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5/10/2008 43SALVADOR DOMINGO42 SALVADOR DOMINGO 5 / 1 0 / 20 0 8
GAST R ÔBETOPIMENTEL
O donodo
ÉdenTexto MARCOS DIAS [email protected] MARGARIDA NEIDE [email protected]
Originalidade, criatividade e irreverência são as marcasdeste chef baiano. Ele é apaixonado por seu pomar, deonde surgem receitas elogiadas no Brasil e no exterior
Tradicionalmente, uma moqueca leva apenas seis ingredien-
tes: tomate, cebola, coentro, pimentão, leite de coco e azeite
de dendê. Mas a do chef Beto Pimentel leva 30: noz-mos-
cada, folhas de tangerina e laranja-da-terra picadas, ca-
pim-santo e resina de amescla, entre outros. A mãe de Beto
tinha razão: “Parece que ele tem um diabo que o futuca”.
Inquieto, irreverente, com um pensamento acelerado, pode estar falan-
do algo muito sério e, abrindo um parêntese, contar uma piada. Ou de-
satar a falar nomes de frutas que dão vertigem no interlocutor. Ao comer
seus pratos, a impressão é que se está diante de um gênio. “Gênio o
quê?! Eu não tenho é preguiça de fuçar“.
Mas é com reverência que o chef é tratado, nas muitas vezes em que
é convidado para representar o Brasil no exterior – na França, onde
esteve recentemente, chegaram a dizer que ele era o Ronaldinho da
gastronomia. Sem contar comas suas participações, sempre concor-
ridíssimas, em eventos nacionais, como o Laboratório Paladar e a Se-
mana Mesa, em São Paulo.
“Ando meio zangado com a Bahia, porque a Bahia só dá valor a quem
vem de fora“, diz ele, argumentando que não precisamos copiar nada de
outros países, porque temos uma natureza pródiga. ”É só questão de
trabalhar mais e de pesquisar. Baiano adora copiar, adora ser papel-car-
bono do Primeiro Mundo“.
No seu restaurante, o Paraíso Tropical, loca-
lizado no Cabula, Beto tem um tesouro: um po-
mar, com seis mil pés de frutas e 137 varieda-
des, além de uma horta orgânica. E aí reside o
trunfo da sua premiada culinária baiana, que
não utiliza produtos industrializados e atenta
para a ciência da alimentação.
“Adoro a comida baiana que faço. Desculpe
a falta de modéstia, porque ela é cheirosa, sa-
borosa, bonita e rica em nutrientes, com gran-
de preocupação em ser saudável e lidando com
as nossas coisas“. Quem prova, lhe dá razão.
Ele chegou a essa forma porque, apaixonado
por moquecas, não podia mais comer a tradi-
cional: “A combinação de azeite de dendê, que
leva 3000 na indústria, onde são eliminados to-
dos os nutrientes, com o leite de coco, que é
supergorduroso e calórico, não me faz bem“.
Beto usa o biribiri com o limão, cujo ácido, de
acordo com ele, tem a propriedade de corroer
Mo q u e c a
vegetariana. Na
outra página, Beto
Pimentel “na agricultura”,
com o pé de biribiri
5/10/2008 43SALVADOR DOMINGO42 SALVADOR DOMINGO 5 / 1 0 / 20 0 8
GAST R ÔBETOPIMENTEL
O donodo
ÉdenTexto MARCOS DIAS [email protected] MARGARIDA NEIDE [email protected]
Originalidade, criatividade e irreverência são as marcasdeste chef baiano. Ele é apaixonado por seu pomar, deonde surgem receitas elogiadas no Brasil e no exterior
Tradicionalmente, uma moqueca leva apenas seis ingredien-
tes: tomate, cebola, coentro, pimentão, leite de coco e azeite
de dendê. Mas a do chef Beto Pimentel leva 30: noz-mos-
cada, folhas de tangerina e laranja-da-terra picadas, ca-
pim-santo e resina de amescla, entre outros. A mãe de Beto
tinha razão: “Parece que ele tem um diabo que o futuca”.
Inquieto, irreverente, com um pensamento acelerado, pode estar falan-
do algo muito sério e, abrindo um parêntese, contar uma piada. Ou de-
satar a falar nomes de frutas que dão vertigem no interlocutor. Ao comer
seus pratos, a impressão é que se está diante de um gênio. “Gênio o
quê?! Eu não tenho é preguiça de fuçar“.
