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brasil de 15 a 21 de setembro de 2011 4 Leonardo Wexell Severo de Campo Grande (MS) “A JBS TEM como missão ser a melhor em tudo o que se propõe a fazer”, diz a página da “maior empresa em processa- mento de proteína animal do mundo”. No entanto, será o crime uma missão da JBS Friboi? Esse é o questionamento que se faz a essa empresa que recebeu R$ 10 bilhões de dinheiro público do Banco Na- cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). São contundentes rela- tos de funcionários vitimados pela supe- rexploração, o ritmo intenso de traba- lho e as longas e extenuantes jornadas que multiplicam os acidentes de trabalho com lesões e mutilações. A multiplicação das denúncias e dos protestos vem forçando a Justiça, mesmo que ainda modestamente, a sair da letar- gia diante do rastro de sangue e dor dei- xado por essa gigante da alimentação. Sofrimento em carne e osso Era o dia 12 de novembro de 2002, Sa- turnino Vogado tinha 24 anos. Estava no nal do expediente, por volta de 15 horas e 45 minutos. Ele havia começado a tra- balhar às seis da manhã. A máquina não devia estar ligada; mas estava e começou a puxar. “Levou a minha perna e o meu corpo para o meio das ferragens. Gritei para o meu amigo Jeferson, mas ele es- tava mais nervoso que eu, paralisado. Os supervisores não estavam acompa- nhando o nosso trabalho. Nós não sabí- amos como fazer aquilo parar. Fraturou meu fêmur, esmagou o joelho, quase me partiu ao meio...” Para não ter de pagar a indenização pela irresponsável exposição do funcio- nário e fugir das suas obrigações com a incapacitação permanente, a JBS Friboi fez de tudo, denuncia Saturnino. “Inven- taram que eu tinha feito curso, presen- ciado palestras, que estava plenamente qualicado para operar a máquina. Dis- seram até que eu era mecânico, embo- ra não passasse de auxiliar de frigorí- co”. Além disso, conta, “falaram para a imprensa que o acidente havia sido com um caminhão, no embarque, e até tenta- ram barrar a entrada dos bombeiros que vieram me socorrer. Buscavam encobrir a verdade, não queriam que vissem o que realmente aconteceu”. Ainda muito novo, desconhecedor do sindicato e dos seus direitos, Saturnino acabou sendo ludibriado pela JBS Friboi e pelo canto da sereia da “responsabili- dade social”. Baixou a guarda e acabou sendo completamente driblado e golea- do na ação judicial que o condenou co- mo culpado. Tudo o que aconteceu pas- sou a ser de sua única responsabilidade. Foi assim que cou sem um centavo para fazer frente à adversidade da vida de tra- balhador pobre e mutilado, morador da periferia. “Não ganhei nenhuma indeni- zação da JBS Friboi, nada, nadinha. Só de Deus: a vida, uma segunda chance de viver. Até para me aposentar tive que en- trar na Justiça. Saiu recém agora, no mês de agosto”. Além da amputação da perna direita, Saturnino sofreu um corte nas costas e um enorme ferimento, que o rasgou da virilha até o ânus, expondo suas vísceras, o que lhe obrigou a fazer uma colostomia. (Por meio de uma bolsa se faz a exterio- rização do intestino grosso para a elimi- nação de gases ou fezes). E o tempo pas- sou. Devido à “enrolação” do SUS (Siste- ma Único de Saúde) em Campo Grande (MS) e à completa falta de solidariedade da Friboi, a operação de reversão da co- lostomia não foi feita após os três meses do acidente, conforme inicialmente os médicos haviam apontado, mas somente cinco anos depois. Foram quase sessenta meses, longos e intermináveis. JBS Friboi, rastro de sangue MUNDO DO TRABALHO Empresa recebe bilhões de dinheiro público do BNDES, no entanto, tem currículo extenso de lesões, mutilações e superexploração de seus trabalhadores sioterapia, o que o obrigou a entrar na Justiça para garantir seus direitos. Conforme alegou a JBS, a culpa era única e exclusivamente sua: “cortaram meu salário e até o sacolão de alimentos. Um ano e meio aguardando sem que a empresa ajudasse em nada”. Como a r- ma economiza com o trabalhador, mas não com bons advogados, recebeu uma indenização de apenas R$ 26 mil pela in- capacitação permanente. Atualmente re- cebe R$ 460,00 da Previdência