5 Sistemas Políticos da Alta Birmânia

5/10/2018 5 Sistemas Polticos da Alta Birmnia

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AS CATEGORIAS ESTR UTURAIS DA SOCIEDADEKACHIN GUMSA

IIntroduciio

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Ocupamo-nos neste capitulo dos elementos que constituirao as acoes rituaiskachins e os significados que se lhes podem atribuir.

E um truismo obvio que so podemos estabelecer um debate com uma pessoaque entenda 0 que estamos dizendo. Os kachins de Hpalang entendiarn-se muitobem entre si; a lingua em que expressavam seus argumentos era a lingua do rituale da mitologia. Em questoes de hierarquia, prestigio e autoridade, na verdade naohavia praticamente um iinico ponto em torno do qual todos os povos de Hpalangconcordassem, mas eram totalmente concordes sobre os principios teoricos pelosquais se devia avaliar a hierarquia. Todos os kachins de Hpalang, quer falassernjinghpaw, atsi ou maru, consideravam-se membros de um sistema gumsa; concor-davam em que 0 chefe (duwa) de Hpalang devia ter os direitos e os titulos de umchefe gumsa e que 0 status e as obrigacoes de todos os demais na comunidadedeviam enquadrar-se numa hierarquia dependente desse chefe. As principaisdivergencias centravarn-se apenas em torno de saber qual individuo particular tinhadireito a ser tratado como chefe e par que.

No capitulo 4 0 interesse convergiu para 0 tipo de detalhes que eram usadoscomo bandeiras para as dissidencias de faccao. Neste capitulo, a nossa tarefa ecompreender esses princfpios fundamentais da expressao ritual kachin que consti-


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tuem como que a "gramatica" da acao ritual e acerca dos quais os kachins gumsaestao de acordo.

Segundo os princfpios funcionalistas da antropologia britanica mais recente, eirnpossfvel empreender uma analise desse tipo sem antes descrever em detalhes "atotalidade da cultura kachin". Nomeu caso, minha tarefa seria virtualmente inexequi-vel, pois a "totalidade da cultura kachin" nao passa de uma mixordia de variacoes,

Concordo, naturalmente, em que existe uma enorme variedade de tiposdiferentes de atividade cultural que podem conter significado ritual e em queidealmente seria otimo se se pudesse descrever e analisar a todos eles. Na pratica,isso e claramente impossivel, No caso kachin, quer-me parecer que os elementosfundamentais da expressao ritual nao sao muito numerosos e podem ser descritossem maiores dificuldades. Isso acontece dessa maneira em funcao talvez dacomplexidade da situacao cultural. De um ponto de vista estritamente cultural, asvarias secoes linguisticas da sociedade kachin sao distintas; sua integracao ocorrenum plano politico, e nao num cultural. Num sentido cultural, a sociedade deHpalang compreendia jinghpaws, atsis, marus, lisus e chineses, e cada urn dessessetores tern seu proprio corpo especial de conduta consuetudinaria, Mas, ao discutiros principios da estrutura social kachin, nao estamos interessados nos pormenoresdessas variacoes, senao apenas na parte da cultura que e comum a todas elas. Umavez que os membros da comunidade Hpalang eram todos parte de urn sistemapolitico, haviam de ser capazes de comunicar-se uns com os outros acerca de statuspolitico, e 0 faziam na linguagem da acao ritual. Exatamente porque a sociedadekachin como urn todo se comp6e de numerosos subgrupos que falam diversaslmguas vivas, seria de esperar que numa esfera ritual exista uma "linguagem" ritualestereotipada algo simples que e entendida por todos os subgrupos e na qual asquestoes de status sao continuamente representadas mais ou menos da mesmamaneira. A expressao ritual kachin e relativamente simples justamente porque acultura kachin e complexa.

Mas, admitindo-se que eu possa interpretar e compreender as acoes rituaisdos kachins de Hpalang, que bases tenho para afirmar que essa linguagem ritual e ,num ou noutro sentido, "tipicamente kachin"? Repudiei a nocao de uma culturakachin uniforme; que bases tenho agora para afirmar a existencia de urn sistemakachin uniforme de expressao ritual?

Evidentemente, e muito dificil provar uma coisa ou a outra, mas a mim meparece que uma prova muito significativa e fornecida pela obra de Kawlu MaNawng, History of the Kachins of the Hukawng Valleyl. Kawlu Ma Nawng era, ele

1. Kawlu Ma Nawng (1942).160


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pr6prio, urn kachin gauri da regiao de Sinlum; educou-se, portanto, num climacultural muito semelhante ao de Hpalang. Mas seu livro refere-se a parte setentrio-nal da Regiao das Colinas de Kachin e foi escrito sob consulta a varies eminenteschefes e contadores de sagas (jaiwa) jinghpaws e tsasens do vale do Hukawng edo Triangulo do Norte. 0 livro foi publicado em ingles, mas e uma traducao fielde urn texto jinghpaw original. A argumentacao ainda e formulada em termoskachins. 0 tema diz respeito principalmente aos conflitos e ao faccionarismo entregrupos rivais de kachins gumsa e gumlao, que ora residem no vale do Hukawng.Como sucede com as hist6rias de Hpalang, 0 contetido e em parte historico, mas ahist6ria e tecida numa forma mitol6gica para justificar as condicoes atuais. 0 queme impressiona poderosamente ao ler esse livro e que, embora 0material digarespeito aos kachins do vale do Hukawng, quase cada pormenor seria estritamentecompreensfvel se de fato se referisse aos kachins de Hpalang e a seus vizinhos.Isso deve significar que, a despeito das import antes diferencas culturais entre oskachins da regiao de Sinlum e os kachins do vale do Hukawng, Kawlu Ma Nawnge seus informantes entendiam-se mutuamente. Estavam de acordo quanta a impor-tancia que se deve atribuir aos pormenores incidentals registrados nos relatosmitol6gicos.

Posso portanto inferir que, apesar de todas as variacoes culturais e geografi-cas, os kachins em toda a Regiao das Colinas usam essencialmente 0 mesmoconjunto urn tanto limitado de simbolos rituais para fazer afirmacoes acerca do queurn antropologo considera "relacoes estruturais".

Seja-me permitido recapitular mais uma vez 0que me parece ser a diferencaessencial entre a descricao ritual das relacoes estruturais e a descricao cientifica doantropologo.o antropologo social, ao estabelecer suas teorias academicas da estruturasocial, procura empregar uma terminologia totalmente desprovida de ambiguida-des. Adota, pois, 0 procedimento cientifico normal de criar uma linguagem determos especiais que nao tern outro sentido senao aquele de que 0cientista os dota.Expressoes como exogamia ipatrilinhagem, status,papel etc., que os antropologosusam para descrever urn sistema de relacoes estruturais, significam apenas 0 queo antropologo diz que significam, nem mais nem menos. Por consequencia, ossistemas estruturais, na forma como os descrevem os antropologos, sao sempresistemas estaticos.

No entanto, 0membro comum de urn sistema social nao esta equipado comferramentas mentais dessa precisao. 0 kachin tornou-se consciente da relacaoestrutural mediante a execucao de atos rituais e do relato de hist6rias que ternimplicacoes rituais. Mas os elementos simb6licos de que 0 ritual se comp6e estao

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longe de ser categorias cientificas precisas. Os componentes do simbolismo podemter urn "sentido ritual", mas encerram tambem, ao mesmo tempo, urn "sentidopratico (tecnico)", e os dois tipos de sentido nunca sao totalmente distintos. Se,portanto, quisermos entender a natureza da estrutura social kachin, devemosexaminar 0sentido pratico das expressoes verbais que urn kachin emprega quandofaz afirmacoes sobre a materia que eu, como antropologo, chama de estruturasocial. Por exernplo, antes de podermos entender as implicacoes rituais de "possuiruma divida de cinco objetos de riqueza", devemos ser capazes de compreenderalgo sobre as aplicacoes praticas, no seu contexto kachin, de propriedade, dividae riqueza.

Os antropologos costumam conceber a estrutura social como 0sistema formalde relacoes existentes entre pessoas e grupos de pessoas dentro de urn sistemasocial. Toda sociedade contem urn grande mimero de grupos de graus variados deformalidade e permanencia, e e conveniente classificar tais grupos de acordo comos principios em funcao dos quais eles se agregam. Urn desses esquemas declassificacao, de uso muito frequente, e aquele em que os grupos de uma dadapopulacao se definem por referencia a localidade, parentesco, sexo, idade, hierar-quia e ocupacao profissional. A analise que se segue nao obedece precisamente aessas linhas, pois estou interessado em explicar nao apenas os principios deagrupamento na sociedade kachin mas tambern a base do esquema de valoreskachin, particularmente em relacao a propriedade, status social e crenca religiosa.Os conceitos de que me ocupo se disp6em por topicos; assim:

a. Divisao territorialb. Agrupamento de pessoasc. Relacao de parentesco afirnd. Propriedade e posse da terrae. Hierarquia e classef. Crenca no sobrenaturalg. Cargo politico e religioso

Os aspectos desses t6picos em que estou basicamente interessado sao osaspectos rituais, 0modo pelo qual as categorias que menciono sao usadas comosimbolos em argurnentos sobre status e obrigacao. Etnograficamente, portanto,minha exposicao e distorcida. Por exemplo, ao falar de casas enfatizo apenas osaspectos que denotam prestigio e tento explicar 0 plano de fundo das ideiasassociadas com a nocao kachin deurn "palacio"; nao dou uma descricao etnograficade uma casa kachin. De maneira analoga, quando discuto as aldeias, falo muito

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rnais de questoes como 0 local de sacrificio religioso do que dos meios basicos desubsistencia.

A maioria das expressoes kachins que discuto nao se traduzem prontamente .em equivalentes ingleses exatos, mas como regra geral utilizo ao longo deste livrotermos ingleses, e nao kachins. Destarte, escrevo normalmente "aldeia" e "grupode aldeias", e nao kahtawng e mare. Para ajudar 0 leitor que de quando em quandopode querer lembrar-se do que vern a ser realmente urn "grupo de aldeias",discriminei as definicoes mais importantes a fim de simplificar a referencia, Apesardes sa discriminacao, 0 argumento deste capitulo pretende ser consecutivo. As"definicoes" de conceitos dadas na Secao VIII carecem de sentido, salvo a luz dasdefinicoes fornecidas nas Secoes II -VII.

Ha uma caracteristica particular, que todos os conceitos aqui discutidos ternem comum, que me parece ser de fundamental importancia, Em todos os cas os, 0sentido do conceito kachin, quando traduzido para 0 ingles, parece de certo modovago e ambiguo. Em ingles, por exemplo, pode parecer insatisfatorio que urn termosimples que traduzo par "aldeia" denote urn agregado de certo mimero de casas,de uma para cima. E importante compreender que, embora a ambigiiidade seja real,urn kachin nao nota necessariamente a ambiguidade; e simplesmente porque, nocampo de ideias com que estamos lidando, os kachins costumam usar categoriasverbais muito mais amplas do que 0 fazemos. E escusado dizer que nao se deveinterpretar isso como alguma incompetencia mental da parte dos kachins. Nasquestoes que lhes parecem realmente importantes, como 0 cultivo do arroz, 0kachin tern urn vocabulario da mais alta precisao, enquanto 0 ingles nao dispoepraticamente de nenhum vocabulario nesse sentido. Mas em questoes sociais e 0ingles que costuma ter a linguagem mais precisa.

