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Iluminuras, Porto Alegre, v.14, n.32, p. 216-222, jan./jun. 2013
OBRIST, Hans Ulrich. Uma breve histria da curadoria. So Paulo: BEI Comunicao, 2010.
Ronaldo de Oliveira Corra1
OBRIST, suo nascido em 1968, estudou economia e poltica, no entanto,
construiu sua trajetria profissional dedicada curadoria de arte contempornea e sua
crtica. Desde 2006, coordena as exibies e projetos internacionais da Serpentine
Gallery, em Londres, Inglaterra. Alm disso, atua como curador em diferentes
equipamentos culturais na Europa e colabora com revistas de arte como Abitare e
Artforum.
Em um dos seus projetos, a srie Interview Project com edio em portugus
sob o ttulo Entrevistas publicado pela Editora Globo (Volumes 1 e 4) e Pela Cobog
(volumes 2, 3 e 5) -, conversa com artistas, historiadores da arte e curadores de
diferentes origens nacionais, estratgia curatorial ou terica, instituies e espaos
culturais, com o propsito de constituir acervo documental sobre o campo da arte do
sculo XX. A srie Interview Project rene entrevistas de longa durao que seguem as
orientaes metodolgicas e tcnicas da Histria Oral - em grandes traos so gravadas
e transcritas, posteriormente, organizadas e editadas, para ento serem divulgadas em
colees de livros.
O livro aqui resenhado foi lanado como ttulo de A Brief History of Curating
pela editora JRP | Ringier Kunstverlang AG, em 2008. A edio brasileira conservou o
ttulo original Uma breve histria da curadoria e foi lanada pela Editora BEI, em
2010. J no ttulo OBRIST anuncia que a coleo de entrevistas apresentada ao leitor
caracteriza-se por ser parcial, ou breve. Essa estratgia, de tomar por base o parcial,
demarcou sua tentativa fragmentria de uma arqueologia das trajetrias dos atores, suas
inter-relaes e prticas de trabalho em um determinado tempo-espao do campo da
arte.
Tenho por objetivo, de forma mais ampla, explicitar alguns dos temas discutidos
por OBRIST e seus interlocutores no decorrer das entrevistas, para com isso reconstruir
sociabilidades, afetos e circulaes encobertas pelo que o autor chamou de amnsia com
relao aos atores e s prticas curatoriais e expositivas da segunda metade do sculo
XX. Mais especificamente, pretendo focar no trabalho metodolgico de OBRIST com a
1 Universidade Federal do Paran, Brasil.
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entrevista biogrfica, com a esperana de evidenciar a potncia que o trabalho com a
narrao de si possibilita para a escritura de uma histria vista a partir das prticas
cotidianas dos sujeitos.
A edio em portugus de Uma Breve Histria da Curadoria tem a apresentao
feita por Nessia Leonzini. Nesse breve texto, a autora prope a seguinte questo - o que
faz um curador? Sem pretenso a respostas fceis, o que ela faz pode ser encarado como
a preparao do terreno para o projeto que OBRIST nos apresenta no decorrer do livro.
Ao perguntar o que faz um curador, Leonzini nos permite encarar a
multiplicidade de significaes do verbo fazer, como por exemplo, a que se dedica esse
sujeito. Ou ainda, qual o trabalho desse trabalhador. Acredito que entre as duas
possibilidades, a autora decide pelo significado associado dedicao, entendida como
o cultivo esttico de um indivduo especialista, ao modo de um tipo de ilustrao ou
educao artstica.
O trabalho, ou seja, o que faz esse trabalhador dos espaos e polticas culturais
estatais e privadas deslocado, posto em segundo plano, visto que a descrio a respeito
do trabalho adjetivada, romanceada. Em algumas passagens o trabalhar comparado
constituio de uma identidade especfica, a saber, aquela que guarda no sensvel ou,
em um tipo de experincia descompromissada - a constituio de um si mesmo.
O prefcio de autoria de Chistophe Cherix nos coloca em outro lugar,
contrastante com a apresentao, mas, por isso, complementar quela. Seu argumento,
apresentado em processo, inicia com a questo relativa ao papel do curador no universo
dos museus atuais. Esse deslocamento proposto pelo autor permite, mais uma vez,
buscar pelas significaes do que foi dito, ou melhor, escrito.
