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Curitiba - Novembro de 2001 Ano 5 - N 0 42 3 0 ano de Jornalismo - PUCPR Desenho: Marcelo Ribeiro Leia e entregue a um catador de papel Este jornal só tem LIXO! Este jornal só tem LIXO!

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Curitiba - Novembro de 2001 Ano 5 - N0 42 30 ano de Jornalismo - PUCPR

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Internacional Comunicare, novembro de 2001 15

Lixo é fator preocupante no mundo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente incentiva produções industriais mais limpas

Rússia poderá setransformar emgrande depósitode lixo nuclear

SITE ALEMÃOCRIA LEILÃO DE LIXO

Se você acha que a Internet tem muito lixo, pode aténão se surpreender com a novidade. Um empresário alemãoacaba de criar um site que leiloa todo tipo de entulho. Issomesmo. Trata-se do clickwaste.de.

Empresas que tiverem qualquer tipo de lixo (inclusi-ve equipamentos eletrônicos) e quiserem se livrar dele po-derão utilizar a página para oferecê-lo. Companhias quereciclam produtos farão suas ofertas. Já a Clickwaste ficarácom 3% do valor.

Os usuários da página poderão classificar suas tra-lhas em 650 categorias diferentes. Inicialmente, o serviçocobrirá apenas a Alemanha. Porém a Clickwaste pretendeampliar a oferta, chegando à Inglaterra, França, Itália e Es-tados Unidos. Segundo Daniel Vuynovich, fundador da Clickwaste, omercado de coleta e reciclagem de lixo na Alemanha movi-menta cerca de US$ 22 bilhões por ano.

Para mais informações, acesse:www.clickwaste.de

Bruno de ViziaResíduos perigosos O lixo espacial pode trazer danos ao planeta

O lixo é um problema mun-dial, que afeta não só à paí-ses ricos – os maiores produ-tores – mas também à paísespobres ou em desenvolvimen-to. Se considerarmos que umacidade do porte de São Pauloproduz 14 mil toneladas pordia, e adicionarmos às 28,5mil toneladas que produzNova York, só duas das maio-res cidades do continente pro-duzem 15 milhões de tonela-das em um ano. Mas esses seriam dados re-ferentes apenas aos resíduosurbanos, como plásticos e la-tas. Acredita-se que o proble-ma quintuplica quando sãolevados em conta os resíduosespeciais, ou seja, lixo gera-dos principalmente pelas in-dústrias, hospitais, ambulató-rios, clínicas, farmácias. Mundo

Fazem parte desta catego-ria especial os resíduos con-siderados mais perigosos e detratamento mais complexo,como o atômico e o espacial.Estes são problemas globais,e nos últimos anos diversospaíses reúnem-se para tentarencontrar uma solução. Como intuito de fomentar umaprodução mais limpa, o pro-grama das Nações Unidas parao Meio Ambiente- PNUMA, lan-çou em 10 de setembro de1999, a Declaração internaci-onal sobre produção mais lim-

pa, com 159 signatários en-tre eles 34 países, 41 empre-sas e 30 academias, socieda-des e grupos de trabalho.

Em fevereiro, mais de cemnações signatárias daConveção da Basiléia decidi-ram, na Malásia, agir rapida-mente pela ratificação daproibição contra a exportaçãode resíduos perigosos de pa-íses desenvolvidos para paí-ses em desenvolvimento.

O objetivo da Convençãoda Basiléia e da emenda daProibição é a criação de ins-trumentos legais que prote-jam os países em desenvolvi-mento do despejo de resídu-os perigosos originários nospaíses indus-trializados. Odestino daemenda daProibição fi-cou indecisoaté o últimodia da reuniãodevido às ten-tativas de enfraquecimentode alguns países mais ricos.Esses, agindo em prol de in-teresses próprios, procurarammanter aberta a opção - ba-rata - de enviar seus resíduostóxicos para disposição ereciclagem nos países em pro-cesso de industrialização. Rússia

A situação na Rússia con-segue ser ainda mais tétrica.

Em dezembro de 1994 desco-briu-se que desde 1950 lixonuclear altamente radioativovinha sendo simplesmente in-jetado no chão, em terrenospróximos a grandes rios.

A quantidade de radioati-vidade superava em 60 vezeso total liberado no mais gra-ve acidente nuclear já ocorri-do até então: o da usina deChernobyl, na Ucrânia. O lixoradioativo enterrado atingiulençóis freáticos através dainfiltração de água nosubsolo, levando a radioati-vidade para grandes distân-cias. Três anos depois, a Agên-cia Internacional de EnergiaAtômica (AIEA) informou que

a Rússia “esta-va sentada so-bre mais de 500mil metros cú-bicos dedejetos nuclea-res.Recentementea câmara baixa

do parlamento russo aprovouo polêmico projeto que pode-rá transformar a Rússia nomaior depósito de lixo nucle-ar do mundo, em troca de bi-lhões de dólares que oKremlin pretenderia destinara projetos ecológicos.

LIXO ESPACIAL JJJ Desde o começo da Era Es-pacial, há pouco mais de 50anos , diversos objetos, taiscomo sondas, foguetes e sa-télites, foram sendo lançadose abandonados no espaço.Calcula-se que haja em tornode 8.300 objetos construídospelo Homem em órbita da Ter-ra. Cerca de 17 mil objetoscomo estes reentram na at-mosfera desde o final dosanos 50, segundo a NASA(Agência Espacial Norte-Ame-ricana). Se continuar assim,daqui um tempo nem noespaçao poderemos fugir dapoluição.

Bruno de Vizia

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Transporte de lixo nuclear entre França e Japão

Lixo Futuro

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Astronauta repara satélite antigo

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SaúdeComunicare, novembro de 200114

Lixo Hospitalar, um mal controlávelCom cuidados simples e treinamento de funcionários, os hospitais curitibanos evitam contaminações

O perigo no trabalho diárioHospitais e o Lixo

Hospital de Clínicas

635 leitos

1.200 Kg/dia de Lixo Hospitalar

Hospital Evangélico

575 leitos

800 Kg/dia de Lixo Hospitalar

Hospital do Cajuru

336 leitos

285 Kg/dia de Lixo Hospitalar

Precursor Hospital Evangélico foi um dos pioneiros na seleção do lixo

Os resíduos sólidoshospitalares ou como é maiscomumente denominado“lixo hospitalar”, sempreconstituiu-se um problemabastante sério para osadministradores hospitalares,devido principalmente à fal-ta de informações a seu res-peito, gerando mitos e fanta-sias entre funcionários, paci-entes, familiares e principal-mente entre a vizinhança doshospitais.

A atividade hospitalar épor si só uma grande geradorade res íduos. O Hospita lEvangélico, por exemplo, gera1.800 quilos de lixo por dia.Destes, 800 quilos são deresíduos hospitalares.

“O hospital vem tentandoaproveitar o que pode comuma rigorosa seleção mastudo que entra em contatocom o paciente é descartado”,afirma Lílian Regina Lucchin,gerente de Higiene Hospitalar

do Evangélico.Seleção

A seleção é a parte maisimportante do processo. Olixo é todo separado,geralmente, em comum(restos de comida,materialdos guichês), reciclável (tudoque pode ser reciclado, masque não entrou em contatocom o paciente) e o hospitalar(tudo que teve algum tipo de

contato com o doente).Este último passa por uma

segunda seleção, é separadoem lixo hospitalar comum elixo perfuro-cortante, quecorresponde a objetoscortantes(agulhas, bisturis),e é colocado dentro de umacaixa. “Essa é a parte maisdelicada do processo, masnão há nenhum perigo decontaminação se tudo for

feito com muito cuidado e cau-telosamente”, ressalta LílianLucchin.

Depois de selecionado, olixo é encaminhado para a áreade armazenamento, localizadano próprio hospital. NoHospital Evangélico o lixo ficaem um depósito especial, compiso e paredes laváveis, dentrode contêineres esperando aprefeitura vir recolhê-lo.

No hospital do Cajuru,existe também a incineração departe do lixo. A enfermeira doserviço de controle de infecçãodo Cajuru, Adeli Regina deMedeiros, afirma que aprodução de lixo é muitogrande para ser armazenadoentão o hospital resolveuincinerar parte do lixo.

A prefeitura de Curitiba fazo recolhimento de segunda àsábado com caminhão especial,e encaminha o lixo para o aterrosanitário da Caximba.

Ao chegar o lixo hospitalar

é acondicionado e aterradona vala séptica.

TreinamentoDe acordo com Lilian, o

treinamento do pessoal é peçachave para evitar acidentes.“Treinando as pessoas aselecionar o lixo e tomarprecauções quando entrar emcontato, a gente evita possíveiscontaminações”.

O gerente da coleta edestinação final de resíduos daSecretaria Municipal de Saúde,Mario Celso da Silva, endossaque o treinamento foi muitoimportante para a diminuiçãoda produção de lixo noshospitais. “Começamos comtreinamentos de seleção de lixoem 94, naquela época aprodução era de 26 toneladasde lixo hospitalar por dia,atualmente nào passa de 13toneladas diárias”, afirmaMario Celso.

Ricardo Caldas

Trabalhar todos os diasem contato direto com olixo não é uma opção ouuma escolha, e sim a mais sim-ples das necessidades: comer.

O catador de lixo JoãoMenezes, 25 anos, prefere nãopensar nos riscos que corre aomanusear o lixo sem proteção.“Não tem como pensar nisso.Se eu for gastar dinheiro paracomprar luvas não vou tercomo comprar comida”, afirmaJoão.

Empurrando seu carrinho“decorado” com cartazes dotime de coração, João diz quenão sente mais as dores que lheincomodavam quando começoua catar lixo. “Quando eramenor, eu ia para casa com dorde cabeça e enjôo. Mas achoque agora já acostumei, e nãosinto mais nada”, completa ocatador enquanto joga outrosaco de lixo em seu carrinho,

cheio até a boca.Entretanto João não sabe,

mas o fato de não sentir asdores de cabeça já é um sinalde que seu organismo nãoestá funcionando bem.