Essa amplitude das categorias sociais nativas pode ser importante e deve serrespeitada. Trata-se de urn aspecto que e provavelmente muito comum no estudode sociedades primitivas e pode ser irritante para urn pesquisador de mentemet6dica. Alguns antropologos, a julgar por recentes trabalhos empreendidos naAfrica, foram tentados, par uma imprecisao desse genero, a introduzir novascategorias pr6prias mais especificas que nao tern equivalentes na lingua nativa. Ameu ver, isso constitui urn erro metodol6gico. Quando se tenta interpretar umaestrutura social por meio de categorias analiticas que sao mais precis as do que asusadas pelas pr6prias pessoas, injeta-se no sistema uma rigidez e uma simetriaespeciosas que podem estar ausentes na situacao da vida real.

A meu ver, a ambiguidade das categorias nativas e absolutamente fundamen-tal para 0 funcionamento do sistema social kachin. E facil produzir urn claroparadigma do sistema de parentesco kachin e demonstrar suas belas simetrias


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estruturais; com efeito, tanto Granet quanta Hodson fizeram isso", e num mito osproprios kachins parecem mesmo te-lo feito. Mas, quando traduzimos as categoriaskachins em termos ingleses rigidamente definidos, tal paradigma dificilmente ternalguma relevancia para a realidade kachin. Somente porque 0 sentido de suasdivers as categorias estruturais e , para urn kachin, extremamente elastico, e que elee capaz de interpretar a natureza real de sua vida social como algo ajustado aomodelo formal do sistema estrutural tradicional, definido miticamente.

Se, portanto, minhas categorias parecem muito imprecisas em dimensoescomo escala, tamanho fisico e concentracao geografica, essa imprecisao e inten-cional. E exatamente essa imprecisao que torna a sociedade kachin real muitoflexivel na forma, a despeito do fato de ser a estrutura ideal da sociedade ao mesmotempo elaborada e rigida.

As categorias aqui descritas sao as categorias da ideologia kachin gumsa. Oskachins gumlao tern em comum a maior parte da ideologia, mas avaliam os itensde modo diferente dela. Por exemplo, tanto os gumsa como os gumlao concordamem que pagar "coxas" a urn chefe e reconhece-lo como seu senhor; mas os kachinsgumlao nao reconhecem chefes, e por isso nao pagam coxas.

Boa parte da ideologia e igualmente comum aos kachins e aos chans.Capitulos ulteriores deste livro procuram explicar mais exatamente 0 que sao essesaspectos comuns, e por ora limitar-me-ei a apontar, mediante alguns exemplos, arelevancia das ideias chans.No presente capitulo estou tentando demonstrar 0 sistema da ideologia kachingumsa como se ela fosse urn conjunto coerente integrado de ideias, Refiro-me aurn sistema ideal. Mas a relevancia desse sistema ideal para 0 tema principal demeu livro precis a ser mais bern compreendida. Esse tema principal e fundamental-mente: Qual a diferenca entre urn kachin e urn chan?

De certo ponto de vista, 0 contraste entre organizacao kachin e organizacaochan corresponde exatamente a diferenca que Morgan" tinha em mente quandodistinguiu entre organizacao social e organizacao politica. A prime ira e umaorganizacao segmentaria, baseada na oposicao equilibrada de grupos de linhagem;a segunda e urn sistema de tipo feudal assentado nos direitos de propriedade. E,pois, de grande interesse que tanto os chans quanta os kachins expressem suasideias sobre a ordem politica fazendo uso de conceitos identicos ou estreitamentecorrelatos. Conseguem faze-lo enfatizando aspectos diferentes de ideias particula-

2. Hodson (1925); Granet (1939).3. Morgan (1877), Parte II, capitulo 2. "A experiencia da humanidade desenvolveu apenas dois pIanos de

governo [... ] 0prirneiro e mais antigo foi uma organizacao social baseada em fratrias e tribos de gentes.o segundo e mais recente foi uma organizacno politica fundada no territ6rio e na propriedade."164


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res. Por exemplo, nem no sistema kachin nem no sistema chan as nocoes deagrupamento por local e agrupamento por parentesco sao totalmente separaveis;mas, enquanto um kachin se identifica em primeiro lugar indicando a sua linhagem,um chan comeca por indicar 0 seu lugar de nascimento". Ora, tambem aqui 0"comercio" - ou seja, a troca de bens e de services - desempenha um papel muitoimportante na aquisicao de status em ambos os sistemas; mas, enquanto 0 "comer-cio" chan e primacialmente um cornercio como 0 entendemos - vale dizer, aperm uta de bens de valor economico ordinario para obter um lucro -,0"comercio"kachin tem por objeto em grande medida, embora nao totalmente, bens destitufdosde qualquer valor economico comum. Ressaltarei as distincoes desse tipo a medidaque formos avancando.

IIConceitos de Divisdo Territorial

(a) nta - "uma casa"; (b) htingnu - "uma casa de chefe"Os kachins, em certas circunstancias, distinguem verbalmente entre as casas

de morada das pessoas comuns e a de um chefe. A diferenca fundamental entre asduas nao esta em algum aspecto da planta, mas no fato de a casa do chefe conterum compartimento especial, conhecido pelo nome de madai dap, que e umsantuario dedicado ao nat Madai, 0chefe dos Espfritos Celestes (mu nat), tido comoum parente afim de um dos ancestrais remotos do chefe.

Todas as residencias kachins sao estruturas retangulares semelhantes a alp en-dres com 0pavimento das salas de estar erguido varies pes acima do solo. A figura2 mostra a planta baixa de uma tipica casa de chefe kachin (htingnu). No caso deum chefe importante, deve incluir mais lares (fogos) do que os mostrados aqui, enum caso extremo poderia ter ate 90 metros de comprimento. A grande dimensaodas casas de chefe e responsavel, provavelmente, pela teoria segundo a qual oskachins tern uma organizacao tipica de "casa comprida" analoga ados povos deBorneu, Um manual etnografico recem-publicado afirma que as casas kachins "ternquase sempre mais de 30 metros de comprimento, e nelas res idem os membros deuma familia ampliada [ ... ] um lar [independente] para cad a familia biologica'", Issoe erroneo, embora pudesse parecer uma inferencia razoavel de afirmacoes de boa

4. Harvey e Barton (1930), passim.5. Thomas (1950), p. 20.

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Fig. 2. Planta baixa de uma casa de chefe kachin.1. Alpendre e estabulo cobertos - n'pan. 2. Poste frontal da casa - jun shadaw. 3. Poste doalpendredacasa-n'hpudaw. 4. Escada de entrada-lakang. 5. Varanda-n'tawt. 6. Porta=chyinghka. 7. Sala do santuario do Madai nat=madai dap. 7a. Santuario do Madai =karaptawn. 8, 9, 10, 12, 13, 16. Fogos - dap. 8. Fogo da familia do filho casado - lapran dap.9. Pontos de fogo dos filhos solteiros e dos servos do dono da casa. 10. Quartos de dormirdo dono da casa - n'bang dap. 11. Santuario do nat da famflia- nat tawn. 12. Fogo deh6spedes - manam dap, lup daw dap. Ha uma ordem de precedencia quanto a posicao dosassentos indicados pelos ruimeros I, II, III, IV. 13. Fogao de cozinhar - shat shadu dap.14. Entrada lateral - hkuwawt hku. 15. Cavalete para recipientes de agua - ntsin n'dum.16. Aposento privado das adolescentes solteiras - n-la dap.

fonte", Uma generalizacao mais aceitavel e que "a familia kachin compoe-segeralmente de pai, mae, filhos e filhas; as vezes de parentes necessitados e commuita frequencia de visitantes'", Nada existe, em principio, que impeca variesirmaos casados de partilhar uma casa ap6s a morte do pai, mas esse nao e hoje 0padrao geral. Ademais, como existe uma forte tradicao de que a sucessao devepassar devidamente para 0 filho mais novo (0uma de urn chefe; 0hpungdim de urnplebeu), e improvavel que haja alguma expectativa real de que os irmaos venhama morar juntos. Atualmente os filhos mais velhos costumam mudar-se para outraaldeia ou construir uma casa propria adjacente a antiga. Suspeito que isso foitambem 0padrao normal no passado. 0 fa to de haver urn termo jinghpaw especial(htingyan) para denotar 0 esquema no qual as familias moram junto indica 0 caraterexcepcional desse tipo de residencia, De certas regi6es, notadamente de Assam, haregistro de uma norma de sucessao em que e beneficiado 0primogenito em vez do

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6. Anderson (1871), p. 122.7. Carrapiett (1929), p. 13.


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ultimogenito". Aqui 0 padrao residencial pode ser diferente; alternativamente, aetnografia pode ser incorreta.

A maioria dos kachins atuais vivem em casas pequenas que nao podemabrigar confortavelmente mais que uma iinica familia. Contudo, as grandes mora-das est a ligado 0 prestigio, de sorte que aqueles que podem obte-lo construiraocasas maio res do que realmente necessitam, 0 enorme htingnu do chefe, em formade barraca, e hoje quase sempre urn espaco em grande parte vazio. Todavia, 0tamanho dessa construcao particular tern alguma outra justificacao alem do pres-tfgio. De modo geral, a poligamia e rara, porem muitas vezes urn chefe pode termais de uma esposa, e cad a esposa tern 0 seu proprio fogo ou fogos. Antigamente,a familia do chefe compreendia quase sempre numerosos "escravos" (mayam) (verp. 213) e outros partidarios pessoais, Alem disso, a residencia do chefe servenormalmente de casa de hospedes geral para os viajantes de passagem.

A planta da casa de urn homem comum e semelhante a do chefe, porernmenor, e contern menos fogos. A casa de um homem pobre carece totalmente daarea de alpendre e estabulo na frente da casa (npan). A casa de urn Ifder de aldeia,que nao e tambem chefe, poderia em certos casos ser tao grande quanta a do seuchefe, mas sempre faltariam os enormes postes do alpendre (nhpu daw) que saouma marca especial do status de chefe. Como ja foi assinalado, 0madaidap ocorreapenas nas casas do chefe, mas em toda moradia encontra-se urn santuario consa-grado ao espfrito do ancestral do dono da casa. Trata-se comumente de uma coisadiscreta, que consiste de nada mais que uma prateleira colocada numa paredelateral, ou na entrada da frente ou de tras da casa.

Uma parte importante da parafernalia associ ada a esse santuario sao do ispequenos tubos de bebida alccolica, de bambu, conhecidos como nat htawt. Saodo is objetos indistintos que se guard am debaixo dos beirais da casa. Espadas (nhtu)e lancas (ri), recebidas dos parentes afins como parte do pagamento de uma divida(hka) (ver pp. 199 e ss.), sao igualmente guardadas nos caibros do telhado, pertodo santuario da familia.

o espirito ancestral em questao, em geral chamado simplesmente de machanat (espfrito humano) ou gumgun nat (espfrito protetor), recebe oferendas combastante frequencia, visto que todo contratempo, enfermidade, mal-estar ou em-presa arriscada de qualquer membro da familia e motivo para urn sacriffcio machanat. 'Tais oferendas, contudo, sao sempre numa escala muito pequena. Se, por urnmotivo ou por outro, urn chefe de familia deseja dar uma festa em larga escala,invocara outras divindades alern de seu proprio espirito ancestral. Ao que tudo

8. Neufville (1828), p. 341; ver tambern abaixo, pp. 209 e s., 303.


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indica, 0macha nat, enquanto individuo humano, e comumente urn antepassadobastante recente - por exemplo, urn bisav6. Esse culto e importante para acompreensao do sistema de linhagem (cf. p. 226). Tanto 0chefe de familia quantasua mulher sao chamados de "donos" (madu ni) da casa, mas 0macha nat da casae urn antepassado do marido, e nao da mulher. Parentes agnaticos proxirnos queresidem em casas contiguas tern em geral santuarios de familia dedicados aomesmo macha nat, mas nao e forcosamente 0 caso. Algumas casas tern santuariosconsagrados a mais de urn antepassado.