Ao problematizar o papel do curador, o autor se coloca em outro lugar
argumentativo, a saber, a construo de um cenrio onde atores performatizam conflitos
e adeses, motivados pelas vivncias de circunstncias objetivas e especficas de cada
ao ou drama. Assim, o cenrio seria constitudo pelos equipamentos culturais (museus
e galerias, centros culturais e a rua), os atores pelos curadores e crticos de arte, os
gestores culturais e artistas e, por fim, a ao ou os dramas seriam as relaes e
motivaes que constituem um tipo prtica artstica, seus produtos (as obras), a
exposio desses e a histria da arte contempornea.
Sua estratgia toma a comparao entre o crtico de arte e o curador. Para
Cherix, Diderot e Baudelaire eram reconhecidos pela comunidade da arte como crticos
dos artefatos de arte. Por outro lado, quem eram os curadores? Como trabalhavam?
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Quais eram seus mtodos? Seu repertrio conceitual? Sua trajetria? Cherix afirma que
esse profissional e seu legado permanecem indefinidos, ainda que a intensidade e o
interesse de estudos sobre o tema tenha ampliado. Para esse autor, os estudos recentes
sobre curadoria ainda no deram conta dessa prtica profissional. Ainda mais em se
tratando da curadoria de um tipo de arte que se faz na contemporaneidade.
Posta a tenso, Cherix afirma que o trabalho de OBRIST possibilita construir
cenrio, atores e dramas a partir do exame das circunstncias em que as redes de
relaes entre curadores, exposies e artista constituram e continuam a constituir a
arte da nossa poca.
***
Em Uma Breve Histria da Curadoria, OBRIST teve por objetivo mapear os
processos de curadoria, montagem e divulgao de exposies de arte moderna e
contempornea na Europa, Estados Unidos da Amrica e Amrica Latina, em especial
no Brasil e na Argentina. Seu recorte temporal circunscreve as dcadas de 1970 e 1980,
isso por acreditar que nessas dcadas aconteceu a entrada dessas prticas artsticas
experimentais e contraculturais nas instituies museais e culturais oficiais ou, pelo
menos, estabelecidas e legitimadas. Todavia, seus interlocutores comentam o que
passou em outros tempos e espaos, at como forma de explicao e antecedentes dos
acontecimentos das dcadas de 1970 e 1980.
Com o mapeamento das prticas de curadoria e produo artstica OBRIST,
pretendeu reconstruir o circuito de espaos, equipamentos culturais e cidades na Europa,
nos EUA e na Amrica Latina onde a produo de arte contempornea estava sendo
discutida, praticada e vivida. Buscou, ainda, reconstruir a trajetria de curadores, suas
circulaes transnacionais em museus e os conflitos vividos em face dos agenciamentos
que gestores e polticas de Estado praticavam em relao arte, em especial a pintura e
escultura, mas tambm, a performance e a arte conceitual.
Por estratgia metodolgica OBRIST tomou como apoio os recursos tcnicos da
Histria Oral. Ele entendeu essa orientao como uma forma de produo de
documentos ou fontes primrias para estudo e uso em pesquisas e divulgao de
conhecimento sobre a sociedade atual. Tratou as entrevistas como documentos de valor
histrico para a rea de arte, em especial a histria da arte que trata de temas como a
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arte contempornea e a curadoria. Essa perspectiva pode ser verificada na explicao
que d a uma de suas interlocutoras sobre o projeto.
Esta conversa entra no contexto de uma srie de entrevistas que estou fazendo com os curadores pioneiros. No conjunto, sero onze conversas publicadas em forma de livro. Seu trabalho tem muitas facetas, mas nesta entrevista, iremos nos concentrar, sobretudo, em sua atuao como curadora. (p. 242).
Essa motivao se apresenta mais explicita ao problematizar as circunstncias
que o levaram construo do projeto e da pesquisa:
por isso que esta entrevista to importante. Percebi que h pouca literatura sobre exposies e tambm que h uma amnsia extraordinria em relao histria das exposies. Quando comecei como curador, tive que reunir vrios documentos; no havia livros, nem mesmo sobre Alexander Dorner ou [Willem] Sanderberg. Em face dessa extrema falta de memria em relao a exposies, considerei urgente comear a registrar uma histria oral. (p. 242).
