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41012 – Antropologia Geral II Apontamentos de: Jorge Loureiro E-mail: [email protected] Data: 28.05.2008 Livro: Antropologia Geral (Armindo dos Santos) Nota: Matéria referente ao ano lectivo 2007-2008 (Doutora Teresa Joaquim)

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41012 – Antropologia Geral II

Apontamentos de: Jorge LoureiroE-mail: [email protected]: 28.05.2008

Livro: Antropologia Geral (Armindo dos Santos)

Nota: Matéria referente ao ano lectivo 2007-2008 (Doutora Teresa Joaquim)

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1. Os principais desenvolvimentos históricos da ciência antropológica1.1 As principais teorias e escolas

1.1.1. O evolucionismo O estudo das sociedades humanas vivas, na continuidade das interrogações renascentistas sobre a alteridade (ou seja, o outro forçosamente distante e desconhecido), só passou a representar um interesse real, a partir do momento em que foi possível obter informações sobre sociedades muito afastadas e estranhas para os europeus pelo contacto directo com elas. Anteriormente tinha-se especulado muito sobre essas sociedades sem ser possível observá-las.

Independentemente dos interesses materiais em causa, as primeiras descrições, muitas vezes fantasiosas, mas em certos casos bastante reveladoras de mundos diferentes e intrigantes para os europeus do século XVI, suscitavam a curiosidade dos espíritos pelas revelações que eram feitas acerca das novas criaturas humanas, até aí desconhecidas, e dos seus modos de viver.

As descrições de viagens pelos portugueses são várias e extraordinárias para a época, entre as quais não se pode deixar de citar: a Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné de Gomes Eanes de Zurara (1410-1474) onde é descrito o contacto dos portugueses com as tradições dos guineenses; o Roteiro de Viagem de Vasco da Gama, redigido em 1497 e atribuído a Álvaro Velho, onde é feita a descrição do encontro entre os portugueses e os habitantes da baía de Santa Helena, assim como com os habitantes da enseada de São Brás; a Carta de Pêro Vaz de Caminha, escrivão que viajou com Pedro Álvares de Cabral, fascinado pelas gentes que via pela primeira vez à chegada ao Brasil, enviou uma volumosa carta de várias páginas ao Rei D. Manuel a relatar as suas impressões sobre os ameríndios: o aspecto, os comportamentos, os ornamentos, como reagiam ao vinho de uva elemento de civilização de expressão máxima por excelência. Pode ainda referir-se a obra Etiópia Oriental de Frei João dos Santos (1609) onde são dadas informações sobre os costumes, as artes e ofícios, modos de vestir, tatuagens, enfeites de cabeça, dos vários povos da costa oriental de África e designadamente dos macuas do Norte de Moçambique. Mas existe ainda o notável relato das aventuras de viagens de Fernão Mendes Pinto (1510-1583) pelo Oriente, em Peregrinação, cuja avaliação científica está por fazer a fim de destrinçar a parte de fantasia eventual e a parte autobiográfica, onde o autor revela usos e costumes das gentes com que se encontrou; posteriormente, durante os séculos XVIII e XIX, outros numerosos relatos foram elaborados como o de Lacerda, nas Viagens a Cazembe; ou de António Gil, Considerações sobre alguns pontos mais importantes da moral religiosa e sistema de jurisprudência dos Pretos do Continente de África Ocidental Portuguesa além do Equador, tendentes a dar alguma ideia do carácter peculiar das suas instituições primitivas (1854). Segundo J. Poirier [1968], António Gil,

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considerado um excelente observador, terá sido o primeiro a referir, mesmo antes de Bachofen, o modelo de sucessão matrilinear.

Tornava-se evidente a diferença constatada entre as sociedades reportadas pelas descrições que delas eram feitas e o modelo de progresso representado pelas sociedades europeias, levando assim a concluir que umas seriam menos evoluídas que outras e as mais evoluídas teriam tido origem num estado primitivo idêntico, confirmado pelo que parecia ser a evidência demonstrada pela própria diferença.

O evolucionismo sociológico e a procura das leis do progresso, nos seus contornos modernos da época – que vai da segunda metade do século XIX até à segunda década do século XX –, constitui-se a partir das teorias biológicas da evolução, inspiradas dos trabalhos de naturalistas como Lamarck (1744-1829) que descreve os processos de evolução biológica e a correlação entre meio ambiente e estrutura biológica.

A constatação da diferença, que se considerava corresponder a vários estados de desenvolvimento das sociedades, era obtida em função dos critérios de comparação com o modelo histórico de evolução das sociedades europeias do século XIX e XX. Forja-se assim, uma concepção evolucionista auto-centrada na história. É a partir desta concepção, que se coloca a questão da elaboração de uma tipologia das sociedades e dos quadros culturais da humanidade existentes na altura. A sua elaboração pressupunha a definição de estados pelos quais teriam passado todas as sociedades, umas mais rapidamente, outras mais lentamente – assim como o estabelecimento das leis permitindo a passagem de um estado para o outro. O processo de evolução a que todas as sociedades teriam de se sujeitar, corresponderia à sucessão, mais ou menos rápida, de um movimento de desenvolvimento unilinear, segundo mudanças cumulativas e irreversíveis comuns a todas as sociedades, reflectido pelas características das suas instituições, das suas técnicas, etc.

Comparado com o processo histórico, o evolucionismo sociológico difere dele pelo facto de não ser identificável por uma cronologia de acontecimentos de forma precisa, nem no tempo nem no espaço. Nestas condições, os processos evolucionistas, forçosamente apoiados numa história hipotética, porque dependente de reconstituições conjecturais sobre períodos muito remotos, não eram demonstráveis e muito provavelmente nunca o serão.

As primeiras figuras mais proeminentes da época evolucionista não tinham formação antropológica e as suas especialidades iniciais eram muito diversas: J. J. Bachofen (1815-1897), L. H. Morgan (1818-1881), H. J. S. Maine (1822-1888), J. F. MacLennan (1827-1881), eram juristas; A. Bastian (1826-1905) médico; mas também biólogos ou geógrafos como o alemão F. Ratzel (1844-1904) fundador da antropogeografia.

Bachofen, na Alemanha, Maine e MacLennan, na Grã-Bretanha, e Morgan, na América, foram os principais representantes das teorias evolucionistas sobre os estados primitivos da evolução social.

Morgan, apresentava os três principais estados pelos quais teriam de passar todas as sociedades a fim de atingirem o progresso: a selvajaria, a barbárie e finalmente a civilização. O homem moderno teria assim

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passado da selvajaria para a barbárie depois de ter inventado a olaria e atingido a civilização após ter criado a escrita.

Estes estados principais, correspondentes a períodos conducentes ao progresso, eram por sua vez subdivididos em outros tantos períodos cuja passagem de um para outro se caracterizaria sempre por uma mudança importante, tanto ao nível das técnicas como da forma de organização social, sempre superiores à anterior. Assim, a selvajaria subdividir-se-ia em selvajaria inferior – média – superior; a barbárie em barbárie inferior – média – superior e finalmente a civilização.

Durante o período evolucionista era raro os estudiosos recolherem eles próprios os materiais sobre os quais se debruçavam para forjar as suas teorias. Estava-se ainda muito longe de uma etnografia aprofundada sobre uma determinada sociedade, como veio a ser praticado mais tarde pelos pioneiros do trabalho de campo intensivo, como F. Boas e B. Malinowski.

A contribuição da escola evolucionista, apesar dos seus excessos teóricos – como o de tentar classificar as sociedades e as suas instituições segundo uma cronologia histórica linear –, foi da maior importância para o desenvolvimento da ciência antropológica.

Graças igualmente ao método comparativo, utilizando a grande massa de material etnográfico acumulado, foi possível sistematizar e explicar dados até então em desordem e incompreensíveis. No caso do parentesco, a seguir a Morgan ter evidenciado as terminologias descritivas e classificatórias do parentesco designadamente, foram elaboradas as noções de endogamia e exogamia, de parentesco por aliança, de colateralidade e de poligamia (poliandria e poliginia) que conservam actualmente a maior importância geral na antropologia e em particular no estudo do parentesco.

Poliginia – tipo de organização familiar em que um marido pode ter, legalmente, várias esposas.Poliandria – organização familiar em que uma esposa tem, legalmente, vários maridos ao mesmo tempo.

Nos anos sessenta, Morgan voltou à cena antropológica pela mão da antropologia marxista francesa que considera da maior importância a visão que ele tinha da dinâmica da história, assim como por C. Lévi-Strauss que o considera como o fundador da antropologia do parentesco de que ele próprio foi um dos notáveis seguidores.

Será a corrente funcionalista e um dos seus maiores representantes Malinowski que reformula, já a partir da segunda década do século XX, a relação entre unidade e diversidade sócio-cultural, introduzindo então um ponto de vista relativista das culturas e das sociedades.

Também a escola culturalista americana inverteu a perspectiva ao dar importância à diversidade. Segundo esta escola, as diferentes diversidades culturais são entidades irredutíveis assim como a unidade do género humano representa a capacidade das sociedades humanas a se diferenciarem infinitamente culturalmente. Este relativismo absoluto será atenuado pelo funcionalismo britânico como veremos mais adiante.

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1.1.2. O difusionismoNaturalmente, a época evolucionista não foi estanque nem absolutamente homogénea do ponto de vista do pensamento antropológico.

Sob o impulso das críticas do antropólogo americano F. Boas [1858-1942] às teses evolucionistas, uma nova compreensão da humanidade desconsidera progressivamente o evolucionismo linear e cede o lugar ao que foi designado de escola difusionista ou ainda de corrente da história cultural.

Esta corrente foi sobretudo relevante nos Estados Unidos, mas também na Alemanha pela iniciativa do geógrafo F. Ratzel [1844-1904], onde prevaleceu até finais dos anos trinta.

Assim, contrariamente aos evolucionistas, que interpretavam as semelhanças entre sociedades como a expressão de uma evolução paralela, os difusionistas interpretam esta evolução como sendo essencialmente o resultado de empréstimos e de contactos culturais entre sociedades.

Saída da crítica do evolucionismo, a corrente difusionista, reagindo à ideia de um desenvolvimento unilinear das sociedades, parte do princípio de que o processo de desenvolvimento cultural não é uniforme para todas as sociedades mas que este conhece a diversidade pelo facto de existirem forçosamente contactos, mais ou menos acidentais, entre sociedades. O homem sendo pouco inventivo, a história da humanidade resumir-se-ia assim a empréstimos culturais sucessivos, a partir de focos de civilização cuja distância geográfica, por muito grande que fosse, não devia constituir qualquer obstáculo para a difusão.

Pretendendo que a maioria dos elementos culturais que constituem uma sociedade tinham sido tomados a outras culturas, provenientes de um número limitado de centros de difusão – devido à relativa raridade dos processos de invenção –, a teoria difusionista considerava necessário estabelecer a cronologia da história cultural de uma sociedade para compreender as suas características do momento. Enquanto, para os evolucionistas dois elementos culturais similares, existentes em duas culturas distintas, eram interpretados como o resultado de duas evoluções paralelas e independentes, para os difusionistas a semelhança resultava de uma transferência directa ou indirecta de uma das sociedades para a outra.

Porém, as escolas difusionistas alemã e austríaca obtiveram resultados interessantes ao introduzir as noções de complexo cultural e de circulo de cultura ou de civilização para qualificar áreas de vastos complexos culturais de onde se teriam expandido certos aspectos para a maior parte do planeta.

Discípulos de Ratzel, como Frobenius [1873-1938], vulgarizador da noção de área cultural, (“Kulturkreis”), F. Graebner [1873-1938] e o missionário W. Schmidt [1868-1954], sustentavam que era possível redesenhar os caminhos seguidos pelos complexos culturais da difusão e registar os diferentes sítios onde se observavam as características do complexo.

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Nestas condições, o difusionismo não era menos hipotético e conjectural que o evolucionismo.

Precisamente, a principal crítica feita ao difusionismo resulta do facto de saber se as diversas culturas, entendidas como expressões convergentes da vida humana, derivam de certos centros de difusão ou, ao contrário, são invenções autónomas aparecendo paralelamente umas às outras, para resolver necessidades idênticas. Por outro lado, ao darem ênfase às permanências culturais, os difusionistas não conseguiram resolver a questão da inovação e da criatividade humana, apesar de no seu corpus de análise a quantidade de áreas, consideradas de referência, terem sido substancialmente reduzidas.

Mas a maior oposição ao difusionismo foi suscitada pela própria culturologia inglesa ao enredar-se na deriva hiper-difusionista. De facto, o hiper-difusionismo levou ao descrédito completo do difusionismo em resultado da sua teoria dita “pan-egípcia” ou heliocêntrica, (ou seja, que tudo está centrado num único ponto que regula todo o resto) defendida pelos hiper-difusionistas ingleses. O biologista G. Elliot-Smith [1871-1937] e W. J. Perry [1887-1950] pretendiam que o Egipto teria sido o berço de todas as civilizações e o único centro de difusão cultural. Rapidamente esta posição foi contrariada por descobertas, em África designadamente, que atestavam a existência de focos de civilização fora de qualquer influência egípcia.

Durante o mesmo período, enquanto a culturologia inglesa dava origem ao hiper-difusionismo, o fundador da antropologia americana, Franz Boas, na origem do culturalismo americano, dedicava-se ao estudo dos processos de contacto e transferência cultural em resultado das migrações, dos empréstimos, da imitação ou da aculturação.

Porém, a noção de cultura é bastante complexa e incerta, assim como as numerosas definições que suscitou e que vão da cultura dita humanista à cultura antropológica.

E. B. Tylor [1832-1917] (antropólogo britânico considerado o fundador da “culturologia”, na perspectiva evolucionista) deu uma definição geral de cultura considerada como a mais precisa: “conjunto complexo incluindo os saberes, as crenças, a arte, os costumes, o direito, assim como toda a tendência ou hábito adquirido pelo homem vivendo em sociedade”. Ao longo do tempo, diferentes autores, em particular os culturalistas americanos foram reafirmando a abrangência da definição, à qual se poderia acrescentar a relativamente recente definição concisa dada pelos franceses M. Pannoff e M. Perrin no seu dicionário de etnologia [1973:73]: “Conjunto dos conhecimentos e dos comportamentos (técnicos, económicos, religiosos, sociais, etc.) que caracterizam uma determinada sociedade humana”.

Todavia, o interesse da questão não está na reflexão que suscitou a definição de Tylor mas por ter instruído a antropologia cultural a reflectir sobre uma das características fundamentais da cultura: a sua transmissibilidade, na acepção de tradição cultural, de herança cultural etc., conducente por sua vez a uma noção vizinha: a civilização.

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A antropologia americana (cuja abordagem, como se viu, difere, em certa medida, da antropologia social britânica que privilegia os factos de sociedade enquanto relações sociais e menos enquanto comportamentos culturais) tem a maior tradição no estudo da cultura, cuja temática foi desenvolvida pelo seu brilhante representante Franz Boas. Mais tarde, também M. J. Herskovits [1895-1963] (antropólogo americano aluno de F. Boas) esteve particularmente interessado no estudo dos problemas derivados do contacto entre culturas e dos processos de aculturação.

A noção de aculturação foi introduzida pelos antropólogos anglo-saxões para designar os fenómenos resultantes de contactos directos e prolongados entre duas culturas diferentes, caracterizando-se pela modificação ou transformação de um ou dos dois tipos culturais em presença. Nesta medida, a aculturação é um aspecto intrínseco ao processo de difusão.

As noções de tipo e grau de aculturação foram introduzidas para definir o campo e a importância deste fenómeno.

Todavia, na realidade, esta concepção de mudança automática revelou-se mais complexa do que se julgava, na medida em que ela era sempre avaliada em função das culturas dominantes levando a considerar que as sociedades tradicionais eram fatalmente conduzidas a adoptar as características das sociedades de maior força cultural.

1.1.3. O funcionalismoEm antropologia, o funcionalismo corresponde à doutrina que pretende privilegiar o estudo da função dos elementos sociais em detrimento do estudo da sua forma. O conceito de forma social designa qualquer aspecto de um complexo de civilização cujas expressões podem ser observadas e transmitidas de uma sociedade para outra. A transmissão de um elemento de civilização é muitas vezes acompanhada pela dissociação da forma e da significação dado que, na maioria das vezes, esta escapa à compreensão dos indivíduos, enquanto a forma pode ser facilmente apreendida e ser imitada ou copiada sem que necessariamente tenha o mesmo significado. Assim, é funcionalista a opinião daquele que pretende atribuir uma função a qualquer elemento social.

Por outras palavras, os funcionalistas consideram o estudo da sociedade em termos de organização e funcionamento. O objectivo é evidenciar as relações causais, funcionais e interdependências entre os factos sociais e as instituições de uma dada sociedade. A análise funcionalista, ao querer estudar a função de uma instituição num quadro social geral subentende que os factos sociais estão intimamente ligados uns aos outros.

O fundador e o mais notável representante do funcionalismo antropológico foi Malinowski. Mas Radcliffe-Brown [1881-1955] esteve igualmente na origem da teoria funcionalista que mais tarde viria a ser desenvolvida por M. Fortes [1906-1983].

Jean Poirier, apoiado no que considera ser a melhor análise sobre a contribuição de Malinowski acerca do funcionalismo, na obra colectiva

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dirigida por Raymond Firth e publicada em 1957, refere o seguinte: “A ideia central da nova teoria é que, no organismo social, tudo se explica pelas inter-relações que existem entre os órgãos e as funções; num dado grupo, tudo deve ser inteligível a partir da utilidade contemporânea que pode ter tal ou tal fenómeno; a cultura é uma totalidade orgânica cujos diversos elementos estão interligados; cada elemento ajusta-se a todos os outros, no seu lugar, e joga o seu papel num conjunto significante como o de um vasto maquinismo” [1968:55]. Acrescenta ainda que o conceito de relação é fundamental em Malinowski, na medida em que ele insiste fortemente na importância das relações existentes entre os factos sociais e o todo a que pertencem, entre os próprios factos sociais assim como entre os factos e o meio exterior. É fundamental também, quando afirma que a especificidade de uma cultura reside na «conexão orgânica de todas as suas partes» e nas relações que cada cultura mantém com o meio interno do homem (o qual exprime necessidades) e o meio externo (que fornece o quadro das respostas fornecidas pelo grupo), isto é com a sociedade [Op.cit].

O fundamento da necessidade e resposta à necessidade, postulado por Malinowski, leva-o a criar uma tipologia distinguindo entre as necessidades primárias a que o homem está adstrito por razões biológicas, algumas delas universais por essa razão (como a necessidade de se alimentar); as necessidades derivadas, próprias da condição humana e específicas das sociedades (tais como a educação, a linguagem); e, finalmente, as necessidades sintéticas que correspondem a motivações características do psiquismo humano (como os ideais, a religião).

A ideia de necessidades humanas, fundamental no pensamento do autor, será a mais contestada.

Os analistas da teoria funcionalista moderna, expurgada dos seus aspectos mais contestáveis, apresentam o funcionalismo como sendo simultaneamente uma doutrina e um método. Como doutrina, quando postula uma orientação geral segundo a qual a utilidade é a finalidade absoluta do estado da sociedade ou cultura. Como método, quando considera que os factos descritos devem ser recolocados no seu contexto e interpretados em relação a este. Como método ainda, quando a teoria funcionalista é encarada como uma hipótese de explicação de qualquer fenómeno social, enquanto dependente da totalidade a que pertence, indispensável ao seu funcionamento. Segundo os funcionalistas, o facto social ou a instituição em causa só revela a sua razão de ser quando apreendidos nas suas relações funcionais com os outros factos ou instituições constituintes da totalidade social. Por exemplo, uma determinada cerimónia ritual só será compreensível se for percebida a maneira como se encontra ligada a outros níveis sociais (parentesco, economia, etc.), para revelar assim a sua função em relação aos outros diferentes níveis.

Assim, encontra-se implícito no funcionalismo uma hipótese holística e um princípio utilitarista. É aliás este último aspecto que foi o mais violentamente contestado. Supor que tudo tem uma função precisa num sistema social, é deixar pouco lugar à disfunção, à dinâmica da mudança. Para certos autores, as representações sociais (a ideia que as pessoas fazem da sua prática social) que, na perspectiva destes, os indivíduos são capazes de alterar segundo as circunstâncias, são

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potentes motores de acção social capazes de contrariar o relativo determinismo social, engendrando pela mesma ocasião novas representações e assim sucessivamente.

Certas críticas feitas ao funcionalismo vieram em particular dos antropólogos dinamistas e da corrente marxista (muito representada em França, por investigadores como C. Meillassoux, E. Terray, F. Rey, M. Godelier) que contestaram a sua postura anti-história. Estes, contrariamente aos funcionalistas, consideram que as sociedades não são sistemas delimitados e equilibrados, se o fossem não seria possível dar conta das tensões sociais e da mudança social observáveis.

