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Estrutura e Propriedades dos Materiais Solidificação e Imperfeições Cristalinas UFPA – ITEC – FEM Prof. Jorge Teófilo de Barros Lopes 68 4 SOLIDIFICAÇÃO E IMPERFEIÇÕES CRISTALINAS 4.1 Introdução Até esta fase do estudo tem-se admitido que os materiais apresentem uma estrutura perfeita. Todavia, esse tipo de sólido é idealizado, pois na realidade os materiais não são perfeitos, e contêm vários tipos de imperfeições que afetam muitas de suas propriedades físicas e mecânicas, as quais, por sua vez, influem em diversas propriedades de engenharia importantes. Vale ressaltar, que essa influência não é sempre prejudicial; freqüentemente, as características específicas dos materiais são deliberadamente moldadas pela introdução de quantidades controladas de defeitos específicos, com o objetivo de melhorar o desempenho dos materiais no uso a que se destinam. Durante a solidificação, um material metálico sofre o rearranjo de seus átomos que determina a sua estrutura cristalina. Dependendo do modo com que o líquido transforma-se em sólido, podem ocorrer defeitos no empilhamento e na organização dos átomos, resultando em imperfeições estruturais. Com exceção de alguns poucos produtos conformados por sinterização (metalurgia do pó), todos os produtos metálicos passam necessariamente pelo processo de solidificação em algum estágio de sua fabricação. Dessa forma, o conhecimento do processo de solidificação de materiais metálicos é importante, pois permite entender como alguns defeitos surgem no material. 4.2 Solidificação de metais Em geral, a solidificação de um metal ou liga metálica pode ser dividida nas seguintes etapas: nucleação, que é a formação de núcleos estáveis no líquido, e crescimento dos núcleos, que origina cristais e formam uma estrutura de grãos. Essas etapas do processo podem ser visualizadas na Figura 4.1.

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4 SOLIDIFICAÇÃO E IMPERFEIÇÕES CRISTALINAS

4.1 Introdução

Até esta fase do estudo tem-se admitido que os materiais apresentem uma estrutura

perfeita. Todavia, esse tipo de sólido é idealizado, pois na realidade os materiais não são

perfeitos, e contêm vários tipos de imperfeições que afetam muitas de suas propriedades

físicas e mecânicas, as quais, por sua vez, influem em diversas propriedades de engenharia

importantes.

Vale ressaltar, que essa influência não é sempre prejudicial; freqüentemente, as

características específicas dos materiais são deliberadamente moldadas pela introdução de

quantidades controladas de defeitos específicos, com o objetivo de melhorar o desempenho

dos materiais no uso a que se destinam.

Durante a solidificação, um material metálico sofre o rearranjo de seus átomos que

determina a sua estrutura cristalina. Dependendo do modo com que o líquido transforma-se

em sólido, podem ocorrer defeitos no empilhamento e na organização dos átomos,

resultando em imperfeições estruturais.

Com exceção de alguns poucos produtos conformados por sinterização (metalurgia

do pó), todos os produtos metálicos passam necessariamente pelo processo de solidificação

em algum estágio de sua fabricação. Dessa forma, o conhecimento do processo de

solidificação de materiais metálicos é importante, pois permite entender como alguns

defeitos surgem no material.

4.2 Solidificação de metais

Em geral, a solidificação de um metal ou liga metálica pode ser dividida nas

seguintes etapas: nucleação, que é a formação de núcleos estáveis no líquido, e

crescimento dos núcleos, que origina cristais e formam uma estrutura de grãos. Essas

etapas do processo podem ser visualizadas na Figura 4.1.

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Figura 4.1 – Ilustração esquemática mostrando as várias etapas da solidificação de metais: formação de núcleos (a); crescimento dos núcleos (b), e união dos cristais para formar os

grãos e correspondentes contornos de grãos (c) (Adaptada de SMITH, 1998)

Os principais mecanismos responsáveis pela nucleação de partículas sólidas em um

metal líquido são: nucleação homogênea e nucleação heterogênea.

a) Nucleação homogênea

A nucleação homogênea é o caso mais simples de nucleação, pois em um metal

líquido ela ocorre quando o próprio metal fornece os átomos para formar os núcleos. No

caso de um metal puro, quando o metal líquido é suficientemente resfriado abaixo da sua

temperatura de solidificação (superresfriamento, ∆T = Tf - T), formam-se numerosos

núcleos homogêneos por meio do movimento lento de átomos que vão se ligando uns aos

outros.

Geralmente, a nucleação homogênea exige um grau de superresfriamento

considerável, da ordem de algumas centenas de graus Celsius (Tabela 4.1).

Tabela 4.1 – Valores de parâmetros relativos à solidificação de alguns metais.

Metal

Temperatura de solidificação Tf Calor de

solidificação ∆Hf (J/cm3)

Energia de superfície γsl (J/cm3)

Superresfriamento máximo observado

∆T (°C)

°C

K

Bi Ga Pb Al Ag Cu Ni Fe Pt

271 30

327 660 962

1083 1453 1535 1772

344 303 600 933

1235 1356 1726 1808 2045

-543 -488 -280

-1066 -1097 -1826 -2660 -2098 -2160

54 x 10-7

56 x 10-7

33,2 x 10-7 93 x 10-7

126 x 10-7 177 x 10-7 255 x 10-7 204 x 10-7

240

90 76 80

130 227 236 319 295 332

Fonte: SMITH, 1998; ASKELAND & PHULÉ, 2003.

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Um núcleo, para ser estável de modo a poder crescer até formar um cristal, tem que

atingir um tamanho crítico. Se o tamanho é inferior ao crítico, o grupo de átomos é

denominado embrião, e dissolve-se no metal líquido devido à agitação dos átomos.

Na nucleação homogênea, que ocorre durante a solidificação de um metal puro, há

dois tipos de variação de energia a considerar: a energia livre de volume, liberada pela

transformação líquido-sólido, e a energia de superfície, necessária para formar as novas

superfícies das partículas solidificadas.

Quando um metal puro líquido é superresfriado, a energia motriz para a sua

transformação líquido-sólido é a diferença entre a energia livre de volume ∆Gv do líquido e

a do sólido. Se ∆Gv for a variação de energia livre entre o líquido e o sólido, por unidade

de volume de metal, então a variação de energia livre de um núcleo esférico de raio r é

4/3πr3∆Gv, já que o volume de uma esfera é 4/3πr

3. A Figura 4.2 representa

esquematicamente a variação da energia livre de volume em função do raio do embrião ou

núcleo, a qual é negativa, uma vez que é uma energia liberada pela transformação líquido-

sólido.

Figura 4.2 – Variação de energia livre em função do raio do embrião ou núcleo (adaptada de SMITH, 1998).

Por outro lado, existe uma energia que se opõe à formação dos embriões e núcleos,

que é a energia requerida para formar uma superfície destas partículas. A energia

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necessária para criar a superfície de partículas esféricas, ∆Gs, é igual à energia livre

específica da superfície da partícula, γ, multiplicada pela área da superfície da esfera,

4πr2γ. A Figura 4.2 também representa este tipo de energia, bem como a energia total

associada à formação de um embrião ou núcleo.

Portanto, a variação total de energia livre para a formação de um embrião ou núcleo

esférico de raio r durante a solidificação de um metal puro é:

γπ∆π∆ 2

v

3

T r4Gr3

4G +=

onde ∆GT = variação total de energia livre, r = raio do embrião ou núcleo, ∆Gv = energia

livre de volume, e γ = energia livre específica de superfície.

A partir da derivação dessa equação, pode-se obter uma relação entre o tamanho

crítico do núcleo, a energia livre de superfície e a energia livre de volume. A derivada da

energia total, ∆GT em relação a r é zero quando r = r*, já que a curva da energia livre total

em função do raio do embrião ou núcleo tem um máximo, assim:

( )

0r8Gr3

12

r4Gr3

4

dr

d

dr

Gd

v

2

2

v

3T

=∗+∗=

+=

γπ∆π

γπ∆π∆

ou

vG

2r

γ−=∗

Quanto maior for o grau de superresfriamento ∆T, maior é a variação de energia livre

de volume ∆Gv; entretanto, a variação de energia livre devido à energia de superfície ∆Gs

não depende muito da temperatura. Nestas condições, o tamanho crítico do núcleo é

determinado principalmente por ∆Gv. Próximo da temperatura de solidificação, o tamanho

crítico do núcleo deverá ser infinito, visto que ∆T se aproxima de zero; contrariamente, à

medida que o grau de superresfriamento aumenta, o tamanho crítico diminui.