Por interlocutores OBRIST selecionou 11 curadores de arte moderna e
contempornea. Desses a maior parte era de europeus, como Pontus Hultn, nascido em
Estocolmo, Sucia, foi um dos diretores do Centro Georges Pompidou, em Paris,
Frana; Johanes Cladders, alemo, foi diretor do Museu Municipal Abteiberg em
Mchengladbach; Jean Leering, holands, falecido em 2005, um dos realizadores da
Documenta 4, em Kassel; Harald Szeemann, suo, morreu em 2005, curador que atuou
no Kunsthaus de Zurique e no ateli-arquivo The Factory de Tegna, Sua; Franz
Meyer, nascido em Zurique em 1919, na mesma cidade faleceu em 2007, foi diretor da
Kunsthalle, em Berna, e diretor do Museu de Artes da Basileia; Werner Hofmann, foi
diretor do Museu do Sculo XX (Mumok) em Viena.
Entrevistou ainda curadores estadunidenses e um brasileiro. So eles: Walter
Hopps, curador independente californiano, EUA, falecido em 2005; Seth Sieglaub,
original de Nova York, vive atualmente em Amsterd, negociante de arte, editor e
organizador independente de exposies; Walter Zanini, paulistano, foi diretor do
Museu de Arte Contempornea da USP, fez a curadoria da 16 e 17 Bienal de So
Paulo.
Em geral seus interlocutores foram homens, evidenciando que o cenrio de
curadoria e organizao de exposies de arte no perodo entre 1970 e 1980 era
predominantemente masculino. Essa observao est marcada nas falas das duas
mulheres entrevistadas: Anna dHanoncourt, especialista em Marcel Duchamp, foi
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diretora do Museu de Arte da Filadlfia; e Lucy Lippard, nova-iorquina que vive no
Mxico e atua como crtica de arte, escritora e terica feminista.
As entrevistas seguiram o fluxo da narrao memorialista. Com isso, OBRIST
convidou seus interlocutores a retomar suas vidas, suas experincias e reorganiz-las ao
modo de uma histria de si e da curadoria no circuito de arte contempornea em dois
continentes. Tomou por base a pesquisa de arquivo para preparar o roteiro de entrevista
e, com esse material, realizou entrecruzamentos de informaes (datas, locais, atores
conhecidos e desconhecidos). Esse movimento entre o material de acervo e o tempo
vivido permitiu que os entrevistados reconstrussem circuitos de sociabilidade e prticas
de trabalho, lazer e afetividade.
Seu roteiro de entrevista foi simples, quase mnimo - OBRIST utilizou
perguntas-chave para iniciar e algumas para encerrar as entrevistas. Sua abordagem
carinhosa com os conhecidos e respeitosa com aqueles que foram citados por seus
interlocutores mais prximos. Algumas entrevistas so realizadas pelo autor sozinho e
em outras, ele conta com parceiros que viabilizam os encontros com os interlocutores,
como acontece com Hofmann, em que Michael Diers o acompanha, e com Zanini,
quando Ivo Mesquita e Adriano Pedrosa o ajudam em So Paulo.
Ao iniciar cada entrevista, retoma a trajetria dos interlocutores. Prope
perguntas como as feitas a Cladders: Como tudo comeou? Como voc se envolveu
com a montagem de exposies? (p.73). Usa marcadores que tm por funo disparar o
trabalho de rememorao, como Vamos comear do comeo: como voc se tornou
curador? Quais foram seus estudos? (p. 89), feita de forma direta e sem rodeios
Leering.
Outras perguntas circunscreveram o tema do trabalho, tanto como oficio quanto
profisso, Qual o papel do curador em seus projetos? (p. 163) feita Siegelaub; e
sobre os saberes e teorias a respeito do trabalho de curadoria, como por exemplo, Voc
poderia explicar o conceito de ciclo de exposies Kunst um 1800? (p. 180)
perguntada a Hofmann. Ou ainda, aquela que Anne dHarnoncourt responde com
entusiasmo e surpresa,
E como voc definiria o papel do curador? Jon Cage disse que a curadoria deveria ser um servio pblico; quando conversei com Walter Hoops, ele citou Duchamp: um curador no deve ficar no meio do caminho. Flix Fnon dizia que o curador deveria ser como uma passarela. Qual seria sua definio de curador? (p. 219).
