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    QUESTES INTRODUTRIAS ACERCA DO SER E TEMPO DE

    HEIDEGGER.

    Gustavo Augusto da Silva Ferreira*

    Orientador: Dr. Eduardo Jorge Oliveira Triandopolis**

    Resumo: Trataremos da questo acerca do ser no pensamento do filsofo Martin

    Heidegger na sua famosa obra: Ser e Tempo. Ser, debatido e analisado por inmeros

    outros pensadores, um dos principais pilares da filosofia heideggeriana. Ser mostra-se

    na tradio como conceito complexo e ao mesmo tempo usual, comum e cotidiano. Ser,

    segundo Heidegger, deveria significar o ponto central no debate da tradio filosfica,

    mas sempre permaneceu como conceito obscurecido e velado. Heidegger pretende

    retomar e esclarecer a questo do ser, tendo como ponto de partida a existncia humana,

    o ente privilegiado em seu modo de ser e existir.

    Palavras-chave: Ser, Heidegger, Velado, Ente, Existir.

    Introductory questions about Heidegger's Being and Time.

    Abstract: We will address the question about being in the thought of the philosopher

    Martin Heidegger in his famous work: Being and Time. Be discussed and analyzed by

    many other thinkers, is one of the main pillars of Heidegger's philosophy. Being shows

    up in tradition as complex concept while usual, ordinary and everyday. Being,

    according to Heidegger, should mean the central point of debate in the philosophical

    tradition, but always remained obscured and veiled concept. Heidegger intends to return

    and clarify the question of being, taking as a starting point to human existence, the

    being privileged in their way of being and existence.

    Keywords: Being, Heidegger, Veiled, Ente, Exist.

    __________________________________________________________________________________________________________________________________

    * Graduando do curso de filosofia na Universidade Estadual do Cear - UECE. Bolsista FUNCAP-IC.

    Pesquisador sobre A ontologia fundamental em Heidegger. Laboratrio de Esttica e metafsica. Coordenao: curso de Filosofia/departamento de filosofia. Centro de Humanidades CH. **

    Professor da Universidade Estadual do Cear - UECE. Centro de Humanidades CH. Doutor em

    filosofia na Freie Universitt Berlin (1996).

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    INTRODUO

    A questo da existncia em Martin Heidegger na obra Ser e Tempo, assim

    como inmeras outras temticas aludidas pelo autor, passa necessariamente pela questo

    acerca do ser. Ser e Tempo serve-nos como material para uma anlise minuciosa da

    questo da existncia. com base na analise da existncia, da presena, do Dasein que

    Heidegger adentra o ponto mais profundo, o ponto culminante da questo do ser em

    Ser e Tempo.

    Segundo Heidegger o conceito de ser per si o conceito mais complexo,

    mais vazio e simples que se possa encontrar. 1 Em sua significao, desde a

    conceituao mais primitiva da palavra, at a designao ps-moderna, ser tem

    resistido a toda tentativa de definio. Por ser um conceito universal necessariamente

    furta-se a uma definio. Tal questo inquietava os filsofos da antiguidade, e levou

    muitos a cometerem uma serie de erros metodolgicos em suas anlises prvias do ser.

    O conceito de ser est em nosso cotidiano, mesmo que de uma forma banalizada.

    Denominamos o que as coisas so, denominamos o que cada ente , mas, temos

    dificuldade em denominar o conceito denominador, o determinante.

    Para Heidegger a questo sobre o sentido de ser traz consigo uma considervel

    bagagem de preconceitos, que nos acompanham desde a antiguidade. Aristteles revisou

    a questo que havia sido observada primeiramente por Parmnides e Plato. Podemos

    observar os pontos principais dos preconceitos: O ser no delimita a regio suprema do

    ente. Isso acontece porque o ente comparado ou visto frente ao que se denomina por

    ser, apresenta-se como conceito genrico. A universalidade do ser transcende toda a

    universalidade genrica, diz Heidegger. Em seguida, fortemente influenciado pelo

    pensamento aristotlico acerca da questo que entendia a unidade desse universal

    (transcendental), frente multiplicidade dos conceitos reais mais elevados do gnero e

    denominado como unidade da analogia por Aristteles, foram eles, os filsofos

    medievais que compreenderam de certa forma, e que denominaram ser como

    transcendes, inaugurando assim uma ontologia (inaugurando assim o prprio termo).