Talvez se devesse ressaltar que 0material de construcao da casa nao e em simuito valioso: a maioria das casas sao construidas de bambu, palha e madeirabranca, os quais precis am ser substituidos a interval os frequentes, 0 aspecto maispermanente de uma casa e 0 local (htingra) onde e edificada. 0 direito de construiruma casa e concedido a principio pelo l fder da aldeia, porern a decisao quanto aolugar exato onde sera edificada e determinada por geomancia, sendo portanto daalcada do adivinho (nwawt wa) (p. 241). Resulta disso que as casas da maioria dasaldeias kachins acham-se espalhadas aleatoriamente, sem urn alinhamento siste-matico; quando se verifica 0 contrario, e geralmente 0 resultado recente de decretosarbitrarios da Administracao britanica. A falta de urn arranjo orden ado confere asaldeias kachins uma aparencia extremamente diversa da das regioes dos nagas edos chins, mais para 0 oeste. As ideias kachins ace rca da orientacao do local dacasa a principio derivam talvez do conceito chines de [eng-chui, mas sao tam bernseguidas pel os chans",

A familia - isto e, aqueles que vivem numa nta - e a unidade basica dacooperacao economica, Os pedacos de terra (yi), na derrubada anual da aldeia(yinwa), sao trabalhados pelas familias. Normalmente cada cas a tern associada asi uma cabana temporaria (wa) localizada no arrozal, onde alguns membros dafamilia podem dormir e comer durante boa parte do ano, mas isso nao torna essacabana uma unidade residencial independente. Pode haver tambern, contigua a nta,outra cabana separada (dum), que serve de celeiro. E possfvel que essa cabana tenhafuncoes sociais, alem das economicas, 0 compartimento que, na figura 2, echamado de n-la dap (fogo homem-mulher) e 0 aposento das mocas solteiras danta, onde elas podem hospedar os seus amantes sem restricao dos pais; na verdade,espera-se que elas 0facam. 0 celeiro po de servir a urn proposito social semelhante.Em Hpalang, em 1940, atendendo as reprimendas das missoes, a instituicao do n-ladap foi suprimida, mas os cham ados celeiros, que eram na verdade os quartos dosjovens, subsistiram.

9. Milne e Cochrane (1910), p. 99.168


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Em algumas regioes, cada nta tinha anexa uma pequena horta (sun) cercadapor uma sebe. Essa area e man tid a em cultivo permanente. E uma propriedadeprivada num sentido em que 0 terreno no campo (yi) nao 0 e . Os produtoscultivados na horta (sun) sao hortalicas, ervas usadas em preparacoes semimagicase outras plantas valiosas (e/ou ilicitas), como 0 opio, Em 1939, urn administradorbritanico bem-intencionado chamou a atencao para 0 fato de que 0 sistema de hortasenvolvia a construcao de grande quantidade de cercas desnecessarias e sugeriu queas farnilias explorassem em comum suas hortas, pondo em pratica uma especie desistema de parcela. Os comentarios em Hpalang sobre essa sugestao foram extre-mamente desfavoraveis; afigurava-se que 0 ponto mais importante de urn sun eraa sua adjacencia a casa (nta) e 0 fato de ser privativo dos membros dessa casa.

Do ponto de vista da expressao ritual, acho que 0pormenor mais importantea notar em tudo isso e a distincao verbal entre nta - uma casa - e htingnu - a casade urn chefe. As casas dos chefes sao tambern designadas por outros nomes. Hkawe apenas a palavra chan haw - urn palacio. As pessoas regias, como os reis e osimperadores, sao designadas pelo nome de hkaw-hkam (palacio de ouro) ouhkaw-seng (palacio de pedra preciosa); ainda aqui, 0 uso parece ser puro chan.Htingsang - "0 celeiro de arroz" -, outro termo poetico para Chefe, refere-sepresumivelmente ao fato de que, em bora os partidarios de urn chefe the paguemuma divida de arroz, ele devolve a maior parte deste como contribuicao para festas.Alias, htingnu significa "a casa da mae" ou "a casu-mae". Duas ideias parecemestar envolvidas aqui. Urna e que a casa do chefe e a casa matriz da qual as demaiscasas da aldeia se segmentaram; a outra e que a casa do chefe e mayu em relacaoas casas de seus subordinados (ver capitulo 4, p. 139). Num sentido mais figurado,a casa do chefe pode ser chamada de baren lungpu, expressao usual mente traduzidapor "a gruta do ali gator" (Hanson, 1906, p. 73). Nao sei ao certo se os kachinstiveram alguma vez 0 ensejo de encontrar aligatores vivos. Baren(g) e algumaespecie de monstro fabuloso, urn espirito nat dos rios dos vales e dos pantanos, e"aligator" servira de traducao, Esses "aligatores" aparecem amiude na mitologiakachin, geralmente como ancestrais da raca kachiri'", 0 termo e tambem aplicadopelos kachins da Regiao de Sinlun aos chans maingthas de Mong Hsa.

Voltarei a referir-me a esse sfmbolo. Entrementes, gostaria de dizer apenasque baren simboliza (i) a nocao de urn saohpa chan - 0 Senhor das planfcies dearroz - e (ii) 0princfpio falico masculino que 0chefe (chan ou kachin) representa.o espirito celeste (mu nat Madai), com quem 0 chefe e tambem associ ado,represent a igualmente 0principio masculino, em contraste com 0 elemento femi-

10. Carrapiett (1929), capitulo 1; ver tambern p. 251 e capitulo 9 abaixo.169


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nino na terra produtiva (ga). Tanto as ideias chines as quanta as chans budistas saorelevantes aqui.

Em primeiro lugar, baren, como sfmbolo, apresenta notavel semelhanca como "dragao" (lung) chines, que e similarmente associado a agua, a masculinidade(yang) e 0 estado regie. E, em segundo lugar, existem estreitos paralelos decomportamento ritual. Assim, 0Templo do Ceu em Pequim era outrora 0 local deimportantes rituais anuais celebrados pelo imperador chines em pessoa e destina-dos a assegurar a felicidade da nacao chines a e a fertilidade dos campos. 0 Templodo Ceu compreende duas partes. A parte dedicada ao ceu e urn ediffcio coberto,enquanto a parte consagrada a terra e uma plataforma circular aberta. No sistemakachin gumsa, as fungoes religiosas do chefe incIuem a obrigacao de fazer oferen-das ao Madai - 0 chefe dos espfritos celestes. Esse ente preside a riqueza e aprosperi dade gera!. As oferendas se fazem no santuario madai, na propria casa dochefe. Mas 0 chefe tambem faz oferendas ao espirito da terra (ga-Chadip), urn serbissexual, mais ou menos sinonimo do conceito de "criacao", que preside afertilidade do solo e dos seres humanos. Essas iiltimas oferendas se fazem numespago aberto circular na area sagrada conhecida pelo nome de numchang (ver pp.173 e s.). 0 papel do chefe kachin nessas questoes tern assim urn que definitiva-mente chines. A casa do chefe e mais do que uma residencia, mais do que urnpalacio, e tambem uma especie de templo consagrado ao nat Madai.

Mas pode-se tambern notar que foi caracteristico de todos os reinos eprincipados budistas do Sudeste Asiatico desde 0 seculo IV d.C. 0 fato de 0 reiassumir muitos dos atributos de um Buda vivo e de urn Rei Divino. E extremamentecaracteristico de todas essas sociedades que 0 rei, com sua corte e suas numerosasesposas e concubinas, leve uma vida apartada do mundo secular num palaciofortificado que e conceitualmente um modelo do sagrado monte Meru. Os palaciosreais birmaneses de Amarapura, Ava e Mandalay podem ser incluidos nessacategoria geral, assim como os "palacios" (haw) dos modernos principes chans".A cas a de urn chefe kachin (htingnu) nao costuma estar separada do resto dacomunidade. No passado, contudo, muitos dos chefes kachins que lograram obtero reconhecimento de seu status de saohpa (principe chan) demonstraram esse fatocercando suas casas com elaborados muros de pedra".

11. Cf. Scott e Hardiman (1900), Parte I, vol. Il, p. 154. "0 palacio era charnado mycnan porque se erguia,como 0 monte Myinmo (monte Meru), no centro das quatro ilhas que apareceram primeiro na terra.Simboliza 0 Bawdibin Shwepalin, 0 berco do Buda."

12. Enriquez (1923), p. 129; cf. Kawlu Ma Nawng (1942), p. 39.170


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kahtawng (gahtawng), ga - "urn a aldeia"mare, mareng - "urn grupo de aldeias"mung (cf. 0mong chan) - "urn dominio do chefe"A distincao que estabeleco entre os termos aldeia, grupo de aldeias e dominio

ja foi parcialmente explicada no capitulo 4. Aideia e grupo de aideias tern prima-cialmente urn significado territorial; dorninio e fundamentalmente politico, Assim,embora as vezes encontremos dominies (mung) kachins que contem varies gruposde aldeias (mare), compreendendo cad a urn deles certo mimero de aldeias (kah-tawng), deparamos tambem com dominios que consistem de urn unico grupo dealdeias (como, por exemplo, em Hpalang) ou mesmo de uma iinica aldeia solitaria.

Kahtawng, estritamente falando, denota as construcoes de uma aldeia, ga aterra que ela control a, mas os conceitos parecem quase identicos. Kahtawng e deuso normal no SuI, ga no Norte.