Segundo o infectologistaAlceu Pacheco Júnior, o cor-po até pode se acostumar comos cheiros, mas nem por issoo lixo não está fazendo malà saúde.

“Os catadores de papel nãotêm nem noção do risco realque correm ao pegar nos sa-cos de lixo sem proteção”,afirma o infectologista.

De acordo com PachecoJúnior, a leptospirose, doençatransmitida pela urina de rato,é a enfermidade que mais aco-mete quem trabalha com lixo.“Os ratos estão sempre presen-tes onde há lixo, logo a doen-ça acaba sendo uma questão detempo”, ressalta.

Além da leptospirose, existeo risco do tétano. “O tétano étransmitido pelas latinhas, ecacos de vidros que podemcortar os catadores”, afirma omédico.

Apesar de todas essesalertas, João continua seutrabalho diário com a mesmasimplicidade e humildade sempreocupar-se com os perigos.“Se Deus me ajudar, vou ter saú-de para trabalhar muito ainda,e vou juntar dinheiro para com-prar a minha casa”, finalizaJoão.

“Os catadores delixo não têmnoção do risco

real que correm”

Rica

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R.C.

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Arte Comunicare, novembro de 2001 13

Pioneirismo da cidade motiva arteMulher deixa de pedir esmolas e agora faz brinquedos com material reciclável que encontra no lixo

Material encontrado nos li-xos, como papéis de bala, sãoroupas das bonecas queEfigênia Ramos Rolim faz paraas crianças e usa para montarseu próprio figurino. Poeta deUrucaina, interior de MinasGerais, resolveu começar seutrabalho de reciclagem em1993 em Curitiba. Foi umamaneira que Efigênia encon-trou para se ocupar aprovei-tando o momento em queCuritiba passava sendo a ci-dade pioneira em reciclagem.O projeto da prefeitura foique motivou a dona de casa atrabalhar com materialreciclável. “Eu trabalhava nalavoura e, quando vim para acidade grande, não sabia fa-zer nada. Como não podiapassar o resto da vida pedin-do esmolas, resolvi inventaralguma coisa”, conta. Ela usalatinhas e vários tipos de pa-péis que encontra pelo cami-nho para fazer brinquedos e

alegrar a criançada junto comsuas histórias.

Esses brinquedos não sãopara vender, mas ajudamEfigênia a ganhar alguns tro-cados. “As pessoas acham bo-nito e gostam dessa iniciati-va”, comenta. Ela sempre estápelas ruas, principalmente nafeirinha do Largo da Ordem,aos domingos. Usa bonecascom roupas feitas de materi-al encontrado nos lixos da ci-dade ou no chão das ruas poronde passa. Papéis de bala ouembalagens de chocolate vi-ram saias e vestidos, fitinhasde cabelo são feitas com bar-bantes e plásticos.

A descendente de índiosveio para Curitiba em 1990 echegou a pedir esmolas nasportas da Catedral. Juntou opouco dinheiro que tinha,comprou uma casa e resolveuir à Fundação Cultural deCuritiba dizer que falava poe-sias e fazia brinquedos com

material reciclável. Conse-guiu, anos depois, fazer umaexposição das suas obras naCasa de Pedras da FundaçãoCultural. A partir dessa data,teve seu trabalho reconheci-do pela sociedade artística dacidade. Suas madrinhas foramCátia Horn e Calú D’Avilla, ar-tistas plásticas renomadas deCuritiba.

Com fitas feitas de papelde bombom enfeitando seuscabelos, latinhas vazias pen-duradas pelo corpo e bone-cas com saias de papel de balaou chocolate, Efigênia ganhasua vida fazendo o que apren-deu na cidade grande e o quejá fazia desde os tempos nalavoura: alegra as meninascom suas bonecas personali-zadas e recita poesias pela ci-dade.

Marja NunesSheila Lopes

Retomando, remodelando, recriando, reciclandoEm seu ateliê localizado

dentro de um estacionamen-to no centro de Curitiba, aartista plástica Guita Soiferreinventa objetos que perde-ram seu uso ou defeituosos;transformando sucata emobras de arte e recuperandosuas memórias. Ela recolhe asmatérias-primas de seustrabalhos basicamente emferros-velhos e em fábricas,

Há cerca de 8 anos, começouseu interesse por velharias.Seus objetos de trabalho sãoos mais variados possíveis:aros de óculos, chumbinhos,placas de trânsito, garrafas,manequins, carrinhos debebê, pregos enferrujados,peças de xadrez, espelhosretrovisores etc. Cada um des-ses artefatos tem um signifi-cado especial para a artista, eseus favoritos são os livros.“Não há viagem mais maravi-lhosa que a leitura”, diz a ar-tesã. A mais perfeitaexemplificação dessa frase éuma de suas esculturas, ondeum livro aberto está coloca-do na frente de um painel decaminhão, como se fosse umpar de pára-brisas.

A fotografia é outra parteimportante de seu trabalho.A artista não se considera uma

onde os produtos que deramerrado dão certo em suasmãos.

Colheres tortas ou parti-das, por exemplo, são trans-formadas em esculturas porGuita. “Gosto da idéia de pe-gar aquilo que não deu certoe dar a minha visão, recrian-do o que parecia perdido”,conta a artista. Vidro quebra-do torna-se arte, e um peda-

ço grande depapel rasgado,bem ajeitado,vira uma ima-gem de JesusCristo na cruz.

No começo,Guita Soiferproduzia ape-nas pinturas egravuras, queela ainda faz evende até hoje.

Criatividade De lixo para brinquedo, Efigênia cria bonecas

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f o tóg r a f aprof iss io-nal, mas vá-rias de suasfotos, pre-ferencia l-mente asmais anti-gas, tam-bém consti-tuem suasobras dearte. Pin-tando-as oufazendo arranjos com as có-pias de uma mesma foto,Guita gosta de ver seu passa-do, pois acha que “olhar paratrás é importante para olharpara frente”. Aliás, o tempo éo seu tema favorito.

Quem estiver interessadoem adquirir alguma das obrasda artista plástica, é bom es-quecer a idéia, pois elas não

estão à venda, exceto suaspinturas. Apesar de já ter fei-to exposições dentro e forado Brasil, como nos EstadosUnidos e na Alemanha, Guitavê seu trabalho mais como umhobby. Uma paixão que ocu-pa todos os cantos de seu ate-liê.

Luís Guilherme RodriguesAteliê De colheres a placas de trânsito: arte

Escultura objetos de sucata viram obra de arte

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CulturaComunicare, novembro de 200112

Ponto inicial A usina também abriga o Museu do Lixo

Pensar em lixo faz vir a cabeça a idéia de que tudo que é jogado fora será aniquiladoe, em um estalar de dedos, aquelas coisas que estão sobrando – mas que um dia jáforam bem úteis- somem da noite para o dia. Mais especificamente quando o caminhãoque recolhe o lixo leva durante a noite aquilo que nem imaginamos que também fazemparte do universo individual das pessoas e conta um pouco mais sobre cada um. E oque acontece quando se junta o lixo de todos? Ora, se monta um museu! Não foi comesta intenção que se criou o Museu do Lixo em 1997, embora o comparativo sejainevitável.O museu do lixo está ao lado da Usina de Reciclagem do Lixo, no município de CampoMagro. A usina e o museu fazem parte do complexo da fazenda Solidariedade mantidapela prefeitura de Curitiba. Além da usina, a fazenda também abriga uma plantaçãode fitoterápicos, distribuídos nos postos de saúde municipais e funciona tambémcomo local de rehabilitação de dependentes do álcool.

O museu abriga mais demil peças e a cada mês, pelomenos cento e cinqüentapeças novas são recolhidaspara serem colocadas em ex-posição. Em média, 150 pes-soas visitam a usina e o mu-seu todos os meses.

A idéia de se criar ummuseu nasceu a partir da ini-ciativa de um dos funcioná-rios da usina,o senhor Anto-nio AfonsoCardoso, o“Seu Panamá”como era cha-mado peloscolegas de tra-balho. Panamácomeçou a guardar notas dedinheiro, que com a desva-lorização contínua da moe-da, perdiam rapidamente devalor. Todas eram cuidadosa-mente amarradas em peque-nos maços. Depois disso, o“Seu Panamá” resolveu tam-bém juntar outras peçasinstigantes, todas em expo-sição no museu.

O hobby de Panamá cha-mou a atenção da adminis-tração, mesmo porque cons-tatou-se que o acervo nãoera apenas um amontoado deartigos curiosos: de certaforma, é também uma via-gem no tempo e principal-mente, na intimidade depessoas que sequer sabemosas feições. Fotos de casa-

mentos – possivelmentedesfeitos- , de reuniões fa-miliares, certidões de nasci-mento, equipamentos deexércitos, animais conserva-dos em vidros de álcool, es-trelas do mar, vasos indíge-nas, cristais intactos - e semarranhões -, discos, vitrolas,chapéus para todos os gos-tos e épocas, relógios, ele-

trodomésticoscom mais de40 anos, mui-tos ainda emfuncionamen-to.

Quem nosleva a este tú-nel do tempo

é a instrutora ambientalElizangela Marchorato. Comboa vontade, ela explica ahistória de cada peça quecompõe o museu, tão únicasquanto a história individualdaqueles, que, por algummotivo, se desfizeram dealgum dos objetos expostos.Ela mesmo diz não acreditarque algumas coisas possamaparecer no lixo, como porexemplo um aparelho dePABX – e há dois no museu-ou aparelhos de edição derádio. Nada do que está ex-posto no museu se esperaencontrar no lixo, não sópelo tamanho, mas tambémporque algumas peças pode-riam muito bem se encon-trar em um bom antiquário.

Especificar a data de fabri-cação e uso destes objetosinclusive, é um dos princi-pais problemas do museu.“Mas está nos planos”, res-saltou Elizangela. E apesardisso, ninguém até hoje foireclamar pela posse de algoque lá esteja exposto. A úni-ca peça reclamada até hoje-e que lá permanece- é umacópia de cabeças em mármo-re que, se acredita, eram es-culpidas na Grécia pré-clás-sica. A réplica é original domuseu do Louvre. “Quandoa escultura apareceu, a tele-visão veio aqui e filmou.Logo depois, apareceramvários donos”, contouElizangela.