Na realidade, contrariamente à analogia da coerência orgânica, todas as sociedades são animadas por conflitos internos e não é demonstrável a existência de sistemas sociais harmoniosamente organizados, graças a um conjunto de instituições inteiramente ajustadas umas às outras.

Mas é sobretudo Lévi-Strauss que exemplifica nos melhores termos os excessos do raciocínio funcionalista: “Dizer que uma sociedade funciona é um truísmo; mas dizer que tudo numa sociedade funciona é um absurdo” [1985:17].

Todavia, em avaliações sucessivas, o funcionalismo foi rectificando os seus excessos iniciais. Na prática actual, da maioria dos investigadores, a análise funcional consiste em tratar qualquer facto social do ponto de vista das relações relativas que ele mantém, sincronicamente, com outros factos sociais no seio de uma totalidade. Porém, esta totalidade não pressupõe estar necessariamente inteira e definitivamente estruturada. Assim, na sua definição mais recente, a noção de função não deve ser entendida como um facto de causa a efeito mas somente como uma relação de interdependência relativa entre os factos, sendo que as relações existentes entre eles não representam relações de determinação ou leis de funcionamento.

1.1.4. O estruturalismoC. Lévi-Strauss foi sem dúvida nos anos sessenta o grande representante do estruturalismo em antropologia social. O interesse pela linguística resulta da convicção de que esta ocupava um lugar cimeiro no conjunto das ciências sociais e que neste conjunto foi a que de longe realizou os maiores progressos: “a única, sem dúvida, a poder reivindicar o nome de ciência e a ter conseguido, ao mesmo tempo, formular um método positivo e conhecer a netureza dos factos submetidos à sua análise” [C. Lévi-Strauss, 1985:37].

Este método foi sobretudo aplicado em França às estruturas do parentesco, aos mitos, à alimentação, de forma muito interessante por C. Lévi-Strauss.

Segundo Lévi-Strauss, o objecto da análise estrutural, consiste em procurar pelo método dedutivo as estruturas particularmente inconscientes que podem ser evidenciadas a partir de dados empíricos etnográficos, como: as regras de parentesco, a mitologia, as práticas culinárias, as classificações culinárias, a arte, etc.

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As estruturas não correspondem à realidade empírica mas aos modelos que são construídos a partir dela, os quais devem satisfazer três condições:1) apresentar um carácter de sistema onde todos os elementos são

solidários uns dos outros, de tal modo que nenhum se pode modificar sem que esta mudança afecte todos os outros;

2) tornar possível uma série de transformações ordenadas, conduzindo a um ou vários grupos de modelos do mesmo tipo;

3) permitir prever de que forma reagirá o modelo se um ou vários dos seus elementos for modificado [Lévi-Strauss, 1985].

A noção de estrutura é antiga, assim como a sua utilização em antropologia social cuja definição varia segundo os autores. Uma estrutura social consiste no conjunto dos elementos concretos de um sistema e corresponde a figuras estáticas da organização social, tal como os estatutos sociais1 que fazem com que os indivíduos e os grupos sejam interdependentes.

Como vimos, a perspectiva é diferente no estruturalismo de Lévi-Strauss. A estrutura só se revela em função dos elementos que ela conjuga: “O princípio fundamental é que a noção de estrutura social não se refere à realidade empírica, mas aos modelos construídos a partir dela” [Ibid: 305]. É neste sentido que o autor define a estrutura: “uma estrutura oferece um carácter de sistema. O modelo deve ser construído de tal forma que o seu funcionamento possa dar conta de todos os factos observados” [Ibid: 306].

Não me parece poder negar-se o carácter de cientificidade ao estruturalismo, mesmo se não teve êxito em todas as suas aplicações, mas nesse aspecto não foi o único. Precisamente, o seu mérito menos contestável é o ter alargado, de forma sistemática, o inventário da pertinência. Outra das características do estruturalismo de Lévi-Strauss, é querer explicar a relação do universal com o particular, com fundamento em relações de transformação dos modelos sociais. Porém, o que lhe foi sobretudo criticado é ter prestado maior atenção ao estudo formal dos modelos e menor às relações sociais reais a que dizem respeito.

Certos críticos consideraram a sua perspectiva como uma visão estática da sociedade e acusaram-no de situar fora do tempo as “estruturas lógicas” que são supostas comandar as sociedades. Para o autor, a história não é recusável, ela é uma realidade que tem de ser considerada com a maior atenção.

A questão central, em Lévi-Strauss, é a explicação do tipo de fenómeno em causa: a essência da natureza humana. Na realidade, ele colocou de forma rigorosa e complexa, o problema das relações entre a história e a antropologia, formulando-o do seguinte modo: “ou as nossas ciências se debruçam sobre a dimensão diacrónica dos fenómenos, quer dizer sobre a sua ordem no tempo, e elas são incapazes de fazer a sua história; ou elas tentam trabalhar à maneira do historiador, e a dimensão do tempo escapa-lhes.

_______________________________________1 O estatuto social de um indivíduo corresponde ao conjunto de direitos e deveres inerentes à sua posição nas relações com os outros. Sendo assim, o estatuto social de alguém corresponde à soma dos diferentes estatutos parciais que possui no seio dos vários grupos em que participa: família, profissão, etc.

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Pretender reconstituir um passado do qual é impossível atingir a história, ou querer fazer a história de um presente sem passado, drama da etnologia num caso, da etnografoa no outro, tal é, em qualquer caso, o dilema...” [Lévi-Strauss, 1985: 5].

O cientista francês tinha particularmente em mente as pequenas sociedades da América tropical, onde o uso da história é diferente do europeu. Significava somente que essas sociedades não têm consciência idêntica à dos europeus desse passado, o qual transcende a mera memória colectiva, e sempre que alguma alteração significativa acontece, e dela se apercebem, todos os esforços são desenvolvidos no sentido de repor a situação tal como ela é imaginada ter sido – o que naturalmente é vão. Esta ilusão, da possibilidade de reposição de situações anteriores, normalmente feitas na base de representações sociais, limita a tomada de consciência e o controlo dos acontecimentos na longa duração: “A natureza do pensamento selvagem é ser intemporal; ele deseja agarrar o mundo, ao mesmo tempo, como totalidade sincrónica e diacrónica, e o conhecimento que dele tem parece-se com a que oferecem, de um quarto, espelhos fixados a paredes opostas e que se reflectem um no outro (assim como os objectos colocados no espaço que os separa), mas sem serem rigorosamente paralelos” [C. Lévi-Strauss, 1962: 348].

É precisamente no estudo dos mitos que Lévi-Strauss vai igualmente aplicar a análise estrutural depois da sua obra monumental sobre as Estruturas Elementares do Parentesco [1982]. A análise estrutural permite ao autor introduzir uma ordem na desordem aparente, dar sentido ao caótico, fazer sobressair as invariantes na infinita variedade das narrativas míticas, e evidenciar finalmente o substracto sociológico explicativo comum a todos eles: nuns, a explicação do aparecimento do fogo, noutros o aparecimento da vida humana, etc.

As maiores críticas feitas ao estruturalismo francês foram menos a proposta segundo a qual as mesmas estruturas, activas em todas as sociedades humanas, podem, segundo os casos, subtender manifestações diferentes e mais o princípio de que todas as variações culturais podem resultar de um fundo humano invariável [Dan Sperber, 1985]. Mas precisamente, segundo Dan Sperber [1968], um dos aspectos positivos da obra de C. Lévi-Strauss é o de recentrar a antropologia no estudo do seu primeiro objecto: a natureza humana.

Todavia, o estruturalismo antropológico não se resume ao de Lévi-Strauss, nem este é exactamente o mesmo que o dos sociólogos ou de antropólogos como Radcliffe-Brown designadamente, o qual define a estrutura como tendo “uma disposição ordenada de partes ou de elementos que a compõem”. Segundo esta proposta, “Os elementos da estrutura são pessoas, seres humanos, considerados não como organismos mas como ocupando um lugar na estrutura social.” Quanto à estrutura social, esta “designa a rede complexa de relações sociais existindo realmente e reunindo seres humanos individuais num certo ambiente natural”.

Ora, esta definição de estrutura foi bastante criticada por Lévi-Strauss, o qual lhe apontava o facto desta surgir como um conceito intermediário entre a antropologia social e a biologia; e ainda de Radcliffe-Brown partilhar com Malinowski uma certa inspiração naturalista da escola

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inglesa que ele opõe à atitude sistemática e formalista necessária. Segundo o autor francês, a posição empirista de Radcliffe-Brown impedia-o de distinguir claramente estrutura social e relações sociais, reduzindo assim a noção de estrutura social ao conjunto das relações sociais concretas numa determinada sociedade. Daqui, segundo o autor francês, resulta o facto de Radcliffe-Brown não ter atribuído uma maior importância à distinção entre estrutura e forma estrutural, entre modelo e realidade. Para acentuar a imprtância da distinção e reforçar a sua crítica, Lévi-Strauss cita M. Fortes que escreveu, tal como ele próprio pensava, “A estrutura não pode ser directamente apreendida na «realidade concreta»”.

A perspectiva de Radcliffe-Brown nunca chegou a revelar-se, no sentido moderno da definição da palavra, uma abordagem dos fenómenos sociais dita estruturalista. Por esta razão, Radcliffe-Brown não é considerado um estruturalista, mas fundamentalmente um estruturo-funcionalista.

1.2 Os fundadores da etnografia: Franz Boas e Bronislaw Malinowski

Os eruditos de gabinete procediam às suas análises a partir de informações recolhidas por terceiros, tais como missionários, governadores coloniais e aventureiros de toda a ordem. Estes não eram profissionais e muito menos cientistas. Naturalmente, os preconceitos e o etnocentrismo das suas descrições eram uma constante. Desconhecendo as línguas locais, a maioria das intervenções no terreno eram realizadas por intermédio de tradutores o que reforçava a distorção e incompreensão das sociedades visitadas que não eram vistas como totalidades viáveis, mas estados atrasados em relação à civilização.

De facto, no quadro científico que se perfila no horizonte do fim do século XIX, Franz Boas e Bronislaw Malinowski revolucionam, decisivamente, a metodologia etnológica ao fundarem uma etnografia de terreno de extremo rigor.

Assim, no fim do século XIX, Franz Boas [1858-1942] vai viver pessoalmente a experiência de investigações etnográficas junto dos Kwakiutl e dos Chinook da Colômbia britânica. Nestas missões, afina os métodos de estudo considerando que no terreno tudo deve ser objecto de descrição meticulosa e minuciosa: desde os objectos mais concretos aos aspectos mais simbólicos. Para ele, tudo deve ser anotado na medida em que cada pormenor tem a maior importância para a reconstituição de uma totalidade social. Na época, e mesmo bastante tempo depois, em resultado de uma atitude científica de um extremo rigor, Boas não foi o único a considerar como prematura a teorização e generalização da informação recolhida.

Embora noutro registo, o próprio Evans-Pritchard [1902-1973] referiu que as sociedades que o antropólogo estuda eram do domínio do “descritivo” e não do “explicativo”.

Outros antropólogos pensaram ser a melhor postura científica enquanto não fosse conseguido o quadro completo das tipologias das sociedades humanas. Diga-se no entanto, incidentemente, que esta atitude científica é uma

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exigência geral devendo ser respeitada, sem excessos, onde a investigação não tenha reunido as condições indispensáveis à teorização e generalização.

Boas, formado em ciências físicas e naturais, compreendia melhor que ninguém esta condição científica e, como tal, não aceitava as generalizações evolucionistas e mesmo difusionistas que considerava não estarem demonstradas nem susceptíveis de serem demonstráveis. É precisamente por recusar qualquer teoria preconcebida, ou proposta de explicação geral, e pensar que cada cultura é dotada da sua própria história irredutível a outras que Boas elaborou um método extremamente indutivo, implicando um trabalho de recolha exaustiva de dados de terreno.

A reacção de Boas às teses evolucionistas lineares – e em particular à obra de Morgan – foi excessiva, conduzindo-o a considerar que as formas culturais sendo inúmeras, os antropólogos se deveriam limitar a descrevê-las rigorosamente sem se preocuparem em retirar conclusões de carácter geral. Boas, pensava de facto ser impossível descobrir a ordem do quadro global das instituições humanas – atitude radical e estéril partilhada igualmente por Lowie [1883-1957] e designada por “Morfologismo” de Boas e Lowie.

Seja como for e como se pode imaginar, é vão pensar, ser possível, fazer o inventário de todas as instituições culturais existentes no universo. Para além da tarefa ser vã e acima de todas as capacidades humanas, estas instituições não são estáveis, modificam-se, mudam conforme os contextos, apresentam multi-contornos e, desde logo, não são facilmente apreensíveis.

Assim, de Franz Boas, mais do que a sua exagerada prudência e do também designado “nominalismo boasiano” de que foi censurado, retêm-se essencialmente o seu exemplo como excepcional e escrupuloso investigador de terreno, patente no rigor da recolha exaustiva do material etnográfico.

Porém, se Boas foi um dos percursores do trabalho de campo, é sobretudo Bronislaw Malinowski que é considerado o fundador da modalidade científica moderna da prática etnográfica.

Malinowski, de certo modo inspirado na “escola sociológica francesa” e na importância que Durkheim dá ao contexto sociológico, a fim de fundamentar a explicação dos factos sociais, vai revolucionar a investigação antropológica, colocando no centro desta a importância do inquérito de terreno.

A este propósito, a lição que Malinowski nos dá nos Argonauts of the Western Pacific [1922] é exemplar e das mais fascinantes.

1.3 A contribuição teórica da “escola de sociologia francesa”: Emile Durkheim e Marcel Mauss

Após longos anos de estudos de gabinete, sem contacto directo com as populações longínquas sobre as quais dissertava e agora, finalmente, já dotada do método de trabalho de campo, a antropologia carecia todavia de um aparelho teórico capaz de dar sentido à acumulação de informação recolhida pelos novos etnógrafos do fim do século XIX. Na prática, a investigação de terreno era efectuada, na maioria das vezes, com poucas excepções, por pessoas sem a menor formação.

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Durkheim, tem como preocupação demonstrar a autonomia do social em relação a todos os aspectos que não pertencem à sua esfera. Uma autonomia que deveria caracterizar-se pela capacidade de explicação do social pelo social – a qual deveria ser independente da explicação psicológica (ciência nascente), da explicação histórica (na perspectiva evolucionista), geográfica (na perspectiva difusionista) e biológica (na perspectiva funcionalista de Malinowski).

Para Durkheim [1987], a especificidade do facto social, significa que este não é redutível à psicologia particular dos indivíduos, mas exterior a estes, preexistindo-lhes e continuando a existir depois deles. Assim, os factos sociais devem ser apreendidos como “coisas”, só susceptíveis de serem explicados se relacionados com factos de mesma natureza.

A sua influência, para além da colaboração directa com Marcel Mauss, (seu sobrinho e até certo ponto seu discípulo), foi importante em França e teve uma grande audiência fora do país. Essa influência estendeu-se a Inglaterra, onde alcançou um grande ascendente sobre a antropologia britânica e em particular sobre Radcliffe-Brown que irá estudar no terreno os rituais da população das ilhas Adamão, seguindo nesse estudo, segundo Paul Mercier, a direcção das conclusões sugeridas por Durkheim em Les formes élémentaires de la vie religieuse ao interpretar o sentido profundo (a função) dos ritos religiosos numa determinada sociedade: “...a sociedade, ao render um culto ao seu totem ou ao seu deus, rende de certo modo um culto a ela mesma e assim reforça a sua coesão, a sua continuidade, e o sentimento da sua identidade colectiva” [in Mercier,1986: 113].

A este propósito, para terminar, gostaria de citar P. Mercier quando diz: “Se os antropólogos de gabinete tivessem necessidade de ser reabilitados, é sem dúvida o caso de Durkheim que necessitaria de ser tomado em conta como exemplo privilegiado” [Ibid: 114].

Na época, a cena da investigação antropológica está praticamente ocupada pelos anglo-saxões, entretanto embrionária noutros países.

Como Durkheim, também Mauss não era um homem de terreno. Porém, foi graças a ele que se formaram os primeiros etnólogos franceses e a forte dedicação dos seus antigos alunos ao mestre que foi, levou um deles (D. Paulme) a publicar o essencial das aulas do seu curso geral, sob o título Manual de Etnografia [1993].

Para Mauss, os fenómenos sociais são “em primeiro lugar sociais, mas também ao mesmo tempo fisiológicos e psicológicos”. E nesta medida devem ser compreendidos na sua inteira dimensão humana.

Esta concepção, Mauss exprime-a em Essai sur le don, forme archaïque de l'échange do modo seguinte: “...o dado, é Roma, é Atenas, é o francês médio, é o melanésio de tal ou tal ilha, e não a oração ou o direito em si [...] os psicólogos [...] sentem fortemente o privilégio, e sobretudo os psicopatologistas têm a certeza de estudar o concreto [...] o comportamento de seres totais e não divididos em faculdades. É preciso imitá-los. O estudo do concreto, coisa completa, é possível e mais cativante e mais explicativo ainda em sociologia [...] O princípio e o fim da sociologia, é de avistar o grupo inteiro e o seu comportamento todo inteiro” [1923: 24].

De facto, pode dizer-se que um dos conceitos mais importantes proposto por Mauss foi o de “fenómeno social total”.

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Assim, no mesmo Ensaio sobre o Dom o autor refere ainda: “Os factos que estudámos são todos [...] factos sociais totais [...] quer dizer põem em movimento, em certos casos, a totalidade da sociedade e das instituições [...] Todos estes fenómenos são ao mesmo tempo jurídicos, económicos, religiosos, e mesmo estéticos morfológicos, etc. [...] São «todos», sistemas sociais inteiros, dos quais tentámos descrever o funcionamento. Não os estudámos como se estivessem estáticos num estado único ou cadavérico, e ainda menos os decompusemos ou dissecámos em regras de direito, em mitos, em valores e em preço. Foi considerando o todo em conjunto que pudemos aperceber o essencial, o movimento do todo, o aspecto vivo, o instante fugidio em que a sociedade toma, em que os homens tomam consciência sentimental deles próprios e da sua situação em relação a outro” [op.cit].

Estas preocupações de Mauss, todas elas metodológicas, marcaram decisivamente o desenvolvimento do pensamento antropológico que se seguiu. Em França, designadamente com M. Griaule que trabalhou junto dos dogon e estudou as culturas do ponto de vista da interpretação dos seus próprios membros, tentando mostrar como os mesmos esquemas culturais podiam estar presentes em níveis culturais diferentes; com C. Lévi-Strauss; com Balandier, antropólogo africanista, que se dedicou ao estudo das mutações africanas do após-guerra; mas também com o austríaco R. Thurnwald, considerado um dos porta-voz do funcionalismo (de um funcionalismo matizado em relação ao de Malinowski); ou ainda com o próprio Malinowski; e igualmente com os americanos R. H. Lowie (discípulo de Boas), o qual se fez notar no domínio do estudo da organização social, M. Mead que estudou os Arapesh e os Mundugamor da Nova Guiné cujo “temperamento” masculino e feminino comparou, C. Du Bois, R. Linton e A. Kardiner que trabalharam sobre o tema do comportamento, determinado pela educação e pelo meio técnico e económico, imposto pelo grupo aos indivíduos. Estes três últimos autores estão também na origem da noção “personalidade de base”2 e de “pattern”.

Uma última nota para dizer que se o seu contributo para a teoria geral da antropologia foi de facto importante, em França, Mauss ocupa um lugar à altura dessa importância, um lugar comparável ao de Boas nos Estados Unidos.

________________________________2 Esta noção define a configuração psicológica resultante do conjunto dos elementos constitutivos da personalidade possuídos em comum pelos membros de uma sociedade.

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2. Dois eixos de análise privilegiados pela antropologia social e cultural2.1 O campo do parentescoO estudo do parentesco teve, desde muito cedo, um papel preponderante na investigação antropológica. Pode mesmo dizer-se que o seu estudo foi durante muito tempo, e de certo modo continua a sê-lo, uma das “galinhas de ovos de ouro” da antropologia. O seu carácter abstruso, a utilização de um certo número de abreviações, os diagramas, cuja leitura nem sempre é fácil, necessitando de alguma ginástica cerebral, transmitiram a ideia de que a antropologia tinha adquirido, com os estudos de parentesco, um alto grau de cientismo.

Porém, exageros à parte, é verdade que o estudo do parentesco corresponde a um dos eixos da investigação antropológica cujo sucesso científico foi dos mais brilhantes. A razão prende-se com o facto do parentesco ser, nas sociedades que habitualmente estudam os antropólogos, a chave absolutamente indispensável para a sua compreensão. Neste tipo de sociedades, as relações de parentesco estão presentes em todos os aspectos da vida social: económico, religioso, político, etc.