    No entanto, mesmo com Aristteles tendo dado uma nova compreenso questo que

    1 Heidegger. M. Ser e Tempo. Ed. Vozes, p. 37

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    fora aludida por Plato, ainda assim os medievais no conseguiram chegar a uma

    clareza de princpios, pois como o problema das categorias em suas multiplicidades no

    foi bem resolvido. A questo acerca do ser como conceito mais universal que existe

    continua, ao invs de esclarecida, obscura. Ento, em primeira instncia, evidente que

    o conceito de ser permanece indefinvel e aparentemente no mostra margem alguma

    para definio. Pois ser no ente. Observando sua mxima universalidade vemos que

    se o determinarmos ele se faria ente, ou iramos atribuir-lhe um ente.

    Observemos que tal falta de definio o que problematiza a questo, por

    concluirmos que ser no um ente e termos demasiada certeza de sua aparente

    indefinibilidade. Assim devemos justamente ir alm na questo de seu sentido.

    Heidegger alega que ser um conceito que pressupe de ns uma evidncia

    de si mesmo: no relacionamento com todos os demais entes que nos cercam, e at

    mesmo com ns mesmos, em todo momento fazemos uso de ser. Todos

    compreendem, pelo menos por alto, pelo menos de forma especulativa frases como: A

    grama verde, A garota bonita, Eu sou alegre. Segundo Heidegger, essa tal

    compreensibilidade comum demonstra a incompreenso. Ou seja, as frases mostram-nos

    que h um ocultamento de ser na medida em que o referencial explicitado o ente.

    Heidegger diz:

    Por vivermos sempre numa compreenso de ser e o sentido de ser est, ao mesmo tempo,

    envolto em obscuridade, demonstra-se a necessidade de principio de se retomar a questo

    sobre o sentido de ser.2

    O HORIZONTE DA QUESTO

    Assim se faz claro que no se pode mais tentar definir ser sem cair no absurdo de

    exprimi-lo e subentend-lo. Para defini-lo precisaramos sempre dizer , e assim

    emprega-lo j definido para sua prpria definio. Ento, iniciaremos o

    desenvolvimento da reformulao da questo, j que ficou claro que os preconceitos no

    s no conseguiram decifrar a questo como tambm estagnaram-se em pequenos

    equvocos. Passemos pois, recolocao da questo acerca do ser.

    A questo do ser, como j foi demonstrado, uma questo privilegiada: a

    questo sobre o sentido de ser. Questionar buscar cientemente o ente naquilo que ele

    2 Heidegger. M. Ser e Tempo. Ed. Vozes, p. 39 a4

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    e como ele . Questionar direciona-se para alm do ente, direciona-se para o ser.

    Logo, nos achamos diante da prvia necessidade de discutir a questo do ser no tocante

    aos momentos estruturais referidos. Devemos fazer uma observao prvia das

    estruturas do questionamento e da questo. O questionar de tal questo necessita de uma

    orientao prvia do que se busca, do que se visa atingir no questionamento.