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Temas como as sociabilidades e os itinerrios pelas galerias, museus, centros
culturais, apartamentos em bairros de artista so tratados no fluxo da narrao. Nesses
momentos, percebe-se que a opo pelo roteiro aberto, permevel, permitiu ao autor
improvisar questes, desviar caminhos centrados nos temas do trabalho e da histria da
curadoria. Em assim proceder, acredito que OBRIST realiza um tipo de antropologia da
arte, ou pelo menos uma etnografia dos atores e dos circuitos da arte em um tempo e
espao que se inicia transnacional, ps-artstico, contraditrio.
Por fim e como fim das entrevistas, OBRIST impulsiona os interlocutores ao
lugar dos projetos imaginados e no concretizados, a pergunta (re)formulada de
diferentes maneiras preparava a atmosfera de nostalgia, algo que anunciava por um
lado, o encerramento, por outro, a abertura. Algumas vezes perguntou como algo
cotidiano, Ainda h algum projeto que no tenha sido realizado e que seja muito
importante para voc? (p. 146), feita Meyer. Outras vezes elaborada com alguma
cerimnia, como feita Zanini,
Eu tenho uma ltima pergunta, uma questo recorrente para mim, que eu coloco para todos que entrevisto, e que se refere aos projetos no realizados. Voc fez muita coisa, exposies, organizou as Bienais, dirigiu museus. Gostaria de saber se, em sua longa e gratificante carreira, teve projetos que no foram completados, exposies que no foram adiante, sonhos ou utopias. (p. 204)
Em algumas entrevistas essa pergunta no existe, fica interditada. Isso passa
especialmente com Lippard. Percebe-se que a interlocutora no pretende frear o trabalho
de rememorar e narrar por ser esse trabalho intenso de afetos e efeitos nas escolhas
dessa narradora. Ainda mais que o entrevistador no pretende frear o fluxo da narrao,
pelo fato de ter aderido ao processo de (re)construo do tempo e de sua inter-relao
com o presente.
***
O livro encerra com o posfcio assinado por Daniel Birnbaum. Esse, nico texto
a receber um ttulo, a saber, A arqueologia das cosias por vir, apresenta a discusso de
Birnbaum sobre o tema da crise, ou do (...) que nos espera mais adiante? (p. 296). A
crise anunciada pelo autor poderia ser tratada por duas vias, diz respeito ao desgaste das
bienais como espao de experimentao e de visibilidade das prticas plsticas ou
artsticas, e sua recriao. Por outro lado, poderia ser o anncio da crise das feiras de
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arte que deslocaram as bienais como o lugar de visibilidade de obras e artistas
contemporneos.
Para problematizar isso, Birnbaum apropria-se de um fragmento da entrevista
concedida a ele por Suzanne Pag, curadora e diretora de museu. O fragmento coloniza
as pginas, exclui Birnbaum de propor a argumentao. Sua estratgia autoriza o debate
via a opinio de uma especialista na rea. Ele agencia a voz de Pag como estandarte de
uma discusso presente no campo da arte, mas ainda encarada como algo por vir.
Em Uma Breve Histria da Curadoria, OBRIST pretende ir ao encontro do que
Hobsbawn chamou de o protesto contra o esquecimento. Ele instaura o tempo da
rememorao e da narrao na forma do documento de valor, documento que constitui
um acervo que os estudiosos do campo da arte podem dispor para conhecer e
reconhecer as circulaes e os tempos-espaos da arte contempornea. Para OBRIST, as
entrevistas registradas e postas circular servem como uma ao contra a amnsia do
recente. Esses documentos, para o autor, ganham o status de patrimnio que move uma
poltica dos afetos ao vivido nos museus durante o sculo XX, com a misso de
configurar a arte do nosso tempo.
Ler Uma Breve Histria... e se deixar afetar pelas narrativas dos atores nos
permite acessar alguns cdigos e decodific-los. O mais cannico deles, a existncia do
Campo autnomo da Arte, fica posto em crise. As entrevistas de OBRIST mostram que
o Campo existe somente via e a partir da ao de homens e mulheres, reconhecidos e
annimos, que fazem das suas andanas pelos museus e galerias, apartamentos em
bairros de artistas e bares, prticas estticas e, por conseguinte, artsticas.
Recebido em: 14/12/2012 Aprovado em: 08/01/2013