Em particular nas sociedades simples, sem Estado, ou nas sociedades europeias ditas tradicionais, não é possível compreender como se processam as relações entre indivíduos e grupos, as relações de poder, as diversas prestações, etc. se não se conhecer como se organiza o parentesco entre os indivíduos e o modo como se reflecte em toda a organização social. A. R. Radcliffe-Brown, a propósito da sua larga experiência dos sistemas de parentesco africanos faz notar que “Para a compreensão de um qualquer aspecto da vida social de uma população africana – aspecto económico, político ou religioso – é essencial possuir um conhecimento aprofundado da sua organização familiar e matrimonial. Isto é de tal maneira evidente para o etnólogo que é praticamente inútil de o sublinhar” [1952: 1].

Por exemplo, no estudo que realizei numa aldeia da Beira-Baixa na década de oitenta, foi possível constatar como o parentesco se reflecte de forma muito estreita na paisagem agrícola – influenciando a organização do espaço agrário, tanto nas formas como na dimensão dos campos, etc. – e determina assim fortemente a organização social local no seu todo [A. Santos, 1992].

De facto, para além do exemplo que dei a propósito da minha própria experiência na Beira-Baixa, existe uma quantidade de trabalhos sobre parentesco europeu atestando a permanência do seu peso, ou o reactivar de certos aspectos, nas sociedades contemporâneas modernas, desmentindo, assim, os lugares comuns que pretendiam fazer crer que o parentesco só teria importância para os selvagens. Françoise Zonabende, em La mémoire longue [1980], revela que, em meio rural francês contemporâneo, o casamento entre primos germanos3 (primos direitos) muito em uso no passado, volta a ser praticado no presente. O interessante no caso é ser precisamente a distância geográfica que, de certo modo, actua como factor atenuante da perspectiva do

________________________________3 Os indivíduos que têm o mesmo pai e mãe são chamados “germanos”. Assim, os primos direitos por terem avós comuns e forte proximidade consanguínea são ditos “primos germanos” (ou seja, quase tão próximos como irmãos).

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grau de proximidade consanguínea. Deste modo, o primo germano converte-se no cônjuge ideal, na medida em que nem é muito próximo nem muito afastado consanguineamente.

Estes esclarecimentos e diferentes exemplos são suficientes para poder constatar quanto são importantes os estudos sobre o parentesco a propósito das sociedades em geral e das ocidentais modernas inclusivamente. Eu diria urgentemente no caso das sociedades ocidentais exactamente por não terem merecido um tratamento idêntico ao que foi dado às sociedades exóticas e tradicionais. E não foi dado um tratamento idêntico por se ter tido por base de raciocínio uma atitude “anti-ciência”, ao considerar-se, implicitamente e à priori (quer dizer sem fundamento de prova), ser o parentesco não determinante no nosso tipo de sociedade ou ser coisa já conhecida. Na minha perspectiva, é mais que fundamental os investigadores debruçarem-se sobre estes monumentos que são os sistemas e os usos sociais do parentesco europeu assim como sobre os seus múltiplos reflexos na sociedade e respectivos condicionamentos em determinadas instituições. Não será este livro de iniciação à antropologia o lugar indicado para explicar quanto a sociedade portuguesa se ressente da longa permanência dos filhos solteiros em casa dos pais e da tardia passagem directa do filho da dependência materna para a da esposa.

Como não é difícil imaginar, seria possível multiplicar os mais variados exemplos dos efeitos sociais do parentesco enquanto sistema básico e o interesse do seu estudo.

Confrontado com a importância do parentesco, L. Morgan [1851] foi dos primeiros a debruçar-se sobre o assunto, ao dedicar-se ao estudo das terminologias de parentesco. Estas estiveram na base de uma tipologia dos sistemas de parentesco assim como das formas de organização social propostas por Morgan e, mais tarde, completada e afinada por Murdock [1949]. As investigações sobre parentesco têm sido numerosas. Sobretudo as que opuseram durante algum tempo duas escolas: a inglesa apoiada na teoria da filiação e, mais recentemente, a escola francesa quando Lévi-Strauss funda a teoria da aliança, apoiado na análise estrutural do parentesco.

Porém, tanto uma como a outra das escolas convergem nos mesmos objectivos e o próprio Lévi-Strauss [1958: 333] concorda absolutamente com Radcliffe-Brown quando este define os objectivos do estudo do parentesco como devendo conduzir a:1) fazer uma classificação sistemática;2) compreender os traços específicos de cada sistema:

a) seja ligando cada traço a um conjunto organizadob) seja reconhecendo-lhe um exemplo particular de uma classe de fenómenos já identificados;

3) enfim, conseguir chegar a generalizações válidas sobre a natureza das sociedades humanas.

O terceiro ponto é muito importante, na medida em que reintroduz a finalidade geral da antropologia e relembra que o estudo do parentesco não deve confinar-se a meras tautologias acerca de sistemas formais e abstractos, sem deixar aperceber os seus diferentes encaixes no contexto social de onde foram extraídos [Radcliffe-Brown, 1941: 17, in Lévi-Strauss, 1958: 333].

Lévi-Strauss termina dizendo que “Para Radcliffe-Brown, a análise do parentesco tem por objectivo reduzir a diversidade [de 200 ou 300 sistemas de parentesco] a uma ordem, seja ela qual for. Por detrás da diversidade, pode de

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facto discernir-se princípios gerais, em número limitado, que são aplicados e combinados de formas diversas” [Ibid.]. Na afirmação de Lévi-Strauss transparece, claramente, as suas preocupações estruturalistas que são essencialmente de carácter tipológico para o autor britânico.

É comum utilizar-se indiferentemente os termos parentesco, família, familiares, para falar dos parentes. Contudo, o mais usual, actualmente, é utilizar-se o termo parentesco para referir os parentes no seu geral ou referir uma relação desse tipo “nós ainda temos algum parentesco em comum”. O termo “família” sendo mais utilizado para falar dos parentes mais próximos como a família conjugal, “...a família lá de casa...”, é no entanto também, por vezes, empregue para evocar os parentes em geral: “...na minha família...” ou ainda para referir uma relação desse tipo “...ainda temos alguns laços de família”.

Acontece, o termo parentesco ser utilizado para falar indiferentemente dos nossos parentes muito próximos, como os pais etc., ou referir o conjunto dos parentes mesmo os muito afastados e inclusivamente ancestrais não contemporâneos do locutor. Do mesmo modo, a mera utilização do termo família não informa imediatamente e com precisão quem são os indivíduos incluídos nesta categoria. Ora, esta imprecisão terminológica constitui uma das dificuldades da antropologia na medida em que muitos dos seus conceitos científicos são, como já foi dito, retirados do vocabulário comum. Dada a relativa equivalência entre as palavras parentesco e família e respectiva imprecisão, é sempre de todo o interesse precisar de que parentesco ou tipo de família se trata.

Assim, o termo parentesco tem vários sentidos correntes, mas no que nos interessa designa as relações entre indivíduos baseadas numa ascendência comum, real, suposta ou fictícia e em certas modalidades de afinidade. Além disso, é necessário distinguir o parentesco biológico do parentesco socialmente reconhecido.

Este desajuste, entre consanguinidade e parentesco socialmente reconhecido, verifica-se nomeadamente nas linhas colaterais do nosso próprio sistema português: quando designamos “tio/tia” os cônjuges dos nossos tios consanguíneos. Ou seja, nomeamos de modo idêntico os tios de sangue e os tios por afinidade, o que não é indiferente para a análise. Este fenómeno é, por exemplo ainda, igualmente observável no parentesco dito totémico em que a consanguinidade entre os membros do clã totémico não têm por base a consanguinidade real, mas a figura de um, ou uma, ancestral comum fictício. Por outras palavras, não é necessário existir uma relação de consanguinidade para que exista uma relação fundada sobre o parentesco. Contudo, as relações biológicas não deixam de estar na base da construção social do parentesco.

2.1.1 Os símbolos dos Diagramas de Parentesco

Antes de abordar o estudo do parentesco, nos seus principais aspectos, é necessário dar a conhecer os diferentes símbolos convencionais de que se serve o antropólogo do parentesco para elaborar e interpretar os diagramas de parentesco:

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Indivíduo de sexo masculino

Indivíduo de sexo feminino

Indivíduo de sexo indiferente

Indivíduo falecido

+ Primogénito/irmão/filho mais velho

+ Primogénita/irmã/filha mais velha

_ Benjamim/irmão/filho mais novo

_ Benjamim/irmã/filha mais nova

Ou Casamento

Casamento polígamo

Filiação

Germanidade (relação entre irmãos)

Divórcio

Ou Segundo casamento de um homem

Marido e esposa

Procriaram

Irmão e irmã

Ego masculino (indivíduo de referência em relação ao qual se avaliam as relações de parentesco)

Ego feminino

P= – Primos paralelos

Px – Primos cruzados

G+ – Gerações superiores

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G0 – Geração Zero

G- – Gerações inferiores

Uma nota, para indicar, muito sucintamente, que os primos paralelos se definem como tal pelo facto de serem indivíduos saídos de irmãos de mesmo sexo. Inversamente, os primos cruzados são definidos por uma relação entre indivíduos saídos de irmãos de sexo diferente.

Primos cruzados e primos paralelos

Os parâmetros são os seguintes:➢ a linha recta, ao longo da qual se encontram os ascendentes e

descendentes;➢ as linhas colaterais, nas quais se distribuem os colaterais a

diferentes graus (os irmãos são os nossos primeiros colaterais e o ponto de partida para a contagem de todos os outros);

➢ o grau de consanguinidade que informa sobre a maior ou menor proximidade parental dentro de uma certa categoria (por exemplo, entre primos); e, finalmente,

➢ o grau genealógico que indica a posição de um indivíduo no grupo de parentesco.

O cruzamento destes elementos permite situar com precisão um indivíduo numa cadeia genealógica.

Assim, dois indivíduos, parentes do quarto grau de consanguinidade, em que ambos se encontram na geração 0 (G0) e no segundo grau de colateralidade (2º Col.) em relação um ao outro, só podem ser, na cultura europeia (de parentesco cognático), primos direitos.

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Egoprimos

cruzadosprimos

paralelosprimos

paralelosprimos

cruzados

patrilaterais matrilaterais

G+ 1

G 0irmão Ego prima

direita

2º Col

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O cruzamento das diferentes coordenadas, dadas no exemplo, é importante visto existirem parentes diversos num mesmo grau: por exemplo, são também do quarto grau o nosso tio-avô, entre outros.

2.1.2 As abreviaçõesPara além dos símbolos utilizados para construir os diagramas genealógicos, utilizam-se ainda, por razões de operacionalidade, um sistema de abreviações ou de notação dos termos de parentesco.

Pode dizer-se que o sistema de notação representa uma tentativa de criação de uma linguagem científica universal dos termos de parentesco. Ou seja, apresenta-se como uma terceira linguagem – entre a linguagem local e a do investigador –, uma espécie de metalíngua que está para os antropólogos do parentesco como o latim para os botânicos.

A língua inglesa foi a primeira a fornecer os seus princípios, mas os franceses, para quem a notação em inglês se tornava difícil de utilizar, criaram igualmente termos convencionais para referir o campo de aplicação (o léxico parental de referência) das nomenclaturas do parentesco.

Ora, temos de concordar que também para os especialistas e outros leitores de língua portuguesa, nem uns nem outros são práticos, embora se deva reconhecer que qualquer uma destas línguas é de maior difusão que o português.

Inicialmente, na medida em que todo o antropólogo é levado a ler trabalhos realizados noutras línguas, são igualmente apresentados os sistemas de notação em inglês e em francês.

Classicamente, os especialistas utilizavam exclusivamente a notação em inglês. E ainda hoje, nos trabalhos publicados em revistas internacionais, é este sistema de notação o mais usual, por razões de universalidade científica da língua inglesa. Contudo, simbolizar uma qualquer relação de parentesco neste idioma causa as maiores dificuldades, tanto na sua elaboração como, e sobretudo, na leitura dos diagramas, para quem não está suficientemente familiarizado com o inglês. Como é sabido, a construção da frase em inglês relatando uma relação de parentesco faz-se, do nosso ponto de vista, de frente para trás (por exemplo “Father's Brother”, irmão do pai: “tio”). Sendo assim, as abreviações justapõem-se na ordem inversa à do português o que exige um exercício suplementar de leitura dos diagramas para o que já de si nem sempre é fácil. Quanto à adopção do sistema de notação francês é uma evidência dizer que também não representa qualquer vantagem em trabalhos redigidos em português, para além de não oferecer especial carácter de universalidade, embora o idioma tenha uma incomparável maior difusão científica que o português. Estes são os principais argumentos em favor da utilização de um sistema de notação em português.

Assim, quando da publicação de um artigo ou livro em língua francesa ou inglesa, tal como o trabalho em si, também o sistema de notação deverá ser traduzido.

As abreviações dizem essencialmente respeito, por um lado, ao núcleo de parentes consanguineamente muito próximos, como: pai, mãe, filho,

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filha, irmão, irmã e, por outro, aos afins destes parentes de primeira ordem4. A partir das abreviações destas relações básicas, todas as outras são possíveis de construir, articulando as respectivas abreviações umas com as outras, conforme as relações de parentesco a descrever.

Na notação em português aqui proposta, foi utilizada a primeira letra do termo de parentesco para construir o símbolo da abreviação (por exemplo P para “pai”.) ou, nos casos em que não era possível (por existirem outras relações começadas pela mesma letra), a primeira e última letra do termo (por exemplo Fo para “filho”); com excepção de marido e esposa cujas abreviações contêm três letras, a primeira e as duas últimas (Mdo para “marido” e Esp para “esposa” ou Mer para “mulher”). Existem dois outros casos de figura que contêm igualmente três letras (cuja escolha não seguiu as mesmas regras), mas não são propriamente termos de parentesco: “primogénito” (Pgt) e “benjamim” (Bjm). Contudo, mesmo nas relações de três letras, seria possível empregar unicamente dois símbolos alfabéticos. Pareceu-me, no entanto, ser mais explícito, as abreviações adoptadas. Quanto às idades intermédias estas são expressas através dos sinais + e -.

A notação em inglês é, em todas as situações, constituída por uma única letra, a que corresponde à inicial do termo de parentesco.

2.1.2.1. Notação das relações de parentesco em língua portuguesa

Consanguíneos:

Pai PMãe MFilho FoFilha FaIrmão IoIrmã IãTio IoP/IoM (irmão do pai/da mãe)Tia IãP/M (irmã do pai/mãe)Sobrinho FoIo/FoIã (filho do irmão/da irmã)Sobrinha FaIo/FaIã (filha do irmão/da irmã)Primo FoIoP/FoIoM/FoIãP/FoIãM (Filho do irmão do pai/

do irmão da mãe/da irmã do pai/da irmã da mãe)Prima FaIoP/FaIoM/FaIãP/FaIãM (filha do irmão do pai/

do irmão da mãe/etc.)Primogénito PgtBenjamim Bjm

________________________________4 Segundo J. P. Murdock [1949], os parentes de primeira ordem são os que constituem as famílias nucleares a que Ego pertence enquanto solteiro e casado: pais, irmãos e irmãs na sua família de orientação, marido ou esposa, os filhos e filhas na sua família de procriação.

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Afins:

Marido MdoEsposa/Mulher Esp/MerCunhado IoMdo/IoMer/MdoIã/MdoIãMdo/MdoIãEsp (irmão do

marido/irmão da mulher/marido da irmã/marido da irmã do marido/marido da irmã da esposa).

Cunhada IãMdo/IãEsp/EspIoMdo/EspIoEsp (irmã do marido/irmã da esposa/esposa do irmão do marido/esposa do irmão da esposa).

A aposição de várias abreviações é lida introduzindo a preposição “do/da” entre dois termos de parentesco, conforme indicado nos exemplos.

2.1.2.2. Notação das relações de parentesco em língua inglesa

Consanguíneos:

Father F (Pai)Mother M (Mãe)Son S (Filho)Daughter D (Filha)Brother B (Irmão)Sister Z (Irmã)Uncle FB/MB (Tio)Aunt FZ/MZ (Tia)Nephew BS/ZS (Sobrinho)Niece BD/ZD (Sobrinha)

Afins:

Husband H (Marido)Wife W (Esposa)

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2.1.2.3. Notação das relações de parentesco em língua francesa

Consanguíneos:

Père Pe (Pai)Mère Me (Mãe)Fils Fs (Filho)Fille Fe (Filha)Frère Fr (Irmão)Soeur So (Irmã)Oncle FrPe/FrMe (frère du père/frère de la mère), (Tio)Tante SoPe/SoMe (soeur du père/soeur de la mère), (Tia)Neveu FsFr/FsSo (fils du frère/fils de la soeur), (Sobrinho)Nièce FeFr/FeSo (fille du frère/fille de la soeur), (Sobrinha)Cousin FsFrP/FsFrM/FsSoP/FsSo, (fils du frère du père/fils du

frère de la mère/fils de la soeur du père/etc., (Primo)Cousine FeFrP/FeFrM/FeSoP/FeSoM (fille du frère du père/etc.,

(Prima)

Afins:

Mari Ma (Marido)Epouse/Femme Ep/Fme (Esposa), (Mulher)Beau-Frère FrMa/FrEp/MaSo/MaSoMa/MaSoEp (frère du

mari/frère de l'épouse/mari de la soeur du mari/mari de la soeur de l'épouse, (Cunhado)

Belle-Soeur SoMa/SoEp/EpFr/EpFrMa/EpFrEp (soeur du mari/soeur de l'épouse/épouse du frère du mari/épouse du frère de l'épouse (Cunhada)

A aposição de várias abreviações é lida introduzindo a preposição “de” e “du” entre dois termos de parentesco, conforme indicado nos exemplos.

Um sistema de parentesco , enquanto tal, é constituído no mínimo por cinco aspectos relativamente interdependentes:1) a nomenclatura ou terminologia do parentesco. Ou seja, um

conjunto de termos de parentesco servindo cada um deles para designar individualmente os nossos parentes;

2) As regras de aliança matrimonial que são um dos elementos chave da articulação entre parentesco e sociedade;

3) o tipo de filiação que determina o modo pelo qual os indivíduos, através da descendência comum, ficam ligados uns aos outros ou a determinados grupos de filiação;

4) o modelo de residência que os cônjuges escolhem para viver;5) e, finalmente, a herança e a sucessão pelas quais se fazem a

devolução dos bens e estatutos.

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Estes diferentes elementos estão mais ou menos fortemente inter-relacionados e por essa razão formam sistema. Por consequência, quando se realiza um estudo de parentesco, sobretudo se for de maneira menos formal, é necessário apreender o conjunto dos elementos constituintes do sistema e respectivas conexões, na forma complexa das relações praticadas entre indivíduos aparentados pelo sangue e pelo casamento, considerando assim todos os aspectos sociais do parentesco na sua totalidade lógica. De facto, nesta complexidade entram muitos aspectos dependentes, como os estatutos dos indivíduos, as relações sexuais autorizadas, a eventual escolha preferencial do cônjuge, etc., que integram o todo e devem ser observados.

2.1.3 As nomenclaturasComo referi, uma nomenclatura de parentesco consiste no conjunto dos termos de parentesco que uma determinada cultura utiliza para tratar ou referir as pessoas entre as quais existe uma relação de carácter parental.

Assim, a terminologia representa uma linguagem específica que permite classificar os parentes em diferentes categorias. Com efeito, o termo de parentesco indica simultaneamente a categoria do parente e o tipo de atitude que lhe está associado. Por outras palavras, determina o modelo de comportamento social de tipo parental a ter para com ele. Uma criança é educada, desde a sua tenra idade, a distinguir os seus vários parentes e a integrar no seu sistema cognitivo parental todo um conjunto de atitudes a respeitar em relação a eles.

Refira-se no entanto que em muitos casos o elemento verbal parental nem sempre é suficiente para expressar automática e completamente o tipo de atitude a observar entre parentes. Outros elementos, esteriores ao termo de parentesco, são necessários para indicar o comportamento adequado a ter entre eles. Por exemplo, na nossa cultura, ao termo primo podem corresponder vários comportamentos a ter em conta, em função da geração e do grau de colateralidade em causa: assim, entre primos de mesma geração é usual o tratamento pelo prenome e o tutear; entre primos de gerações distintas, uma diferença de idade significativa pode implicar o vocear5 (de você) para além do uso do termo de parentesco e do prenome ou mesmo do apelido; entre primos ainda mais afastados, o tratamento entre eles implica geralmente o emprego do termo de parentesco juntamente com o vocear.Contudo, não parece haver uma equivalência automática e absoluta entre o sistema de apelações e o sistema de atitudes. No entanto, é certo que há fortes correspondências entre os dois aspectos mas, apesar de tal, alterações no sistema de apelações podem nunca chegar, ou levar algum tempo, a cristalizarem-se em atitudes parentais correspondentes.

________________________________5 Permito-me criar o neologismo “vocear” (em contraponto de “tutear” pouco usual mas existente na língua portuguesa) em substituição da longa frase “tratamento por você” que sendo necessário repeti-las vezes sem conta se revela pouco prática em estudos sobre os sistemas de atitudes.