Uma aideia pode conter qualquer mimero de familias, de uma para cima. Napratica, a maioria compreende entre dez e vinte familias. Uma aldeia situa-segeralmente no alto de uma colina ou pr6ximo dela. As construcoes tendem aespalhar-se irregularmente, separadas dez a vinte metros urn as das outras, forman-do 0 alto da colina uma estrada (lam) mais ou menos central. Em certas regioescad a cas a tern contigua uma pequena horta (sun) cercada, onde se cultivam 0opioe outras especialidades. 0 territorio (ga) no qual os membros de uma aideia comourn todo tern direitos de cultivo - isto e , direitos de derrubar a mata - e em todasas regioes, salvo nas pouco povoadas, definido c1aramente com pontos limitrofescomo rios, cumes de montanha, rochas proeminentes etc.o sitio real de uma aldeia (isto e , as construcoes) nao e necessariamente fixo.Algumas aldeias encontram-se em seus sitios atuais ha mais de urn seculo; noutroscasos, 0local inteiro foi abandonado depois de alguns anos de residencia, As raz6esdadas para tal mudanca sao as vezes de ordem pratica - por exemplo, 0suprimentode agua revelou-se deficiente -, porem 0 mais comum e que sejam prescricoesmagicas, Doencas, mas col he itas, urn incendio ou outra calami dade sao atribuidosa influencia malfazeja da localidade, em geral designada simplesmente de bum nat,"espiritos da montanha". Se os sacrificios nao logram provocar nenhuma melhoria,os adivinhos (nwawt) podem decidir que a melhor coisa a fazer e mudar a aldeia.Essa mudanca de local de uma aldeia nao costuma ter uma repercussao imediatasobre os direitos de cultivo dos alde6es. Raramente ou nunca se justifica a teoria,proposta frequentemente pelos funcionarios administrativos britanicos, de que oskachins mud am de aldeia apenas porque, tendo exaurido a fertilidade de umaencosta da montanha, que rem partir e destruir a outra. Em todos os casos em que


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fiz investigacoes, OS direitos sobre a terra pareciam ser considerados inalienaveis,salvo em uma ou duas circunstancias, Se a "linhagem principal" (ver abaixo) daaldeia se extingue (dawm mat sai), a terra reverte ao controle da linhagem do chefe;alternativarnente, se a aldeia no dominio do chefe A passa diretamente para 0dominic de algum outro chefe B, entao os aldeoes perdem seus direitos sobre aterra no dominic do chefe A. Na realidade, e claro, raramente fazem isso; em geral,quando uma aldeia se muda, muda-se para outro local no dominio do mesmo chefeanterior.

Esses principios de posse da terra foram quase totalmente desvirtuados pelosprimeiros administradores britanicos, e a literatura sobre 0ass unto, em sua maioria,e inteiramente equivoca, Quase sempre nao conseguem compreender que a tecnicade cultura itinerante requer um longo periodo de pousio e que 0 "pousio", em taiscircunstancias, consiste em deixar 0 mato crescer de novo numa terra desmatadaanteriormente. Supunha-se em geral que, quando a terra era deixada assim empousio, era abandonada - is to e, renunciava-se aos direitos sobre a terra. Dessemodo, a literatura insinua que as terras de uma aldeia sao apenas a terra que estasendo cultivada numa dada epoca"; na verdade, a terra reclamada por um lider dealdeia como "a nossa terra" e normal mente uma area cerca de dez a vinte vezesmaior que aquela que esta sendo de fato cultivada. Ha boas provas de queos direitosem tal terra tern um valor de sobrevivencia a longo prazo, sejam ou nao usadas parao cultivo. Por exemplo, pouco depois da fundacao do Posto Administrative deSinlum, em 1900, um grande pedaco de mata, antes cultivado pelas aldeias kachinsde Sinlum e Lawdan, foi transformado em reserva florestal e destinado a servir delocal de armazenamento de combustivel para uso da guarnicao civil. Em 1940, osalde6es de Sinlum e de Lawdan afirmaram que a terra ainda lhes pertencia, adespeito do embargo artificial do governo e malgrado 0 fato de, nesse meio tempo,haverem mud ado os locais de ambas as aldeias.

Em geral, a cad a ana os membros de uma aldeia unem-se para derrubar umaarea da mata, embora as vezes seja apenas uma secao de um grupo de aldeias quese associa para fazer uma derrubada. Uma vez completados a derrubada, a quei-mada e 0 cercamento, a atividade comunal cessa. Dentro da area total derrubada(yin wa) cada familia cultiva seu pr6prio lote independente (yi), e nao existe umapropriedade comunal de producao, Como ficou explicado no capitulo 2, algumasaldeias ernpregam a "taungya de pradaria" (hkaibangv", em vez da taungya do tipocomum de mata, porem 0principio pelo qual cada familia cultiva seu pr6prio lote

13. Por exemplo, Scott e Hardiman (1900), Parte I, vol. II, p. 355.14. Essa palavra e de derivacao chan e equivale 30 hai dos chans.

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dentro do campo comum e 0 mesmo. Onde existe cultivo de arroz irrigado, osterrenos de arroz thkaunai" sao trabalhados estritamente numa base familiar,embora seja necessaria uma certa cooperacao grupal entre as farnflias que usam 0mesmo conjunto de canais aquiferos. Teoricamente, 0hkauna nao pode ser vendidopor inteiro, conquanto existam sistemas de hipoteca que se aproximam bast antedesse tipo de venda.

Os membros de uma aldeia costumam pertencer a urn grande mirnero depatrilinhagens diferentes, porem uma dessas linhagens "possui" (madu ai) a aldeia.o lider da aldeia e sempre urn membro da linhagem que a possui. 0 nome da aldeiacomumente indica a linhagem dos donos: por exemplo, Pasi ga e propriedade dalinhagem Pasi; Laga kahtawng e propriedade da linhagem Laga etc. A linhagemque possui uma aldeia denomino a "linhagem principal" da aldeia. 0 lfder da aldeiae assim, ipso facto, 0cabeca da linhagem principal. A importancia da "proprieda-de" nesse contexto e explicada mais adiante (ver pp. 208 e s.).o lfder de aldeia sob 0regime britanico era conhecido oficialmente pelo nomede agyiwa (grande homem), mas nao esta claro se esse termo estava em uso nostempos pre-britanicos. 0 termo pode ter sido de origem gumlao": 0 termo gumsausual e salan wal7

A maioria das aldeias kachins nao contern edificio publico que se possaconsiderar propriedade coletiva da aldeia como urn todo, conquanto em anosrecentes as famflias de uma aldeia hajam as vezes contribuido conjuntamente paraa construcao de uma escola. A casa do chefe ou do lider da aldeia serve normal-mente de casa de h6spedes publica na qual qualquer viajante casual tern direito ahospitalidade. Assim, a manutencao da casa do chefe e/ou do lfder e, em certamedida, uma responsabilidade publica. Os alde6es tern a obrigacao de ajudar naconstrucao e na reparacao da casa do chefe.

Na entrada da maioria das aldeias existe uma area sagrada, 0 numchang(lamchang, machang). Nessa area sao celebrados anualmente alguns rituais impor-tantes. Na maior parte do ana 0 lugar ostenta uma aparencia desoladora. Ossantuarios que se erigem nas ocasioes cerimoniais sao construcoes muito elabora-das, mas feitas principalmente de bambu; depois de usados, sao abandonados,sendo erigido urn novo conjunto no ana seguinte. 0 iinico santuario permanente eo dedicado ao espirito da terra (ga nat, Chadip); este costuma ser marcado por urncfrculo depedras e ocasionalmente por uma cerca. Em algumas comunidades muito

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15. Outro termo chan.16. Scott e Hardiman (1900), Parte II, vol. II, p. 559.17. A derivacao is duvidosa. Provavelmente significa "porta-estandarte". Nas ocasi6es cerimoniais um

chefe is propria mente precedido por um de sells salang empunhando uma lanca.


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pr6speras, este circulo se torna uma plataforma de pedras decorada no estilochines". As arvores do numchang incluem em geral urn ficus-benjamim (Ficusretusa). Essa arvore tern associacoes sagradas em toda a india budista e hindu. Ashist6rias associ ad as a essa arvore sao muito variadas, mas em toda a Birmania enos Estados Chans e comum encontrar 0santuario do antepassado fundador de urngrupo de aldeias associado a uma arvore dessa especie.

As arvores na area do numchang nunca sao derrubadas. 0 carater sagrado daarea e enfatizado tambem de outras maneiras. Por exemplo, antigamente era vistacomo urn santuario mesmo por pessoas sabidamente hostis a aldeia. Assim, 0tradicional metodo algo fantastico de forcar 0 acerto de uma divida, desde que talacerto houvesse sido adequadamente adjudicado, consistia em "assentar a divida"(hka dung ai). Urn metoda de faze-Io era simplesmente enviar hospedes indeseja-dos para explorar indefinidamente a hospitalidade do oponente; menos arriscadoera 0 procedimento de acampar no numchang do oponente e matar suas resesquando se oferecesse 0ensejo. Nenhuma represalia podia ser tomada, pois ninguemousaria incorrer na calera dos deuses cometendo violencia dentro do recintosagrado do numchang'".

Os rituais religiosos kachins nao se confinam aos que se celebram nonumchang enos santuarios dos antepassados da familia, Sao encontrados defrontede quase todas as casas da aldeia altares de bambu (hkungri) em decomposicao,superficialmente muito semelhantes aos existentes no numchang. Quanto maisimportante 0 chefe de familia, mais substanciais eram esses indicios de celebracaono passado. Para os iniciados, a planta do santuario ou 0 estilo do poste sacrificial(wudang) indica prontamente a divindade a quem 0sacrificio era feito e a naturezado que era sacrificado. Sendo os sacrificios - qualquer que fosse seu prop6sitoimediato - urn elemento relevante de consumo manifesto, esse ultimo ponto eraparticularmente importante. Se urn homem pode dar-se ao luxo de sacrificar urnbiifalo grande, ele esta sempre interessado em que os seus vizinhos se lembrem dofato. Por conseguinte, os cranios dos animais sacrificados sao pendurados noshkungri e wudang em deterioracao, Quando os ultimos caem em pedacos, oscranios mais prestigiosos sao transferidos para os postes da casa do sacrificador,onde formam uma decoracao permanente, que sobrevive as vezes a varias geracoes.As galinhas abatidas nao deixam resfduo que venha a servir de lembranca, masquando houve urn holocausto importante de aves sacrificiais, e erigido urn altoposte de bambu, onde se colocam cestos correspondentes ao numero de galinhas

18. Cf. Anderson (1871), p. 383.19. Cf. Carrapiett (1929), p. 98.

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abatidas. 0 efeito e muito semelhante a urn mastro de bandeira naval guarnecidocom uma serie de flamulas de sinalizacao. Vale a pena no tar que os chans budistas,embora nao matem galinhas, tam bern erguem altos "paus de bandeira" decoradoscom flamulas e cestos para assinalar suas celebracoes".

Em Sua maioria, os wudang sao feitos de madeira branca toscamente talhadae se deterioram em uma ou duas estacoes; aqui e ali, porem, geralmente do lado defora da cas a de urn chefe, pode ver-se urn wudang mais elaborado, talhado emmadeira de lei e decor ado com 0 que poderia parecer a primeira vista sinaiscabalisticos. Por ocasiao de festas importantes sao erguidos fora do numchangpostes com marcas (laban) semelhantes. Esses sinais sao desenhos de objetos deriqueza (hpaga, ver p. 199) que os espfritos do ceu, especialmente 0 nat Madai,tern 0 poder de dar. Urn wudang decorado dessa forma comemora 0 sacriffcio deurn biifalo a Madai. Tais sacriffcios ensejam celebracoes em grande escala chama-das de manau, cuja execucao tern implicacoes muito similares as das Festas doMerito descritas pelos nagas e pelos chins".o direito a sacrificar a Madai, e portanto a realizar urn manau, e prerrogativado chefe. Outros hom ens ricos e influentes as vezes realizam manau, mas para issodevem primeiro adquirir a perrnissao do chefe par meio de uma troca apropriadade presentes".

Quando vai ser realizado urn manau, e construido do lado de fora da casa dequem da a manau urn piso de terra circular para danca (naura), com cerca de 15 a20 metros de cad a lado. Os pastes e as tablados (chadung dingnai) que se erigemno centro dessa pista de danca, embora nao sejam excepcionalmente notaveis,representam a auge do esforco artistico kachin no terreno das artes plasticas, Portradicao, os postes e a pista de danca devem ser destruidos doze meses depois dafesta; daf em diante, apenas os wudang permanecem como sfmbolos da gloriapassada. Assim, so fortuitamente encontra-se uma aldeia em que exista de fato umapista de danca manau+.