BibliotecaAo lado do museu ainda

se encontra uma biblioteca,equipada somente com li-vros encontrados no lixo. Acoleção apresenta cerca deduzentos livros, entre elescoleções completas de enci-clopédias, livros de Eça deQueiros, Machado de Assis,José do Patrocínio, Alexan-dre Dumas,Gustave Flaubert,Charles Dickens. Alguns doslivros foram editados hámais de 70 anos. O mais an-tigo e colocado em um localde honra na biblioteca é umlivro francês de química,editado em 1875.

Lixo de valor histórico e culturalMuseu do lixo abriga curiosidades que desmascaram costumes e a história individual de populares

Livro francês dequímica, de

1875, é umadas peças raras

Silvane Maltaca

RÁDIOS : Para todos os gostos, estilos e épocas...

Museu do LixoEstrada do Cerne, Km21, Campo Magro.Telefone: 677-1762 .As visitas ocorrem de segunda a sexta-feira e é necessá-rio agendar com antecedência

Notas de dinheiro Foi com isso que nasceu o Museu do Lixo

SERVIÇO:

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Comunicare, novembro de 2001Consumo 11

Consumo explica o aumento de lixoRepensar o que é realmente necessário pode nos apontar os excessos e as falhas da sociedade

Planeta nãosuporta a

quantidade delixo produzida

USO DO PAPEL50% empacotamento, como caixas de papelão e recipi - entes para comida28% papel para impressão e escrita13% imprensa 6% papéis sanitários e domésticos

Embalagens responsáveis por grande parte do lixo doméstico

Observando as casas maisantigas de nossa ou de qual-quer outra cidade, podemosnos surpreender com uma pe-quena porta, ao lado daqueladestinada à correspondência,com dizeres de “leite” e “pão”,por exemplo.

Avôs e avós de hoje queoutrora habitaram essas casasl e m b r a m - s etambém que,além das garra-fas de leite, vá-rios outrosutensílios eramreut i l i zados .Para se jogarfora algum objeto, ele deve-ria estar em estado que real-mente merecesse tal fim.

Até que chegasse essahora, as solas dos sapatoseram substituídas, roupaseram reaproveitadas, apare-lhos domésticos eram conser-tados. Hábitos bastante dife-rentes dos que vemos hoje...

Afinal, vivemos a era doconsumo, uma economiacentrada na compra e no des-carte. São inúmeras as conse-qüências deste nosso modeloeconômico, um deles é a pro-dução de lixo, muito lixo; bemmais do que nosso planetapode suportar.

“Pegada ecológica”Na década de 90, pesqui-

sadores da Universidade deBritish Columbia começaram amedir a área de terra neces-sária para suprir as popula-

ções com recursos e,consequentemente, para ab-sorver seus resíduos. Denomi-naram essa área conjunta de“pegada ecológica”. Em al-guns países, como nos Esta-dos Unidos, a pegada é mai-or do que sua área total, de-vido a uma dependência deimportações e ao esgotamen-

to da capaci-dade de ab-sorção de resí-duos. Como omundo segue,ou almeja se-guir, o padrãode consumo

americano, em pouco tempoesse sistema não mais pode-rá se sustentar.

Imaginemos alçado o ob-jetivo proposto por nosso sis-tema econômico: a sustenta-ção mundial no nível ameri-cano ou canadense de uso derecursos.

Isso corresponderia a umapegada ecológica equivalen-te a três planetas Terra. Vemosentão que nosso sistema eco-nômico, da forma como estáestruturado hoje, não nos le-vará muito longe.

É necessário mudarFrear esse processo não é

tarefa fácil. São necessáriasmedidas econômicas, políti-cas, estruturais. Contudo oponto mais difícil, e principal,talvez seja a mudança devalores e estilos de vida - oque, na nossa sociedade,

corresponde a transformaçõesdos hábitos de consumo.

Quanto mais industrializa-do o país e maior o poderaquisitivo de seus habitantes,maior a produção de lixo. Po-demos ter uma idéia do queisso representa, em termospráticos, através do papel: em1996 o consumo mundial depapel por ano era de 281 mi-lhões de toneladas; até 2010,estima-se que seja de 400 mi-lhões de toneladas.

Os países industrializadosutilizam cerca de 75% dessetotal. O consumo per capitanos países industrializadosera de aproximadamente 160quilos, em 1995, comparadocom 17 quilos nos países emdesenvolvimento. Nos Esta-dos Unidos, este número estáacima de 330 quilos de papelpor ano - aproximadamentesete vezes a média global.

A maior parte do uso de

papel nos países industriali-zados é excessivo, desperdi-çado ou simplesmente desne-cessário.

Uma casa norte-americanarecebe, por ano, em média553 peças de propaganda in-desejável. São correspondên-cias que por vezes não che-gam nem a serem abertas,indo direto para a lata de lixo.Igualmente, 10 bilhões de ca-tálogos de mala direta sãodescartados, anualmente.

A reciclagem, embora aju-de, não soluciona o problema,pois as fibras do papel só po-dem ser recicladas cinco ouseis vezes antes de se torna-rem muito fracas para outrouso e, mesmo assim, muitopouco do papel chega a serreciclado.

De onde vem o lixo?Por mais óbvio que possa

parecer, somos nós, somados,que produzimos todo o lixoque existe.

Por vezes esquecemos dadimensão que o fato possatomar, afinal, o pequeno sacoque sai de nossas casas todosos dias parece inofensivo per-to dos grandes depósitos delixo e detritos das indústrias.

Mas ninguém foge à regra,todos nós produzimos nossacota diária de lixo; portanto,todos nós deveríamos ter res-ponsabilidade com o proble-ma.

Letícia Koehler

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Aprenda como se faz papel reciclado

Nada se perde, tudo se transforma...

Viva Lavousier!

Quantas vezes você já nãojogou fora alguma comidasabendo que ela deveria terum futuro melhor do que irpara o lixo? Seu desassosse-go tem precedentes. Talos,cascas e outros restos muitasvezes contém mais nutrientesdo que o próprio alimento emsi. E é possível preparar recei-tas saborosas com essas so-bras.

Segundo a nutricionistaDenise Campos, a maioria dosalimentos pode ser aprovei-tada por inteiro, só é neces-sário um pouco de criati-vidade. Ela dá algumas dicasdo que pode ser feito com al-guns deles:

Você sabia que cada tone-lada de papel reciclado eco-nomiza de 17 a 20 árvores(eucaliptos com 7 anos deidade) ou uma área plantadade 100 a 350 m2 ?

A reciclagem é imprescin-dível. Mas não é uma funçãosó da Prefeitura, não. Vocêpode reciclar seu próprio pa-pel em casa, transformando-o em artesanal. Fica muitobonito e pode ser usado paracartões, cúpulas de abajurese o que você tiver em mente.Siga a receita, é mais simplesdo que você imagina.

Material- Papéis usados como pa-

pel de caderno, impressos,envelopes, caixas de ovo, pa-pelão em geral;

- 1 liquidificador;- 1 bacia;- Jornais ou toalhas;- Panos velhos;- 2 pranchas de madeira ou

rolo de macarrão;

- 2 molduras iguais de ma-deira que caibam em uma ba-cia com uma certa folga;

- 1 pedaço de tela de nylon(de meia calça feminina);

- tachinhas.

Como fazerMonte a moldura com a

tela de nylon da seguinte for-ma: estique bem a meia so-bre uma das molduras e pren-da-a com tachinhas.Quando estiver bem presa,apóie a outra moldura porcima, encaixando firme.

Pique o papel e deixe demolho num balde com águapor um dia para amolecerbastante e ficar mais fácil nahora de colocar noliquidificador.

Pegue o liquidificador e vácolocando o equivalente auma bola de tênis de papelpicado a cada litro de água.Bata a mistura até formar umapasta homogênea.

Encha metade da bacia

com água e vá acrescentandoa pasta obtida. Vá mexendo amistura com as mãos para dis-solver a massa. A espessurado papel será proporcional àquantidade de massa que vocêacrescentar.

Mergulhe a moldura nabacia da seguinte forma: pri-meiro coloque ela em pé (ouseja, na vertical) e depois adeite, trazendo-a lentamentede volta superfície.

Retire a moldura superiore deixe a moldura inferior emque ficou a folha de papel in-clinada até que a água escor-ra completamente.

Deixe ao lado da bacia fo-lhas de jornal ou toalhas do-bradas com um pano velhoestendido por cima. Vá viran-do cuidadosamente a moldu-ra com o papel sobre ele atéque a folha se solte. Caso elaesteja levemente grudada natela, basta dar uns tapinhaspara que ela se solte.

A folha de papel ficará pre-

sa no pano naturalmente. Co-loque esse pano deitado naprancha de madeira e repitao mesmo processo para criaroutras folhas. Continueempilhando as folhas uma emcima da outra.

Quando a massa de papelacabar, coloque outro panosobre a pilha e ponha a outraprancha de madeira por cima.Você pode pisar em cima damadeira ou usar o rolo demacarrão.

Retire cada pano com afolha presa e pendure numvaral para que elas terminemde secar. Preste atenção paracolocar os prendedores nospanos para não marcar as fo-lhas.

Depois da secagem, puxea folha do pano e... pronto!Você está com um papel no-vinho e reciclado em mãos.

Keyse MorettoTathiana Fritoli

Moqueca de Talos Ingredientes:

-Talos de 1 maço de brócolis

-3 tomates sem pele e sem sementes

-1 cebola picada

-2 dentes de alho picados

-1 colher (sopa) de óleo

-1 colher sopa de azeite de dendê

-1 colher sopa de salsa picada

-1 colher de sopa coentro picado

-½ xícara de chá de água

-½ xícara de chá de leite de coco

-1 colher de chá de pimenta dedo de moça picadinha

-2 colheres de sopa de farinha de trigo

-Sal a gosto

Modo de fazer:Lave bem os talos de brócolis e corte-os em pedaços pequenos.Cozinhe em pouca água por 5 minutos e escorra.Em uma panela, refogue o alho e a cebola no óleo.Quando murchar, junte o restante dos ingredientes, inclusive os talos cozidos. Deixe ferver

em fogo baixo por 10 minutos.

