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  • ALEXANDRIA Revista de Educao em Cincia e Tecnologia, v.4, n.2, p.3-30, novembro 2011 ISSN 1982-5153

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    O Saber Matemtico na Vida Cotidiana: um enfoque etnomatemtico

    ELIANE MARIA HOFFMANN VELHO1 e ISABEL CRISTINA MACHADO DE LARA2 1Faculdades Integradas de Taquara/FACCAT, RS, [email protected] 2Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul/PUCRS, [email protected]

    Resumo. Este artigo apresenta uma pesquisa cujos alicerces foram construdos na perspectiva da Etnomatemtica, considerada como uma proposta pedaggica que reconhece os diferentes modos de se produzir Matemtica em distintos grupos culturais. Atravs da anlise dos saberes matemticos produzidos e/ou praticados por um grupo de cinco pessoas com baixa escolarizao em suas atividades profissionais, cozinheira, zeladora, costureira, marceneiro e construtor, a pesquisa realizada traz tona a importncia dos saberes matemticos desenvolvidos em cada um desses contextos e sua articulao com os conhecimentos matemticos aprendidos no mbito acadmico, confirmando a idia de que no h apenas uma forma de matematizar. A abordagem etnomatemtica, a partir de seu enfoque holstico e transdisciplinar, procura evidenciar caminhos para concretizao de um ensino da Matemtica mais eficaz. Abstract. This article presents a research whose basis were constructed from the perspective of Ethnomathematics considering it as a pedagogic proposal which recognizes the different ways of producing Mathematics in different cultural groups. Through the analysis of Mathematical knowledge produced and/or practiced by a group of five different persons with a low educational level in their professional activities such as cook, building superintendent, seamstress, carpenter and constructor, this research brings up the importance of mathematical knowledge developed in each one of these contexts and their relation with the mathematical knowledge learnt in the academic environmental and thus confirming the idea of the existence of more than only one way of developing the mathematical knowledge. The ethnomathical approach starting from a holistic and a transdisciplinarity focus aims to put in evidence the ways to make it possible the teaching of a more efficient Mathematics. Palavras-chave: Educao Matemtica. Matemtica formal. Matemtica informal. Etnomatemtica. Key words: Mathematical Education. Formal Mathematics. Informal Mathematics. Ethnomathematics.

    Introduo

    Com a progressiva evoluo cientfica e tecnolgica, o aprender exige cada vez mais novas formas de construir os conhecimentos e se constitui numa exigncia social, sendo

    indispensvel para o desenvolvimento pessoal, profissional e, conseqentemente, econmico das pessoas.

    Os conhecimentos matemticos no se imunizam dos efeitos desse desenvolvimento gradativo. Atualmente, a Matemtica pode ser aceita tanto como cincia formal e rigorosa,

    como, tambm, um conjunto de habilidades prticas necessrias sobrevivncia. H, portanto, duas formas de conhecimento matemtico, conforme DAmbrosio constatou ao estudar a histria da Matemtica: a Matemtica formal ou acadmica, ensinada e aprendida nas escolas, e a Matemtica informal, praticada por grupos culturais delimitados (sociedades tribais nacionais, crianas de certa faixa etria, classes profissionais, etc.). Trata-se, respectivamente, do conhecimento matemtico trabalhado na sala de aula (legitimado) e do conhecimento matemtico produzido fora da escola (no legitimado). Vale ressaltar que

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    DAmbrosio (2005b) considera como cultura um conjunto de mitos, valores, normas de conduta e estilos de conhecimento compartilhados por pessoas espacial e temporalmente situadas.

    Assim, na escola e na academia, a Matemtica Formal ou Acadmica uma cincia de nmeros e frmulas, responsvel pelo desenvolvimento de procedimentos relativos ao que

    prprio dos seus princpios dedutivos e indutivos, ganhando, ento, um carter mais rigoroso. Na vida cotidiana, a Matemtica Informal parte da atividade do sujeito, presente desde o ato mais corriqueiro de compra e venda. Nesse sentido, o sujeito se defronta, sem se dar conta, com a Matemtica Formal posta em prtica.

    A Matemtica Informal se ramifica na diversidade cultural, na mistura de saberes diferenciados provenientes da troca de experincias, muitas vezes fruto da necessidade ou de bagagens culturais repassadas. Essa concepo de valorizao e reconhecimento das mltiplas culturas matemticas mostra-se destacada no campo das tendncias em Educao Matemtica,

    denominado Etnomatemtica. Etimologicamente, conforme D Ambrosio (2002), a palavra Etnomatemtica significa arte ou tcnica (tchn = tica) de explicar, entender e atuar na realidade (matema), em um contexto cultural prprio (etno).

    A Etnomatemtica mostra-se em evidncia, h mais de trs dcadas, em muitos

    estudos nos quais a problematizao do ensino da Matemtica objetivada. Constitui [...] um caminho para uma educao renovada, capaz de preparar geraes futuras para construir uma

    civilizao mais feliz. (DAMBROSIO, 2005a, p. 47). Nessa perspectiva, corresponde ao estudo de idias e prticas matemticas [...] desenvolvidas por culturas especficas (etno versus etnia) atravs da histria, com a utilizao de tcnicas e idias (ticas = tcnicas) apropriadas para cada contexto cultural, com o objetivo de aprender a lidar com o ambiente. (ROSA, OREY, 2005, p. 6).

    Essa viso da dimenso educacional no tem como proposta anular a Matemtica

    cientfica, muito menos menosprez-la. A Etnomatemtica no substitui conhecimentos produzidos por geraes de pensadores, mas incorpora a esses valores legados humanidade

    significados prticos (D AMBROSIO, 2005a). Para se trabalhar a Etnomatemtica como ao pedaggica, essencial [...] libertar-se

    do padro eurocntrico e procurar entender, dentro do prprio contexto cultural do indivduo,

    seus processos de pensamento e seus modos de explicar, de entender e de se desempenhar na sua realidade. (DAMBROSIO, 2002, p. 11). Rosa e Orey (2005, p. 6) justificam: Esse

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    programa surgiu para confrontar os tabus de que a matemtica um corpo de estudo universal,

    sem tradies e sem razes culturais. Pensando na problematizao da Educao Matemtica, to criticada atualmente por

    seu carter demasiadamente abstrato, e analisando o resgate cultural que a perspectiva etnomatemtica sinaliza, apresenta-se, neste estudo, uma proposta de resgate de saberes

    matemticos produzidos e praticados no cotidiano. Assim, o objetivo analisar os saberes matemticos produzidos e/ou praticados por pessoas com baixa escolarizao em suas

    atividades profissionais. Para tanto, iniciamos o artigo delineando a perspectiva etnomatemtica, trazendo as

    concepes de alguns autores, entre eles DAmbrosio (1986; 1998; 1999; 2002; 2004; 2005), Freire (1986; 1992; 1997; 1999), Fonseca (2005), Lara (2001; 2007), Knijnik (2002; 2003) e Nicotti (1999). Em seguida, mostramos as convergncias e divergncias entre Matemtica Formal e Informal. Num terceiro momento, apresentamos a metodologia da pesquisa, e a

    seguir alguns relatos e as constataes sobre os saberes matemticos que cada profissional entrevistado manifestou, com seus sentimentos e suas relaes intrnsecas com o formal e o

    informal. Finalmente, destacamos possveis reflexes e indagaes que emergem de todo o trabalho realizado, evidenciando a relevncia da Matemtica na formao de um indivduo

    socialmente atuante.

    A Etnomatemtica Da inevitvel problemtica de facilitar a vivncia no mundo, rico em diversidades,

    surge a Matemtica, assim como tambm outras cincias para tal finalidade. Consequentemente, devido ao seu cunho prtico, a Matemtica veio intervir no contexto histrico como uma ferramenta utilitria na luta pela sobrevivncia.

    D Ambrosio (1999, p. 98) apresenta uma historiografia detalhada sobre a evoluo do pensamento matemtico. Considera que a essncia da historiografia a interpretao de

    fontes histricas implicada por ideologia, na forma de uma Filosofia da Histria. O objetivo de sua proposta historiogrfica [...] recuperar a presena de ideias matemticas em todas as aes humanas, e a resposta a esse objetivo a Etnomatemtica.