O tamanho crítico do núcleo está relacionado com o grau de superresfriamento pela

equação:

TH

T2r

s

f

∆∆

γ−=∗

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onde r* = raio crítico do núcleo, ∆Hs = calor latente de solidificação e ∆T = grau de

superresfriamento do metal.

b) Nucleação heterogênea

A nucleação heterogênea no líquido ocorre sobre as paredes do recipiente, impurezas

insolúveis ou outro material presente na estrutura que diminua a energia livre crítica

necessária para formar um núcleo estável. Como nas operações de vazamento industriais

os graus de superresfriamento elevados não acontecem (geralmente variam entre 0,1 e

10°C), a nucleação será heterogênea.

Para que a nucleação heterogênea ocorra, o agente nucleante, também denominado

substrato, terá de ser molhado pelo metal líquido, e este deverá igualmente solidificar

facilmente sobre aquele. A Figura 4.3 mostra um substrato que é molhado pelo líquido a

solidificar e que, portanto, origina um pequeno ângulo de contato θ entre ele e o metal

sólido.

Figura 4.3 – Nucleação heterogênea de um sólido sobre um substrato (SMITH, 1998).

A nucleação heterogênea ocorre sobre o substrato, pois a energia de superfície para

formar um núcleo estável é mais baixa se o núcleo se formar sobre aquele material do que

no próprio líquido puro (nucleação homogênea). Como a energia de superfície é mais baixa

no caso da nucleação heterogênea, a variação total de energia livre, necessária à formação

de um núcleo estável, é menor e o tamanho crítico do núcleo também é menor. Por

conseguinte, para formar um núcleo estável por nucleação heterogênea, necessita-se de um

grau de superresfriamento mais reduzido.

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c) Crescimento de cristais e formação da estrutura do grão

Após a formação dos núcleos estáveis, estes irão crescer e formar cristais, conforme

mostrado na Figura 4.1. Em cada cristal, os átomos estão posicionados da mesma maneira,

mas a orientação do cristal varia de um para outro. Quando a solidificação do metal se

completa, os cristais, com diferentes orientações juntam-se uns aos outros e originam

fronteiras nas quais as variações de orientação têm distâncias de alguns átomos. Os cristais

no metal solidificado são designados por grãos e as superfícies entre eles por contornos de

grão. Quando o metal solidificado contém muitos cristais, diz-se que é policristalino.

Se durante a solidificação o número de núcleos for relativamente pequeno, a

estrutura resultante será grosseira ou de grão grosso; se muitos núcleos estiverem

disponíveis, será produzida uma estrutura de grão fino, que é a estrutura mais desejável em

termos de resistência mecânica e de uniformidade dos produtos metálicos acabados.

Os metais líquidos são vazados em moldes para obtenção de peças ou lingotes. O

lingote passa posteriormente por processos de deformação plástica (conformação plástica)

visando a produção de chapas, barras, perfis etc.

Os grãos que aparecem na estrutura da peça ou do lingote podem ter diferentes

tamanhos dependendo das taxas de extração de calor e gradientes térmicos em cada

momento da solidificação.

Em geral, existem três regiões de grãos que se classificam como: zona coquilhada,

zona colunar e zona equiaxial.

Zona coquilhada: Região de pequenos grãos com orientação cristalina aleatória, situada

na parede do molde. Próximo à parede existe maior taxa de extração de calor e, portanto,

elevado grau de superresfriamento, que favorece a formação destes grãos.

Os grãos da zona coquilhada tendem a crescer na direção oposta a da extração de calor,

porém algumas direções cristalinas apresentam maior velocidade de crescimento que

outras.

Zona colunar: Região de grãos alongados, orientados na direção de extração de calor. Os

grãos da zona coquilhada que possuem as direções cristalinas de maiores velocidades de

crescimento alinhadas com a direção de extração de calor, apresentam aceleração de

crescimento. Esta aceleração gera grãos alongados que compõem a zona colunar, situada

na posição intermediária entre a parede e o centro do molde.

Zona Equiaxial: Região de pequenos grãos formados no centro do molde como resultado

da nucleação de cristais ou da migração de fragmentos de grãos colunares (arrastados para

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o centro por correntes de convecção no líquido). Nesta região, os grãos tendem a ser

pequenos, equiaxiais e de orientação cristalina aleatória

Figura 4.4 – Desenho esquemático da estrutura de grão de um metal solidificado em um

molde frio (lingoteira) (CIMM, 2007)

4.3 Soluções sólidas metálicas

Na maioria das aplicações de engenharia, a necessidade de propriedades específicas

faz com que o uso de materiais metálicos nem sempre esteja restrito aos metais puros.

Apenas alguns metais, usados comercialmente em aplicações de engenharia, são puros,

como por exemplo:

• O cobre de alta pureza (99,99%) usado em condutores elétricos, devido à sua elevada

condutividade elétrica;

• O zinco utilizado na galvanização de aços;

• O alumínio usado em utensílios domésticos, contendo apenas teores mínimos de outros

elementos.

Na maioria dos casos, outros elementos (metais ou não-metais) são intencionalmente

adicionados a um metal, com o objetivo de melhorar as suas propriedades, formando as

ligas metálicas; portanto, uma liga metálica, ou simplesmente uma liga, é a mistura de dois

elementos, sendo pelo menos um metálico para garantir o caráter metálico no material.

Como exemplos de liga têm-se:

• O latão, que é uma liga de cobre contendo zinco;

• O bronze, que é uma liga de cobre contendo estanho;

• O aço-carbono, que é uma liga de ferro contendo carbono.

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O tipo mais simples de liga metálica é aquela que forma uma solução sólida;

portanto, solução sólida é um sólido que consiste de dois ou mais elementos atomicamente

dispersos em uma estrutura monofásica.

Em geral, existem dois tipos de soluções sólidas: solução sólida substitucional e

solução sólida intersticial.

a) Soluções sólidas substitucionais

Nas soluções sólidas substitucionais formadas por dois elementos, os átomos do

soluto podem substituir os átomos do solvente na rede cristalina. Neste caso, a estrutura do

solvente não é alterada, sendo comum ocorrer distorção da rede cristalina, já que os átomos

do soluto não exibem o mesmo diâmetro atômico dos átomos do solvente, podendo ser

maiores ou menores, conforme mostrado na Figura 4.5.

Figura 4.5 – Átomos de solutos substituindo átomos da rede cristalina (ASKELAND & PHULÉ, 2003).

Solubilidade

A fração de átomos de um elemento que pode ser dissolvida na estrutura de outro é

definida como solubilidade, a qual varia de um valor muito pequeno até 100%, e é dada em

porcentagem em peso (% em peso) ou em porcentagem atômica (% de átomos).

Para que haja uma substituição em proporções elevadas em uma solução sólida

substitucional (solubilidade extensa), as seguintes condições, denominadas condições de

Hume-Rothery, devem ser satisfeitas:

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1- Os raios atômicos dos dois elementos não devem diferir em mais de 15%;

2- A estrutura cristalina dos dois elementos deve ser a mesma;

3- Não deve existir diferença significativa entre as eletronegatividades dos dois elementos,

para que não haja a formação de compostos;

4- Os dois elementos devem ter a mesma valência.

O Quadro 4.1 mostra a relação entre a solubilidade e as condições listadas, para

algumas ligas cujo solvente é o cobre (Cu); este elemento apresenta as seguintes

características: estrutura CFC, raio atômico = 1,278 Ǻ, eletronegatividade de 1,9 e valência

+1.

Quadro 4.1 – Solubilidade de alguns elementos no cobre, em função das condições listadas.