como au- xílio-doença, cerca de metade do valor do salário de um serrata com a sua experi- ência, que começava às 5h30 e não tinha hora para acabar. Como acontece ain- da hoje. Adulterando o local do crime “O fato é que quando o Ministério do Trabalho mandou um perito para averi- guar a situação no local, eles já haviam mudado os equipamentos. Substituíram bem rapidinho por uns mais sosticados. A serra elétrica, por exemplo, só funcio- na agora quando estamos segurando os botões com as duas mãos. Soltou um, ela já desliga automaticamente. Isso dá mais segurança, principalmente numa ação rápida, que corta um boi pela metade em menos de minuto”, explica Sérgio. Vários operários ouvidos pela reporta- gem foram unânimes em denunciar que a JBS mascara as irregularidades prati- cadas em Campo Grande com uma equi- pe de ação rápida, principalmente em re- lação a condições de higiene, segurança e saúde. Assim que chega a scalização, “como o pátio é enorme e da portaria de entrada o scal sempre entra em conta- to com o departamento de Recursos Hu- manos (RH) e daí para a lavanderia”, tra- jeto que consome pelo menos uns 20 mi- nutos, “ca fácil acomodar as coisas”. E da lavanderia são mais cinco minutos até a linha de produção. “Neste meio tempo entra em ação a ‘equipe estratégica’ pa- ra jatear o chão, fazer a limpeza rápida, diminuir a velocidade da nória, fazendo parecer que o ritmo de trabalho é outro e que tudo está nos padrões”. de Campo Grande (MS) Após uma investigação iniciada em 2009, o Ministério Público do Trabalho (MPT) de Lins, no interior paulista, en- trou com ação na Justiça para que a uni- dade local da JBS Friboi parasse de exi- gir mais horas extras do que o permiti- do para atividades repetitivas, ao mes- mo tempo em que concedia menos fol- gas que o necessário. Por ironia do des- tino, a fábrica teve suas instalações am- pliadas recentemente com recursos do BNDES e do Fundo de Amparo ao Tra- balhador (FAT). A ação civil pública em Lins alertava que as irregularidades seguiam aconte- cendo de forma contínua e reiterada, tor- nando inadiável um posicionamento da Justiça. Também foi pedida indeniza- ção de R$ 10 milhões para os funcioná- rios que tenham sofrido acidentes de tra- balho ou contraído doenças ocupacionais decorrentes da jornada excessiva. “As limitações de jornada e horas ex- tras, bem como a concessão de folgas se- manais, têm como objetivo justamen- te proteger a saúde e a integridade fí- sica dos empregados do frigoríco, ha- ja visto que a continuidade do trabalho em tais condições propicia o desenvolvi- mento de doenças relacionadas ao mo- vimento repetitivo no trabalho (LER/ DORT), e também aumenta a probabili- dade de erro pelo cansaço e fadiga, oca- sionando sérios acidentes do trabalho”, arma o MPT. A scalização constatou que nos me- ses de abril e março de 2009, a empresa continuava a exigir mais horas extras do que o permitido para atividades repetiti- vas e concedia menos folgas que o neces- sário. (LWS) Empresa é punida em Lins (SP) MP entra com ação contra Friboi por excesso de jornada de trabalho e folgas reduzidas “O SUS estava sempre cheio e a em- presa vivia inventando desculpas, dizen- do que não podia pagar pela cirurgia. Pa- ra fazer a reversão tive de ir de bicicleta, pedalando cerca de quinze quilômetros com a prótese e a bolsa de colostomia. Foi assim que consegui”, relata. Pai de dois lhos, “se virando” para so- breviver com o salário mínimo que ga- nha do auxílio-doença, Saturnino fez adaptação numa moto para sair à bus- ca de trabalho. Ele pinta portas e portões para tentar complementar o macérrimo orçamento. Fazendo das tripas coração Verônica Benitez trabalhava na tripa- ria tirando o sebo com a tesoura para co- zinhar e embalar. “É questão de segun- dos e vai caindo tripa e mais tripa, o que deixa muita gente doente pelo ritmo. Lá dizem haver 70 trabalhadores, mas se tem 40 é muito porque muitos acabam pegando atestado por não suportar o am- biente ou estão encostados na Previdên- cia. E aí quem ca ali tem que dar conta do serviço todo e se arrebenta”, explica. Passados dois anos, adquiriu um ede- ma, além