59604027 as Grandes Vedetes Do Brasil

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As Grandes Vedetes do Brasil Neyde VeNeziaNo Governo do Estado de So Paulo Governo Alberto Goldman Imprensa oficial do Estado de So Paulo Diretor-presidente Hubert Alqures Coleo Aplauso Coordenador Geral Rubens Ewald Filho No passado est a histria do futuro A Imprensa Oficial muito tem contribudo com a sociedade no papel que lhe cabe: a democratizao de conhecimento por meio da leitura. A Coleo Aplauso, lanada em 2004, um exemplo bem-sucedido desse intento. Os temas nela abordados, como biografias de atores, diretores e dramaturgos, so garantia de que um fragmento da memria cultural do pas ser preservado. Por meio de conversas informais com jornalistas, a histria dos artistas transcrita em primeira pessoa, o que confere grande fluidez ao texto, conquistando mais e mais leitores. Assim, muitas dessas figuras que tiveram importncia fundamental para as artes cnicas brasileiras tm sido resgatadas do esquecimento. Mesmo o nome daqueles que j partiram so frequentemente evocados pela voz de seus companheiros de palco ou de seus bigrafos. Ou seja, nessas histrias que se cruzam, verdadeiros mitos so redescobertos e imortalizados. E no s o pblico tem reconhecido a importncia e a qualidade da Aplauso. Em 2008, a Coleo foi laureada com o mais importante prmio da rea editorial do Brasil: o Jabuti. Concedido pela Cmara Brasileira do Livro (CBL), a edio especial sobre Raul Cortez ganhou na categoria biografia. Mas o que comeou modestamente tomou vulto e novos temas passaram a integrar a Coleo ao longo desses anos. Hoje, a Aplauso inclui inmeros outros temas correlatos como a histria das pioneiras TVs brasileiras, companhias de dana, roteiros de filmes, peas de teatro e uma parte dedicada msica, com biografias de compositores, cantores, maestros, etc. Para o final deste ano de 2010, est previsto o lanamento de 80 ttulos, que se juntaro aos 220 j lanados at aqui. Destes, a maioria foi disponibilizada em acervo digital que pode ser acessado pela internet gratuitamente. Sem dvida, essa ao constitui grande passo para difuso da nossa cultura entre estudantes, pesquisadores e leitores simplesmente interessados nas histrias. Com tudo isso, a Coleo Aplauso passa a fazer parte ela prpria de uma histria na qual personagens ficcionais se misturam daqueles que os criaram, e que por sua vez compe algumas pginas de outra muito maior: a histria do Brasil. Boa leitura. alberto GoldmaN Governador do Estado de So Paulo O que lembro, tenho. Guimares Rosa A Coleo Aplauso, concebida pela Imprensa Oficial, visa resgatar a memria da cultura nacional, biografando atores, atrizes e diretores que compem a cena brasileira nas reas de cinema, teatro e televiso. Foram selecionados escritores com largo

currculo em jornalismo cultural para esse trabalho em que a histria cnica e audiovisual brasileiras vem sendo reconstituda de maneira singular. Em entrevistas e encontros sucessivos estreita-se o contato entre bigrafos e biografados. Arquivos de documentos e imagens so pesquisados, e o universo que se reconstitui a partir do cotidiano e do fazer dessas personalidades permite reconstruir sua trajetria. A deciso sobre o depoimento de cada um na primeira pessoa mantm o aspecto de tradio oral dos relatos, tornando o texto coloquial, como se o biografado falasse diretamente ao leitor. Um aspecto importante da Coleo que os resultados obtidos ultrapassam simples registros biogrficos, revelando ao leitor facetas que tambm caracterizam o artista e seu ofcio. Bigrafo e biografado se colocaram em reflexes que se estenderam sobre a formao intelectual e ideolgica do artista, contextualizada na histria brasileira. So inmeros os artistas a apontar o importante papel que tiveram os livros e a leitura em sua vida, deixando transparecer a firmeza do pensamento crtico ou denunciando preconceitos seculares que atrasaram e continuam atrasando nosso pas. Muitos mostraram a importncia para a sua formao terem atuado tanto no teatro quanto no cinema e na televiso, adquirindo, linguagens diferenciadas - analisando-as com suas particularidades. Muitos ttulos exploram o universo ntimo e psicolgico do artista, revelando as circunstncias que o conduziram arte, como se abrigasse em si mesmo desde sempre, a complexidade dos personagens. So livros que, alm de atrair o grande pblico, interessaro igualmente aos estudiosos das artes cnicas, pois na Coleo Aplauso foi discutido o processo de criao que concerne ao teatro, ao cinema e televiso. Foram abordadas a construo dos personagens, a anlise, a histria, a importncia e a atualidade de alguns deles. Tambm foram examinados o relacionamento dos artistas com seus pares e diretores, os processos e as possibilidades de correo de erros no exerccio do teatro e do cinema, a diferena entre esses veculos e a expresso de suas linguagens. Se algum fator especfico conduziu ao sucesso da Coleo Aplauso e merece ser destacado , o interesse do leitor brasileiro em conhecer o percurso cultural de seu pas. Imprensa Oficial e sua equipe coube reunir um bom time de jornalistas, organizar com eficcia a pesquisa documental e iconogrfica e contar com a disposio e o empenho dos artistas, diretores, dramaturgos e roteiristas. Com a Coleo em curso, configurada e com identidade consolidada, constatamos que os sortilgios que envolvem palco, cenas, coxias, sets de filmagem, textos, imagens e palavras conjugados, e todos esses seres especiais que neste universo transitam, transmutam e vivem tambm nos tomaram e sensibilizaram. esse material cultural e de reflexo que pode ser agora compartilhado com os leitores de todo o Brasil. Hubert alqures Diretor-presidente da Imprensa Oficial do Estado de So Paulo Sumrio Apresentao 11 Carta ao Leitor 13 Qual a mais bela? 16 Primeira Parte O Cenrio Brasileiro de Pernas para o Ar 19

O Teatro de Revista o Brasil 25 A Virada do Sculo 29 Segunda Parte O Luxo e a Inveno do Sistema Vedete 59 Os anos 1950 e o Fim do Jogo 124 Terceira Parte Censura X Revista 237 Album de figuronas 279 Final Estrelas Brilham... Vedetes Arrasam! 283 Bibliografia 286 Agradecimentos 288 APRESENTAO Numa poca como a nossa, em que tudo to explcito, repetitivo e sem paixo As Grande Vedetes do Brasil, de Neyde Veneziano, me d a deixa para mergulhar na parte mais gostosa da minha memria. Adolescente, nos anos 1950, espiando as vedetes que ilustravam O Cruzeiro, Manchete, Fatos e Fotos, Revista do Rdio, Cinelndia e a mais ousada de todas da poca, Ronda da Noite. Que corpos, que luxria, que fantasia ertica maravilhosa foi para todos os homens essas magnficas mulheres do teatro rebolado.Virgnia Lane, Mara Rbia, Nlia Paula, Iris Bruzzi, Carmem Vernica, Marly Marley, Luz Del Fuego, Elvira Pag, Sonia Mamede, Elona... Era uma profuso de plumas, paets e hormnios. Redondas, generosas, esculturais, descendo as escadarias do cenrio, envoltas no luxo, no brilho, transpirando malicia, com suas pernas magnficas, seu gingado, seus gestos amplos, poderosas. Na primeira fila do teatro, a fila do gargarejo, depois de falsificar a caderneta do ginsio, conseguir enganar o porteiro e burlar a vigilncia da famlia, l estava eu.Tmido, curioso, deslumbrado, cata de um naco de perna, um vislumbre de busto e, principalmente, do envolvimento de pecado e licenciosidade que tomava conta do teatro. Assim que uma delas chegava ao proscnio e encarava a plateia, altiva, segura, implacvel, procurando uma vtima entre ns, pobres espectadores a respirao acelerava, a adrenalina circulava por entre as poltronas. Muitas s desciam a escadaria e desfilavam seus corpos esculturais, parando em pontos estratgicos, sorrindo sensuais, convidativas; outras, mais talentosas, mais comunicativas, estabeleciam uma empatia imediata com o pblico. Brincavam, se divertiam, criticavam burlescamente comportamentos e polticos, longe desta praga do politicamente correto e de processos por difamao que se tem que aguentar hoje. Algum tem uma chave que possa abrir o meu cadeadinho? O cadeadinho em questo era um penduricalho postado bem no lugar estratgico. Nada mais precisava ser dito. Era a dica para deixar o pblico masculino em sobressalto. Olhava como uma pantera caa, descia plateia, pernas em riste, uma aps a outra, escolhendo o tipo mais desajeitado, mais tmido, mais discreto da seleta audincia. Postava-se frente do incauto e iniciava a genialidade da comunicao entre artista e pblico. Este vnculo quase mgico que todo roteirista persegue e quando topa com um intrprete altura ocorre a exploso de dois talentos. Dando vida a todos ns que trabalhamos para a TV, cinema, teatro ou circo: entreter uma plateia. No importa a mdia. Ah, um senhor to grande com uma chavinha to pequena... Vai se perder no meu cadeado... Deixa eu ver

a do seu colega aqui... Nossa, mas o senhor um exagerado, com uma chave desse tamanho vai arrombar meu cadeadinho... E a plateia vinha abaixo, revigorada por uma corrente de malcia, humor, sensualidade. Cada vedete tinha sua marca. Cada uma era um espetculo em si. Pouco do cenrio poltico brasileiro passava despercebido pela aguada verve cmica dessas mulheres. Brincavam com as autoridades, com os conceitos, com a moral, com a famlia, eram livres, soltas, destemidas, arrojadas. Cada uma tinha seu f mais famoso, mais importante dentro das redaes, das rdios, do Palcio do Catete. Virginia Lane, denominada a vedete do Brasil, era a franca favorita de Getulio Vargas, o presidente da Repblica, frequentador do teatro e adorava se ver caricaturado pelos cmicos. Ditador, populista, soube como ningum onde estava a empatia e, principalmente, onde buscar mais votos para as eleies diretas: nas plateias, onde o povo se divertia. Eram outros tempos? Sem dvida. Tempos nos quais talento e verve faziam sucesso, aguando a imaginao da plateia, embalando suas fantasias. Belas orquestras de excelentes msicos, desfiles de mulheres bonitas, gostosas, exuberantes e talentosas, crtica social, cmicos hilariantes, belos cenrios, ricos figurinos, muita luz, muita magia, esta era a receita do teatro de revista, que chamavam deTeatro Rebolado, certamente para menosprez-lo como faziam com a chanchada. No importam os rtulos e preconceitos, esta a receita de um bom espetculo. Essa sensao, que resume parte da histria do teatro brasileiro, de um gnero nada risonho e franco que deliciou nossas plateias dos anos 1940 a 50, deve acompanhar a leitura deste livro. Que estas mulheres sensacionais, imaginadas como nossas deusas, amantes ou parceiras do lado burlesco e vital de nossas existncias padronizadas e insossas, recebam uma homenagem altura de seus talentos. Hoje eu sei que as vedetes foram muito mais do que uma exploso de luxria. Foram mais do que um desfile de plumas e paets. Foram mais do que figuras erticas exploradas em revistas. Sei que foram, principalmente, a marca de uma poca. Uma poca mais feliz, mais livre, mais divertida, mais bonita, que, infelizmente, como elas, no volta nunca mais. silVio de abreu Caro leitor, Voc poder ler este livro da forma que quiser: do incio at o fim, de trs pra frente, do meio pra frente ou do meio pra trs. Ou comear na pgina que mais lhe agradar. Pode at, simplesmente, s se deliciar com a beleza dos corpos fotografados. No teatro de revista, o espectador no precisava assistir ao primeiro quadro para entender o segundo, nem presenciar o segundo e o terceiro para entender os demais. Cada quadro existia por si s, independente, e no em funo dos outros. Assim ser contada a nossa histria, ou a histria delas. Cada uma por si e no em funo das outras. H mais de 20 anos pesquiso o teatro de revista. J escrevi sobre a histria do musical brasileiro, sobre a histria da revista paulista, sobre as convenes e sobre a dramaturgia revisteira. Mas, confesso, estas mulheres me deixaram louca. Ralamos muito: eu e o meu querido grupo de pesquisadores. que no Brasil, como no h mentalidade arquivista, tudo se perde. As mulheres que aparecero nestas pginas foram as mais faladas, as mais badaladas e, infelizmente, as menos estudadas. Foi como procurar agulhas no palheiro (desculpem a metfora!...). Sobre as mais antigas, encontrei pequeno material esparso. Sobre as mais recentes (que so muitas) andamos atrs de depoimentos, jornais, frases ditas ou registradas aqui e ali. H filmes, fragmentos, discos. Mas ainda pouco diante do que foi o teatro de revista e suas vedetes.