Mas é com reverência que o chef é tratado, nas muitas vezes em que
é convidado para representar o Brasil no exterior – na França, onde
esteve recentemente, chegaram a dizer que ele era o Ronaldinho da
gastronomia. Sem contar comas suas participações, sempre concor-
ridíssimas, em eventos nacionais, como o Laboratório Paladar e a Se-
mana Mesa, em São Paulo.
“Ando meio zangado com a Bahia, porque a Bahia só dá valor a quem
vem de fora“, diz ele, argumentando que não precisamos copiar nada de
outros países, porque temos uma natureza pródiga. ”É só questão de
trabalhar mais e de pesquisar. Baiano adora copiar, adora ser papel-car-
bono do Primeiro Mundo“.
No seu restaurante, o Paraíso Tropical, loca-
lizado no Cabula, Beto tem um tesouro: um po-
mar, com seis mil pés de frutas e 137 varieda-
des, além de uma horta orgânica. E aí reside o
trunfo da sua premiada culinária baiana, que
não utiliza produtos industrializados e atenta
para a ciência da alimentação.
“Adoro a comida baiana que faço. Desculpe
a falta de modéstia, porque ela é cheirosa, sa-
borosa, bonita e rica em nutrientes, com gran-
de preocupação em ser saudável e lidando com
as nossas coisas“. Quem prova, lhe dá razão.
Ele chegou a essa forma porque, apaixonado
por moquecas, não podia mais comer a tradi-
cional: “A combinação de azeite de dendê, que
leva 3000 na indústria, onde são eliminados to-
dos os nutrientes, com o leite de coco, que é
supergorduroso e calórico, não me faz bem“.
Beto usa o biribiri com o limão, cujo ácido, de
acordo com ele, tem a propriedade de corroer
Mo q u e c a
vegetariana. Na
outra página, Beto
Pimentel “na agricultura”,
com o pé de biribiri
5/10/2008 45SALVADOR DOMINGO44 SALVADOR DOMINGO 5 / 1 0 / 20 0 8
cálculo renal, baixar o colesterol e regular
diabetes, e é considerado o fruto mais di-
gestivo que existe. “Com esse fruto, o ba-
cumixá e a uvaia, não é preciso usar vina-
gre. Para que usar extrato de tomate se te-
mos urucum, se temos o tomate?”.
Engenheiro agrônomo, Beto também é
formado em química alimentar. Às críticas
de que estaria descaracterizando a culiná-
ria baiana, diz apenas que descaracterizar é
uma coisa e evoluir é outra: ”O mundo evo-
lui por minuto, por que a cozinha baiana
tinha que ficar estagnada?”.
Nos eventos de que participa, costuma
dizer que a cozinha que apresenta não é de-
le, mas dos antigos escravos. Mesmo com
as dificuldades em que viviam, eles conse-
guiram, segundo Beto, fazer maravilhas
como acarajé, abará e vatapá, que, na sua
opinião, é a melhor iguaria do mundo,
“desde que bem-feita“.
Ele quer dizer que o vatapá deve ser co-
mo um sorbet, e não ter migalhas. “Ao ser
colocado na boca, deve sumir“. No cardá-
pio do Paraíso, a propósito, há uma varia-
ção com inhame (veja receita) e também
pode-se fazer com aipim. Para quem ainda
faz vatapá com pão velho, Beto diz que os
escravos faziam com pão velho porque não
tinham dinheiro para comprar novo. “Tam-
bém não conheciam triglicérides, gordura
saturada, selênio, licopeno e resveratrol.
Sem contar que o pão tem muita química.
A indústria está se lixando para a sua saú-
de, querem vender o produto deles e en-
cher o bucho de dinheiro“.
POMAR DOS SONHOSO cuidado, o sabor e a beleza dos pratos
criados por Beto Pimentel no seu restau-
rante esconde, na verdade, uma paixão
maior: seu pomar, que o chef Olivier Roel-
linger, considerado um dos 30 melhores
chefs contemporâneos, três estrelas do
Guia Michelin em 2008, chamou de Jardim
do Éden de Beto Pimentel no livro Trois
étoiles de Mer, (Ed. Flammarion, 2008).