de “bursite subacromial” e “tendinite do supraespinhal e subesca- pular” que a incapacitam para o trabalho. “Agora, a JBS diz não ter nada com isso. Mas não foi lá que adquiri as lesões? Se a gente chegava com atestado de 15 dias, tiravam dez e só davam cinco, com o mé- dico da empresa remanejando de função, fazendo as pessoas trabalharem doentes. Então, de quem é a culpa?”, questiona a operária. Recebendo do INSS “auxílio- doença”, já que “a JBS tem como norma não reconhecer o acidente de trabalho”, Verônica vem pagando consultas e remé- dios do próprio bolso. “Não consigo tirar ou vestir a blusa, pentear o cabelo ou er- guer o braço”, desabafa. Elton Ferreira da Silva também tem recordações traumáticas de um perío- do com excesso de pedidos de “moco- tó”, “a pata da vaca”, explica. “Cheguei de manhã, normal. Foi tudo muito rápido. Quando vi já estava com o braço travado dentro da máquina, urrando de dor e pe- dindo socorro”. “O problema é que tinha uma aglomeração de gente na seção para tocar a produção – milhares de pés por dia. Tudo parecia pingue-pongue, com a gente cagando a alma pela pressão. E o meu braço cou assim, cheio de pinos”, mostra. O braço engessado ainda dói. O operário deveria ter passado pela ava- liação de um médico no dia 23 de agos- to. Como não havia quem o atendesse no sistema público de Campo Grande e a JBS não deu qualquer apoio para ame- nizar o sofrimento numa clínica particu- lar – inviável para quem cou por conta do INSS – a consulta foi remarcada para o dia 20 de setembro. O ajudante de produção Ronaldo Tei- xeira sente o estômago embrulhar toda vez que houve o nome da antiga rma, da qual foi demitido por justa causa, es- tando com a mulher grávida, por meio de uma grosseira armação. Ronaldo foi posto na rua quando retornou ao traba- lho no frigoríco da JBS Friboi na capital do MS, depois de ter ganho ação contra a empresa de R$ 50 mil por danos morais e indenização trabalhista após acidente na linha de produção. Conforme o laudo do Centro de Aten- dimento Médico e Pericial do Mato Gros- so do Sul, o acidente no frigoríco pro- vocou “anquilose de polegar direito, com deformidade importante decorrente de esmagamento de partes moles e ossos”. “As sequelas estão denitivamente insta- ladas, sem tratamentos que possam re- vertê-las”, acrescenta o documento, que assinala a “perda da capacidade de pin- ça” – já que é o dedo polegar o que faz o aperto, o que segura o punho. Sérgio Alfonso era “serrata” – como são chamados os funcionários que segu- ram a serra elétrica para dividir o boi ao meio – numa das unidades da JBS Fri- boi na cidade. “O acidente aconteceu na véspera do meu aniversário, no dia 25 de julho de 2005. Quando coloquei a ser- ra na carcaça do boi, a carretilha que fe- “Inventaram que eu tinha feito curso, presenciado palestras, que estava plenamente qualicado para operar a máquina. Disseram até que eu era mecânico, embora não passasse de auxiliar de frigoríco” A tragédia estava anunciada havia tempos. Os operários da seção, assim como Sérgio, haviam alertado para o desgaste dos equipamentos e a urgência da manutenção cha as pernas do animal escapou do den- te da nória (a correia que transporta o ga- do pendurado), a ta de aço que garan- te o corte segurou no osso. Como os den- tes da nória estavam gastos, toda aquela carne desengatou e me deu um tiramba- ço. Foi aí que perdi o movimento de três dedos”. A tragédia estava anunciada havia tem- pos. Os operários da seção, assim como Sérgio, já haviam alertado para o desgas- te dos equipamentos e a urgência da ma- nutenção. Acontecida a desgraça, rece- beu os quinze dias da empresa pelo aci- dente de trabalho e “tchau e gracias”, ne- nhuma ajuda nas mais de cem sessões de Saturnino Vogado teve a perna amputada em acidente: JBS Friboi se nega a pagar indenização Verônica Benitez: “Não consigo vestir ou tirar a blusa, pentear o cabelo ou erguer o braço” Sérgio Alfonso perdeu o movimento dos três dedos: “equipamentos estavam gastos e sem manutenção” Leonardo Severo Leonardo Severo Leonardo Severo Saulo Cruz Sofrimento na carne e no osso: falta de segurança expõe funcionários