Os locais de enterro nao sao muito proeminentes nas aldeias kachins. Demodo geral, urn kachin e sepultado a razoavel distancia da aldeia onde reside, masnao existem cemiterios; 0 local de cada tiimulo e escolhido individualmente por

20. Milne e Cochrane (1910), pp. 121-124.21. Ver especialmente Stevenson (1943).22. Ver Leonard, citado em Carrapiett (1929), p. 14.23. 0 simbolismo de urn manau seria evidentemente da maior relevancia para este estudo. Infelizmente

nunca live a oportunidade de ver urn exernplo genuino; os unicos manau que consegui presenciar eramvers6es severa mente expurgadas apresentadas como espetaculo em homenagem a funcionarios visitan-tes do governo. Os relatos existentes do manau (por exemplo, em Carrapiett, 1929) sao bast anteinexpressivos.

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adivinhacao. Como na maioria das sociedades, os funerais sao uma oportunidadede ostentacao, E erigida sobre 0 nimulo uma complexa estrutura de bambu e palha,mas normalmente nao e uma estrutura permanente, e se deteriora no lapso de seismeses a urn an024; dai em diante 0 local do nimulo carece de importancia. Somenteno caso dos chefes 0 local do tumulo e circundado por uma val a funda, e estasubsiste muito tempo depois que as guarnicoes de bambu do proprio nimulodesapareceram. Quando 0 chefe morre com uma divida de sangue por acertar, avala e deixada incompleta. E completada cerimonialmente quando se realiza 0acerto final da divida.

Na explicacao precedente do estereotipo de uma aldeia kachin, enfatizeiparticularmente os aspectos materiais cujo proposito e chamar a atencao para 0status de urn homem: casas grandes, numerosos altares (hkungri), postes sacrifi-ciais esculpidos (wudang), tiimulos com valas etc. Aqui, podemos generalizar. Amaneira mais caracteristica de urn kachin afirmar 0 seu status e fazer ostentacaona escala de seus sacriffcios religiosos. Tirando 0 custo dos animais sacrificados,as guarnicoes de palha e de bambu que fornecem 0 pano de fundo de tais atuacoespodem ser extremamente elaboradas. Urn homem claramente ganha apre


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regiao tiveram seus nimulos decorados a maneira chines a por artesaos chineses".Contudo, as obras de pedra de qualquer tipo notabilizam-se em geral por suaausencia". E diffcil explicar is so em term os difusionistas; uma explicacao socio-16gica seria talvez a de que a pedra e uma substancia demasiado permanente paraser usada como expressao dos simbolos de status numa sociedade tao flexivel comoados kachins.mare ou mareng - "urn grupo de aldeias"

As aldeias kachins podem ser unidades politicas autonomas, porem 0maisusual, especialmente no sistema gumsa, e que as aldeias agrupadas em torno de urncume particular ou ao longo de uma determinada colina reconhecarn-se como umaentidade polftica unica, As aldeias componentes de urn "grupo de aldeias" podemser fisicamente adjacentes (como em Hpalang), de tal modo que as "aldeias"parecem ser entao meros bairros de uma localidade iinica; e, aJtr:rnativamente,podem estar espalhadas sobre uma regiao de muitas milhas quadradas.

A relacao polftica entre as aldeias componentes de urn grupo de aldeias epraticamente homologa as relacoes existentes entre os grupos de linhagem de umaaldeia isolada. Esse ponto, quero crer, ficou claro em minha exposicao sobreHpalang (capitulo 4) e explica em parte por que os pr6prios kachins nao fazem umadistincao nitida e coerente entre os dois conceitos de aldeia (kahtawng) e grupo dealdeias (mare).

As aldeias componentes de urn grupo de aldeias sao normalmente "proprie-dades" de diferentes linhagens, ora do mesmo cla, ora de clas diferentes. Uma dasaldeias e quase sempre considerada mais antiga em relacao as demais. Podedizer-se que a linhagem principal dessa aldeia mais antiga "possui" (madu ai) todoo territ6rio (0 ceu e a terra -lamu ga) do grupo de aldeias. 0 lider da aldeia maisantiga e , portanto, chefe (duwa) do grupo de aldeias. Se for politicamente inde-pendente, 0chefe tern 0 direito de receber, de todas as pessoas que nao sao de sualinhagem, uma perna traseira de todo quadnipede abatido dentro de seu territ6rio,quer num sacriffcio, quer numa cacada, Assiste-lhe tambem 0direito de exigir umacerta quantidade de trabalho em sua roc;a de arroz sem incorrer em nenhuma

26. Enriquez (1923), p. 128; Green (1934) registra urn tumulo de pedra em forma de pagode.27. Aqui e ali, na literatura, existem referencias escandalizadas a pedras em forma de falo que outrora

parecem ter sido proeminentes em certas aldeias. Nao disponho de dados confiaveis sobre tais objetos,embora possam estar relacionados com 0 culto do nat Madai. Parece terem sido propriedades delinhagens particulares de chefes. Diz-se que os chefes nhkum-ngalangs do Triangulo do Norte tinhamtal pedra. Ela tem a propriedade de movimentar-se por sua propria vontade quando alguma calarnidadepaira sobre a familia. Dois exemplos dessas pedras falicas sao ilustrados em Green (1934).

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SISTEMAS poLiTICOS DA ALTA BIRMANIA

obrigacao reciproca. Em muitos casos incumbe-lhe inclusive 0 direito de receberurn tributo de urn ou dois cestos de arroz por familia por ano. Os chefes com direitostributaries desse tipo sao cham ados "chefes comedores de coxas" (mag yi cha aidu). Alguns lideres de aldeia, em virtude de sua pretensa descendencia aristocrati-ca, assumem 0 titulo de chefe (duwa), mas nem por isso tern 0 direito de "comercoxas"; a tais pessoas chamarei "chefes subalternos". Teoricamente, urn chefesubalterno e sempre 0 subordinado de urn chefe comedor de coxas, mas issoraramente ocorre na pratica, No plano estritamente teo rico, parece que somente urnchefe comedor de coxas pode celebrar os rituais essenciais num numchang e assimdeveria haver apenas urn numchang para cada grupo de aldeias. Na pratica, oschefes subaIternos podem afirmar-se ao operarem seu pr6prio numchang, comovimos acontecer em Hpalang, onde os Iideres maran-nmwes e maran-gumjyes seauto-intitulavam chefes e cad a um tinha seu pr6prio numchang. Tais procedimen-tos podem ser racionalizados dizendo-se que os poderes rituais de um chefecomedor de coxas podem ser delegados aos chefes subalternos.

mung - "urn dominio", "urn distrito" (d. 0mong chan e 0mio birmanes)o dominio politico de um chefe comedor de coxas po de ser, portanto, ou uma

iinica aldeia (kahtawng), ou um grupo de aldeias (mare), ou mesmo, em determi-nados casos, varies grupos de aldeias. 0 territ6rio de tal dominio e um mung, termotirado diretamente do mong chan. 0 titulo mung duwa (chefe de dominic) poderiaentao aplicar-se acertadamente a qualquer chefe comedor de coxas. Na pratica,costuma ser reservado ao chefe supremo de uma grande regiao, Dentro de taldominic, todos os chefes comedores de coxas sao da mesma linhagem, porern 0"chefe de dominio" e 0 senior em virtude de ser 0 cabeca da linhagem na "linha dofilho mais novo". Por isso, esse chefe de domfnio e tambem chamado uma du (chefecacula) (cf. p. 185).

Na comunidade de Hpalang, 0 "dominic" eo "grupo de aldeias" coincidem.o "grupo de aldeias" contem nove "aldeias" distintas.A agregacao de aldeias em grupos de densidade variavel, e 0 subseqiiente

ajuntamento de grupos em "regi6es" ou "dominies", e uma caracteristica geral daregiao da Birmania do Norte. A dificuldade de traduzir os diversos termos envol-vidos deriva do fato de os kachins, os chans e os birmaneses nao ligarem nenhumaideia de dimensao particular aos conceitos de mung, mong e myo (distrito) ou aosconceitos de kahtawng, man e yua (aldeia). A mente inglesa tende a usar urnconjunto diferente de categorias para descrever uma populacao que vive emassentamentos mais compactos a partir das usadas para descrever uma populacaosemelhante que vive espalhada mais ou menos em baixa densidade numa regiao

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ampla. 0 mesmo nao sucede com os birmaneses e seus vizinhos. A palavrabirmanesa myo, por exemplo, pode significar ou uma cidade ou urn distrito comvarias aldeias dispersas. 0 que interessa aos birmaneses e nao tanto a natureza daentidade administrativa quanta a hierarquia do dignitario que a dirige. De modoanalogo, 0 sistema ingles moderno confronta os "distritos urbanos", de pequenasdimensoes e elevada densidade populacional, com os "distritos rurais", de grandesdimens6es e baixa densidade populacional".

Os kachins nao usam a palavra exatamente do mesmo modo que os birrnane-ses e os chans, mas ela e igualmente flexivel. Como sucede entre birmaneses echans, myo e mong sao equivalentes quase exatos. Ambos os termos denotam ouuma cidade ou urn distrito - isto e , uma regiao administrativa associada oucomparavel a uma cidade. Assim, quando, no passado, os birmaneses eliminaramurn ou outro dos Estados Chans do Norte, as funcoes tributarias do chefe do mong(saohpa) foram substituidas pelas de urn dignitario chamado myo-sa ("comedor domyo"). Por outro lado, os kachins, que nao tern cidades proprias, percebem umadistincao entre 0 termo birmanes myo no sentido de cidade e myo no sentido dedistrito. Traduzem 0primeiro por mare ("grupo de aldeias" - por exemplo, Bhamoe urn mare), enquanto 0 ultimo e considerado urn mung (dominic).

Essa flexibilidade da dimensao escalar nos conceitos de aldeia, grupo dealdeias e dominio reveste uma certa importancia. Para a maioria dos ingleses,parece que aquilo que urn chan denomina mong ou urn birmanes myo pode ser "amesma coisa" que a entidade politicamente muito menos significativa que urnkachin denomina mung. Todavia, na visao kachin essas tres categorias sao, em seusentido politico, identicas; 0chefe kachin (duwa) de urnmung prospero e bem-su-cedido ve-se a si mesmo indubitavelmente como urn principe chan (saohpa)reinando sobre urn mongo

Nao se trata de mera vaidade por parte do kachin. Numa epoca anterior, osproprios birmaneses e mesmo, quanta a isso, os britanicos - reconheciam que 0status politico de urn chefe kachin era 0 de urn saohpa chan em menor escala.Assim, na literatura do seculo XIX da Regiao das Colinas de Kachin, os dignitarieskachins sao quase sempre designados ou de Tsawbwa (saohpa), ou de Pawmaing

28. Cf. R.N.E.F. (1908), 17: "Em Myitkyina e Bhamo exist em, em cada grupo de aldeias, urn duwa e,em cada urn dospovoados sob sua jurisdicao onde ele nao reside, urn homem chamado akyiwa. [...]Tal e 0 sistema (birmanes) ywathugyi. 0duwa e 0ywathugyi, 0akyiwa eo ywagaung. Em Katha cad aterrit6rio e 0 que se poderia chamar de urn daing (circulo); 0 chefe do territorio e urn daing thygyi oumyo thugyi, e em cad a aldeia e 0ywathugyi. Trata-se na verdade do sistema (birrnanes) myothugyi. EmKatha 0 chefe de cada povoado e urn duwa ou thugyi [...] eo chefe do grupo (de povoados) e 0 duwaou myothugyi superior. [...]"