    A Etnomatemtica emerge resgatando traos da trajetria humana em prol de sua sobrevivncia, desde os primrdios, pois est presente desde a Antiguidade, sendo produzida

    e praticada pelos povos na tentativa de interagir na realidade. Apresenta-se, portanto, como

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    parte intrnseca na histria das habilidades que afloram das necessidades de adaptao e

    resistncia vida em grupo. A Etnomatemtica concebida por D Ambrosio (2005, p. 22) como um programa

    de investigao historiogrfica, holstico e transdisciplinar, na medida em que os conhecimentos, ao serem gerados, organizados, institucionalizados e difundidos, no podem

    ser fragmentados, pois na sua essncia formam um ciclo a ser percebido na sua totalidade. Sob essa viso holstica, o sujeito cognoscente um ser ntegro e integral pertencente a um contexto social, poltico e cultural, e [...] a abordagem transdisciplinar desenvolve a criatividade necessria para conectar todas as possibilidades dos diferentes assuntos, o que a

    torna muito enriquecedora para a aprendizagem significativa. (DOMINGUES, 2003, p. 39). Tanto D Ambrosio (2004) como Domingues (2003) defendem a desfragmentao das disciplinas como forma de no limitar a agregao do saber. Percebem, na transdisciplinaridade, uma articulao da realidade entre e para alm das disciplinas na busca

    de compreenso dessa complexidade. Lara (2007, p. 222) afirma que isso permite [...] compreender, no apenas objetos de estudo bem definidos ou de estudos multidisciplinares ou interdisciplinares, mas sim, o mundo como um todo, na sua integralidade.. D Ambrosio (2005, p. 28) enfatiza: A realidade percebida por cada indivduo da espcie humana a realidade natural, acrescida da totalidade de artefatos e de mentefatos [experincias e pensares], acumulados por ele e pela espcie [cultural].. Ento, pode-se focalizar a Etnomatemtica na diversidade dos saberes e enxergar na sua totalidade a abrangncia das vrias manifestaes humanas, no apenas no mbito da Matemtica, mas

    como uma nova dinmica para o entendimento das relaes que envolvem distintas culturas, objetivadas, segundo D Ambrosio (2005), pela sobrevivncia e a transcendncia.

    A busca por ultrapassar a Matemtica vista como uma cincia abstrata e formal tem sido apontada por diversos pesquisadores e educadores como uma preocupao no processo de

    ensino e de aprendizagem. Assim, a Etnomatemtica vem sendo apontada como uma vertente da tendncia pedaggica Socioetnocultural. Segundo Fiorentini (1995), essa tendncia se baseia nas idias pedaggicas de Paulo Freire e na Etnomatemtica de Ubiratan D Ambrosio. Os estudos de Knijnik (2003, p. 105) tambm mostram que a [...] Etnomatemtica tem suas origens ligadas aos movimentos de Educao Popular que se desenvolviam na frica e Amrica Latina a partir da dcada de 60., e que o pensamento de Paulo Freire tem influncia no mbito da Educao Matemtica no Brasil e outros pases perifricos, [...] apontando para a politicidade da Educao, sua no neutralidade e seu papel na construo de uma sociedade

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    mais justa e igualitria [...] (KNIJNIK, 2003, p. 105). As ideias de Freire sobre educao so marcas intelectuais de DAmbrosio.

    Para Freire (1997, p. 81), o ato de ensinar [...] no a simples transmisso do conhecimento em torno do objeto ou do contedo. Transmisso que se faz muito mais atravs da pura descrio do conceito do objeto a ser mecanicamente memorizando pelos alunos.. No se ensinam saberes prontos, acabados, mas transformam-se aprendizados atravs de interaes com a realidade, levando em considerao a influncia de toda bagagem de saberes

    que o alunado carrega. Diante disso, Freire (1999) busca uma reflexo sobre a compreenso do ato de aprender, constatando que foi aprendendo que se entendeu que era possvel ensinar. E

    que o aluno no se defronta com saberes apenas na escola, no ato da docncia, mas em toda sua relao com o mundo que o cerca.

    A partir dessa concepo, possvel aceitar e valorizar a importncia das experincias informais, que se manifestam em diversas situaes cotidianas, nas ruas, na famlia, nas salas de

    aulas, na comunidade. Freire (1997) considera um direito de todas as classes populares a superao do que chama saber de experincia feito ou saber de senso comum, todavia observa que no admissvel apenas superar esses saberes cultivados no cotidiano sem partir dele e atravs dele caminhar para conhecimentos resultantes de procedimentos mais formais.

    Argumenta ainda que os alunos tm [...] o direito de saber melhor o que j sabem, ao lado de outro direito, o de participar, de algum modo, da produo do saber ainda no existente. (FREIRE, 1997, p. 111).

    Seguindo essas ideias, o papel da educao adaptar e preparar o indivduo para a vida

    em sociedade, aprendendo como os conhecimentos se transformam, e provocar uma resgate da cultura popular, a partir da cultura e do meio em que vive o educando. Isso facilitaria a

    construo do conhecimento, pois seria o educando o prprio agente da histria. Tanto na viso de Freire como na de D Ambrosio, no basta reconhecer e aceitar

    saberes populares, faz-se necessrio transformar esses saberes em trampolim para uma aprendizagem significativa e utilitria.

    No mbito da proposta Etnomatemtica, essa perspectiva est direcionada para a correlao entre a cultura de um povo e os conhecimentos adquiridos na escola. Com isso, ela permite a aceitao de diferentes formas de fazer Matemtica, utilizadas pelos grupos sociais

    em suas prticas dirias, na tentativa de resolver e manejar realidades especficas, nem sempre perceptveis sob o olhar da Matemtica acadmica.

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    Corroborando essa ideia, Lara (2001, p. 49) afirma: Com o programa Etnomatemtica pretende-se redirecionar os modos de ver a Matemtica como um conhecimento a-histrico, atemporal, sua aplicabilidade universal e sua intensidade nos

    currculos escolares.. Alm disso, um equvoco presente em nossa cultura, segundo D Ambrosio (2005), mostra-se na supervalorizao de determinados pensamentos matemticos sem a projeo de suas utilidades. Pois, se o papel central dos conhecimentos dedutivos produzidos pelas civilizaes o de propiciar tcnicas para lidar com as novas situaes e

    elaborar estratgias para resolver problemas, como ignorar a Matemtica indgena se ela eficiente para aquele contexto cultural? Ou atribuir demasiada importncia Matemtica dos

    ditos elitizados por ser cheia de abstrao e formalismo? Scandiuzzi (2004, p. 193) afirma que [...] necessrio entender a produo matemtica da maioria dos brasileiros e no submet-la aceitao da matemtica importada, imposta, transplantada e transposta pelos invasores, que s uma classe privilegiada detm.

    Segundo D Ambrosio (2002, p. 12), o professor poder transpor para a prtica essas teorizaes sobre a Etnomatemtica, j que essas se fazem sobre a prtica: [...]o uso de material concreto e a formulao de hipteses e, a partir da, at o uso de jogos e a modelagem no sentido mais tradicional so exemplos disso..

    Referenciando o que modelagem matemtica, Bean (2001, p. 52) esclarece:

    [...] Modelagem, como proposta, oferece uma maneira de colocar a aplicabilidade da matemtica no currculo escolar em conjunto com o tratamento formal que predominante no ensino. [...] Para se chegar Modelagem preciso aproximar a matemtica escolar e universitria dos interesses dos alunos e dos aspectos da vida fora da sala de aula, sejam eles do cotidiano, da cidadania ou do meio profissional. (grifo do autor).

    Portanto, a Modelagem pode ser vista como uma estratgia de ensino que leva em

    conta a realidade do aluno. Partir da vivncia do aluno seria sua premissa. Vale destacar o carter holstico evidenciado atravs da modelagem, uma vez que, ao perceber a

    realidade do aluno, ela no ocorre fora de questes polticas, econmicas, culturais e sociais, mas numa integralidade. Alm disso, importante ressaltar que a postura do professor tambm

    se redimensiona ao internalizar o olhar da proposta etnomatemtica. Assim, o cotidiano, que coloquialmente pode ser relacionado apenas com a Matemtica Informal, permeia o mbito acadmico, sendo vivenciado, por exemplo, por meio da modelagem matemtica. Segundo Lara

    (2007, p. 224): A Modelagem Matemtica, ao aliar teoria e prtica, possibilita que o sujeito matemtico seja, cada vez mais, capaz de dar conta dos problemas que o cercam.