Soluto Estrutura Relação de raios

Eletronegatividade Valência Solubilidade

% em peso % atômica Ni Al Ag Pb

CFC CFC CFC CFC

0,98 1,12 1,14 1,37

1,9 1,5 1,9 1,9

+2 +1 +1 +2

100 9 8 ≈ 0

100 19 6 ≈0

Fontes: VAN VLAC, 1977 e ASKELAND & PHULÉ, 2003

b) Soluções sólidas intersticiais

Nesse tipo de solução, um átomo pequeno pode se localizar nos interstícios da rede

dos átomos maiores (o soluto intersticial é o que fica posicionado nos interstícios do

solvente), conforme mostrado na Figura 4.6.

Figura 4.6 – Átomos de soluto localizados nos interstícios da rede do solvente (ASKELAND & PHULÉ, 2003)

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As soluções sólidas intersticiais são formadas quando um átomo do soluto é muito

menor que o átomo do solvente. O ferro (Fe), por exemplo, em temperaturas abaixo de 912

°C ocorre com uma estrutura CCC; acima de 912 °C existe uma faixa de temperatura na

qual esse elemento tem uma estrutura CFC; neste reticulado, o interstício no centro da

célula unitária é relativamente grande (a 1000 °C o ferro apresenta o maior vão, de

diâmetro igual a 1,0 Ǻ), e o carbono, sendo extremamente pequeno (diâmetro=1,5 Ǻ), pode

se alojar nesse vazio e produzir uma solução sólida de ferro e carbono; quando o ferro, em

temperaturas mais baixas, passa a ser CCC, os interstícios dos seus átomos tornam-se

menores e, conseqüentemente, a solubilidade do carbono no ferro CCC é relativamente

pequena.

Além do carbono (diâmetro=1,5 Ǻ), o maior interstício do ferro também pode abrigar

facilmente o hidrogênio (diâmetro=0,90 Ǻ) e o boro (diâmetro=0,92). No caso do carbono,

a solubilidade desse elemento no ferro apresenta um máximo de 2,08 % em peso, e ocorre

a 1148 °C.

4.4 Imperfeições cristalinas

As imperfeições estruturais afetam diretamente várias características dos materiais,

como os parâmetros envolvidos na deformação plástica, na condutividade elétrica de

semicondutores, na corrosão metálica e em processos de difusão atômica.

Com exceção de alguns poucos produtos conformados por sinterização (metalurgia

do pó), todos os produtos metálicos passam necessariamente pelo processo de solidificação

em algum estágio de sua fabricação. Durante a solidificação, um material metálico sofre o

rearranjo de seus átomos que determina a sua estrutura cristalina. Dependendo do modo

com que o líquido transforma-se em sólido, podem ocorrer defeitos no empilhamento e na

organização dos átomos, resultando em imperfeições estruturais.

Existem três tipos básicos de imperfeições: defeitos pontuais, defeitos de linha

(discordâncias) e defeitos de superfície;

4.4.1 Defeitos pontuais

São interrupções localizadas em pontos da estrutura cristalina, atômica ou iônica, e

estão associados com uma ou duas posições atômicas.

Embora sejam chamadas defeitos de pontos, as interrupções afetam uma região que

envolve vários átomos ou íons.

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Essas imperfeições podem ser introduzidas pelo movimento de átomos ou íons,

quando eles ganham energia por aquecimento, durante o processamento dos materiais, pela

introdução de impurezas, ou por dopagem.

Os defeitos pontuais mais importantes são: as lacunas (também chamadas de vazios

ou vacâncias), os auto-intersticiais, os defeitos intersticiais e os defeitos substitucionais.

a) Lacunas

É o tipo de defeito mais simples e é caracterizado pela ausência de um átomo ou íon

em um sítio normal da estrutura cristalina (Figura 4.7).

Figura 4.7 – Representação de uma lacuna (adaptada de ASKELAND, 2003).

As lacunas podem ser produzidas durante o processo de solidificação, como

resultado de perturbações locais no crescimento do cristal. Também ocorrem no arranjo de

um cristal já existente, devido à mobilidade de seus átomos no material cristalino, ou

ainda, em função da deformação plástica, do resfriamento rápido e do bombardeamento da

rede cristalina por partículas atômicas.

As lacunas são de grande importância na determinação da taxa de difusão (processo

no qual os átomos ou íons podem se mover na estrutura de um material sólido,

especialmente em metais puros).

Todos os sólidos cristalinos contêm lacunas (CALLISTER, 2002). Na temperatura

ambiente (≈ 298 K), a concentração de lacunas é pequena, mas aumenta exponencialmente

com a elevação da temperatura, conforme mostra a equação de Arrhenius abaixo:

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−⋅=

RT

Qexpnn v

v ,

onde nv representa o número de lacunas por cm3, n é o número de sítios atômicos por

cm3, Qv é a energia necessária para produzir um mol de vacâncias, em cal/mol ou J/mol, R

é a constante dos gases (1,987 cal/mol-K ou 8,31 j/mol-K), e T é a temperatura absoluta em

Kelvin.

Esta equação fornece a concentração de lacunas em equilíbrio para uma dada

temperatura. Também é possível reter a concentração de lacunas produzida a alta

temperatura, pelo rápido resfriamento do material; portanto, em muitas situações, a

concentração de lacunas observada à temperatura ambiente não é a concentração de

equilíbrio prevista pela equação anterior.

Para a maioria dos metais, a fração de lacunas nv/n a uma temperatura imediatamente

inferior á temperatura de fusão é da ordem de 10-4, ou seja, uma para cada 10000 átomos.

Em cristais iônicos, os defeitos pontuais exibem caráter mais complexo devido à

necessidade de manter a neutralidade elétrica do sistema. O caso de um defeito estrutural

em que dois íons de cargas opostas perdidos dentro da estrutura entram em contato,

criando uma lacuna, caracteriza o defeito de Schottky. Quando um íon positivo move-se

para uma posição intersticial do cristal iônico, cria-se uma “lacuna cátion”, conhecida

como defeito de Frenkel. Esses defeitos estão ilustrados na Figura 4.8.

Figura 4.8 – Representação bidimensional de um cristal iônico mostrando os defeitos de

Schottky (A) e de Frenkel (B).

A presença desses defeitos em cristais iônicos aumenta a condutividade elétrica dos

mesmos.

A – Defeito de Schottky B – Defeito de Frenkel

B

A

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b) Auto-intersticiais

Um auto-intersticial, ou simplesmente intersticial, é criado quando um átomo

idêntico aos da rede cristalina localiza-se em uma posição intersticial.

Em metais, este tipo de defeito, representado na Figura 4.9, introduz distorções

relativamente grandes na rede cristalina circunvizinha, pois o átomo é substancialmente

maior do que a posição intersticial na qual ele está situado. Em vista disso, geralmente

esses defeitos não ocorrem naturalmente, mas podem ser introduzidos por radiação

(SMITH, 1998).

Esses defeitos são mais comumente encontrados em estruturas cristalinas que têm um

baixo fator de empacotamento atômico.

Figura 4.9 – Representação bidimensional de um auto-intersticial (adaptada de SMITH, 1998).

c) Defeitos intersticiais

Um defeito intersticial é introduzido no material quando um átomo estranho à rede

ocupa um de seus interstícios, conforme ilustrado na Figura 4.10.

Átomos ou íons intersticiais, embora muito menores que os átomos ou íons

localizados nos pontos da rede, são ainda maiores que os sítios intersticiais que eles

ocupam; conseqüentemente, a região do cristal ao redor do defeito é comprimida e

distorcida.

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Figura 4.10 – Defeito intersticial (ASKELAND & PHULÉ, 2003).

Átomos intersticiais, tais como o hidrogênio, estão presentes no material

freqüentemente como impureza, enquanto que os átomos de carbono são intencionalmente

adicionados ao ferro para produzir o aço. Em pequenas concentrações, os átomos de

carbono ocupam sítios intersticiais na estrutura cristalina do ferro, introduzindo tensões na

região localizada em torno dos mesmos.

d) Defeitos Substitucionais

Um defeito substitucional é introduzido quando um átomo ou íon da rede cristalina é

substituído por um tipo diferente de átomo ou íon.