- Folhas de beterraba pi-cadas e refogadas ficam óti-mas na farofa;

- As cascas dos ovos po-dem ser moídas e torradas eutilizadas como complemen-to de cálcio, quando adicio-nadas ao feijão, carne, arroz...Só tome o cuidado de lavarbem a casca;

- Talos em geral servemcom ingredientes de sopas;

- Restos de arroz dão óti-mos bolinhos;

- Cascas de banana podemvirar geleia.

(Veja algumas receitas noquadros)

Suzana Gnipper

Receitarápida!

Doce de Banana

(feito com cascas)

Ingredientes:

- 60 g de cascas de banana;- 65 g de açúcar;- 02 g de canela.

Modo de Preparo:

Lave bem as cascas e pi-que em pedaços pequenos.Cozinhe com um pouco deágua até que amoleçam. Co-loque no liqüidificador ebata bem. Leve ao fogo mé-dio e junte o açúcar, cozinhemexendo até que a misturase desprenda da panela, emponto de geleia.

A receita caseira ensina como colaborar com o meio ambiente, além de dar asas à imaginação

Comunicare, novembro de 2001 Consumo10

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Trabalho Comunicare, novembro de 2001 09

Vendendo papel para sobreviver A coleta de lixo reciclável faz parte do sustento e do dia-a-dia dos catadores de papel em Curitiba

Papel, plástico, papelão,garrafas. Lixo que gera rendapara milhares de famílias noBrasil é também o sustento doscatadores de papel (ou car-rinheiros, como são chamados)da Vila das Torres, em Curitiba.Todos os diaseles se prepa-ram para a roti-na: andar pelasruas da cidadecatando papel.

Segundo opresidente doMovimento de Defesa dosFavelados, Derciso Rodrigues daSilva, 67 anos, existem na Viladas Torres aproximadamente600 carrinheiros. Ele diz que ocomércio depende deles, já quegrande parte do dinheiro queas mercearias e bares da Vilaganham, vem dos freguesesque catam papel. Os depósitosde papel, que hoje são mais de100, também têm sua rendaproveniente dos catadores. Elesvendem o que arrecadam paraos depósitos existentes na pró-pria Vila, e esses revendem para

os grandes depósitos. Umdepósito pequeno da regiãoconsegue, em média, 800kgde papel branco, 400kg depapel e 200kg de plásticopor mês. “A Vila vive do pa-pel”, afirma Derciso.

Derciso éum ex-carri-nheiro, quechegou deSão Paulo em1982, e com odinheiro deseis anos de

trabalho conseguiu, juntocom a mulher, fundar umacreche. Hoje, a creche aten-de 16 crianças, mas sua ca-pacidade é para 35. “Temospoucas crianças aqui porqueas mães preferem levá-lasno carrinho (de papel), as-sim podem ganhar mais di-nheiro”, justifica. Andandopela Vila vê-se muitas delasbrincando entre os carri-nhos. Nas ruas da cidade, asmesmas crianças puxam es-ses carrinhos atrás de di-nheiro.

Sérgio Renato de Paula,26, cata papel desde os seteanos. A mãe o levava juntopara o trabalho, o que fez comque aprendesse a função mui-to cedo. Sérgio arrecada emmédia 80kg de papel por diao que, segundo ele, dá apro-ximadamente oito reais. “Esseé o valor médio que umcarrinheiro consegue tirar”. Ocatador de papel reclama doscaminhões do Lixo que não éLixo, que recolhem antes olixo reciclável que podia ren-der para ele e seus compa-nheiros um pouco mais dedinheiro. Carrinheira há 17anos, Neuza do Carmo Concei-ção, 37, trabalha de segundaa sábado e consegue tirar de30 a 40 reais por semana.Ela, assim como a mãe de Sér-gio e muitas outras mães daVila das Torres, levam os fi-lhos nos carrinhos em buscade dinheiro e de uma vida me-lhor.

Reciclagem é a soluçãoRenata Torres

De acordo com a última pes-quisa nacional de saneamentobásico realizada pelo InstitutoBrasileiro de Geografia e Esta-tística (IBGE) são produzidas241 614 tonela-das de lixo diari-amente no país.Destes, 75% sãolançados a céuaberto e 0,7%são lançados emvazadouros deáreas alagadas.Apenas 23,3% recebem trata-mento adequado.

Na tentativa de reverter es-ses dados, já existem programasde incentivo à reciclagem econscientização ambiental quemostram bons resultados noBrasil. É o caso do programaLixo Que Não é Lixo, implanta-

do pela Prefeitura Municipalde Curitiba, através do De-partamento de Limpeza Pú-blica da Secretaria Munici-pal do Meio Ambiente,

em 1989.In ic iado

com traba-lhos visandoa educaçãoa m b i e n t a latravés dasescolas darede pública

municipal de ensino, o traba-lho visa à conscientização doscu-ritibanos sobre os bene-fícios da separação do lixoorgânico do inorgânico aomeio ambiente. A coleta se-letiva é um serviço que re-colhe resíduos sólidos urba-nos. Sua principal caracterís-

tica é a separação do lixo do-méstico dentro da fonte ge-radora, ou seja, o domicílio.

A coordenadora do pro-grama, a engenheira GiseleMartins, diz que são recolhi-das mensalmente cerca de 1,3mil toneladas de lixoreciclável. “Sabemos que apopulação está engajada eparticipando ativamente”,afirma Gisele.

Realizada uma vez por se-mana nos bairros mais afas-tados do centro e 3 vezes noanel central, a coleta do Lixoque não é Lixo é feita nosdias e horários pré-determi-nados pela Prefeitura.

O programa mobiliza 23caminhões baú, que traba-lham em dois turnos, 30 mo-toristas e 90 coletores. Além

Cerca de 30% dolixo coletado vaipara a usina de

separaçãodisso, existe um intenso tra-balho de divulgação com aprodução de campanhas emcartilhas, folders e veiculaçãode propagandas.

Cerca de 30% do lixoreciclável coletado vai parauma usina de separaçãomantida pela Secretaria Muni-cipal do Meio Ambiente e Fun-

Existem na Viladas Torres

aproximadamente600 carrinheiros

dação de Ação Social (FAS) nomunicípio de Campo Magro. Ausina processa 320 toneladasde resíduos por mês, entrepapel, plástico, papelão, vi-dro e metais. Os materiaisreciclados são vendidos parafábricas de papel.

Giselle Brisk

Rena

ta T

orre

s

ESCOLA SEM TRABALHOO Projeto Escola Já nasceu de uma pesquisa sócio-econômi-ca realizada pelos alunos das Faculdades Integradas Espíri-ta, nas comunidades do Parolin e Guaíra, em Curitiba. Osalunos constataram que um grande número de crianças, amaioria filhos de catadores de papel, não freqüentava aescola porque precisava trabalhar e não havia incentivo al-gum às famílias para que fosse modificada tal realidade. Apesquisa, realizada entre os meses de abril e agosto de 1996,apontou que a maioria dos moradores da comunidade ga-nhava de um a três salários mínimos e um número signifi-cativo (10,5%) vivia de catar papel. A partir disso, consta-tou-se que a melhor forma de mudar essa realidade era pro-porcionado melhores condições financeiras para as famíli-as, além de um acompanhamento constante. Assim, cadafamília cadastrada passou a receber uma contribuição men-sal de R$ 100 para manter seus filhos na escola. Hoje, 31famílias são atendidas, o que dá uma média de 80 a 100crianças.As carrinheiras Marilza Aparecida Lima e Joelma Cangerski,mães de Diego e Francieli estão contentes com o programa.Seus filhos estão tendo a oportunidade que muitas criançasnão têm: estudar e não precisar mais catar papel. O ProjetoEscola Já é uma parceria das Faculdades Espírita, InstitutoSalesiano de Assistência Social (ISAS) e Prefeitura Munici-pal de Curitiba.

R.T.

Espera Menina passeia entre os carrinhos vazios à espera de trabalho

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GenteComunicare, novembro de 200108

está na profissão há seisanos e sente muito orgulhodo que faz. José acreditaque as pessoas valorizam otrabalho dele. Ele conta queganha lembranças no final doano, como panetones, cidrase até mesmo cestas básicas.José veio do norte doParaná, é casado e mora naCidade Industrial deCuritiba.

Jorge*, 31 anos, veio dointerior do estado há onzemeses e desde então é gari.Mas diz que só exerce essaatividade por falta de umamelhor opção. Ele prefeririatrabalhar na construção civil.Casado, Jorge mora em RioBranco do Sul com a esposae os filhos e precisa acordaràs cinco horas para começara trabalhar às 7h30 da ma-nhã. Ele reclama da constan-te fiscalização e sente-sevigiado. “A empresa nãoconfia no funcionário”,queixa-se.

Na hora do almoço, osgaris têm que arranjar umlugar para comer. A Cavo for-nece tickets de alimenta-ção, mas Jorge prefere tra-zer comida de casa. Além dis-so, ele geralmente se reúnecom outros garis para almo-çarem juntos. Assim comoJosé, Jorge acredita que otrabalho dos garis é valori-zado, mas não sabe ao certo,pois as pessoas nunca con-versam com ele. Jorge contaque uma vez ganhou um bo-linho de uma moradora davizinhança onde trabalha,mas que se precisar ir ao ba-nheiro, as pessoas não dei-xam entrar. Quanto ao salá-rio, ele diz apenas que “dápra viver”.

Profissão perigo: varredores de ruaOs garis de Curitiba comentam um pouco sobre o seu dia a dia, a vida e o trabalho na cidade

Eles estão por toda par-te. Vestem roupas de cor la-ranja, difíceis de não seremnotadas, mas poucas pesso-as percebem sua presença,pois já estão incorporados àpaisagem urbana. Desempe-nham uma função funda-mental: manter a cidade lim-pa. Cada umdeles coletacerca de 150quilos de lixopor dia.