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No estudo das nomenclaturas, o tipo de comportamento parental é verificável segundo três formas de classificação:1) o modo de utilização;2) a estrutura linguística;3) o campo de aplicação.

2.1.3.1. O modo de utilização

Do ponto de vista da utilização, os termos de parentesco têm dois modos de funcionalidade:1. o tratamento directo – ou de endereço – quando alguém se

dirige pessoalmente ao parente interpelando-o pelo termo corespondente: “avô!”, “mãe!”, “tio!”, etc. e

2. o tratamento indirecto – ou de referência – tal como sugere a palavra, quando o locutor fala de um determinado parente a terceiros: “o meu avô”, “a minha prima”, etc.

Na nossa cultura, como nas restantes terminologias europeias de modo geral, existe de facto um termo de afinidade específico para designar os pais do nosso cônjuge mas este não é aplicável directamente à pessoa em causa. Neste tipo de relação, intervém na nossa cultura (e noutras também) um tabu terminológico em relação ao emprego do termo sogro/sogra que introduz distância, sendo mesmo preferível utilizar-se o termo pai/mãe que aproxima. Porém, esta forma subtil de integração dos sogros no grupo parental mais íntimo da consanguinidade não é exclusiva destes, acontece igualmente com os cunhados, os quais na sociedade rural tradicional portuguesa é corrente designarem-se por “mano/a”.

Com efeito, esta reserva de tratamento directo para com os sogros, é em geral muito vulgar em relação à maioria dos parentes por aliança cujos termos são comummente decalcados dos consanguíneos ou empregando o seu nome próprio. Em França, designadamente, este último comportamento é muito comum em relação à maioria dos aliados.

Resumindo, um termo de endereço faz parte integrante da conduta codificada que cada indivíduo deve ter para com os seus parentes. Esta conduta, dado ser um dado requerido pela sociedade a todos os indivíduos, resulta da determinação do lugar que cada parente ocupa no sistema de parentesco.

Constata-se assim que os termos de referência têm um campo de aplicação mais preciso que os utilizados no tratamento directo, na medida em que o tratamento na referência é mais preciso que o do tratamento directo. Como se viu na nossa cultura, o termo mãe para além de servir para chamar a mãe biológica pode ainda ser empregue para se dirigir à sogra ou à madrasta. Acontece o mesmo com o termo tio que pode ser aplicado inclusivamente para se dirigir a uma pessoa exterior ao parentesco sob a forma contraída de “ti” (denotando uma certa familiaridade condescendente).

Para contrariar as imprecisões do campo de aplicação, certas sociedades possuem séries diferentes de termos para o tratamento

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directo e para a referência, enquanto noutras, como a nossa, são necessários, como se viu, alguns paliativos para reduzir a ambiguidade do campo de aplicação parental.

2.1.3.2. A estrutura linguística dos termos de parentesco

Do ponto de vista da estrutura linguística, os termos de parentesco podem apresentar-se segundo três ordens:1. elementares – quando não podem ser decompostos em

elementos lexicais dotados de significado parental, como: “pai”, “mãe”, “primo”, etc.,

2. derivados – quando são compostos por um termo elementar e outro elemento lexical sem significado parental: bis+avô (“bisavô”), belle+mère (“belle-mère”) em francês, ou grand+father (“grandfather”) em inglês, etc., ou

3. descritivos – quando na nomenclatura não existe um termo específico para referir um determinado parente e se conjugam dois ou mais termos elementares para indicar a relação, por exemplo: “irmão do pai” ou em sueco a palavra “farbor” para referir o tio.

A forma descritiva para referir os parentes é muito utilizada, mesmo nos casos em que existem termos específicos. Tal, acontece mos casos em que o emprego de um termo elementar ou derivado não é suficiente para identificar o parente de quem se fala. Assim, quando é necessário explicitar a relação para precisar o lado parental: “o irmão do meu avô paterno” por exemplo.

2.1.3.3. O campo de aplicação

Segundo o campo de aplicação, os termos de parentesco podem ser1. denotativos, quando indicam uma única categoria de

parentes, em função da geração, do sexo e laço genealógico. Quer dizer que qualquer um dos termos pode incluir várias pessoas num mesmo tipo de relação com Ego, embora nem todas as relações sejam exactamente equivalentes em todos os casos (por exemplo, possuímos vários tipos de cunhados). Inversamente, este aspecto não é verificável em relação ao pai, à mãe, etc., dado serem pessoas únicas na sua categoria.

2. classificatórios, quando enviam para vários indivíduos pertencentes a mais de uma categoria de parentes, definidos segundo a geração, o sexo, e o laço genealógico. Ou seja, quando não é feita a distinção, em parte ou na totalidade, entre parentes em linha recta e colaterais. No campo da aliança, também o termo cunhado tem na nossa língua uma aplicação variada: quincadimensional precisamente, porque refere cinco relações tão variadas como as de irmão do marido; de irmão da esposa; de marido da irmã; de marido da irmã da esposa; de marido da irmã do marido.

A omissão das particularidades classificatórias nas terminologias europeias – classificadas, sem outra matriz, como descritivas com base na simples análise do núcleo de parentes muito próximos de

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Ego – e a constatação da sua existência nítida noutras sociedades, conduziram Morgan a retirar conclusões de carácter distintivo e tendencioso entre as terminologias europeias e as terminologias das sociedades “primitivas”. As primeiras seriam descritivas (e desde logo seriam analíticas) enquanto as segundas seriam de tipo classificatório (denotando uma certa confusão, confundindo o que é diferente).

2.1.3.4. Os principais tipos terminológicos

Um certo número de tipos de terminologias do parentesco, considerados de referência, foram retidos por Murdock [1949] para construir a sua tipologia. Os principais tipos são seis:1. esquimó,2. havaiano,3. iroquês,4. sudanês,5. crow e6. omaha.

A tipologia foi construída com base na terminologia de Ego masculino para designar ao seus parentes femininos a qual na apresentação aqui dada considera no entanto outras relações.

Se tivermos em conta a tipologia de Murdock, a terminologia portuguesa, tal como a do resto da Europa e de outros povos tão diferentes como os esquimós do Cobre do Grande Norte ou os pigmeus andamaneses da floresta tropical, etc., pode ser classificada na categoria esquimó.

2.1.3.4.1. Terminologia esquimó

Uma terminologia é qualificada de tipo esquimó quando, entre outros aspectos, os irmãos do pai e da mãe são referidos por um termo idêntico “tios”, assim como as irmãs de ambos os pais são igualmente designadas por um mesmo termo “tias”. Outra característica terminológica esquimó, diz respeito ao facto dos primos de Ego serem classificados numa única categoria terminológica – independentemente de serem patrilaterais ou matrilaterais , cruzados (filhos de irmãos de sexo diferente) ou paralelos (filhos de irmãos de mesmo sexo) – e serem distinguidos dos irmãos e irmãs por um termo específico.

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tio tiotia tiapai mãe

primo primo primo primoprima prima prima primairmão irmãEgo

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2.1.3.4.2. Terminologia hawaiana

Um caso muito típico de classificação dos parentes é o exemplo da terminologia de tipo hawaiano, dito ainda “sistema geracional”. De facto, este tipo caracteriza-se pela classificação terminológica dos parentes em linha recta e colaterais por gerações. Por outras palavras, os parentes em linha recta e em linha colateral são designados por um termo idêntico em cada geração, segundo a respectiva distinção de sexo. Assim, a mãe e a irmã desta, tal como o pai e o irmão deste, são respectivamente designados pelo mesmo termo – “mãe/mâe” para as primeiras e “pai/pai” para os segundos – o que, em consequência de tal, também a distinção terminológica entre irmãos e primos não existe.

O tipo hawaiano é ainda mais corrente que o sistema esquimó, existindo nas suas diferentes variações muito além do universo estritamente malaio-polinésio onde foi inicialmente referenciado.

2.1.3.4.3. Terminologia iroquesa

Outro exemplo clássico de nomenclatura classificatória, corresponde à terminologia iroquesa, onde se pode observar, designadamente, o agrupamento na mesma categoria terminológica o pai e o irmão deste, e na categoria de mãe a irmã desta. Inversamente, os irmãos dos pais, de sexo diferente destes, são chamados “tios/as”. Em consequência, Ego denota terminologicamente as primas cruzadas bilaterais (a filha da irmã do pai e a filha do irmão da mãe) com um termo idêntico distinguindo-as das primas paralelas (filha da irmã da mãe e filha do irmão do pai) e das irmãs, as quais são, geralmente, não em todos os casos, designadas por um termo idêntico. Por outras palavras, os primos paralelos são distinguidos dos primos cruzados na medida em que aos primeiros Ego chama “irmãos” e aos segundos “primos”.

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irmão irmão irmão irmãoirmã irmã irmã irmãirmão irmãEgo

f ilho/a f ilho/a f ilho/a

pai mãe mãe paipaimãe

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2.1.3.4.4. Terminologias crow e omaha

A particularidade classificatória destes dois tipos resulta do facto de não marcarem terminologicamente determinadas gerações. Por outro lado, são respectivamente matrilineares e patrilineares.

No tipo Crow6, o princípio das gerações é de facto ignorado em relação a certas categorias de parentes. Estas são classificadas verticalmente por um termo idêntico independentemente da geração o que explica a particularidade da terminologia. Assim, os irmãos dos pais de ego de sexo diferente destes não são denotados pelo emprego de um termo específico, mas referidos de modo descritivo (“irmã do pai”/”irmão da mãe”). Em contrapartida, os irmãos dos pais de ego de mesmo sexo que estes são chamados pelo mesmo termo com que ego designa os seus pais (“pai”/”mãe”) e em consequência os primos paralelos (filhos de irmãos de mesmo sexo) são chamados “irmãos” por Ego. No lado materno, o tio é referido por um termo descritivo (“irmão da mãe”) para na geração seguinte Ego chamar “filho/a” aos filhos deste.

________________________________6 Os Crow são um povo das planícies do Montana cuja terminologia, por ter sido estudada em primeiro lugar, constitui um tipo de referência ao qual correspondem outros sistemas, como o dos Hopi (metrilineares).

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pai mãepai mãe tiotia

Egoirmãoirmã irmã irmãirmão irmãoprimo primoprima prima

pai mãepai mãeIrmã do pai Irmão da mãe

Egoirmão irmão irmãoirmã irmã irmãpai

pai Irmã do pai

Irmãdo pai

f ilho f ilha

sobrinhos/as

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Resumindo, na terminologia dos primos, Ego distingue, por um lado, as primas cruzadas patrilaterais das matrilaterais e, por outro, distingue cada uma destas categorias das primas paralelas e das irmãs que são designadas pelo mesmo termo. A filiação é matrilinear e a residência patrilocal.

A terminologia de tipo omaha é patrilinear do ponto de vista da filiação pelo que em consequência deste facto apresenta características terminológicas simetricamente inversas à Crow.

2.1.3.4.5. Terminologia sudanesa

A terminologia sudanesa, tem características fortemente descritivas na maioria dos casos. Cada uma das categorias é normalmente, mas nem sempre, referida pelo emprego de termos descritivos (“filha da irmã do pai”, “filha do irmão da mãe”). A existência destas particularidades na maioria dos casos observados, conduziram Murdock [1949] a caracterizar o tipo sudanês como sendo uma terminologia descritiva.

Na tipologia de Murdock são ainda indicados dois outros tipos terminológicos, bastante minoritários, representando uma forma transitória de sistema de filiação: o Yuma e o Fox.O sistema Yuma, instável, porque indefinido quanto ao regime de filiação, e em transição de um regime de filiação

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paipaiIrmã do pai mãe mãe Irmão da mãe

Ego irmãoirmã irmã Irmãoda mãe

mãeirmão irmãoirmã

Irmão da mãe mãe

sobrinho sobrinha

f ilho f ilha

Ego

A B BD

termoE

termoH

termoG

termoI

termoF

termoJ

termoL

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para outro, pode apresentar uma terminologia de tipo iroquês no que diz respeito às primas (o qual distingue, como se viu, as primas cruzadas das paralelas). O tipo Fox tem a particularidade de apresentar, como o Yuma, não só um regime de filiação em transição mas ainda uma terminologia das primas cruzadas assimétrica (ou seja, o uso de termos distintos para cada um dos lados patri-matrilateral). Em suma, umas vezes são de tipo crow outras vezes de tipo omaha ou mesmo sudanês.

Graças à terminologia classificatória, as sociedades conseguem reduzir consideravelmente o grande número de termos que teriam de utilizar se não fizessem intervir este tipo de classificação, que segundo Murdock [1949] são da ordem média dos 25 entre os milhares teoricamente possíveis.

O método genealógico consiste em consignar uma genealogia recorrendo à memória dos seus interlocutores para indicarem os seus parentes um a um, do conjunto dos seus ascendentes, descendentes, colaterais e aliados. É precisamente neste processo de registo que se obtêm os diferentes termos de parentesco.

Com o registo da totalidade dos termos de parentesco ajudado pela reconstituição de um certo número de genealogias-tipo, fica assim evidenciada a correspondente nomenclatura. Na análise, convém empregar um certo número de parâmetros permitindo efectuar as necessárias medidas em termos de graus de consanguinidade e, assim, situar com precisão um determinado indivíduo numa dada genealogia:

1) O cômputo dos graus de consanguinidade (existem vários sistemas de contagem dos graus, mas os mais utilizados no universo europeu do parentesco são, por um lado, o cálculo romano ou civil empregue em antropologia, direito e genética e, por outro, o sistema de cálculo germânico-canónico usado nos documentos da igreja católica.

2) A geração, cuja detrminação das gerações superiores (G+) ou inferiores (G-) se inicia a partir de Ego (G0).

3) O grau de colateralidade (ºCol) cujo estabelecimento se faz horizontalmente a partir da linha recta (Lr) na geração de Ego (G0). Assim, por exemplo, os irmãos de Ego são para ele parentes do primeiro grau de colateralidade, os tios e primos germanos (primos direitos) de segundo grau.

4) Em determinadas nomenclaturas o sexo e a idade podem ser pertinentes para a análise, não somente do ponto de vista estritamente linguístico mas simultaneamente do ponto de vista do significado mais estritamente antropológico.

Outros procedimentos de medição, mais excepcionais, dos graus de parentesco, tais como a matemática, são utilizados por certos analistas, como por exemplo J. Atkins [1974]. Do ponto de vista da

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análise linguística dos termos de parentesco mencione-se, na perspectiva estruturalista, a obra de F. G. Lounsbury [1966]; noutro campo, o emprego da análise componencial, inspirada na linguística americana, foi utilizada de forma muito interessante por W. H. Goodenough [1951].

Refira-se, no entanto, que o excessivo grau de formalismo na análise dos sistemas de parentesco reverte sempre para uma abstracção cuja abrangência antropológica é raramente descortinável.

2.1.4 O casamento e a aliança matrimonialO grau de distância consanguínea entre os grupos de onde emanam os indivíduos esposáveis pode ser consideravelmente variado de uma sociedade para outra, pelo que aliança tanto pode realizar-se fora de qualquer laço de parentesco como dentro de um grupo de consanguíneos relativamente próximos e autorizados para o efeito.

O tabu do incesto obriga a procurar cônjuge fora de um círculo de aparentados consanguineamente muito próximos. A proibição do incesto não se limita a interditar determinadas relações sexuais (as quais podem acontecer de modo ilícito), mas sobretudo, através da permissão, autorizar certos casamentos e alianças. Tem porém como característica ser uma proibição de natureza universal cujo fundamento é nunca permitir, no mínimo, o casamento entre irmãos.

Segundo a teoria de Lévi-Strauss [1967], a aliança corresponde à escolha do cônjuge segundo dois grandes modelos. Um deles definido por regras positivas e outro por regras negativas. As primeiras, prescrevem ou indicam preferencialmente a escolha do cônjuge e as segundas, limitam-se a proibir um pequeno círculo de parentes consanguineamente muito próximos, deixando livre a escolha do cônjuge relativamente a indivíduos não aparentados ou ao conjunto dos outros parentes.

A primeira das regras corresponde ao que Lévi-Strauss [1967] definiu como as estruturas elementares do parentesco, segundo as quais as regras de escolha do cônjuge têm efectivamente um carácter positivo, no sentido em que a escolha do cônjuge deve ser realizada preferencialmente numa determinada zona do parentesco.

A segunda das regras, corresponde às estruturas complexas do parentesco que conhece designadamente o universo europeu. O código civil e a própria igreja limitam-se a emitir regras negativas definindo uma certa zona de parentesco cujos membros não podem contrair matrimónio entre eles.

2.1.4.1. O átomo do parentesco

Segundo a teoria da aliança apresentada por C. Lévi-Strauss [1985], o átomo de parentesco ou elemento de parentesco consiste na estrutura de parentesco irredutível a qualquer outra forma mais elementar. Segundo o autor, esta estrutura de

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parentesco implica a existência de três tipos de relações familiares, sempre dadas em qualquer sociedade humana:

1) uma relação de consanguinidade,2) uma relação de aliança,3) uma relação de filiação.

Átomo do parentesco

Esta teoria que se opõe à teoria da filiação desenvolvida pelos britânicos, designadamente por Radcliffe-Brown, tem por raciocínio imediato a troca matrimonial das mulheres entre os homens de uma determinada comunidade ou grupo, tendo em consideração a universalidade da proibição do incesto.

Troca matrimonial primária

Segundo esta teoria, um homem para adquirir uma esposa terá de ter uma filha ou irmã para a dar em troca, como esposa, ao homem que lhe deu a sua. Se a filha ou irmã não existir, a conclusão da troca será diferida e realizada mais tarde.

2.1.4.2. O avunculato

O avunculato (do latim avunculus, tio) consiste numa relação particular entre o tio e o filho da irmã.

Relações avunculares

Esta relação corresponde ao conjunto de direitos e obrigações que o tio materno tem para com o filho da irmã, assim como o tipo de tratamento que é reconhecido entre eles.

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A este tipo de relação parental, habitualmente presente nos sistemas matrilineares, mas não unicamente, é dada uma explicação fundadora na teoria da aliança por Lévi-Strauss.

Com efeito, voltando ao elemento de parentesco referido anteriormente, Lévi-Strauss considera ser a figura do tio materno o seu princípio estrutural. Assim, o avunculato não pode ser isolado da sua estrutura mínima (o que impediria a sua compreensão).

A importância do tio materno remete, por sua vez, para a relação com o filho da sua irmã – para a relação avuncular –, fortemente característica dos sistemas matrilineares (embora nem sempre observada nem exclusiva destes como foi dito), e nos quais o tio uterino se substitui à autoridade do pai e às limitações de transmissão patrimonial da mãe. A teoria da aliança insiste na proibição do incesto e na sua universalidade, para explicar a razão pela qual os indivíduos têm necessidade de procurar cônjuge fora do grupo de parentesco consanguineamente muito próximo. Assim, os irmãos e irmãs não podendo esposarem-se entre si, terão de procurar cônjuge num grupo distinto mais ou menos próximo. Esta exogamia de grupo explicaria o princípio fundador da sociedade. Além disso, a aliança matrimonial ao ser praticada com vizinhos potencialmente adversos ou mesmo fortemente inimigos permite criar as condições necessárias para o restabelecimento de relações de boa vizinhança e paz.

2.1.4.3. Os tipos de casamento

2.1.4.3.1. A monogamia e a poligamia

A monogamia (do grego mono «único» gamia «união, matrimónio») tal como a conhecemos legalmente na nossa cultura, está longe de ser universal. De facto, numerosos povos praticam a poligamia ou seja os seus membros partilham vários cônjuges autorizados. Porém, a poligamia subdivide-se em duas práticas distintas: a poliginia e a poliandria.

A poliginia (do grego poli «várias» + gino «mulher»), bastante comum entre certos povos, designadamente entre os indivíduos de cultura islâmica, consiste no facto de um homem ter várias esposas (ou várias mulheres partilharem entre elas o mesmo homem, formulação que depende do ponto de vista do locutor ou da sociedade em causa) e de ser admitido legalmente em determinada sociedade.

A poliandria (igualmente do grego poli «vários» + andro «homem»), género certamente menos comum que a monogamia e a poliginia mas bem real, apresenta a característica inversa, ou seja consiste no facto de uma mulher dispor de vários maridos (ou vários homens partilharem uma mesma mulher) admitidos legalmente na sociedade em causa. Esta modalidade de casamento é observável nos toda da Índia e no Tibete designadamente,

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muitas vezes praticada na forma adélfica ou seja os maridos são irmãos entre si.

Assim, existem povos onde a forma de associação matrimonial praticada é muito diferente da que estamos habituados, inclusivamente de formas de associação matrimonial modernas como as dos casais homossexuais de ambos os sexos. Por exemplo, em certas sociedades poliândricas particulares, de caçadores e guerreiros, o casal matrimonial não é constituído por dois indivíduos de sexo oposto mas de sexo idêntico e heterossexuais, porém com a seguinte particularidade: o casal compõe-se de duas mulheres no qual uma é bastante mais velha que a outra. A mais nova, em idade de procriar, é fecundada por um homem mais ou menos de passagem. O indivíduo de passagem terá um papel de genitor mas não de pai social, papel que será assumido pela mulher mais velha. 2.1.4.3.2. O levirato e o sororato

O levirato (uma forma de casamento designado secundário , na medida em que foi precedido por um primeiro casamento), consiste na obrigação que uma mulher tem em casar com irmão do seu marido falecido. Os filhos nascidos deste novo casamento não serão considerados filhos do genitor mas do defunto considerado como pai social.