4 de 15 a 21 de setembro de 2011 JBS Friboi, rastro …...4 de 15 a 21 de setembro de 2011 brasil Leonardo Wexell Severo de Campo Grande (MS) “A JBS TEM como missão ser a melhor

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Page 1: 4 de 15 a 21 de setembro de 2011 JBS Friboi, rastro …...4 de 15 a 21 de setembro de 2011 brasil Leonardo Wexell Severo de Campo Grande (MS) “A JBS TEM como missão ser a melhor

brasilde 15 a 21 de setembro de 20114

Leonardo Wexell Severode Campo Grande (MS)

“A JBS TEM como missão ser a melhor em tudo o que se propõe a fazer”, diz a página da “maior empresa em processa-mento de proteína animal do mundo”. No entanto, será o crime uma missão da JBS Friboi? Esse é o questionamento que se faz a essa empresa que recebeu R$ 10 bilhões de dinheiro público do Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). São contundentes rela-tos de funcionários vitimados pela supe-rexploração, o ritmo intenso de traba-lho e as longas e extenuantes jornadas que multiplicam os acidentes de trabalho com lesões e mutilações.

A multiplicação das denúncias e dos protestos vem forçando a Justiça, mesmo que ainda modestamente, a sair da letar-gia diante do rastro de sangue e dor dei-xado por essa gigante da alimentação.

Sofrimento em carne e ossoEra o dia 12 de novembro de 2002, Sa-

turnino Vogado tinha 24 anos. Estava no fi nal do expediente, por volta de 15 horas e 45 minutos. Ele havia começado a tra-balhar às seis da manhã. A máquina não devia estar ligada; mas estava e começou a puxar. “Levou a minha perna e o meu corpo para o meio das ferragens. Gritei para o meu amigo Jeferson, mas ele es-tava mais nervoso que eu, paralisado. Os supervisores não estavam acompa-nhando o nosso trabalho. Nós não sabí-amos como fazer aquilo parar. Fraturou meu fêmur, esmagou o joelho, quase me partiu ao meio...”