  • O SABER MATEMTICO NA VIDA COTIDIANA: UM ENFOQUE ETNOMATEMTICO

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    Nesse sentido, o aluno adulto, devido ao seu histrico de vivncias, tanto pessoal

    como profissional, agrega saberes prticos intrnsecos e necessrios as suas experincias dirias, os quais so importantes e devem ser respeitados como tal. Portanto, na escola, ao se

    defrontarem com conceitos elaborados, esses saberes encontrariam a oportunidade de serem aprofundados e legitimados. A problemtica encontra-se no resgate e significao desses

    saberes. Fonseca (2005) ressalta que o aprendiz adulto, em relao aprendizagem da

    Matemtica, estabelece uma vinculao utilitria, dando sentido atual e interpretando suas aplicaes. Para ele [...] as situaes de ensino-aprendizagem da Matemtica permitem-nos momentos particularmente frteis de construo de significados realizados conscientemente pelo aluno. (2005; p.24-25). possvel, portanto, aceitar e reconhecer no adulto uma maior perspiccia na aprendizagem, j que dispe de bagagens culturais que servem de interface ao saber legitimado, alm de dispor do trabalho para aplicar conhecimentos formais adquiridos.

    Conseqentemente, constatvel que no trabalho tambm adquirimos e aprimoramos distintos conhecimentos atravs da relao prtica e utilitria que ele prope. Tambm

    dispomos da oportunidade de aplicar e testar conhecimentos formais que foram adquiridos em perodo escolar.

    Bail (2002) sustenta que os valores, os saberes, as competncias, a subjetividade e o trabalho em grupo so colocados prova no trabalho. Focalizando a informalidade no

    trabalho, esclarece:

    O desafio de trabalhar em profisses como pedreiro, serralheiro, eletricista, em que a qualificao na maioria das vezes realizada na informalidade, ou seja, o aprendiz acompanha o mestre, constitui uma precariedade do seu vnculo com o emprego, e o que contribui tambm para isso a baixa escolaridade. (BAIL, 2002, p. 81).

    Efeito disso uma banalizao dos saberes que se adquirem na informalidade, at

    mesmo uma desconexo entre os saberes ditos de cunho legtimo e os praticados independentemente da escolarizao.

    Quanto a essas constataes, Freire (1997, p. 111) questiona [...] o que a escola poder aprender com, e o que poder ensinar a cozinheiras, a zeladores, a vigias, a pais, a mes, na busca da necessria superao do saber de experincia feito por um saber mais crtico, mais exato, a que tm direito..

    Na perspectiva dambrosiana, a Etnomatemtica, por ser desenvolvida no cotidiano, tambm se manifesta na cultura do trabalho, atravs da relao dos adultos com seus

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    conhecimentos informais, saberes esses que se redefinem e se aprimoram na experincia

    diria. Em sntese,

    [...] a perspectiva dambrosiana considera, como formas de Etnomatemtica, a Matemtica praticada pelos matemticos e por categorias profissionais especficas; a Matemtica escolar, legitimada; a Matemtica que ocorre nas brincadeiras infantis; a Matemtica praticada pelas mulheres e homens para atender s suas necessidades de sobrevivncia; entre outras. Com isso, o conhecimento matemtico acadmico passa a ser visto como uma das suas formas possveis. (LARA, 2001, p. 55-56).

    De acordo com Nicotti (1999, p. 162), o enfoque no saber matemtico, do ponto de vista didtico, [...] permite destacar algumas peculiaridades: seu carter abstrato; a preciso dos conceitos; o rigor do raciocnio e a especificidade da linguagem.. Essas peculiaridades diferenciam o saber matemtico dos demais saberes. Contudo, como os saberes designados de

    abrangncia matemtica detm algumas particularidades, a utilizao de seus preceitos, assim como o seu ensino, requer diferentes formas de aplicao e percepo. Com esse intuito, a

    Etnomatemtica prope o aproveitamento de aprendizagens populares, com a estratgia de interpretar como cada pessoa lida e entende a Matemtica, para, a partir dessas constataes,

    os saberes serem aprimorados e formalizados na escola. Segundo pesquisas de D Ambrosio (2005), o reflete prioridades e interesses dos

    grupos detentores de poder, pois, [...] muito mais que a importncia acadmica das disciplinas, o currculo reflete o que a sociedade espera das respectivas disciplinas que o

    compem. (DAMBROSIO, 2005, p. 63). Em outras palavras, pode-se entender currculo como uma alternativa social e cultural, da qual a estrutura escolar apropria-se para modelar a

    sociedade e seus indivduos. Efeito disso, entende-se currculo como um elo entre teoria educacional e a prtica

    pedaggica, entre o planejamento e a ao, entre o desejado e o que realmente adentra em sala de aula.

    D Ambrosio concretiza na Etnomatemtica, ou a Matemtica praticada no cotidiano das culturas, sejam elas a cultura escolar, a cultura do trabalho ou a cultura da famlia, a base para o conhecimento, a ser incorporado pela comunidade escolar e lapidado pelo docente de forma a reconstruir e solidificar saberes significativos. Verifica-se, portanto, a preocupao de fazer com que situaes do cotidiano sejam vivenciadas dentro do ambiente escolar no sentido de dar significado a esses saberes praticados fora da escola.

  • O SABER MATEMTICO NA VIDA COTIDIANA: UM ENFOQUE ETNOMATEMTICO

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    Matemtica Formal e Informal Segundo Freire (1986, p. 28): A educao tem carter permanente. No h seres

    educados e no educados. Estamos todos nos educando. Existem graus de educao, mas estes no so absolutos.. Nesse sentido o homem um ser inacabado, pois vive em constante aprendizado, construindo e reconstruindo saberes: A sabedoria parte da ignorncia. No h ignorantes absolutos. (FREIRE, 1986, p. 28). Todos os indivduos detm saberes, sejam eles prticos e teis no trabalho ou no meio social, sejam eles formalizados e aceitos na comunidade cientfica. Pessoas sem estudo no so desprovidas de saberes, apenas lhes falta uma sistematizao do saber existente, para transform-lo e remodel-lo, tornando-o

    amplamente aplicvel. Dentro dessa perspectiva, a Matemtica contempornea, de acordo com Carraher,

    Carraher e Schliemann (1991), tanto pode ser interpretada como cincia formal e rigorosa, como uma prtica informal e perspicaz para o desempenho no cotidiano. Meira (2002, p. 19) acrescenta que, atualmente, inclusive [...] a psicologia cognitiva passou a considerar as conexes entre conhecimentos formais (supostamente construdos atravs da escolarizao) e informais (supostamente adquiridos atravs da experincia diria fora da escola)..

    Segundo D Ambrosio (2004, p. 39), [...] ao nos referimos matemtica, estamos identificando o conhecimento que se originou nas regies banhadas pelo mar mediterrneo. Mesmo reconhecendo que outras culturas tiveram influncia na evoluo dessa forma de

    conhecimento, sua organizao intelectual e social devida aos povos dessas regies.. D Ambrosio (2004) enfatiza tambm, em seus estudos, o quanto essa Matemtica

    foi imposta, sendo considerada por muitas pessoas como nica e universal. Configura-se na chamada Matemtica formal ou acadmica uma forma de dominao pelo carter como foi

    cultuada. Com essa viso, Knijnik (2002, p. 35) explica que [...] o adjetivo acadmico est associado aos grupos dominantes, cuja cultura legitimada como saber culto e cuja produo tem como lcus preferencial as instituies acadmicas, mas sustenta que [...] a matemtica precisa ser compreendida como um tipo de conhecimento cultural que todas as culturas

    geram, assim como geram linguagem, crenas religiosas, rituais e tcnicas especficas de produo.

    Nos estudos de Carraher, Carraher e Schliemann (1991) h uma correlao entre cultura e mente humana, sendo cultura tanto produto da mente quanto algo que conduz o

    desenvolvimento da mente, pois [...] crescemos usando esses instrumentos culturais

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    lngua, sistema de numerao e somos cercados por pessoas que tambm os utilizam. Nossa tendncia termina por consider-lo como naturais e no culturais [...].

    DAmbrosio (2005, p. 19) reconhece que No compartilhar conhecimento e compatibilizar comportamento esto sintetizadas as caractersticas de uma cultura. Ele enfatiza que O conceito de cultura muito amplo e inclui a aglomerao de atitudes e interesses prprios de uma faixa etria, de um grupo sociocultural especfico (DAMBROSIO, 1986, p.41), mas alerta: No se pode definir critrios de superioridade entre manifestaes culturais. Devidamente contextualizada, nenhuma forma cultural pode-se dizer superior a outra. (D AMBROSIO, 2005, p. 78).

    Carraher, Carraher e Schliemann (1991, p. 70) constataram em suas pesquisas que [...] a influncia da escolarizao no se d sempre da mesma forma e que, em certas circunstncias, a contribuio da chamada educao informal pode ser mais eficiente que a da educao formal. No mesmo sentido, para D Ambrosio (1986, p. 60) [...] a Matemtica nas escolas tem que incluir como um tpico bsico o conhecimento, a compreenso, a incorporao e compatibilizao de prticas populares conhecidas e correntes no currculo, para que, paulatinamente, desencadeie uma aprendizagem significativa. No entanto, a Matemtica costuma ser ensinada como um conjunto de regras e frmulas a serem decoradas e aplicadas em exerccios do tipo padro.