Entre múltiplos exemplos de levirato, note-se o caso da sociedade arapesh, estudada por M. Mead [1935], em que uma viúva volta geralmente a casar no clã do marido, tanto quanto possível com um dos irmãos deste, sobretudo se tiver filhos, dado estes deverem ser criados nas terras do seu pai falecido.

Modalidade inversa ao levirato, o sororato consiste no princípio segundo o qual quando a esposa morre, o seu grupo de parentes de origem tem a obrigação de fornecer uma outra em substituição da primeira. Sobretudo, nos casos em que as circunstâncias do falecimento foram obscuras e a mulher sendo jovem não tenha deixado a esperada progenitura. Ou ainda no caso em que não tendo falecido é no entanto uma esposa estéril. Em qualquer destas situações, uma irmã mais nova da referida esposa pode substituí-la e os filhos nascidos da união serão considerados filhos da primeira esposa. Esta modalidade de casamento pode ser observável, entre outros, nos shoshone onde uma mulher quando morre, a sua linhagem deve substituí-la por outra, geralmente uma irmã mais nova, cedida por um valor mais baixo que a primeira. Outro exemplo, é o das ilhas Marquesas onde o sororato é praticado pela aristocracia como forma de manter as relações privilegiadas iniciais.

Estes casamentos são compreensíveis se tivermos em conta que envolvem fortemente os grupos a que pertencem os nubentes.

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2.1.5 Descendência e filiaçãoA filiação define relações de consanguinidade, reais ou fictícias, que diferenciam grupos de consanguíneos e os tornam possíveis aliados, segundo a selecção imposta pelo tabu do incesto. Por outro lado, a filiação ao definir o parentesco e não parentesco determina, em consequência, no quadro da herança e da sucessão, os direitos, deveres e obrigações respeitantes a determinados indivíduos e grupos aparentados, decidindo os que são excluídos.

É igualmente necessário ter em atenção a distinção entre genitor e pai/mãe social, dado as duas realidades nem sempre coincidirem. Acontece muitas vezes, na nossa sociedade, uma criança ter um pai biológico desconhecido e viver com um homem que assume a paternidade social provindo a todas as necessidades inerentes ao correspondente papel (é o caso notório da adopção). Um exemplo muito notável e revelador pode ser encontrado na história francesa, na relação adulterina de Louis XIV com a marquesa de Montespan, da qual resultaram vários filhos os quais para não serem reclamados pelo marido de madame de Montespan (que adquiriria assim o estatuto de pai de filhos que não eram seus) foram declarados filhos do rei mas de mãe incógnita. Noutras sociedades, como por exemplo os Nayar do sul da Índia, distinguem três papéis normalmente reunidos num único:• o papel de pai social,• o papel de genitor e• o papel de detentor da autoridade.

Nesta sociedade, um homem, geralmente pertencente à casta superior brâmane, pode realizar um casamento com uma rapariga que continuará a viver em casa dos seus pais e onde tem toda a liberdade de ter amantes. Os filhos nascidos destas relações sexuais (de diferentes genitores) serão considerados filhos do marido (pai social) e, dado tratar-se de uma sociedade matrilinear, dependerão da autoridade do seu tio uterino.

2.1.5.1. A filiação indiferenciada

A filiação indiferenciada , dita ainda bilateral ou cognática (bilateral descent ou cognatic descent em inglês; filiation bilatéral, indifferenciée ou cognatique em francês) corresponde à modalidade que conhecemos na nossa sociedade e grosso modo à maioria das sociedades ocidentais. Está no entanto longe de estar reservada às sociedades de modelo europeu, reflectindo na realidade um tipo de filiação bastante comum em toda a humanidade.

Nas culturas onde se pratica a filiação indiferenciada, ego pertence indiferenciadamente à linhagem do seu pai e da sua mãe e desde logo às quatro linhagens ascendentes da linha recta. Sendo assim, a terminologia do parentesco patrilateral e matrilateral é exactamente a mesma em ambos os lados, como se viu nos diferentes tipos de nomenclatura. Outro aspecto, consiste em as relações de parentesco de ego serem idênticas tanto com o lado paterno como com o lado materno.

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Em consequência desta prática, os direitos, deveres e obrigações são, regra geral, exactamente os mesmos em relação às duas linhas de descendência.

De facto, a generalidade dos sistemas europeus de parentesco corresponde caracteristicamente à filiação indiferenciada, sobretudo no que toca à relativa equivalência das relações de parentesco com ambas as linhas parentais. Porém, um sistema destes claramente típico é o sistema português (e de forma idêntica o caso espanhol) se tivermos em consideração o modelo de transmissão do nome. Com efeito, o principal critério de definição de pertença a um grupo e, desde logo de filiação, é a partilha de um mesmo patronímico.

2.1.5.2. A filiação matrilinear (ou uterina)

Nas sociedades onde se pratica a filiação matrilinear (matrilineal descent em inglês e filiation matrilinéaire em francês), ego pertence ao grupo de parentes maternos. Nestes sistemas, o laço de parentesco é exclusivamente transmitido pelas mulheres. A linha de parentesco paterna é naturalmente reconhecida mas esta tem um papel de parentesco secundário. Os parentes paternos de ego pertencem à sua respectiva linha materna que, desde logo, é diferente da de ego. Geralmente a residência é dita simétrica porque concorda com a filiação, ou seja a residência matrimonial é matrilocal.

Legenda: grupo matrilinear

grupo residencial matrilocal (sistema dito simétrico)

Existem numerosos sistemas de parentesco matrilineares embora, segundo o que parece, a maioria dos sistemas existentes seja patrilinear. Nestes sistemas, um homem está reduzido ao papel de marido da mãe dado não ter nenhuma função na atribuição do estatuto parental aos filhos. Assim, o parentesco biológico

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relativamente ao pai é ignorado e simultaneamente o de pai social, cujo papel é desempenhado pelo irmão da mãe.

Outro exemplo muito interessante e elucidativo é o caso apresentado por Georges Condominas, a propósito dos mnong gar (ou phii brêe) matrilineares7, onde o conjunto dos indivíduos pertencentes a um clã se reclama de um ancestral comum em linha materna e o estatuto de escravo e de homem livre se adquiria por via feminina.

Na comunidade judaica a qualidade de pertença adquire-se através das mulheres. Assim, uma judia casada com um homem não judeu, os seus filhos serão considerados judeus o que não acontecerá com a situação inversa.

2.1.5.3. A filiação patrilinear (ou agnática8)

A filiação patrilinear (patrilineal descent em inglês e filiation patrilinéaire em francês), apresenta uma configuração diametralmente inversa à matrilinear.

Os muçulmanos são caracteristicamente patrilineares, o que significa que os filhos de um casal têm o estatuto de pertença ao grupo de parentes do pai. Numerosas sociedades estão organizadas segundo o regime patrilinear, de longe o mais comum. Na Europa, inclusivamente, existem mais que fortes inflexões patrilineares em certos sistemas de parentesco, como por exemplo no que diz respeito à transmissão do nome como já foi visto atrás [Dos Santos, 1994].

Geralmente o grupo residencial é simétrico ao sistema de filiação e corresponde assim ao grupo patrilocal.

2.1.5.4. A filiação bilinear (ou dupla filiação unilinear)

A filiação bilinear ou dupla filiação unilinear (double descent em inglês e filiation bilinéaire ou double filiation unilinéaire em francês), combina os dois sistemas unilineares, patri-matrilinear, e cada uma das duas linhas preenche um papel diferente da outra.

Legenda: linhas de filiação________________________________7 Os mnong gar (“Homens da floresta”) são um povo semi nómada dos Altos Planaltos vietnamitas.8 Os agnatos correspondem aos indivíduos (masculinos e femininos) descendendo de um mesmo ancestral pelos homens exclusivamente.

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A B C D

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Nos ashanti do Gana, o pai transmite o espírito (o “ntoro”) enquanto o sangue (o “abusua”) é transmitido pela mãe [Fortes, 1950].

A definição de filiação bilinear dada mais acima, reporta-se às características principais do sistema, porém foram observadas algumas variantes importantes em diferentes partes do globo.

Segundo alguns autores, o sistema de filiação bilinear seria de todos o mais raro. Pela minha parte penso que, provavelmente, não o será tanto como geralmente se pensa.

Uma última nota para fazer observar que os diferentes exemplos, dados mais atrás, a respeito da Europa, como sendo sistemas indiferenciados, atestam na realidade modalidades de regimes de parentesco que levam a colocar, na maioria deles, a questão de saber se os seus sistemas definidos habitualmente como indiferenciados o são efectivamente.

2.1.6 A linhagem, a linhada e o clãA linhagem (lineage em inglês; lignage em francês) consiste num conjunto de indivíduos tendo em comum um (ou uma) ancestral comum fundador, do qual se reclamam, em virtude de uma regra de filiação unilinear: agnática (linhagem patrilinear) ou uterina (linhagem matrilinear). Os membros da linhagem são capazes de estabelecer todos os elos que os ligam uns aos outros e ao ancestral comum, característica que distingue a linhagem do clã. Geralmente a linhagem constitui um grupo local (patri ou matrilocal) cuja unidade social tem por princípio a autoridade jurídica, o património, a exogamia, o culto e a solidariedade. Por exemplo, na sociedade Ashanti do Gana a linhagem é considerada como uma “pessoa” [Fortes, 1950] e cada indivíduo representa a linhagem e é responsável pelos actos dos restantes membros.

Quanto à linhada (issue ou stock of descendants em inglês; lignée em francês), esta representa um segmento de linhagem de indivíduos primogénitos e benjamins, independentemente da regra de filiação e da linha, recta ou colateral, pela qual o parentesco é estabelecido. Por exemplo, no nosso tipo de cultura, certos direitos podiam ser transmitidos por via primogénita e fazer, assim, evidenciar uma linhada de primogénitos por oposição a filhos segundos. Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas não são outros se não os benjamins (“Les cadets de France”) excluídos, devido à posição na sua ordem de nascimento, dos bens principais dos seus respectivos pais (reservados aos primogénitos), não lhes restando senão a espada que põem ao serviço do rei.

Relativamente ao clã, os seus membros dizem-se aparentados uns aos outros por referência a um ancestral comum, mas na realidade são geralmente incapazes de estabelecer o laço que afirmam ter com o ancestral epónimo, contrariamente, como se viu, à linhagem. O clã pode ser constituído por uma ou várias linhagens, ter uma base territorial local ou encontrar-se disperso pela regra da exogamia. Seja como for, o clã é dotado de um espírito de solidariedade e funciona como um todo em acto. Ou seja, se um dos seus membros cometer um crime todo o clã se

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encontrará envolvido e deverá prestar contas enquanto grupo no seu conjunto.

2.1.7 ParentelaA parentela consiste no grupo de parentes consanguíneos que ego reconhece como tal. Nos casos em que a linha genealógica de descendência é indiferente – o que acontece na maioria dos casos –, a parentela é dita bilateral. Porém, existem sociedades em que o recrutamento dos membros da parentela é feito numa única linha, agnática ou uterina. A fundamental característica da parentela é ela definir-se exclusivamente em relação a um indivíduo de referência, ou seja ego, que se encontra no centro de uma tal configuração.

2.1.8 A residência matrimonialEm sociedades como a nossa, por exemplo, a residência não obedece a regras fixas e rígidas, estando antes dependente de aspectos diversos e exteriores ao parentesco, em particular o económico. No entanto, nestas mesmas sociedades, se não se pode falar geralmente de reais regras residenciais é possível evidenciar, em alguns casos, fortes tendências no sentido da realização de um determinado modelo cultural de residência matrimonial. Ou seja, quando as condições sociais e económicas locais são neutras em relação a ambos os cônjuges, a tendência é praticar-se um modelo cultural de residência matrimonial em conformidade com os usos do lugar. Por exemplo em Portugal, em meio especialmente rural, é comum a residência ser de tipo matrilocal entre aldeias, sempre que eventuais impeditivos não se interponham. Porém, outros tipos de residência existem no nosso País, os quais também – sempre que os elementos favoráveis ao modelo cultural estão presentes – tendem a realizar-se por força de emergência da estrutura social local antiga, mais ou menos ainda existente.

Foram observados os seguintes modelos principais:1) a residência patrilocal,2) a residência virilocal,3) a residência matrilocal,4) a residência uxorilocal,5) a residência bilocal,6) a residência alternada,7) a residência duolocal (chamada também natolocal),8) a residência avuncolocal,9) a residência neo-local.

É possível que certos autores refiram alguns destes modelos utilizando outros termos, para além ainda da sua definição poder também variar em alguns dos casos.

A residência patrilocal, matrilocal, virilocal, uxorilocal corresponde a uma regra unilocal de residência, segundo a qual um dos cônjuges deve ir habitar para junto do grupo de parentes do outro.

A residência patrilocal, corresponde à regra que leva a que os dois cônjuges devam residir na casa ou terras do pai do marido.

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A residência virilocal distingue-se da residência patrilocal pelo facto dos cônjuges se estabelecerem na casa e nas próprias terras do marido e não do grupo de parentes do marido.

A residência matrilocal, resulta da regra que leva um casal a ir viver junto dos parentes da mãe da esposa ou no seu território.

A residência uxorilocal consiste na regra inversa à da residência virilocal, os cônjuges vão instalar-se na casa da esposa.

A residência bilocal não impõe um único local de domicílio como o tipo unilocal. Segundo a escolha, o casal integra-se num ou noutro grupo de parentes, podendo um dos cônjuges deixar de ser membro do grupo de origem abandonado.

A residência alternada consiste no facto de esta alternar entre a residência patrilocal e matrilocal. A alternância pode ser periódica ou em função de determinadas regras. Por exemplo, os homens boschimanes estão obrigados a viver em casa do pai da esposa até ao nascimento de um certo número de filhos, antes de poderem ir residir com o grupo dos seus parentes.

A residência duolocal, designada também de natolocal, significa que cada um dos cônjuges vive separadamente em casa dos seus respectivos pais.

Na maioria das vezes ela é provisória mas pode ter um carácter definitivo.

Os homens ashanti casados vivem em casa de sua mãe juntamente com os seus irmãos e irmãs assim como com os filhos das irmãs. Por seu turno, as esposas vivem igualmente na casa de sua mãe com os próprios filhos onde confeccionam a comida que é levada por estes ao seu pai.

Também no norte de Portugal foi observado este tipo de residência, em que os cônjuges vivem e trabalham separadamente durante o dia em casa dos seus respectivos pais e passam a noite juntos na casa dos pais da esposa [B. O'Neil, 1984].

A residência avuncolocal, consiste na regra segundo a qual um casal vai residir junto do irmão da mãe do marido. Este tipo pode ser facilmente observado nas sociedades matrilineares, mas não exclusivamente.

A residência neo-local corresponde à regra segundo a qual os cônjuges moram num local independente do dos seus respectivos pais. Este tipo de residência é característico das sociedades ocidentais, embora não seja exclusivo delas. Mas mesmo nestas, em períodos de crise económica, é comum um jovem casal com dificuldades financeiras morar, mais ou menos tempo, em casa de um dos pais do casal, geralmente em casa dos pais da esposa no caso português.

2.1.9 A família nuclearComo vimos no início deste sub-capítulo, o conceito de família é muito impreciso dado poder subentender associações de parentes muito

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diferentes, segundo o locutor: indivíduos ligados pelo sangue, pelo casamento, pela adopção; ou também indicar pessoas pertencentes a uma determinada linhada importante.

O conceito de família nuclear tem uma maior precisão, dado corresponder à definição de um grupo irredutível de indivíduos co-residentes constituído pelos cônjuges e respectivos filhos solteiros (geralmente de mesmo sangue mas também eventualmente adoptados). Porém, este grupo está longe de ser universal, como também ser exclusivo do mundo ocidental moderno.

Mais ainda, o reconhecimento da família nuclear como base nas diversas formas de organização social apoiadas no parentesco, não é unânime e continua a ser objecto de debates controversos entre cientistas.

Com efeito, o grupo que constitui a família nuclear, designada ainda de restrita, conjugal ou elementar (os termos são inutilmente vários e atrapalham-se uns aos outros), não corresponde ao átomo do parentesco (ou elemento de parentesco) evidenciado por C. Lévi-Strauss para forjar a teoria da aliança, enquanto centro da organização social fundamentada no parentesco, como se viu anteriormente.

Num passado recente (e porventura ainda hoje em certos locais mais recônditos da Europa), no seio das sociedades ocidentais modernas onde a família conjugal é generalizada, foi igualmente possível observar este agrupamento associado a agregados mais vastos como a família extensa ou alargada. Contudo, na sociedade moderna actual, a família nuclear está a sofrer uma forte mudança, é menos exclusiva e encontra-se em crescente concorrência com outras formas de associação, como os casais de indivíduos de mesmo sexo (legitimados ou não pela sociedade) reivindicando inclusivamente a possibilidade de adopção de crianças.

De resto, é um facto que, na maioria das sociedades humanas, a família conjugal, monogâmica (na qual nenhum dos cônjuges está autorizado a ter simultaneamente outro cônjuge) e restrita, está associada a agregados mais vastos e complexos, tais como a família poligâmica (ou família composta), a família extensa, a família indivisa ou alargada.

A família nuclear deve ser distinguida do grupo doméstico devido a este corresponder, na sociedade camponesa, a uma unidade residencial, com funções de produção e consumo, onde nem todos os seus membros são aparentados dado que ao grupo de parentes está muitas vezes associado um certo número de trabalhadores agrícolas, entre outros.

Investigações históricas mostram que, em certas condições e por várias razões, os grupos familiares eram levados a associar-se entre eles e, muitas vezes, podiam incluir, de facto, membros estranhos ao parentesco. Em alguns casos, os estranhos associavam-se como se fossem irmãos ou mesmo como famílias conjugais aparentadas

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ficticiamente. As comunidades familiares reagrupavam também parentes e eram regidas sem contrato formal mas tácito – razão pela qual são chamadas comunidades tácitas. É também o caso da zadruga jugoslava9, formação agrícola constituída por famílias voluntariamente associadas na qual, tal como nas comunidades tácitas, o grupo doméstico tinha como elo central a residência e as refeições em comum.

A realidade da família poligâmica conduz à família composta, pelo facto de compreender o conjunto dos diferentes cônjuges e respectivos filhos.

Em contrapartida, a família extensa (extended family em inglês; famille étendue em francês) não corresponde à mera justaposição de várias famílias conjugais mas a um grupo de consanguíneos, aliados e descendentes, representando no mínimo três gerações co-habitando num mesmo local.

Na realidade, é a co-habitação de diferentes gerações e não o número de indivíduos que torna a família extensa diferente da família nuclear.

A família indivisa ou alargada (joint family em inglês; famille indivise ou élargie em francês) é um agregado relativamente diferente da família extensa, na medida em que apresenta uma configuração menos vertical e mais horizontal.

________________________________9 Esta forma de associação doméstica existia na planície panoniana da Jugoslávia (entre o Danúbio e a Ilíria).

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2.1.10 A herança e a sucessãoPorque se pode herdar sem suceder, os antropólogos distinguem a herança da sucessão. Na realidade são duas práticas muito diferentes. Para os antropólogos, a herança diz respeito aos bens – móveis e imóveis – que um indivíduo deixa após o seu falecimento e que deverão ser partilhados segundo determinadas regras em vigor na sua sociedade. Em casos extremos, as eventuais dívidas e outros deveres e obrigações a que um indivíduo se encontrava eventualmente adstrito, são elas também susceptíveis de serem endossadas aos respectivos herdeiros; porém, os deveres e obrigações cabem ser assumidos, geralmente, pelo sucessor. Com efeito, a realidade da sucessão difere da herança por não estar em causa a partilha de bens materiais mas a transmissão de estatuto – relativamente a direitos, deveres e obrigações – e de autoridade – relativamente à posição do autor da sucessão.

Um exemplo muito interessante desta distinção é descrito num trabalho etnográfico sobre a transmissão da propriedade agrícola no Alentejo. Neste, apresenta-se o caso de uma fratria de vários germanos em que apenas um deles é de sexo masculino. No momento da herança dos pais, todos foram herdeiros em partes iguais dos bens deixados, mas na sucessão da gestão da totalidade (nenhum herdeiro retira o seu quinhão do conjunto) foi eleito um único indivíduo que no presente caso foi o indivíduo de sexo masculino (o qual ficou com o encargo de no final da actividade agrícola dividir lucros e prejuízos em partes idênticas).

