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    EFEITO DO ENVELHECIMENTO NAS MANIFESTAESFONOAUDIOLGICAS DA DOENA DE MACHADO-JOSEPH:

    relato de um caso

    Simone A. Finard de Nisa e Castro*

    Lauren Medeiros Paniagua**

    Antonio Cardoso dos Santos***

    Resumo

    A doena de Machado-Joseph (DMJ) uma degenerao espino-cerebelar autossmica dominante que acarreta perdas funcionais progressivase dependncia ao indivduo. Este trabalho descreve o acompanhamentofonoaudiolgico de uma paciente de 60 anos, portadora de DMJ, encaminhadado Servio de Gentica ao Servio de Fisiatria do Hospital de Clnicas dePorto Alegre (HCPA). Sob a avaliao fonoaudiolgica, confirmou-se ocomprometimento da deglutio e da fala, sendo indicada a realizao diriade exerccios miofuncionais orofarngeos. Aps o perodo de tratamento, aqueixa de engasgos ainda ocorria, diferente do que observado durante oacompanhamento de pacientes mais jovens com o mesmo quadro funcional.

    Esse resultado poderia tanto ser decorrente de perdas especficas do envelhe-cimento, quanto da falta de motivao para realizar as prescries, o quetorna este relato relevante para o aprofundamento da prtica fonoaudiolgica.

    Palavras-chave: Doena de Machado-Joseph. Envelhecimento. Disfagia.Disartria. Fonoaudiologia. Reabilitao.

    * Fonoaudiloga do Servio de Fisiatria do Hospital de Clnicas de Porto Alegre (HCPA),Professora dos Cursos de Fonoaudiologia e Nutrio da Faculdade Nossa Senhora de Ftima,Doutora em Gerontologia Biomdica pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande doSul (PUCRS). E-mail: [email protected]

    **Fonoaudiloga Clnica, Pesquisadora do Servio de Otorrinolaringologia do HCPA, Aperfei-oamento Terico-Prtico em Fonoterapia no HCPA. E-mail: [email protected]

    ***Mdico Fisiatra, Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS). E-mail: [email protected]

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    1 Introduo

    As doenas degenerativas podem ser definidas como transtornos nosquais existe destruio do corpo celular do neurnio por processos no txicosou infecciosos. So caracteristicamente progressivas e classificadas como sub-seqentes etiologia gentica e hereditria, as doenas heredo-degenerativas,ou sem o aspecto hereditrio presente (ASSNCIO-FERREIRA, 2003). Adoena de Machado-Joseph (DMJ) uma ataxia hereditria autossmicadominante, tambm conhecida como ataxia espinocerebelar do tipo 3 (COU-TINHO & ANDRADE, 1978; ISASHIKIet al., 2001). Apresenta uma grande

    variabilidade fenotpica e, entre as diferentes formas clnicas, pode aparecerataxia cerebelar associada a sinais piramidais, as formas ditas extrapiramidais,entre outras (TEIVE & ARRUDA, 2004).

    Constatou-se que, na maioria dos casos, o comprometimento comeaa surgir entre 25 e 55 anos (SEQUEIROS, 1996a), sendo o desequilbrio,conforme Coutinho (1996), o primeiro sintoma percebido pelo paciente ou

    pela famlia. Esse sintoma inicialmente aparece na marcha e, na progressoda doena, mesmo na posio em p. A ataxia, quando afeta a fala, podelimitar levemente a articulao at, em casos tardios, chegar a disartria grave.Quanto deglutio, todos os pacientes desenvolvem disfagia por alterao

    pseudobulbar ou leso em pares enceflicos inferiores. Foram verificadostambm comprometimentos dos movimentos oculares e paralisias oculomo-toras, leso piramidal com hiper-reflexia e espasticidade, e leso em cornosanteriores da medula, causando atrofia, fraqueza muscular e abolio dosreflexos (COUTINHO, 1996).

