicas continuam encontrando efeitos nas condies recomendadas, como o caso, por exemplo, do tricloetileno (Arito et al,1994), do benzeno (Nilsson et al,1996), ou ainda para as exposies aos sais de cromo e nquel (Bright et al, 1997). O ajuste dos LEOs para o trabalho em turnos no poderia ser ainda recomendado por vrias razes. Constatou-se, por exemplo, que o uso de frmulas ou coeficientes de correo atualmente disponveis para obteno de valores reduzidos, prprios s condies especiais de exposio, inadequado sob o ponto de vista conceitual. Em particular ao trabalho em turnos, os efeitos subjetivos podem ser to mais importantes que os efeitos objetivos e, portanto, sem condies de descrio analtica. Entretanto, tambm no se pode aceitar que a exposio seja a mesma, independentemente da hora do dia, se for levada em conta a proposta do projeto de conveno relativo ao trabalho noturno votado na 77 Conferncia da OIT em 1990, onde consta no item 12 do captulo IV (Segurana e Sade): O empregador deveria adotar as medidas necessrias para manter, durante o trabalho noturno, o mesmo nvel de proteo contra os riscos ocupacionais que durante o dia... (Fundacentro, 1990). Devemos reconhecer que o mesmo nvel de proteo pode implicar diferentes condies de exposio. Portanto, a alternativa mais vivel no atual estgio de conhecimento, estabelecer horrios em que a exposio deva ser evitada. Tais condies devem ser estabelecidas caso a caso, com base nas variaes cinticas e dinmicas. Nada indica que a proposio acima no seja factvel. Trata-se antes de mais nada, de uma questo de propsito. Na busca da eficincia e do menor custo, j foi sugerido, por exemplo, que o horrio de aplicao de herbicidas fosse adequado ao ritmo biolgico das plantas (Camparinon e Koukkari, 1976). Nada, porm, tem sido recomendado quanto adequao ao ritmo de susceptibilidade do aplicador.

5. ALTERAES DE SADE DECORRENTES DO TRABALHO EM TURNOS O trabalho em turnos contnuos, fixos ou rodiziantes, tem sido apontado como uma contnua e mltipla fonte de problemas de sade e de perturbao socio-familiar. Centenas de pesquisas realizadas, principalmente nos pases europeus, Estados Unidos, Canad, Australia, e Japo, mostraram os principais problemas que afetam os trabalhadores, e foram apresentadas em quatorze simpsios internacionais que vm sendo organizados regularmente desde o final da dcada de 60. A grande maioria dos estudos continua sendo publicada nos anais destes simpsios, seja em publicaes especializadas, ou em peridicos indexados. Como exemplo do ltimo simpsio ocorrido em Weisensteig, Alemanha, no ano de 1999, h 69 trabalhos publicados, nas seguintes reas: alerta, desempenho e acidentes, adaptao biolgica, trabalho em turnos e sade, trabalho em turnos no setor de servios, trabalho em turnos e diferenas individuais, construo de escalas de trabalho com auxlio de programas de computador,

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aspectos psicossociais do trabalho em turnos (Hornberger, Knauth, Costa, Folkard, 2000). Para obter mais informaes sobre os simpsios e outros eventos cientficos relacionados rea de trabalho em turnos e noturno, deve-se consultar o seguinte endereo eletrnico: http://time.iguw.tuwien.ac.at/scns/index.htm Este website pertence Comisso Cientfica de Trabalho em Turnos e Noturno da ICOH (International Commission on Occupational Health). 5.1. ALTERAES DOS RITMOS BIOLGICOS 5.1.1. Em trabalhadores em turnos O organismo humano fisiologicamente distinto nos diferentes horrios diurnos e noturnos, pois as funes biolgicas so rtmicas por determinao gentica, como foi anteriormente descrito no item 3 deste captulo. Sob uma rotina diurna, estes ritmos esto sincronizados para que as pessoas estejam fsica e mentalmente ativas durante o dia e durmam noite. Quando os trabalhadores tm jornadas nos turnos noturnos so obrigados a modificar o perodo de viglia e repouso. Os distintos ritmos endgenos no se ajustam s novas rotinas com a mesma velocidade. Por exemplo, o nmero de batimentos cardacos por minuto dependente do ciclo de atividade-repouso, e ajusta-se relativamente rpido. Outros ritmos que so mais dependentes do relgio biolgico interno, tais como o da temperatura corporal, da melatonina, levam muito mais tempo para se modificar. Isto leva a um estado de dessincronizao interna temporria, provocando desarmonia entre os vrios ritmos, e dificuldades para uma inverso, mesmo parcial, das funes biolgicas (Aschoff, 1981). As conseqncias podem ser sentidas a curtssimo prazo, bastando que o trabalhador trabalhe apenas uma noite, e durma de dia na manh seguinte. Os sintomas mais freqentes do mal -estar percebido includem fadiga, variaes no humor, nervosismo, dificuldades em dormir, falta ou aumento de apetite, dificuldades em realizar um trabalho habitual, perturbaes de memria, etc. A durao da dessincronizao biolgica depende dos esquemas de turnos: quanto maior o nmero