    Numa perspectiva etnomatemtica, o aprendizado de Matemtica como disciplina

    nas escolas concilia a Matemtica organizada teoricamente pela comunidade cientfica, aquela detentora de rigores e dedues, com a Matemtica usual, prtica e utilitria. A partir disso, na

    sala de aula, possvel aprender fundamentos tericos que, se entendidos com critrios, servem de base ao pensamento lgico-matemtico (CARRAHER, CARRAHER, SCHLIERMANN, 1991).

    Knijnik (2002, p. 33), fazendo um contraponto entre a Matemtica formal e a informal, pondera que se [...] adquira o conhecimento produzido pela matemtica acadmica, utilizando, quando se defrontar com situaes reais, aquele que lhe parecer mais adequado.

    Isso fica evidente na proposta Etnomatemtica, pois, conforme descreve Halmenschlager (2001), nessa perspectiva cultural, as situaes da realidade so identificadas e analisadas conjuntamente pelo professor e pelos alunos. Dessa forma, realizada uma problematizao na qual eles desenvolvem o saber popular juntamente com o saber acadmico, produzido e formalmente aceito na academia. So manifestaes de situaes-

    problema que trazem um significado social e cultural para o alunado.

  • O SABER MATEMTICO NA VIDA COTIDIANA: UM ENFOQUE ETNOMATEMTICO

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    A tendncia pedaggica com uma abordagem etnomatemtica contempla um vasto

    leque de conhecimentos e saberes que se relacionam, sejam eles formais ou informais. Nessa perspectiva, vislumbra-se a validade e a relevncia tambm dos saberes matemticos

    construdos na prtica do cotidiano, comumente chamado de conhecimento informal. Tais matematizaes podem ser aceitas e identificadas como diferentes Etnomatemticas. Ou seja,

    Questiona-se, nessa teoria, a Matemtica escolar como o nico tipo de Matemtica possvel, o que coloca sob suspeita a universalidade da Matemtica tal como ensinada na escola. [...] Institui-se as Matemticas, dos diferentes povos e etnias. Emerge do discurso da Etnomatemtica a ideia de diferentes Matemticas, todas de igual valor. (LARA, 2001, p. 49).

    A pesquisa aqui apresentada foi realizada e interpretada com base nesses referenciais.

    Metodologia de pesquisa Essa pesquisa obteve dados empricos advindos de um estudo de caso realizado com

    cinco pessoas com baixa escolarizao: uma cozinheira, uma zeladora, uma costureira, um marceneiro e um construtor. A escolha foi intencional, por terem pouca escolaridade e serem

    profissionais bem sucedidos. A abordagem de pesquisa foi qualitativa. Para Andr (1986, p. 18), o estudo

    qualitativo [...] o que se desenvolve numa situao natural e rica em dados descritivos, tem um plano aberto e flexvel e focaliza a realidade de forma complexa contextualizada.

    O objetivo da investigao averiguar e analisar os conhecimentos matemticos praticados por esse grupo de profissionais. Por isso a abordagem qualitativa de pesquisa: a

    quantitativa talvez no fosse eficaz para perceber os saberes matemticos utilizados em suas prticas dirias. Alm disso, segundo Bicudo (2004, p. 104), ao realizar uma pesquisa qualitativa torna-se possvel englobar [...] a ideia do sujeito, possvel de expor sensaes e opinies. O significado atribudo a essa concepo de pesquisa tambm engloba noes a

    respeito de percepes de diferenas e semelhanas de aspectos comparveis de experincias. Como foram apontados os conhecimentos matemticos pertinentes de um grupo especfico de profissionais, destacados pela pouca freqncia escolar, o carter dessa pesquisa qualitativa assumiu a forma de estudo de caso.

    Conforme Andr (1986, p. 17), o estudo de caso, seja simples e especfico ou complexo e abstrato, [...] sempre bem delimitado, devendo ter seus contornos claramente definidos no desenrolar do estudo. O caso pode ser similar a outros, mas ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse prprio, singular.. Desse modo, ao envolver um grupo

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    especfico de pessoas no delimitamos uma amostra representativa, no visando, portanto,

    generalizaes (YIN, 2001), embora o estudo possibilite relacionar os dados obtidos a situaes semelhantes.

    O levantamento de dados foi realizado individualmente com cada um dos profissionais, por meio de entrevista baseada principalmente em questes no-estruturadas.

    Esse tipo de questo mais eficiente porque o entrevistado pode discursar livremente sobre o assunto, sem obedecer a uma ordem rgida de questes e sem se limitar a respostas prontas e

    objetivas (MONTEIRO, 1991). Embora tenha sido elaborado um roteiro de entrevista, novas perguntas eram

    realizadas de acordo com as respostas dadas pelos entrevistados, objetivando no causar tenses no momento da entrevista. As perguntas foram: Qual a sua idade? At que srie voc estudou? Por que voc parou de estudar? Como era o ensino de Matemtica na sua escola? Voc utiliza essa Matemtica que aprendeu na escola? De que forma? Costuma usar outros conhecimentos de Matemtica no seu dia-a-dia ou na sua profisso? Cite exemplos. De que forma aprendeu esses saberes matemticos? Voc acha que a Matemtica que utiliza a mesma ensinada atualmente na escola? Em sua opinio, o que mais importante: a Matemtica escolar ou essa do seu dia-a-dia? Por qu? Qual a importncia da Matemtica para nossas vidas?

    Para compreender melhor a fala de cada um dos sujeitos de pesquisa e coletar outros dados para anlise foram necessrios outros instrumentos, principalmente de observao de suas prticas laborais.

    A metodologia de anlise foi essencialmente descritiva e interpretativa. Relacionamos as narrativas obtidas nas entrevistas e observaes efetuadas no meio

    profissional de cada sujeito com os aportes tericos referenciados, pois, segundo Ldke (1986, p. 1): Para se realizar uma pesquisa preciso promover o confronto entre os dados, as informaes coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento terico acumulado a respeito dele [...].

    Contexto e anlise das entrevistas Apresentamos, a seguir, uma sntese e o contexto das entrevistas com cada

    profissional, confrontando seus baixos nveis escolares com as funes que desempenham,

    usufruindo dos saberes que adquiriram nas experincias prticas.

  • O SABER MATEMTICO NA VIDA COTIDIANA: UM ENFOQUE ETNOMATEMTICO

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    A primeira entrevistada possui 52 anos e desempenha a funo de cozinheira na escola onde trabalha uma das pesquisadoras. Uma razo para sua escolha foi a percepo de estratgias matemticas que ela usa no seu trabalho dirio. O primeiro encontro formal

    aconteceu na prpria escola no horrio de intervalo. Na entrevista, a cozinheira confirmou que estudou at a quarta srie do ensino fundamental, porm de quase nada se lembra, pois mal

    assina seu nome. No continuou seus estudos, porque morava em lugar de difcil acesso. Sobre sua vida profissional, ressaltou que trabalha h 29 anos para a prefeitura de Gramado, RS, onde, inicialmente, trabalhava por contrato emergencial na atividade de servios gerais. Anos mais tarde, prestou concurso pblico tambm para Servios Gerais, sendo a avaliao

    apenas prtica, na qual recebeu orgulhosa a nota 80. Contudo, atualmente, desempenha a funo de cozinheira, preparando refeies, numa escola municipal. No incio da entrevista, ela pareceu apreensiva, porm, como a conversa consistia, num primeiro momento, apenas em relatar fatos de sua vida, ela foi relaxando e se empolgando ao contar sua histria. Apesar de

    rica em historicidade, apenas a entrevista informal no pareceu suficiente para abstrair da cozinheira o que de proeminente havia em seu raciocnio lgico-matemtico, pois apresentou

    dificuldade em descrever exemplos prticos em que utilizava a Matemtica. Ento, outras perguntas e observaes foram sendo colhidas com o contato freqente e em oportunidades

    que foram surgindo, como ao preparar um bolo para assar. Refletindo sobre os saberes matemticos desempenhados pela cozinheira e

    considerando que ela no sabe ler ou escrever palavras, conclumos que seu raciocnio lgico-matemtico foi desenvolvido por conta da exigncia de seu trabalho e de sua vida social. No

    reconhece as letras, mas sabe representar os nmeros e cont-los corretamente, assim como domina as operaes de soma e subtrao. Alm disso, utiliza a soma para resolver clculos

    de multiplicao, demonstra noes de proporo, quantidades de pesos e medidas, fraes. Tambm conhece alguns princpios bsicos da Matemtica financeira para utilizar em

    processos de compra e venda e gerenciamento do dinheiro que recebe. A segunda entrevistada possui 38 anos e zeladora. A entrevista ocorreu em dois

    perodos distintos, pois num primeiro momento no ficaram claros os exemplos do uso que fazia da Matemtica no dia-a-dia. Assim, em outro momento, uma das pesquisadoras acompanhou a zeladora em seus afazeres profissionais. Os encontros se deram no condomnio

    onde mora e trabalha h mais de quatro anos. No segundo a pesquisadora passou a manh com a zeladora, que a levou para conhecer o prdio e seu local de trabalho e foi relatando

    como tudo funcionava, o que possibilitou entender seu pensamento lgico e as estratgias