    Jardim et al. (2001) verificaram que, na regio sul do Brasil, entre asataxias espinocerebelares, a DMJ foi a que apresentou a maior proporode casos diagnosticados.

    Os sintomas associados a esta doena acompanhados pela fonoau-diologia (NISA-CASTROet al., 2003), a disartria e a disfagia, determinam uma

    limitao progressiva importante. A disfagia pode desencadear complicaesseveras, como a pneumonia aspirativa, que necessitam de interveno rigorosae interdisciplinar. Devido a isto, importante conhecer a evoluo destessintomas na doena degenerativa, pois as perdas associadas ao envelhecimentonormal podem, no caso da deglutio, por si s determinar riscos para adisfagia (GROHER, 1999).

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    Com relao expresso oral, estudos confirmaram que os idosostm boa comunicao em seu meio, pois as leves modificaes que ocorremna voz ou na articulao tm impacto moderado nas interaes comunicativas.A maioria das pessoas idosas saudveis demonstra uma comunicao normal.Verificou-se que tanto os indivduos que ficam completamente sem dentesquanto os que apresentam prtese dentria mal-adaptada podem produzirerros articulatrios (BOONE, BAYLES & KOOPMAN JNIOR, 1982).Com a anlise eletromiogrfica dos msculos orbicular da boca e masseteresde idosas saudveis, identificou-se uma equivalncia motricidade da fala decrianas. Com isso, verificou-se que, em idosos, a mdia dos padres da

    atividade muscular para produzir movimentos da fala seqencial pode retornara estgios precoces do desenvolvimento (RASTATTER et al., 1987).

    A deglutio do idoso apresenta o estgio oral levemente mais longo,o que poderia desencadear um atraso no disparo do reflexo da mesma(LOGEMANN, 1998). Confirmou-se, atravs de instrumentos refinados devideofluoroscopia, que a velocidade da deglutio no apresenta declniosignificativo entre sujeitos acima de 50 anos e, caso ocorresse, seria sinal dealgum problema a ser investigado (GLEESON, 1999). Isso foi reforado

    porque o atraso no disparo do reflexo na transio orofarngea no determinouaspirao em nenhum dos idosos avaliados em estudo similar. (ROBBINS,

    1992). Mesmo assim, idosos normais, em torno de 80 anos, apresentaramqueixa de aspirao de lquido sem uma causa aparente, o que refora aimportncia da investigao deste sintoma. Foram encontrados sinais demicroaspirao por ptose larngea, associados latncia para a resposta

    protetiva das vias areas com elevao larngea limitada ou dificuldade paracontrole muscular do tero posterior da lngua. Verificaram-se tambmalteraes na deglutio associadas a patologias esofgicas, divertculosfarngeos ou presena de ostefitos cervicais (MANSUR & VIUDE, 1996),ou ainda por prteses mal-adaptadas (MARCHESAN, 1995).

    Mesmo em idosos no-disfgicos, para Nilsson et al. (1996), quando

    comparados com indivduos jovens, encontrou-se diferenas na deglutioem dez de dezessete aspectos explorados, como: diminuio no pico depresso de suco, aumento da freqncia de movimentos larngeos polifsi-cos, aumento da freqncia de inspiraes aps a deglutio, aumento dafreqncia de tosse durante ou aps a deglutio. Mesmo assim, estas modifi-caes foram consideradas discretas pelos autores.