de jornadas de trabalho que obrigam o trabalhador a inverter seu ciclo de atividade-repouso, maior o nmero de dias necessrios para conseguir uma inverso dos ritmos biolgicos. Outros problemas a enfrentar so os conflitos temporais causados pelas escalas de turnos. A rotina da sociedade orientada de forma distinta dos perodos de trabalho e folga dos trabalhadores em turnos, particularmente os de turnos com muitas jornadas vespertinas e noturnas. O encontro com familiares, amigos, as celebraes sociais, geralmente ocorrem durante perodos e dias que no lhes permitem participar com a mesma freqncia do que se trabalhassem durante o dia. O desencontro com os familiares, especialmente os filhos, pode ficar dificultado. Isto gera conflitos bastante srios e pode levar a problemas de ordem psquica, principalmente se no h alternativas em se engajar em outro emprego diurno (Knauth e Costa, 1996; Monk e Tepas, 1985; Rutenfranz, Knauth e Fischer, 1989). Muitas das manifestaes do trabalho em turnos so subclnicas, temporrias. Isto pode ser observado em estudos ritmomtricos onde so analisadas as flutuaes de alguns ritmos biolgicos (Knauth et al, 1978; Aschoff, 1978; Reinberg, Chaumont, Laporte, 1975; Akerstedt e Froberg, 1975; Mori, 1982; Folkard, 1996). Entre as desordens temporais mais estudadas esto as alteraes do ritmo da temperatura. Apenas citando alguns dos muitos trabalhos publicados

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(Colquhoun e Edwards, 1970; Knauth et al, 1978; Chaumont et al, 1979; Foret e Benoit, 1978; Reinberg et al, 1989) pode-se observar que a variao diria da temperatura sofre considerveis desvios de sua normalidade ao serem modificados temporalmente os perodos de viglia e de sono. A dessincronizao interna entre o ritmo da temperatura e do ciclo viglia-sono tem como conseqncias o desencadeamento e/ou o agravamento dos distrbios de sono (Akerstedt e Gillberg, 1981; Akerstedt e Torsvall, 1981; Akerstedt, 1985). Cipolla-Neto (1988) apresenta uma extensa lista de autores que em suas publicaes relataram as implicaes da ritmicidade circadiana em: eventos ligados ao ciclo da vida humana; ao desempenho fsico e mental, incidncia de doenas mentais, s variaes na percepo da dor, no aparecimento da cefalia etc.; na rea da hematologia e coagulao sangnea, na imunologia e alergia; em doenas infectocontagiosas, doenas cardiovasculares, endocrinologia e metabolismo, oncologia, gastroenterologia, nefrologia, oftalmologia. O trabalho em turnos, sendo um importante perturbador da ritmicidade circadiana, tem certamente implicaes negativas na sade. 5.1.2. Em aeronautas e passageiros Ao cruzar vrios fusos horrios em aeronaves, ocorre um desajuste temporal entre nosso tempo interno e as influncias ambientais externas. A velocidade normal de sincronizao diria de 60 a 90 minutos. Quando as pessoas viajam de navio ou de trem, usualmente cruzam um fuso horrio por dia, e pouco notam a diferena de horrio. Entretanto, os avies a jato podem cruzar mais de um fuso horrio por hora. Ao chegar ao destino, todos os Zeitgebers modificamse ao mesmo tempo, facilitando as mudanas de fase de muitos ritmos circadianos ao se reajustarem em coerncia com o novo tempo externo. Entretanto, a incapacidade dos ritmos endgenos de se ajustarem imediatamente a uma mudana brusca do tempo externo causa o jetlag (Wegman e Klein, 1985; Lowden, 1998). Nos primeiros dias quando no h ainda uma adaptao dos ritmos aos novos horrios locais, as pessoas sentem-se fatigadas, mais sonolentas, com dificuldades para dormir noite, com atraso ou adiantamento no horrio de dormir e acordar, tm perturbaes do apetite, etc. Diferentes ritmos circadianos tem diferentes velocidades de se ajustar aos novos horrios locais. Isto vale tanto para os eventos fisiolgicas como cognitivos. Por exemplo, o ritmo de excreo das catecolaminas urinrias ajusta-se mais rapidamente do que o da temperatura corporal, enquanto que o ritmo da excreo urinria dos corticosterides ressincroniza-se mais lentamente que os dois citados (Wegman e Klein, 1985). A velocidade de adaptao depende da direo para onde se vai: h adaptao de um fuso horrio cruzado por dia em viagens para oeste, e 0,6 fusos horrios por dia em viagem para leste (Akerstedt, 1996). Voando para oeste, h um atraso de fase dos ritmos biolgicos.Isto tambm ocorre quando os trabalhadores trocam de horrio de trabalho em escalas rodiziantes: no rodzio direto os atrasos de fases dos ritmos permitem uma adaptao mais rpida, do que no rodzio inverso. Como os aeronautas (pilotos e comissrios de bordo) no permanecem por muitos dias nos locais de destino de sua viagem, o processo de adaptao aos novos horrios locais no completado e persiste um estado de dessincronizao temporria dos ritmos biolgicos. Este estado pode afetar no apenas sua sade, mas tambm seu desempenho durante o vo, particularmente em tarefas complexas (Lowden, 1998).