Para não ter de pagar a indenização pela irresponsável exposição do funcio-nário e fugir das suas obrigações com a incapacitação permanente, a JBS Friboi fez de tudo, denuncia Saturnino. “Inven-taram que eu tinha feito curso, presen-ciado palestras, que estava plenamente qualifi cado para operar a máquina. Dis-seram até que eu era mecânico, embo-ra não passasse de auxiliar de frigorífi -co”. Além disso, conta, “falaram para a imprensa que o acidente havia sido com um caminhão, no embarque, e até tenta-ram barrar a entrada dos bombeiros que vieram me socorrer. Buscavam encobrir a verdade, não queriam que vissem o que realmente aconteceu”.

Ainda muito novo, desconhecedor do sindicato e dos seus direitos, Saturnino acabou sendo ludibriado pela JBS Friboi e pelo canto da sereia da “responsabili-dade social”. Baixou a guarda e acabou sendo completamente driblado e golea-do na ação judicial que o condenou co-mo culpado. Tudo o que aconteceu pas-sou a ser de sua única responsabilidade. Foi assim que fi cou sem um centavo para fazer frente à adversidade da vida de tra-balhador pobre e mutilado, morador da periferia. “Não ganhei nenhuma indeni-zação da JBS Friboi, nada, nadinha. Só de Deus: a vida, uma segunda chance de viver. Até para me aposentar tive que en-trar na Justiça. Saiu recém agora, no mês de agosto”.

Além da amputação da perna direita, Saturnino sofreu um corte nas costas e um enorme ferimento, que o rasgou da virilha até o ânus, expondo suas vísceras, o que lhe obrigou a fazer uma colostomia. (Por meio de uma bolsa se faz a exterio-rização do intestino grosso para a elimi-nação de gases ou fezes). E o tempo pas-sou. Devido à “enrolação” do SUS (Siste-ma Único de Saúde) em Campo Grande (MS) e à completa falta de solidariedade da Friboi, a operação de reversão da co-lostomia não foi feita após os três meses do acidente, conforme inicialmente os médicos haviam apontado, mas somente cinco anos depois. Foram quase sessenta meses, longos e intermináveis.

JBS Friboi, rastro de sangue MUNDO DO TRABALHO Empresa recebe bilhões de dinheiro público do BNDES, no entanto, tem currículo extenso de lesões, mutilações e superexploração de seus trabalhadores

fi sioterapia, o que o obrigou a entrar na Justiça para garantir seus direitos.

Conforme alegou a JBS, a culpa era única e exclusivamente sua: “cortaram meu salário e até o sacolão de alimentos. Um ano e meio aguardando sem que a empresa ajudasse em nada”. Como a fi r-ma economiza com o trabalhador, mas não com bons advogados, recebeu uma indenização de apenas R$ 26 mil pela in-capacitação permanente. Atualmente re-cebe R$ 460,00 da Previdência como au-xílio-doença, cerca de metade do valor do salário de um serrafi ta com a sua experi-ência, que começava às 5h30 e não tinha hora para acabar. Como acontece ain-da hoje.

Adulterando o local do crime“O fato é que quando o Ministério do

Trabalho mandou um perito para averi-guar a situação no local, eles já haviam mudado os equipamentos. Substituíram bem rapidinho por uns mais sofi sticados. A serra elétrica, por exemplo, só funcio-na agora quando estamos segurando os botões com as duas mãos. Soltou um, ela já desliga automaticamente. Isso dá mais segurança, principalmente numa ação rápida, que corta um boi pela metade em menos de minuto”, explica Sérgio.

