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cadernos metrópole 21 pp. 93-104 1 0  sem. 2009 Políticas urbanas de patrimonialização e contrarrevanchismo: o Recife Antigo e a Zona Histórica da Cidade do Porto* Rogério Proença Leite Paulo Peixoto Resumo Este artigo pretende discutir alguns aspectos das políticas urbanas de enobrecimento, tendo como referentes empíricos o Bairro do Recife e a zona histórica do Porto (Portugal). O argu- mento central é que, após o período de apogeu das intervenções urbanas, que agem como um elixir para os problemas de uma reali dade deca- dente, ocorre uma contrarrevanche exacerbada por um sentimento de reconquista do espaço que aniquila as perspectivas depuradoras des- sas operações. Esse trabalho, desenvolvido no âmbito de uma pesquisa comparada entre reali- dades urbanas brasileiras e portuguesas, ques- tiona esses processos de patrimonialização de centros históricos procurando relevar a volubi- lidade desses processos. Palavras-chave: cidades; patrimônio cultu- ral; enobrecimento urbano.  Abst rac t This article discusses some aspects of urban policies of gentrification, based on the following empirical references: the Neighborhood of Recife and the historic area of Porto (Portugal). The central argument is that, after the apex of urban interventions, which act as an elixir for the problems of a decaying reality, there is a counter-revanchism exacerbated by a sense of space recovery that annihilates the perspectives to improve such operations. This work, developed in the scope of a research study that compares Brazilian and Portuguese urban realities, questions such processes that transform historic centers into cultural heritage, trying to reveal their volubility. Keywords:  cities; cultural heritage; gentrication

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  • cadernos metrpole 21 pp. 93-104 10 sem. 2009

    Polticas urbanas de patrimonializaoe contrarrevanchismo: o Recife Antigoe a Zona Histrica da Cidade do Porto*

    Rogrio Proena LeitePaulo Peixoto

    ResumoEste artigo pretende discutir alguns aspectos das polticas urbanas de enobrecimento, tendo como referentes empricos o Bairro do Recife e a zona histrica do Porto (Portugal). O argu-mento central que, aps o perodo de apogeu das intervenes urbanas, que agem como um elixir para os problemas de uma realidade deca-dente, ocorre uma contrarrevanche exacerbada por um sentimento de reconquista do espao que aniquila as perspectivas depuradoras des-sas operaes. Esse trabalho, desenvolvido no mbito de uma pesquisa comparada entre reali-dades urbanas brasileiras e portuguesas, ques-tiona esses processos de patrimonializao de centros histricos procurando relevar a volubi-lidade desses processos.

    Palavras-chave: cidades; patrimnio cultu-ral; enobrecimento urbano.

    AbstractThis article discusses some aspects of urban policies of gentrification, based on the following empirical references: the Neighborhood of Recife and the historic area of Porto (Portugal). The central argument is that, after the apex of urban interventions, which act as an elixir for the problems of a decaying reality, there is a counter-revanchism exacerbated by a sense of space recovery that annihilates the perspectives to improve such operations. This work, developed in the scope of a research study that compares Brazilian and Portuguese urban realities, questions such processes that transform historic centers into cultural heritage, trying to reveal their volubility.

    Keywords : c i t ies; cultural her itage; gentrification

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    O poder redentor do patrimnio

    As funes e o estatuto do patrimnio no

    contexto da vida urbana de cidades que,

    pelo seu ethos, se representam e so re-presentadas como histricas, convertem os

    processos e as intervenes patrimoniais

    em uma espcie de nova realidade alegri-

    ca das cidades. Essa realidade alegrica evi-

    dencia a promessa redentora de, atravs de

    complexos processos de patrimonializao,1

    reconstruir as imagens das cidades, e sobre-

    tudo de suas zonas histricas, em busca da

    superao de um incontornvel processo de

    declnio. Esse processo de patrimonializao

    implica diferentes nveis de interveno dife-

    renciada, com fortes repercusses, tanto na

    infraestrutura urbanstica e arquitetnica,

    quanto na formatao dos usos dos espaos

    enobrecidos (Ferreira, 2005) .

    Uma primeira repercusso desse pro-

    ces so se faz sentir na materializao de

    uma ideia de espao pblico ordenado,

    higie nizado e minimizado de seus aspectos

    conflituais, que faz com que a cidade seja

    imaginada e transformada a partir da rein-

    veno de um seu passado (Zukin, 1995).

    Nessa perspectiva, o patrimnio cada vez

    mais apresentado como a expresso mate-

    rial de uma ideia pacfica de espao pblico,

    construdo com base em uma suposta ideia

    de passado comum e de tradies compar-

    tilhadas. Sob forma figurada da imbricao

    entre consumo e lazer, os centros histricos

    alvo de requalificao so uma alegoria desse

    espao pblico idealizado, supostamente per-

    dido, que urge recuperar. As intervenes

    mais voltadas para um urbanismo intensivo

    tm ocorrido nos locais onde uma ideia de

    patrimnio se pode juntar a uma ideia de

    espao pblico para ser potenciada como

    atrao turstica e de lazer (Sennett, 1998;

    Fortuna, 2002).