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Um dos ritmos afetados nos vos transmeridianos o ciclo menstrual, que pode se prolongar pela repetida exposio ao jet-lag. Queixas de irregularidades menstruais so freqentes entre comissrias de bordo destes vos. Recomenda-se que em vos transmeridianos tomem-se medidas para evitar o incio de uma re-sincronizao dos ritmos biolgicos, se o tempo de permanncia no destino for curto, de um a dois dias, e haja previso de retorno ao local de origem do vo. Isto parcialmente conseguido mantendo-se o horrio de dormir do local de onde viemos (Lowden e Akerstedt, 1998). Protegendo-se os olhos de serem expostos luz solar, tambm se impede que o ritmo da melatonina seja reajustado ao novo horrio. Por outro lado, a ingesto de melatonina pode acelerar a velocidade de ressincronizao do sistema temporizador circadiano, aps uma rpida mudana na fase do ciclo claro-escuro, que o que ocorre nos vos transmeridianos (Comperatore e Krueger, 1990). A melatonina um poderoso modulador dos ritmos circadianos. A glndula pineal, onde sintetizada a maior parte da melatonina, a principal interface entre o ciclo claro-escuro ambiental, e os sistemas nervoso e endcrino (Golombek, Cardinali e Aguilar-Roblero, 1997). A melatonina tem sido utilizada no tratamento do jet-lag. Entretanto, no so conhecidos os efeitos colaterais, caso seja usada constantemente, e por longo tempo. A ingesto de pequenas doses de melatonina (at 5 mg) por dia, de 30 a 60 minutos antes de ir dormir, facilita o ajuste do ciclo viglia-sono. A dose mencionada para tratamento muito maior que a normalmente secretada pela glndula pineal noite, que apresenta valores mximos entre 100 e 200 pg/ml (Smolensky e Lamberg, 2000). H similaridades entre as conseqncias do jet-lag e do trabalho em turnos: em ambas as situaes h uma ruptura da sincronia habitual entre os sistemas temporizadores internos e externos. Entretanto, os passageiros e parcialmente tambm os aeronautas, aps cruzarem vrios fusos horrios, tm a seu favor que todos os sincronizadores externos do ambiente (fsicos e sociais) modificam-se ao mesmo tempo. Para os trabalhadores em turnos, especialmente aqueles que trabalham vrias noites consecutivas, as mudanas do ciclo de viglia-sono resultam num estado quase permanente de conflitos dos indicadores de tempo, e o arrastamento mais lento e menos completo do que a ressincronizao aps vos transmeridianos. 5.2. Desempenho/ acidentes Vrios estudos evidenciaram aumento de erros e acidentes do trabalho durante certos perodos do dia e principalmente noite (Hildebrandt, Rohmert e Rutenfranz, 1974; Harris, 1977; Prokop e Prokop, 1955; Pokorny, Blom e Van Leeuwen, 1987) ou sendo maior entre trabalhadores em turnos noturnos, do que entre os diurnos (Lavie, Kremerman e Wiel, 1982; Smith Colligan e Tasto, 1979). Nos estudos onde as observaes constataram reduo do nmero de acidentes de trabalho noite, houve concomitantemente, outros aspectos favorveis a esta ocorrncia, como por exemplo, a reduo de atividades laborais perigosas, a reduo na movimentao de materiais e pessoal, a excessiva carga de trabalho durante os turnos diurnos (Bourdouxhe, Quinnec, Guertin, 2000; Fischer, 1984; Fischer e Bellusci, 2000). Usualmente, o desempenho e a disposio para o trabalho, ficam prejudicadas no perodo noturno, seja pela incompatibilidade da realizao de certas tarefas (que exigem esforos fsicos ou mentais em horrios em que a eficincia biolgica ou a expresso rtmica dessas funes se encontram em nveis muitos baixos), seja por conseqncias de perturbaes do sono, que

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levam impossibilidade de manter a ateno ou mesmo a viglia devido maior sonolncia (Akerstedt, 1988; Akerstedt, TorsvalI e Gillberg, 1982; Borland et al, 1986; Folkard e Monk, 1985; Vries-Griever e Meijman, 1987; Spencer, 1987; Tepas e Mahan, 1988). O fato dos grandes acidentes no setor nuclear, como Three Mile lsland, Chernobyl e Bophal (em indstria petroqumica) terem ocorrido durante a madrugada, sugere que pelo menos em parte, pode-se associar estes eventos tomada de decises importantes em perodos desfavorveis, tanto para o alerta quanto para a interpretao de fatos (Folkard, Minors e Waterhouse, 1985; Folkard, 1986, 1990; Smolensky e Lamberg, 2000). necessrio lembrar que o nvel de alerta varivel ao longo do dia e da noite, e tambm depende do tempo que uma pessoa est acordada, dos dbitos de sono, do nvel de estimulao do trabalho (Akerstedt, 1996). As horas da madrugada coincidem com os valores mais baixos da expresso de vrios ritmos biolgicos, e com o aumento da sonolncia. Isto pode ser um fator de risco importante para a ocorrncia de acidentes, particularmente em tarefas que exigem intensa vigilncia, como o caso dos motoristas. mais difcil julgar fatos e tomar decises quando a sonolncia maior e as dificuldades aumentam quando o nmero de pessoas no trabalho menor, como geralmente ocorre nas empresas noite. A sonolncia excessiva tambm