Os átomos ou íons substitucionais podem ser maiores que os átomos ou íons normais

da estrutura cristalina (Figura 4.11-a), fazendo com que os espaçamentos interatômicos ao

seu redor fiquem reduzidos, ou podem ser menores (Figura 4.11-b), o que proporciona o

aumento dos espaçamentos interatômicos nas vizinhanças. Em ambos os casos, os defeitos

substitucionais perturbam a região vizinha aos mesmos.

(a) (b)

Figura 4.11 – Átomo substitucional: maior que o átomo da rede (a); menor que o átomo da rede (b).

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4.4.2 Defeitos lineares (discordâncias)

Os cristais podem apresentar defeitos lineares e contínuos em sua estrutura, dando

origem às imperfeições de linha, os quais são também chamados de discordâncias. Uma

discordância, portanto, é um defeito linear ou unidimensional em torno do qual alguns

átomos estão desalinhados (CALLISTER, 2002).

Esses defeitos causam a distorção da rede cristalina em torno de uma linha, gerando

campos de tensão nessa região.

Embora as discordâncias estejam presentes em todos os materiais, inclusive os

cerâmicos e os poliméricos, eles são particularmente úteis para explicar a deformação e o

aumento da resistência em materiais metálicos.

Essas imperfeições podem ser produzidas durante a solidificação, na deformação

plástica de sólidos cristalinos, como resultado da concentração de lacunas, ou ainda por

desajustamentos atômicos em soluções sólidas.

As discordâncias são responsáveis pelo comportamento mecânico dos materiais

quando submetidos ao cisalhamento, e justificam o fato que os metais são cerca de dez

vezes mais deformáveis do que deveriam.

4.4.2.1 Tipos de discordâncias

Os dois principais tipos de discordâncias são identificados como: discordância em

cunha e discordância em hélice. A combinação destes dois tipos origina as discordâncias

mistas, que têm componentes de cunha e de hélice.

a) Discordância em cunha

Uma discordância em cunha ocorre pela interrupção de um plano atômico. Este tipo

de discordância pode ser descrita como a aresta de um plano atômico extra inserido na

estrutura cristalina, como é mostrado na Figura 4.12, o que faz com que também seja

denominada discordância em aresta.

Um semiplano atômico imediatamente acima da linha da discordância caracteriza

uma discordância em cunha positiva, e é representada pelo símbolo ┴; um semiplano

atômico abaixo da linha da discordância caracteriza uma discordância em cunha negativa,

e é denotada pelo símbolo ┬.

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Figura 4.12 – Posições atômicas em torno de uma discordância em cunha positiva (Prof.

Sidnei, DCMM, PUCRJ). A magnitude e a direção da distorção da rede cristalina que está associada com uma

discordância são expressas em termos de um vetor denominado vetor de Burgers, o qual é

representado pelo símbolo br

. A identificação desse vetor pode ser feita com o auxílio da

Figura 4.13, onde se observa que: se a discordância em cunha for contornada no sentido

horário, iniciando no ponto x e percorrendo igual número de espaçamentos atômicos em

cada direção, o contorno será finalizado no ponto y, distante um espaçamento atômico do

ponto de partida; o vetor necessário para completar o contorno é denominado vetor de

Burgers. A mesma figura mostra que nas discordâncias em cunha o vetor de Burgers é

perpendicular à linha da discordância.

Figura 4.13 – Vetor de Burgers para a discordância em cunha.

xbr

y

Plano Extra

Linha da discordância

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Quando uma discordância em cunha é introduzida no cristal, os átomos acima da

linha da discordância ficam bastante comprimidos, enquanto os átomos abaixo da linha de

discordância ficam muito tracionados; portanto, zonas de compressão e de tração

acompanham uma discordância em cunha, de modo que há um aumento de energia ao

longo da mesma, conforme mostra a Figura 4.14, obtida por fotoelasticidade.

Figura 4.14 – Componentes de tração e compressão envolvendo uma

discordância em cunha.

b) Discordância em hélice

Uma discordância em hélice, também chamada de discordância em espiral ou

discordância em parafuso, ocorre quando o empilhamento atômico em torno da linha da

discordância é feito na forma de uma mola helicoidal, conforme mostra a Figura 4.15.

(a) (b)

Figura 4.15 – Uma discordância em hélice: no interior do cristal (a); vista por cima (b)

(adaptada de CALLISTER, 2002)

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Nas discordâncias em hélice o vetor de Burgers é paralelo à linha de discordância.

Tensões de cisalhamento estão associadas aos átomos adjacentes; assim sendo, esse

tipo de discordância também provoca um aumento de energia, visualizado na Figura 4.16.

Figura 4.16 – Tensões de cisalhamento associadas a uma discordância em hélice.

c) Discordância Mista

A discordância mista tem os componentes em cunha e em hélice, com uma região de

transição entre eles; o vetor de Burgers, no entanto, permanece o mesmo em todas as

regiões da discordância (Figura 4.17).

(a) (b)

Figura 4.17 – Representação esquemática de uma discordância mista (a). Vista superior, onde os círculos abertos representam posições atômicas acima do plano de deslizamento, e os pretos representam átomos abaixo do plano de deslizamento (b) (adaptada de CALLISTER, 2002).

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4.4.2.2 Alguns conceitos relativos às discordâncias:

• Deslizamento: É o processo pelo qual uma discordância se move, causando a

deformação do material metálico;

• Direção de deslizamento: É a direção na qual a discordância se move, e é

representada pela direção do vetor de Burgers;

• Plano de deslizamento: É o plano no qual a discordância se movimenta, e é

definido pelo vetor de Burgers e pela linha da discordância;

• Sistema de deslizamento: É a combinação da direção de deslizamento e o plano de

deslizamento;

As discordâncias estão intimamente associadas à cristalização. As discordâncias em

cunha são originadas quando há uma pequena diferença na orientação de partes adjacentes

do cristal em crescimento, de forma que um plano atômico extra é introduzido ou

eliminado. Uma discordância em hélice permite um fácil crescimento do cristal, uma vez

que os átomos e células unitárias adicionais podem se adicionados ao passo da hélice.

As discordâncias estão associadas também com a deformação; uma tensão de

cisalhamento origina tanto uma discordância em cunha como uma em hélice; ambas levam

ao mesmo deslocamento final e estão relacionadas através da discordância mista (Figura

4.18).

(a) (b) (c)

Figura 4.18 – Representação esquemática de discordâncias: em cunha (a), em hélice (b) e mista (c) (VAN VLACK, 1977)

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4.4.2.3 Discordâncias e deformação mecânica

Uma das maneiras de representar o que acontece quando um material se deforma é

imaginar o deslizamento de um plano atômico em relação a outro plano adjacente (Figura

4.19). Se for tomado como base que o deslizamento ocorre pelo rompimento simultâneo

das ligações atômicas, é possível fazer uma estimativa teórica da tensão cisalhante crítica

necessária para deformar o material, que é o valor máximo da tensão de cisalhamento

acima do qual o cristal começa a cisalhar.

(a) (b)

Figura 4.19 – Representação bidimensional de um cristal: não cisalhado (a); cisalhado (b).

Entretanto, os valores teóricos para essa tensão são muito maiores do que os valores

obtidos experimentalmente. Essa discrepância só foi entendida quando se descobriu a

presença das discordâncias.

As discordâncias reduzem a tensão necessária para cisalhamento, ao introduzir um

processo seqüencial, e não simultâneo, para o rompimento das ligações atômicas no plano

de deslizamento. Portanto, quando uma força cisalhante com a direção do vetor de Burgers

é aplicada ao cristal, uma discordância é gerada pela quebra das ligações entre os átomos

no plano, conforme ilustrado na Figura 4.20; o plano cortado é deslocado para estabelecer

ligações com o próximo plano parcial originado da mesma forma que o anterior; esse

deslocamento causa o movimento da discordância de um espaçamento atômico; se o

processo continua, a discordância move-se através do cristal até que um degrau seja

produzido no exterior do cristal, caracterizando assim, a sua deformação.