    De forma semelhante, h considerveis

    repercusses na promoo de uma anima-

    o crescente, enquadrada pelo consumo

    visual e pelo turismo urbano, e por formas

    de expresso de um patrimnio imaterial,

    que pretende sugerir ideais de cidadania e

    de participao cvica. Nesse plano, o es-

    pao recuperado se apresenta como uma

    nova plataforma de pendor artstico capaz

    de gerar significados sociais e culturais, co-

    mo se o visual fosse a condio fundadora

    de novas e enriquecedoras sociabilidades.

    Tambm se observam alteraes na con-

    cretizao de representaes destinadas

    a funcionar como imagens de marca das

    cidades e como expresses metonmicas

    que convidam a tomar a parte, ordenada e

    embelezada, pelo todo e a difundir noes

    abstractas de centralidade e de qualidade

    de vida. Nesse plano, o patrimnio funcio-

    na como alegoria, dado que o esplendor e

    a qualidade urbanstica dos espaos em que

    ele se exibe, as cores garridas das fachadas

    recuperadas, frequentemente contrastando

    com o resto da cidade que as envolve, tor-

    nam os bens investidos de um valor patri-

    monial numa espcie de obra de arte que

    representa ideias abstratas de qualidade de

    vida e de funcionalidade. Neste mbito, fun-

    cionam como imagem metonmica da cida-

    de, convidando a tomar a parte, ordenada e

    embelezada, pelo todo.

    O patrimnio e as suas representaes

    que emergem no contexto desses processos

    de patrimonializao podem ser caracteriza-

    dos como uma inveno cultural que procura

    legitimar e naturalizar um determinado tipo

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    de discurso sobre a vida urbana. A busca e

    a aquisio de um estatuto patrimonial pelos

    centros histricos do Recife e do Porto so,

    assim, experincias paradigmticas do com-

    plexo percurso contemporneo das polticas

    urbanas.

    Numa primeira configurao histrica,

    os centros histricos constituem um com-

    ponente estrutural e funcional da vida ur-

    bana. Condensam as primeiras experincias

    de uma cultura urbana (Simmel, 1997) e

    tornam-se espaos de destaque na economia

    poltica das cidades. Numa segunda fase,

    geralmente perdem sua importncia socio-

    econmica, sendo estigmatizados e susci-

    tando progressivamente a emergncia de

    uma sentida tomada de conscincia relativa

    sua desvalorizao social. Numa terceira

    etapa, reclamam e adquirem uma identidade

    patrimonial (Arantes, 2000), inserindo-se

    novamente no centro das polticas urbanas.

    nessa fase que ocorrem a reinveno do

    patrimnio e a construo de uma nova ima-

    gem da cidade, mediante polticas intensivas

    de revitalizao e enobrecimento urbano.2

    Espaos antes considerados degradados

    passam a ter seu atribudo valor patrimo-

    nial ressaltado e se transformam em foco

    nodal de intensivas polticas urbanas e ma-

    cios investimentos pblico e privado. Com

    seus espaos higienizados e embelezados, a

    cidade adentra a concorrncia intercidades

    (Fortuna, 1997) com renovada perspectiva,

    tendo seus patrimnios transformados em

    mercadoria. nessa passagem da segunda

    para a terceira etapa que a ideia patrimonial

    emerge em meio s transformaes urbanas

    advindas dos processos de enobrecimento.

    Mas tambm nessa fase que, to-

    mando aqui o caso concreto das duas re-

    alidades propostas para anlise (Recife e

    Porto), se consuma uma quarta e nova fase

    observvel, caracterizada por uma espcie

    ps-revanchismo patrimonial. A expresso

    revanchismo, aplicada aos processos de

    gentrification, conhecida nos estudos ur-banos para designar uma espcie de vin-

    gana tardia, mas eficaz, da cidade, que de-

    marca espaos, segrega usurios e expulsa

    moradores indesejados (Smith, 1996). A

    operao lembra as polticas de higienizao

    urbana das cidades porturias, tpica do ur-

    banismo haussmaniano. O que resulta desse

    ambguo processo de embelezamento estra-

    tgico para usar mais uma vez a feliz ex-

    presso de Walter Benjamin (1997) , a

    no menos conhecida espetacularizao da

    cultura em geral, e do patrimnio material e

    imaterial, em particular.