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    Avaliando-se idosos sem doenas sistmicas e usurios do Sistemanico de Sade, foram identificadas queixas de alteraes da motricidadeorofacial, como: dificuldade de mastigao, deglutio difcil, engasgos e

    problemas com a prtese dentria. Devido a esses distrbios, os idosos referiamsentimentos de vergonha, constrangimento, desconforto ou evitamento dasinteraes sociais (NISA-CASTRO, 2003). Adrados (1987) afirmou que,se o idoso tem seu nvel de energia diminudo pelo pensamento de proximidadeda morte e por restries afetivas e sociais, pode no conseguir enfrentar avida, especialmente nas grandes cidades. A velhice pode ser um momentoextremamente difcil quando o idoso no consegue elaborar e se adaptar s

    mudanas fsicas, psicolgicas e sociais que a acompanham. Uma das maioresdificuldades desta fase reside no sentimento de angstia que acompanha o

    processo de perdas e de declnio fsico (TEIXEIRA, 2004). Embora isso,em um estudo que buscou encontrar relaes entre as condies emocionaise a qualidade de vida de idosos, identificou-se que a maior parte dos sujeitosestudados apresentava adaptao eficaz no item qualidade de vida. Constatou-se tambm que os homens apresentaram melhor condio emocional e dequalidade de vida que as mulheres. A autora concluiu que a maior parte dosidosos vivia de forma saudvel, buscando solues para suas limitaes,mantendo contatos familiares e sociais, alm de desenvolver atividades que

    trouxessem satisfao e bem-estar (BERTOLINI, 2001).O objetivo deste trabalho foi descrever o acompanhamento fonoau-

    diolgico de uma idosa portadora de DMJ, assim como salientar os sintomasque necessitam de interveno criteriosa, tanto pelos riscos causados pela

    prpria doena, quanto por sua presena no processo de envelhecimento, oque pode determinar uma dificuldade ainda maior para o enfrentamento das

    perdas funcionais.

    2 Descrio do Caso

    Paciente feminina, 60 anos de idade, no-alfabetizada, do lar, iniciouinvestigao no HCPA pelo Servio de Gentica Mdica em 1997, tendo sidoconfirmada a DMJ no ano seguinte, quando foi encaminhada para acompanha-mento no Servio de Neurologia. Ao consultar, os sinais clnicos descritos

    pelo neurologista foram: quadro progressivo de ataxia e disartria, com incio emtorno dos 40 anos de idade, com a queixa principal de que [ . . . ] tropeava

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    com facilidade. J apresentava os primeiros sintomas da disfagia e a diplopiaera intermitente.

    Realizava consultas peridicas com a neurologia, tendo sido verificadossintomas de depresso. No foram encontrados registros em pronturio sobreuma avaliao especfica desses sintomas. Sob tomografia computadorizadade crnio, verificou-se atrofia cerebelar. Em nova consulta neurolgica, rece-

    beu uma prescrio para uso de antidepressivo. Ao longo das revises, mantinham-se os sintomas depressivos e passou a apresentar queixa de insnia. Deambula-va apenas com auxlio.

    Foi encaminhada pelo neurologista para o Servio de Fisiatria em

    2003, quando iniciou o acompanhamento fonoaudiolgico.A paciente compareceu ao atendimento fonoaudiolgico acompa-

    nhada de sua nora, quem contava como cuidadora, pois era dependente decadeira de rodas e semidependente para determinadas atividades de vida diria,como tomar banho ou vestir-se. Alimentava-se de forma independente. Sobavaliao, verificou-se adequada compreenso da linguagem, demonstrandocognio, ao menos, em nvel funcional. Na avaliao da disartria, realizadacom protocolo utilizado no Setor de Fonoaudiologia adaptado de Metter(1991), Carrara-Angelis (1996), Shipley e McAffe (1992) e Behlau (2001),identificou-se uso de prtese dentria total, estando a prtese superior em

    m conservao. A morfologia do sistema estomatogntico (SEG) era semparticularidades. A mobilidade e a tonicidade de lbios, lngua e bochechasestavam adequadas para movimentos bsicos do SEG, embora com disdiado-cocinesia presente e pior durante a fala. Apresentava tipo respiratrio superiore modo oronasal. No utilizava ar de reserva, embora apresentasse compro-metimento do suporte respiratrio. Apresentava impreciso articulatria leve,diminuio da velocidade da fala e disprosdia. A qualidade vocal era minima-mente spera com ressonncia hipernasal, pouca extenso vocal e limitaoda coaptao gltica.