As dificuldades foram muitas: h fotos perdidas porque algum mau-carter levou e no devolveu, h filhos que no aceitam a profisso das mes e negam suas histrias at hoje, h memrias que no funcionam mais no crebro envelhecido, h falta de registros, h fofocas, boatos e h informaes que no batem umas com as outras. Felizmente, h filhos e famlias que preservaram fatos e fotos. As produes tambm foram muitas. Por mais que se leia sobre o teatro brasileiro, no se consegue ter uma ideia precisa, em termos numricos, da extensa produo que foi esse nosso teatro de revista e seus derivados: shows de cassinos, shows de boate, revistas de bolso, teatro de bolso, todos apresentando nmeros advindos do teatro de revista. Era a galinha dos ovos de ouro. Era o teatro que o povo queria. Tinha cenrios deslumbrantes, piadas engraadas, crtica poltica, elenco numeroso, orquestras ao vivo, timos cmicos e a maravilhosa msica popular brasileira. frente de tudo isso vinha Sua Majestade, a vedete. No havia teatro de revista sem vedete. Como um arlequim para a commedia dellarte, a vedete era um personagem fixo da Revista Brasileira que mudava e se transformava conforme a poca. Cada uma tinha sua personalidade e exercia, com extremo profissionalismo e talento, a glamourosa profisso. Mas o sistema vedete era sempre o mesmo. Elas fazem parte desse grupo de artistas populares que, mesmo tendo alcanado enorme sucesso e prestgio, sido amados pelo seu pblico, tiveram uma carreira de altos e baixos. Muitas acabaram sem dinheiro e passaram por situaes constrangedoras. Este livro sobre vedetes brasileiras, com certeza, ainda no definitivo. Muitas, infelizmente, devem ter ficado de fora. como se Hollywood quisesse publicar um livro sobre todas as suas estrelas. A lista no acaba nunca. E a estrutura dele como a do teatro que elas fizeram: livre e fragmentado. Mais do que uma pesquisa cientfica, estas pginas que se seguem so uma homenagem. Uma declarao de amor. Neyde VeNeziaNo QUAL A MAIS BELA? Se foi na Grcia ou no Egito que comeou essa histria de endeusar mulher bonita, no se sabe. O fato que fica sempre difcil dizer qual a mais bela. Ter sido a incrvel Clepatra (*69 a.C. + 30 a.C.)? Mas muitos sculos antes dela, foi famosa a Nefertiti (*1380 a.C. + 1345 a.C.), cujo nome j significa a mais bela chegou. Hoje, a ilustre Nefertiti empresta seu nome ao procedimento esttico de injetar botox no pescoo para deix-lo mais jovem. Como veem, o mito e o mistrio da beleza permanecem. Os antigos gregos no eram s profundos e filsofos.Tambm eram superficiais por natureza, pois adoravam valorizar a beleza do corpo. Eles imortalizaram as formas perfeitas. E a mais bela de todas, hours concours, foi a Vnus de Milo, que uma esttua toda quebrada. As propores dessa deusa (2-1-2) ainda so modelo do corpo perfeito at hoje. aquele tipo BCC: Busto, Cintura e Curvas. Teria sido a Vnus de Milo uma boa moa? Quem foi a modelo da famosa esttua? Jamais saberemos. De qualquer forma, a arte grega acabou por definir uma correspondncia importantssima entre beleza e virtude. Isto , o interior deveria (em tese) combinar com o exterior. Sculos e sculos se passaram e essa correspondncia continuou. No cinema, na literatura, nas artes plsticas, na TV, a herona tem sido eternamente linda e de bons princpios. Moa bonita moa boazinha. O papel das vils fica para as feias. Como uma bruxa. So esteretipos codificados de longussima durao. O Belo e o Bom costumam andar juntos. Independente de moda e de esttica.

Sados da fico teatro, cinema, folhetim e outros gneros determinados tipos fixos conquistaram o imaginrio coletivo. Do romance ao folhetim, passando pelo melodrama, a mocinha fazia o tipo ingnua e com ela as garotas da plateia se identificavam. Linda e boa, a ingnua era suave, leve, carinhosa, recatada e meio bobinha. Seu caminho era cheio de sofrimentos antes de atingir a recompensa do amor eterno do jovem gal. Mas havia outro tipo de teatro, musical, popular e bem mais divertido, que (claro!) comeou na Frana (1728) e logo, logo, descobriu que, para fazer crticas e driblar a terrvel censura da poca, deveria apelar para a sensualidade. Esse teatro passava em revista os acontecimentos do ano e apresentava belssimas atrizes que no estavam nem um pouco preocupadas com as carinhas de santa das ingnuas. Estava comeando o teatro de revista, nas feiras de Paris. E as bonitas daquelas revistas ainda no se denominavam vedettes. Eram atrizes, geralmente de origem italiana, lindas e sedutoras, capazes de prender a plateia masculina por vrios motivos. Menos por ser ingnua ou boazinha. Da Frana, a Revista foi para os outros pases da Europa, chegou a Portugal e, de l, veio para o Brasil, fazendo sucesso a partir de 1870. Antes disso, em 1858, nascia em Paris a Opereta, que deslumbrou o pblico com o canc, uma dana proibida popularizada rapidamente. O canc e suas pernas para o ar tambm veio para o Brasil e at chegou antes da Revista. No se sabe se foi com o canc ou com a Revista que elas comearam a dominar os palcos... e foram se tornando conhecidas como Vedettes. Sobre a origem da palavra vedete, h controvrsias. De qualquer modo, vedetta em italiano arcaico quer dizer: pessoa colocada em posto de observao, encarregada da segurana do campo. Seria uma espcie de vigia, que fica num posto mais alto. Sua funo era vedere (ver). Assim, dessa forma, passou para a Frana e virou vedette, que continuava a ser a sentinela. Logo em seguida, os franceses inventaram vedette dhonneur (o vigia de honra) que era o cara que ficava no alto, vigiando uma celebridade da nobreza ou da riqueza. E, como os franceses so muito criativos, passaram a usar o termo para designar aquele que fica no posto mais alto para chamar a ateno. Assim, rapidamente, no mundo do espetculo, quando falavam mettre en vedette significava colocar o nome do ator ou da atriz no alto, acima dos outros, em destaque. Era desse jeito que deveria aparecer no cartaz porta do teatro. No demorou muito para que as belas cantorasdanarinas, estrelas do show, fossem chamadas de vedettes. Vedetes so, portanto, seres teatrais de primeira grandeza, que alimentam fantasias masculinas, alfinetam (com graa) polticos corruptos, cantam, danam e denunciam injustias sociais, indiretamente.Tudo isso sem fazer a ingnua. Ou, se quiser, fazendo a esperta dissimulada em mocinha boazinha. Porque vedete que vedete muito chic. Tem charme. Em geral, no fala palavro. Ela faz aluso. Alis, esta a sua grande arma: a aluso. A plateia pode pensar o que quiser, a vedete sugere, mas no fala diretamente. Pode perguntar se voc j tomou ferro, se j mostrou o seu passarinho, se quer chupar a sua uva, se tem uma mala grande, mas tudo isso sem escancarar. A maliciosa aluso aumenta o prazer. Revelando e escondendo o corpo escultural em figurinos belssimos, a vedete sobe e desce escadarias, vai plateia, d piscadinhas, faz aluses polticas e sai deslumbrante, deixando saudade. A imagem que se tem de vedete no mesmo a da boazinha. Elas so endiabradas. Tm parte com o demnio. Ainda que, na vida particular, cada uma delas tenha sua histria muita humana, s vezes pontuada pela dor e pelo sofrimento. E, exatamente por causa da imagem de mulheres livres, que elas enfrentaram tantos preconceitos. As vedetes

do teatro de revista foram muito mais vtima de preconceito do que as prprias atrizes do teatro declamado. Naqueles tempos ureos das vedetes, a educao das meninas direitas determinava que a modstia a grande virtude da mulher. E que uma boa moa no deveria ser metida, nem ficar se exibindo. Com simplicidade, modstia e nada egocntrica, uma mocinha estaria apta a conquistar o corao de seu prncipe encantado. E a boazinha era sempre a bonita (no era assim no cinema?). Felizmente, sempre houve essas bonitas ao revs, que no ouviram direito os conselhos austeros. No quiseram fazer o papel da mocinha casadoira. E encarnaram o fetiche masculino.Todas elas, de Nefertiti a Elona, passaram ao lado das envergonhadas e se exibiram, sem medo. Mostraram seus talentos. Todas novas. Todas lindas. Acima de tudo, todas muito confiantes da prpria beleza. PRIMEIRA PARTE O CENRIO BRASILEIRO DE PERNAS PARA O AR Primeiro elas eram estrangeiras. Francesas, para ser mais exata. Vieram com um empresrio chamado Monsieur Arnaud que trouxe, em 1859, um tipo de espetculo de variedades para o Rio de Janeiro, com nmeros de canto, dana, ginastas e um corpo de baile de lindas francesinhas que levantavam a saia e mostravam as pernas envolvidas em justssimas meias no ritmo do canc. Chegaram para se apresentar no Alcazar Lyrique, um teatrinho recm-inaugurado na Rua da Vala, perto da Rua do Ouvidor, no centro da ento Capital Federal. A primeira opereta francesa (a que inaugurou o canc na Frana) foi o Orfeu no Inferno, de Ofenbach, e chegou na verso integral ao Brasil, alguns anos antes da Revista. Foi em 1865, sete anos depois da estreia em Paris (em 1858). Para aquela poca, foi rpido demais! Imaginemos nosso cenrio: cidade do Rio de Janeiro, ainda pacata, no sculo XIX, ansiosa por progresso e querendo se atualizar com as novidades europeias. Desde 1860, algumas ruas do centro carioca j eram iluminadas a gs. Consequentemente, a vida noturna se tornou possvel, j que as pessoas poderiam andar mais vontade, noite. Portanto, quando o Alcazar Lyrique foi inaugurado, o centro do Rio j estava iluminado havia cinco anos. A diverso noturna trazia uma cara de modernidade. E tudo que era moderno, naquela poca, era importado da Frana. O Alcazar Lyrique e as novidades da boemia francesa ofereciam ao pblico brasileiro o teatro da moda que foi, muito apropriadamente, chamado de Gnero Alegre. Porque ali se apresentavam nmeros musicais alegres, populares, divertidos. Um Teatro de Variedades. A boemia carioca entusiasmou-se com o glamour das belas francesinhas. E elas abafaram, quando fizeram uma opereta inteira, mostrando o espetculo divertido com aquele canc famoso que a gente conhece at hoje. O que mais poderia ter acontecido no Rio de Janeiro do sculo XIX? Os homens (de todas as classes sociais) ficaram enlouquecidos com aquelas mulheres, claro. No incio, Machado de Assis fez campanha declarada contra aquelas meias to justinhas que quase deixavam ver as prprias pernas! Naquele tempo, as patricinhas e os mauricinhos eram chamados de jeunesse d ore (juventude dourada, em francs). Pois os rapazes da tal jeunesse d ore comearam a gastar rios de dinheiro no teatro que tinha o formato de um cabaret, ou seja, na plateia, em lugar de cadeiras, havia mesinhas com comes e bebes. Principalmente bebidas. O evento fazia a delcia do pblico masculino endinheirado (e tambm de outras classes e posses) que passava a noite fumando e bebendo cerveja. Esse teatrinho com formato de caf-concerto ou cabaret foi chamado de caf cantante. E, a partir dali, a noite carioca nunca mais foi a mesma. A polcia teve muito trabalho.