    De antemo s podemos admitir que no sabemos o que quer dizer ser, mas

    que temos uma compreenso prvia do ; e como diz Heidegger:

    Essa compreenso vaga e mediata um fato.3

    Quer dizer, esforamo-nos para aprimorar a ideia, para adentrarmos o horizonte da

    questo com base no que nos d uma pequena margem de compreenso para a

    observao mais profunda do questionado, mas estamos sempre atendo-nos a mera

    propedutica da introduo da questo. O que se busca no questionar (sobre o ser)

    algo que no totalmente desconhecido, contudo, numa primeira aproximao algo

    totalmente inapreensvel. Creio que para melhor explicitar nosso discurso devemos

    recorrer ao argumento de Heidegger, que explica-nos que primeiramente, para

    evitarmos maiores equvocos devemos observar a questo do ser como questo acerca

    do ser e no do ser do ente:

    O questionado da questo a ser elaborado o ser. O que determina o ente como ente, o

    em vista de que o ente j est cem por cento compreendido, em qualquer discusso. O ser

    dos entes no em si mesmo um outro ente. O primeiro passo filosfico na compreenso

    do problema do ser consiste em mithn tina dieguesthai.45

    No contar Estrias significa: no determinar a provenincia do ente como ente,

    reconduzindo-o a um outro ente, como se ser tivesse um carter de um ente possvel.

    Logo, compreendemos que o questionar sobre o ser necessariamente distinto

    de qualquer questionamento sobre o ente. O ser exige-nos um modo prprio de

    demonstrao.

    SER E ENTE

    Inevitavelmente ser remete a ser de um ente. O resultado disso que na

    questo do ser interroga-se o prprio ente. Quer dizer: interroga-se o ente em seu ser.

    3

    Heidegger. M. Ser e Tempo. Ed. Vozes, p. 39

    4 Plato. Sofista. No contar Estrias. 5 Heidegger. M. Ser e Tempo. Ed. Vozes, p. 41

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    Logo, para se apreender o ser do ente ou em primeira instncia apreender o prprio ente

    necessria uma porta de entrada ao ente, uma porta de entrada que remeta ao ser.

    Observa-se que o ente em si mesmo acessvel, mesmo assim devemos examinar qual a

    maneira mais adequada de acess-lo.

    Heidegger mostra-nos que primeiramente devemos diferenciar conceitualmente

    o ser de ente. Ente em seu sentido mais restrito so todas as coisas das quais tratamos,

    inclusive ns mesmos, ou seja, pode-se dizer que cachorro um ente, toalha um ente,

    deus um ente, o homem um ente, etc. J sobre o ser cito o prprio Heidegger:

    Ser est naquilo que e como , na realidade, no ser simplesmente dado, no teor de

    recurso, no valor e validade, no existir, no dar-se.6

    Ainda assim, resta-nos uma lacuna sobre a prpria introduo da questo do

    ser. A saber: a questo do ente. A partir de que ente deve-se avaliar, observar e ler o

    sentido de ser? Alis, existe um tal ente que deva ser o escolhido? E se existe tal ente, o

    que o diferencia dos outros?

    A resposta est implcita no questionar. Escolher tal ente, questionado e

    avaliado j em si a atitude tomada por um ente privilegiado. Por um ente que

    questiona o ente enquanto ente para a apreenso do ser. Este questionar faz parte do

    modo de ser de um determinado ente.

    A elaborao minuciosa da questo do ser de um determinado ente para a

    apreenso do ser s pode ter como ponto de partida o ente privilegiado que questiona

    o seu ser, quer dizer: ns mesmos.

    Heidegger denomina como Dasein (ser a) este ente que possui a capacidade de tornar

    explcita a questo sobre o sentido de ser, e por isso, merece uma avaliao prvia e

    demasiadamente adequada no tocante a seu ser.

    DASEIN: CONCEITUAO PRVIA

    Dasein um conceito denso, profundo e ao mesmo tempo efetivo. Com ele

    erradica-se qualquer possibilidade de denominar uma natureza humana, um dado

    meramente emprico do homem, uma avaliao que tenha como base a avaliao do

    ente privilegiado. O diferencial do Dasein com relao aos demais entes e demais

    conceitos filosficos de homem (presena) se d precisamente por apontar uma tal

    6

    Heidegger. M. Ser e Tempo. Ed. Vozes, p. 42

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    condio existencial de possibilidade de um pensamento, de uma conscincia, que no

    se define e nem se esgota com a problemtica categorial da racionalidade em seus

    conceitos inerentes linguagem.