    A quarta fase, aqui chamada de ps-

    revanchista, gerada no auge do contexto

    de patrimonializao e de suas vulnerabili-

    dades, e encerra um desfecho inevitvel e

    indesejado para gestores e capital. Sugesti-

    vamente, esse ps-revanchismo sinaliza, por

    outro lado, uma abertura da cidade queles

    que no tinham espao nas polticas de eno-

    brecimento. Contudo, o alto preo por essa

    curiosa e tardia incluso social a volta

    desses espaos a condies de esvaziamento

    e deteriorao crescentes.

    O papel do patrimnio e da requalificao urbana na concretizao de novas centralidades

    Encarados como repositrios e como pro-

    pulsores de atividades culturais diversas, os

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    centros histricos, ao concentrarem as ini-

    ciativas patrimonialistas, tornam-se objeto

    de uma idealizao no mbito das polticas

    urbanas e de processos de patrimoniali-

    zao. Na medida em que alimentam com

    frequncia uma viso predominantemente

    culturalista da cidade, vertida em campa-

    nhas de criao e de difuso de imagens,

    os centros histricos, sustentando-se em

    operaes de patrimonializao e de requa-

    lificao urbana, tornam-se uma espcie

    de hipercentro das cidades. Verdadeiro re-

    ceptculo de investidas distintas, do campo

    poltico ao tcnico, passando pelo associa-

    tivo e pelo empresarial, esse espao, que

    muitos, atravs das polticas de reabilitao

    urbana, pretendem tornar a mais falada, a

    mais estudada, a mais animada ou a mais

    colorida das configuraes urbanas, parece

    constituir-se como o novo foco, em busca

    de uma certa centralidade cultural. Mais do

    que um centro, que muitas vezes j no so,

    por ganharem uma visibilidade superior

    quela que tm no desenrolar da vida quo-

    tidiana das urbes, os centros histricos so,

    no contexto do investimento plstico que

    neles feito, um hipercentro das cidades,

    na medida em que, virtualmente, se cons-

    tituem como um ponto de convergncia de

    intervenes urbanas diversas destinadas a

    um certo mediatismo. Os casos do Bairro

    do Recife e da Ribeira do Porto, enquanto

    paroxismos de processos de patrimoniali-

    zao, encaixam-se nesse modelo de desen-

    volvimento das polticas urbanas (Peixoto,

    2006; Leite, 2007).

    Dos centros histricos, pretende-se ca-

    da vez mais que no sejam apenas um mero

    lugar nem um centro. Mas sim que se tor-

    nem num hiperlugar e num hipercentro, na

    medida em que tm de ser simultaneamente

    um lugar, uma apropriao e uma prtica

    coletiva de formas de sacralizao ou de es-

    pectaculosidade. Mais do que remeter para

    a esfera ntima ou para prticas quotidianas,

    o hipercentro exige um investimento coleti-

    vo que reveste um carter mais ou menos

    sagrado, mais ou menos venervel, mais ou

    menos festivo, mais ou menos extraordin-

    rio. Nessa medida, procurando contrastar

    com o seu papel recente e com o seu en-

    torno urbanstico, os centros histricos so

    alvo de intervenes destinadas a torn-los

    prottipos da vida urbana e so mediatiza-

    dos como lugares exemplares. Por essa via,

    enraizados numa iconografia patrimonial,

    acabam por preencher a funo de imagem

    proftica de um futuro diferente para a ci-

    dade de que fazem parte, participando no

    desgnio maior de qualquer comunidade.

    Ou seja, a capacidade em criar e em man-

    ter lugares de centralidade que possam ser

    propostos aos locais e aos estranhos como

    lugares a admirar e a venerar.

    Nesse contexto, em posies extrema-

    das que atravessam as polticas de reabili-

    tao, parece consolidar-se a ideia que para

    ser belo ou atrativo, e consequentemente

    meditico, preciso sofrer. Seja o sofrimen-

    to inerente s posies estticas e polticas

    daqueles que defendem que a funo dos

    centros histricos preencher o lugar que

    as runas ocupam na formao e no fun-

    cionamento da memria coletiva, atuando

    como uma espcie da beleza do morto

    de que nos fala de Certeau (1996). Seja o

    sofrimento relativo s transformaes pls-

    ticas que, para promover um certo sentido

    esttico, transfiguram lugares e objetos tor-

    nando-os como que irreconhecveis e alvo de

    crticas profundas por parte dos puristas da

    preservao.