São os ga-ris. Seu expe-diente de tra-balho é de sete horas e meia.Eles varrem cerca de dezoi-to quadras diariamente, desegunda a sábado. É um tra-balho desgastante e perma-nentemente fiscalizado. Osgaris só podem parar por nomáximo um minuto, e mes-mo assim, só para dar indi-

cações de ruas. No mais, ape-nas pausas para ir ao banhei-ro e um intervalo de umahora para o almoço, das onzehoras ao meio-dia.

De acordo com o gariMário*, há sempre um fiscalda Cavo (empresa responsá-vel pela limpeza pública

de Curitiba)acompanhan-do o serviçodos varredorese fazendo umboletim desuas ações.Caso os garis

parem por mais tempo ou fi-quem conversando com pe-destres, eles recebem umaadvertência, e podem atéperder o emprego, caso se-jam advertidos duas vezes.

Apesar da fiscalizaçãointensa, José*, 38 anos, achabom trabalhar como gari. Ele

Ana Paula MaskeKarin Engel

Patrícia Barbosa

* Os nomes das pessoas citadasnessa matéria são fictícios por-que elas poderiam ser prejudi-cadas se fossem identificadas.

“A empresa nãoconfia no

funcionário” -declara Jorge*

Foto

s: P

atrí

cia

Barb

osa

preferência por trabalho como servente na construção civilJorge*

Lixeiros para trabalhar no caminhão a idade máxima é 28 anosExcesso diversos garis reclamam da fiscalização rígida da Cavo

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Educação Comunicare, novembro de 2001 07

Consciência ambiental vira hábitoGrande parte dos curitibanos passaram a separar lixo após lançamanto de campanhas publicitárias

“Curitibano temvergonha

de jogar lixono chão”

Leia em voz alta a seguin-te frase: “leite quente dá dorno dente”. Pois, se você pro-nunciou cada palavra com o“e” final bem sonoro, entãovocê já é considerado umcuritibano nato. Agora, res-ponda: você costuma separaro lixo em casa? Costuma se-gurar o papelda bala ou dochocolate namão, ao invésde jogar nochão, na rua oupara fora docarro? Se vocêrespondeu simpara as duas perguntas, pa-rabéns! Você está agindocomo grande parte da popu-lação de Curitiba.

Para a dona de casa Car-men Constantino, 45 anos, “ocuritibano tem vergonha de

jogar lixo no chão”.Desde 1989, com o início

das campanhas publicitárias,a consciência ambiental pas-sou a virar um hábito dos cu-ritibanos. “Felizmente, hoje,todos em minha casa e no pré-dio onde moro sabem daimportância de se separar o

lixo”, completaCarmen.

JovensS e g u n d o

números doCompromissoE m p r e s a r i a lpara Recicla-gem, a cons-

cientização ambiental é umacaracterística de praticamentetodos os cidadãos, mas emespecial dos jovens com idadeentre 17 e 22 anos. Isso por-que os jovens de hoje eramcrianças quando a campanha

Lixo que Não é Lixo iniciou eeles cresceram ouvindo a im-portância do “Se-pa-re”. “Nãose pode negar a eficiência daspropagandas”, diz o publi-citário Kal Gelbecke.

No ExteriorMorar fora do Brasil, às

vezes, significa ter que seadaptar aos costumes donovo país. Com isso, algumaspessoas dizem ter adquiridoo hábito de separar o lixoantes das campanhas pu-blicitárias lançadas aqui. Empaíses da Europa, como Ale-manha ou Suíça, existe umtratamento rigoroso com olixo. “Lá eles fazem blitz noslixos e as pessoas podem atéser processadas”, conta ajornalista Mônica Fort, quemorou um ano na Suíça.

Ana Paula ZattoniFrancielli Xavier

SE-PA-REA equipe do Comunicare fez uma pesquisa, em Curitiba, coma seguinte pergunta: Você costuma separar o lixo em casa?Só no dia 7 de novembro foram ouvidas 60 pessoas, commédia de idade de 24 anos. Confira o resultado:

13%

87%

dizem que nãoseparam o lixo.

costumam separar e, desses, 15% dizemter adquirido o hábito no exterior.

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PolíticaComunicare, novembro de 200106

Conta do lixo gera polêmica e dúvidasA cobrança de uma taxa mensal sobre a geração de entulhos ainda não tem regras claras definidas

Terrenos baldios estão sob fiscalização

Quem paga a conta?“Sou contra a cobrança, porque poucos vão que-rer entregar o lixo. Vão esconder tudo para nãopagar a taxa.”Margolete Mota Sota,43 anos, zeladora

“Acho um absurdo, mas ninguém vai fazer nadapara impedir. Vão aceitar, pagar e pronto.”Élcio Queiroz, 37 anos, segurança

“Acho que não deveríamos pagar mais essa taxa.Vão fazer chuncho assim como com as outrascontas.”Antônio de Souza, 45 anos, encanador

“A medida deve ser melhor estudada. Em um pri-meiro momento, eu sou contra. Mas vai que é bompara gente?”Valdison Nivaldo da Silva, 29 anos, manobrista

Nas ruas de Curitiba, poucas pessoas ouviram falar da discussãoem torno das mudanças na cobrança do lixo. Na Câmara de Vereado-res da cidade, apenas um parlamentar estudou o assunto. Segundoa Prefeitura de Curitiba, o motivo da falta de informação é o tempoque ainda falta para as modificações entrarem em vigor.

No ano que vem, as pre-feituras de Curitiba e de,pelo menos, dez municípiosda região metropolitana vãoconceder à iniciativa priva-da, por meio de um consór-cio, o sistema de limpezapública das cidades. A prin-cipal conseqüência deve sera cobrança de uma taxamensal sobre a geração dolixo, a partir de 2003. Quan-to mais sujeira as casas ouempresas produzirem, maisalta será a conta no final domês. A concessão do servi-ço seria necessária para pos-sibilitar maior investimentono setor.

A terceirização, segundoa Prefeitura, não significaprivatização. A empresa que

vencer a concorrência vai serresponsável pela coleta,transporte, tratamento edestinação final dos dejetos.Para isso, vai cobrar uma taxa,a chamada conta do lixo.

Atualmente, os curitibanospagam uma contribuição úni-ca e anual pelos serviços quefica entre R$ 45,00 e R$375,00. Com a mudança, opreço deve variar de R$ 5,95a R$ 119,00 por mês.

QuestionamentosO vereador Marcelo

Almeida, do PMDB, único daCâmara que tinha estudadoo assunto até o começo denovembro, afirma ainda terdúvidas sobre a proposta doconsórcio do lixo. Ele acre-dita que vai ser muito difí-

cil estabelecer critérios paracalcular o volume dosdejetos. “Veja o que podeacontecer: uma pessoa podegerar muito mais lixo do queseu vizinho e, durante a noi-te, vai lá e troca os lixospara pagar mais”, ironiza overeador.

Segundo Almeida, essa al-ternativa para resolver o pro-blema do lixo não é a melhor.Ele acredita que uma soluçãointermediária deveria ser ex-plorada. “Do jeito que está,não está ruim. Hoje o lixo éalgo rentável. Falta compe-tência e habilidade para ne-gociar a questão”, afirma.

Já para o prefeito deCuritiba Cássio Taniguchi,presidente consórcio inter-municipal do lixo, a fiscali-zação rigorosa associada acampanhas educativas vãoafastar a possibilidade debrigas entre vizinhos e deimpacto ambiental, caso a

Os terrenos desocupados eabandonados geralmente ser-vem como depósito de lixo, re-síduos e entulhos. De acordocom o Código de Posturas domunicípio, a limpeza, conser-vação e vedação dessas áreassão de responsabilidade doproprietário.

Para fiscalizar esses locais,há um ano a Prefeitura deCuritiba implantou o progra-ma “De Olho na Cidade”, quejá notificou os donos de mais

população resolva jogar a su-jeira em lugares impróprios. Deacordo com ele, a busca de umaalternativa é considerada ur-gente, porque o Aterro Sanitá-rio do Cachimba, o lixão dagrande Curitiba, estaria com a

capacidade quase esgotada.Além disso, garante que os pre-feitos da região não teriam con-dições de investir na construiçãode um novo aterro.

de 23.000 terrenos baldios.Com ajuda da população, osfiscais identificam os proble-mas e a Secretaria Municipaldo Urbanismo adverte os pro-prietários pelo correio paraque eles regularizem a sitaçãodos lotes. Caso isso não sejafeito, o proprietário é puni-do com uma multa de acordocom o grau da infração.

As áreas desocupadas po-dem ser fechadas com murode 40 centímetros de altura

ColetasEm Curitiba, a população conta com alguns sistemas especiais

de coleta de lixo. Veja como proceder:Restos de construção ou entulhos - a Prefeitura faz acoleta gratuita de volumes equivalentes a cinco carri-

nhos de mão. Se a quantidade for maior, deve-se solicitar acoleta para empresas privadas que trabalham com caçambas.

Móveis velhos - objetos que podem ser reaproveitadossão coletados pelo Disque-Solidariedade.

Folhas, galhos e grama - folhas e restos de grama de-vem ser colocados em sacos plásticos, galhos maiorespodem ficar em frente a casa. O serviço é prestado pelo Departa-mento de Limpeza Pública, que encaminha os resíduos ao Ater-ro Vegetal.

Pilhas, baterias, remédios vencidos, lâmpadas fluo-rescentes - resíduos contaminantes são coletados umavez por mês nos terminais de ônibus da capital.

no mínimo, grades, telas, cer-cas de madeira ou cercas viva.Na zona agrícola, deve-se uti-lizar corrente fixa ou arameliso. O arame farpado não épermitido por questão de se-gurança. Para a construçãode muros com mais de 1,80metro, é necessário ter auto-rização do Conselho Regionalde Engenharia, Arquitetura eAgronomia (CREA-PR).

PUNIÇÕESSaiba quais são os valo-res das multas para quemdeixa entulhos em áreasdesocupadas.