    O ser-a uma indicao de experincia, onde se percebe que compreender no

    diz agarrar a realidade com esquemas da razo, mais deixar-se compreender pelo que

    faz a razo compreender, uma forma de compreenso que est alem da conceituao.

    Dasein no um conceito. Palavras como Dasein e logos, so pensadas a partir das

    coisas, mas em si, no devem ser conceituadas, tais palavras esto a servio do

    pensamento e enquanto tal esto postas para serem pensadas. Estas palavras so, em seu

    modo de ser intraduzveis, pois as definies de seus possveis conceitos ou

    transform-las em meros conceitos no abarcaria a dimenso do pensamento e da ideia

    que elas sugerem. A conceituao no pode enquanto denominao substituir a tarefa do

    pensar. A sugesto tanto hermenutica como etimolgica da palavra no faz nenhuma

    aluso que transcenda a prpria palavra, ou seja, a questo no est na palavra, mas sim

    no que ela leva a pensar. Palavras so fontes de sentido, e no portadoras do j sabido.

    Qualquer conhecimento relacionado a Dasein se encontra no mbito das

    relaes dos homens com as coisas, a partir das relaes que se define os homens com

    as coisas, a partir da relao que se define o homem e as coisas, e no o contrrio. Isso

    quer dizer que as relaes se determinam a partir do homem e das coisas. Isso quer

    dizer que o Dasein, em seu modo de ser, d-se a conhecer como existente d-se a

    conhecer como portador de um nada aberto. Em sua compreenso enquanto

    transcendente diz redundncia, diz conduzir-se para alm de si mesmo, ser em si outro.

    O movimento incessante de ser para alm de si mesmo, de ser inerente ao tempo nas

    suas realizaes finitas. Quer dizer que Dasein no corresponde a um acontecimento do

    tempo, mas a temporalidade no acontecer. A tentativa de explicar o Dasein se d

    principalmente no que o prprio Heidegger diz sobre traduo. Segundo ele a

    dificuldade da traduo de pensamento nunca meramente tcnica.7

    Ela diz respeito a relao da pessoa com a essncia e a dignidade da linguagem

    e, desse modo, consigo mesmo enquanto via e finitude. Da a amplitude de traduzirmos

    a essncia do pensamento que nos vem a tona com o termo Dasein. 7 Dasein um ser

    existindo e enquanto ser existindo necessariamente um acontecendo na temporalidade,

    7Heidegger. M. Holerlins Hymne Der Ister, GA 53. Frankfurt AM Main: Klostermann, 1984, p. 76

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    que s se d no vir-a-ser, s se mostra no acontecer, no acontecendo, nele o prprio

    tempo se manifesta. O que assim se descreve no o tempo, mas o acontecer do verbo

    ser sendo, o como verbal, ou seja, em sua forma ativa e o ritmo do prprio.

    A questo a ser discutida exige de ns a mais complexa compreenso do Dasein, e como

    j foi dito se problematiza mais ainda na questo da compreenso de um termo que em

    seu falar tem muito a dizer. J fizemos aluso que este tipo de palavra concentra-se no

    mbito do pensar e no o do traduzir. Pois se considerarmos traduzir como a definio

    da palavra feita em uma linguagem que a defina rapidamente chegaremos a concluso

    que falar e dizer j so em si traduzir. Traduzir no se define de modo algum pelo fato

    da palavra a ser traduzida e da traduo pertencerem a lnguas diferentes. Saber alemo

    facilitaria, mas no garante a compreenso da palavra (indicativa) Dasein. E pode at

    mesmo obstruir o caminho da compreenso: nestes casos a fonte que nos leva a

    etimologia pode at mesmo nos limitar no pensar e na transcendncia da compreenso

    do termo, que nos aparece como interpretao prvia do termo em sua lngua, e no

    necessariamente o que o pensador sugere com o termo. Assim podemos facilmente nos

    abarrotar de preconceitos. Mrcia S Schuback, no seu texto introdutrio a Ser e

    Tempo, a saber, A complexidade da presena, diz que:

    a dificuldade no est em traduzir a palavra Dasein, e sim em traduzir a estranheza de

    seu sentido verbal.8

    Segundo ela, Dasein um substantivo bastante comum e simples, at mesmo cotidiano.