Plano de deslizamento

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Como pode ser constatado na figura, a linha da discordância é a fronteira entre as

regiões cisalhada e não cisalhada do cristal.

Figura 4.20 – Processo seqüencial do cisalhamento.

4.4.2.4 Energia e discordância

A energia associada a uma discordância depende do seu vetor de Burgers (varia com

o quadrado do vetor de Burgers). Uma discordância com alto vetor de Burgers tende a se

dissociar em duas ou mais discordâncias de menores vetores de Burgers; como os novos

vetores são menores que o vetor da rede, forma-se um defeito chamado de falha de

empilhamento (“stacking fault”), ilustrado na Figura 4.21.

Figura 4.21 – Falha de empilhamento.

D

b1 b2 b3

Neste caso, a reação de dissociação é: b1 → b2 + b3

tensão cisalhante

tensão cisalhante

tensão cisalhante

tensão cisalhante

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A reação de dissociação é energeticamente favorável se: b12 > b2

2 + b32

4.4.2.5 Movimento de discordâncias

Uma discordância em cunha só pode se mover no plano de deslizamento definido

pela linha da discordância e seu vetor de Burgers; todavia, sob certas condições, uma

discordância em cunha pode sair do seu plano de deslizamento para um plano paralelo a

este situado acima ou abaixo. Este processo, esquematizado na Figura 4.22, é chamado de

escalagem (“climb”) da discordância, e ocorre a altas temperaturas, pois envolve difusão e

migração de lacunas.

Figura 4.22 – Movimento de escalagem de uma discordância em cunha.

O fenômeno do deslizamento cruzado (“cross-slip”) é restrito às discordâncias em

hélice, pois sendo paralelos, a linha da discordância e o seu vetor de Burgers não definem

um plano específico de deslizamento como na discordância em cunha; portanto, quando

uma discordância em hélice, movendo-se em um plano de deslizamento, encontra um

obstáculo que a bloqueia, pode mudar para outro plano de deslizamento, apropriadamente

orientado, e continuar o seu movimento.

Em muitos metais HC, nenhum deslizamento cruzado é observado, pois os planos de

deslizamento são paralelos (não se interceptam); entretanto, adicionais sistemas de

deslizamento tornam-se ativos quando esses metais são aquecidos ou formam ligas com

outros, melhorando a sua ductilidade. Em metais CFC e CCC, o deslizamento cruzado é

possível, devido ao número de sistemas de deslizamento que se interceptam.

Plano de deslizamento

Novo plano de deslizamento

Fileira de vacâncias

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4.4.2.6 Interseção de discordâncias

Uma vez que mesmo os cristais recozidos possuem muitas discordâncias,

freqüentemente uma discordância, movimentando-se no seu plano de deslizamento,

intercepta outra discordância em planos de deslizamento que se cruzam. O efeito da

interseção em cada uma das discordâncias depende dos tipos de discordâncias envolvidas e

do ângulo entre os seus vetores de Burgers. A seguir serão estudados alguns casos mais

importantes sobre interseção de discordâncias:

• Caso 1 - Interseção de duas discordâncias em cunha com vetores de Burgers formando

um ângulo reto entre si (Figura 4.23):

(a) (b)

Figura 4.23 – Discordâncias em cunha com os vetores de Burgers perpendiculares:

antes da interseção (a) e após a interseção (b) (DIETER, 1982).

− Uma discordância em cunha XY com vetor de Burgers b1, movimentando-se no plano

PXY, corta a discordância AD com vetor de Burgers b2, a qual se encontra no plano

PAD;

− Neste caso, será produzido um degrau PP’ na discordância AD, que é paralelo a b1,

mas possui vetor de Burgers b2, pois é parte da linha de discordância APP’D;

− O comprimento do degrau é igual a b1 e possui uma orientação em cunha, podendo,

desta forma, deslizar com o resto da discordância;

X

Y

b1

D

A

b2

P

P’

A

X

Y

D

PXY

PAD

b2

b1

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− Um degrau se forma quando o vetor de Burgers de uma das discordâncias é normal à

linha da outra que a corta (b1 é normal a AD e lhe causa um degrau, enquanto b2 é

paralelo a XY, onde não se forma degrau).

• Caso 2 - Interseção de duas discordâncias em cunha com vetores de Burgers paralelos

(Figura 4.24):

(a) (b)

Figura 4.24 – Discordâncias em cunha com vetores de Burgers paralelos: antes da interseção (a) e após a interseção (b) (DIETER, 1982).

− Neste caso, ambas as discordâncias formam degrau, sendo b1 o comprimento do

degrau PP’ e b2 o comprimento do degrau QQ’;

− Deve ser observado que os dois degraus possuem orientação em hélice e se

encontram nos planos de deslizamento originais das discordâncias, em vez de planos

de deslizamento vizinhos como no caso anterior;

− Os degraus deste tipo, que se encontram no plano de deslizamento e não normal a

eles, são chamados normalmente de dobras, e são instáveis porque durante o

deslizamento podem se alinhar com o resto da discordância.

1

P’

2 P

Q’

Q

1

2

b1

b2

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• Caso 3 - Interseção de uma discordância em hélice com uma em cunha (Figura 4.25):

(a) (b) Figura 4.25 – Discordâncias em cunha e em hélice se interceptando: antes da interseção (a)

e após a interseção (b) (DIETER, 1982).

− Esta interseção produz degraus de orientação em cunha em ambas as discordâncias;

• Caso 4 - Interseção de duas discordâncias em hélice (Figura 4.26):

(a) (b)

Figura 4.26 – Discordâncias em hélice se interceptando: antes da interseção (a) e após a interseção (b) (DIETER, 1982).

− Também produz degraus de orientação em cunha em ambas as discordâncias;

− Do ponto de vista da deformação plástica, este é o tipo mais importante de

interseção.

2

b2

1

b1 1 b1

2

b2

1

b1 2

b2

1

b1

2 b2

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Os degraus produzidos no caso da interseção entre duas discordâncias em cunha, de

qualquer orientação de b, podem deslizar livremente, pois se encontram nos planos de

deslizamento das discordâncias originais.

A única diferença entre o movimento de uma discordância em cunha com degrau e

uma comum está no fato de que a primeira desliza sobre uma superfície escalonada,

enquanto que a segunda o faz ao longo de um único plano de deslizamento.

Desta forma, as discordâncias em cunha pura não têm o seu movimento afetado pela

presença de degraus nas suas linhas. Todavia, todos os tipos de degraus formados em uma

discordância em hélice apresentam orientações em cunha; e uma vez que a discordância

em cunha só pode movimentar-se livremente em um plano contendo sua linha e o vetor de

Burgers, a única maneira do degrau se movimentar por deslizamento (movimento

conservativo) é ao longo do eixo da discordância em hélice (o degrau tem o seu

movimento restrito ao plano AA’BB’ (Figura 4.27).

Figura 4.27 – Movimento de degrau sobre discordância em hélice (DIETER, 1982)

A única maneira possível da discordância em hélice deslizar para uma nova posição

MNN’O levando junto o seu degrau é através de um movimento não-conservativo deste

degrau, tal como a escalagem; como a escalagem é um processo termicamente ativado, o

movimento de discordâncias em hélice que apresentam degraus na linha é dependente da

temperatura; portanto, nas temperaturas em que a escalagem não ocorrer, o movimento das

discordâncias em hélice será travado pelos degraus.

4.4.2.7 Multiplicação de discordâncias

Os cristais metálicos recozidos podem ser deformados plasticamente mais de 10

vezes que o valor calculado teoricamente; portanto, durante a deformação plástica, além

N

N’

A’

A

M

O

B’

B b

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das discordâncias abandonarem o cristal, elas se multiplicam. Isto pode ser confirmado

medindo-se a densidade de discordâncias após a deformação, cujo valor é várias ordens de

grandeza maior que a densidade inicial no cristal recozido.

Essas considerações mostram a necessidade da ocorrência de multiplicação de

discordâncias durante a deformação plástica, caso contrário não seria possível justificar a

alta plasticidade dos metais.