Pela imprensa, as meninas do canc foram chamadas de odaliscas alcazalinas e provocaram crticas severas por causa das piadas de duplo sentido (consideradas grosseiras) e pelos seus corpos que, para a poca, eram considerados quase desnudos. Elas ainda no eram vedettes. Chamavam-se cocottes essas novas deusas da noite. E deram muito que falar. AIME O Diabinho Loiro A mais famosa dessas alcazalinas foi Mademoiselle Aime que, segundo revistas da poca, era uma mulher provocante, de olhos cintilantes, nariz fino, boca pequena, pernas perfeitas, boa voz e muito inteligente. Aime brilhou no Rio de Janeiro durante quatro anos, entre 1864 e 1868, e foi a primeira grande estrela do Alcazar. Por causa dela, o policiamento do Alcazar foi reforado e um comerciante portugus matou, a tiros, um soldado da polcia. Pelo que se sabe, ela voltou rica para a Frana, levando joias e mais de um milho e meio de francos, que teria recebido como presente de seus fiis admiradores brasileiros. No dia em que ela foi embora, centenas de mulheres correram para a Praia de Botafogo comemorando e soltando fogos. Elas festejavam enquanto olhavam o vapor contornar o Po de Acar e sumir no horizonte com aquele diabo loiro que havia seduzido seus maridos e lhes causado tantas tristezas e tanta choradeira. Uma revista da poca chamada Semana Ilustrada dedicou uma pgina inteira ao acontecimento descrevendo a situao em que se encontravam: Mulheres ajoelhadas, agradecidas pelos cus; padres que voltavam tranquilamente a rezar as suas missas; roceiros que regressavam s suas lavouras; empregados pblicos que iam, de novo, assinar o ponto nas reparties; casais que se reconciliavam; estudantes que prosseguiam nos estudos; soldados que se lembravam de seus quartis.1 Mesmo depois da partida, Aime continuou nos jornais, sendo protagonista de outros escndalos e histrias. Seus objetos pessoais foram leiloados e dizem que alguns alcanaram preos altssimos, como um famoso criadomudo que foi vendido por cem mil ris. At Machado de Assis acabou se rendendo ao seu fascnio e publicou, no dia 3 de julho de 1864, o seguinte texto: Demoninho louro uma figura leve, esbelta, graciosa uma cabea meio feminina, meio anglica uns olhos vivos um nariz como o de Safo uma boca amorosamente fresca, que parece ter sido formada por duas canes de Ovdio, enfi m, a graa parisiense, toute pure. 2 O mesmo Machado, ainda escrevendo sobre o signifi cado de seu nome, romantizou poeticamente: uma francesa que em nossa lngua se traduzia por amada, tanto nos dicionrios como nos coraes.3 Mas os mritos de Aime se deram, no s pela beleza e pelas diabruras, mas tambm, por sua brilhante atuao no palco. Cantora lrica e danarina, ela interpretou os grandes papis femininos das operetas de Offenbach. Foi Eurydice em Orphe aux Enfers; foi Hlne em La Belle Hlne; fez Boulette em Barbe Bleue e foi Penlope em Le Retour dUlysse. A todas essas personagens ela sabia dar o tom brejeiro e malicioso, acompanhado de muito talento, tcnica vocal e corporal. Aime fi cou imortalizada nas cartas de seus admiradores, nas crnicas da poca e nas palavras depreciativas dos juzes e guardies da moral. Instalou-se no imaginrio carioca como a bela francesa que associou a graa e a alegria de viver ao trabalho competente e profi ssional.

Ao lado de Aime, a primeira grande estrela, outras francesas agitaram as noites cariocas e continuaram no Alcazar at 1886, quando foi fechado aps um incndio. De um jeito ou de outro, essas graciosas atrizes realizaram, alimentaram e estimularam sonhos erticos masculinos. Mais: foram invejadas e admiradas pelas mulheres, no Rio de Janeiro do sculo XIX. Pois, como boas francesas, eram tambm elegantes e lanavam modas a ser copiadas. O Alcazar apontou, ao teatro nacional, um rumo a seguir, despertando na sociedade carioca o gosto pelo mundo colorido e sensual do teatro ligeiro. O TEATRO DE REVISTA NO BRASIL O teatro de revista, como a opereta, tambm nasceu francs. Depois foi para Portugal e, de l, veio para o Brasil. Chegou at ns como revista de ano, pois era um tipo de teatro musical e divertido que passava em revista os acontecimentos do ano anterior. No Brasil, as duas primeiras tentativas no deram certo. O pblico no gostou e a culpa era colocada no excesso de stiras polticas. Em 1877, Arthur Azevedo escreveu sua primeira revista que se chamava O Rio de Janeiro em 1877. O pblico aceitou melhor. Mesmo assim, ainda foi meio devagar. Foi s em janeiro de 1884, com uma revista que se chamava O Mandarim, que Arthur Azevedo e Moreira Sampaio instalaram, definitivamente, esse teatro entre ns. A revista O Mandarim ficou conhecida como a gargalhada que abalou o Rio. Era uma crtica muito engraada aos problemas do Rio de Janeiro, como as epidemias que ameaavam o carnaval e a chegada de um mandarim para tratar da imigrao chinesa que substituiria a mo de obra escrava. A fora dessa revista estava no texto e na stira poltica. Por isso, o grande nome em destaque era o ator Xisto Baa, um dos comediantes de maior sucesso na poca. Ao todo, Arthur escreveu 19 revistas, todas geniais. Eram revistas satricas e de enredo. A fora estava nas mos do grande dramaturgo e na performance do ator cmico brasileiro. Ainda no tinha chegado a vez das grandes vedetes. A primeira grande virada veio com uma revista portuguesa famosssima chamada Tintim porTintim, de Souza Bastos. A companhia chegou ao Brasil em agosto de 1892, aps ter estreado, em Lisboa, em maro de 1889 e realizado trezentas e quinze apresentaes antes de desembarcar por aqui. Um recorde inigualvel! Pressionado pela censura que proibiu crticas e aluses polticas, o teatro de revista em Portugal quase desapareceu. Foi ento que o empresrio Souza Bastos (uma espcie de Walter Pinto portugus), sem se dar por vencido, encontrou uma sada: caprichou na cenografia, cuidou muito dos figurinos, foi buscar belas e atraentes atrizes e procurou aumentar a malcia e a cumplicidade entre elas e os espectadores que se divertiam com as coristas e com as brincadeiras de duplo sentido. Na revista Tintim por Tintim as referncias ao sexo substituram as aluses polticas, que estavam proibidas. Esperto, Souza Bastos deve ter-se inspirado nos espetculos de caf-concerto parisienses que iriam gerar o musichall. Tintim por Tintim tinha mais fantasia, mais aluses, mais duplos sentidos erticos. O texto era pretexto para um desfile de mulheres. Esta proposta est claramente definida em uma das falas do personagem Lucas, o compre portugus, no famoso quadro da Cozinha Dramtica que inaugurou a moda de colocar lindas mulheres vestidas de sal, pimenta e comidinhas diversas: Ulisses (para o cozinheiro) Devias fornecer-nos uma cena interessante. Cozinheiro Posso at fornecer cenas diversas. Em que gnero desejam? Ulisses Os que mais agradam.

Cozinheiro Nesse caso, mulheres! Lucas Est visto. No h pea que deixe de agradar com mulheres galantes e msicas bonitas.1 1 - souza bastos et al - tintim por tintim. lisboa: [ s.d.], [ cpia manuscrita ], pp. 33-34. Pepa Ruiz nasceu em Badajs (Espanha, 1859) e chegou ao Brasil com o marido, o empresrio portugus Souza Bastos, em 1892. Veio como a vedete de Tintim porTintim, espetculo em que se mostrava verstil, pois chegou a interpretar vinte e quatro papis . Um crtico portugus escreveu que o Tintim... poderia se chamar a Pepa em trs actos e vinte e nove pares de meias justssimas. Era uma rapariga famosa pela belssima plstica. Em Portugal, considerada (pela histria) a primeira verdadeira grande vedete que a revista conheceu. Pepa, conhecida como a arquigraciosa, estonteava os lisboetas com suas piscadelas em um nmero que se tornou antolgico: Caluda Jos. Reproduzo aqui somente a primeira e ltima estrofe, por serem absolutamente exemplares quanto ao carter malicioso do final do sculo: O meu maridinho Gentil, galantinho Se chama Jos. (bis) No, no papalvo Coitado, mas calvo, Ah, isso que . (bis) Mas no defeito Pois tem muito jeito... Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Caluda Jos! Caluda Jos! .......................... Se vai tomar banho Eu sempre acompanho O bom do Jos. (bis) E para o lavar Costumo levar A tina para o p. (bis) Caiu-me o sabo Eu meti a mo Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Caluda Jos! Caluda Jos!1 A primeira montagem de Tintim por Tintim foi apresentada em inmeras cidades brasileiras. O texto desta revista portuguesa foi o mais remontado no Pas, durante anos e anos. Quando chegou, a companhia fez, de incio, mais de cem apresentaes consecutivas, infl uenciando nossos autores e mostrando a possibilidade de se trocar a fora da crtica poltica pela fora dos apelos sexuais. Pepa acabou se especializando em tipos brasileiros. Sua primeira experincia foi fazer uma baiana que cantava e requebrava um lundu chamado Mugunz, na verso-Brasil do Tintim por Tintim... Com esse nmero, ela ficou mais conhecida ainda, pois sabia extrair, como ningum, os efeitos maliciosos de uma comida que, fora da Bahia, quase ningum conhecia na poca. Pintada de mulata ela oferecia seu mungunz plateia: 1 - souza bastos, tintim por tintim, apud Filipe la Fria, Passa por mim no rossio. lisboa, Cotovia, 1991, pp. 51-52. Doce apurado Leite bem grosso Coco ralado Prove seu moo Ah! Prove e depois me dir Se gostou do meu mungunz (bis) Ioi Iai. A partir de 1902, Pepa resolveu fi car no Brasil para sempre. Souza Bastos voltou a Portugal e a substituiu no s como vedete, mas tambm no seu corao. Casou-se com Palmira Martinez Bastos e apresentou-a em sua outra revista Sal e Pimenta. O pblico de admiradores fiis Pepa no aceitou e reagiu com fortes pateadas. Faleceu aos 63 anos. No Rio de Janeiro. A VIRADA DO SCULO de 1900 at 1920 Em 1899, portanto no ltimo ano do sculo XIX, foi composta a primeira marcha de carnaval: Abre Alas. E a autora era uma mulher: Chiquinha Gonzaga. Na virada do sculo, a Repblica Brasileira tinha apenas 11 anos. O Rio de Janeiro era a Capital Federal. A escravido estava extinta somente h 12 anos. Tudo era muito novo e os contrastes, enormes. Como era de se esperar, havia srios problemas sociais e