pode levar a curtos episdios de sono (micro-sonos) com durao de alguns segundos, at minutos. Geralmente as pessoas no se do conta que dormiram. Estes eventos podem ocorrer vrias vezes durante o turno de trabalho, e so mais freqentes durante o trabalho noturno (Akerstedt,1988). Vrios estudos mostraram que a sonolncia noturna um fator de risco importante nos acidentes nas estradas e ferrovias. Uma pesquisa conduzida na Sucia por Akerstedt et al (1983), mostrou que 11 % dos operadores de trem cochilaram durante o turno de trabalho noturno, sendo que 59% dormiram pelo menos uma vez durante o trabalho. A porcentagem de trabalhadores cochilando durante o dia era significativamente menor. O mesmo autor menciona que na maioria das empresas dos pases da Comunidade Europia, o transporte rodovirio de produtos perigosos realizado preferencialmente noite. Concomitantemente, tem havido uma desregulamentao neste setor, com o objetivo de facilitar a cooperao na Comunidade Europia. Estes fatos podem trazer maiores acidentes nas estradas, com conseqentes danos ao meio ambiente e aos motoristas atingidos. Os horrios irregulares de trabalho podem levar, alm de severas perturbaes de sono, tambm contribuir para o uso de estimulantes para manter-se acordado, conforme mostraram os estudos conduzidos por Moreno et al (2000 a ,b). Estes estudos, foram realizados no Estado de So Paulo, em empresas da regio Metropolitana de So Paulo, com 43 motoristas de caminho, sendo que 27 trabalhavam em horrios irregulares e 16 em horrios fixos. Os resultados mostraram que 85% dos motoristas do primeiro grupo consumiam anfetaminas para manter a viglia durante o trabalho noturno (Moreno et al, 2000a). Em um segundo estudo de Moreno et al (2000 b) com motoristas de caminho, foi observado que os motoristas que trabalhavam em horrios irregulares dormiram, em mdia, menos (303,4 minutos) do que os dos horrios fixos (377,5 min), sendo que esta diferena estatisticamente significante. Smith e Folkard (1993), ao comentarem a segurana no trabalho na indstria nuclear, observaram que, tirar cochilos durante o trabalho de forma involuntria, pode ser um comportamente perigoso e ter srias conseqncias tanto para a segurana dos trabalhadores, quanto para as comunidades que deles dependem.

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Um outro fator de risco para a ocorrncia de acidentes diz respeito ao momento que os turnos matutinos se iniciam. Quando o trabalho comea muito cedo, s 05:00- 06:00 horas da manh, os trabalhadores podem apresentar uma sonolncia excessiva no trabalho em decorrncia de uma reduo no seu perodo de sono noturno. Isto pode levar a maior nmero de erros e ou acidentes do trabalho neste turno (Pokorny, Blom e Van Leeuwen, 1987; Fischer et al, 1997a). Existem controvrsias se a maior durao da jornada de trabalho est ou no associada a um aumento do nmero de acidentes do trabalho. Nos Estados Unidos e em vrios pases europeus tem havido preferncia na adoo de turnos de 12 horas dirias. Estes turnos mostram-se atraentes ao proporcionar um maior nmero de dias de folga aos trabalhadores, e ou permitir aos administradores a possibilidade de ter maior flexibilidade no planejamento de horas extras, e ou de poder ter um gerenciamento mais flexvel na produo. A maioria dos estudos revela que o risco de acidentes aumenta com a durao da jornada, particularmente se associada s ms condies de trabalho. Em estudo realizado em indstria petroqumica na Regio Metropolitana de So Paulo, Fischer et al, 1998, e em empresa do ramo grfico (Fischer et al, 1997b), foi observado que os trabalhadores em turnos tem piores condies de trabalho, sujeitos a doenas mais srias decorrentes dos vrios estressores combinados, quando comparados a seus colegas diurnos, especialmente os que trabalhavam nas reas administrativas. Assim sendo, um maior risco de acidentes e de problemas de sade est associado com o trabalho em turnos e com condies de trabalho inadequadas. Em outro estudo conduzido por Fischer et al (2000), tambm realizado em indstria petroqumica que tinha implantado turnos de 12 horas de trabalho dirias, foi observado durante o perodo de trabalho noturno uma significativa diminuio na percepo do alerta, e esta reduo se fez sentir mais pronunciadamente na dcima hora do turno noturno (s 05:00 horas da manh), comparado a outros perodos de trabalho, tanto diurnos quanto noturnos. Os administradores desta empresa resolveram, em comum acordo com os trabalhadores em turnos, manter turnos de 8 horas dirias, em funo dos maiores riscos segurana do trabalho que as jornadas prolongadas poderiam trazer. Em recente artigo Nachreiner et al, (2000) mostram que o risco relativo de sofrer acidentes de trabalho fatais aumenta significativamente aps a nona hora de trabalho. Os dados desta pesquisa compreendem todos os acidentes fatais ocorridos na Alemanha, entre 1994 e 1997, e as fontes foram as principais agncias governamentais na rea de preveno de acidentes, e federao de