    Heidegger afirma que o termo dasein a traduo alem apropriada para a

    palavra existentia e que o uso que ele prprio faz desse termo no deve ser confundido

    com estar-a com prsence, da lngua francesa no original.9 Uma das problemticas

    fundamentais em Ser e Tempo, que o uso terminolgico Dasein busca solucionar,

    diferenciara vida ftica do homem de um sentido de ser como ser simplesmente dado

    (ou como um ente no privilegiado), isto , como estrutura substantiva de subjetividade.

    Essa uma questo muito importante a ser observada. O problema decisivo aqui

    compreender ser como ser simplesmente dado, como substncia (Vorhandenheit).

    Dasein deve ser traduzido e compreendido sempre como oposio Vorhandenheit, ser

    simplesmente dado. Para Heidegger, este ser simplesmente dado um presente sem

    presena alguma. Ele apenas atual e atualizado, no sentido de extrair e abstrair o real

    8Schuback. M. de S. A perplexidade da presena. Prefcio quinta edio de Ser e Tempo. p. 23

    9Heidegger usa, tambm, antes de Ser e Tempo outra expresso para dizer dasein: a expresso Faktisces

    Lebem (vida ftica).

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    de sua concreo, de sua realizao concreta e concrescente para fixar-se numa

    representao descompreendida com interesse da vida, numa representao impessoal e

    despersonalizada, assim Dasein no pode ser ser simplesmente dado.

    Como o ponto de partida da anlise minuciosa da questo de ser o Dasein,

    a presena, a existncia humana, o ser-a no mundo, deve haver uma observao

    fenomenolgica profunda do Dasein.

    Mas com isso, segundo a filsofa heideggeriana Mrcia de S Schuback,

    fenomenlogos contemporneos de Heidegger, como seu grande amigo Edmund

    Husserl (1859 1938), Edith Stein (1891 1942), Max Scheler (1874 1928), Hedwig

    Conrad-Martius (1888 1966) viram Ser e Tempo to somente como uma

    Antropologia Filosfica.10

    Porm, para Heidegger, Dasein no diz ser dentro do mundo, e isso na

    experincia de sendo em ser, de existir na dimenso infinitiva de ser, ou seja, de existir

    na abertura de a-ser. Isto significa que ser no constitui, de forma alguma, uma posio,

    mesmo que amigvel, temporalidade de Dasein. Ser-no-mundo o sentido concreto

    do que Heidegger chama de temporalidade por oposio ao conceito vulgar de tempo.

    Assim, ressalta Heidegger:

    ... a questo que surge necessariamente de quem ou o que e como o homem, tratada em Ser e Tempo, exclusiva e constantemente, a partir a questo do sentido de ser. Com isso

    j est decidido que a questo do homem em Ser e Tempo no colocada como uma

    antropologia que pergunta: o que o homem propriamente? A questo do homem em Ser e

    Tempo leva analtica do Dasein. 11

    O Dasein no pressupe um conceito de homem. Alis, ele no pressupe nem

    mesmo uma espacialidade no qual se encontra o homem. O Da de Dasein, em Ser e

    Tempo tematizado com um sentido temporal, que define a transcendncia da

    existncia, a conjugao de si mesmo como vida da alteridade. Ele o ser homem sendo

    em seu modo de ser.