urbanos de adaptao s novidades: os negros, por exemplo, largados e libertados sem que houvesse projeto de assentamento, formaram uma classe social estigmatizada pela cor e prejudicada economicamente. Unidos em suas desventuras, promoviam reunies, festas e batuques que, mais tarde, iro repercutir e definir nossa msica popular. Em 1900, a cidade do Rio mostrava casares centenrios e decadentes do imprio tentando manterem-se altivos em meio a ruas estreitas do passado. Estavam em oposio aos cortios e favelas que se formavam com uma nova populao. O trnsito na cidade engarrafava-se entre bondes, charretes, carroas e caleches. Muito comuns eram os carros puxados por braos humanos. As ruas estavam repletas de vendedores ambulantes, verdureiros, doceiras, granjeiros. Antigos escravos e imigrantes no estabelecidos engrossavam o comrcio informal. O Rio de Janeiro era, no incio dos novecentos, um grande mercado desorganizado, assolado por epidemias como a peste bubnica e a febre amarela. nessa poca em que se assiste ao projeto de reurbanizao do Rio de Janeiro, durante a presidncia de Rodrigues Alves (1902-1906), tendo frente o prefeito Francisco Pereira Passos e o diretor da Sade Pblica, Oswaldo Cruz. Logo, o Rio se transfiguraria com uma rapidez vertiginosa. A inteno era tornar a cidade uma Paris Tropical. Em 1903, sob o slogan O Rio civiliza-se, o novo prefeito iniciou a modernizao. O projeto incluiu, alm de medidas higinicas, a remodelao do centro urbano com abertura de grandes avenidas como a Rio Branco. Incluiu, tambm, o deslocamento da populao menos privilegiada para a periferia, formando a Cidade Nova, o bero do samba. No incio daquele sculo XX, companhias portuguesas chegavam aos montes no Rio de Janeiro. Os tempos estavam mais difceis ainda em Portugal. Aqui havia mais oportunidades. Ao chegarem, os elencos procuravam se informar quais eram os tipos brasileiros mais populares, por ser este um procedimento comum ao teatro de comdia. Naqueles tempos, o portugus (de Portugal) era considerado o idioma correto, a nica lngua oficial. Portanto, quem pisasse no palco deveria se expressar com sotaque. Mesmo danando o maxixe, precisavam conservar a prosdia lusitana. Dessa forma, eram comuns, em palcos brasileiros, surgirem mulatas, malandros e at caipiras com sotaque portugus. Devido s modificaes urbanas, as antigas regies famosas, como a Rua do Ouvidor e Uruguaiana, mostravam-se espremidas pelo progresso que as ameaava. Na virada do sculo, a Praa Tiradentes com seus vrios teatros se torna o grande centro de diverses do Rio de Janeiro. Em torno, havia cafs, restaurantes, cervejarias, jardins, parques de diverses. Em 1908, o pblico era tanto nos teatros que a atriz Cinira Polonio teve a ideia de inaugurar o teatro por sesses. Chegavam a fazer trs sesses dirias. Os atores comearam a trabalhar muito mais, pois uma s sesso ao dia no dava conta de receber tanta gente. Tambm em 1908, j so realizados no Brasil os primeiros filmes de fico. Em 1918 teve a gripe espanhola. Os teatros ficaram vazios. Entre 1910 e 1920 a Praa Tiradentes e adjacncias j se transformaram no centro revisteiro do Rio de Janeiro. Por essa poca, havia 11 teatros na regio. O movimento era intenso. O Carlos Gomes e o So Jos eram as duas maiores casas de espetculo da Capital Federal. OTeatro So Jos, de construo neoclssica, era o maior de todos. A lotao era perto de 1.000 pessoas. Na antiga Rua do Esprito Santo, ficava oTeatro Maison Moderne, com um grande jardim na frente aberto para a praa, onde ficava um grande parque de

diverses. A boemia carioca jantava no restaurante Stad Mnchen, o ponto de encontro dos artistas da poca. Perto dali (na Avenida Rio Branco e Gomes Freire), estava o Teatro Rio Branco e o Chantecler. Tinha tambm o Carlos Gomes, quase to grande como o So Jos. Nos anos 1920, melindrosas e almofadinhas danavam charleston. Mas apareceu a variao, diferente da similar francesa: a revista carnavalesca, essencialmente brasileira. Com rei Momo, mulata e malandro, sintetizava o smbolo da ptria na revista nacional. Os trs blocos carnavalescos mais importantes da cidade eram os Fenianos (os gatos), os Tenentes do Diabo (os baetas) e os Democratas (os carapicus). Vedetes da poca surgiam, em forma de alegoria, nas apoteoses das revistas, representando cada um desses blocos. As torcidas, na plateia, eram como no futebol ou como nos desfiles de escolas de samba. O pblico torcia pelas atrizes que representavam seus clubes. Havia rivalidades e claques, que puxavam os aplausos de acordo com o sinal do lder. 1922 foi um ano histrico: Comemorava-se o centenrio da Independncia do Brasil. Por causa disso, foi inaugurado o rdio. A primeira emissora foi a Rdio Roquette Pinto. Mas, claro, quase ningum possua o aparelho e as transmisses estavam apenas comeando. Teve tambm, em So Paulo, a Semana de Arte Moderna. Mas o acontecimento revisteiro mais importante do ano foi a chegada da Ba-ta-clan, uma companhia francesa que trouxe um elenco de coristas lindssimas, com figurinos bem cuidados e com as pernas de fora. A Ba-ta-clan voltaria no ano seguinte trazendo a famosa Mistinguett no elenco. At ento, as meninas por aqui usavam grossas meias cor da pele, tinham seus figurinos feitos pela costureira do bairro e cada uma comprava o seu sapato. A Ba-ta-clan, com o seu luxo, vai colocar o espetculo da revista brasileira no caminho do grande show. As nossas meninas aderiram ao novo figurino e puseram as pernas de fora. Nascia um samba genuno com a turma da famosa baiana Tia Ciata. Nos pagodes da casa dela se reuniam os mais famosos compositores da poca como, Sinh, Donga e Joo da Baiana. Em 1925 surgiu um nome nesse panorama, capaz de desviar o teatro de revista para voos mais modernos e arriscados. O nome Jardel Jrcolis1, um arrojado e irreverente empresrio que saiu da Praa Tiradentes e voou com a revista para a Cinelndia, inaugurando ali uma linguagem mais luxuosa com a Companhia Tro-lo-l. Ele criou uma nova revista, mais requintada, de humor mais sutil, sem se preocupar tanto com a histria e muito atento ao acabamento, qualidade das cenas, ao prestgio dos atores, beleza das coreografias e das mulheres. Com Jardel as coristas passaram a se chamar girls! Eram as Tro-lo-l-girls e, depois, as Jardel-girls acompanhadas, ao fundo, por dez ou quinze vamps. Jardel Jrcolis montava cenrios deslumbrantes inspirados nos espetculos do exterior. Mas a msica e o texto eram bem brasileiros. As vedetes tambm. Em 1926, no Teatro Recreio, foi criada a passarela, uma espcie de meia-lua que se estendia at o meio da plateia. Assim ficava institucionalizada, no Brasil, a famosa fila do gargarejo, para deliciar os maches da poca que at pagavam um preo mais alto pela poltrona.2 A msica popular brasileira ia muito bem. As pessoas ouviam os lanamentos no teatro e, depois, compravam a partitura para que as mocinhas estudassem para tocar nas reunies de famlia. O teatro de revista era o grande divulgador da msica popular brasileira. Por isso, as grandes vedetes eram, tambm, grandes cantoras. Vedete e cantora constituam, por assim dizer, uma s entidade. Toda vedete tinha de ser cantora e vice-versa.

Por essa poca, o teatro musical era a nossa maior diverso e a revista, a principal atrao. E quais eram as principais vedetes desses anos loucos? o que veremos a seguir... 1 Jardel Jrcolis era pai de Jardel Filho, ator falecido. 2 a Passarela foi um sistema inventado em um dos teatros da broadway novaiorquina, na prpria dcada de 1920, a fim de permitir ao cantor al Jolson cantar mais perto dos espectadores. CINIRA POLNIO A Divette Carioca No se pode chamar Cinira Polnio (1857-1938) de vedette, sem antes conhecer um pouco da sua histria. Mulher inteligentssima e avanada para o seu tempo recusou-se a seguir o modelo imposto pela sociedade da poca e no se casou. Mesmo assim ou exatamente por isso, teve uma vida amorosa extremamente movimentada. Independente, assumiu orgulhosamente a carreira de atriz no teatro musical, quando tudo ainda estava comeando. Cinira foi uma das mulheres mais cultas e elegantes da poca. Falava muito bem o francs e outros idiomas. Era tambm cantora, compositora e maestrina. Tocava harpa e piano. Alm disso, era ousada, pois escreveu uma pea de teatro intitulada Nas Zonas, uma burleta (comdia de costumes com nmeros musicais) que apelidou de revuette (revistinha em francs). Fez muito sucesso nas duas primeiras dcadas do sculo XX, ocupando o posto de primeira atriz na Companhia de Revistas e Burletas doTeatro So Jos. Seu nome aparecia no alto, em destaque nos programas da companhia. Era famosa por dizer bem os textos, mas tinha voz pequena para cantar. Essa sua habilidade de diseuse, de falar bem os textos, era usada no para declamar textos clssicos, mas para ressaltar o duplo sentido, o picante das palavras no teatro de revista. Ela sabia, como ningum, sublinhar as palavras mais picantes.1 1 angela reis: CiNira PoloNio, a divette Carioca. Pg. 85 A crtica aclamava seu ar refinado, elogiando-lhe a beleza, a graa e a elegncia. Cinira representou a sntese entre o erudito e o popular por reunir, em seus personagens, o refinamento e a malcia, uma elegncia excitante entre a francesa e a brasileira. Como atriz, fez comdias, operetas e burletas. E, sobretudo, encenou vrias revistas de Arthur Azevedo. Nos palcos tambm se destacou com belssimos figurinos e porte, principalmente nas revistas. Ela representava o ideal de uma boa parte da sociedade brasileira que gostaria de viver na Europa. Dentre os diversos papis que se destacou, podemos lembrar uma francesa semvergonha chamada Madame Petit-Pois da famosa burleta Forrobod (1912). Pois essa personagem ia parar numa gafieira, falava um francs-portugus todo atrapalhado e ficava assanhadssima com o Guarda. Prova de que o seu senso de comdia permitia dessacralizar o francs da elite. Vamos conferir uma pequena cena de Forrobod: Guarda Madama, voc me ensina um bocado de franci? Madame Petit-Pois Moi ensina, moi ensina. Marquez moi un rendez-vous. Guarda L nas Marrecas no vou, e se for de relance. Madame Petit-Pois Aprs le forrobod, main-tenant je veux la dance. Avec moi maxix. Apesar das interrupes para se apresentar em Portugal, atuou no teatro musical brasileiro at 1913, fazendo vrias revistas de Arthur Azevedo como O Cordo; O Carioca; O Homem; Mercrio. Tambm estrelou as revistas Comes e Bebes; Z Pereira; Pomadas e Farofas; C e L; Chic-chic; Dinheiro Haja; Berliques e Berloques; Carestia, Ressaca e Companhia.