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    Tendo por referncia as imagens di-

    fusas que irradiam desse hipercentro, no

    deixa de ser pertinente questionar a tenso

    marcante que enquadra muitas das inter-

    venes atuais nos centros histricos. Es-

    sa tenso, nem sempre fcil de identificar,

    decorre da coliso entre imagens idea li-

    zadas do passado (o que se pensa que fo-

    ram) e imagens idealizadas do futuro (o

    que se pensa que devem ser). Tenso que

    faz emergirem projetos opostos ou alterna-

    tivos e, por vezes, inconciliveis. E que, no

    sendo ultrapassada pelo confronto com a

    realidade mais ou menos recente e presente

    dos centros histricos se constitui como um

    obstculo intransponvel a uma interveno

    sustentvel nas reas urbanas antigas, na

    medida em que ser sempre um contras-

    senso reabilitar indo contra aquilo que exis-

    te. Nessa medida, no despiciendo notar

    que as intervenes nos centros histricos,

    na sua globalidade, e no caso concreto das

    duas realidades urbanas retidas para anlise,

    e no obstante o forte pendor retrico que

    as envolve, participam mais da produo re-

    presentacional e imagtica que anima a pro-

    moo local que propriamente de uma pol-

    tica urbanstica claramente orientada para a

    reabilitao, como o evidencia o surgimento

    de processos de revanchismo. Evidencia-

    se, por essa via, o risco de as campanhas

    de promoo local ficarem excessivamente

    prisioneiras de imagens sem contedo. Em

    contextos em que o marketing das cidades,

    movido por uma linguagem hiperblica e

    alimentando fenmenos de escalada, parece

    estar a adquirir uma preponderncia cres-

    cente, substituindo-se ou sobrepondo-se

    ao poltica, interveno tcnica e cria-

    o artstica e cultural.

    O processo de patrimonializao do Bairro do Recife

    Para o aspecto central da anlise aqui pro-

    posta, fundamental destacar que o Bairro

    do Recife, ao longo dos seus mais de 400

    anos de existncia, j experimentou o apo-

    geu e a decadncia quase absolutos em

    termos de centralidade econmica, relevn-

    cia arquitetnica e visibilidade cultural , em

    pelos menos trs grandes momentos da sua

    histria. O primeiro momento se deu quan-

    do da prpria fundao do Povoado dos Ar-

    recifes (sculo XVI) e depois, j com a pre-

    sena do Mauricio de Nassau (sculo XVII),

    quando a sede do governo holands foi

    edificada no vizinho bairro de Santo Anto-

    nio, deixando o bairro do Recife a amargar

    uma posio poltica secundria. O segundo,

    quando o bairro foi quase todo demolido e

    reconstrudo no melhor estilo da Paris de

    Haussmann, ainda no auge da economia

    aucareira de Pernambuco (incio do sculo

    XX) para, em seguida, presenciar quase seu

    despovoamento e, uma vez mais, a perda da

    sua relevncia para outras reas da cidade

    (sobretudo no ps-guerra at os anos 80

    do sculo XX). Por fim, aps amargar vrias

    dcadas de quase total abandono, o bairro

    ressurge nos anos de 90 como um dos

    mais emblemticos, importantes e impac-

    tantes processos de enobrecimento urbano

    do Brasil (Leite, 2007)

    A fase mais aguda desse processo de

    patrimonializao se deu entre 1989 at

    aproximadamente 2001, poca em que se

    deu o enobrecimento do Bairro. Nesse pero-

    do, o bairro teve suas feies arquitetnicas

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    e funcionais bastante alteradas, com a trans-

    formao de antigos casares em animados

    pubs e sofisticados restaurantes. As ruas, palco de espetculos teatrais, shows mu-

    sicais e exposies artsticas, tornaram-se

    boulevards para as famlias de classe mdia da cidade. Rotinas antes impensveis devi-

    do m fama de local perigoso, o porturio

    bairro foi se transformando em opo de

    lazer seguro e entretenimento para a popu-

    lao, foco do turismo internacional e palco

    de grande visibilidade pblica para eventos

    polticos.

    O processo de patrimonializao foi in-

    tenso, tanto no que se refere ao patrim-

    nio imaterial quanto material. O primeiro

    foi caracterizado por um agudo processo

    de retradicionalizao do bairro, median-

    te a apresentao espetacular de folguedos

    da cultura popular pernambucana, a exem-

    plo de tradicionais grupos de maracatus. A

    patrimonializao edificada por sua vez foi

    to profunda que, pela primeira vez na his-

    tria das polticas de preservao no Brasil,

    um bairro em estilo ecltico foi reconhecido

    como patrimnio nacional pelo Instituto do

    Patrimnio Histrico e Artstico Nacional

    IPHAN, a despeito da discutvel relevncia

    arquitetnica do bairro para os cnones pa-

    trimoniais e preservacionistas brasileiros.

    Foi nesse bairro haussmanniano do

    Brasil que o Plano de Revitalizao do Bair-

    ro do Recife veio a ser colocado em prtica,

    tendo como fundamentao uma proposta

    de restaurao do patrimnio edificado ar-

    ticulada ideia de interveno urbana na

    forma de um empreendimento econmico.