    A paciente referia que se alimentava de forma independente e todas

    as consistncias eram ingeridas por via oral. Em avaliao especfica dadisfagia, com protocolo adaptado de OSullivan (1995), Marchesan (1995),Silva e Vieira (1998) e Silva, Gatto e Cola (2003), verificou-se alterao demobilidade e fora do SEG. Ao observar-se o movimento farngeo, identificou-se novamente nasalidade, estando presentes os reflexos de gag e palatal.Verificou-se tambm perda de fora em movimentos faringo-larngeos. Durantea avaliao com alimentos, a paciente apresentou dificuldades para a mastigao

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    do slido, principalmente devido m adaptao da prtese superior. Rea-lizou movimentos compensatrios com flexo de cabea e esforo na deglu-tio do alimento slido, embora no tenha ocorrido engasgo com nenhumadas consistncias. Apresentou movimentos compensatrios de contrao delbios para pastosos e slidos. A paciente referia que, aps o incio dos sinto-mas, a durao da refeio [ . . . ] dobrou para em torno de 30 a 40 minutos,mas no sentia que demorava a engolir. Relatava tambm que, ao deglutirsentia [ . . . ] arranhar a garganta, mas mantinha prazer ao alimentar-se. O

    pigarro no era presente, mas aps a refeio sentia [ . . . ] coceira nagarganta. Queixava-se eventualmente de sufocao antes, durante e aps a

    refeio. Caracterizava-se a presena tanto de disartria atxica quanto dedisfagia orofarngea naquele momento.

    Passou a realizar o acompanhamento fonoaudiolgico semanalmentesendo prescritos exerccios miofuncionais, tambm para realizao no domi-clio, iniciando-se com exerccios respiratrios e de ressonncia (FERREIRAet al., 1996). Como exerccios orofarngeos (LOGEMANN, 1998; FURKIM,1999) foram indicados: manobra postural de flexo de cabea, para prevenoda penetrao de resduos e de engasgos durante a refeio; manobras facili-tadoras da deglutio com exerccios de reforo e coordenao da musculaturafaringo-larngea, tosse voluntria para limpeza das vias areas, deglutio com

    esforo e degluties mltiplas, desde o incio do tratamento. Posteriormente,foram prescritos exerccios de fonao, articulao e prosdia (FERREIRAet al., 1996). Orientou-se que realizasse a seqncia de exerccios duas vezesao dia.

    A paciente no era procedente de Porto Alegre, tornando-se difcil oacompanhamento semanal no tempo planejado, ou seja, at que se confirmas-se a adequada execuo dos exerccios e a referncia de estabilidade de algumaqueixa na motricidade orofacial. Desta forma, liberou-se para acompanha-mentos mensais.

    Aps um ms, compareceu acompanhada de sua cuidadora. Utilizava

    o medicamento para a depresso, para o refluxo gastroesofgico e para asdores no corpo. Referia apresentar [ . . . ] diminuio dos movimentos docorpo, dor de cabea, eventualmente engasgos com todas consistncias oucom saliva. A paciente comentou que os episdios de engasgos no eramfreqentes, como no incio do tratamento, e o tempo de alimentao estavaem torno de 15 a 20 minutos, o que foi confirmado sob avaliao. Relatou

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    que no entendiam sua fala [ . . . ] quando ficava nervosa e pediam paraque repetisse.

    Em nova reviso, verificou-se que, embora executasse corretamentea maior parte dos exerccios, apresentava dificuldade em realizar alguns deforma adequada, o que foi reorientado sempre na presena da cuidadora.

    Naquele momento, referia no estar apresentando engasgos. Reforou-se anecessidade de que mantivesse a execuo diria dos exerccios miofuncionais.

    A paciente retornou para a reviso seguinte referindo no realizar osexerccios prescritos diariamente, mesmo assim, conseguia execut-los deforma adequada, conforme reorientado, embora lentamente.