O mecanismo mais conhecido e aceito que justifique a multiplicação de

discordâncias foi proposto por Frank e Read, em 1950, e é chamado normalmente de fonte

de Frank-Read, descrita a seguir com o auxílio da Figura 4.28.

Figura 4.28 – Representação esquemática da operação de uma fonte

de Frank-Head (DIETER, 1982).

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• Considere uma linha de discordância AB situada em um plano de deslizamento (o plano

da figura é o plano de deslizamento); a linha de discordância é imobilizada nos

obstáculos A e B (fase 1);

• Se uma tensão cisalhante atua no plano de deslizamento, a linha de discordância se

abaula e produz deslizamento; para uma dada tensão a linha de discordância apresentará

um certo raio de curvatura (fase 2);

• O valor máximo da tensão cisalhante acontecerá quando o abaulamento da discordância

se tornar um semicírculo (fase 3);

• Além desse ponto o raio do semicírculo crescerá e o anel de discordância continuará a

se expandir com uma tensão decrescente (fases 4 a 6);

• Quando o anel atingir o formato da fase 7, os segmentos se encontrarão;

• Esses segmentos, então, anularão um ao outro, formando um anel grande e

restabelecendo a discordância original (Fase 8).

4.4.2.8 Considerações sobre o deslizamento

Durante o deslizamento, a discordância se move de uma posição da rede para outra

com vizinhança idêntica a anterior. A tensão necessária para mover a discordância de uma

posição de equilíbrio para outra é dada pela equação de Peiers-Nabarro:

( )bkdexpc −⋅=τ

onde τ = tensão de cisalhamento necessária para mover a discordância; d = distância

interplanar entre planos de deslizamento entre planos de deslizamento adjacentes; b =

módulo do vetor de Burgers; c, k = constantes do material.

Da equação de Peiers-Nabarro, verifica-se que:

• A tensão necessária para causar a movimentação de uma discordância aumenta

exponencialmente com o comprimento do vetor de Burgers; portanto, a direção de

deslizamento deve ter uma pequena distância de repetição ou alta densidade linear (as

direções compactas em metais e ligas satisfazem este critério e são as direções de

deslizamento usuais).

• A tensão necessária para causar a movimentação de uma discordância decresce

exponencialmente com o espaçamento interplanar dos planos de deslizamento; portanto,

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o deslizamento ocorre mais facilmente entre planos de átomos que têm saliências

menores (picos e vales menores na superfície) e entre planos que estão mais afastados

(ou têm espaçamento interplanar relativamente maior). Planos com uma densidade

planar mais alta satisfazem esta condição; portanto, os planos preferenciais de

deslizamento são os tipicamente compactos ou aqueles com compacidade mais alta

possível.

As diferenças no comportamento de metais que apresentam diferentes estruturas

cristalinas podem ser compreendidas pelo exame da força necessária para iniciar o

processo de deslizamento.

Suponha que uma força unidirecional F seja aplicada em um cilindro de metal

monocristalino (Figura 4.29). O ângulo entre a direção de deslizamento e o eixo da força

aplicada é definido por λ, e ângulo entre a normal ao plano de deslizamento e a força

aplicada é definido por ϕ:

(a) (b)

Figura 4.29 – Tensão de cisalhamento resolvida produzida em um sistema de deslizamento (a); esquema de forças atuantes (b) (adaptada de ASKELAND & PHULÉ, 2003)

Para que a discordância possa se movimentar em seu sistema de deslizamento, uma

força de cisalhamento na direção de cisalhamento deve ser produzida pela força aplicada

no cilindro. A força de cisalhamento resolvida Fr é dada por:

λcosFFr =

A

λ ϕ

Ao

oA

Fσ ====

A

Fτ r

r ====

λcosFFr ====Direção de deslizamento

Normal ao plano de deslizamento

Tensão de cisalhamento

Plano de deslizamento

λcosFFr ====

Fr nF

λ

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Se dividirmos a equação acima pela área do plano de deslizamento, A = Ao / cos φ,

obteremos a equação conhecida por lei de Schmid,

λφστ coscosr =

onde

==A

Frrτ tensão de cisalhamento resolvida, na direção de cisalhamento

==oA

Fσ tensão unidirecional aplicada ao cilindro.

A tensão de cisalhamento resolvida crítica (τcrss) é a tensão necessária para romper as

ligações metálicas para que ocorra o deslizamento; portanto, o deslizamento ocorre,

causando a deformação plástica no metal, quando a tensão aplicada (σ) produz uma tensão

de cisalhamento resolvida (τr) igual à tensão de cisalhamento resolvida crítica (τr = τcrss).

4.4.2.9 Empilhamento de discordâncias (“pile-up”)

Freqüentemente as discordâncias se empilham sobre o plano de deslizamento ao

encontrarem barreiras tais como contornos de grão, segundas-fases ou discordâncias

bloqueadas. Além da tensão cisalhante aplicada, atua também sobre a discordância líder a

força resultante de sua interação com as outras discordâncias do empilhamento. Isto

acarreta uma alta concentração de tensões sobre a discordância líder do empilhamento.

Quando o empilhamento é formado por muitas discordâncias, a tensão sobre a

discordância líder pode atingir valores próximos ao da tensão cisalhante teórica do cristal.

Este valor de tensão tanto pode iniciar o escoamento no outro lado da barreira, como

também, dependendo das circunstâncias, pode nuclear uma trinca na barreira.

Como resultado do empilhamento de discordâncias, existe uma tensão de recuo que

se opõe ao movimento de novas discordâncias o longo do plano de deslizamento segundo a

direção de deslizamento.

Em um empilhamento, as discordâncias tendem a ficar muito próximas umas das

outras na ponta do arranjo e mais largamente espaçadas à medida que se caminha na

direção da fonte geradora (Figura 4.30).

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Figura 4.30 – Empilhamento de discordâncias (adaptada de DIETER, 1982).

O número de discordâncias que podem ocupar uma distância L entre a fonte e o

obstáculo, ao longo do plano de deslizamento, é

Gb

Lkn sπτ

=

onde τs é a tensão cisalhante resolvida média no plano de deslizamento, G é o módulo de

rigidez do material, e k é um fator próximo da unidade. Para uma discordância em cunha, k

= 1- ν, enquanto que para uma discordância em hélice, k = 1. Quando a fonte se situa no

centro de um grão de diâmetro D, o número de discordâncias no empilhamento é dado por

Gb4

Dkn sπτ

=

Uma vez que a tensão de recuo que atua sobre a fonte é decorrente de discordâncias

empilhadas em ambos os lados da fonte, aplica-se o fator 4 em vez do fator 2 esperado.

Para muitos propósitos, pode-se considerar um arranjo de n discordâncias empilhadas

como sendo uma discordância gigante com vetor de Burgers nb. A tensão devido às

discordâncias, para grandes distâncias do empilhamento, pode ser considerada como sendo

originada por uma discordância de módulo nb localizada no centro de gravidade a três

quartos da distância da fonte até a ponta do empilhamento. O deslizamento total produzido

por um empilhamento pode ser considerado aquele devido a uma única discordância nb

movimentando-se de uma distância 3L/4. Na ponta do empilhamento atua uma força muito

alta sobre as discordâncias. Esta força é igual a nbτs, onde τs é a tensão cisalhante resolvida

média sobre o plano de deslizamento.

θ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴ ┴

L

Fonte

Obstáculo

P

r

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O número de discordâncias que podem ser bloqueadas por um obstáculo dependerá

do tipo de barreira, da relação de orientação entre o plano de deslizamento e as

características estruturais da barreira, do material e da temperatura. O colapso da barreira

pode ocorrer através de deslizamento em um novo plano, escalagem de discordâncias

contornando a barreira, ou pela geração de tensões suficientemente grandes capazes de

produzir uma trinca.

4.4.2.10 Outras considerações sobre discordâncias

A quantidade e o movimento das discordâncias podem ser controlados pelo grau de

deformação (conformação mecânica) e/ou por tratamentos térmicos. Com o aumento da

temperatura há um aumento na velocidade de deslocamento das discordâncias,

favorecendo o aniquilamento mútuo das mesmas e formação de discordâncias únicas.