trabalhadores alemes. Os resultados no aconselham que se deva adotar jornadas dirias mais longas, com o acmulo de mais horas trabalhadas num determinado perodo do ano ou mes, conforme permite a Diretiva Europia das horas de trabalho. Costa (1996) chama a ateno para vrias questes importantes relacionadas ao trabalho em turnos e a ocorrncia de acidentes ou erros no trabalho. Segundo ele, as pesquisas publicadas revelam principalmente dados de acidentes mais graves, no sendo avaliados os incidentes e acidentes de menor gravidade. O real efeito do trabalho em turnos nos acidentes poderia estar subestimado. Este autor comenta tambm que, possivelmente haja hoje maior vulnerabilidade a erros no trabalho, do que no passado, devido ao uso intensivo de tecnologias que requerem longos perodos de monitoramento, e conseqentemente, maior alerta e vigilncia dos trabalhadores, quando comparadas s antigas atividades manuais.

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5.3. Sono As dificuldades de sono so um grande problema para os trabalhadores em turnos, em particular para aqueles que trabalham noite. Significativo nmero de pesquisas foi publicado destacando vrios tipos de perturbaes de sono; entre elas, citam-se alguns exemplos: a. reduo na durao do principal perodo de sono (Akerstedt e Torsvall, 1985; Akerstedt e Gillberg, 1981, 1982; Akerstedt, Kecklund e Knutsson, 1991; Ch et al, 1989; Epstein et al, 2000; Fischer, Scatena e Bruni, 1987; Fischer et al, 1997a; Fischer et al, 2000; Frese e Harwich, 1984; Knauth e Rutenfranz, 1981; Knauth et al, 1980; Tepas et al, 1981; Tepas e Mahan, 1988);. b. aumento na sonolncia (Akerstedt, 1988, 1996; Anderson e Bremer, 1987; Gillberg e Akerstedt, 1981; Lowden, 1998; c. aumento dos cochilos ou perodos de sono fragmentados (Akerstedt e Torsvall, 1985; Brown, 1990; Rosa, 1993); d. piora na qualidade do sono (Frese e Harwich, 1984; Fischer et al, 1986, 1997; 2000; Fischer, 1990; Fischer e Paraguay, 1991; Foret et al, 1981; Rahman, 1988; Tepas, Walsh e Armstrong, 1981). e. fatores ambientais (rudo, desconforto trmico) perturbam o sono diurno (Fischer et al, 1988; Koller, Kundi e Cervinka, 1978; Knauth e Rutenfranz, 1975). A estrutura do sono diurno distinta daquela apresentada pelo sono noturno: os episdios do sono paradoxal e do estgio 2 so mais curtos, a latncia do sono pode ser maior e a distribuio do sono paradoxal diferente nos perodos de sono diurnos (Akerstedt, 1985; Torsvall, Akerstedt e Gillberg, 1981; Foret e Benoit, 1974, 1978; Knauth e Rutenfranz, 1975). Estas diferenas traduzem-se em percepo de uma qualidade usualmente pior quando o sono diurno. Na figura 6 esto representadas as auto-avaliaes da qualidade de sono de trabalhadores em turnos rodiziantes e diurnos, de uma indstria petroqumica. Os dados referem-se publicao de Fischer (1990). H diferenas significativas (p < 0,05) entre os turnos de trabalho matutino (manh) e vespertino (tarde) com o noturno (1n=1 noite, Noite=2 6 noites, e 7n =7 noite). As piores auto-avaliaes (menores escores) da qualidade do sono coincidem com os dias de trabalho noturno. Quando comparados os dias de trabalho diurno (ADM) dos empregados administrativos e operacionais diurnos (7h30 min. s 16h30 min, segunda a sextafeira) com os seus dias de folga (sbado-sb. e domingodom.) no so observadas diferenas significativas. Entretanto, diferenas significativas (p < 0,05) so notadas entre os dias de trabalho noturno, dos trabalhadores em turnos e os respectivos dias de folga aps trabalho noturno. Ou seja, os trabalhadores em turnos qualificam seu sono como pior do que seus colegas diurnos, e h diferenas entre os dias de trabalho e de folga. Isto justifica por que eles precisam ter um maior nmero de dias livres de folga, do que seus colegas diurnos. A variao circadiana da sonolncia nos faz sentir mais sono em determinadas horas do dia e da noite. Os perodos de maior sonolncia diurna e noturna so respectivamente, os prximos hora do almoo, e durante a madrugada. Assim sendo, mais difcil para quem trabalha noite iniciar o sono de manh, do que no incio da tarde. De forma similar, mais rduo ficar acordado noite quando a sonolncia maior, do que em outros perodos. Tambm pode ser

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observada maior sonolncia no incio da tarde, e s vezes luta-se contra o sono para se manter alerta no trabalho. Isto mais difcil se foi preciso acordar de madrugada para entrar no trabalho s 06:00, 07:00 h da manh. Em alguns pases da Amrica Latina, a siesta ainda um costume (Taub, 1971), mas so poucos os que podem interromper o trabalho e voltar para casa para uma soneca. Geralmente, os locais de trabalho no tm locais para repouso. Entre os numerosos trabalhos publicados sobre sono, cita-se o de Lavie et al (1989) com trabalhadores de refinarias e de indstria de alumnio. Os resultados refletem as repercusses do sono em outras esferas. Foi observado que os trabalhadores que apresentavam distrbios de sono (15% a 18% da