  • ELIANE MARIA HOFFMANN VELHO e ISABEL CRISTINA MACHADO DE LARA

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    matemticas utilizadas em sua prtica. Ela relatou muitos episdios que lembrava,

    principalmente de como eram rgidos os professores e a escola na sua poca. Quando criana, morava no interior. Frequentou a escola apenas at completar a quarta srie do ensino

    fundamental, perto de sua casa. Para continuar, precisava morar na cidade, o que a impediu de estudar. O seu pouco estudo lhe privou de conseguir muitos empregos rentveis. No

    entanto, h mais de seis anos, zela um condomnio que possui quatro andares com cinco apartamentos em cada um, no total de vinte apartamentos. Esclareceu que cinco j foram vendidos e so habitados, os outros quinze ela precisa arejar quase que diariamente e manter limpos e organizados.

    Na entrevista para detectar os saberes matemticos desempenhados pela zeladora, percebemos que diariamente utiliza muito dos princpios da diviso e, principalmente, a diviso exata. Demonstrou ter desenvolvido entendimento bsico sobre proporo. Desempenha prudentemente o controle e o gasto de dinheiro, mostrando conhecimentos sobre

    juros e porcentagem. Mas o que de mais relevante constatamos foi a destreza com a utilizao da calculadora, principalmente, para clculos mais demorados e para porcentagem.

    Concordamos com Lima (2003, p.183) quando defende o uso das calculadoras da forma como manuseia essa entrevistada, servindo de ferramenta para agilizar a demonstrao do clculo

    sem interferir em seu raciocnio lgico. Ele aponta que o [...] importante papel das calculadoras eletrnicas, no apenas como doadora de tempo, energia e ateno [...] nem somente como anjo da guarda da proteo contra os erros de clculos, mas at mesmo como grande auxiliar da conceituao [...].

    O encontro com a costureira, que possui 35 anos, desenvolveu-se em dois momentos. Primeiramente, a conversa foi informal, na sala de sua casa, com base no questionrio pr-

    estabelecido, quando relatou sua trajetria de vida e os conhecimentos adquiridos. Num segundo momento, em seu ateli, uma pea nos fundos de sua casa, confeccionou um

    conjunto de abrigo, encomendado anteriormente por uma das pesquisadoras com intuito final de acompanhar, na prtica, seu desempenho laboral e de que modo dispe de conceitos

    matemticos. Ela pouco frequentou a escola, apenas at a quarta srie do ensino fundamental,. por falta de motivao e vontade. At iniciou a quinta srie, porm logo desistiu. Como sua famlia era numerosa e mantinha poucos recursos financeiros naquela poca, preferiu

    trabalhar a estudar. Alm disso, seu histrico escolar apresentava dois anos de repetncia, na segunda e na quarta sries. Ressaltou sua grande dificuldade na disciplina de Matemtica:

    [...] no entrava na minha cabea aquelas contas e [...] quando a professora resolvia no

  • O SABER MATEMTICO NA VIDA COTIDIANA: UM ENFOQUE ETNOMATEMTICO

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    quadro parecia to fcil, mas quando eu ia fazer sozinha complicava tudo. Porm, hoje, ela sente necessidade de mais conhecimentos e admite usar muito os conceitos da Matemtica em seu dia-a-dia, principalmente em sua profisso. Ela trabalha durante a semana numa fbrica de

    calados, como costureira, e num ateli montado nos fundos de sua casa, durante os horrios de folga, onde faz reformas e consertos de roupas e confecciona abrigos para comercializar.

    Explicou que precisa tirar medidas, calcular tamanhos e propores, assim como estabelecer preos de venda.

    Constatamos como saberes matemticos desempenhados pela costureira o domnio elementar das medidas e das noes claras de tamanho e proporo, alm da utilizao dos

    princpios da Matemtica financeira, porm sem a utilizao de frmulas, apenas por deduo. Ela conhece tambm as regras de porcentagem, porm as emprega apenas em clculos mais simples. Resolve com facilidade clculos orais envolvendo as quatro operaes. Para estimar o preo cobrado nos consertos que realiza intrinsecamente, ela montou uma funo de

    primeiro grau, ou seja, o preo em funo do tempo empenhado. Desenvolve seus conhecimentos e atitudes matemticas atravs do erro-acerto, analisando as conseqncias de

    seus procedimentos para um melhor resultado. A entrevista com o marceneiro, de 57 anos, transcorreu em sua pequena fbrica,

    localizada nos fundos de sua casa. Em seu escritrio, iniciou-se a conversa informal. Posteriormente, ele mostrou seu local de trabalho e mveis que estava fabricando, para citar

    exemplos de como utilizava a Matemtica. Ele tambm estudou at a quarta srie do ensino fundamental, pois era o estudo oferecido nas redondezas de sua casa. Para prosseguir,

    precisava mudar de cidade ou morar na zona urbana. Sobre sua vida profissional, conta que trabalhou 21 anos como marceneiro em fbricas de mveis, onde aprendeu desde cortar a

    madeira para a montagem at os acabamentos finais de pintura e entrega ao cliente. Atualmente, possui uma oficina nos fundos de sua residncia, onde fabrica e comercializa

    mveis sob medida. Analisando os saberes matemticos desempenhados pelo marceneiro, verificamos

    muitos conhecimentos que esse profissional precisa dispor para desempenhar sua funo, ainda mais por trabalhar sozinho. Precisa de noes de logstica, na parte aritmtica de seus clculos; de geometria, para medir e compor o mvel com simetria, estimativa e coerncia

    entre o idealizado e o concreto; e de Matemtica financeira para calcular o valor gasto no material, o tempo necessrio para a construo e o lucro almejado. Os saberes que adquiriu com o passar dos anos, trabalhando nas fbricas de mveis, apresentam grande utilidade

  • ELIANE MARIA HOFFMANN VELHO e ISABEL CRISTINA MACHADO DE LARA

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    prtica e ainda usufrui de muitos conceitos matemticos dos quais se apropriou durante seu

    perodo escolar. O encontro com o construtor, de 47 anos, aconteceu na sua residncia, local

    completamente construdo por ele. Durante a conversa, tambm informal, ele foi comunicativo, expressou pensamentos e deu explicaes sobre sua profisso e suas

    habilidades matemticas. Disse no ter certeza de at que srie estudou, pois nem as professoras daquela poca sabiam ao certo distinguir os contedos de determinadas sries. Por

    ser zona rural onde morava, de difcil acesso e locomoo, as educadoras eram indicadas para lecionar, sem diploma ou preparo, apenas por indicao ou influncia de parentes. Logo que

    casou ele veio morar na cidade de Gramado, onde comeou a trabalhar numa fbrica de mveis como maquinista, funo daquele que recorta madeira de compensados para a montagem de mveis. Apontou que essa experincia profissional foi importante para o seu trabalho de construtor, pois as noes de medida, tamanhos, limites e propores so as

    mesmas usadas na carpintaria, assim como as ferramentas, que tambm requerem a mesma habilidade e so utilizadas com a mesma funo. Atualmente, trabalha como autnomo,

    construindo desde o alicerce ao telhado de uma casa. Ao examinar os saberes matemticos desempenhados pelo construtor percebemos um

    conjunto de informaes que foram resgatadas na entrevista e muitas estratgias matemticas utilizadas por esse profissional, na prtica de sua funo, como as unidades de medida, os

    ngulos, as propores, a geometria plana e espacial, como tambm princpios de finanas ao estabelecer margem de preo para servios prestados.

    A Etnomatemtica dos profissionais em foco Refletindo sobre os depoimentos e observaes analisadas na pesquisa feita com os cinco profissionais, verificamos que de fato todas as pessoas possuem alguma bagagem cultural, tomada aqui como saberes. A partir de finalidades diversas, mas, principalmente, a de sobreviver aos desafios, criam processos de

    pensamentos e estratgias prprias tendo por inspirao seu conhecimento prvio e aprendizagens adquiridas compartilhando conhecimentos informais.