Impurezas tendem a difundir-se e concentrar-se em torno das discordâncias

formando uma atmosfera de impurezas.

A densidade das discordâncias depende da orientação cristalográfica, pois o

cisalhamento se dá mais facilmente nos planos de maior densidade atômica.

As discordâncias geram lacunas, como também influem nos processos de difusão, e a

sua formação contribui para a deformação plástica dos materiais.

4.5 Defeitos superficiais

Os cristais também apresentam defeitos em duas dimensões que se estendem ao

longo de sua estrutura, formando superfícies que são denominadas de imperfeições de

superfície ou fronteiras. Os principais tipos de defeitos cristalinos nessa categoria são:

superfícies livres, contornos de grão, falhas de empilhamento e maclas.

a) Superfícies livres

As dimensões exteriores do material representam superfícies onde o cristal termina

rapidamente, ou seja, a superfície externa é o término da estrutura cristalina (Figura 4.31).

Entretanto, os átomos da superfície não são completamente comparáveis aos do interior do

cristal, pois possuem vizinhos de apenas um lado; portanto, têm energia mais alta que os

átomos internos e estão ligados a estes mais fragilmente (átomos fora da posição de

equilíbrio).

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A Tabela 4.2 lista os valores da energia de superfície de alguns metais. A energia

superficial é expressa em erg/cm2 ou J/m2.

Figura 4.31 – Átomos da superfície do cristal.

Tabela 4.2 – Energia de superfície de alguns metais.

Material Energia de superfície

(mJ/m2) Alumínio Ouro Cobre Ferro (CCC) Ferro (CFC) Platina Tungstênio Magnésio Alumina (Al2O3)

1100 1400 1750 2100 2200 2100 2800 1200

2500 a 3000 Fonte: Padilha (2000)

b) Contornos de grão

Durante a solidificação do material, vários núcleos sólidos surgem no interior do

líquido. Em uma fase seguinte, denominada de crescimento, esses núcleos crescem e se

juntam, formando nestas juntas, uma região conhecida como contorno de grão. Como os

diversos grãos formados não apresentam a mesma orientação cristalográfica, o encontro

dos mesmos cria superfícies de contato dentro do cristal, formadas por átomos

desordenados (Figura 4.32).

Superfície externa

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Figura 4.32 – Formação de contornos de grãos.

A estrutura de muitos materiais cerâmicos e metálicos consiste de muitos grãos

(Figura 4.33).

Figura 4.33 – Estrutura mostrando os grãos e seus contornos.

Um grão é uma porção do material, na qual todos os átomos estão arranjados

segundo um único modelo e uma única orientação, caracterizada pela célula unitária;

b a

c d

Líquido

Núcleo

Contorno de grão

Grão

Contorno de grão

Grão

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entretanto, a orientação do arranjo de átomos, ou a estrutura cristalina, é diferente para

cada grão.

Um contorno de grão é a superfície que separa os grãos individuais, e é uma zona de

transição restringida onde os átomos não estão apropriadamente espaçados, ou seja, é uma

zona entre grãos, a qual não está alinhada com nenhum dos grãos; isto causa, nessas zonas,

o surgimento de regiões de compressão em algumas áreas e de regiões de tração em outras.

Portanto, os átomos ao longo do contorno têm uma energia mais elevada que aqueles

do interior do grão, conforme pode ser observado na Tabela 4.3.

Tabela 4.3 – Energia de contorno de alguns metais.

Material Energia de contorno (mJ/m2)

Alumínio Ouro Cobre Ferro (CCC) Ferro (CFC) Platina Tungstênio Alumina (Al2O3)

600 400 530 800 790 780

1070 1900

Fonte: Padilha (2000)

A forma do grão é controlada pela presença dos grãos circunvizinhos; o tamanho de

grão é controlado pela composição e pela taxa de cristalização ou solidificação.

É importante o conhecimento do tamanho de grão de um material policristalino, visto

que o número de grãos tem papel significativo em muitas propriedades dos materiais,

especialmente na resistência mecânica; logo, um método de controlar as propriedades de

um material é controlando o tamanho dos grãos que o formam.

Pela redução do tamanho de grão, o número de grãos crescerá e, conseqüentemente,

haverá um aumento da quantidade de áreas de contornos de grão:

• Em baixas temperaturas, até a metade da temperatura de fusão, os contornos de grãos

aumentam a resistência do material por meio da limitação do movimento de

discordâncias, ou seja, o movimento de uma discordância fica restringido, pois logo

encontrará um contorno de grão que a travará.

• Em temperaturas acima de cerca da metade do ponto de fusão, a deformação pode

ocorrer por deslizamento ao longo dos contornos de grão. Isto se torna mais

proeminente com o aumento da temperatura e com a diminuição da taxa de deformação,

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assim como em fluência (o mecanismo de deformação plástica nestas temperaturas é o

de fratura intergranular); este mecanismo é um dos responsáveis pela diminuição da

resistência mecânica do material em temperaturas elevadas.

A equação de Hall-Petch relaciona o tamanho de grãos com o limite de escoamento

do material (ASKELAND & PHULÉ, 2003):

21

oy KD−+= σσ

onde σy é o limite de escoamento, D é o diâmetro médio dos grãos, e σo e K são constantes

do material.

Tamanho de grão

A padronização do tamanho de grão pode ser feita por meio do número de tamanho

de grão da ASTM, que é determinado pela equação:

1n

2N−=

onde n é o número inteiro definido como o número do tamanho de grão da ASTM, N é o

número de grãos por polegada quadrada, em um material polido, atacado quimicamente e

observado com o aumento de 100X.

Um número do tamanho de grão elevado indica muitos grãos ou um tamanho de grão

pequeno, que é correlacionado com alto limite de escoamento para metais. A Tabela 4.4

apresenta a padronização do tamanho de grão cristalino segundo a ASTM, cuja ilustração

encontra-se na Figura 4.34.

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Tabela 4.4 – Padronização do tamanho de grão segundo a ASTM.

Número do tamanho de grão (n)

Quantidade média de grãos (N)

Diâmetro de grão

médio (mm)

por mm2 x 1 por pol2 x 100

1 2 3 4 5 6 7 8 9

10

16 32 64

128 256 512

1024 2048 4096 8200

1 2 4 8

16 32 64

128 256 512

0,75 0,50 0,35 0,25 0,18

0,125 0,062 0,044 0,032 0,022

Figura 4.34 – Ilustração esquemática do tamanho de grão segundo a ASTM.

A microscopia ótica é uma técnica usada para revelar detalhes microestruturais que

necessitam de amplificações menores que 2000 vezes, como os contornos de grão. A

Figura 4.35 mostra uma micrografia de um aço inoxidável austenítico.

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Figura 4.35 – Micrografia de um aço austenítico.

Nos contornos de grão há um empacotamento atômico menos eficiente e uma energia

mais elevada, como também ocorre o favorecimento da nucleação de novas fases

(segregação), o favorecimento a difusão e a ancoragem do movimento das discordâncias.

Contornos de pequeno ângulo

Uma subestrutura definida pode existir dentro dos grãos envolvidos por contornos de

grão de alta energia. Os contornos dessa subestrutura são denominados de contornos de

pequeno ângulo, porque a diferença de orientação entre esses contornos (desorientação) é

pequena (da ordem de apenas uns poucos minutos de arco ou, no máximo, uns poucos

graus).

Um contorno de pequeno ângulo é formado pelo alinhamento de discordâncias;

portanto, é um arranjo de discordâncias que produz uma desorientação entre cristais

adjacentes, conforme mostra a Figura 4.36.

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Figura 4.36 – Desenho esquemático da formação de um contorno de pequeno ângulo (DIETER, 1982).

Como a energia superficial dos contornos de pequeno ângulo é menor que a do

contorno de grão regular, eles não são eficazes como um bloqueador de discordâncias e,

também, são menos atacados quimicamente do que os contornos de grãos.