Foi um marco de liberdade e de emancipao feminina. Conseguiu escapar dos preconceitos. Fez muito sucesso. E morreu esquecida, no Retiro dos Artistas (RJ), em 1938. Refinada e chic, era coquette, era divette. Mas quando essa brasileira piscava sensual e maliciosamente, era, sim... uma grande vedette! MARIA LINO A Rainha do Maxixe Maria Lino era italiana e se chamava Maria Del Negri. Chegou aqui com 14 anos, como danarina do Alcazar Lyrique. Entrou para a histria do teatro musical brasileiro como coregrafa, considerada uma das maiores expoentes do maxixe a dana proibida. Ela estreou no teatro de revista no final do sculo XIX. Um dos seus primeiros sucessos foi na revista Abacaxi (1893), de Moreira Sampaio e Vicente Reis, no Teatro Apolo (RJ). Essa revista satirizava Barata Ribeiro, o primeiro prefeito do Rio de Janeiro (18911894) e tinha grandes atores no elenco como Brando (o popularssimo), Rose Villiot, Joo Cols e Matilde Nunes. Fez vrias outras revistas, mas a sua inscrio defi nitiva como vedete e na histria do teatro de revista se deve mesmo ao maxixe (a dana ertica). No foi apenas pelos seus dotes artsticos que ficou em evidncia. Sua beleza impressionava. Era elegante, sensual e provocadora, ao mesmo tempo. Despertou grandes paixes. Logo no incio de sua carreira, teve um caloroso relacionamento com um rico e infl uente fazendeiro paulista que, para satisfazer a amada, cobria-lhe de joias e roupas carssimas. Mas, no finalzinho do sculo XIX, Maria abriu mo de todo aquele luxo e dinheiro. Desmanchou o compromisso com o fazendeiro para namorar o grande ator Machado Careca. Conhecido por sua feira. Careca se apaixonou perdidamente pela jovem vedete. No espetculo Zizinha Maxixe (1897), a dupla se tornou clebre por lanar o tango brasileiro Gacho tambm conhecido como Corta-Jaca, composio de Chiquinha Gonzaga. Em cena, Maria Lino e Machado (que mais tarde escreveu os versos da cano) conquistaram o pblico divulgando a nova dana sensual, o ritmo que, em pouco tempo, ganhou os sales de dana da cidade para horror da sociedade conservadora que considerou o ritmo como chulo, grosseiro e selvagem. Alheia s ms lnguas, a dupla saa dos teatros e apresentava a dana lasciva tambm em chopes berrantes, sales e cafs-concertos do Rio de Janeiro. Ai, ai, que bom cortar jaca! Ah! Sim, meu bem ataca Corta-jaca assim, assim, assim! Corta, meu benzinho, assim, assim! Este passo tem feitio, tal ourio Faz qualquer homem coi No h velho carrancudo, nem sisudo Que no caia em trolol, trolol! Enquanto o maxixe conquistava os cariocas, Maria Lino dava continuidade sua carreira no teatro de revista. J fazia nmeros de alegoria e comeava a estrelar nmeros de cortina. Atuou, j como vedete destacada em espetculos do grande Arthur Azevedo, como O Jaguno (1898) e Gavroche (1899). Com o nome consolidado na revista, Maria Lino fez incurses, tambm, no teatro dramtico, como ingnua. Mas foi no musical que apostou todas as fi chas de sua carreira. A dupla com Machado Careca continuava a se apresentar nas Revistas. O maxixe estava na ordem do dia dos sales cariocas, e ganharia novo flego em 1906, quando estreou O Maxixe, de Bastos Tigres que, defi nitivamente, imortalizou o ritmo. Maria fazia a apoteose do espetculo, lanando Vem C, Mulata. Foi um enorme sucesso, que

consagrou no s o tango brasileiro, como tambm a musa desse estilo musical: Maria Lino. Com o enorme prestgio alcanado como coregrafa e representante do maxixe, recebeu proposta para uma temporada em Paris. Viajou e largou o apaixonado Machado Careca para trs. Na Frana, Maria Lino encontrou um novo parceiro, Duque (um ex-dentista que preferia danar). Apresentaram-se danando maxixe, claro, em casas noturnas e cabars tradicionais de Paris. Foi um sucesso histrico. A dana caiu no gosto dos franceses que passaram a chamar de tango bresilien. Maria Lino ganhou o ttulo de La reine du tango. A temporada francesa se estendeu a vrias outras cidades europeias, divulgando, sempre com sucesso, o nosso sensualssimo maxixe. O regresso ao Brasil aconteceu em 1914. Maria Lino retornava diferente: mudara o nome artstico (agora Maria Lina). Maria era mulher despojada e muito frente de seu tempo. Era livre, tinha vida amorosa movimentada, no se prendia a ningum. No media esforos para conseguir o que queria. Era determinada e, de certa forma, despudorada. Um de seus muito apaixonados chegou a dizer: Era uma demnia. Possua olheiras lnguidas, que traam uma vida de vcios inconfessveis. Mas Maria no se conformou em ficar eternamente conhecida como danarina de maxixe. Como a idade comeava a pesar, lanou-se como autora teatral. Talvez, sua inspirao viesse de Cinira Polnio. Em outubro de 1915, estreou o espetculo Ouro sobre Azul, noTeatro Recreio, alardeando em todos os jornais sua estreia como autora teatral. Alm de assinar o texto, Maria tambm era a estrela da revista originalssima, ferica, moderna. Foi elogiada pela crtica teatral. A pea fez um grande sucesso e elevou, ainda mais, o nome de Maria Lino (ou Lina). H boatos de que a pea foi escrita por um revistgrafo experiente, em troca de favores amorosos. Mas histrias de alcova no so confiveis. E esta suposta fofoca tem acentuado sabor machista. A carreira de Maria Lino (ou Lina) seguiu at a dcada de 1920, quando diminuiu o ritmo de suas atividades. A dana se transformou em tema para teoria: ela dava entrevistas e fazia palestras sobre o maxixe: sua origem e desenvolvimento. A partir dos anos 1930, passou a trabalhar como atriz em companhias de comdia. Uma das ltimas companhias em que atuou foi a de Renato Vianna. Maria Lino tambm fez cinema. J bastante envelhecida, participou do filme Maridinho de Luxo (1938), da Cindia, no papel de sogra do maridinho, o comediante Mesquitinha. Anos depois, faleceu, com idade bastante avanada. OTLIA AMORIM A Extraordinria! Otlia Amorim nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de novembro de 1894. Foi uma menina pobre, passou por difi culdades, sendo obrigada a interromper seus estudos. Comeou no cinema, em 1910. O fi lme intitulava-se Vida do Baro do Rio Branco, de Alberto Botelho. Logo em seguida, estreou na revista como corista, com o espetculo Peo a Palavra, no Teatro Carlos Gomes do Rio de Janeiro. Aos poucos, por sua bela voz, pela beleza e pelo talento, foi conquistando o seu lugar nos palcos brasileiros. Olhos negros, brejeira e com raro talento cmico, Otlia maxixava como ningum. Seu requebrado era famoso. Mais famosa ainda foi a sua voz. Ela era uma atriz completa de teatro de revista. Danava, era divertida e representava. Era bonita, tinha um magnetismo especial e dominava o pblico masculino com seus nmeros de plateia. Encantou os crticos da poca, entre eles Mrio de Andrade que, no Compndio de

histria da msica, colocou, entre seus sambas preferidos, quatro interpretados por Otlia Amorim: Ngo Bamba; Vou te Levar; Eu sou Feliz e Desgraa Pouca Bobagem. Em 1920, na revista carnavalesca Gato, Baeta e Carapicu, fez a personagem Felizarda, uma lavadeira louca por carnaval, que a tornou inesquecvel. A partir da, tornou-se imbatvel interpretando mulatas marotas e sensuais, um tipo importante nas revistas brasileiras. Na revista Reco Reco (de Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes) era aplaudida todas as noites com o samba Almofadinhas & Melindrosas, que ela danava e cantava com Pedro Dias. Nesse mesmo espetculo, o quadro que mais entusiasmava o pblico era a marchinha Ai Amor, de Freire Jnior, satirizando as melindrosas. Ela tambm fazia esse quadro com o grande ator Pedro Dias, arrancando entusiasmados aplausos. Foi atrao incontestvel nos shows: Flor do Catumbi (1918); Gato, Bata e Carapicu (1920); Se a Moda Pega (1925); O que eu Quero Nota (1928); Calma, Geg! (1932). Sua bela voz est registrada na importante discografi a que nos deixou: Desgraa Pouca Bobagem (1931); Vou te Levar (1931); Eu sou Feliz (1931); Ngo Bamba (1931); Oi a Ganga (1931). Em teatro de comdia pertenceu Companhia de Luis Galhardo, de Procpio Ferreira e de Carlos Leal. Atuou, tambm, ao lado de Leopoldo Fres. Em 1922, fundou sua prpria companhia. No tempo do ponto, Otilia desafiava o texto com cacos divertidos e inspirados. Era a inspirao em pessoa e teve uma vida artstica agitadssima, que no foi interrompida nem durante o surto da gripe espanhola. Um dia, surgiu em sua vida um rico empresrio paulista. A pobre menina que um dia havia sido costureira se casou com ele e retirou-se dos palcos. Faleceu no ano de 1970. MARGARIDA MAX A Estrela da Revista Carioca 1924 foi o ano da emancipao da mulher na revista brasileira. Um espetculo considerado como um dos 10 maiores xitos de todos os tempos, no Brasil, marcou a temporada de 1924: la Garonne. Estreou, no dia 30 de maio, no Teatro Recreio. Do romance de Victor Margueritte, de 1922, La Garonne foi um livro traduzido e lanado no Brasil com o ttulo de A Emancipada, esgotando-se rapidamente e exigindo novas edies. Do livro foi extrado o ttulo da revista. la Garonne falava de vrios assuntos da atualidade e fazia rir at das injustias sociais. Mas o grande lance era a sintonia total com o seu tempo e com o contexto cultural universal. Margarida Max e suas coristas, para fazerem o nmero Tudo la garonne, cortaram seus cabelinhos bem curtinhos, como mandava o figurino. Lanaram moda. A revista foi levada a vrias cidades do Brasil. A marchinha de S Pereira e Amrico F. Guimares foi lanada na revista e, depois, tornou-se sucesso do Carnaval de 1925. Os cabeleireiros devem ter ganhado muito dinheiro custa da nova ordem. As moas das capitais e do interior, por muito tempo, adotaram, sem restries, este corte bem aparado altura da nuca. Em 1927, em Portugal, Beatriz Costa, seguindo o exemplo da nossa vedete Margarida Max, tambm cortou suas madeixas e inaugurou de forma bem menos arrojada a moda da franja, no alm-mar. Fato interessante o de que at a estreia de la Garonne, em 1924, o nu artstico resumia-se apenas em mostrar as pernas de fora. No quadro Sol Indiscreto, a deliciosa banhista Manoela Matheus tirou a parte de cima do mai e mostrou os seios numa cena de praia!!!