Como se pode facilmente entender, neste processo de devolução dos bens e de transmissão da sucessão, a ordem de nascimento também é importante.

Na maioria das sociedades, o sexo dos herdeiros é igualmente relevante, tanto relativamente à herança como à sucessão. Por exemplo, esta distinção de sexo é extremamente significativa do ponto de vista da herança e da sucessão no povo hopi.

Os bens do tio-avô materno são devolutos a uma sobrinha em forma de gado e culturas arvenses e uma parte destes pode ser igualmente herdada por uma filha da sobrinha. Em contrapartida, a sucessão nos estatutos do defunto, enquanto chefe político e figura religiosa do clã, é atribuída ao filho da sobrinha.

Se o processo de transmissão dos bens patrimoniais familiares releva geralmente da competência da família nuclear, em algumas situações a sociedade toma o direito de intervir, a fim de verificar a execução do seu

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sucessão

herança

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modelo de partilha. É o caso na nossa sociedade, aquando do estabelecimento de um “inventário de menores”, em que um órfão se encontra em concorrência com outros herdeiros à herança disponível e em particular com um dos seus progenitores e lhe é designado pelo tribunal um tutor exterior ao grupo de parentes.

Outro aspecto relevante, está relacionado com o facto da herança e sucessão não se realizarem forçosamente na sua totalidade no seio da família nuclear. Em algumas regiões de tradição do herdeiro principal o autor da herança pode designar um sobrinho para lhe suceder em detrimento de uma filha ou de um filho incapaz de dar continuidade à casa de família10.

2.2 O campo da antropologia política

2.2.1 A organização política das sociedadesO domínio da antropologia política é vastíssimo e a seu respeito existe uma literatura especializada bastante profunda e diversificada, reflectindo a história do seu desenvolvimento.

A este título, a organização política tem sido encarada como um dos eixos de investigação estruturante da vida das sociedades e ocupou desde cedo os antropólogos enquanto especialidade.

Naturalmente, todas as sociedades possuem uma organização política agindo a diferentes níveis: social, territorial, económico, militar, etc. Este facto, só por si, é suficientemente importante para interessar os antropólogos. Mas o fenómeno torna-se ainda mais relevante, se observarmos que as organizações políticas são muito diversificadas, e mais ou menos complexas, segundo o tipo de sociedade.

Todos os membros de uma sociedade estão sujeitos ao sistema político que a regula, embora nem todos participem, directa e especificamente, nos seus diferentes níveis enquanto particularmente responsáveis por um órgão de poder. No entanto, todos eles estão, de facto, implicados no sistema político, directa ou indirectamente, em posição dominante ou secundária, se considerarmos que um sistema político consiste numa rede complexa de relações sociais na qual se inscreve o binómio governantes/governados.

Nas pequenas sociedades, habitualmente estudadas pelos antropólogos, a organização social e a organização política estão intimamente interligadas. Em muitos casos, estes dois níveis relacionais sobrepõem-se nitidamente, pelo que não é de admirar que naquelas sociedades a organização política seja funcionalmente decalcada da organização parental, que o mesmo é dizer da organização social, visto também estas últimas se confundirem ou interpenetrarem profundamente.

Pode dizer-se que a antropologia política procura estabelecer a tipologia dos diferentes sistemas políticos existentes no universo,

________________________________10 Neste caso, todos são herdeiros mas o sobrinho é beneficiário de uma terça parte dos bens e sucede na exploração da totalidade da propriedade. O sistema funciona porque os herdeiros não desmantelam a unidade da propriedade, retirando as suas partes, e aceitam a eleição de um único sucessor para dar continuidade ao conjunto indiviso.

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estudando-os teoricamente um a um, para finalmente proceder à sua comparação. Não é, no entanto, seguro poder estabelecer-se facilmente a referida classificação tipológica e, sobretudo, evidenciar as correlações entre um determinado modelo político e as diferentes características da sociedade onde ela se aplica. Porém, apesar de tal, pode considerar-se, grosso modo, a antropologia política como a ciência que estuda e compara – apoiada em estudos etnográficos – as formas e modos de organização política. Todavia, a realização exaustiva deste quadro está longe de ser evidente, na medida em que a grande dificuldade do seu estabelecimento tipológico reside – como condição prévia – na definição precisa da noção de organização política, e em dever ter em conta toda a diversidade dos seus tipos.

2.2.2 A perspectiva de alguns antropólogosForam representantes da antropologia britânica e o americano L. Morgan os que inicialmente mais se interessaram pelo estudo da organização política, designadamente H. J. Maine, R. Lowie, A. R. Radcliffe-Brown, M. Fortes, E. E. Evans-Pritchard, com a particularidade destes dois últimos terem introduzido a noção de sistema político. Mais recentemente, e ainda na Europa, contribuíram com novas reformulações teóricas sobre os sistemas políticos,• os autores dinamistas M. Gluckman, G. Ballandier;• a importante corrente marxista representada por, entre outros, Y.

Copans, M. Godelier, E. Terray;• os estruturalistas J. Pouillon e E. Leach;• nos Estados Unidos, há a salientar os neo-evolucionistas como

M. Fried, L. Krader, M. Sahlins.

As preocupações iniciais dos antropólogos privilegiavam, na perspectiva evolucionista, a questão da origem do Estado e do direito. Mas se inicialmente foram colocadas muitas questões sobre a origem do Estado, depressa se chegou à conclusão que, independentemente das respostas, a existência deste não constituía a única possibilidade de organização política, tal como ficou demonstrado pelos antropólogos, ao revelarem múltiplas formas de organização social onde esta condição não tem realidade. É assim que H. S. Maine, em Ancient Law [1861], evidenciou, desde muito cedo, a existência de sociedades cuja organização política assenta no parentesco e não no território. Ou seja, a existência de sociedades sem Estado paralelamente a sociedades com Estado. Porém, se em muitas sociedades o parentesco fornece de facto o esqueleto que articula os mecanismos reguladores da gestão política, tal não significa também que, nas sociedades humanas, o mecanismo do parentesco seja o único sistema regulador político para além do Estado. Mais tarde, R. Lowie, em Primitive Society [1927], rejeitará todos os esquemas evolucionistas que envolviam a questão da origem do Estado, e às sociedades fundadas na organização parental acrescentou outros tipos: as organizações fundadas nos grupos etários, na idade e no sexo.

Na última década de trinta, as preocupações sobre as origens do Estado deram lugar à perspectiva funcionalista inicial que concentrava a sua atenção nos mecanismos da ordem e da coesão social, ao serviço da qual se encontraria naturalmente a organização política. Neste quadro teórico finalista, a questão das tensões e conflitos políticos assim

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como a estratificação desigual dos grupos não podia ser evidenciada. A partir da década de cinquenta, o fim dos colonialismos impõe a realidade do movimento histórico social de emancipação dos povos colonizados, ao formalismo anterior. Pela mesma altura, o estruturalismo abstrai-se, como noutros domínios, dos aspectos formais privilegiados pela análise funcionalista e propõe-se estudar sobretudo os sistemas políticos como processos complexos de acção política.

Foram, de facto, H. J. Maine [1861] e mais tarde L. H. Morgan [1877], os primeiros a evidenciar o facto dos laços de parentesco constituírem a arquitectura social das sociedades sem Estado. Nestas condições, estudar o parentesco é, como se pôde antever no sub-capítulo anterior, abrir caminho para penetrar nas múltiplas dimensões do social e em particular nas formas políticas das sociedades de pequenas dimensões, assim como nos mecanismos da acção política das sociedades em geral.

Em relação às sociedades sem Estado, M. Fortes e E. E. Evans-Pritchard confirmavam, no seguimento de autores anteriores, que estas se subdividiam, por sua vez, em• pequenas sociedades nas quais a organização política e a

organização do parentesco são decalcadas uma da outra e• sociedades nas quais a organização política corresponde ao

modelo da organização linhagística.Contudo, esta subdivisão revelou-se ser nitidamente insuficiente, na medida em que os princípios reguladores políticos da sociedade podem ser ainda outros: por exemplo, as classes etárias ou vários factores simultaneamente, como já referira R. Lowie [1927].

Os antropólogos apresentam hoje um quadro dos sistemas políticos que, embora não sendo exaustivo, permite orientar as investigações e afiná-lo, enriquecendo-o à medida das novas complexidades observadas.

Do ponto de vista tipológico, Fortes e Evans-Pritchard [1940] salientaram três grandes modelos de organização política:1) as sociedades de dimensões muito reduzidas em que a estrutura

política se funde completamente na organização parental, na medida em que ela abarca o conjunto das relações de parentesco da totalidade do grupo;

2) as sociedades linhagísticas, onde a organização política se modela na linhagem reflectindo uma estreita coordenação entre os dois sistemas, os quais conservam porém a sua distinção e autonomia;

3) as sociedades com Estado cuja organização se apoia num aparelho administrativo, etc.

Estas últimas, contrariamente às primeiras, são ditas assim por possuírem um governo e aparelho administrativo especializados, um aparelho judicial, agentes de administração política, etc..

Em relação às duas primeiras categorias de organização política, observa-se, como já foi referido, uma diversidade que se pode resumir nas seguintes formas principais:

a) o bando: a primeira das organizações políticas corresponde às sociedades dos grupos caçadores e recolectores, como por exemplo os bosquímanes da região desértica do Calaari (Sudoeste africano), os aborígenes australianos, etc. No bando, os direitos

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são iguais entre indivíduos ao ponto da distinção sexual não constituir uma diferença funcional. As transgressões são reprimidas essencialmente pelo afastamento do infractor do grupo. Mesmo as transgressões mais graves raramente são punidas com a pena de morte.

b) A organização linhagística: existem outros grupos de caçadores e recolectores cuja base política vai mais além da unidade da família extensa. São sociedades onde o poder é difuso, e que certos autores apelidam de sociedades “anarquicamente controladas”. Na organização política linhagística, a legitimidade de pertença a um grupo e o direito ao seu território são definidos pela ligação ao ancestral fundador do grupo.

A estes tipos de organização foram acrescentados outros modelos como, por exemplo os sistemas baseados exclusivamente na organização segundo os grupos de idade.

Outro aspecto considerado, como característica de determinados sistemas políticos, segundo Radcliffe-Brown [1940], são as diferentes formas estruturais de desigualdade política , evidenciadas nas pequenas sociedades, com base, por exemplo, na idade e no sexo. A forma de governo pelos mais velhos é uma forma de organização política muito corrente em muitas das sociedades estudadas pelos antropólogos.

Na sua perspectiva estrutura-funcionalista, ele considera que se este equilíbrio for perturbado a sociedade reagirá em vários sentidos possíveis podendo conduzir à sua renovação ou ao estabelecimento de um novo equilíbrio.

Segundo o mesmo autor, um sistema político pressupõe um conjunto de relações entre grupos, organizados na base do parentesco ou do território, enquanto sistema de equilíbrio social. Este sistema de equilíbrio não seria outra coisa senão o resultado de uma relação de forças no interior da sociedade.

Quanto ao Estado, Radcliffe-Brown diz ser este comummente apresentado como uma entidade superior aos indivíduos, dotado de soberania sobre estes, mas que na realidade não passa de uma mera ficção de filósofo no contexto das pequenas sociedades habitualmente estudadas pelos antropólogos, onde esta abstracção não existe: “O que existe é uma organização, quer dizer um conjunto de seres humanos ligados por um sistema complexo de relações. No interior desta organização, indivíduos diferentes têm papéis diferentes. Alguns, como os chefes ou os anciãos, capazes de darem ordens que serão acatadas, como os legisladores ou os juízes..., estão em posse de poderes especiais e encontram-se investidos de uma autoridade. Nada é parecido com os poderes do Estado, na realidade existem unicamente poderes emanando de indivíduos: reis, principais dignatários, magistrados, polícias, chefes de partidos e eleitores. A organização política da sociedade não é mais que a parte da organização social assumindo o controlo e a regulamentação do recurso ao constrangimento físico”.

Nas sociedades ocidentais, bem organizadas, o eventual recurso coercitivo com o objectivo da manutenção da ordem pública, é exercido por forças especializadas. No âmbito externo, as relações com outras

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sociedades são geridas por protocolos de defesa do interesse comum interno.

2.2.3 O EstadoComo foi referido anteriormente, uma questão importante que preocupou os antropólogos foi a origem do Estado. M. Fortes, E. E. Evans-Pritchard [1940] colocaram a questão de saber se a existência ou ausência de Estado estaria relacionada com a demografia ou a densidade populacional num determinado território ou, ainda, com o modo de viver.

Uma das características do Estado consiste em poder exercer um controlo coercitivo sobre os seus membros assim como nas suas relações com outras sociedades, como já foi referido mais atrás. Na Europa, e de modo geral no resto do mundo ocidentalizado, estamos habituados a reconhecer as formas clássicas de Estado. Mas, por exemplo, no continente africano tradicional, em certos reinos, podia observar-se diferentes formas de forte organização política, como, por exemplo, no reino kuba do Zaire organizado em torno de chefaturas com chefes nomeados pelo rei. Noutros, como no Daomé, os chefes nomeados pelo rei estavam sujeitos a um controlo de delegações enviadas pelo poder supremo real.

O Estado não se confunde com um governo, o qual não é mais do que uma das suas componentes principais. No caso português, é consensual dizer-se que, por razões históricas profundas, Estado e Nação formam um todo confundido. Espanha é de toda a evidência um Estado multicultural, heterogéneo do ponto de vista regional, composto por várias regiões-nações: catalã, galega, basca, etc. Para além destas características, estão sobretudo, algumas delas, animadas de um certo espírito de separação em relação ao poder central espanhol, a fim de se constituírem em Estados-nações independentes. A dimensão geográfica do país não parece constituir uma explicação para a referida heterogeneidade. A longa duração, também não parece ser uma explicação para a existência destes Estados imperfeitos. De facto, tanto a França como Espanha são países antigos; enquanto em Itália, cuja unidade actual é muito recente, os movimentos centrífugos em relação ao poder central não parecem ter, pelo menos até agora, grande expressão.

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3. O estudo das morfologias sócio-espaciais3.1 Uma proposta de estudo das morfologias

rurais europeiasA presente proposta metodológica inscreve-se no panorama da etnologia das sociedades rurais, como uma das suas múltiplas áreas de conhecimento. A concretização deste panorama científico, grosso modo em torno do universo plural camponês e rural, articula-se fundamentalmente à volta de dois aspectos estruturantes: os sistemas de parentesco e os sistemas agrários. Apesar da presente reflexão e correspondente exemplificação se apoiarem, por razões de precisão metodológica, no domínio português, não deixa de pretender ser válida para as sociedades rurais e camponesas em geral.

Outra das insistências aqui feitas consiste no método de observação e análise antropogeográfica (à qual Marcel Mauss prefere, por certas razões, o termo de morfologia social [1973: 394] dando-lhe contudo um sentido distinto), como modo de aceder à lógica interna de funcionamento das pequenas comunidades de economia agrária.

A importância deste género de investigação prende-se com o facto do processo subjacente de cristalização e configuração material, dos diferentes aspectos socioculturais locais, ser susceptível de evidenciar a lógica interna aldeã. A finalidade última desta abordagem liga-se com o objecto essencial da antropologia, como ficou claro ao longo deste livro, e que não é tanto evidenciar características sociais particulares, mas sobretudo tentar realçar relações do maior alcance geral possível, a partir de uma problemática prévia.

Deste ponto de vista, contrariamente ao que poderá eventualmente sugerir o que foi dito até aqui, a referida problemática não deverá ser entendida como tendo por principal finalidade o estudo de tipologias agrárias e de parentesco, nem de tipologias – eventualmente existentes – resultantes de uma relação automaticamente concomitante entre elas. Deverá, ao contrário, ser entendida como um ponto de partida metodológico para a compreensão da organização social aldeã, graças à possibilidade de leitura da materialização de fenómenos sociais mais ou menos profundos – como os sistemas de parentesco – em formas especiais concretas – como as que resultam das estruturas agrárias e dos diferentes suportes técnicos que lhes estão associados.

Assim a estratégia metodológica é duplamente interessante, pois permite observar no espaço fenómenos subjacentes, dificilmente detectáveis, ao mesmo tempo que deixa perceber os mecanismos da sua manifestação e eventual inter-relação. De facto, a procura de correspondências entre os sistemas de parentesco e agrário autoriza o acesso aos fundamentos sociológicos das sociedades camponesas/rurais, dado ser razoável pensar haver efectivamente relações estruturais entre ambos os sistemas – embora segundo graus variáveis a evidenciar – e serem, por esta razão, susceptíveis de revelar o seu fundamento social global.

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C. Lévi-Strauss confirma a possível existência de estreitas correlações entre sistema social e ordenamento social do espaço território quando refere que estas “(...) podem existir entre a configuração espacial dos grupos e as propriedades formais que dependem dos outros aspectos da sua vida social” [1985: 320].

Esta afirmação reforça a opinião de que a cristalização das propriedades do sistema social no espaço, pode ser procurada nas morfologias espácio-sociais aldeãs (nas paisagens sociais) e em particular nas estruturas agrárias, dependentes das suas relações de interdependência com os sistemas de parentesco.

Com efeito, o parentesco, nas suas diversas manifestações, designadamente na forma de parentela, ou de residência – como o grupo doméstico vivendo sob um mesmo tecto, com funções de solidariedade, produção e consumo –, oferece um meio de observação e compreensão das diferentes incidências do sistema social sobre a organização do espaço, dado ser simultaneamente uma emanação e uma parte constitutiva e essencial desse mesmo sistema.

Por seu turno, a estrutura agrária, como manifestação de uma actividade económica fundamental, é capaz de reflectir concreta e simbolicamente as relações do uso social que é dado ao território aldeão.

O pressuposto parte do princípio de que o espaço natureza é susceptível de ser transformado segundo certos modelos sociais e culturais (económicos, identitários, simbólicos) de um dado grupo e que estes imprimem certas configurações significativas à paisagem. A configuração espacial pode espelhar mais ou menos o sistema social do grupo ou, pelo contrário, responder a representações que não lhe são correspondentes, ou a representações de modelos exógenos ao grupo. Mas seja qual for o caso, e mesmo quando o quadro espacial reflecte efectivamente o social do grupo, a sua incidência parece não ser total mas parcial. A incidência tende, no entanto, a fazer-se através de elementos significativos do sistema o que consente pensar que mesmo quando o todo não se encontra totalmente materializado no espaço, age pelas propriedades parciais activas do todo, conforme foi possível observar numa aldeia da Beira-Baixa [Dos Santos: 1992].

Resumindo, as correlações referidas poderão ter um carácter estrutural ou resultarem de representações que não subtendem o sistema local mas que, em qualquer das circunstâncias, são potentes factores de acção social, quer no sentido da resistência à mudança, quer da própria mudança, face a influências exteriores.

Nestas condições, as relações de menor ou maior interdependência entre estas sociedades locais com o universo urbano envolvente – imediato e nacional – deverão ser igualmente consideradas para avaliar o grau de intensidade das influências exógenas e tentar perceber o tipo de distância – se existir – entre a representação do social e esse mesmo social.

Na realidade, pode acontecer não haver correspondência entre estes dois níveis, e no caso de não existir será interessante conhecer as razões de representações não correspondentes à prática social.

A importância metodológica do estudo dos sistemas de parentesco e agrário advém ainda do facto destes serem sistemas básicos e sempre presentes em qualquer sociedade camponesa/rural, o que lhes confere características de universalidade.

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Deste modo, a universalidade da associação destes dois sistemas, seja qual for a área geográfica e cultural do seu estabelecimento, coloca o seu estudo numa posição estratégica do ponto de vista comparativo.

C. Lévi-Strauss é da mesma opinião quando, na obra já citada, justifica o fundamento da perspectiva comparativa deste género de investigação ao interrogar-se se “(...) não haverá qualquer coisa de comum a todas elas [sociedades] – tão diferentes aliás – onde se constata uma relação (mesmo obscura) entre a configuração espacial e estrutura social?” [ibid: 321], ao mesmo tempo que sublinha a importância teórica e metodológica da questão ao afirmar que se “(...) possui assim o meio de estudar os fenómenos sociais e mentais a partir das suas manifestações objectivas, sob uma forma exteriorizada e – poder-se-ia dizer – cristalizada” [1985: 321].

Assim, do ponto de vista heurístico, a proposta de estudo simultâneo do sistema de parentesco e do sistema agrário, funda-se, como já foi dito, não só no facto de tanto um como o outro serem factores intervenientes muito significativos na lógica global do sistema social local como também por serem, ao mesmo tempo, comuns a qualquer sociedade camponesa. Porventura poderão não ser os únicos nestas condições, mas a evidência desta característica, no presente caso, concede-lhes a máxima importância estratégica do ponto de vista comparativo.

3.1.1 A estruturação dos elementos do parentesco

A importância do parentesco neste género de investigação é realçada à luz da incidência das suas propriedades básicas e respectiva intervenção dos seus mecanismos nos múltiplos aspectos da vida social camponesa.