populao estudada) tambm estavam menos satisfeitos com o trabalho, tinham mais problemas domsticos, maior morbidade (por problemas cardacos, enxaquecas, diarrias e dores nas costas), presso sangnea diastlica mais elevada, mais queixas e utilizavam mais medicamentos. Da a expresso que estes autores usaram: um marcador de uma sndrome de m adaptao. Em recente e elegante reviso feita por Akerstedt (1998), sobre os padres de atividade e repouso utilizados pelos trabalhadores em turnos, uma das concluses : o trabalho em turnos claramente afeta o sono e a viglia, de uma forma predizvel. O autor tambm comenta resultados de estudos que avaliam a extenso do sono matutino aps o trabalho noturno, o sono fragmentado, a freqncia e durao de cochilos, o atraso no sono principal aps trabalho noturno, as estratgias utilizadas pelos trabalhadores noturnos para dormirem melhor segundo a escala de turnos em vigor. Com o passar da idade, muitas pessoas percebem que seu sono deteriorou. Para os trabalhadores em turnos foram observados que os principais efeitos do envelhecimento no sono so: uma diminuio geral no estgio do sono onde predominam o sono de ondas lentas, maior durao do estgio 1 de sono, um aumento no nmero e na durao de despertares, maiores mudanas nos estgios de sono (Hrm, 1993). So razoavelmente bem conhecidas muitas das variveis que interferem no sono, mas ainda esto sendo avaliadas quais so as melhores estratgias para obter um timo sono e reduzir os efeitos negativos do trabalho em turnos. Para alcanar esta meta, modelos preditivos esto sendo desenvolvidos, baseados em dados coletados em campo. Os seguintes parmetros so utilizados nos atuais modelos: a durao e perodo do sono principal, os cochilos anteriores ao incio do trabalho (sua durao, freqncia e momento quando ocorrem). Atravs destes modelos pode-se tambm prever o nvel de alerta (ou o grau de sonolncia) ao longo das horas do dia e da noite, inclusive durante o trabalho, as possibilidades de haver episdios involuntrios de sono durante o trabalho (micro-sonos), e o tempo necessrio para recuperao (Akerstedt, 1996; Folkard e Akerstedt, 1987). Estes modelos tm sido testados utilizando-se questionrios, dirios de sono, escalas de avaliao subjetiva, e medidas objetivas padronizadas. (inserir figura 6) 5.4. Alteraes cardiovasculares As doenas cardiovasculares so a principal causa de morte e incapacidade na maioria dos pases industrializados, e tambm no Brasil, representando um srio problema de Sade Pblica. As causas para o desenvolvimento destas doenas so mltiplas, tais como, as caractersticas

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individuais, estilos de vida, estressores ambientais e no trabalho. A exposio ocupacional a vrias substncias qumicas est associada com o desenvolvimento de doenas cardiovasculares (tais como, dissulfeto de carbono, nitroglicerina, solventes, organofosforados, cobalto, etc). Entretanto, conforme pesquisas publicadas principalmente nas ltimas duas dcadas, tambm so relevantes os fatores de risco de natureza psicossocial, entre os quais se incluem, o trabalho sedentrio, montono, as condies estressoras do trabalho, fumo, e o trabalho em turnos (Alfredsson, 1982). As pesquisas de Knutsson e colaboradores (reunidas na obra de Knutsson, 1989) mostraram, atravs de uma srie de estudos transversais e longitudinais realizados com diferentes populaes de trabalhadores em turnos e diurnos, que h significativo aumento do risco relativo em desenvolver doenas cardiovasculares devido ao trabalho em turnos: quanto maior for o tempo trabalhando em turnos, maior o risco. Foram comprovados que alguns fatores de risco, tais como: o hbito de fumar, dietas mais ricas em carboidratos e lipdios e mais pobres em fibras so mais acentuados entre os trabalhadores em turnos. Os estudos de Knutsson revelaram perturbaes: na dieta, aps o ingresso no trabalho em turnos houve diminuio da ingesto de fibras e aumento de carboidratos e lipdios; no metabolismo lipoproteico, com aumento dos nveis de colesterol, e de apo--lipoprotenas; no aumento do hbito de fumar, possivelmente influenciado pelo ambiente de trabalho ou como uma forma de passar o tempo. A figura 7 apresenta o modelo desenvolvido por Knutsson que explica alguns dos mecanismos que interferem na ocorrncia de doenas, tendo como fator desencadeado do processo o trabalho em turnos. Neste modelo destacada a importncia da dessincronizao de ritmos biolgicos, do aumento de suscetibilidade a doenas, da mudana de hbitos alimentares e de fumo, das perturbaes dos padres scio-temporais combinados com insuficiente apoio na rea social. Rocco, Nabel e Selwyn (1987), citados por Knutsson (1989), levantaram a hiptese de que as alteraes circadianas no suprimento de sangue ao miocrdio e as maiores demandas para exercer esforos durante o perodo noturno, quando o normal seria o repouso e sono, poderiam levar ao aumento de risco da doena coronariana. Recentemente Boggild (2000) em seu trabalho de doutorado, reuniu