Margarida Max foi apontada pela crtica como a melhor atriz do ano. Viera da comdia e era dotada de belssima voz. Iniciava a uma carreira brilhante de supervedete do teatro de revista. Esse sucesso criou uma rivalidade com Otlia Amorim. Durante alguns anos, as duas competiam pela preferncia do pblico. A imprensa e os empresrios colocavam mais lenha nessa fogueira de disputas. Filha de italianos, Margarida DAlexandre Tocatelli nasceu em So Paulo e cresceu na cidade de Franca (SP), onde era conhecida como A Margarida do Max, nome do noivo. Um dia, essa linda Margarida morena rompeu com a cidade e com o noivo e virou atriz de uma companhia mambembe que passou pela cidade. Chegando ao Rio de Janeiro, entrou logo para o teatro de revista. Estreou na revista P de Anjo, de Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes. Entre 1920 e 1940 Margarida Max, que a lenda dizia ter nascido em Roma, era considerada a vedete mais importante da revista brasileira. Em 1929, uma novidade foi acrescentada encenao das revistas: a passarela baixa, utilizada pela primeira vez na Guerra ao Mosquito1, de Marques Porto e Luiz Peixoto, um dos maiores acontecimentos da dcada. O novo recurso cenogrfico foi criado especialmente para servir estrela Margarida Max, oferecendo-lhe a possibilidade de contato mais ntimo com seu pblico. Como as outras cantoras-vedetes do teatro de revista, Margarida Max lanou msicas que se tornaram famosas. Seu maior sucesso foi na revista Brasil do Amor (1931) quando cantou No Rancho Fundo, de Ary Barroso e Lamartine Babo. Lanada no palco do teatro de revista, a msica foi cantada pelo Brasil inteiro. Margarida no teve carreira longa. Morreu aos 54 anos, em 1956, aps 39 anos de palco. Seus pontos fortes eram os nmeros de plateia, sua voz, seu rebolado, sua malcia. Foi uma das mulheres mais cobiadas da poca. 1 Guerra ao mosquito! era a frase que as telefonistas diziam quando se lhes pediam uma ligao (nesta poca as ligaes eram feitas atravs das telefonistas), intensificando a campanha popular para evitar o desenvolvimento da febre amarela, pois um surto havia irrompido no rio de Janeiro, em 1929. PEPA RUIZ (II) A Pavlova Brasileira Josefa Maria do Rosrio de La SantssimaTrindad Ruiz Puebla era espanhola de Andaluzia e nasceu em 13 de agosto de 1904. Seu apelido desde criana era Pepa, apelido de todas as Josefas espanholas. Quando tinha 8 anos, Pepa e a famlia se mudaram para Portugal, porque o pai, Don Jos, morreu em Cuba e a famlia estava com problemas financeiros. Em Lisboa, Pepa estudou dana, impressionou os professores, ganhou prmios e foi enviada de volta Espanha para estudar com uma famosa coregrafa. Com o fim da Primeira Guerra, voltou a Lisboa, onde estreou profissionalmente como bailarina na pera Aida, estrelada pelo famoso tenor Tito Schipa. Usou o nome artstico Pepa Ruiz. Aos 16 anos, j era bailarina, atriz e, tambm, coregrafa. Casou-se com Artur Rosa Mateus, ator e bailarino (e futuro dramaturgo e maestro) do teatro de revista. Nesse mesmo ano, veio ao Brasil, para se apresentar no Teatro Recreio, com Salada Russa. Ao final da temporada, Pepa, grvida, desmanchou seu casamento e resolveu ficar por aqui. Em janeiro de 1921, estreou, como atriz e bailarina, na revista carnavalesca Reco Reco, de Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes, no Teatro So Jos, ao lado de Otlia Amorim, Alfredo Silva e Pinto Filho. A pea foi um sucesso e Pepa, como bailarina, foi chamada de Pavlova Brasileira.

Atuou na reprise do estrondoso sucesso O P de Anjo. Em maro de 1921, nasceu seu filho Roberto Ruiz que, anos mais tarde, se tornaria um grande revistgrafo. Pepa voltou aos palcos na revista portuguesa De Capote e Leno. Foi elogiadssima pela crtica e fez carreira extensa em revistas, como, por exemplo, gua no Bico!..., sucesso da temporada junho/julho, no Teatro Carlos Gomes. Com sua popularidade em alta, houve certa confuso com a outra Pepa Ruiz, que anos antes havia sido a maior estrela do teatro de revista brasileiro. A velha Pepa, j doente, quis conhecer a nova. O encontro se deu no Hotel Avenida, onde residia a estrela do passado. Fumando um charuto, a velha Pepa conversou com a moa. Descobriram, alm da mesma paixo, outras coincidncias como o mesmo nome Jos (Pepe) de seus pais. Nome muito comum na Espanha. Pepa assinou contrato com a prestigiada atriz caricata Alda Garrido e experimentou um novo gnero: a burleta. Alm de atuar com Alda Garrido, participou das companhias de revistas de Otlia Amorim e Margarida Max. Fez Amendoim Torrado (1925); Amor sem Dinheiro (1925); Turumbamba (1926); Ilha de Amores (1926); Quem Manda o Coronel (1926); Olha Direita, entre outras. Seu grande sucesso foi Luar de Paquet (1924), de Freire Jr., onde lanou a famosa marcha-rancho de mesmo ttulo. Aos 30 anos, j era uma das mais requisitadas atrizes de nosso teatro (musical e declamado). Trabalhou com Procpio Ferreira em Deus lhe Pague, de Joracy Camargo, com a Companhia de Vicente Celestino, e fez vrias revistas com Aracy Crtes e outros famosos. Na dcada de 1940, depois de fazer revistas com Beatriz Costa e Mesquitinha, fez sucesso como atriz no teatro declamado. Incursionou, inclusive, pelo rdio. A partir de 1951, voltou a Portugal como empresria de companhias brasileiras. Levou Alda Garrido para Lisboa, viajou por diversos pases, atuando, administrando, comandando. Administrou as companhias de Aime e Joana DArc. Organizou, em 1957, uma excurso da Cia. Brasileira de Revistas pela Europa e pases de lgua portuguesa na frica. O sucesso foi absoluto. Pepa Ruiz liderava o elenco composto por Antnio Spina, Berta Loran, Gracinda Freire, Almeidinha e outros. Durante todo o ano de 1957 fi zeram temporada africana. Em 1958, estrearam em Portugal, com a revista Fogo no Pandeiro, de Max Nunes, J. Maia e seu filho Roberto Ruiz. Os autores escreveram ainda mais trs peas especialmente para a companhia. Ao fi m da excurso pela frica e Portugal, fez nova ida Europa indo Espanha, Frana e Alemanha, contratando artistas brasileiros e os promovendo nesses pases. Pepa Ruiz, alm de estrela da revista, foi uma mulher comprometida com o teatro brasileiro. Pelo seu incessante trabalho como atriz e empresria era muito querida no meio artstico. Em 1959, ao completar 40 anos de carreira, foi homenageada noTeatro Carlos Gomes. Na ocasio, estiveram presentes mais de cem atores e personalidades teatrais, num desfile artstico at ento indito: Oscarito, Aracy Crtes, Aime, Pascoal Carlos Magno, Dercy Gonalves, Jayme Costa, Manoel Pera, Mrio Lago, Procpio Ferreira, Rodolfo Mayer, Vicente Celestino e tantos outros. Nos anos seguintes, consolidou a carreira de administradora. Encarregou-se das companhias de Eva Todor e tambm de Dercy Gonalves. Em 1977 foi nomeada administradora do Teatro Dulcina, que o SNT recmadquirira. Ela ocupou esse cargo at sua morte, em 26 de dezembro de 1990. ARACY CRTES Linda Flor Da cor do azeviche, boneca de piche, sou em quem te acaba!... Aracy Crtes nasceu em 31 de maro de 1904, no Rio de Janeiro, filha de Argemira de Carvalho Espndola e Carlos Espndola. Seu nome de batismo era Zilda de Carvalho

Espndola. Dizia ser uma mestia terrvel: filha de brasileiro com espanhol e neta de paraguaio. Vizinha e amiga de Pixinguinha, desde criana, ela e a irm davam seus passinhos de dana. Um dia, a adolescente que cantava e danava foi convidada para atuar no prestigiado grupo de teatro amador Os Filhos deTalma. Sua carreira de atriz comeou no Democrata Circo ou Circo Spinelli (devido ao sobrenome do dono), cuja atrao principal era o grande palhao negro Benjamin de Oliveira. Aquela garota de dezesseis anos entrou para cantar e danar maxixes. Mas, na hora da estreia, ficou to nervosa que desmaiou diante do pblico, aps os primeiros acordes da orquestra. Foi retirada da cena e teve s alguns minutos para se recuperar. Pois o espetculo continuava. A garotinha voltou, porque sabia que era pegar ou largar. Cantou e, ao final, ouviu os aplausos que a acompanhariam durante toda a vida. Ela ainda se chamava Zilda Espndola e nunca mais desmaiou. Quando foi trabalhar com o amigo Pixinguinha e Os Oito Batutas, por sugesto de Otvio Viana, irmo de Pixinguinha, mudou seu primeiro nome para Aracy. Mas faltava achar um sobrenome forte que combinasse com o primeiro. Escolheram Crtes por causa de um reprter policial que apareceu naquele momento em que procuravam um nome artstico para a nova estrela. E virou Aracy Crtes. Ela estreou no teatro de revista em 31 de dezembro de 1921 na pea Ns, pelas Costas!, de J. Praxedes, com msica de Pedro de S Pereira, no Teatro Recreio. Neste espetculo, ela entrava vestida de Vinho do Porto, na cena Domnio de Baco. O crtico Mrio Nunes definiu-a como uma figurinha de brasileira petulante. No ano seguinte j estava no Teatro So Jos. At a dcada de 1950, Aracy imperou gloriosa no teatro de revista, com seu exuberante tipo brasileiro. Fazia a caricata, a exuberante, a gr-fina, a mulata, a cantora. Como ela mesma dizia: Aracy apoteose! Disputada pelos dois empresrios mais dinmicos da poca, Manuel Pinto (do Teatro Recreio) e Paschoal Segreto (do So Jos), sua carreira seguiu de vento em popa. Quando, em 1940, Walter Pinto assumiu o Recreio, Aracy encabeava o elenco mais importante do Brasil. Por ser o teatro de revista o grande divulgador da msica popular brasileira, todos os compositores queriam que Aracy lanasse suas canes. A ela cabe o mrito de ter lanado Ary Barroso, Lamartine Babo, Noel Rosa. Claro! Ela era considerada a melhor intrprete da MPB da poca. Seu jeito prprio de interpretar a cano brasileira imortalizou nmeros que se tornaram cones do nosso cancioneiro e ainda hoje permanecem na memria coletiva coisas da nossa herana cultural! Eis algumas canes que ficaram famosas na voz de Aracy: Aquarela do Brasil; Boneca de Piche; No Rancho Fundo; Jura; Na Pavuna, Tem Francesa no Morro, Tico-tico no Fub; Yes, Ns Temos Banana...; e o grande sucesso Ai, ioi! Que se chamava Linda Flor. O primeiro samba-cano. Dona de forte personalidade, disposta a abrir caminho na vida custa de seu talento, muito segura de si, Aracy resistiu s cantadas dos fs e a sedutoras investidas de inmeros enamorados. Quando anunciou, no fi nal da dcada de 1920, seu casamento com Esteban Palos espanhol estabelecido na Argentina e irmo do ator Palitos , o pblico se espantou. Esteban deu a Aracy absoluto domnio dos passos de dana, pois ele era exmio sapateador e tinha vindo para danar no Teatro Recreio. O casamento durou at a morte do filho, com apenas quatro meses. Esteban voltou para Buenos Aires, onde viveu at sua morte em 1981. Depois disso teve um longo caso de amor com Renato Meira Lima, um jovem lanado na carreira poltica como secretrio do