Criado há 12 anos, o Paraíso Tropical foi
premiado no primeiro ano pelo Guia 4 Ro-
das e, desde 2000, é considerado pela pu-
blicação como o melhor de comida baiana
no Brasil. Em 2008, além do restaurante,
ele recebeu uma distinção do 4 Rodas por
contribuição à arte culinária. A Europa tam-
bém se curvou ao seu talento: em 2003 re-
cebeu a cobiçada Commanderie des Cor-
dons Bleus de France.
"Gosto de fazer comida, mas meu so-
nho de infância era ter um pomar", admite
Beto, 64, que não precisa mais roubar fruta
no quintal do vizinho. "Meu sonho era ter
um pomar, chupar uma caixa de picolé so-
zinho, comer uma caixa de torrone, uma
caixa de diamante negro, mas nunca foi
meu sonho ser dono de restaurante".
Das muitas espécies que possui, saem
as responsáveis por dar sabor ao que con-
sidera o melhor prato do cardápio: o peixe
e polvo grelhado com frutas grelhadas. Le-
vou quase seis meses até conseguir a proe-
za de dar sabor às frutas sem usar produto
industrializado. Aí foi pura alquimia: jun-
tou caldo de cacau, caldo de achachairu e
mel de abelha sem ferrão – que pode ser de
uma jataí, mandaçaia ou uruçu.
E novas criações do chef serão apresen-
tadas na próxima edição do Laboratório
Paladar e na Semana Mesa SP: a moqueca
de talharim, por exemplo, é feita com pitu
ou bacalhau queimado na brasa. Não faça
essa cara que ele já fez o teste: “16 empre-
sários italianos vieram aqui, provaram e,
no outro dia, vieram 26“. A outra é uma
moqueca de cereais com frutas.
Pai de 23 filhos, fruto de quatro casa-
mentos, o humor é uma marca de Beto,
que pode ser condensado na sua máxima:
“De dia, na agricultura; de noite, na cria-
tura“. Antenado, a descoberta do pré-sal
na costa brasileira o fez alterar seu emble-
ma, que agora é: “De dia, na escavação; de
noite, na perfuração“.
Para Beto, essa história de que para fa-
zer boa comida é preciso amor, não é bem
assim. “Amor dá bons fluidos, mas não dá
sabor. Cozinha é atenção, dom, sapiência e
cultura”, ensina.
Uma grande influência na sua trajetória
foi sua vó Zizinha, na sua opinião, a melhor
cozinheira da Bahia. Foi ela quem cozinhou
para a Rainha Elizabeth em sua passagem
por aqui. E foi também sua vó quem inven-
tou as frigideiras de caju e de maturi: "O
pessoal de Santo Amaro aprendeu a fazer
com a minha avó".
Nascido em Bom Jesus dos Pobres, na
Baía de Todos os Santos, aos sete anos já
comia frigideira de caju e de maturi, além
de moqueca de caju. Alerta geral: “Não vá
pegar o caju, cortar em rodela e fazer a mo-
queca. Tem que tirar a pele, furar ele todo,
tirar todo o caldo, desfiar e colocar na mo-
queca, acompanhando uma ostra ou um
camarão“. Beto garante que fica maravi-
lhoso. Alguém duvida? «
Peixe e polvo grelhados com frutas: Beto levou seis meses para criá-lo
« Ando zangadocom a Bahia. Sódão valor a quemvem de fora»Beto Pimentel, chef
R E C E I TAVATAPÁ DE INHAME DE BETO PIMENTEL300gr de inhame cozido / 400ml de leite decôco (de preferência leite de côco verde)*/50gr camarão seco defumado / 50gr camarãofresco/ 30gr castanha-de-caju/ 30gramendoim torrado/ 1 cebola média picada/ 2colheres (sopa) de azeite de olivaextra-virgem/ 1 colher (café) de gengibre/ 2colheres (sopa) de azeite de dendê/ Sal ag os t o
P R E PA R ORefogue a cebola em uma frigideira comazeite de oliva. Bata no liquidificador oinhame,o leite de coco (bater no liquidificador300ml de água de coco junto com 200gr dapolpa (carne) do coco verde),o camarão seco,o camarão fresco, a castanha-de-caju,oamendoim e o gengibre. Depois passe napeneira para não ficar "pedaços". Junte àcebola refogada. Deixe cozinhar por 5 minutossempre mexendo. Após desligar o fogoacrescente o sal e o azeite de dendê.
ONDE COMERParaíso Tropical - Rua Edgar Loureiro 98-B, segundatravessa à esquerda da Rua Nossa Senhora do resgate(Cabula), 71 3384-7464