A situação mais simples é o caso do contorno de empilhamento de discordâncias em

aresta, denominado contorno inclinado (“tilt boundary”), mostrado na Figura 4.36, onde se

verifica:

• A pequena diferença entre os grãos é indicada pelo ângulo θ;

• Os dois cristais se juntam formando um contorno de pequeno ângulo;

• Ao longo do contorno os átomos ajustam suas posições por uma deformação localizada

para produzir uma suave transição de um grão para outro; entretanto, uma deformação

elástica não pode acomodar todo o desarranjo, de maneira que alguns planos de átomos

devem terminar no contorno.

• Onde um plano de átomos termina existe uma discordância em cunha; portanto,

contornos de pequeno ângulo podem ser considerados como um arranjo de

discordâncias em cunha.

• A relação entre θ e o espaçamento das discordâncias é dada por

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D

b

D2

btan2 1 ≈= −θ

onde b é o tamanho do vetor de Burgers da discordância.

Um contorno de pequeno ângulo formado por discordâncias em hélice é denominado

de contorno torcido (“twist boundary”).

Contornos de pequeno ângulo podem ser formados de várias maneiras: durante o

crescimento do cristal, durante deformação em fluência a alta temperatura, ou como

resultado de uma transformação de fase.

Um dos métodos mais comuns para produzir uma rede de subestruturas é pela

introdução de pequenos graus de deformação (de cerca de 1 a 10% de pré-deformação)

seguida de um tratamento de recozimento para rearranjar as discordâncias em contornos de

subgrão. A quantidade de deformação e a temperatura devem ser baixas o bastante para

evitar a formação de novos grãos por recristalização. Esse processo é chamado de

recristalização localizada ou poligonização.

O termo poligonização foi usado originalmente para descrever a situação que ocorre

quando um cristal é dobrado com um raio de curvatura relativamente pequeno e depois

recozido. O dobramento produz um excessivo número de discordâncias de mesmo sinal.

Estas discordâncias ficam distribuídas nos planos de dobramento, como mostra a Figura

4.37-a. Quando o cristal é aquecido elas se agrupam em configuração de mais baixa

energia, como as de um contorno de pequeno ângulo, onde é envolvido o processo de

escalagem. A estrutura resultante é uma rede de aspecto poligonal de contornos de pequeno

ângulo, mostrada na Figura 4.37-b.

Figura 4.37 – Movimento de discordâncias para produzir poligonização

(DIETER, 1982).

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c) Falha de empilhamento

São defeitos superficiais que ocorrem em metais CFC e HC e representam um erro

na seqüência regular de empilhamento de planos compactos.

Nos metais CFC a seqüência de empilhamento regular produzida é

...ABCABCABC..., e nos metais HC a seqüência regular é ...ABABAB...; entretanto, estas

seqüências podem ser localmente alteradas por deformação plástica e aglomerado de

defeitos puntiformes criados por irradiação do material por partículas pesadas de alta

energia ou têmpera, dando origem aos defeitos de empilhamento, mostrados a seguir:

CFC: ...ABCABABC...

HC: ...ABABBAB...

A energia associada à falha de empilhamento é fornecida na Tabela 4.5, para alguns

materiais.

Tabela 4.5 – Energia de falha de empilhamento para alguns materiais.

Material Estrutura Energia de falha de

empilhamento (mJ/m2)

Tungstênio Molibdênio Tântalo Nióbio Níquel Alumínio Cobre Ouro Prata Aço AISI 304L Latão (30%Zn) Zinco Magnésio Cádmio

CCC CCC CCC CCC CFC CFC CFC CFC CFC CFC CFC HC HC HC

1860 1450 942 537 220 163 62 50 22 19 12

140 125 175

Fonte: Padilha (2000)

Defeito de empilhamento: Na porção indicada da seqüência, um plano A aparece onde um plano C

deveria estar normalmente localizado.

Defeito de empilhamento: Na porção indicada da seqüência, um plano B aparece onde um plano A deveria estar normalmente localizado.

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d) Maclas

Ocorrem quando parte da rede cristalina é deformada, de modo a formar uma

imagem especular da parte não deformada (Figura 4.38).

Figura 4.38 – Plano de macla.

O plano cristalográfico de simetria entre as regiões deformada e não deformada é

chamado de plano de maclação ou contorno de macla.

As maclas podem ser produzidas em certos materiais metálicos, a partir de tensões

mecânicas ou térmicas oriundas de processos de deformação ou tratamento térmico, pela

produção de uma força de cisalhamento atuando ao longo do contorno de macla, causando

a mudança de posição dos átomos.

Esses defeitos ocorrem durante a deformação ou tratamento térmico de certos

materiais metálicos.

Os contornos de macla interferem com o processo de deslizamento e,

conseqüentemente, aumentam a resistência do material.

Também ocorrem em alguns materiais cerâmicos (zircônia monoclínica e silicato de

cálcio).

Em função da alta energia associada, os contornos de grão são mais eficazes no

bloqueio de discordâncias do que falhas de empilhamento ou contornos de maclas,

conforme comparação feita na Tabela 4.6.

Planos de espelho (contornos de macla)

Macla

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Tabela 4.6 – Quadro comparativo das energias associadas aos defeitos superficiais

Imperfeição superficial Energia de superfície (J/m2)

Alumínio Cobre Platina Ferro Falha de empilhamento Contorno de macla Contorno de grão

200 120 625

75 45

645

95 195

1000

- 190 780

A Figura 4.39 refere-se a uma micrografia obtida por microscopia ótica de um aço

inoxidável duplex envelhecido, onde várias maclas podem ser observadas.

Figura 4.39 – Micrografia onde várias maclas são visíveis (LOPES, 2006).

4.6 Defeitos volumétricos ou de massa

Os materiais sólidos apresentam outros tipos de defeitos que são muito maiores do

que aqueles que foram estudados até aqui, tais como poros, trincas, inclusões e outras

fases.

Estes defeitos são normalmente introduzidos durantes as etapas de processamento do

material e/ou na fabricação do componente. As figuras subseqüentes ilustram alguns

defeitos volumétricos.

a) Inclusões

São impurezas estranhas ao material, tais como óxidos e sulfetos, dentre outros. A

Figura 4.40 mostra inclusões como observadas no microscópio.

Macla

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Figura 4.40 – Micrografia apresentando inclusões.

b) Precipitados

São aglomerados de partículas cuja composição difere da matriz (Figura 4.41).

Figura 4.41 – Micrografias ótica e eletrônica de varredura de uma amostra de aço

inoxidável duplex envelhecido (LOPES, 2006)

c) Fases

Forma-se devido à presença de impurezas ou elementos de liga, e ocorrem quando o

limite de solubilidade é ultrapassado (Figura 4.41).

Precipitados Precipitados

Fase austenita Fase ferrita

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d) Porosidade

Origina-se devido à presença ou formação de gases. Por exemplo, a superfície de

material puro durante o seu processamento por metalurgia do pó (Figura 4.42).

Figura 4.42 – Micrografia mostrando regiões de porosidade.

4.7 Referências bibliográficas

ASKELAND, Donald R.; PHULÉ, Pradeep P. The science and engineering of materials. 4.ed. California: Brooks/Cole-Thomson Learning, 2003. DIETER, G.E. Metalurgia mecânica. 2a Ed. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Dois, 1981. CALLISTER JR., William D. Ciência e engenharia de materiais: uma introdução. 5.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2002. CARAM JR., Rubens. Estrutura e propriedades dos materiais. Apostilha de aula. Campinas: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2000. FREIRE, J.M. Materiais de construção mecânica: Fundamentos de tecnologia mecânica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1983. LOPES, Jorge Teófilo de Barros. Influência da presença de fases frágeis e da temperatura

nas propriedades de propagação de trinca por fadiga do aço inoxidável duplex UNS

S31803. Campinas: Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas, 2006. 155p. Tese (Doutorado). PADILHA, Angelo F. Materiais de engenharia: microestrutura e propriedades. Curitiba: Hemus, 2000. SMITH, William F. Princípios de ciência e engenharia de materiais. 3.d. New York: McGraw-Hill, 1998. VAN VLACK, L.H. Princípios de ciência dos materiais. 3.d. São Paulo: Edgard Blücher, 1977.