    No compareceu reviso mensal seguinte, retornando dois mesesaps. Nessa reviso, relatou que ainda [ . . . ] se afogava com saliva. Exe-cutava os exerccios mais lentamente, mas referia realizar o programa prescritoduas vezes ao dia, o que no foi confirmado pela cuidadora. Nesse momento,comentou que tinha [ . . . ] medo de se afogar dormindo.

    Foi encaminhada para exame de Cinematografia da Deglutio,realizada apenas com lquido, no qual foi verificado: incoordenao da faseoral da deglutio e mnima penetrao larngea do meio de contraste. A

    presena de ostefitos cervicais causava compresso extrnseca sobre paredeposterior do esfago sem determinar obstculo ao meio de contraste.

    A paciente no retornou mais s revises fonoaudiolgicas.De maneira geral, verificou-se que realizava os exerccios miofun-

    cionais, mesmo com dificuldade. Por referncia da mesma, houve melhorada fala, embora em parmetros psicoacsticos mantivesse as caractersticasda disartria. Mesmo que subjetiva, a melhora na deglutio foi verificada com areferncia da reduo dos engasgos e com a diminuio do tempo da refeio

    para em torno de 15 a 20 minutos.Identificou-se que, a cada reviso, estava desmotivada para o acom-

    panhamento e realizao das prescries. Alegava ser por dificuldade finan-ceira o fato de no conseguir manter acompanhamento fonoaudiolgico siste-

    mtico. No mais retornou s revises fonoaudiolgicas e abandonou o Grupode Pacientes de DMJ coordenado pelo Servio de Psiquiatria.

    3 Discusso

    Os estudos sobre o processo de envelhecimento tm aumentadonestes ltimos anos devido ao incremento na esperana de vida. Mesmo

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    assim, o principal objetivo no seria atingir uma idade avanada, o essencialseria envelhecer com qualidade (VERAS & CAMARGO JNIOR, 1995).Considerando os sintomas e as limitaes determinadas por uma doena, aqualidade de vida torna-se um dos principais objetivos clnicos, principalmentena presena da DMJ, doena ainda sem tratamento eficaz (LIU et al., 2005).

    A sarcopenia a perda de massa e de fora muscular associada aoenvelhecimento de indivduos saudveis (BROSS, STORER & BASHIN,1999), embora ainda sem delimitao em seres humanos (KYLEet al., 2001).Mesmo assim, conforme Booth, Weeden e Tseng (1994), a perda de fibrasmusculares, neurnios motores, unidades motoras, massa muscular, disparo

    da fora muscular ou acelerao, pode ter incio entre 50 e 60 anos de idade,chegando metade de seu nmero em torno dos 80 anos. Essas perdas noteriam impacto no envelhecimento saudvel, mas devem ser mais investigadasquando na presena de uma doena degenerativa, como no caso descrito,

    pois necessitam de maior cuidado.Devido s mltiplas necessidades e cuidados, o enfoque na preveno

    terciria, na primeira linha de interveno, fundamental na assistncia afamiliares e pacientes portadores destas doenas (SEQUEIROS, 1996b). Afamlia o sistema social que d mais suporte ao doente (CALDAS, 2003),sendo necessrio chamar a ateno para o papel do cuidador domiciliar, princi-

    palmente em se tratando de assistncia ao idoso dependente (KARSCH, 2003).A paciente descrita contava com uma cuidadora da prpria famlia, que aacompanhava em todos os atendimentos e revises e tambm recebia asorientaes para manejo domiciliar das limitaes.