    Afinado com os pressupostos do chamado

    market lead city planning, o plano tinha trs objetivos principais: 1) transformar o Bairro

    do Recife em um "centro metropolitano re-

    gional", tornando-o um polo de servios mo-

    dernos, cultura e lazer; 2) tornar o Bairro

    um "espao de lazer e diverso", objetivan-

    do criar um "espao que promova a concen-

    trao de pessoas nas reas pblicas criando

    um espetculo urbano"; 3) tornar o Bairro

    um "centro de atrao turstica nacional e

    internacional". Esses objetivos sinalizavam,

    desde o incio, o quanto a proposta estava

    voltada ao incremento da economia local,

    pretendendo tornar o Bairro do Recife um

    complexo mix de consumo e entretenimen-to. De igual modo, a noo de um espao de

    "espetculo urbano", que iria caracterizar

    todo o plano, um indicador importante da

    presena de uma poltica de gentrification. Tudo parecia perfeito, aps a implan-

    tao do Plano de Revitalizao, com o an-

    tigo centro histrico transformado em festa

    permanente, numa imbricada relao entre

    consumo e entretenimento, cultura e merca-

    doria; at que um fantasma voltou a rondar

    a bem-sucedida experincia de enobreci-

    mento no Brasil. Aos poucos, o movimento

    de pessoas se arrefece, bares e restaurantes

    fecham suas portas; a arrecadao cai; lenta

    e gradualmente, seus espaos vo decaindo,

    perdendo visitantes, saindo da agenda cultu-

    ral da cidade. Com a ausncia de ao con-

    tinuada do poder pblico, os espaos fsicos

    vo se deteriorando, o patrimnio edificado

    vai perdendo suas cores e, para surpresa

    dos desavisados, a antiga rea, parecendo

    cumprir seu histrico ciclo vital, volta quase

    a ser o que era antes: espao de vidas coti-

    dianas, sem muita visibilidade pblica e sem

    a espetacularizao do seu patrimnio e das

    rotinas sociais.

    Em 2006, cinco anos aps a fase mais

    intensa da revitalizao do bairro, pouco

    restou das sociabilidades que caracterizaram

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    a efervescncia cultural do processo. Mais

    uma vez, o local experimentava o vazio das

    suas ruas e do seu belo patrimnio material

    quase s escuras.

    O processo de patrimonializao do centro histrico do Porto

    O fato mais marcante do centro histrico do

    Porto reside na circunstncia de, em apenas

    trs dcadas, ter passado repentinamente de

    objeto disfuncional e de alvo de uma poltica

    de demolio a objecto de exibio e alvo de

    uma poltica de proteco patrimonial (Pei-

    xoto, 2006).

    O Plano Director de Robert Auzelle

    para a cidade do Porto defendia, como

    tantas outras solues de planeamento ur-

    bano de inspirao haussmaniana, a mera

    demolio do Barredo (zona hostrica mais

    densa), o que motivou o primeiro estudo

    de recuperao da parte antiga da cidade

    pelo arquiteto Fernando Tvora.3 Apresen-

    tado em 1969, esse estudo deu origem, em

    1974, constituio de um organismo p-

    blico especializado para o levar a cabo o

    CRUARB (Ramos, 1995, p. 539), cuja ao

    viria a ser preponderante para que, apenas

    35 anos depois do plano Auzelle, em 1996,

    a rea a demolir fosse elevada condio de

    patrimnio mundial pela Unesco.

    A deteriorao que ocorre no centro

    histrico do Porto a partir do sculo XIX,

    agravada pela segregao espacial motivada

    pela urbanizao crescente da cidade, pelo

    aumento demogrfico derivado da indus-

    trializao e pela concentrao da populao

    mais desprovida de recursos no Bairro hist-

    rico da S, ao passo que a burguesia emer-

    gente se fixava nas novas zonas da cidade

    (como a Foz), atinge limites de ingoverna-

    bilidade que suscitaram evidentes solues

    de tbua rasa. Nessas circunstncias, porque

    quanto mais deteriorado um lugar se encon-

    tra mais ele tende a concentrar e a ampliar

    os problemas verdadeiramente prementes

    que existem numa cidade e na sociedade, o

    centro histrico do Porto criou, certamen-

    te, mais que qualquer outro em Portugal,

    condies de difcil implementao de uma

    poltica de reabilitao.

    No Porto, a poltica de reabilitao e

    de requalificao urbana teve como pano

    de fundo os movimentos de moradores e o

    Servio Ambulatrio de Apoio Local SAAL.

    Em 1969, a comunidade que d significado

    zona histrica mencionada como estan-

    do impregnada de um valor histrico a pre-

    servar (Rocha et al., 1985) e a constituio

    do Comissariado para a Renovao Urba-

    na da rea da Ribeira-Barredo (CRUARB)

    constitui-se como um marco decisivo no

    lanamento da poltica local de reabilitao

    urbana ancorada numa retrica patrimonial.