Leve -de R$ 11,00 a R$ 1.100

Grave -de R$ 1.111 a R$ 2.750

Muito grave -de R$ 2.761 a R$ 5.500

Gravíssima -de R$ 5.511 a R$ 11.000

A multa será suspensa seo infrator, por termo decompromisso aprovadopela autoridade compe-tente, se comprometer acorrigir e interromper adegradação ambiental.

SERVIÇODenúncias de lixo a céuaberto338-8292 (Departamentode Limpeza Pública)357-6662 (Delegacia de Pro-teção ao Meio Ambiente)Se o lixo for despejado porum veículo, anote a placa.Objetos reaproveitáveis200-1200(Disque-Solidariedade)Fernanda Yanaze

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Cidades Comunicare, novembro de 2001 05

Cidadania é a principal maneira decombater o lixo despejado nos riosToneladas de sujeira e detritos são retirados das águas todos os meses e levadas ao aterro do Cachimba

Belém, Passaúna, Atuba,Iguaçu e Barigüi são osprincipais rios que percorrem acidade de Curitiba e apresentamum alto índice de poluição.Afora toneladas de lixorecolhidas mensalmente, suaságuas estão contaminadas,ameaçando o abastecimento dapopulação. O rio Iguaçu, quese inicia ao pé da Serra do Mar,ainda hoje é a principal fontede abastecimento de água daRegião Metropolitana deCuritiba. No trecho em querecebe o Barigüi, já carregagrande parte do esgoto dacidade e dos municípios doleste metropolitano. Desdesuas nascentes, fábricascostumam utilizá-lo como áreade despejo. Os demais rios,como o Belém, carregam parao Iguaçu enormes volumes deesgoto.

Curitiba, assim como amaioria dos municípiosbrasileiros, apresenta umprocesso de urbanização aolongo de seus rios, onde ocrescimento e o rápidodesenvolvimento não tiveram oacompanhamento de ações quepossibilitem a eficientemanutenção e preservação dosseus recursos hídricos. “Essecrescente grau de urbanização,ao longo das microbacias deCuritiba e região, trouxe comoconseqüência o aumento deações antrópicas quepropiciaram a degradação,trazendo prejuízos não só paraos recursos hídricos, mastambém para o ar, o solo, afauna e a flora”, afirma RobertoFendrich, Engenheiro Civil, quehá 4 anos estuda a hidrologiaurbana.

A Prefeitura Municipal deCuritiba promove mutirões delimpeza a fim de diminuir ofluxo de lixo nos rios. Há cincoanos foi implantando o

Programa de Educação Ambientalnas Microbacias de Curitiba – OlhoD’Àgua, visando educar criançasque moram em áreas próximasaos rios e córregos, quanto àproteção e limpeza das águas,garantindo assim, futuramente,seu abastecimento. Participamda operação 25 homensequipados com barcos, bóias,caçambas e ferramentasespeciais para catar o lixo dasmargens das bacias do Belém,Barigüi, Atuba e Iguaçu. OPrograma Olho D’Água, além deações educativas, monitoraregularmente a qualidade daágua.

O rio Belém é o mais poluídode Curitiba. E o que as pessoasque moram próximas a ele maisreclamam é o mau cheiro.Valdete Cruz, 46, moradora daVila Pinto há seis anos, diz queo cheiro é insuportável, e quetodos ali são obrigados a seacostumar. “Com o tempo, a

gente acaba acostumando, masnão é fácil conviver todos os diascom o mau cheiro daqui”,reclama Valdete.

A questão do cheiro dos rios,especialmente a do rio Belém, éligada ao lixo e esgotodepositados. Segundo o técnicoambiental Carlos Macedo, não hácomo evitar o mau cheiro devidoao material jogado nas águas.“O esgoto cai diretamente e sãocarregados para outros córregose rios; é um processo que sóacaba se não se jogar maisnenhum tipo de lixo e esgoto,pois com o tempo, mesmo lixosrecicláveis, produzem ochorume, um líquido escuro que

também causa o cheiroincômodo”, diz Macedo.

Só nó mês de outubroforam recolhidas dos riosmais de 60 toneladas de lixo,que não são recicladas. Todoo lixo coletado é transpor-tado diretamente para oaterro do Cachimba. Em2000, foram recolhidas daságuas quase 700 toneladasde lixo, o que equivale a 1,85tonelada por dia, de acordocom dados fornecidos pelaSecretaria Municipal do MeioAmbiente. Estima-se que nesteano, o valor dobre. Segundoa gerente de varrição daLimpeza Pública, GiseleMartins, são retiradosdiariamente todo o tipo dematerial que se possaimaginar. “Embalagens deleite longa vida, garrafas nãoretornáveis de refrigerantes,fraldas descartáveis, pneus,calhas de bicicleta, cascos degeladeira, peças de móveis demadeira, além de montanhasde sacos plásticos”, afirmaGisele.

Lilian Porto Franco

Lilia

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Rio Belém É o mais sujo e contaminado de Curitiba, onde até caminhões despejam lixo todos os dias

Em outubroforam recolhidas

60 toneladasde lixo

Aventureiro dos nossos rios...

C - Você percorreu de bote os 5principais rios de Curitiba. Comovocê os descreveria ?EF – O Barigüi que é bemestreito e faz divisa comAlmirante Tamandaré ébastante poluído. Mas na parteque corta o Parque Tingüi, é opercurso do rio que se encontramais limpo. Ali tem vegetação,fauna, flora e até peixes. Alitem vida. Quando passa peloPilarzinho, se torna um riototalmente sujo. E na CIC,quando ele se alarga,encontram-se materiaisindustriais, por ser próximodas indústrias. O rio Belém é oTietê de Curitiba, acho que nãotem mais jeito. O Passaúna é omais limpo, dá até pra tomarbanho, porque eu tomei. Asnascentes são puras econfiáveis, apesar de já terhavido uma denúncia de que

uma fábrica de papeldepositava lixo industrial.Temos o Atuba que é o maisimportante da história deCuritiba. É um rio decorrentezas fortes, masinfelizmente também bastantepoluído. E por fim, o rioIguaçu, que dá até pra praticaresporte náutico. Ele navegamelhor e é um rio rápido. Maso mais interessante, é que lávocê pode encontrar duassituações: a poluição e abeleza. Eu digo que é o urubue a garça.C - Quais os objetos maisincomuns que você encontrounas águas?EF - Encontrei de tudo. Umacozinha inteira, que chamei de“a cozinha do rio”: fogão,geladeira, forma de micro-ondas; encontrei até um Fuscainteiro.

Eduardo Fenianos, 29, é O Urbenauta. A bordo de seu jipe – aurbenave Guliver, durante 100 dias percorreu Curitiba, a procurade aventuras e conhecimento. Já escreveu livros e produziu filmerelatando a nossa cidade. Em um bate-papo, perguntamos a elesobre as águas daqui.

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CidadesComunicare, novembro de 200104

Substituição do Cachimba indefinidaPróximo aterro sanitário de Curitiba e região metropolitana deve estar pronto até o ano de 2003

Curitiba produz 1200 to-neladas de lixo doméstico pordia. A região metropolitanaproduz a mesma quantidade,totalizando 2.400 toneladasde resíduos sólidos proveni-entes de domicílios todos osdias. Neste total não estãoinclusas as 700 toneladas delixo inorgânico, retiradasatravés da coleta seletiva. Acoleta é realizada diariamen-te no anel central da cidade eem escalas de dias alternadosnos bairros mais afastados docentro. Mas para onde vaitodo este lixo?

Os caminhões de coleta daprefeitura percorrem cerca de25 km para ir do centro deCuritiba até o bairro daCachimba, onde fica localiza-do o único aterro sanitário dacidade e da região metropo-litana. O aterro tem uma áreatotal de 410.000 m2, sendoque a área destinada à dispo-sição do lixo propriamentedito é de 237.000 m2. Os es-

paços ao redor desta área sãocanteiros vegetais com a fun-ção de proteger a populaçãoque vive na região.

O aterro da Cachimba ini-ciou suas atividades em junhode 1989, depois do seu pro-jeto ter sido fundamentadoem estudos preliminares enormas operacionais. MariaCristina Braga, doutora emProcessos Ambientais e par-ticipante da realização desteprojeto, trabalhou para a Se-cretaria do Meio Ambiente daPrefeitura de Curitiba de 1987a 1994, cuidando dogerenciamento de resíduossólidos. Ela afirma que a ca-pacidade de projeto do ater-ro da Cachimba é de3.239.500 toneladas e queconsiderando a projeçãopopulacional para o municí-pio de Curitiba, significa quea vida útil do aterro seria deexatamente onze anos, doismeses e vinte e três dias. Coma campanha da reciclagem que

a prefeitura de Curitiba lan-çou no final de 89, o tão co-nhecido “lixo que não é lixo”tinha a intenção de aumentara vida útil deste aterro em atéquatro anos, mas a aceitaçãodo lixo de outras cidades daregião metropolitana, fez comque a quantidade de lixo ládepositado aumentasse aindamais, mesmo com a retiradade uma parte do materialinorgânico. Isto significa que,na realidade, em nada au-mentou o tempo de vida útildo local.

Contudo, a prefeitura es-tendeu a data de encerramen-to do aterro para janeiro de2003, quando isto já deveriater acontecido no ano passa-do. Para Maria Cristina, o mai-or problema com relação aoesgotamento do aterro é aperda da capacidade, por par-te das lagoas de tratamentode chorume, de tratar este lí-quido escuro, gerado peladegradação de resíduos, que

contém alta carga poluente eque acaba por desembocar noRio Iguaçu. Ela reafirma quedeve ser dada muita importân-cia ao tratamento desta subs-tância.

Novas possibilidadesAté janeiro de 2003 o novo

aterro sanitário de Curitiba eregião metropolitana deveráestar em funcionamento. Aescolha do local fará partedos projetos que serão apre-sentados pelas empresas queparticiparão do processo delicitação para a construção donovo aterro. Além das ofertasque as empresas concorrentefarão, os projetos de implan-tação deverão ser aprovadospelo IAP (Instituto Ambientaldo Paraná), que fornece Rima,que é o laudo de aprovaçãode um estudo de impactoambiental. Este estudo avaliaquestões como a formaçãogeológica do solo da regiãoe profundidade dos lençóisfreáticos. Deve-se lembrar que

é extremamente proibida aconstrução de um aterro sa-nitário sobre área de manan-cial com função de abasteci-mento de água. A avaliaçãotambém se dá com relação àdistancia da população local;à direção dos ventos; à dis-tancia com relação ao centrourbano e a facilidade e/oudificuldade de acesso dos ca-minhões.