mais de duas centenas de publicaes sobre o assunto, analisando-as criticamente. As publicaes dizem respeito aos riscos de desenvolvimento de doena cardiovascular, e os possveis fatores associados: caractersticas das escalas de trabalho, condies de vida, caractersticas individuais (gnero, idade, ndice de massa corporal, valores sanguneos de triglicrides, colesterol de baixa densidade e outros marcadores biolgicos de stress), classe social, riscos ambientais, fatores relacionados com o stress no trabalho. Quase todos os trabalhos publicados apresentaram o trabalho em turnos, direta ou indiretamente como fator de risco no desenvolvimento das doenas cardiovasculares. Entretanto, os muitos autores destas publicaes basearam suas observaes utilizando distintas metodologias na coleta de dados, nas formas de anlises, no controle das variveis do estudo. Boggild discute vrias questes metodolgicas dos estudos publicados. Alguns de seus comentrios dizem respeito falta de controle ou de detalhamento na exposio aos riscos, neste caso, ao trabalho em turnos. Segundo este autor, h necessidade de se conduzir uma precisa avaliao da caracterizao dos turnos de trabalho- sua natureza, tipo de trabalho em turnos, as caractersticas das escalas de trabalho, nmero de anos trabalhando nas respectivas escalas- para que seja possvel diferenciar os graus de exposio passada e presente

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nas populaes estudadas, e os possveis efeitos destas exposies. Como um dos exemplos, cita que algumas pesquisas podem ter includo num mesmo grupo exposto ao trabalho em turnos pessoas que presentemente ou no passado estiveram expostas a este tipo de trabalho, mas que trabalharam poucas noites por semana ou por ms, e juntas estavam pessoas que trabalharam em escalas com grande nmero de noites de trabalho por ms, tendo portanto estas ltimas maiores riscos que as primeiras. Esta tese discute as caractersticas de variveis confundidoras e mediadoras entre o trabalho em turnos e os efeitos observados, no caso, as doenas cardiovasculares. Em pesquisas conduzidas para apresentao deste trabalho de doutorado, dois trabalhos de Boggild e Jeppesen (2000a, 2000b) realizaram avaliaes de vrios parmetros marcadores de stress e de risco de doena cardiovascular, entre enfermeiras e auxiliares de enfermagem em vrios hospitais da Dinamarca. Um dos estudos (2000a) foi realizado o que se chama de estudo de interveno, ou seja, foram realizadas modificaes nas escalas de trabalho para avaliar se as mudanas (turnos mais regulares, diminuio do nmero de noites de trabalho, aumento dos dias de folga, e estas mais coincidentes com fins de semana, rodzio direto nas escalas), produziriam modificaes nos biomarcadores para doena cardaca e stress. Os grupos controles mantiveram seus horrios e escalas de trabalho, que apresentavam maiores irregularidades, assim como maior nmero de noites de trabalho. Realizadas avaliaes dos nveis de prolactina, colesterol de alta e baixa densidade, triglicrides, fibrinognio, e hemoglobina glicosada, antes e aps modificao de escalas de trabalho em turnos, foram observadas mundanas favorveis na maioria dos parmetros analisados, no grupo que teve melhorias nas escalas de trabalho. Em outro estudo (Boggild, 2000b), foram tambm comparados os biomarcadores de stress e doena cardaca em vrios grupos de enfermeiras e auxiliares, associados com as condies de trabalho, caractersticas individuais, estilos de vida, e escalas de trabalho. Os resultados mostraram que o nmero de horas noturnas trabalhadas (entre 22:00 e 6:00 horas da manh) estava associado com maiores nveis de biomarcadores aterognicos. J em 1983, Orth-Gomer havia mostrado que a modificao do sentido do rodzio inverso (noite-tarde-manh- noite) para manh-tarde- noite-manh (rodzio direto) tinha efeitos positivos, com reduo da presso sistlica e da excreo urinria de catecolaminas entre policiais que trabalham em turnos. Segundo esta e outras pesquisas citadas no trabalho de Boggild (Boggild e Knutsson,1999; Boggild et al, 1999) o trabalho em turnos traz de fato modificaes no metabolismo lipdico, e que se traduzem por maiores riscos sade. A tese mencionada concluiu que o trabalho em turnos provavelmente um fator de risco causal aumentando o risco entre 30 a 40 % (no desenvolvimento das doenas cardiovasculares), mas h a possibilidade de que o trabalho em turnos esteja interagindo com fatores desconhecidos, e no haja aumento de risco em alguns casos( p.61). Boggild salienta que absolutamente importante a implantao de escalas de trabalho que sigam critrios que apresentem menor perfil de risco, utilizando-se o conhecimento da ritmicidade circadiana e as preferncias sociais, como forma de prevenir os possveis efeitos do trabalho em turnos, particularmente associado s doenas cardiovasculares. Conforme as publicaes sugerem, a regularidade do trabalho em turnos e a reduo do trabalho noturno so relevantes para a preveno das doenas. (inserir figura 7).