    Heidegger insiste em dizer que espao mostra-se como modo ou aspecto

    verbal, Heidegger insiste que Da no um lugar aqui... Da a proximidade do

    distante e distancia da proximidade, a espacialidade prpria do acontecer-a-si-mesmo j

    sendo. Logo tal espacialidade, longe de efetivar-se em nossa exposio, est inserida na

    temporalidade. Como j afirmamos, Dasein intensamente conjugado por Heidegger

    (principalmente na segunda parte de Ser e Tempo), No com o sentido de uma nica 10

    Schuback. M. de S. A perplexidade da presena. Prefcio quinta edio de Ser e Tempo. p. 27 11

    Ibidem, p. 145 a 147/ entrevista de Heidegger concedida ao Der Spigel.

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    palavra ou um nico termo tcnico, mas a complexa conjugao da presena humana

    em seus vrios nveis de realizao finita.12

    Mrcia de S Cavalcante diz sobre Dasein:

    At mesmo na palavra mostra-se o que para Heidegger to decisivo, a saber, que metafsica no escolha intelectual ou cultural que poderia ser superada ou assumida por

    decreto. Metafsica o modo mesmo de ser do Dasein, de presena enquanto ser para alm

    de si mesmo numa antecipao, transcendncia, tra-duo, em suma, o que no possui a si

    mesmo perdendo a si mesmo. O modo de ser de Dasein o modo de ser de um paradoxo

    radical, ser em si mesmo um outro, ser em-si mesmo no ser um si mesmo. Essa

    inscrio metafsica mostra no apenas que toda forma de apreender Dasein em sua radical

    verbalidade s possvel mediante uma insistente dessubstantivao e que, portanto,

    substantivar Dasein uma necessidade inevitvel, mas igualmente que toda tentativa de

    agarrar o sentido da existncia num sentido substancial no capaz de desvencilhar-se da

    verbalidade temporalizante da vida da ek-sistencia. Heidegger no escolhe o tempo Dasein

    para indicar formalmente o no ser simplesmente dado da vida ftica do homem por ser um

    termo que tenha superado a metafsica, e sim por ser o termo que se mantm na tenso

    metafsica de s ser si mesmo perdendo-se de toda a ideia de um em si.13

    Mrcia de S Schuback deixa claro que para Heidegger a metafsica parte

    integrante do homem e que Dasein, como j foi discutido, torna-se intraduzvel

    justamente por no existir traduo perfeita. At porque nem mesmo o termo original

    perfeito, ou seja, pronto e acabado. Se fosse assim, se j soubssemos exatamente o que

    Dasein, no haveria sentido algum em estudar a filosofia heideggeriana. Nesta

    perspectiva, traduzir no necessariamente preciso: preciso pensar. O homem s

    existe fazendo-se (sendo, existindo). Com o mistrio do Dasein surge o campo do vazio,

    esse em que o mundo pode fazer-se mundo enquanto Dasein faz-se como existente.

    A anlise do Dasein no remete a uma decomposio ou reduo, mas a um

    retroceder, a um reconduzir, um articular a unidade de uma estrutura, sem contar que os

    elementos que a compe no so princpios ou foras, mas modos de ser do Dasein.

    O DESENVOLVER DA QUESTO SENDO QUESTIONADA

    Segundo Heidegger o ente pode vir a ser determinado em seu Ser sem que para

    isso seja necessrio dispor de um conceito explcito sobre o sentido de ser. Logo, como

    j dissemos, o ente dotado do carter do ser-a traz em si mesmo uma remisso talvez

    at privilegiada questo do ser. Acerca de tal questo pode-se perguntar: para que

    pode servir tal questo? Ser que ela simplesmente existe, assim como inmeras outras

    questes filosficas, sendo apenas o ofcio de pensadores? Ser que ela existe como

    12

    Heidegger. M. Ser e Tempo. Ed. Vozes, p.189 13

    Schuback. M. de S. A perplexidade da presena. Prefcio quinta edio de Ser e Tempo. p. 30

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    mera especulao solta no ar sobre as universalidades mais universais? Ou ser

    realmente esta, a questo mais importante, principal e concreta dentre todas as outras?