    Nas entrevistas realizadas com o grupo de profissionais, caracterizados pela baixa

    escolaridade, aparecem diversas situaes rotineiras em que saberes matemticos so utilizados com as mais diversas estratgias de raciocnio lgico. Dentre os saberes matemticos, foram apontados: o uso do clculo oral e escrito; a estimativa no clculo de

    custos e estabelecimento dos preos para venda com pretenso de lucro; a geometria, com destaque para as medidas de comprimento, rea e volume.

  • O SABER MATEMTICO NA VIDA COTIDIANA: UM ENFOQUE ETNOMATEMTICO

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    Para entendermos a influncia da Matemtica escolar na vida desses profissionais,

    apresentamos a vivncia de cada entrevistado com a Matemtica acadmica, levando em conta o que Carraher, Carraher e Schliemann (1991, p. 16) enfatizam: [...] sabemos que extremamente difcil, mesmo para adultos, explicitar muitos conhecimentos que possuem implicitamente. A cozinheira lembrou de seu tempo de aluna quando gostava muito de estudar. Frequentava a escola no perodo da manh e, geralmente, ajudava na cozinha com o preparo da merenda. Nunca repetiu o ano, mas nem sabia se tinha Matemtica naquele tempo porque a professora no usava esse termo para designar a disciplina. Porm se recorda que estudava os

    nmeros at 100 e resolvia continhas de adio e subtrao. Do seu tempo de estudante, a zeladora lembrou que aprendeu a tabuada, contedo muito exigido e cobrado pelo professor. Segundo seu relato, [...] a gente levava reguadas se no aprendia e ficava de castigo em cima de gro de milho o que tinha mais dificuldade. Para ela, foi mais fcil esse perodo, pois sempre teve facilidade em aprender clculos matemticos e lidar com nmeros. Quando questionamos sobre o uso do contedo de Matemtica que aprendeu na escola, ela respondeu que atualmente quase no faz contas de cabea, pois aprendeu a usar a calculadora e ento fica muito mais fcil. Percebemos que ela limitou a Matemtica apenas aos clculos, ento perguntamos se Matemtica era apenas somar ou multiplicar, ela me respondeu que no, mas que no sabia explicar outros momentos

    nos quais usava Matemtica. Na escola, a costureira no lembrava de ter aprendido noes de medida e, se

    estudou, no conseguiu transpor para sua vivncia. Para calcular quanto de tecido vai usar, ou quanto de linha precisa ou o tempo de trabalho dedicado para a confeco de uma pea, foi

    aprendendo com a prtica e em pequenos cursos de corte e costura. J os conceitos de soma e subtrao, assim como multiplicao e diviso, ela trouxe de herana do seu perodo escolar.

    Gosta de fazer as contas de cabea, mas confere o clculo no papel, pois foi assim que aprendeu. Tambm sabe controlar seu dinheiro, comprar, vender e estabelecer preos para

    seus servios.

    O marceneiro, apesar de ser o mais velho dos entrevistados, lembrou de muita coisa sobre seu tempo de estudante. Relatou que, na sua escola, havia apenas dois professores, um

    para 1 e 2 sries e outro para a 3 e 4 sries. Praticamente estudava o dia todo, pois, pela manh, mantinha aula normal e, tarde, fazia reviso de contedos. Os alunos adquiriam

    livros didticos em cada srie e, nesses, encontravam-se todas as matrias, cujas propostas

  • ELIANE MARIA HOFFMANN VELHO e ISABEL CRISTINA MACHADO DE LARA

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    eram seguidas risca. No final do primeiro semestre, havia uma prova, elaborada pelos

    professores regentes e, no final do ano, vinham os exames finais da cidade de Vacaria, RS, que eram respondidos por todos os alunos e, em seguida, essas provas voltavam para a sede

    onde era feita a correo. A mdia era 65% de acertos para a aprovao e a elaborao das questes eram basicamente subjetivas e separadas por disciplinas. Ele contou que respondiam mais de 30 perguntas em cada prova, o que a tornava bem difcil e cansativa, por isso as aulas de reforo tarde.

    Ainda conforme relato do marceneiro, na sua poca, o sistema de ensino era muito rigoroso e os professores exigiam disciplina e ateno total. Grande parte dos contedos tinha

    que ser memorizada, como os verbos e a tabuada. Sobre as aulas de Matemtica, ele recordou de muitas coisas que aprendeu, como as quatro operaes, as historinhas numricas com juros, porcentagem, proporo e tambm com pesos e medidas. A tabuada, a designao das unidades de comprimento e de peso, sabe todas de cor, inclusive citou exemplos.

    Completando a entrevista, o marceneiro confirmou os conceitos que ele aprendeu e decorou na escola, mas foi somente com a prtica e a necessidade que compreendeu e abstraiu esses

    significados matemticos. Tambm revelou que foi na troca com seus colegas e no erro-acerto que hoje capaz de criar qualquer mvel que lhe solicitarem.

    O construtor lembrou que no aprendeu quase nada no seu tempo de estudante, o que sabe foi a vida que lhe ensinou, at porque, durante um ano letivo, muitas vezes, afastava-se

    por dois, trs meses para ajudar seus pais na colheita. E tambm, quando frequentava as aulas, no tinha tempo de fazer os temas ou estudar em casa. Como sua famlia era numerosa,

    precisava cortar lenha, tirar leite das vacas, enfim desempenhar diversas tarefas. Comentou que, nessa poca, os menores de idade no eram obrigados a freqentar diariamente a escola,

    muito menos os pais eram punidos por no cuidar da educao de seus filhos. No lugarejo onde morava, zona rural da cidade de Bom Jesus, RS, esse construtor relata que havia apenas uma sala de aula e uma professora para todos os alunos da redondeza. Acredita que estudavam uns 40 alunos, de idades e sries variadas. Ressaltou que a sala ficava

    lotada e os alunos mais adiantados auxiliavam os que tinham dificuldades, inclusive a prpria professora era quem preparava a merenda. Um aluno, o mais comportado, anotava quem conversava ou levantava do lugar, enquanto a educadora se afastava para organizar o lanche

    que sempre era muito saboroso. Sobre as aulas de Matemtica, contou que os clculos que aprendeu envolviam as quatro operaes, sendo todos muito simples e fceis de fazer, at

    porque sempre resolviam as mesmas continhas e, claro, tinham que decorar a tabuada.

  • O SABER MATEMTICO NA VIDA COTIDIANA: UM ENFOQUE ETNOMATEMTICO

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    Lembrou de nunca ter estudado sobre geometria, noes de medidas, proporo ou

    porcentagem.

    Aps a anlise de cada relato verificamos uma grande defasagem nesse perodo

    escolar. A maioria mencionou mtodos mais rigorosos e tambm a memorizao como forma de aprender, porm isso pouco efeito surtiu. Ficou explcita a falta de uma metodologia

    voltada para situaes concretas, pois, em todas as falas, constatamos que a aprendizagem de cada profissional aconteceu quando ele precisou lidar com o real.

    Muitos sentimentos se mostraram presentes nas entrevistas. A falta de valorizao do que sabiam e at mesmo a banalizao de seus conhecimentos foram as demonstraes mais

    freqentes durante a pesquisa. Por estarem h muitos anos afastados da escola, tratavam a Matemtica como algo inatingvel, que s quem estudante detm e utiliza. Para corroborar tal sentimento por parte dos sujeitos pesquisados torna-se relevante apresentar algumas manifestaes de cada profissional durante a entrevista.

    A cozinheira chamou a ateno ao afirmar que no usa a Matemtica na cozinha, no seu cotidiano. Indagamos se quando faz comida no precisa calcular quantidade de alimento

    correspondente a quantidade de crianas. E se, quando compra algo, no usa a Matemtica para saber se o dinheiro que possui suficiente para realizar as compras. A cozinheira ento

    contou eufrica que com o dinheiro ningum lhe passava a perna: [...] sei contar at 100, somo na mo, multiplicar no sei.. E, aps refletir um pouco, ela respondeu que no era a mesma Matemtica, pois essa disciplina na escola precisa ser feita no papel e os resultados so exatos.

    Quanto zeladora, ela pareceu limitar a Matemtica ao uso de calculadora e mostrou-se feliz por saber domin-la. Mas afirmou que de Matemtica quase nada entende e, devido ao

    seu trabalho, precisa voltar a estudar, temendo que, com o tempo, substituam-na por algum com mais conhecimentos.