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SISTEMAS POLiTICOS DA ALTA BlRMAN1A

(pawmongv", termos que os autores aprenderam com seus interpretes birmaneses.Essa literatura contem claros registros de que, em meados do seculo XIX,os chefeskachins rnais importantes eram tratados pela corte birmanesa exatamente como sefossem prfncipes chans". De maneira analoga, Paw-mong, titulo kachin quesignifica literalmente "pai dos mong", denota, ao que tudo indica, 0 amat (conse-lheiro) mais velho na corte de urn saohpa. 0 termo kachin correspondente ebawmung ("chefe domung"). 0 bawmung tfpico e urn Iider de aldeia (salang), quee urn plebeu por nascimento e nao pode por isso rnesmo reivindicar 0titulo de chefe(duwa), rnas que, pela forca de sua personalidade ou por outra circunstancia, naverdade domina 0 seu suserano legitime. Em Hpalang, por exemplo, 0 lfder sumnutera bawmung do setor atsi da cornunidade, conquanto 0 Iider idiota Iahpai fosse 0chefe.

Esses diversos terrnos paralelos fornecem urn born exemplo do que pretendodizer quando afirrno que, ernbora a esc ala da sociedade kachingumsa comumenteseja infima em comparacao com a da sociedade chan, a estrutura politica daprirneira esta, no entanto, sob importantes aspectos, model ada pela ultima.

Junto aos chans e aos kachins gumsa, 0 termo mong (mung) tern a conotacaobastante definida de unidade politica: 0mong e 0domfnio deurn determinado chefeque e suserano de todos os outros detentores de titulo dentro desse territ6rio. Oskachins gumlao tambem usam 0termo mung, mas num sentido diferente. Urnmunggum lao e urn distrito ou uma area contigua onde prevalece 0regime gum lao. Assim,a regiao de Duleng, a leste de Hkamti Long e ao norte do Triangulo, e urn "mungduleng". Toda ela e atualmente territ6rio gumlao, Cada aldeia e politicamenteindependente, mas por uma ficC;aoalgo palpavel todos os dulengs reivindicam apertenca a urn unico cla, a saber, 0cla Duleng. 0 antepassado fundador mitico docla Duleng e chamado de santo patrono da regiao, e cada aldeia, numa base igual,lhe faz sacrificios na qualidade de mung nat. (mapa 4, p. 97.)o rnesmo conceito e encontrado no territorio gumsa, mas 0mung nat, nessecaso, vem a ser urn antepassado fundador na linhagem do chefe supremo. 0 direitode fazer sacrificios aomung nat em territ6rio gumsa e , portanto, prerrogativa dessechefe.

Devo talvez ressaltar ainda uma vez que as fronteiras arbitrarias tracadasentre 0territ6rio chan e 0kachin sob 0regime britanico nao se aplicam a s condicoesdo perfodo pre-britanico. Urn mong chan compreendia normalmente 0 territ6rio dacolina ocupado por kachins, assim como 0 territ6rio do vale ocupado por chans.

29. Arnbas as palavras aparecem com varias grafias.30. Ver especialmente Williams (1863); Sladen (1868); Anderson (1871), (1876); Strettell (1876).

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AS CATEGOR1AS ESTRfJTfJRAlS DA SOCIEDADE KACHINGUMSA

De modo semelhante, em varies casos 0 mung kachin compreendia tanto valesocupados por chans quanta colinas ocupadas por kachins. 0 mung nat, comodivindade guardia, presidia a ambos.

Os principais conceitos que temos examinado ate aqui sao todos categoriasde lugar. Cumpre-nos agora estudar categorias de pessoas, vale dizer, as palavrasque os proprios kachins usam para denotar grupos humanos de tipos diferentes. Nopensamento kachin esses nao sao totalmente distinguiveis das categorias de lugarque ja examinamos. Esse ponte sera desenvolvido a medida que formos prosse-guindo.

IIIConceitos Relativos a Agregados de Pessoas

htinggaw - "familia", "familia ampliada"Entendo aqui por "familia" a familia biologica de marido, esposa e mhos, e

par "familia ampliada" urn grupo de homens e de mulheres solteiras da mesmapatrilinhagem e que vivem todos numa aldeia, mais as esposas dos primeiros,Nenhum desses termos tern urn equivalente exato em kachin, Urn kachin podechamar sua familia de nta masha ("pessoas da casa"), enquanto a familia ampliadae abrangida por elaboracoes como nu wa ni nau ni hpu ni yawng - "maes, pais,irmaos e irmas mais novos, irrnaos mais velhos", A palavra kachin htinggaw -"familia" - pode ter ambos os sentidos. Literalmente, significa "pessoas sob 0mesmo teto"; urn homem que se cas a - htinggaw rawn - "amplia 0 teto". Htinggawgade nga a ta? pode significar "quantas familias individuais existent?" Mas,segundo parece, htinggaw significa "as pessoas que adoram 0mesmo conjunto deespiritos familiais". Neste Ultimo sentido pode, de fato, implicar uma iinica familia,mas pode abranger varias casas adjacentes umas as outras nas quais os homens saotodos da mesma patrilinhagem, ou pede ate abarcar casas em diversas localidadestotal mente diferentes. A distincao depend era apenas de saber se 0 ritual de "cisaoda linhagem" pela divisao das insignias do santuario familial (nat htawt daw) foiou nao consumado.

No capitulo 4 referi-me ao htinggaw como se fosse equivalente ao que osantropologos entendem por uma patrilinhagem localizada de pequena extensao. 0uso de htinggaw neste ultimo sentido e explicado abaixo.

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amyu, lakung, dap, htinggaw - "linhagem", "cla"Usualmente urn kachin falara acerca de urn grupo local de parentes antes de

sua linhagem que de seu aspecto familial. Ambos os sexos adquirem sobrenomespatronimicos que conservarao ao longo da vida". Pessoas de mesmo sobrenomesao portanto da mesma linhagem. 0 sistema de linhagem, contudo, e segmentar, equalquer individuo tern 0direito de ser conhecido por varies sobrenomes diferen-tes. Os sobrenomes diferentes denotam linhagens de extensao diferente. Porexemplo, a linhagem Hpunrau e urn segmento de uma linhagem maior Layawng,que e urn segmento de uma linhagem maior Kadaw, que e segmento de urn clamaior Lahtaw. Por conseguinte, urn individuo que tern 0 dire ito de chamar-seHpunrau Tang pode chamar-se igualmente Layawng Tang, Kadaw Tang ouLahtawTang. De modo analogo, 0 lider de uma aldeia laga em Hpalang, que, para evitarconfusao, foi designado no capitulo 4 como Laga Naw, era, na verdade, conhecidocomumente como NhKum Naw, sendo Laga uma linhagem do cla NhKum.

As pessoas da mesma linhagem, qualquer que seja a escala, podem serdescritas como "irmaos" (kahpu-kanau ni), ou como do mesmo "tipo" (amyu), oudo mesmo "ramo" (lakung), ou domesmo "fogo" (dap). Essas palavras, entretanto,sao usadas alternadamente, e pode-se distinguir de maneira congruente 0 grau desegmentacao por expressoes como "linhagem maxima", "linhagem media", "linha-gem minima" e assim por diante. Tampouco existe uma distincao nitida entre nfveisde segmentacao ex6gamos e nao-exogamos. Ha decerto uma teoria da exogamiano cla e na linhagem, enos niveis rnais baixos de segmentacao de linhagem isso eaplicado rigidamente, porern nao e diffcil arranjar urn casamento com alguem domesmo cla, con tanto que nao haja ancestral comum de linha masculina nas iiltimascinco ou seis geracoes, Finalmente, pode-se distinguir entre descendencia real eputativa. Todo chefe kachin esta pronto a remontar sua descendencia a NinggawnWa, 0 Criador. Para tanto, alguns grupos sao capazes de enunciar genealogias dequarenta ou mais geracoes. E totalmente impossivel afirmar em que ponto taislinhas de descendencia se tornam puramente ficticias.

Meu ponto de vista pessoal e que as genealogias kachins sao mantidas quaseque excIusivamente por motivos estruturais e nao tern nenhum valor como provade fato hist6rico. Os plebeus estao interessados na genealogia apenas como urnmeio de estabelecer relacoes corretas com seus vizinhos imediatos na mesma

31. A literatura kachin antiga contern uma assercao de que com 0 casamento as mulheres mudam suafilia


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comunidade; portanto, as genealogias dos plebeus costumam ser muito breves -quatro ou cinco geracoes lembradas, no maximo. Os chefes, por outro lado, estaopreocupados em estabelecer sua legitimidade de membros de uma "linhagem dofilho mais novo", e tambem em fixar sua anterioridade em relacao a outros chefesnuma regiao extensa. No centro da Regiao de Kachin (por exemplo, no Triangulo),as associacoes politicas de um chefe importante podem ser muito numerosas, e porisso as genealogias de chefe nessa regiao sao extremamente longas; nas regioesperifericas, como no Hsenwi do Norte e no vale do Hukawn, os associados politicosjinghpaws de um chefe sao menos numerosos e sua genealogia correspondente-mente menos extensa".

Outros autores sugeriram que a relativa brevidade das genealogias kachinsde chefe nas regioes "perifericas" abona a teoria de que so recentemente a culturakachin difundiu-se por essas zonas", mas parece-me que todas as genealogiaskachins devem ser encaradas como igualmente fictfcias. Sem dtivida, tern algumconteiido historico, mas ninguem pode dizer se muito ou pouco.

Emprego a palavra clii para denotar uma linhagem (amyu) de escala maxima.Os proprios kachins tendem indubitavelmente a ver a sua sociedade global comosendo composta de sete ou oito agrupamentos importantes desse tipo"; Percebe-seque cada linhagem local ordinaria (htinggaw) e filiada de uma maneira ou de outraa um ou outro desses principais agrupamentos. Isso se aplica inclusive as familiaslisus e chinesas, quando vivem numa comunidade kachin. Um "cla" kachin e , pois,uma patrilinhagem que nao e considerada um segmento de qualquer outra patrili-nhagem de maior profundidade ou extensao, Uso 0 termo "linhagem" para denotaroutros graus de amyu, isto e, para designar todos os segmentos de cla ou segmentosde linhagem, seja qual for a sua escala. Tais linhagens ndo sao necessariamenteexogamas.o tipo menor de linhagem e 0 grupo que tern em comurn um "nome defamilia" (htinggaw amying) pelo fato de seus membros adorarem 0mesmo con-junto de espiritos ancestrais de familia (ver pp. 167 e s., acima). Nesse "nivel denome de familia", a linhagem e definitivamente exogama, Habitualmente, umindividuo conhece pessoalmente todos os outros do mesmo "nome de familia".

32. A hip6tese de que a genealogia pode representar mais uma distancia estrutural que urn tempo hist6ricofoi aventada pela primeira vez, creio eu, por Evans-Pritchard (1939).