    Essa poltica, na formulao legislativa do

    diploma que a enquadra, projetada, em re-

    lao sua zona mais nobre, com receios de

    enobrecimento da zona histrica e de centri-

    fugao da populao a residente. Consi-

    derando a urgente necessidade de conduzir

    eficazmente o processo de renovao urba-

    na da zona da Ribeira da Cidade do Porto

    afigura-se igualmente premente assegurar

    que a populao trabalhadora que h mui-

    to habita essa zona nas piores condies de

    alojamento e explorao no venha a ser de-

    la deslocada por fora da valorizao da pro-

    priedade e da zona decorrentes da prpria

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    cadernos metrpole 21 pp. 93-104 10 sem. 2009

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    operao em tempo planeada (Rodrigues,

    1999, pp. 40-41). Em 1980, segundo da-

    dos do INE, nos 3.200 edifcios existentes

    no centro histrico do Porto residiam cerca

    de 20.000 indivduos, numa assinalvel m-

    dia de 6,25 por edifcio. Esse desiderato de

    evitar a sada de residentes no foi contudo

    concretizado, uma vez que cerca de 800 re-

    sidentes foram deslocados para o Bairro do

    Aleixo, gerando-se entre eles, contrariamen-

    te ao que muitas vezes se procura evidenciar

    quando se insiste que as operaes de rea-

    lojamento desta natureza so sempre feitas

    contra a vontade dos prprios, sentimentos

    contraditrios.

    Como lembra Gaspar Pereira, as ope-

    raes de renovao urbanstica, levadas a

    cabo na zona central da cidade, em especial

    as que atingem as zonas mais densamente

    povoadas do centro histrico, onde se con-

    centravam populaes pobres, tm efeitos

    perversos e no antecipados. Isso porque

    contribuem para agravar as carncias ha-

    bitacionais, conduzindo quer a uma sobreo-

    cupao do miolo da cidade antiga no atin-

    gido pelas demolies, quer centrifugao

    de famlias pobres para a periferia (Pereira

    apud Rodrigues, 1999, p. 16).

    Acresce que, desde cedo, por outro la-

    do, de modo a procurar tornar menos densa

    uma configurao urbana atulhada, se ma-

    nifestam contornos de uma renovao sele-

    tiva que pretende ver-se travestida de uma

    prtica de reabilitao integrada que, pelo

    menos retoricamente, valoriza o conjunto

    histrico constitudo pelo habitat residen-cial e pela comunidade local. Essa poltica

    se orienta, assim, para o enobrecimento do

    espao pblico e para o florescimento de

    condies que favorecessem as prticas ur-

    banas de lazer e de consumo. Por isso mes-

    mo, no despiciendo nem inaudito notar

    que zona da Ribeira, palco da cultura do

    consumo visual, tenha sido conferida uma

    prioridade em termos de reabilitao e de

    requalificao. Como lembra, de resto, um

    dos tcnicos envolvidos nas operaes de re-

    qualificao:

    Se edifcios muito degradados sobre

    que pretendamos operar no revelas-

    sem valor patrimonial suficientemente

    positivo ou se a sua presena e recons-

    truo significasse aumento de densida-

    de construtiva, nociva vida das popu-

    laes, o Mestre [Arquitecto Viana de

    Lima] propunha, sem hesitao, o seu

    apeamento em favor do espao aberto

    que proporcionasse o estar ldico e a

    circulao facilitada (). Ainda hoje, e

    j sem a presena directa do Mestre,

    solues urbansticas deste tipo foram

    reutilizadas, como no Largo da Viela

    do Anjo, onde, custa da demolio

    de algumas construes em runa, foi

    conseguido um espao urbano aberto

    de grande qualidade arquitectnica, no

    interior da densa malha medieval da S,

    sem as descaracterizar, antes valorizan-

    do-as. (Moura, 2001, pp. 106 e 108)

    Ainda que nunca tenha sido assumido

    pelos poderes locais que a reabilitao urba-

    na empreendida no centro histrico do Por-

    to tivesse sido inicialmente motivada pelo

    mpeto em ver o centro histrico tombado

    patrimnio mundial, a verdade que esse

    objetivo se vai consolidando com a matura-

    o do processo de reabilitao.