A empresa concessionáriaque vencer a licitação, deverálicenciar o aterro com no mí-nimo 25 anos de vida útil epassará a cobrar tarifa de lixo,da mesma forma como é fei-to com a água e a luz hoje emdia.

Finalmente o sistema decoleta de lixo também seráprivatizado. Se inevitável,nos resta saber se os fatoresambientais serão realmenterespeitados e se o serviço co-brado será eficiente e de qua-lidade.

Ana Elisa Nicolau

Divu

lgaç

ão

Cachimba Mesmo com as campanhas de reciclagem, o aterro não conseguiu aumentar sua vida útil e a cidade está precisando de outra área para depositar o seu lixo

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Entrevista 03Comunicare, novembro de 2001

Maior a cidade, maior o problemaAmbientalista alerta para o perigo de novos aterros e diz que população ainda não sabe separar o lixo

Paul

o Au

gust

o Ra

mal

ho

Conscientização Para Teresa, a responsabilidade é de todos

Paulo Augusto Ramalho

Entre os anos 60 e 70, a então estudante de jornalismoTeresa Urban se engajou no movimento estudantil. Conside-rada uma subversiva pelos militares, teve de se exilar no Chi-le. Ao retornar, ficou quase dois anos presa em um convento.Já trabalhou em vários veículos de comunicação e foi chefede redação do jorna Folha de Londrina. As matérias sobre meio-ambiente despertaram nela a paixão pela causa ecológica. Hádez anos fundou o Projeto Rede Verde, uma organização não-governamental que fornece informações ambientais viainternet. Aos 55 anos, Teresa conta com vários livros publica-dos, o mais recente é Missão (Quase) Impossível, que relata asaga dos ambientalistas no País. Entre 94 e 96 foi auditora doPrograma de Saneamento Ambiental da Região Metropolitanade Curitiba. Nesse período estudou a questão do lixo na cida-de e descobriu a gravidade do problema.

Comunicare - Como está a si-tuação do lixo em Curitiba?Teresa - Antes do lançamen-to do programa “Lixo que nãoé lixo”, não havia nenhumadiscussão crítica sobre essaquestão. Acreditava-se que oespaço para expansão e cria-ção de novos aterros era infi-nito. Quando surgiu esse pro-grama de reciclagem aqui, omarketing em torno dele aca-bou dando a impressão à po-pulação de que o problema játinha sido resolvido. Comonum passe de mágica. O pro-blema ainda existe e a ade-são popular foi muito baixa.E até arrisco a dizer que tal-vez o problema tenha se agra-vado. O cidadãopensa: “se jáexiste um pro-grama que sepa-ra o lixo, eu nãopreciso sepa-rar”. Ele pensaque está isentodessa responsabilidade.

Comunicare - Então você acre-dita que esse programa de co-leta seletiva não vem dandocerto?Teresa - Eu não tenho os nú-meros exatos. Mas sei que opercentual de lixo reciclávelrecolhido pelos carrinheiros,os ditos catadores, é muitomaior do que o recolhido pe-los caminhões da prefeitura.E desde muito tempo que a

coleta seletiva é feita peloscarrinheiros. Eles criaram umsistema. Já o programa ofici-al é caro e ineficiente, porquesó recolhe aquilo que oscarrinheiros não pegam. Omaterial coletado não é o me-lhor, com pouca possibilidadede reciclagem, acabando mui-tas vezes no aterro sanitário.

Comunicare - O retorno eco-nômico não vale a pena?Teresa - Não. A reciclagem éviável para determinados ti-pos de papel e principalmen-te o alumínio. Tanto que a lataé o material mais reciclado emCuritiba. Quanto ao plásticoreciclado, ele tem uma quali-

dade inferior eé pouco práti-co para o con-sumo. É difícilreaproveitá-lona mesma fun-ção. Nesse as-pecto a Itália é

um bom exemplo. A legislaçãode lá determina que o própriofabricante dê um fim ao ma-terial. Com isso as embalagensretornáveis voltaram a ser uti-lizadas pelos consumidores.

Comunicare - Essa medidadeveria ser seguida no Brasil?Teresa - Essa atitude nos re-mete ao outro lado da ques-tão. Não existe nenhuma pos-sibilidade de fazer um bomprograma de separação de

lixo que não pegue as duaspontas: a produção e o con-sumo. Na verdade o consumi-dor deve ter uma parcela deresponsabilidade. O que eletraz para sua casa vai se trans-formar num problema. Porisso tem que pressionar o fa-bricante para que ele possater outras opções menos pre-judiciais ao meio-ambiente.

Comunicare - E o consumi-dor tem noção dessa respon-sabilidade?Teresa - Não tem. Ele aindapensa assim: “eu ponho o lixona rua e o problema já não émeu”. O que acontece com olixo não lhe interessa. É umaposição cômoda, porque elecobra das indústrias menospoluição do ar e preservaçãoflorestal, mas pouco se preo-cupa com a questão do lixo.Então eu defendo que hajamais informações. Primeiro épreciso esclarecer que o pro-blema do lixo em Curitiba nãoestá resolvido, como na mai-

oria das cidades de todo omundo, para depois repassarparte dessa responsabilidadeao consumidor.

Comunicare - E quanto aosrios de Curitiba, por que a po-pulação ainda joga lixo neles?Teresa - Isso é uma questãocultural. Historicamente osrios sempre foram a lixeirada cidade. Tanto para o mo-rador, para a indústria e parao saneamento. Isso porqueo rio leva tudo embora. Elecomeçou a ficar sujo como cresc imento urbano econseqüentemente o dolixo. E até mesmo os pró-prios aterros poluem osmananciais subterrâneos.

Comunicare - Para mudar essaconduta basta conscientizar? Outambém é preciso multar quemnão cumpre, como ocorre emNova York?Teresa - O processo deconscientização produz resul-tados a médio prazo. Uma

mudança total de conduta le-varia pelo menos duas ou trêsgerações. É preciso que tam-bém refletisse na indústria. Équase impossível hoje umapessoa ir ao supermercado ecomprar suco natural em gar-rafa de vidro, ou comprarqueijo fatiado que não estejanuma embalagem de isopor.E isso se deve ao ritmo devida atual. Ninguém quer fi-car guardando garrafa paradepois trocar no supermer-cado. É preciso encontraruma solução.

Comunicare - Qual seria asolução?Teresa - Informar é o pontode partida. Veja o aterro sa-nitário em Curitiba. Ele estáquase em seu limite. Existe in-clusive um projeto para umnovo aterro. Assim mesmo,vai chegar um dia em que nãohaverá mais espaço para de-positar o lixo. O problema ébastante grave. Há uma dis-cussão aqui que propõe taxaro lixo pelo volume produzi-do. O que pode levar o con-sumidor a escolher com maiscuidado suas compras. Masreitero, isso não será soluçãose não houver outras opçõesde produtos para o consumi-dor. Não se pode penalizá-lopela falta de opção.

Comunicare - Você está oti-mista ou pessimista com aquestão do lixo no futuro?Teresa - Eu acho que nósainda somos um pouco “bi-cho”. Temos uma espécie deradar que nos avisa quandoa situação estiver preta. Onosso instinto de sobrevi-vência prevalece em situa-ções extremas. E por outrolado, a indústria começa aperceber que a reciclagempode ser um bom negócio.Afinal, na economia de mer-cado atual todos queremganhar dinheiro.

Uma mudança deconduta levariapelo menos duasou três gerações

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Separar, reciclar, preservar COMUNICAREJornal Laboratório da PontifíciaUniversidade Católica doParaná

Edição nº42 - Lixonovembro/2001

Jornalista ResponsávelZanei Barcellos

DRT 1182/07/93 - PR

PUCPRRua Imaculada Conceição,1155

Prado VelhoCuritiba-PR

ReitorProf. Dr. Clemente Ivo Juliatto

Decano do CCJSProf. Roberto Linhares da

Costa

Decano AdjuntoProf. Constantino Comninos

Diretora do Curso deComunicação Social

Mônica Fort

Editores

Primeira PáginaMarcelo Ribeiro

OpiniãoMariane Antunes

EntrevistaPaulo Augusto Ramalho

CidadesEverson MizgaCláudia Prati

PolíticaJuliane Ferreira

EducaçãoPatrícia Bahr

GenteAna Paula Maske

TrabalhoRenata Torres

ConsumoPatrícia KarkleAndré Amorin

CulturaCarin Rauth

ArteFelipe Araújo

SaúdeLuana Zugman

InternacionalBruno de Vizia

EspecialLuis Henrique Rui

Revisão e Arte FinalGuilherme Conter

Fale com o Comunicare:[email protected]

O lixo é assunto mundial. Se não houver consciência, poderemos afundar nele

DECLARAÇÃO INTERNACIONAL SOBRE PRODUÇÃO MAIS LIMPACom o intuito de fomentar

uma produção mais limpa, oPrograma das Nações Unidas parao Meio Ambiente- PNUMA, lançouem 10 de setembro de 1999, aDeclaração internacional sobreprodução mais limpa, com 159signatários entre eles 34 países,41 empresas e 30 academias, sociedades e grupos de trabalho.

“Reconhecemos que aconsecução do desenvolvimentosustentável é uma respon-sabilidade coletiva e que asatividades encaminhadas aproteger o meio ambiente hãoque contemplar a adoção depráticas de produção e consumossustentáveis.

Consideramos que a Produçãomais Limpa e outras estratégiaspreventivas, tais como aEcoeficácia, a ProdutividadeEcológica e a Prevenção àContaminação são as opçõesadequadas a estes fins e querequerem o desenvolvimento, orespaldo e a aplicação demedidas específicas.