33. Enriquez (1923), p. 240.34. Marip, Lahpai, Lahtaw, NhKum, Maran, Kareng, Hpauwi, Tsasen sao nomes dados usual mente. Os

cinco primciros sao considerados geralmente de status superior e sao reconhecidos em toda a Regiaodas Colinas de Kachin, mas as opinioes quanta aos nomes e aos status de clas menos importantesdiferem largamente. Neste livro eu escrevo NhKum em vez de N'hKum.

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Relativarnente falando, e um grupo corporativo, localizado, identificado com umaaldeia particular.o fato de outras linhagens que nao as de extensao reduzida nao seremexogamas torna a filiacao de linhagens a clas uma questao bastante arbitraria. Naoe incomum pessoas com 0mesmo nome de linhagem mas vivendo em comunidadesdiferentes se dizerem membros de clas diferentes. Isso as vezes pode ser umadecorrencia do acidente de ser 0 mesmo nome de linhagem usado de maneiraindependente em duas ocasioes diferentes, mas creio que a explicacao maisfrequente e apenas que 0 plebeu comum so esta interessado em sua linhagem(htinggaw) local. Nao the importa muito se essa linhagem esta ou nao unida a algumcla importante particular.o que a primeira vista e mais surpreendente e que tambem pode ser posta emduvida a associacao ao cla das linhagens de chefe de hierarquia mais elevada. Creio,destarte, que os chefes machaws do Triangulo consideram-se membros do claMarip e do Marip "do filho mais novo" (uma) como tal, mas Kawlu Ma Nawngparece inclui-los no cla NhKum35, e ouvi serem descritos como membros do claLahtaw. Podemos citar numerosos exemplos semelhantes. Nao existe certo ouerrado em tais questoes, Se atualmente os chefes machaws dizem que sao maripse seus chefes marips aceitam-nos como tais, entao, e evidente que atualmente saomarips, porem isso nao significa que sempre tenham sido marips no passado auque venham a ser marips no futuro.

Parece-me plausivel que, ao longo dos anos, a rede de filiacoes de linhagemse tome consideravelmente emaranhada, mas isso e diffcil de provar. Sucede quetemos relatos sumamente detalhados das principais linhagens do cla Tsasen talcomo parecia em 183536 e como era em 194037 As discrepancias sao consideraveis,mas isso nao e uma prova conclusiva de mudanca, uma vez que Hannay, em 1835,pode ter-se equivocado quanto aos fatos. 0 fator pratico parece ser que, quandouma determinada linhagem adquire influencia, a relacao com essa linhagem torna-se vantajosa. Entao, se uma filiacao ao clii e de qualquer modo vaga, muitas vers6esrivais podem aparecer, qualquer uma das quais tem tanta validade quanta qualqueroutra. Nao existe uma versao correta.

Uma questao de grande importancia estrutural, mas para a qual nao possofornecer outras provas senao auriculares, e 0procedimento adotado para cindir umalinhagem "regia". Imagino que os plebeus pouco se preocupam com isso. Uma

35. Kawlu Ma Nawng (1942), p. 3.36. Hannay (1847); Mackenzie (1884), p. 62.37. Kawlu Ma Nawng (1942).

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AS CATEGORIAS ESTRUTURAlS DA SOCIEDADE KACHIN GUMSA

familia plebeia que se muda para uma nova aldeia torna-se automaticamente 0micleo potencial de uma nova linhagem local de escala htinggaw. Para os chefescomedores de coxas as coisas sao muito mais complicadas.

A autoridade politica do chefe funda-se, ideologicamente, em sua capacidadede preservar a prosperidade de seu dominio ao fazer sacriffcios ao espirito do ceu,Madai, e ao espirito da terra, Chadip. Ele tem essa capacidade em virtude de suadescendencia de um antepassado remoto do cla que se casou com urn espiritoceleste feminino - geralmente uma filha de Madai". Esse poder ritual e herdadoautomaticamente apenas pelo filho mais novo de um chefe comedor de coxas. S6pode passar para outra linha - digamos, a do filho mais velho - se 0 filho maisvelho fizer uma aquisicao ritual junto ao cacula, Supondo-se que se chegue a umacordo sobre isso, a divisao dos poderes rituais constitui um cisao da linhagemregia. Dizem que ela se efetua da seguinte maneira",

Os nat htawt (tubos de bebida alcoolica) do espirito ancestral ja forammencionados. Sao conservados no telhado acima do santuario ancestral. Sup6e-seque dois irmaos que concordaram em dividir seus poderes rituais entre si levamesses tubos a casa do uma du (chefe senior) de sua linhagern - que pode morarlonge dali. L a chegando, e tendo-se produzido provas de que as dadivas corretasdo irmao mais velho ao irmao mais novo e vice-versa foram permutadas, celebra-seum ritual religioso no santuario do uma nat - 0espirito ancestral da linhagem cujoprimeiro lar esta na casa do uma duo 0 result ado desse ritual e que os dois tubosoriginais de bebida que os irmaos trouxeram consigo sao divididos (daw) em duasmetades e substitufdos por quatro novos tubos, dois dos quais sao dados ao irmaomais velho e dois ao mais novo. As viuvas dos do is irmaos levam entao os seustubos de volta as suas respectivas casas. Os tubos sao levados as costas envoltosnum xale de seda do mesmo modo que se transportaria uma crianca, 0 irmao maisvelho e 0mais novo podem agora reivindicar 0 status de chefe comedor de coxas.Os tubos nat htawt devem ser preservados cuidadosamente. 0 simbolismo dacelebracao e extremamente elaro. A cerimonia corresponde a um reconhecimentopublico do status equivalente das duas linhagens recem-constituidas,Mesmo no final de tudo isso, porem, 0 status ritual do chefe da linhagem docacula e seus descendentes e considerado superior ao do chefe da linhagem doirrnao mais velho e seus descendentes. Alem disso, e 0 primeiro chefe quepermanece no dominio principal, enquanto 0 outro tem de partir e ser chefe em

38. Ver capitulo 9.39. Esse relata me foi feito por um chefe de alto status da regiao do Triangulo; Gilhodes (1922),

pp. 280-282, da urn relata semelhante derivado de um informante gauri. Evidentemente, h3 um claroestereotipo do que constitui urn procedimento ortodoxo.

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KadawUma Ga CHi Lahtaw


APrimeiro Antepassado

do clii Lahtaw

Outras linhagens maioresdo elf Lahtaw

LayawnLinhagem c

Fig. 3. Diagrama mostrando a teoria da segmentacao de linhageme 0estatuto de senior do uma duo

algum outro lugar. Se aceitamos essa construcao do modo como as linhagenssupostamente se segmentam, segue-se que, onde encontramos hoje alguma linha-gem regia d associ ada a uma localidade D, e provavel que se tenha segmentado nopassado de uma linhagem c associada a uma localidade C, que por sua vez sesegmentou de uma linhagem b associada a uma localidade B e assim por diante,ate a linhagem a que e urn ou outro dos oito clas originais ja mencionados.

Segue-se que, se os membros de uma linhagem d admitem que sua linhageme urn segmento de c, tambem admitem que 0 chefe de linhagem de c que ainda viveem Cede status superior ao seu.

Tomemos urn exemplo. Todos os membros da linhagem Hpunrau reconhe-cern que sao uma seccao da linhagem Layawn; reconhecem, portanto, 0 chefeLayawn Ga como seu suserano no que concerne a quest6es de linhagem. Mas oslayawns sao urn segmento dos kadaws, e em certos assuntos 0 chefe layawn terade referir-se ao fundador da linhagem Kadaw que vive longe dali, em Kadaw UmaGa, no Triangulo Central. Os kadaws, sendo urn segmento do cla Lahtaw, devemnaturalmente pres tar deferencia ao chefe senior de todo 0 cla, mas na verdade talchefe nao existe. Ha, isto sim, uma meia diizia de linhagens Lahtaw mais velhas,cada uma das quais reivindica ser superior a todas as demais; Kadaw e uma delas.

Essa deferencia aos cabecas de linhagem que residem a uma certa distanciaaplica-se quase exclusivamente aos membros das linhagens de chefe e aristocrati-cas, mas e de significativa importancia no "equilfbrio de poder" total. Como ja

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AS CATEGORJAS ESTRUTURAJS DA SOCJEDADE KACHJN GUMSA

vimos, 0 lider de uma aldeia e normalmente de status aristocratico (ma gam amyu)(ver p. 143). Na maioria das questoes suas obrigacoes politicas sao devidas ao chefedo seu dominic (mung duwa), que costuma ser de urn cla totalmente diferente. Suasobrigacoes para com esse chefe de domfnio sao essencialmente as dividas de urnarrendatario feudal para com 0 Senhor do Feud040 Mas, alem disso, no queconcerne as questoes de linhagem, 0 Iider de aldeia deve deferencia nao ao seuproprio chefe territorial, mas ao uma du que e 0 cabeca do ramo do cacula de suapropria linhagem, e atraves dele a outro ou outros uma du, geograficamente aindamais remotos. A retencao das filiacoes de linhagem serve assim de prova dospoderes do chefe territorial local.

A autoridade pratica que 0 ultimo cabeca de linhagem senior (uma du) podeexercer de fato sobre os ramos mais jovens espalhados dessa linhagem e decertoextremamente pequena, mas a nocao de que essa especie de hierarquia existefavorece uma compreensao do que se poderia chamar talvez de "solidariedadetribal" entre a totalidade da populacao kachin. Uma funcao teorica importante docabeca de uma linhagem e a de arbitro. As disputas entre pessoas que sao membrosde diferentes linhagens locais mas da mesma linhagem senior devem ser apropria-damente reportadas ao cabeca da linhagem senior que abrange ambas as partes.Parece duvidoso que isso ocorra alguma vez nos dias de hoje, e nao disponho dedados para saber ate que ponto isso realmente acontecia no passado.

Quando defini uma aldeia (p. 171), descrevi 0lfder como cabeca da linhagemprincipal (p. 173). Tais linhagens sao linhagens localizadas corporativas no sentidoaqui implicado, e os membros dessa linhagem terao todos 0 mesmo "nome defamilia". Isso porem nao exclui a possibilidade de haver umaou mais familiasespalhadas em outras localidades que tern 0mesmo nome de familia, mas estabe-lecidas, por uma ou outra razao, em pais estrangeiro.

bu ni - "aldeoes"A importancia dessa categoria esta em que ela permeia todas as rivalidades

de parentesco e denota explicitamente a lealdade a urn lugar, e nao a uma linhagem.o grupo de aldeias de Hpalang estava, em 1940, dividido em faccoes dos tipos maisdiversos, mas todos os habitantes reivindicavam igualmente 0 status de Hpalangbu ni - aldeoes de Hpalang - e chamavam de Hpalang de sua bu ga - "terra natal".Normalmente todos os que se reconhecem como bu ni da mesma localidadepartilharao urn numchang (tumulo sagrado) comum e participarao assim dasmesmas oferendas rituais ao espirito terrestre local, porem nem sempre e isso que

40. Leach (1952), p. 41.187


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ocorre. Nao era assim, por exemplo, em Hpalang. Bu ni enquanto agregado depessoas e a contrapartida de mare (grupo de aldeias) enquanto categoria de lugar.