    Para Heidegger ser sempre ser de um ente. Nisso os entes desenvolvem-se em

    inmeros ambitos de atuao. O questionar mais ingnuo sobre os entes, o questionar a

    grosso modo, vem da cincia. A pesquisa cientifica realiza um primeiro levantamento e

    uma primeira fixao (uma atitude quase estatstica) dos mbitos de objetos. Nisso ela

    delimita a prpria regio dos objetos.

    Ela d de maneira a priori conceitos fundamentais, tais conceitos, assim produzidos,

    do inicio, ao fio condutor da primeira abertura concreta do mbito.

    O movimento prprio das cincias se desenrola atravs da reviso mais ou menos

    radical e, para elas prprias no transparentes dos conceitos fundamentais. Com essa

    afirmao torna-se explicito algo que se mostra, porm, no to bem percebido quanto

    deveria. Atualmente surgem tendncias em todas as cincias no sentido de colocar as

    pesquisas em novos fundamentos. Isso ocorre devido as crises internas, imanentes no

    interior e cada cincia. Heidegger exemplifica isso citando a Matemtica. Ela

    aparentemente a cincia mais rigorosa, e at mesmo ela encontra-se numa crise de seus

    fundamentos. A disputa entre formalismo e intucionismo desenvolve-se visando a

    conquistar e assegurar um modo de acesso mais originrio ao que deve constituir o

    objeto dessa cincia. Segundo Heidegger esta crise se d tanto nas cincias exatas como

    nas cincias do esprito. Escreve Heidegger em Ser e Tempo:

    A teoria da relatividade na fsica nasceu da tendncia de apresentar o nexo prprio da natureza tal como ela se constitui em si mesma. Como teoria das condies de acesso a prpria natureza, a teoria da relatividade procura preservar a imutabilidade das leis do

    movimento atravs de uma determinao de toda a relatividade, colocando-se com isso

    diante da questo da estrutura da regio de objetos por ela pressuposta, isto , do problema

    da matria. Na biologia surge a tendncia de questionar o organismo e a vida

    independentemente das determinaes do mecanismo e vitalismo para, assim, definir, de

    maneira nova, o modo de ser vivo como tal. Nas cincias histricas do esprito, acentuou-se

    o emprenho pela prpria realidade histrica atravs da tradio e de sua transmisso: desse

    modo, a histria da literatura torna-se histria dos problemas. A teologia procura uma

    interpretao mais originaria do ser do homem para Deus, prelineada e restrita pelo sentido

    da prpria f. Pouco a pouco, a teologia comea a entender de novo a viso de Lutero, para

    quem a sistematizao dogmtica repousa sobre um fundamento que em sua origem, no advm de um questionamento da f e cuja conceituao, mais do que insuficiente para a

    problemtica teolgica, a encobre e at mesmo deturpa. 14

    Enfim. Todas estas cincias que nos do conceitos fundamentais baseando-se

    em anlises prvias e fincando-se nos objetos eles mesmos, denominam-se cincias

    positivas, ou seja, querem obter seus recursos e resultados apenas da experincia. A

    14 Heidegger. M. Ser e Tempo p. 45 e 46. Ed. Vozes, Petrpolis.

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    pesquisa sobre a questo acerca do ser, segundo Heidegger, deve anteceder tais cincias

    positivas. Para ele a filosofia pode perfeitamente fazer isto.15

    Heidegger acredita que o trabalho de Plato e Aristteles prova isto: trata-se

    aqui, de uma fundamentao das cincias que se distingue de uma lgica claudicante,

    que analisa o estado momentneo de uma cincia em seu mtodo. Isto quer dizer que

    as demais pesquisas esto no nvel ntico, ou seja, esto no ente, com o ente e para o

    ente. J a pesquisa acerca do ser se d em um nvel ontolgico. Sem sombra de

    dvidas, o questionar ontolgico bem mais originrio do que as pesquisas nticas das

    cincias positivas.