Inicia-se o seu estudo propriamente dito pela abordagem do método de análise das terminologias, a fim de relacionar os termos de parentesco entre si nas suas oposições binómicas, para tentar perceber o conteúdo das relações jurídicas que lhes estão subjacentes. Um caso de não-reciprocidade, pode ser a idade relativa entre primos da mesma geração, levando também um tratar por você e o outro a tutear.

Ora, a reciprocidade ou não-reciprocidade de uma relação de parentesco é importante para o conhecimento do carácter jurídico do conteúdo das relações uma por uma, a fim de completar o quadro dos termos de parentesco e o seu significado no âmbito da lógica interna de uma nomenclatura.

De facto, os termos de parentesco não devem ser unicamente comparados nas suas oposições binómicas, devem igualmente ser observados em relação ao conjunto da nomenclatura e considerados do ponto de vista dessa totalidade, enquanto sistema.

A análise do significado destas relações, expressas através das terminologias, é realizada seguindo uma metodologia própria, cujas variáveis a ter em consideração são numerosas, implicando o seu estudo transversal uma certa complexidade. Porém, no âmbito desta disciplina, são ministrados unicamente os meios necessários para uma primeira abordagem das nomenclaturas europeias e em particular da terminologia portuguesa padrão, assim como das suas variedades locais.

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É de referir ainda, do ponto de vista metodológico, que, na análise, para além de se distinguir terminologicamente a consanguinidade da aliança, deve procurar-se ainda a expressão linguística das relações parentais segundo os contextos de utilização: na referência e no tratamento directo, consoante o contexto familiar e extra-familiar. Por outro lado, como os termos de parentesco podem indicar e constituir categorias de parentes de igual ou diferente nível genealógico, é necessário isolar estas últimas para as poder analizar pormenorizadamente e inter-relacionar do ponto de vista da totalidade do vocabulário parental.

A análise de uma nomenclatura implica igualmente que as relações de parentesco devam ser medidas segundo um determinado método de cômputo dos graus genealógicos ou outras formas métricas de medição. É provável que se tenha de recorrer a um dos diferentes modelos de contagem dos graus genealógicos: essencialmente o cômputo romano (dito ainda cálculo civil) mas também o canónico, para realizar certas medições genealógicas e proceder à sua confrontação com o sistema de contagem local português consoante uma das suas variantes locais, ou ainda para interpretar alguns documentos notariais e registos paroquiais (obviamente, o sistema germânico antigo fica de fora no contexto português, assim como os modelos comuns inglês, o “common degree”, e francês que não são aqui abordados).

Uma vez estabelecido o conhecimento de uma nomenclatura, é possível passar à reconstituição das genealogias e iniciar assim o estudo do sistema de filiação.

Para determinar o tipo e grau de interdependência – variáveis segundo o tipo de sociedade em causa – entre os dois níveis sociológicos, procurando os elementos de inter-relação, é necessário evidenciar o modo como se define a pertença ao grupo de parentesco, segundo o tipo de filiação. É igualmente necessário evidenciar os contornos que delimitam a parentela e a sua subdivisão em grupos operatórios de parentes, de modo a fazer sobressair o tipo de relações determinantes no contexto deste grupo de parentes alargado e os seus efeitos no espaço.

Neste sentido, o estudo do modo de atribuição do apelido, que se realiza no seio do grupo mais restrito e identifica as linhadas11 diferenciando-as, permite compreender – designadamente no caso das sociedades rurais/camponesas europeias – o sistema de filiação e, por seu turno, através deste, identificar as suas ramificações recorrentes com a organização agrária. Para esta compreensão, concorre igualmente a identificação do modo de transmissão dos bens patrimoniais que, emboar não defina um tipo de filiação, é, em muitos casos, paralelo ou mesmo correlativo ao modelo de atribuição do apelido.

Por exemplo, nas regiões onde se praticava a partilha preciputária (com doação da terça) – nas quais a função do prenome na comunidade perdia alguma da sua importância – o apelido do ancestral fundador da casa sobrepunha-se ao apelido pessoal – que também se esbatia – e

________________________________11 O termo linhada é uma tradução directa da palavra francesa lignée, introduzida por mim no livro Heranças [1992] para descrever, volto a lembrar, a seguinte realidade: segmento de linhagem englobando uma sucessão de indivíduos aparentados, em linha recta ou colateral, por uma relação com um mesmo ancestral comum, seja qual for a regra de filiação.

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imprimia a sua marca no espaço ao longo das gerações. Assim, nestas regiões, certos apelidos – sob a forma de nomes de casas – tinham uma forte incidência no espaço e na longa duração, manifestando-se designadamente sob a forma toponímica de delimitação e de identificação dos patrimónios, em lugar do nome dos indivíduos que não deixavam marcas ao longo do tempo.

As diferentes zonas identitárias são por natureza espaços geográficos e parentais de exclusão ou de inclusão da procura privilegiada do cônjuge ideal.

Em tão poucos aspectos como este é possível delimitar fronteiras nítidas de área cultural, como é o caso da atribuição do nome de família.

Do ponto de vista do contexto aldeão português, a questão revela-se mais complexa, visto terem sido detectados usos muito diferentes do praticado no registo civil padrão – o que parece não acontecer de forma tão diversa noutros países.

No entanto, apesar da forma observada na aldeia dos Chãos (concelho do Fundão) ser (do ponto de vista consuetudinário) provavelmente muito mais corrente no país do que se pensa, foi possível constatar na aldeia da Pena, no concelho de São Pedro do Sul, onde existe a prática da instituição da casa (prática de herdeiro principal e sucessor único), uma forma oposta, próxima da transmissão patrilinear do nome de família relativamente ao herdeiro principal e sucessor único. Diga-se, no entanto, que a referida aldeia se encontrava até há pouco tempo em situação de grande isolamento geográfico e, ainda hoje, é de acesso difícil. Pela sua posição geográfica particular, a aldeia da Pena representa certamente um conservatório – cristalizado pelas condições do seu isolamento – de características sociais e culturais singulares, mas muito provavelmente significativas de uma área geográfica mais alargada, dado fazer parte de um sistema social de montanha e neste ser o núcleo mais excêntrico do conjunto.

As parentelas, como instrumento de análise da configuração do universo parental efectivo e da subdivisão em diferentes categorias operatórias de parentesco a que estão sujeitas – tais como família chegada, afastada, etc. –, permitem avaliar a operacionalidade diferencial destes subgrupos no contexto da globalidade do parentesco e da sociedade local.

A aliança matrimonial deve ser considerada do ponto de vista endógamo e exógamo relativamente ao grupo parental para, entre outros aspectos, detectar o grau de consanguinidade dos casamentos assim como a taxa de uniões entre primos germanos. A aliança deve ser igualmente estudada considerando a endogamia e exogamia local dos casamentos, a fim de delimitar as características e extensão da área geográfica matrimonial. De facto, a área de endogamia matrimonial é reveladora da extensão da influência sociocultural de determinado grupo e definidora de identidade local, regional e “étnica”, facilmente detectável graças à circulação dos apelidos, como já foi referido.

Como elemento importante de estruturação social do espaço, o tipo de residência matrimonial que pode resultar de uma regra cultural explícita ou ser influenciada por factores económicos, tem um papel determinante que também deverá ser atentamente estudado. Este aspecto é tanto mais importante quanto é interessante verificar em Portugal a existência

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de alguma variedade residencial como expressão de fortes modelos culturais residenciais, alterados, porém, em certas circunstâncias conjunturais, por constrangimentos económicos que se impõem aos cônjuges.

Actualmente, a prática mais corrente é certamente aquela que os antropólogos designam de residência neo-local – praticada sobretudo nos meios urbanos – ou seja, quando os cônjuges residem numa moradia distinta da dos pais.

Na prática, a residência neo-local realiza-se facilmente quando os dois cônjuges são naturais de uma mesma localidade. Mas o caso muda de figura quando são originários de locais diferentes e obrigados a optar por um destes (patri ou matrilocalmente) para estabelecer a residência matrimonial, independentemente de, uma vez o local escolhido, se estabelecerem de forma neo-local. Assim, para o observador, o ponto de vista a considerar é duplo: endolocal e exolocal, para além de outros factores a ter em conta, o que é susceptível de introduzir uma certa variedade.

É revelador da diversidade residencial, o já referido exemplo de patrilocalidade da aldeia da Pena, sejam ou não ambos os cônjuges originários da localidade.

Mais notável é o tipo de residência relatado por B. O'Neil [1984] em Fontelas (Trás-os-Montes). Neste exemplo, a residência dos cônjuges é – ou pelo menos assim era na época do estudo – natolocal, conjugada a uma inflexão matrilocal durante períodos mais ou menos longos, segundo os casos.

O tipo residencial deverá ser analisado estatisticamente para verificar a eventual existência de tendências dominantes – na ausência de regras explícitas – e eliminar os factores aleatórios individuais de carácter puramente económico fazendo emergir os factores sociais subtendentes ao tipo de residência matrimonial dominante.

Numa relação de maior ou menor interdependência com o tipo residencial, a transmissão da herança e sucessão na gestão dos bens fundiários são porventura dos fenómenos com a mais forte e concreta inscrição no espaço, ao fixar certos indivíduos à terra e libertando outros, segundo modalidades cristalizantes em configuraçãoes espaciais efectivas, de significativa visibilidade para o observador.

Estas regras apresentam alguma variedade que muito provavelmente não serão uma mera emanação exclusiva do sistema de parentesco, mas serão igualmente condicionadas por determinadas condições exteriores a este e capazes de influenciar, por sua vez, a sua lógica. No caso particular do sistema fundiário, as condições geográficas com as quais o sistema de parentesco tem de interagir, são numerosas e parecem ter algum papel determinante na definição das regras de divisão dos bens, segundo se trate de terras de planície ou de montanha, mais ou menos aráveis, irrigáveis ou não, mais ou menos abundantes, etc.

Assim, em relação à diversidade dos modos de transmissão da herança em Portugal – embora esta fosse mais acentuada no passado – o contraste situa-se essencialmente entre a partilha ab intestat (sem

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testamento e igualitária) e a partilha preciputária (com doação da terça e desigual). A sul do Tejo a situação é ainda pouco clara dado haver uma maior insuficiência de investigações sobre o assunto.

Na citada aldeia da Pena, os actuais habitantes serão provavelmente uns dos últimos representantes de uma organização social camponesa fundada na divisão desigual dos bens: pela doação da terça (em vida ou por testamento) em benefício de um herdeiro principal – geralmente em linha primogénita masculina ou, em alternativa, a “quem melhor merecer” –, seguida da conservação por este da totalidade dos restantes bens da divisão – por, em troca de tornas, os co-herdeiros não exigirem as suas fracções quando deixam a casa – e da sua exploração e gestão mesmo quando os restantes herdeiros ficam solteiros a viver com o irmão chefe da casa. No exemplo referido, outro ponto de estrutura reside na manutenção da identidade da casa patrimonial ao longo das linhadas domésticas, representadas pelos respectivos sucessores, e na regra da residência patrilocal, segundo a qual as esposas vão residir com os maridos para a aldeia destes. A composição dos membros de uma casa não corresponde à família nuclear; várias gerações coabitam, para além do facto dos irmãos, geralmente os mais novos, ficados solteiros, viverem e trabalharem com o irmão herdeiro da casa patrimonial.

Trata-se de uma definição clássica de sistema de parentesco cuja relação com a vida social – no caso das sociedades locais europeias – é possível evidenciar e obter desta forma os meios para perceber o funcionamento da sociedade em causa assim como, pela mesma ocasião, aceder às razões de certas causas e efeitos relativamente à incidência dos sistemas de parentesco nas relações entre sociedade local e sociedade englobante.

3.1.2 A estruturação dos elementos dos sistemas agrários

Como foi anunciado no início do presente projecto metodológico, proponho-me agora apresentar alguns tipos de configurações espaciais de estrutura e de paisagem agrárias, como exemplos de uma maior ou menor correlação destas com o sistema social induzido do parentesco.

Para tal, apresento o quadro clássico da tipologia agrária – estudada pelos geógrafos e historiadores agrários – correspondente aos diferentes sistemas sociais que lhes estão subjacentes e representativa de determinadas modelagens sociais do território habitado e respectivas paisagens.

Relativamente ao conceito de paisagem, aproveito a ocasião para incidentemente referir que este deve ser entendido no sentido de realidade física, resultante do ordenamento social do espaço, cuja configuração é objectivada e interpretada (sociologicamente) por um observador exterior ao grupo e não na sua inatingível realidade autónoma nem, obviamente, na perspectiva de recriação de uma visão estética de paisagem, variável segundo os indivíduos e as culturas, e significativamente mais subjectiva. De facto, como refere G. Lenclud [1995], quem estaria em condições de dizer que uma determinada realidade física é na sua factualidade bruta, não olhada, independentemente de um esquema conceptual fixando

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convencionalmente, mas não arbitrariamente, o que há exactamente de factual nela e que poderia supostamente escapar à acção deformante de qualquer olhar? É um facto que, na realidade, o fenómeno de paisagem observado só tem de tangível a construção que o esquema conceptual fixado pelo etnólogo permite objectivar e graças a ele o torna inteligível.

Mas naturalmente, também a utilização agrícola ou sistema de cultivo constitui um dos elementos essenciais de configuração da paisagem agrária. Não sendo desprovido de significado que se semeie trigo ou pasto, que se lavre ou cave manualmente, que se lavre no sentido das curvas de nível ou indiferentemente, que as culturas se repitam ou alternem, que se pratique pousio (segundo diferentes tipos possíveis) ou não, que se plantem árvores ou não, que estas sejam plantadas em pleno campo ou nos seus limites.

Os modos de relação entre campos cultivados, como elementos de morfologia sócio-espacial, são susceptíveis de revelar estruturas mentais e sociais contrastadas. Desde logo, a disposição de todos os elementos e respectivas relações que ordenam no espaço paisagens agrícolas diferenciadas – cuja variedade reflecte naturalmente diferentes modos de vida social – são interessantes para a análise etnológica na medida em que expressam sistemas sociais particulares e revelam diferenças entre si sempre significativas.

Na óptica delineada, o espaço camponês/rural no qual o processo social local se realiza (evidenciando uma forma particular de organização, da qual fazem inclusivamente parte as diversas configurações características desse processo), confirma uma vez mais ser um terreno privilegiado de observação da potencial incidência das relações de parentesco e das organizações familiares nas formas materiais que tomam no espaço. Esta incidência – cujos vários graus de intensidade são finalmente o objecto do presente assunto – é susceptível de modelar, mais ou menos marcadamente, a paisagem segundo o tipo de produção agrícola, as técnicas utilizadas e inclusivamente o género de suportes materiais, tais como máquinas agrícolas antigas ou modernas, etc.

Assim, o espaço aldeão, na sua componente agrícola, deve ser abordado metodologicamente segundo um plano de observação específico, convergindo do mesmo modo que o sistema de parentesco para evidenciar a morfologia social.

Para além dos grandes tipos de organização agrária – como o openfield e o bocage12 – e de estabelecimento habitacional – como o habitat concentrado e o habitat disperso – que se impõe conhecer, a atenção deverá concentrar-se muito particularmente nas formas derivadas ou intermédias destes tipos de organização agrícola e nas novas formas sociais de vida no espaço rural.

________________________________12 Tanto openfield como bocage são termos consagrados em geografia agrária. A palavra inglesa openfield significa literalmente campos abertos mas na realidade ela pressupõe uma forma de organização agrária específica aos campos abertos. Inversamente, a palavra francesa bocage significa que se trata de uma paisagem de campos cercados mas igualmente de uma organização social correspondente. Nestas condições, estes dois conceitos contêm uma ambiguidade, à qual se deve dar atenção, na medida em que podem significar formas de organização agrária ou simplesmente campos abertos ou fechados.

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Existente num passado relativamente recente, o openfield opunha-se ao bocage geograficamente (pelo contraste entre os openfields das planícies da Europa central e os bocages do oeste europeu) e pelo facto de corresponderem a duas grandes organizações agrárias e sociais muito diferentes que podem ser definidas da seguinte maneira:

O primeiro, caracterizava-se por uma paisagem agrícola de campos abertos, sem cercadura, dispostos em forma estelar à volta de um habitat concentrado. A alternância das culturas, geralmente trienal (em certos casos podia ser quadrienal), fazia-se segundo uma divisão do finage13, ou de uma das partes do finage, em 3 folhas:1.ª destinava-se ao trigo ou ao centeio;2.ª destinava-se a um cereal de Primavera, aveia ou cevada;3.ª ficava em pousio.

Ninguém era livre de trabalhar nos campos antes de uma decisão colectiva, como também ninguém era livre da escolha das culturas praticadas. O pousio era forçado.

Embora neste sistema os indivíduos estivessem sujeitos a constrangimentos colectivistas, estes não pressupunham, apesar de tal, a repartição igualitária dos meios de produção agrícola.

É fácil observar em Portugal, do estrito ponto de vista da configuração espacial (não da organização social típica), a paisagem agrícola de tipo openfield, como por exemplo no caso do Alentejo, a qual se opõe, grosso modo, à actual paisagem de bocage minifundiária mais comum no norte do país. Inversamente, existirão isoladamente, em certas zonas, algumas das práticas típicas do openfield, inclusivamente onde o sistema cedeu o lugar a uma organização de tipo bocage. Por exemplo, o pascigo colectivo com pastor comum, em regime de vezeira14, embora de facto nestas zonas a sua prática não esteja sequer associada actualmente a uma paisagem de openfield.

Os aspectos referidos, são alguns exemplos de práticas próprias de uma lógica comum a várias sociedades locais que não convém isolar do contexto da sua organização social, para não correr o risco de invocar em vão particularismos (que nada têm de particular quando vistos à luz da metodologia comparativa) tão caros à etnografia portuguesa.

A segunda grande paisagem, o bocage, caracteriza-se essencialmente pela existência de campos fechados, segundo diferentes tipos de cercadura – plantadas (sebes diversas), construídas (taludes, muros) ou ambas (sebes, taludes e muros).

Sendo a propriedade individual no caso do bocage, existe, por consequência, uma total ausência de constrangimentos de trabalho colectivos e, inversamente, um individualismo exacerbado.

A paisagem de bocage e, de certo modo, a própria organização social correspondente, é comum em Portugal e pode facilmente ser observada no norte do país, em particular. No entanto, na realidade, esta apresenta-

________________________________13 O finage corresponde à palavra francesa que significa o território agrícola de uma comunidade local. Naturalmente, o finage não pertence enquanto tal à comunidade no seu todo mas aos seus membros individualmente que podem alienar os seus direitos de propriedade a indivíduos não pertencentes ao local. Assim o finage define unicamente um território agrícola junto do qual se estabeleceu uma população em vista de o explorar economicamente e sobre o qual ela exerce determinados direitos.14 Ver designadamente a região do Barroso, segundo Jorge Dias, 1981.

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se raramente de forma pura, evidenciando, na maioria dos casos, no seio de grandes campos fechados, aspectos paisagísticos de openfield. A situação actual resulta de mudanças históricas que levaram a modificações de organização do espaço agrícola. A leitura destas mudanças pode ser feita no terreno (auxiliada por fotografias aéreas) e induzir algumas conclusões interessantes relativamente às morfologias espácio-sociais anteriores.

Espaço físico, território e morfologia espácio-social, são conceitos que definem, obviamente, realidades muito diferentes para as quais se chama a atenção.

O espaço físico apresenta-se segundo diferentes dimensões: aéreo, ecológico terrestre, marítimo, etc., e em diferentes escalas de acessibilidade para o ser humano.

Como tal, o espaço físico deve distinguir-se teoricamente do território que é um espaço físico investido por excelência pelo homem como área geográfica de actividade económica e política. O território é portanto um espaço de acção social e como tal de representações de pertença e de referência identitária: local, parental, de área endogâmica matrimonial, patronímica, regional, étnica, nacional.

Quanto à morfologia social que tem como suporte o espaço ecológico e o território social ocupado nas suas diferentes escalas, define-se segundo M. Mauss [1950: 389] pelo “substrato material das sociedades, quer dizer a forma que estas afectam quando se estabelecem no solo, o volume e a densidade, a maneira como é distribuída, assim como o conjunto das coisas que servem de lugar à vida colectiva”.

A expressão “morfologia social” foi criada por Durkheim, aquando da inauguração de uma nova secção na revista L'Année sociologique onde referia a propósito o seguinte: “A vida social repousa sobre um substrato que está determinado tanto na sua forma como na sua dimensão. O que o constitui, é a massa dos indivíduos que compõem a sociedade, a maneira como estão dispostos no solo, a natureza e a configuração das coisas de todas as espécies que afectam as relações colectivas. Segundo a população é mais ou menos considerável, segundo está concentrada nas cidades ou dispersa no campo, segundo a maneira como as cidades e as casas estão construídas, segundo espaço ocupado pela sociedade é mais ou menos extenso, segundo aquilo que são as fronteiras que a delimitam, as vias de comunicação que a percorrem, etc., o substrato é diferente” [1899: 520].