Agrupamentos e categorias informaismani - "criancas"; chabrang ni - "rapazes";mahkawn ni - "mocas"; madu ni - "casais casados";ga ni - "trabalhadores"Do ponto de vista da analise estrutural, os tipos mais significativos de

agrupamento na sociedade kachin sao certamente as categorias de linhagem e delocalidade que acabo de descrever, juntamente com as categorias de "classe"consideradas mais adiante (p. 214). Paradoxalmente, os grupos desse tipo desem-penham urn papel insignificante nos assuntos quotidianos, embora se tornemproeminentes em todas as ocasi6es rituais formais.

Os grupos informais arrolados nest a secao permeiam tanto 0 grupo deparentesco como as perfilhacoes de localidade. Baseiam-se principalmente naidade. Os kachins nao tern urn sistema formalizado de graduacao etaria, comosucede em alguns dos grupos nagas". As criancas comecam a aprender seus oficiosde familia numa idade muito tenra, mas nao sao, a princfpio, distinguidos emcategorias sociais autonomas. Sao simplesmente criancas (mani). Quando alcan-~am uma idade proxima da puberdade (sek), comecam a ser distinguidos comorapazes (chabrang ni) e mocas (mahkawn ni). Na epoca em que atingem apuberdade (ram), os rapazes e as mocas dormem regularmente juntos, mas 0 flerteeo namoro e praticado em grupos mais do que entre individuos. Urn rapaz de maisou menos dezesseis anos passa a maior parte do tempo na cornpanhia de urn grupoinformal de quatro ou cinco companheiros da mesma idade e do mesmo sexo, naonecessariamente da rnesma aldeia. Trabalham em equipe nos campos, ou em tarefascomo a construcao de casas, e a noite encontram-se com suas garotas para cantare namorar (nchyun ga) nalgum lugar pre-combinado. Uma vez atingida a puberda-de, 0jovem raramente dorme em casa (ver p. 188: n-la dap).Esses grupos de rapazes nao tern uma organizacao formal, mas os gruposcorrespondentes de mocas sao ate certo ponto organizados. Considera-se a lua urnnat feminino que cuida da felicidade das rnocas; ha urn rito em que somente asmulheres podem estar presentes, no qual e invocada a "moca lua" (chata mah-

41. Por exemplo, 0 Ao. Ver Mills (1926).

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AS CATEGORlAS ESTRUTURAlS DA SOClEDADE KACHlN GUMS A

kawn). Nao sei ate que ponto as mulheres mais velhas participam de tais sessoesou as organizam.

Em sua maioria, os rapazes se casam quando chegam aos 20 anos; as mo~as,um pouco mais cedo. No casamento ambos os sexos alcancam 0 status pleno deadultos. 0 rapaz torna-se apenas um homem, la; a mo~a, uma mulher, num. Naoha para os casados um agrupamento informal, baseado no sexo, correspondente aodos rapazes e das mocas, No casamento 0marido e a esposa tornam-se donos dacasa - sao os "proprietaries" ou "senhores" (madu ni) de sua residencia.

Parece-me digno de nota que 0chefe de familia "possui" a sua casa no mesmosentido em que urn chefe (duwa) "possui" 0 seu dominio (mung). 0verbo maduai serve em ambos os contextos.

Mudancas no status social como essas sao indicadas sobretudo por modifi-cacoes no vestuario. Os meninos nao passam por nenhuma forma de iniciacaoritual, mas, quando urn garoto comeca a portar regularmente uma espada (nhtu) euma sacola (nhpye), espera ser tratado mais como jovem que como crianca. Daipor diante esses dois artigos do equipamento pessoal raramente the estarao fora doalcance dos braces. Nao existe diferenca entre 0modo de trajar de urn rapaz solteiroe 0de um casado. A medida que for envelhecendo, orgulhar-se-a cada vez mais desua habilidade em manejar a espada - que e um instrumento para propositos gerais,servindo tanto para derrubar arvores quanto para aparar as unhas; em geral osanciaos da comunidade (myit su ni) podem ser distinguidos pelo fato de usaremuma espada de qualidade particularmente fina.

A roup a das mulheres e distintivamente kachin e varia nas diferentes partesda regiao, mas em todos os lugares 0 estilo do cabelo indica 0 status social damulher kachin. Quando moca, usa a cabeca descoberta e os cabelos cortados curto.Ao casar-se, passa a usar urn turbante; na velhice usa urn turbante de dimensoesmaiores.

As categorias de pessoas aqui mencionadas, a saber, as criancas, os rapazes,as mocas, os homens casados, as mulheres casadas, os velhos e as velhas, sao ascategorias entre as quais se distribuem os trabalhos.Por exemplo, na construcao de uma casa os rapazes executam a cobertura depalha, as mocas cortam apalha, as mulheres casadas preparam a cerveja, os homenscasados cortam a madeira e os bambus, os velhos, sentados, fendem os bambuspara fazer cordas de amarrar (pali), enquanto as velhas executam suas tarefashabituais de cuidar dos porcos, dos gansos e das galinhas. E assim sucede comtodas as atividades que requerem um trabalho em equipe. As equipes de trabalhopodem ser constituidas de varias maneiras, mas as tarefas sao sempre distribuidassegundo a idade.

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A maior parte das atividades economicas usuais e executada por individuosque atuam simplesmente como membros de suas proprias familias individuais.Fora do campo do ritual religioso existem poucas tarefas tecnicas que exigem urnespecialista profissional. Entretanto, emprega-se 0 trabalho comunal para certostipos de tarefa, particularmente a construcao de casas e a semeadura. A mao-de-obra e entao recrutada igualmente entre os casados e os solteiros; os trabalhadoressao chamados de ga ni. 0 principio e que 0 chefe de familia que contrata amao-de-obra the forneca cerveja e alimento, mas nao execute pessoalmente nenhu-rna tarefa. Ao contratar assim os trabalhadores, 0 contratante incorre na divida deurn dia de trabalho em relacao a cada urn de seus contratados. Tais dividas saonormalmente saldadas numa base reciproca durante 0 ano. Os trabalhadores naosao necessariamente parentes ou vizinhos proximos do contratante. Urn chefe ouurn lider de aldeia, investido da funcao oficial, pode obrigar seus dependentes afornecer mao-de-obra para certos prop6sitos com una is sem incorrer na obrigacaode saldar a divida - tais propositos compreendem a limpeza dos caminhos e 0desmatamento e cercamento do campo de arroz anual da aldeia (yin wa). 0 chefepode tambem convocar os trabalhadores para executar services gratuitos para eleproprio. Desse modo e construida a cabana do arrozal do chefe; e semeada sua ro~acomo urn dever comunal, e nao como parte de urn sistema de troca reciproca detrabalho.

As generalizacoes que fiz aqui aplicam-se indistintamente aos kachins gumsae aos gumlao, e a grande maioria delas vale tambem para os chans. A transicao dainfancia para a adolescencia e mais formal para urn chan do que para urn kachin.Normalmente, e marcada por urn periodo de residencia num mosteiro budista, naqualidade de monge novice, e pela aplicacao de urn elaborado sistema de tatuagemnas coxas".

Entre os chans chineses, 0 status de idade e formalizado por urn sistema decerimonias do tipo da Festa do Merito'", Esse formalismo ligado ao status de idadena sociedade chan correlaciona-se com uma relativa falta de enfase na linhagem.

42. Milne e Cochrane (1910), pp. 54, 66. Atualmente, arnbas as praticas sao observadas com muito menosconstancia que no pass ado. 0 costume birmanes era semelhante.

43. Ver T'ien (1949).190


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IVConceitos de Relaciio de Parentesco Afim e de Incesto

mayu-dama - "relacao de parentesco por afinidade"o significado desse conceito kachin fundamental ja foi discutivo no capitulo

4 e tambem em dois trabalhos anteriores". Aqui, preciso apenas recapitular 0argumento principal.

Quando ocorre um casamento, mayu denota a relacao da linhagem da esposacom a do marido e dama designa a relacao da linhagem do marido com ada esposa.

A regra da exogamia e que, na esfera da linhagem htinggaw, um homem naopode casar-se dentro de sua propria linhagem ou da de seu dama; uma mulher naopo de casar-se em sua propria linhagem ou na de seu mayu. Revela-se umapreferencia no sentido de que 0homem se case dentro de seu mayu e uma mulherdentro de seu dama.

Cabe ressaltar os seguintes pontos:a. A relacao mayu-dama ocorre mais entre linhagens do que entre individuos.b. E considerada uma instituicao persistente. Um casamento da aos dama 0

direito de entabular negociacoes para outro, e espera-se que 0 facam, podendomesmo ser penalizados se nao 0 fizerem.

c. Se os mayu e os dama sao de classes sociais diferentes, os mayu ocupamquase sempre a posicao superior dentro de uma aldeia.d. Dentro de uma comunidade local as linhagens da classe social mais baixa

tendem a ter uma relacao de parentesco afim com as da classe social mais alta. Asda classe social mais alta sao mayu.

e.Em algumas comunidades, tres ou mais linhagens podem estar ligadas numcfrculo formal - hkau wang hku ("caminho do cfrculo dos primos"). A existenciade um cfrculo fechado de arranjos matrimoniais de tal modo que, por exemplo, Asejam mayu em relacao a B, que sao mayu em relacao a C, que sao mayu em relacaoa A, sempre implica que todas as linhagens nesse circulo sao da mesma classe sociale, com toda a probabilidade, tern interesses politicos comuns.

44. Leach (1945), (1952).


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Conceitos de Incesto e de Relacoes Sexuais Ilicitasa. jaiwawng - relacoes sexuais entre urn homem e uma mulher de sua propria Iinhagem

(moi, na nau ou sha) ou com uma mulher de sua linhagem dama (hkri)4S.b. chut hpyit - relacoes sexuais com uma parenta mayu de status superior - por exemplo,nu (mae), rat (esposa do irmao mais velho).

c. num chaw - adulterio com uma mulher casada, nao sendo 0 marido urn irrnao deIinhagem ou urn parente dama do adiiltero.

Os kachins distinguem diversas variedades de agravo heterossexual, sendo aprincipal distincao entre adulterio com uma mulher casada (num chaw, num chut,chut hpyit) e relacoes sexuais com uma mulher solteira excluida pelas regras daexogamia - isto e, uma mulher solteira das categorias hpu-nau ou dama. Jaiwawng,o termo que 0dicionario registra para "incesto", parece aplicar-se apropriadamenteapenas ao ultimo tipo de agravo. 0 jaiwawng incluiria assim as relacoes sexuaisentre um homem e sua irma e entre um homem e sua filha, mas acho que as relacoesentre urn filho e a pr6pria mae seriam classificadas como chut hpyit. Se bernentendo a questao, os agravos c1assificados como chut hpyit sao de naturezasacrflega, constituindo mais urn ultraje a moral do que urn agravo legal. Assim,num caso de guerra no qual os soldados japoneses eram acusados de ter destruidouma aldeia e violentado as mulheres, dizia-se que as mocas solteiras tinham sido"estupradas" (roi), enquanto as mulheres casadas e as vitivas tinham sido "ultraja-das" (chut hpyit). Ambos os termos podem significar "insultar", mas hpyit pareceestar associado a hpyi - "feiticeira?". 0 chut hpyit, no sentido de adulterio comurn parente mayu de status superior, nao pode acarretar penalidades legais (hka -"dividas")" porque 0 marido ofend

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