    Retendo uma ideia de Antnio Firmino

    da Costa (1999), segundo a qual as zonas

    onde a reabilitao e a requalificao urba-

    nas ocorrem so socialmente constitudas

  • polticas urbanas de patrimonializao e contrarrevanchismo

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    como objetos de reabilitao urbana, mes-

    mo antes das operaes dessa natureza te-

    rem incio, vale a pena relevar que, frequen-

    temente, essas operaes se resumem a

    pouco mais que esse processo de construo

    social (com uma amplitude limitada que di-

    ficilmente ultrapassa os discursos polticos)

    e que essa , recorrentemente, uma queixa

    difundida pelos tcnicos envolvidos. Mesmo

    no sendo o caso, porque configurou uma

    interessante operao de reabilitao e de

    requalificao urbanas, tornado, por isso

    mesmo, ainda mais pertinente este argu-

    mento, a verdade que, obtido o estatuto

    de patrimnio mundial (no obstante faltar

    reabilitar uma grande poro do edificado e

    requalificar uma parte do espao pblico na

    rea Ribeira-Barredo, e de a interveno na

    mais densificada zona do Bairro da S levar

    apenas 8 anos de realizao), o CRUARB

    enfrentou um processo de extino a partir

    de 2005, o que evidencia a volubilidade dos

    processos de patrimonializao.

    Concluso: do enobrecimento ao contrarrevanchismo

    As experincias urbanas das cidades do Re-

    cife e do Porto guardam similitudes impor-

    tantes num quadro analtico comparativo. A

    retrica e a prtica inerentes aos processos

    de patrimonializao, a prazo, por estarem

    sujeitas a opes polticas, s vicissitudes

    dos investimentos pblicos e a fenmenos

    de moda, podem ser geradoras de efeitos de

    revanchismo (neste caso, contrarrevanchis-

    mo, se entendermos que o prprio processo

    de patrimonializao foi uma revanche da

    cidade aos usurios e moradores indeseja-

    dos).

    Nessa medida, no assim to fora do

    vulgar constatar que os processos de patri-

    monializao retroagem sobre eles mesmos,

    levando a que os efeitos positivos que gera-

    ram, em face dos objetivos que perseguiam,

    retrocedam no sentido que levavam e se en-

    caminhem para situaes qualitativamente

    inferiores queles que prevaleciam poca

    de sua implementao. Nesses casos, tudo

    se passa como se a interveno patrimonial,

    como tantas vezes acontece nas operaes

    de enobrecimento, viesse gerar num deter-

    minado espao uma situao contra natura que acaba, uma vez esmorecida essa inter-

    veno, no s por se normalizar, mas tam-

    bm por se refinar, no sentido em que tende

    a concentrar e a atrair exponencialmente os

    fenmenos expurgados pelos processos de

    patrimonializao.

    No Porto, a extino do Comissariado

    para a Renovao Urbana da rea da Ribei-

    ra-Barredo (CRUARB) e da Fundao para o

    Desenvolvimento da Zona Histrica (FDZH),

    que foram as duas instituies que desen-

    volveram uma interveno sistemtica de

    reabilitao e de requalificao urbanas, no

    deixam potencialmente de enquadrar fen-

    menos de revanchismo ligados aos proces-

    sos de patrimonializao. A ausncia dessa

    interveno no s significa o retomar de

    uma dinmica de decadncia, travada pela

    existncia dos processos de requalificao e

    de patrimonializao, como a legitima numa

    lgica fatalista que acaba por a acelerar a

    um ritmo muito mais intenso.

    Mas esse fenmeno de revanchismo

    de natureza complexa e, unidimensional-

    mente considerado, no deixa de evidenciar

  • rogrio proena leite e paulo peixoto

    cadernos metrpole 21 pp. 93-104 10 sem. 2009

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    posies marcadamente ideolgicas. O que

    leva a que seja profcuo question-lo na sua

    complexidade.

    No caso do Porto, a extino do

    CRUARB e da FDZH recorrentemente jus-

    tificada por no terem sido levadas a um

    ponto timo as operaes de enobrecimen-

    to urbano e por essas instituies terem

    limitado esse enobrecimento a interven-

    es de requalificao do espao pblico.

    Designadamente, na retrica legitimadora

    do novo instrumento financeiro-jurdico-

    urbanstico (as Sociedades de Reabilitao

    Urbana), critica-se o fato de o CRUARB ter

    apostado numa reabilitao de qualidade, e

    impossvel de generalizar a toda a cidade,

    para realojar em casas luxuosamente re-

    cuperadas uma populao residente de bai-

    xos recursos. Com a agravante se releva

    de essa populao, que paga ao municpio

    rendas ajustadas sua baixa renda mensal,

    no ter recursos, nem os permitir gerar,

    para fazer face, a mdio prazo, s despesas

    de manuteno das intervenes realizadas.

    Por isso, um enobrecimento generalizado e

    mais ousado defendido como estratgia

    mais adequada para evitar fenmenos de

    revanchismo em que os processos de patri-

    monializao se vejam hipotecados por eles

    prprios.