Vários operários ouvidos pela reporta-gem foram unânimes em denunciar que a JBS mascara as irregularidades prati-cadas em Campo Grande com uma equi-pe de ação rápida, principalmente em re-lação a condições de higiene, segurança e saúde. Assim que chega a fi scalização, “como o pátio é enorme e da portaria de entrada o fi scal sempre entra em conta-to com o departamento de Recursos Hu-manos (RH) e daí para a lavanderia”, tra-jeto que consome pelo menos uns 20 mi-nutos, “fi ca fácil acomodar as coisas”. E da lavanderia são mais cinco minutos até a linha de produção. “Neste meio tempo entra em ação a ‘equipe estratégica’ pa-ra jatear o chão, fazer a limpeza rápida, diminuir a velocidade da nória, fazendo parecer que o ritmo de trabalho é outro e que tudo está nos padrões”.

de Campo Grande (MS)

Após uma investigação iniciada em 2009, o Ministério Público do Trabalho (MPT) de Lins, no interior paulista, en-trou com ação na Justiça para que a uni-dade local da JBS Friboi parasse de exi-gir mais horas extras do que o permiti-do para atividades repetitivas, ao mes-mo tempo em que concedia menos fol-gas que o necessário. Por ironia do des-tino, a fábrica teve suas instalações am-pliadas recentemente com recursos do BNDES e do Fundo de Amparo ao Tra-balhador (FAT).

A ação civil pública em Lins alertava que as irregularidades seguiam aconte-cendo de forma contínua e reiterada, tor-nando inadiável um posicionamento da Justiça. Também foi pedida indeniza-ção de R$ 10 milhões para os funcioná-rios que tenham sofrido acidentes de tra-balho ou contraído doenças ocupacionais decorrentes da jornada excessiva.

“As limitações de jornada e horas ex-tras, bem como a concessão de folgas se-manais, têm como objetivo justamen-te proteger a saúde e a integridade fí-sica dos empregados do frigorífi co, ha-ja visto que a continuidade do trabalho em tais condições propicia o desenvolvi-mento de doenças relacionadas ao mo-vimento repetitivo no trabalho (LER/DORT), e também aumenta a probabili-dade de erro pelo cansaço e fadiga, oca-sionando sérios acidentes do trabalho”, afi rma o MPT.

A fi scalização constatou que nos me-ses de abril e março de 2009, a empresa continuava a exigir mais horas extras do que o permitido para atividades repetiti-vas e concedia menos folgas que o neces-sário. (LWS)

Empresa é punida em Lins (SP)

MP entra com ação contra Friboi por excesso de jornada de trabalho e folgas reduzidas

“O SUS estava sempre cheio e a em-presa vivia inventando desculpas, dizen-do que não podia pagar pela cirurgia. Pa-ra fazer a reversão tive de ir de bicicleta, pedalando cerca de quinze quilômetros com a prótese e a bolsa de colostomia. Foi assim que consegui”, relata.

Pai de dois fi lhos, “se virando” para so-breviver com o salário mínimo que ga-nha do auxílio-doença, Saturnino fez adaptação numa moto para sair à bus-ca de trabalho. Ele pinta portas e portões para tentar complementar o macérrimo orçamento.

Fazendo das tripas coraçãoVerônica Benitez trabalhava na tripa-

ria tirando o sebo com a tesoura para co-zinhar e embalar. “É questão de segun-dos e vai caindo tripa e mais tripa, o que deixa muita gente doente pelo ritmo. Lá dizem haver 70 trabalhadores, mas se tem 40 é muito porque muitos acabam pegando atestado por não suportar o am-biente ou estão encostados na Previdên-cia. E aí quem fi ca ali tem que dar conta do serviço todo e se arrebenta”, explica.

Passados dois anos, adquiriu um ede-ma, além de “bursite subacromial” e “tendinite do supraespinhal e subesca-pular” que a incapacitam para o trabalho. “Agora, a JBS diz não ter nada com isso. Mas não foi lá que adquiri as lesões? Se a gente chegava com atestado de 15 dias, tiravam dez e só davam cinco, com o mé-dico da empresa remanejando de função, fazendo as pessoas trabalharem doentes. Então, de quem é a culpa?”, questiona a operária. Recebendo do INSS “auxílio-doença”, já que “a JBS tem como norma não reconhecer o acidente de trabalho”, Verônica vem pagando consultas e remé-dios do próprio bolso. “Não consigo tirar ou vestir a blusa, pentear o cabelo ou er-guer o braço”, desabafa.