    Com a interveno fonoaudiolgica, tambm so abordados os distr-bios da deglutio que, para Marik e Kaplan (2003), so as alteraes da motri-cidade orofacial de maior risco, em funo da pneumonia aspirativa. funda-mental ressaltar que no est clara a distino entre uma deglutio modificada

    pelo envelhecimento normal e por alguma doena, pois o processo de envelhe-cimento predispe disfagia (GROHER, 1999). A avaliao da deglutio

    em idosos torna-se bastante complexa, mesmo assim, os achados de aspiraoforam maiores em idosos com alguma doena do que em idosos normais(VELLASet al., 2000; SCHINDLER & KELLY, 2002). Alm disso, Biltonet al. (1999) afirmaram que a alta prevalncia de desnutrio e pneumoniasfoi encontrada principalmente em idosos com graves problemas de sade ousob internao hospitalar.

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    No se conseguiu confirmar se a melhora, principalmente da deglutio,foi devido realizao dos exerccios, mesmo porque a paciente oscilava, emcada reviso, quanto freqncia de realizao dos mesmos. Alm disso, elamanteve a queixa de engasgos, embora menos freqentes. Sabe-se que pacien-tes jovens, com o mesmo quadro funcional descrito neste caso, obtiveramganhos com a interveno fonoaudiolgica, tendo sido confirmada a ausnciade engasgos aps o incio do tratamento (NISA-CASTRO et al., 2003).Por outro lado, a permanncia do sinal de penetrao larngea, associado queixa de engasgos, tambm pode ser relacionada a uma maior dificuldade damusculatura em reagir com o tratamento devido idade da paciente. Refora-

    se aqui que, mesmo que as vrias modificaes nas fases oral, orofarngea e eso-fgica da deglutio, ao longo da vida no comprometam a eficincia da mesma,

    podem determinar alteraes significativas quando associados a fatoressecundri os (JARADEH, 1994; LOGEMANN, 1998). Alm disso, Xavieret al. (2001) afirmaram que idosos com sintomas depressivos relatam maissofrimento com sua sade fsica do que idosos no deprimidos nas mesmascondies funcionais, o que poderia explicar as constantes queixas e a faltade motivao da paciente para o tratamento.

    4 Concluso

    A partir de relatos da paciente, houve referncia no ao desapareci-mento, mas apenas diminuio do nmero de engasgos associada diminuio do tempo da refeio. Mesmo podendo considerar-se como melho-ra, verificou-se que a paciente no adquiriu condies de criar uma adequadaadaptao ou compensao limitao muscular orofarngea, diferentementedo que foi encontrado no acompanhamento de pacientes jovens com a mesmadoena e mesmo nvel funcional. Embora no se possa afirmar, isto poderiaestar associado falta de motivao para realizar o tratamento, mesmo domi-ciliar, o que tambm est relacionado desistncia de manter as revises fono-

    audiolgicas. Da mesma forma, pode tambm haver a associao s perdasespecficas do envelhecimento, perodo da vida onde h maior vulnerabilidade.A necessidade de conhecer a relao entre essas questes torna este relatorelevante cincia fonoaudiolgica, alm de dar margem a futuros estudosque aprofundem o conhecimento terico-prtico luz interdisciplinar.

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    EFFECT OF THE AGING IN SPEECH-LANGUAGE THERAPYMANIFESTATIONS OF THE MACHADO-JOSEPH DISEASE:

    a case report

    Abstract

    Machado-Joseph disease (MJD) is an autossomal dominant spino-cerebellar degeneration which causes progressive functional losses anddependence. This work describes the speech-language therapy follow-up ofa 60 year-old female patient with MJD, referred from Servio de Gentica to

    Servio de Fisiatria of Hospital de Clnicas de Porto Alegre (HCPA). Aspeech-language therapy assessment confirmed that swallowing and speechwere affected, and the daily practice of myofunctional oral-pharingeal exerciseswas recommended. Following the treatment period, the patient still complainedabout gasps, unlike what has been found in the follow-up of younger patientswith the same functional picture. This result may have been due to either theaging specific losses or the lack of motivation to carry out recommendations,which makes this report relevant to the understanding of the speech-languagetherapy practice.

    Keywords: Machado-Joseph Disease. Aging. Dysphagia. Dysarthria. Speech-

    Language Therapy. Rehabilitation.

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