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5.5. Alteraes gastrointestinais Importantes revises da literatura publicadas por Costa (1996) e Vener, Szabo e Moore (1989) relativa aos efeitos do trabalho em turnos sobre a funo gastrointestinal, reveloram que os distrbios gastrointestinais so mais prevalentes entre os trabalhadores em turnos, particularmente naqueles que tambm trabalham noite. Este autores comentam que embora tenham sido utilizadas diferentes metodologias nas dezenas de trabalhos publicados, na grande maioria das pesquisas foi claramente demonstrado que h um maior risco no desenvolvimento de manifestaes do apetite, dispepsia, flatulncia, azia, dores abdominais, constipao e lcera pptica, entre os trabalhadores em turnos. As maiores dificuldades para associar os problemas gastrointestinais com o trabalho em turnos advm dos desenhos de estudos realizados. A grande maioria das pesquisas transversal e retrospectiva, produzindo uma seleo entre os trabalhadores que esto sendo investigados e levando ao que conhece como o efeito do trabalhador sadio. Outro fator que poderia confundir os achados diz respeito a trabalhadores em turnos que so transferidos para outros horrios de trabalho, desta forma reduzindo o risco dos que permaneceram no trabalho noturno. Um trabalho de Segawa e colaboradores, publicado em 1987, e citado por Vener, relata um inqurito realizado com 11 657 trabalhadores japoneses. Os autores constataram que a lcera gstrica era duas vezes mais freqente entre os trabalhadores em turnos do que entre diurnos; este estudo tambm revelou que parece haver uma maior capacidade ulcerognica residual entre os ex-trabalhadores em turnos. Em pesquisa de Tarquini, Cecchetin e Cariddi (1986) foi observado que o trabalho em turnos pode provocar uma mudana importante no sistema de secreo da gastrina e acidopepsina, causando dificuldades na digesto de certos alimentos ingeridos em determinados perodos do dia. Tepas (1990), em uma reviso crtica sobre o assunto, levantou uma srie de questes quanto a considerar-se piores os hbitos de refeies, nutrientes ingeridos em cada refeio e consumo de cafena e lcool entre trabalhadores em turnos e diurnos. Lanando mo de estudos por ele conduzidos entre 1810 trabalhadores dos setores de plstico e borracha, no encontrou diferenas estatisticamente significantes no tocante a consumo de caf e lcool entre trabalhadores cm turnos e diurnos. Acredita Tepas que efetivamente possa haver diferenas nos hbitos alimentares de trabalhadores diurnos e em turnos, mas que influncias nos padres sociais e culturais dos trabalhadores sejam mais importantes para explicar estas diferenas no que diz respeito aos distrbios nutricionais e nas conseqentes queixas e sintomas de problemas gastrointestinais, que o fato de isoladamente a pessoa trabalhar em turnos. Lennerms et al (1993), realizando uma avaliao nutricional (quantidade de gordura, sacarose, fibras, cido ascrbico e energia) de cada refeio de trabalhadores em turnos rodiziantes, tambm no encontrou diferenas na qualidade nutricional da dieta, nem na freqncia de refeies e lanches. Estudos realizados no Brasil, com petroqumicos (Fischer, 1990; Fischer e Paraguay, 1991), tambm no evidenciaram maior consumo de lcool e caf entre os trabalhadores em turnos comparados com trabalhadores diurnos da mesma empresa, faixa etria e tempo no emprego. Entretanto, um maior consumo de caf e bebidas foi observado entre pessoas que exerciam funes gerenciais, independentemente de se trabalhavam de dia ou noite. Em estudo anterior

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com carreteiros (Fischer et al, 1988) observaram um acentuado consumo de caf (um litro em mdia) durante trabalho noturno, para manter a viglia na direo do veculo. Para manter