    A cincia define-se como um aglomerado totalizante de um conjunto de

    proposies verdadeiras. Claro que esta definio no completa e nem se quer alcana

    o real sentido de cincia. Como atitude do homem as cincias possuem um modo

    prprio de Sr deste ente homem. Isso leva-nos ao que o filsofo Edmund Husserl falou:

    Cincias de fatos geram homens de fatos. Tal afirmao d-nos maior compreenso

    da dimenso da crise interna que as cincias positivas passam e para onde o homem se

    conduz enquanto criador de tais cincias que ao mesmo tempo tangido por elas. A

    questo do ser bem mais primaria que isso. Ela pode ser inclusive, observada como

    fundamento ainda no observado de toda a decorrncia cientfica, ou seja, das cincias

    dos entes que insistem em se delimitar somente como pesquisas nticas.

    Diz Heidegger:

    A questo do ser visa, portanto as condies a priori de possibilidade, no apenas das cincias que pesquisam os entes em suas entidades e que, ao faz-lo, sempre j se movem

    numa possibilidade no apenas das cincias que pesquisam os entes em suas entidades e

    que, ao faz-lo, sempre j se movem numa compreenso de ser. A questo do ser visa as

    condies de possibilidade das prprias ontologias que antecedem e fundam as cincias

    nticas.16

    Assim, uma crise permanece nas cincias quando no encontramos nas

    categorias de seu sistema o real sentido de ser, as cincias continuam cegas por no ter

    compreendido esse esclarecimento como sua principal tarefa.

    15

    Isto fica claro na pagina 46 de quinta edio de Ser e Tempo.

    16Heidegger, M. Ser e Tempo. Ed. Vozes, p. 42 a e b 7

  • 89

    CONCLUSO

    Agora deparamo-nos com a gigantesca incgnita da questo do ser frente

    questo da existncia. O prprio Heidegger deixou sua mais ilustre obra (Ser e Tempo)

    inacabada devido complexibilidade do assunto.

    Temos como forma de compreenso de sua filosofia suas obras e as gravaes

    de suas aulas e entrevistas, contudo, mesmo com tal material, vasto e inacabado,

    permanece para ns a obscuridade da questo levantada pelo filosofo.

    Cabe a ns agora dedicamo-nos a tal questo, levando em conta que ele mesmo

    j deixou claro a sua importncia perante a existncia, as filosofias e a crise das cincias

    modernas. Isto quer dizer que, neste artigo, estamos concluindo sem acabar. Assim,

    como o prprio Heidegger resalta que no mais a existncia humana a porta de entrada

    para o ser, mas este mesmo que torna possvel a abertura para a compreenso da

    existncia humana. No sendo ente algum, nem princpio dos entes, o ser, de certa

    forma, identifica-se com o nada, mas, apesar disso ele ! O ser um mistrio que at

    agora no pode ser compreendido por nenhum ente. O pensar essencial seria o pensar

    que joga com o ser e se reflete nele, fazendo-o, ao mesmo tempo surgir. Tal pensar

    prprio da existncia autntica, prprio do Dasein. 17

    17

    O presente trabalho apenas um pedao introdutrio a uma grande, rdua e incompleta questo

    filosfica que perpassou toda a tradio do pensamento humano e que engloba inmeras reas do saber.

    Esperamos concluir nosso trabalho sem termin-lo enquanto introduo s questes introdutrias de Ser e

    Tempo.

  • 90

    REFERNCIAS

    HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, Petrpolis. Editora Vozes. 5 edio. 2011.

    _______. Entrevista de Hidegger concedida ao Del Spiegel

    HEIDEGGER, Martin. Conferncias e Escritos Filosficos. Editora Nova Cultural

    Ltda., 2005.

    SCHUBACK, Mrcia de S. A perplexidade da presena. Prefcio quinta edio de

    Ser e Tempo. 2011.

    SALANSKIS, Jean-Michel. Heidegger. Editora Estao Liberdade. 2012.