ento presidente da Repblica, Washington Lus. Foi um grande amor e durou at a morte de Renato. Excursionou pela Europa fazendo estrondoso sucesso em Portugal, com a Companhia de Jardel Jrcolis em 1933. Esta foi a primeira a atravessar o Atlntico com um elenco fantstico. Aracy brilhava ao lado de Ldia Silva e Oscarito. Os portugueses, com seu carinho tradicional pelas coisas brasileiras, excederam-se no entusiasmo. xito retumbante. Aracy voltou outras vezes. Vedetes disputam o pblico e rivalidades se criam entre elas. Aracy no tinha gnio fcil. A rivalidade e a disputa aumentaram quando surgiu Virginia Lane, a estrela do Joo Caetano, lanada por Chianca de Garcia. Chegaram a se apresentar juntas, no espetculo O Bode est Solto, por causa de um problema judicial referente ao contrato de Virginia Lane. Os empresrios do teatro de revista sabem muito bem que no h duas grandes vedetes num s espetculo. Mas este caso foi exceo. Quem se apresentaria primeiro? O pblico ficou tenso naquela noite de estreia. Entrou Virginia, recebida em delrio pelos seus partidrios e aplaudida por todos. Depois, num quadro especial, precedida pelos primeiros acordes de Jura!, entrou Aracy. Novo delrio. E a plateia gritava: Aracy! Aracy! Aracy! Esse caso famoso. Era a vedete maliciosa e emplumada disputando o pblico com a vedete mulata que tinha samba na alma. Ganhou a Revista Brasileira. Aracy fez revistas de 1922 at 1961 e faleceu no dia 8 de janeiro de 1985 no Rio de Janeiro. Seu corpo foi velado no Teatro Joo Caetano. Nesse dia, um jornal publicou a seguinte frase: com ela foi embora toda uma era do nosso teatro. Ao gravar seu primeiro registro sonoro, recebeu o ttulo de Graciosa estrela brasileira. Foi Rainha das Atrizes em 1939. Aracy ser sempre Aracy. Ou melhor, Linda Flor. SEGUNDA PARTE O LUXO E A INVENO DO SISTEMA VEDETE O prdio do Teatro Recreio, no Rio de Janeiro, era to importante que, em 1889, serviu de local para a Proclamao da Repblica. Nas dcadas de 1920 e 1930, ele pertencia aos empresrios Jos Loureiro e Joo Neves que montaram ali mais de trezentas revistas. Depois, o Teatro Recreio passou para Manoel Pinto, que morreu e deixou para seu filho lvaro Pinto, que tambm morreu num desastre de avio. Walter Pinto, o filho mais novo, com apenas vinte e sete anos, assumiu a direo do Recreio, em 1940. Homem de grande viso, cosmopolita, marqueteiro e dinmico, Walter soube lanar suas vedetes comprando e negociando ttulos de rainhas. Ele se tornou uma lenda, uma esttica e deu um up-grade no teatro de revista brasileiro tornando-o, definitivamente, espetacular e deslumbrante. No havia escolas para vedetes. Os empresrios andavam sempre de olho nas meninas talentosas e bonitas e as convidavam. Era um risco. Uma loteria. Mas se dava certo, Bingo! Com Walter Pinto foi diferente. Ele valorizou as vedetes em cena e elas conquistaram o pblico superando, em popularidade, os cmicos. Cantavam, improvisavam com desembarao, dirigiam-se com naturalidade plateia, sabiam contar piadas e eram sensuais. que, alm de empresrio, produtor e escritor, Walter as treinava. Ou seja, ele criou um sistema vedete, um mtodo que pouco a pouco foi se solidificando e oferecia, s atrizes, todo o instrumental necessrio para que elas conquistassem a plateia. Aproveitar ou no esses truques era questo de talento. Havia professores de canto e coregrafos que cuidavam das posturas das meninas.

Para sublimar a exuberncia de suas vedetes, Walter Pinto criou a escadagigante. Girls e vedetes, para surgirem no topo, deveriam entrar nele atravs dos camarins do primeiro andar. As vedetes deviam descer os degraus, um a um, com elegncia, sem jamais olhar para o cho. Walter Pinto as obrigava a descer, em mdia, trinta vezes por dia, at que conseguissem faz-lo com graciosidade, sorrindo e de cabea erguida, condies bsicas para fazer parte do elenco. No corpo de baile, composto por boys e girls, havia danarinos franceses, poloneses, portugueses, argentinos. Todos trabalhando sob rgida disciplina. O sistema vedete exigia uma carreira que no dependia s da beleza, mas tambm do talento. As moas entravam na companhia e iam subindo, funo por funo, ao mesmo tempo avanando para o proscnio. As funes, at se chegar ao posto de vedete, estavam nesta ordem: 1 girls (bailarinas que danam nas filas, como um coro); antes eram chamadas de coristas; 2 Vedetinhas so aquelas seis ou oito que acompanham a vedete maior, em seus quadros. Havia vedetinhas da Virginia Lane, da Mara Rubia e assim por diante. Elas eram como um squito que acompanhava a grande vedete; 3 Vedete de quadro. Nas revistas havia mais de uma vedete. Mesmo no sendo a maior estrela da companhia, as outras (j por conquista e por profisso) faziam com suas vedetinhas, nmeros s delas; 4 Vedete do espetculo. Esse era o posto de desejo. A maior vedete do espetculo que, ao lado do cmico, formava a dupla de suporte da revista. Eram as grandes atraes. Seus nomes deveriam estar no alto dos cartazes. Nem sempre isso acontecia; 5 Estrela. A vedete, ao alcanar o reconhecimento e a notoriedade, era apresentada como Estrela da Companhia. Essa tinha o direito de ter seu nome no cartaz. Havia uma hierarquia e era uma carreira feita de conquistas e conquistas. Portanto, ao perfil de vedete, acrescentemos mais um ingrediente: a garra. Na poca de Walter Pinto, a arte de expor o corpo cabia apenas s coristas, girls e modelos. Era o nu esttico. A censura proibia corpos nus em movimento. Manoela Mateus, uma graciosa vedete de segunda linha, em 1924, na revista la Garonne, mostrou os seios nus pela primeira vez. Foi a pioneira nesse tipo de exibio. A histria do Teatro Recreio terminou em 1963, quando foi desapropriado e destrudo. Durante os vinte e trs anos em que l esteve, Walter Pinto fez com que a revista subisse tantos degraus na escadaria espetacular que a precipitou no abismo inevitvel. Era dar mais um passo frente e... cair. Era a poca das notveis Mara Rbia e Virgnia Lane. Naqueles tempos, automveis e arranha-cus j se multiplicavam no Rio de Janeiro. Os elencos do Walter Pinto seriam o equivalente s novelas das oito: Virgnia Lane, Mara Rbia, Oscarito, Aracy Crtes, Mesquitinha, Pedro Dias, Violeta Ferraz e tantos outros famosos, todos juntos, num s espetculo. Alm de grande orquestra e um corpo de baile que foi aumentando, at chegar em 40 boys e 40 girls. E havia, ainda, os nus artsticos (aquelas que ficavam imveis e peladas). Walter Pinto, o Ziegfield brasileiro, tinha tambm para o espetculo a sua receita: Elenco de primeira grandeza; efeitos cnicos modernssimos (luz negra, palco giratrio, cascatas de fumaa, de gua), grandes e monumentais apoteoses, alm da presena das mais bonitas mulheres. Jardel Jrcolis havia trocado Portugal por Paris. O luxo dos cenrios e figurinos era sempre anunciado comme Paris. Walter Pinto trocou, definitivamente, a esttica de