Assim, no domínio específico das estruturas agrárias, a paisagem é, como já vimos, muito importante para a observação da relação entre morfologia social e sub-sistema social induzido pela estrutura do parentesco. A sua análise deverá compreender particularmente o estudo das formas que os campos apresentam, dado serem fortes indicadores do modo de partilha dos bens patrimoniais familiares e dos mecanismos sociais que lhes estão subjacentes.

Por outro lado, como as formas dos campos estão relacionadas com as suas dimensões, estas informam globalmente não só sobre a organização social do minifúndio, da grande propriedade e do latifúndio, mas também – de modo mais preciso – sobre o grau de atomização da

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propriedade, a taxa de casamentos consanguíneos e, muito em particular, sobre os casamentos entre primos germanos.

Deste modo, o estabelecimento de um calendário agrícola é de uma importância fundamental para poder perceber a articulação entre elementos de estrutura agrária referidos e o sistema social correspondente, sabendo-se de antemão que nele se inscrevem os diferentes ciclos sociais anuais. Como se sabe, é corrente que em caso de mudanças extremas de clima haja anos em que estas podem conduzir à impossibilidade de praticar o cultivo de determinada planta.

Nas explorações de menor dimensão é necessário libertar as parcelas para dar lugar às culturas seguintes.

Nestas condições, devem ser elaborados vários calendários agrícolas a partir dos quais será estabelecido um calendário-tipo, expurgado das variações climatéricas mais ou menos significativas e das eventuais diferenças de dimensão das explorações entre cultivadores. De facto, uma vez identificada a incidência das alterações climatéricas na variação dos momentos de cultivo, as diferenças entre cultivadores evidenciam-se por si, sendo a sua leitura do maior significado para a compreensão da estratificação económica local.

A esta estratificação económica, não serão provavelmente alheios os regimes de exploração agrícola. Segundo os modos de ocupação e exploração do solo, será possível, ou não, observar inclusivamente a existência simultânea de numerosos rendeiros entre os proprietários. De facto, muitos destes últimos poderão ser igualmente rendeiros a fim de complementar uma exploração de menor dimensão ou menor rendimento, como, por exemplo, no caso dos pequenos proprietários da zona de piemonte norte da serra da Gardunha. Os casos de figura possíveis podem ser variadíssimos e o sistema local apresentar alguma complexidade. Com efeito, entre as categorias dos não proprietários e proprietários podem existir variadas situações intermédias:1) exploração exclusiva da própria propriedade;2) situação de proprietário e de rendeiro;3) rendeiro unicamente;4) ou ainda alguns destes casos de figura associados a diferentes

formas de parceria, como as modalidades de terças, de meias, etc., segundo o que me foi dado observar na referida zona da Gardunha [Dos Santos: 1992].

3.1.3 Correlações entre a organização social e a paisagem agrícola local

Regra geral, os próprios bens consumidos na aldeia e na cidade são progressivamente idênticos (o que pode variar significativamente é a quantidade de bens consumidos), contribuindo para alterar e homogeneizar o gosto como também os valores relativos ao universo de consumo.

O habitat antigo cai em ruínas, é destruído ou modificado.

Uma parte considerável dos campos é abandonado e rapidamente se cobre de vegetação, por baixo da qual se esbatem as velhas vias de

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comunicação e entram em ruína os meios de captação de água. Resultante desta situação, o sistema de irrigação é progressivamente abandonado. As fontes de água não são mantidas na medida em que são substituídas pela água canalizada. As nascentes são obstruídas e na maioria dos casos encontram-se poluídas, consideradas que são sem interesse por falta de actividade agrícola.

Pais e avós vivem uma velhice mais longa e solitária e o recurso a lares de idosos é crescente.

As fronteiras das parentelas tendem a regredir, reduzindo o grupo de indivíduos de relações automáticas de parentesco que embora sejam ainda reconhecidos como parentes, ficam sujeitos à concorrência de relações de simples carácter electivo. De facto, actualmente a tendência indica que o recrutamento das relações é fortemente submetido a concorrência pelo reforço das relações electivas de vizinhança e pelas novas relações que o trabalho assalariado suscita.

Enfim, podemos dizer que toda uma civilização camponesa se esboroa sob os nossos olhos, dando lugar, pouco a pouco, a algo de novo do qual ainda não se descortinam formas socioculturais relativamente estáveis e reconhecíveis, mas às quais os estudiosos deverão estar atentos.

Obviamente a situação de alteração ou abandono não é sempre nítida e homogénea em todo o país, resta ainda uma extensa zona agrícola fronteiriça muito evidenciada e interessante de observar. A população total da área é superior a 5 milhões de pessoas dos quais um milhão se dedica à agricultura.

Assim, graças ao método de observação e análise propostos, concentrando simultaneamente a atenção na organização social – induzida pelo sistema de parentesco – e nas configurações espaciais aldeãs (mais ou menos estáveis e/ou alteradas), será possível inter-relacionar um certo número de variáveis sociológicas, como as que apresentámos, e penetrar em profundidade nos mecanismos de acção e reacção das sociedades locais face aos novos tempos que se apresentam.

As situações locais serão variadíssimas, desde aldeias praticamente em vias de extinção a outras reforçadas graças a uma redefinição económica e social, passando por aquelas que mantêm uma actividade agrícola mais ou menos tradicional ou em fase de adaptação às novas condições de produção do sector.

De facto, a presente reflexão não propõe um assunto isolado de um contexto científico mais vasto; articula-se num programa de investigação (iniciado no Laboratoire d' Anthropologie Sociale do Collège de France, com Isac Chiva no fim dos anos 80) sobre a vida rural europeia, cujos objectivos teóricos gerais são susceptíveis de serem prosseguidos.

No entanto estes domínios somados e mesmo articulados não constituem em si, como é evidente, um campo específico de conhecimento, como já foi indicado a propósito da interdisciplinaridade.

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Com efeito, cada um dos campos de saber tem, obviamente, métodos gerais e específicos que devem ser minimamente conhecidos, quando se pretende obter resultados fundamentados.

Assim, a observação não é um mero método das ciências sociais.

FIM

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ANTROPOLOGIA GERAL II

TESTES FORMATIVOS

TERESA JOAQUIM

2007

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TESTE FORMATIVO N.º 1

PARA RESOLUÇÃO DO TESTE ACONSELHA-SE QUELEIA ATENTAMENTE AS SEGUINTES INSTRUÇÕES:

� Os testes formativos têm por objectivo proporcionar ao aluno a preparação para o exame final. Por esta razão são apresentados os potenciais tipos de questões a figurar na estrutura dos exames sumativos. No entanto, cada exame final poderá ter uma configuração diferente da exemplificada mas será sempre baseado no tipo de questões enunciadas nos testes 1 ou 2.

� O cabeçalho de teste deve ser preenchido de forma legível. Não rubrique nem escreva o seu nome nas folhas do teste, excepto no local indicado para o efeito.

� Este teste é constituído por 5 páginas e termina com a palavra FIM.

� O teste está organizado em três grupos de questões. No GRUPO I requer a selecção da resposta correcta entre quatro opções; no GRUPO II deve identificar se a formulação é Verdadeira (V) ou Falsa (F), no GRUPO III deve responder elaborando uma respostas curta.

� Nas questões que requerem a selecção da resposta assinale com um X a alternativa de resposta que julga correcta (para o efeito deve utilizar a grelha de respostas que está na última página). Se quiser alterar qualquer resposta dada, risque por inteiro (a cheio) o quadrado que quer inutilizar e marque um novo X na alternativa de resposta agora seleccionada.

� As questões de resposta curta são avaliadas de acordo com os seguintes critérios: (1) abordagem directa do tema; (2) utilização adequada de conceitos; (3) organização de ideias; (4) capacidade de síntese; (5) clareza e correcção de linguagem.

� Os 20 valores atribuídos ao teste são distribuídos da seguinte forma:GRUPO I – 9 valores; GRUPO II – 8 valores; GRUPO III – 3 valores.

� Esta prova terá a duração de 120 minutos. Adicionalmente serão concedidos 30 minutos de tolerância.

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GRUPO I

1. Para os evolucionistas o processo de evolução a que todas as sociedades teriam de se sujeitar, corresponderia à sucessão, mais ou menos rápida, de um movimento de:

A. desenvolvimento multilinear.B. desenvolvimento unilinear.C. desenvolvimento plurilinearD. desenvolvimento linear.

(...) segundo mudanças cumulativas e irreversíveis comuns a todas as sociedades, reflectido pelas características das suas instituições, das suas técnicas, etc.

2. As correntes dinamista e marxista francesa, criticas do funcionalismo, consideram que as sociedades:

A. não são sistemas delimitados e equilibrados.B. são sistemas delimitados e equilibrados.C. não são sistemas abertos e equilibrados.D. são sistemas abertos e equilibrados.

(...) se o fossem não seria possível dar conta das tensões sociais e da mudança social observáveis.

3. O objecto da análise estrutural consiste em procurar pelo método dedutivo as:

A. estruturas inconscientes evidenciadas a partir de dados teóricos etnológicos.B. estruturas conscientes evidenciadas a partir de dados empíricos etnográficos.C. estruturas inconscientes evidenciadas a partir de dados empíricos etnográficos.D. estruturas inconscientes evidenciadas a partir de dados antropológicos.

Segundo Lévi-Strauss, o objecto da análise estrutural consiste em procurar pelo método dedutivo as estruturas particularmente inconscientes que podem ser evidenciadas a partir de dados empíricos etnográficos, como: as regras de parentesco, a mitologia, as práticas culinárias, as classificações culinárias, a arte, etc.

4. Na análise do parentesco duas escolas opuseram-se quanto aos fundamentos teóricos do seu estudo. A escola inglesa, liderada por Radcliffe-Brown, desenvolveu a sua postura teórica com base na:

A. teoria da união.B. teoria da filiação.C. teoria da aliança.D. teoria da ligação.

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5. Atendendo às notações das relações de parentesco, em língua portuguesa, identifique a seguinte: FoIop

A. filho.B. sobrinho.C. primo.D. primogénito.

Primo: FoIop (Filho do irmão do pai)

6. Do ponto de vista da estrutura linguística, os termos de parentesco são derivados quando:

A. na nomenclatura não existe um termo específico e se conjuga dois ou mais termos elementares.B. é composto por um termo elementar e outro elemento lexical sem significado parental.C. não podem ser decompostos em elementos lexicais dotados de significado parental.D. é composto por um termo descritivo e outro elemento lexical sem significado parental.

(...): bis+avô (“bisavô”), belle+mère (“belle-mère”) em francês, ou grand+father (“grandfather”) em inglês, etc.

Figura 1

7. Observe com atenção a Figura 1 e identifique a terminologia correspondente.

A. sudanesaB. esquimóC. iroquesaD. hawaiana

Figura 28. Observe com atenção a Figura 2 e identifique, em relação a ego, os seguintes

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A. 4 / 16 / 12.B. 4 / 14 / 12.C. 3 / 1 / 8.D. 4 / 10 / 12.

9. No estudo das morfologias sócio-espaciais, a análise antropogeográfica visa:

A. aceder à lógica externa de funcionamento das pequenas comunidades de economia artesanal.B. aceder à lógica interna de funcionamento das pequenas comunidades de economia agrária.C. aceder à lógica externa de funcionamento das pequenas comunidades de economia agrária.D. aceder à lógica interna de funcionamento das pequenas comunidades de economia artesanal.

10. À organização social associada com paisagem denominada de bocage, são características a:A. propriedade colectiva, comunitarismo exacerbado e troca de serviços voluntários com base prioritária em subgrupos de vizinhança.B. propriedade individual, individualismo exacerbado e troca de serviços voluntários com base prioritária em subgrupos de vizinhança.C. propriedade colectiva, individualismo exacerbado e troca de serviços voluntários com base prioritária em subgrupos da parentela.D. propriedade individual, individualismo exacerbado e troca de serviços voluntários com base prioritária em subgrupos da parentela.

(...) Individualismo somente rompido pela entreajuda voluntária, correspondente a uma troca de serviços necessária, em determinados momentos de forte actividade agrícola, durante os quais o recrutamento dos indivíduos se faz na base de subgrupos da parentela e, em menor grau, na base de relações electivas de amizade e de vizinhança.

GRUPO II

11. O difusionismo adopta a noção de invenção paralela e independente entre culturas.

Falso. Contrariamente aos evolucionistas, que interpretavam as semelhanças entre sociedades como a expressão de uma evolução paralela, os difusionistas interpretam esta evolução como sendo essencialmente o resultado de empréstimos e de contactos culturais entre sociedades.

12. A teoria heliocêntrica contribuiu fortemente para a expansão da teoria difusionista no seio da antropologia.

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Falso. A maior oposição ao difusionismo foi suscitada pela própria culturologia inglesa ao enredar-se na deriva hiper-difusionista. De facto, o hiper-difusionismo levou ao descrédito completo do difusionismo em resultado da sua teoria dita “pan-egípcia” ou heliocêntrica, (ou seja, que tudo está centrado num único ponto que regula todo o resto) defendida pelos hiper-difusionistas ingleses.

13. No funcionalismo há uma hipótese holística e um princípio utilitarista.

Verdadeiro. Segundo os funcionalistas, o facto social ou a instituição em causa só revela a sua razão de ser quando apreendidos nas suas relações funcionais com os outros factos ou instituições constituintes da totalidade social.

14. De acordo com as notações das relações de parentesco em língua portuguesa: IãMdo, corresponde à sobrinha.

Falso. Sobrinha: FaIo / FaIã (filha do irmão / filha da irmã)

15. O sororato consiste na obrigação de, quando a esposa morre, o seu grupo de parentes de origem ter a obrigação de facultar outra em substituição.

Verdadeiro.

16. A linhagem consiste num conjunto de indivíduos tendo em comum um (ou uma) ancestral comum, sendo capazes de estabelecer todos os elos que os ligam uns aos outros e ao ancestral comum.

Verdadeiro.

17. A família extensa corresponde a um grupo de consanguíneos, aliados e descendentes co-habitando num mesmo local.

Verdadeiro.

18. O Estado é composto por um conjunto de instituições cujos critérios mínimos correspondentes são exclusivamente europeus.

Falso. Muitas sociedades possuem uma organização política correspondendo a estes critérios mínimos. Na Europa, e de modo geral no resto do mundo ocidentalizado, estamos habituados a reconhecer as formas clássicas de Estado.

19. O estudo das morfologias rurais permite evidenciar, através da cristalização e configuração material, dos diferentes aspectos socioculturais locais, a lógica externa aldeã.

Falso. (...) a lógica interna aldeã.

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20. Na transmissão da herança a partilha ab intestat equivale à doação da terça e divisão desigual.

Falso. (...) (sem testamento e igualitária)

GRUPO III

21. Explique, relativamente a uma organização política linhagística, os fundamentos da legitimidade de pertença a um grupo e das suas alianças políticas.(5-10 linhas)

Numa sociedade política linhagística, a legitimidade de pertença a um grupo e o direito ao seu território são definidos pela ligação ao ancestral fundador do grupo. O fundamento das alianças políticas assenta nas alianças matrimoniais entre linhagens, em particular em torno das linhagens dominantes.

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TESTE FORMATIVO N.º 2

GRUPO I

1. Uma das principais críticas ao evolucionismo incide no facto de as suas noções serem:

A. apoiadas numa história hipotética, dependente de reconstituições conjecturais.B. apoiadas numa história hipotética, dependente de constituições estruturais.C. apoiadas numa história verdadeira, dependente de reconstituições conjecturais.D. apoiadas numa história hipotética, dependente de reconstituições pontuais.

(...) sobre períodos muito remotos, não eram demonstráveis e muito provavelmente nunca o serão.

2. Na tipologia das necessidades humanas de Malinowski, aquelas que são próprias da condição humana e especificas das sociedades (como a educação, a linguagem) são denominadas:

A. necessidades sintéticas.B. necessidades primárias.C. necessidades derivadas.D. necessidades biológicas.

3. Para Mauss, os fenómenos sociais são:

A. em primeiro lugar sociais, e em segundo lugar fisiológicos e psicológicos.B. em primeiro lugar fisiológicos, e em segundo lugar psicológicos e sociais.C. em primeiro lugar sociais, mas também ao mesmo tempo étnicos e psicológicos.D. em primeiro lugar sociais, mas também ao mesmo tempo fisiológicos e psicológicos.

(...) E nesta medida devem ser compreendidos na sua inteira dimensão humana.

4. Identifique a alínea que corresponde exclusivamente ao tipo de casamento em que uma mulher dispõe de vários maridos:

A. poligenia.B. monogamia.C. poliandria.D. poligamia.

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5. A regra de residência que leva um casal a ir viver junto dos parentes da mãe da esposa ou no seu território designa-se:

A. residência uxorilocal.B. residência natolocal.C. residência virilocal.D. residência matrilocal.

6. A família constituída por um grupo de consanguíneos, aliados e descendentes, representando no mínimo três gerações co-habitando num mesmo local corresponde à:

A. família nuclear.B. família extensa.C. família composta.D. família alargada.

7. Na organização política linhagística, a legitimidade de pertença a um grupo e o direito ao seu território são definidos:

A. pela ligação exclusiva à família nuclear.B. pela ligação ao ancestral fundador do grupo.C. pela ligação a determinado grupo de idade.D. pela ligação ao ancestral original do território.

8. Para Fortes e Evans-Pritchard as sociedades nas quais a organização política e a organização de parentesco são decalcadas uma da outra corresponde às sociedades de tipo:

A. bando.B. linhagístico.C. com EstadoD. grupos de idade.

9. Na estruturação dos elementos dos sistemas agrários a maneira como o agricultor explora as suas terras: escolha das plantas cultivadas, afolhamentos, etc., designa-se:

A. estrutura agrária.B. paisagem agrária.C. sistema de cultivo.D. paisagem de cultivo.

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10. Na estruturação dos elementos dos sistemas agrários qual é o conceito que tem como suporte o espaço ecológico e o território ocupado nas suas diferentes escalas:

A. o espaço físico.B. o território.C. a morfologia social.D. a paisagem agrícola.

GRUPO II

11. Para os difusionistas a semelhança entre dois elementos culturais similares, existentes em duas culturas distintas, resultava exclusivamente de uma transferência directa de uma das sociedades para a outra.

Falso. Contrariamente aos evolucionistas, que interpretavam as semelhanças entre sociedades como a expressão de uma evolução paralela, os difusionistas interpretam esta evolução como sendo essencialmente o resultado de empréstimos e de contactos culturais entre sociedades.

12. Malisnowski postula uma tipologia das necessidades, identificando, sequencialmente, as: primárias, derivadas e sintéticas.

Verdadeiro.

13. A ideia de Boas, partilhada por Lowie, de que é impossível descobrir a ordem do quadro global das instituições humanas é designada por “Morfologismo” de Boas e Lowie.

Verdadeiro.

14. De acordo com as notações das relações de parentesco em língua portuguesa: FaIãP corresponde à prima.

Verdadeiro.

15. O sororato é uma forma de casamento que consiste na obrigação que uma mulher tem em casar com o irmão do seu marido falecido.

Falso. O sororato consiste no princípio segundo o qual quando a esposa morre, o seu grupo de parentes de origem tem a obrigação de fornecer uma outra em substituição da primeira.

16. O clã consiste num conjunto de indivíduos tendo em comum um ancestral comum fundador, em virtude de uma regra de filiação unilinear.

Falso. Os seus membros dizem-se aoarentados uns aos outros por referência a um ancestral comum, mas na realidade são geralmente incapazes de

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estabelecer o laço que afirmam ter com o ancestral epónimo, contrariamente à linhagem.

17. A herança difere da sucessão pelo facto de esta última se referir não a bens materiais mas à transmissão de estatuto e autoridade.

Verdadeiro.

18. O Estado não corresponde à única possibilidade de organização política.

Verdadeiro.

19. Teoricamente, no estudo das morfologias rurais, não se deve distinguir espaço físico de território.

Falso. O espaço físico deve distinguir-se teoricamente do território que é um espaço físico investido por excelência pelo homem como área geográfica de actividade económica e política.

20. No contexto actual da organização social e a paisagem agrícola local as parentelas aumentam de vigor e têm um papel mais relevante na coesão dos grupos de parentesco.

Falso. As parentelas perdem algum vigor e deixam de ter o papel relevante que tinham no passado e na coesão dos grupos de parentesco face a terceiros. As fronteiras das parentelas tendem a regredir, reduzindo o grupo de indivíduos de relações automáticas de parentesco que embora sejam ainda reconhecidos como parentes, ficam sujeitos à concorrência de relações de simples carácter electivo.

GRUPO III

21. Na campo do estudo do parentesco, o termo linhada descreve que realidade social?(5-10 linhas)

A linhada corresponde a um segmento de linhagem englobando uma sucessão de indivíduos aparentados, em linha recta ou colateral, por uma relação com um mesmo ancestral comum, seja qual for a regra de filiação.

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