Elton Ferreira da Silva também tem recordações traumáticas de um perío-do com excesso de pedidos de “moco-tó”, “a pata da vaca”, explica. “Cheguei de manhã, normal. Foi tudo muito rápido. Quando vi já estava com o braço travado dentro da máquina, urrando de dor e pe-dindo socorro”. “O problema é que tinha uma aglomeração de gente na seção para tocar a produção – milhares de pés por dia. Tudo parecia pingue-pongue, com a gente cagando a alma pela pressão. E o meu braço fi cou assim, cheio de pinos”, mostra. O braço engessado ainda dói. O operário deveria ter passado pela ava-liação de um médico no dia 23 de agos-to. Como não havia quem o atendesse no sistema público de Campo Grande e a JBS não deu qualquer apoio para ame-nizar o sofrimento numa clínica particu-lar – inviável para quem fi cou por conta do INSS – a consulta foi remarcada para o dia 20 de setembro.

O ajudante de produção Ronaldo Tei-xeira sente o estômago embrulhar toda vez que houve o nome da antiga fi rma, da qual foi demitido por justa causa, es-tando com a mulher grávida, por meio de uma grosseira armação. Ronaldo foi posto na rua quando retornou ao traba-lho no frigorífi co da JBS Friboi na capital do MS, depois de ter ganho ação contra a empresa de R$ 50 mil por danos morais e indenização trabalhista após acidente na linha de produção.

Conforme o laudo do Centro de Aten-dimento Médico e Pericial do Mato Gros-so do Sul, o acidente no frigorífi co pro-vocou “anquilose de polegar direito, com deformidade importante decorrente de esmagamento de partes moles e ossos”. “As sequelas estão defi nitivamente insta-ladas, sem tratamentos que possam re-vertê-las”, acrescenta o documento, que assinala a “perda da capacidade de pin-ça” – já que é o dedo polegar o que faz o aperto, o que segura o punho.

Sérgio Alfonso era “serrafi ta” – como são chamados os funcionários que segu-ram a serra elétrica para dividir o boi ao meio – numa das unidades da JBS Fri-boi na cidade. “O acidente aconteceu na véspera do meu aniversário, no dia 25 de julho de 2005. Quando coloquei a ser-ra na carcaça do boi, a carretilha que fe-

“Inventaram que eu tinha feito curso, presenciado palestras, que estava plenamente qualifi cado para operar a máquina. Disseram até que eu era mecânico, embora não passasse de auxiliar de frigorífi co”

A tragédia estava anunciada havia tempos. Os operários da seção, assim como Sérgio, haviam alertado para o desgaste dos equipamentos e a urgência da manutenção

cha as pernas do animal escapou do den-te da nória (a correia que transporta o ga-do pendurado), a fi ta de aço que garan-te o corte segurou no osso. Como os den-tes da nória estavam gastos, toda aquela carne desengatou e me deu um tiramba-ço. Foi aí que perdi o movimento de três dedos”.

A tragédia estava anunciada havia tem-pos. Os operários da seção, assim como Sérgio, já haviam alertado para o desgas-te dos equipamentos e a urgência da ma-nutenção. Acontecida a desgraça, rece-beu os quinze dias da empresa pelo aci-dente de trabalho e “tchau e gracias”, ne-nhuma ajuda nas mais de cem sessões de

Saturnino Vogado teve a perna amputada em acidente: JBS Friboi se nega a pagar indenização

Verônica Benitez: “Não consigo vestir ou tirar a blusa, pentear o cabelo ou erguer o braço”

Sérgio Alfonso perdeu o movimento dos três dedos: “equipamentos estavam gastos e sem manutenção”

Leonardo Severo

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Saulo Cruz

Sofrimento na carne e no osso: falta de segurança expõe funcionários