    Essa necessidade de conhecimentos matemticos para utilizar no trabalho uma das razes que fazem as pessoas adultas retornarem a estudar e a frequentarem turmas de

    Educao de Jovens e Adultos. Conforme o relato da costureira, a Matemtica ensinada atualmente na escola muito diferente e complicada. Inclusive ela pensou vrias vezes em voltar a estudar, mas sente muito

    medo, ainda mais nos dias de hoje, com a grande evoluo da tecnologia. Ressaltou que a Matemtica que usa no Matemtica, mas [...] uma forma simples de sobreviver e de no deixar que outros nos passem a perna.

  • ELIANE MARIA HOFFMANN VELHO e ISABEL CRISTINA MACHADO DE LARA

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    Destacando a entrevista com o marceneiro, ele foi o nico que explicitou ter claros os

    conhecimentos matemticos que detm e valorizar esses conhecimentos. Ainda lembra de conceitos, frmulas e nomenclaturas matemticas aprendidas na poca que estudava e se

    orgulha por ter transformado esses conceitos tericos em saberes prticos, quando houve a necessidade de utiliz-los no trabalho.

    J o construtor, quando analisado em seu cotidiano, no demonstrou ter discernimento sobre a Matemtica que utiliza Afirmou que achava no dispor da Matemtica

    no seu trabalho. Limitou-se a contar que a usava apenas quando ia estabelecer preos para servios prestados ou quando estimava o que tinha ganhado no ms, assim como o quanto

    deveria pagar de contas. Todas as estratgias usadas no seu trabalho, como as grandezas e as formas e tudo que havia relatado at ento, para ele, no era considerado Matemtica. Era, sim, apenas aquela em que o dinheiro estava envolvido, como na Matemtica Financeira. Situao que retrata uma pessoa detentora de prtica, porm sem, ou com quase nada, de

    teoria.

    A importncia da Matemtica em nossas vidas Na investigao realizada, evidenciaram-se as especificidades da Matemtica Informal, ou seja, dos saberes matemticos produzidos nas prticas sociais examinadas, mostrando a conexo lgica existente entre tais saberes e aqueles legitimados pela Matemtica Formal. Isso corrobora o que Fonseca (2005, p. 52) conclui sobre a bagagem cultural dos adultos, quando aponta que a [...] vivncia profissional, social e pessoal (a includa a vivncia escolar anterior) [...] os prov naturalmente de informaes e estratgias, construdas e/ou adquiridas nas leituras que vm fazendo do mundo e de sua interao nele.. Ao longo dos tempos, tem se admitido a importncia e mesmo a necessidade das

    abstraes que toda a gama de teorias matemticas contempla. De acordo com Lima (2003, p.183), a Matemtica indispensvel para a formao cultural e tcnica do homem socialmente atuante, porque ela [...] permite responder, de modo claro, preciso e indiscutvel, perguntas que, sem o auxlio dela, continuariam sendo perguntas ou se transformariam em palpites,

    opinies ou conjecturas.. Desse modo, a Matemtica apresenta-se como um instrumento para a compreenso e investigao do mundo que nos cerca. Contudo, o estudo sistemtico da Matemtica, devido s suas peculiaridades, propicia o desenvolvimento no s de capacidades

    racionais, mais tambm intelectuais, que so de suma importncia para o desempenho social.

  • O SABER MATEMTICO NA VIDA COTIDIANA: UM ENFOQUE ETNOMATEMTICO

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    Dessa forma, Rocha (2001, p. 28) afirma que o ensino de Matemtica colabora para a nossa formao crtica e conclui que [...] podemos entender e discutir economia e poltica, podemos perceber e questionar as injustias, comparar as diferenas salariais, entender os ndices e os grficos veiculados na imprensa. Alm disso, a Matemtica pode nos auxiliar na tomada de decises e no domnio da tecnologia..

    Ao defender o porqu de se ensinar Matemtica nas escolas, D Ambrosio (1998) exprime uma multiplicidade de razes que se associam a valores como: utilitrio, por ser um

    dos mais fortes impulsionadores do progresso social; cultural, pois cada grupo social aprimora suas prprias formas de matematizar; formativo, porque ajuda a pensar com clareza, desenvolvendo o raciocnio; sociolgico, pois se v a mesma Matemtica praticada em todos os pases do mundo, tornando-se assim universal; esttico, por sua beleza intrnseca, que deve ser admirada.

    Decorre dessa postura que os conhecimentos matemticos, em suma, devem servir e

    ter importncia para uma vivncia social mais qualificada, pois as peculiaridades e a abrangncia dos saberes matemticos promovem um maior entendimento e perspiccia na

    interao com a cultura que permeia, propiciando s pessoas maior autonomia e desprendimento social.

    Alm disso, o estudo gradativo da Matemtica, com suas virtudes racionais, tende a formar cidados influentes, provocando mais que simples aglomerao de conhecimentos,

    porque, devido ao seu carter utilitrio, permite transpor seus conceitos para a realidade, levando o indivduo ao desenvolvimento de seu discernimento poltico, fundamental para a

    nossa sociedade atual. Com base nas reflexes sobre as falas dos cinco entrevistados, fica evidenciado o

    importante papel que a Matemtica exerce na vida das pessoas, pois, para esse grupo de profissionais, ela utilizada em tudo, sendo considerada fundamental para suas subsistncias,

    embora muitas vezes, pela falta de clareza sobre o que Matemtica, pratiquem seus preceitos sem correlacionarem suas reais ligaes.

    Para a cozinheira, [...] sem a Matemtica a gente no consegue arrumar servio, ela importante, pois em tudo tem nmeros e precisamos conhecer e somar e diminuir. Ao analisar sua justificativa, percebemos que, primeiramente, ela identifica a Matemtica como uma exigncia imposta, necessria para se conseguir emprego e interagir socialmente. Ao confrontar sua resposta com todas as observaes feitas, constatamos controvrsias entre o

    seu discurso e a sua prtica, pois ficou claro, durante a entrevista, que para esta profissional o

  • ELIANE MARIA HOFFMANN VELHO e ISABEL CRISTINA MACHADO DE LARA

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    termo Matemtica visto como algo formal e no como ferramenta para resolver problemas

    corriqueiros em seu trabalho ou na vida particular. Isso se verifica quando ela, por vrias vezes, nega que use Matemtica no seu trabalho ou no cotidiano, mostrando desconhecimento

    de muitas das ramificaes que envolvem a Matemtica. J para a zeladora [...] a Matemtica muito importante sim, pois no vivemos sem nmeros, tu sai para viajar, tem que calcular o que vai gastar, controlar horrios de nibus, confirmar os nmeros dos endereos. Quando t trabalhando tambm. Mas acho que ela ainda mais til quando se trata de dinheiro [...] ela que nos move, precisa ser bom de Matemtica para no ficar com o nome sujo. Com a explicao do seu ponto de vista, fica claro que a Matemtica Financeira, por seu sentido prtico e utilitrio, vem destacada por ela como a parte mais importante da Matemtica. Mas percebe-se tambm que ela identifica na Matemtica uma maior abrangncia por sua praticidade, principalmente nos nmeros. A costureira explicitou que [...] a Matemtica um controle de vida, somando voc sabe o que pode gastar antes de receber os pagamentos e tambm dar preos aos nossos servios, mas tem que pensar muito para no fazer errado. Ela muito difcil. Nas suas palavras, essa profissional fez uma importante constatao, pois realmente a Matemtica no deixa de servir como controle e previso de muitas atitudes humanas, por sua aplicao

    prtica. E destacou que, quando matematizamos, torna-se necessrio ter ateno e concentrao, para evitar o erro, apontando um dos requisitos primordiais dessas proposies

    que abstrao. Ainda em seu desabafo, ela designou a Matemtica como difcil, caracterstica esta do carter rigoroso e preciso de algumas demonstraes matemticas ou do

    modo que era cobrada pelo professor. O marceneiro foi mais abrangente ao explicitar: [...] a Matemtica importante para tudo, na minha fbrica tudo t envolvendo os nmeros e as medidas, desde comprar a madeira e montar certo o pedido at fazer uma boa venda. Quando vou gastar o que ganhei tambm preciso somar e fazer contas. Quando vou pedir dinheiro a juro no banco, ou mesmo quando empresto pra algum, mais ainda preciso da Matemtica pra me ajudar a saber o juro que rende.. Analisando sua postura na entrevista, ele demonstrou que domina vrias reas da Matemtica e que reconhece seus benefcios prticos, pelo menos o bsico para interagir em

    sociedade com retido e por conta prpria. Alm disso, distinguindo as diferentes finalidades da Matemtica, esse entrevistado se aprimorou profissionalmente, usufruindo das suas