Concebemos a Produção maisLimpa como norma, que exige aaplicação permanente de umaestratégia preventiva integral aprocessos, produtos e serviços, emáreas de bem social, sanitário,de meio ambiente e desegurança”.

A estes efeitos, noscomprometemos a:

LIDERANÇA

- para promover a adoção depráticas sustentáveis de produçãoe consumo;

CONSCIENTIZAÇÃO, EDUCAÇÃOE CAPACITAÇÃO

- a orientação e odesenvolvimento de programas desensibilização, educação eformação;

- o estímulo à implantação deconceitos e princípios nosprogramas educativos;

INTEGRAÇÃO

- Favorecer a incorporação deestratégias preventivas mediante

os elementos disponíveis, comoa análise dos efeitos sobre oretorno o desempenho do meioambiente, ou a avaliação dasrepercussões na natureza, osciclos vitais e as normas corretasde produção.

DESENVOLVIMENTO

- Criar soluções inovadorasfavorecendo a renovação dasestratégias afim de lhes dar umcaráter mais preventivo, nasatividades de desenvolvimento;

- promovendo o desenvolvimentode produtos e serviços querespeitem o ambiente e querespondam às necessidades doconsumidor.

A palavra “lixo” significa“tudo que não presta e sedeita fora; que se varre com avassoura; cisco; escória;sobras; imundície; sujidade”,conforme o Dicionário Aurélio.

Os problemas atribuídosao lixo são assuntos deinteresse mundial, pois a cadadia aumenta a quantidade delixo produzido, e as cidadesnão estão tendo mais o quefazer com ele. Espaço para oslixões praticamente não existemais.

Atualmente, o país quemais produz lixo no mundo,segundo a revista “NationalGeograph Magazine”, do“World Watch Institute” são

os Estados Unidos. Só emmatéria de pneus usados(quase novos), jogam-se fora400.000 pordia, isso cor-responde a 150milhões porano. As emba-lagens de alu-mínio descar-táveis dariampara construir6 mil aviõesDC-10 por ano.O lixo domés-tico da cidadede Nova York,gerado em 15 anos, dá paraconstruir uma pirâmide de150 metros de altura, pesando

50 milhões de toneladas; apirâmide de Queops, no Egito,tem 140 metros de altura e

pesa 6 milhõesde toneladas.

O america-no comum pro-duz uma médiade 2 quilos delixo domésticopor dia. Se ossacos de lixo deuma famíliamédia ameri-cana, de quatropessoas, fos-sem empilha-

dos, em uma semana atin-giriam uma altura de pelomenos três metros.

A riqueza de um paístambém é fator diferencial naprodução de lixo. Os paísesmais ricos consomem maisprodutos embalados que ospaíses mais pobres; nessecaso, os lixos variam em tipoe quantidade, causandoincômodos diferenciados.Outro exemplo, a produçãoindustrial dos países ricos, émaior e mais diversificada,implicando gerações distintasem espécie e volume gerado.

Se não houver jeito deamenizar a geração de lixos eformas de contornar osexcessos em suas gerações, omundo acaba afundado nele.

Produção de lixodomiciliar por país

(kg/dia)

Estados Unidos: 3,2Itália: 1,5

Holanda: 1,3Japão: 1,1Brasil: 1

Grécia: 0,8Portugal: 0,6

Comunicare, novembro de 2001 Opinião02

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Comunicare, novembro de 2001 Especial16

Para onde vai todo lixoque produzimos? Quem serãoas pessoas que cuidam des-te lixo? À noite, quando tudose acalma um pouco, perso-nagens anônimos trabalhampara ganhar a vida e fazercom que as folhas, as pon-tas de cigarro, papéis e quemsabe outras coisas, não es-tejam mais lá no outro dia.Mas eu repito a pergunta:Quem são estas pessoas? Seráque elas possuem histórias?Tristes? Alegres? Curiosas?

AD-789. É a placa do veí-culo da senhora Ivonete deOliveira, 43 anos. Duas rodasde bicicleta, uma armação demetal e uma tela para fechar.Dentro, muito papel, plásti-co e vidro. Atrás, uma placaamarela, daquelas antigas,quem sabe para tentar fan-

tasiar um outro mundo. Aolado e sempre, Bethoven, oinseparável cachorro. “Às ve-zes eu saio de casa sem eleme ver. Três quarteirões de-pois ele aparece”, conta.

Ivonete tem 43 anos, se-parada, mãos machucadas,três filhos que ficam na casada mãe quando sai de casaàs 5 horas da tarde e retornapor volta da 1 hora da ma-nhã do depósito, com seisreais no bolso. Quando per-gunto a ela o que de maisvalioso ela encontrou nestanoite, ela responde: “Querver o que eu achei de maisvalioso?”, e ela me mostraum carrinho de brinquedosem as rodas que disse queiria levar para o filho menor.

Seu Joaquim Pereira dosSantos Neto, também traba-

lha com lixo só que não oreciclável. Ele é funcionárioda empresa responsávelpela limpeza da cidade. Var-re ruas das 9 da noite às 5da manhã desde 1996. Per-gunto: O senhor é casado?”,e ele responde coçando obigode todo torto:“Amuntuado”.

Outro personagem anôni-mo das ruas é seu Sandovalde Almeida. Uns quarentaanos. Casado, 5 filhos paracriar com o dinheiro que vemdo lixo. Um homem simplesmas com educação e umamaneira de falar muito cor-reta. Diz que já viu de tudonesses 10 anos de trabalhona rua. Assaltos, mortes, aci-dentes e “até gente fazendosexo”, ressalta espantado.

Vinícius Schreiner

Todos têm curiosidade desaber fatos sobre a vidaalheia, isso justifica o grandenúmero de publicações quetêm como tema à vida de fa-mosos. Da mesma forma, hácuriosidade em saber o queacontece na casa de pessoasmais próximas. Afinal quemnão quis ser uma mosca paravoar até casa vizinha e ver oque estava acontecendo?

Os nutricionistas e pes-soas ligadas à área de saúdedizem que as pessoas são oque comem, essa máxima tam-bém pode ser usada para olixo. Tudo que uma pessoajoga fora conta um pouco doseu dia, da sua vida. É possí-vel descobrir os hábitos decada pessoa. O lixo de umacasa de família de um bairrode classe média em Curitiba,tendo como base o seu lixo.Examinando seu lixo, foi pos-sível descobrir muitas curio-sidades

Nos sacos de lixo haviamuita coisa, mas algumasidentificavam mais claramen-

te características pessoais, taiscomo rotina, hábito alimen-tares, situação econômica efatos recentes da vida dacasa.

FaxinaO dia 6 de novembro

foi dia de faxina geral na casa,pois havia no lixo um vidrovazio de limpador multiuso,embalagem de luvas para lim-peza, panos velhos aindaúmidos e um pacote de panosPerfex.

Como sempre aconteceem uma grande limpeza emcasa um dos sacos de lixo dacasa tinha muitos papéis, cor-respondências, contas revis-tas e jornais velhos. A exis-tência de alguns brinquedosquebrados indica que na casahá pelo menos uma criançaou que houve alguma, afinalum dos brinquedos é um dossaudosos “Aquaplay”. Prova-velmente são moradores doapartamento um casal comum filho.

AlimentaçãoDepois de fazer a faxi-

na toda, a moradora aindateve ânimo para cozinhar al-guma coisa, muito provavel-mente um bolo, afinal em umdos sacos havia uma caixa deovos vazia, muitas cascas deovos, um pote de margarina,além de uma embalagem defermento. Para acompanhar obolo a família tomou Coca-Cola, a embalagem ainda es-tava um pouco molhada.

Muitas caixas de leite fo-ram mais um indicativo de quehá uma criança no aparta-mento. Mas a conta de gásmarca que apenas 6,99 m3 fo-ram usados no mês de outu-bro. É válido supor que osmoradores do apartamentofiquem pouco tempo em casae façam a maior parte de suasrefeições na rua.

EconomiaRealmente a família é

de classe média. Não há mui-tos enlatados no lixo ou em-balagens de produtos impor-tados mas a grande parte dosprodutos usados na casa sãode marca de boa qualidade.

Entre os papéis rasga-dos havia uma publicação deuma associação de funcioná-rios públicos, alguém na casatrabalha para o governo fe-deral.

A família parece ser fielaos costumes de consumo,afinal todas as sacolas plás-ticas são do mesmohipermercado, que fica loca-lizado nas proximidades docondomínio.

Você sabia?

* O Brasil é um dos países que mais recicla alumínio.Quem imaginou que isso representa a nossa consciência eco-lógica errou. O Brasil subiu nesse ranking nos últimos anosdevido ao aumento de pessoas que atuam na economiainformal, leia-se desempregados, catando latas nas ruas eem eventos.

* A cada 24 horas, o Brasil produz 240 mil toneladas delixo- sujeira que seria suficiente para lotar 1.160 aviõescargueiros do tipo Boeing 747. Em 1982, cada brasileirojogava meio quilo de lixo por dia. Em 96, a média foi de750 gramas per capita. Os números ainda são pequenos secomparados com os do Japão, onde cada habitante produzcerca de 2 quilos de lixo ao dia.*

* Na década de 80, Cubatão, o maior pólo petroquímicodo país, foi considerada a cidade mais poluída do mundo.As indústrias despejavam a cada ano 4,7 milhões de tonela-das de lixo no solo e nos rios de Cubatão.*

*fonte: Guia dos curiosos na Internet/ www.guiadoscuriosos.com.br

Sem dúvida uma olha-da mais atenta no lixo alheioé a melhor forma de conhe-cer uma pessoa. Um pouco deatenção faz com que qualquerum saiba mais sobre o outrodo que qualquer: “Bom dia!Será que chove hoje?” no ele-vador.

Luiz Henrique Rui

Lixo doméstico Dá para saber a vida de uma pessoa através dele

Muitas vidas por trás do lixo

O lixo doméstico revela aspectos da vida cotidiana, desde o sabonete favorito até os gastos pessoais

O que o seu vizinho anda fazendo?

Luiz

Hen

riqu

e Ru

i