    No caso do Bairro do Recife, o enfra-

    quecimento das atividades do Escritrio de

    Revitalizao do Bairro do Recife acompa-

    nhou a diminuio progressiva de investi-

    mentos. Ancorado, sobretudo, em uma con-

    cepo de consumo e entretenimento, tpico

    dos processos denominados gentrification para visitao, o processo de enobrecimen-

    to do Bairro do Recife no se alicerou em

    polticas residenciais, embora se soubesse,

    desde as primeiras iniciativas do Plano de

    Revitalizao Bairro do Recife, que essa

    dimenso era fundamental para o retorno e

    manuteno de certas atividades desejadas.

    Em decorrncia de sua incontestvel

    importncia, um dos aspectos mais discuti-

    dos nas polticas de enobrecimento tem sido

    justamente a dimenso residencial desses

    empreendimentos. Entende-se que, sem

    essa caracterstica, faltaria a esses projetos

    uma das suas principais bases de sustenta-

    o, capaz de gerar certas rotinas cotidianas

    de servios que so essenciais manuteno

    do curso de uma vida regular. Contudo, o

    caso do Recife repete uma tendncia que

    tem sido quase um padro no Brasil: o de

    no incorporar polticas habitacionais nos

    projetos de revitalizao. Nem na forma

    de melhoria das condies de vida das po-

    pulaes mais pobres, que em geral habitam

    essas reas centrais das cidades (em sua

    maioria, regies porturias), nem na forma

    de novos empreendimentos imobilirios.

    Somada a ausncia de investimentos

    residenciais, e tendo ou no o plano de re-

    vitalizao apoio da administrao pblica,

    existe uma dimenso cotidiana da questo,

    relacionada delicada equao da comunica-

    bilidade poltica expressa nos usos e contra-

    usos desses espaos que podem contribuir

    para a fragilidade das relaes sociais e vul-

    nerabilidade desses espaos enobrecidos.

    Nesse caso, h de se considerar a presena

    continuada e persistente de contrausos nos

    espaos enobrecidos, e suas ressonncias

    sobre os processos interativos (estruturado-

    res de identidades mediante a atribuio de

    sentidos aos lugares) entre os distintos gru-

    pos envolvidos nos usos desses espaos.

    Por fim, nesse sentido que a relao

    entre enobrecimento e o revanchismo que

    lhe subjaz traduz-se de dois modos distintos.

  • polticas urbanas de patrimonializao e contrarrevanchismo

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    Na vingana que as antigas dinmicas com-

    batidas pelos processos de patrimonializa-

    o, aproveitando o enfraquecimento destes

    ltimos, exercem, retomando e alastrando

    sua importncia. Mas tambm na incapa-

    cidade das operaes de preservao, que

    existem para reagir a um enobrecimento

    generalizado, em se manterem sustentveis

    num contexto de igual afectao de recursos

    a todas as operaes de requalificao.

    Rogerio Proena LeiteProfessor e pesquisador do Programa de Ps-graduao em Sociologia da Universidade Fede-ral de Sergipe (Sergipe, Brasil). Pesquisador 2 do [email protected]

    Paulo PeixotoProfessor e pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universi-dade de Coimbra (Coimbra, Portugal)[email protected]

    Notas

    (*) Texto produzido no mbito das pesquisas da Rede Brasil-Portugal de Estudos Urbanos (CPLP/MCT/CNPq e CAPES-FCT). Uma primeira verso deste artigo foi apresentada na 26 Reunio Bra-sileira de Antropologia ABA, Bahia, Brasil.

    (1) Referimo-nos aos processos de patrimonializao para dar conta de um movimento de duplo

    alcance. Por um lado, e na sua essncia, os processos de patrimonializao se referem a inter-venes de natureza patrimonial e predominantemente tcnica que visam, acima de tudo, ob-ter, atravs de uma operao de tombamento formal, um estatuto patrimonial. Por outro lado,

    lateralmente, os processos de patrimonializao se referem a operaes de natureza diversa

    (arquitetnica, paisagstica, urbanstica, poltica, cultural, comercial, etc.) cujos objetivos, inde-pendentemente de um reconhecimento formal, assentam na exacerbao de um patrimnio ou

    do valor patrimonial de um objeto, para efeitos de consumo visual, turstico ou sustentao de

    um mercado urbano de lazeres.

    (2) O enobrecimento, nobilitao, ou gentrification (termo ingls correntemente utilizado na gria da

    reabilitao urbana), d conta da substituio da populao residente por outra de estratos so-ciais mais elevados na sequncia de processos de conservao e de restaurao de determinado

    espao urbano, remetendo numa viso mais redutora para a qualificao do espao

    (3) A haussmanizao refere-se a uma poltica de demolio, levada a cabo em Paris por Georges-

    Eugne Haussmann, na segunda metade do sculo XIX, que pretende intervir no espao urbano

    de modo a controlar, disciplinar e higienizar os comportamentos, assim como a criar referncias

    e marcadores do espao atravs da monumentalizao.

  • rogrio proena leite e paulo peixoto

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    Recebido em dez/2008Aprovado em mar/2009