  • O SABER MATEMTICO NA VIDA COTIDIANA: UM ENFOQUE ETNOMATEMTICO

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    funcionalidades. importante ressaltar que esse alcance matemtico, como forma de plena interao social, mostra-se como um dos objetivos finais dessa disciplina. O construtor restringiu o conceito de Matemtica, ao se referir que, [...] a Matemtica muito importante [...] como que vamos entrar no mercado comprar coisas, tem que ver se o dinheiro vai dar pra pagar. E tem que ver se o salrio que tiro no ms d pra pagar as contas e comprar o rancho.. Em seu discurso, esse entrevistado apresenta a Matemtica como importante e

    necessria nas relaes econmicas, caracterstica do lado prtico que essa disciplina contempla. Todavia, esse profissional desconhece muitas aplicaes matemticas, pois todos

    os conhecimentos que relatou na entrevista, em que utiliza diariamente a Matemtica em seu ofcio, como a geometria, a aritmtica ou a simetria, no so para ele aceitos como

    Matemtica, mas como simples estratgias laborais. Inclusive, quando questionado sobre que conhecimentos utilizava em seu trabalho, ele afirmou que no usava a Matemtica em seu

    trabalho, e se a usava, era apenas para estabelecer o preo do servio que prestaria. Para ele, a Matemtica vlida era apenas a Financeira, em que o dinheiro, os nmeros e os clculos

    prticos esto envolvidos. Concordamos com Lima (2003, p. 184) quando afirma que: A Matemtica indispensvel por tudo isso [formao cultural] e, mais particularmente porque serve o homem. Porque tem aplicaes., embora isso no seja percebido por todos os entrevistados.

    Consideraes finais Ao tomarmos a Etnomatemtica como enfoque dessa pesquisa, foi possvel

    reconhecer as diferentes maneiras de se produzir Matemtica existentes em distintos grupos culturais, problematizando a idia de que no h apenas uma forma de matematizar e de que

    todos produzem conhecimentos matemticos nas mais diferentes expresses. A partir dessa perspectiva, de valorizao e aceitao de diferentes saberes, algumas

    concluses se evidenciam. possvel detalhar diversos saberes matemticos aplicados no desempenho das atividades laborais pelos profissionais entrevistados. Saberes esses que se

    mostram refletidos na resoluo de situaes-problema como, por exemplo, o clculo total a ser cobrado por um servio prestado e a estimativa de troco a ser devolvido. Tais evidncias foram flagradas principalmente nas entrevistas da costureira, do marceneiro e do construtor,

    pois ambos trabalham informalmente. Para esses profissionais a Matemtica se apresenta

  • ELIANE MARIA HOFFMANN VELHO e ISABEL CRISTINA MACHADO DE LARA

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    como instrumento importante na relao social e econmica, em que utilizada como

    estratgia para obteno de lucro. A zeladora e a cozinheira tambm participam de situaes envolvendo clculos de despesas e estimativa de troco, porm em outra situao, ao

    interagirem no comrcio. Ficou aparente tambm a considervel relevncia da Geometria, com seu emprego

    macio pelos cinco profissionais. Aplicaes prticas da relao de pesos e medidas em comprimento, rea e volume; proporcionalidade e simetria ficaram evidenciadas durante a

    investigao. Tais apropriaes se mostraram claras em situaes como: medir quantidades dos ingredientes de receitas, clculo e distribuio equivalentes de materiais nas etapas da

    confeco de roupas, projeo e elaborao de mveis ou at mesmo, presentes em todas as etapas da construo de uma casa.

    Apesar dos conhecimentos da Geometria estarem em evidncia nas situaes do cotidiano, notria a sua baixa ocorrncia nos perodos letivos em sala de aula. A ausncia

    muitas vezes do estudo da Geometria nas escolas justifica-se, por razes diversas, tanto pela falta de preparo e entendimento de seus conceitos pelos professores, como por currculos mal

    estruturados, que desprendem pouca significncia e tempo para sua abordagem. Contudo, essas justificativas de forma alguma desabonam a importncia do pensamento geomtrico para a formao de um cidado atuante em sociedade.

    Diante dessas observaes, cabe propor o estudo da Geometria, nas escolas, a partir de

    um enfoque mais concreto e experimental, voltado anlise do espao tridimensional no qual vivemos, pois dessa forma o aluno aprende e desenvolve saberes na sua prpria realidade,

    incorporando conhecimentos que j abstraiu aos que passa a perceber atravs da interao com o professor.

    possvel tambm reconhecer, na investigao realizada a relevncia dos conhecimentos que permeiam a Matemtica Financeira, por tratar direta e indiretamente do

    sistema monetrio com tamanha predominncia na nossa vivncia. Dessa forma, fica visvel, nesse estudo, que os contextos profissionais so ricos em situaes matemticas, pois se

    identificam diversos usos prticos de saberes lgicos, com diferentes interpretaes e variadas utilizaes.

    A partir dessas constataes, ao repensar o ensino da Matemtica, importante refletir

    sobre uma viso utilitria aos conceitos matemticos a serem abordados com os alunos, objetivando aprendizagens mais significativas nas quais consigam se valer dos saberes

  • O SABER MATEMTICO NA VIDA COTIDIANA: UM ENFOQUE ETNOMATEMTICO

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    adquiridos, para a resoluo de problemas de seu dia-a-dia, considerando seu modo de

    matematizar e os saberes que trazem de suas experincias. O entendimento dos entrevistados sobre Matemtica mostra que, por desconhecerem a

    aplicabilidade dessa cincia, em muitos casos, seus procedimentos so empregados sem serem considerados como sendo matemticos. Essa banalizao, perante os conhecimentos que

    detm, pode ser atribuda tambm ao carter abstrato adotado pelos seus professores, o que impossibilitou a percepo dessa aplicabilidade.

    A Matemtica ensinada ainda por muitos professores no tem relao com a realidade. O modo como explorada e abordada no traduz sua relevncia para a interao social e no

    favorece a formao de cidados plenamente atuantes. Efeito disso, a divergncia apresentada em relao Matemtica Formal, ensinada no cotidiano da escola e a Matemtica Informal, utilizada no cotidiano do aluno, evidenciada durante a realizao das entrevistas.

    Decorre tambm, dessa postura, que aprender Matemtica no se resume em frmulas

    a serem memorizadas ou demonstraes a serem aplicadas, muito menos em estratgias de resoluo mecnicas. O ensino de Matemtica, nessa perspectiva, visto como um

    instrumento para a compreenso, para a investigao, para a formao integral. O estudante deve ser instigado a construir a sua prpria forma de manejar a Matemtica, com produo autnoma e racional. Nessa perspectiva, a diversidade de contextos, os conhecimentos que permeiam e suas inter-relaes so tratados como pilares do desenvolvimento cognitivo uma

    vez que o sujeito do conhecimento deve ser considerado em sua integralidade, como um constructo social, cultural, econmico e religioso.

    com esse sentido que se perfila uma postura transdisciplinar no ensino da Matemtica que pode contribuir para a evoluo do processo de ensino e de aprendizagem.

    Essa postura permite reconhecer a bagagem cultural dos alunos e, a partir dela, incorporar habilidades, atravs de experincias tratadas na escola, que desenvolvam competncias

    relacionadas com o saber fazer e o saber usar a Matemtica Formal na sua realidade Informal.

    Finalizando, ressaltamos, numa perspectiva dambrosiana, a importncia de um enfoque etnomatemtico capaz de trazer tona uma Matemtica til como instrumentadora para a vida e para o trabalho, articulada a formas culturais distintas de matematizar, associada

    ao contexto cultural do aluno, valorizando e utilizando seu conhecimento matemtico prvio.

  • ELIANE MARIA HOFFMANN VELHO e ISABEL CRISTINA MACHADO DE LARA

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    ELIANE MARIA HOFFMANN VELHO - Licenciada em Matemtica Plena (2008) pela FACCAT - Faculdades Integradas de Taquara/ FACCAT. Atualmente cursa disciplinas no Mestrado em Educao em Cincias e Matemtica na PUC - Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.

    ISABEL CRISTINA MACHADO DE LARA - Licenciada em Matemtica (1993), Mestre (2001) e Doutora em Educao (2007) pela UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente realiza seu Ps-Doutoramento em Educao em Cincias e Matemtica na PUC - Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, beneficiria de auxlio financeiro da CAPES Brasil. Seu tema de doutoramento foi a constituio do professor de Matemtica produzidos atravs dos Exames Nacionais. Atualmente, dedica-se pesquisa em Inovao e Interdisciplinaridade de Educao em Cincias e Matemtica no sculo XXI.