Paris pela da Broadway. Nunca entrou em cena, mas pensou nela como se fosse seu prprio palcio de sonhos. Nos cartazes, destacava-se, em primeiro lugar, o nome Walter Pinto. Aos poucos, seu rosto comeou a se revelar no material de propaganda. Mais tarde, com bigodinho sorridente, a figura magricela principiou a aparecer emoldurada por uma grande estrela. Sua foto ficava sempre acima das vedetes. ZARA CAVALCANTI A Jambo de Olhos Verdes Zara Baltazar Cavalcanti nasceu em Santa Maria (RS) em 1 de outubro de 1913. Em meados dos anos 1920, ainda no Rio Grande do Sul, o empresrio e escritor Mrio Ulles, impressionado com sua beleza, a convidou para uma temporada no Rio de Janeiro. Zara estreou como cantora, numa companhia de gnero ligeiro, encabeada pelo ator Alfredo Silva. Foi apresentada como a nova estrela que o Rio iria conhecer, por De Chocolat. Ao final da temporada, Zara partiu em excurses. Em Santos, estreou a revista Manda-chuva de Lampeo, com a Companhia Arruda. No Rio, foi corista de Jardel Jrcolis, na Tro-l-l, apresentando-se nos Teatros Glria e Carlos Gomes. Ali, na Praa Tiradentes, reduto da revista, Zara ganhou fama. Aps trabalhar como corista na famosaTro-l-l, Zara fez temporada na Bahia. De volta ao Rio no final de 1928, estreou, no Recreio, o espetculo Ptria Amada, recordista de pblico naquele ano. No elenco do Recreio estavam Aracy Crtes, Mesquitinha, Palitos e Olga Navarro. Zara tinha apenas 16 anos e foi uma das grandes atraes. A crtica se desdobrou em elogios, j lhe prevendo futuro brilhante. Em 1929, pela revista Ptria Amada, no Recreio, recebeu do crtico Mrio Nunes o seguinte comentrio: Sabe cantar expressivamente, sublinhando tudo com meneios quentes. Em janeiro de 1930, ainda no Recreio, fez a antolgica D Nela. Foi sem dvida seu maior sucesso e consagrao. Zara interpretava o nmero que deu ttulo revista, a marchinha de Ary Barroso campe do carnaval de 1930 D Nela (posteriormente gravada por Francisco Alves). O cronista Jota Efeg escreveu: nasceu uma estrela no tradicionalTeatro Recreio. O sucesso estrondoso da marchinha no estava previsto, por isso foi confiado a uma atriz estreante (para dio de Aracy Crtes, estrela do espetculo). Depois de D Nela!, Zara ainda atuaria em Eu Sou do Amor. Mas o estrelato aconteceria no espetculo seguinte, no Recreio: Pau-Brasil, da dupla Marques Porto & Luiz Peixoto, considerada a melhor revista dos ltimos tempos pelos crticos da poca. A temperamental Aracy Crtes, que encabearia o espetculo, num surto de estrelismo, abandonou o elenco, abrindo espao a Zara que subiu ao posto de estrela. Nessa poca, Zara, alm de vedete, fazia nmeros cmicos. Em 1930 gravou para a Odeon. Conhecida como cantora e vedete, Zara, na dcada de 30 excursionou pela Amrica Latina. Em 1933, viajou com a Companhia Tro-l-l para Portugal. Fez grande carreira no Recreio e chegou estrela mxima de Walter Pinto, em meados dos anos 40. Entre seus sucessos no tradicional teatro esto Eva Querida (1935); No Lesco-lesco (1941); A Cabrocha no Sopa (1942); Tico-tico no Fub (1945), revista em que se tornou estrela de Walter Pinto. Contracenou com importantes comediantes como Oscarito, Pablo Palitos, Mesquitinha e Grande Otelo. No cinema Zara atuou em Luna de Miel en Rio (1940), da empresa Lumiton, protagonizado pela comediante Nini Marshall. No cinema brasileiro atuou em produes da Cindia, como Pureza (1940), e posteriormente chegando a atuar em comdias erticas como Cada um D o que Tem (1975).

Gravou sete discos pelas gravadoras Odeon e Parlophon. Em 1930, gravou o sambacano Diga, de Gonalves de Oliveira e Lamartine Babo. Gravou tambm Cano dos Infelizes, de Donga, Luiz Peixoto e Marques Porto. Alm dos sambas Pedao de Mau Caminho, Gong, Tem Moamba e Vou Pedir Padroeira. Em 1931 gravou os sambas Caranguejo tambm Sobe no Arvoredo, de Mrio Barros, e Sem Querer... de Ary Barroso, Marques Porto e Luiz Peixoto. Em 1932, gravou o fox Quando Escuto Voc Cantar, de Milton Amaral e Jernimo Cabral, e os sambas Quando tu Fores bem Velhinho, de Paulo Orlando e Jernimo Cabral, Nossas Cores e o chorinho No Ters Perdo. Sua marca registrada, sem dvida foi a interpretao musical. Apesar de agradar bastante como vedete, em nmeros de cortina e at plateia, Zara era uma cantora de interpretao marcante. Essa era sua arma de seduo. Tinha voz quente e sensual. Mrio Nunes, crtico do O Globo, disse canta, como at agora no se cantou em teatro. Mulata, esguia, e com um belo par de olhos expressivos verdes, Zara era extraordinariamente linda. Ela atuou at meados dos anos 1950, quando fazia participaes especiais em revistas e em alguns shows. Faleceu no Retiro dos Artistas, dia 11 de setembro de 1981, aos 67 anos. BEATRIZ COSTA A Vedete dos Dois Pases Me pega no colo!... Pega-me ao colo uma frase simples, infantil. Mas se quem a diz Beatriz Costa, que feito menina mimada pede colo aos espectadores, a tal frase simples entra no vocabulrio popular, passa a ter os mais inesperados signifi cados. E uma revista que se vai estrear, nesse ano de 1938, ter inevitavelmente como ttulo Pega-me ao colo.1 Beatriz Costa nasceu Beatriz da Conceio em 14 de dezembro de 1907, em Portugal, numa aldeia chamada Charneca do Milharado, relativamente perto de Lisboa. Aos 15 anos estreou, com o apoio da famlia, como corista do teatro de revista, em Ch com Torradas, no den Teatro de Lisboa, seguindo em excurso com a companhia para o Alentejo e para o Algarve. Foi o famoso revisteiro Lus Galhardo quem a batizou com o nome artstico de Beatriz Costa. Em 1924, ela j estava atuando no Teatro Maria Vitria de Lisboa, na revista Rs Vs e sendo preparada para fazer nmeros mais importantes, pois a mocinha levava muito jeito e evolua rapidamente. No dia 24 de julho de 1924 embarcou, com a companhia, no navio Lutelia rumo ao Brasil. Ficou aqui at 1926. Estreou no Rio de Janeiro com as revistas Fado Corrido e Tiro ao Alvo. Pela sua graa e interpretao foi bem recebida pelo pblico e pela imprensa carioca. Consolidou seu nome e sucesso com revistas e operetas como Piparote; Disparate; Aqui del Rei; O 31; De Capote e Leno; Tintim por Tintim; O Gato Preto; As 11 Mil Virgens; Rataplan. 1 Vtor Pavo dos santos. a revista Portuguesa. lisboa: ed. o Jornal, 1978. No entanto, no foi dessa vez que Beatriz Costa ficou no Brasil. Voltando a Portugal, com reputao de grande artista, passou por vrias companhias ao lado de renomados artistas, como Nascimento Fernandes, Manoel de Oliveira e Eva Stachino, quando obteve grande popularidade com o nmero D. Chica e Sr. Pires, ao lado de lvaro Pereira Em 1927, talvez influenciada pelo furor que o corte la garonne de Margarida Max provocou, Beatriz Costa estreou no cinema, com um novo corte de cabelo que se tornaria sensao entre as mulheres: o franjo. A partir da, como se diz em Portugal, toda a gente sabe o que significa ter uma franja Beatriz Costa.

A sua segunda visita ao Brasil foi com a companhia portuguesa de Eva Stachino, em 1929. Novamente, a imprensa noticiou o sucesso da atriz, relembrando sua passagem pela Amrica do Sul. Em solo brasileiro, o grupo apresentou a revista P de Maio; Lua de Mel; Meia-noite; Carapinhada e A Mouraria, entre outras. Aps as apresentaes em So Paulo, foi convidada por Procpio Ferreira a integrar a companhia de comdias do ator, mas recusou a proposta. De volta Europa, Beatriz Costa fez um documentrio chamado Memrias de uma Atriz, contando episdios de sua carreira. Mas era o teatro a sua grande motivao: Acordada ou dormindo, o meu sonho constante era o teatro. Absorvia-me todos os pensamentos. Das minhas pupilas no se apagava o fulgor das apoteoses, a atitude, o sorriso, a plstica das estrelas. Sua atuao no teatro portugus continuava intensa. Trabalhou, tambm, com a famosa atriz Corina Freire e atuou nas revistas A Bola; Pato Marreco; O Mexilho; Pirilau. Em 1936, estrelou a pea Arre Burro, com grande sucesso. Em 1939, Beatriz Costa retornou pela terceira vez ao Brasil, dessa vez para uma temporada que se prolongou por 10 anos, a qual considerou os melhores anos da sua vida. Trabalhou durante muito tempo no Cassino da Urca, no Rio de Janeiro. Considerada uma sedutora de plateias, Beatriz Costa divertiu o pblico carioca e se firmou como uma profissional da alegria, como ela mesma se intitulou em livro autobiogrfico: Nunca gostei de contar a minha vida a estranhos mais do que isso um livro de verdades duras, que conta muito do que se tem passado comigo, para l da cortina de seda Profissional de alegrias... natural que no me detenha em episdios dramticos. Do alto de seu 1,53 m de altura, a vedete dos dois pases somou o amor do pblico portugus ao do brasileiro e construiu uma trajetria digna de respeito. Morreu aos 88 anos, em 15 de abril de 1996, em Lisboa. MARY DANIEL Vedete por Convenincia Maria Irma Lopes Daniel nasceu em 20 de julho de 1911. Era argentina, da cidade de Salta. De tradicional famlia circense, estreou no Circo Ventura, de propriedade de seus pais. Tinha apenas seis anos de idade e cantava acompanhada por um violino, tocado por seu irmo. J mocinha, passou a se arriscar em nmeros de trapzio, a grande especialidade da famlia Lopes. Mesmo morrendo de medo, fazia um difcil nmero, o passeio areo. No gostava, preferia cantar e danar no cho mesmo, onde no corria nenhum perigo. E foi tambm no circo que estreou como atriz. Fazia pequenos papis nas representaes dramticas, que aconteciam na segunda parte do espetculo. Representava tradicionais melodramas circenses como Honrars tua Me, o espetculo em que estreou o comediante Oscarito. Com o fechamento do Circo Ventura, Maria Irma e a irm Alba mudaram-se para a Europa. L aprenderam bailados tpicos, ginstica, bal clssico e acrobacia, com professores famosos. Dominadas as tcnicas, as irms estrearam na Frana, em teatros e palcos de cinema. Depois, seguiram para Itlia e Espanha, onde j foram apresentadas como atrao principal do GranTeatro, em Madri. O que as diferenciava era que no executavam s giros e saltosmortais, mas tambm faziam nmeros com comicidade. O sucesso da dupla era enorme. Mary, alm das acrobacias, tambm fazia nmeros de bailado, tpicos, como a clssica zarzuela espanhola.

No Brasil, Mary & Alba estrearam no cineteatro Roxy, no centro do Rio de Janeiro, na companhia dos comediantes Gensio Arruda e Tom Bill. Mas foi com Jardel Jrcolis que a dupla ganhou os palcos brasileiros. Contratadas pelo empresrio, as irms estrearam, no Teatro Carlos Gomes, no incio da dcada de 1930. Mary era uma jovem, beirando os vinte anos. No elenco da Cia. Grandes Espetculos Modernos, de Jardel, a dupla era apresentada como legtimas vedetes espanholas. O xito foi tanto que o nome da dupla subiu para primeiro plano nos programas das peas, acima de toda a companhia, composta por artistas consagrados como Aracy Crtes, Slvio Caldas, Olga Navarro e Ldia Silva. Mary tambm comeou a representar em nmeros de cortinas e esquetes cmicos. Surgia, discretamente, uma vedete. Era uma mulher de beleza rara. Loura, dona de olhos verdes cor de esmeralda, postura impecvel, resultado do trabalho como acrobata. Das revistas em que atuou, destacam-se Angu de Caroo (1932), Traz a Nota! (1933), Al... Al... Rio? (1934) e o sucesso Goal! (1935), de NestorTangerini. No ano de 1935, casou-se com Juan Daniel, na Espanha. Juan era atrao da companhia, cantando tangos. A famlia da moa foi contra e a paz familiar s veio depois do nascimento do primognito, Daniel Filho. Mary ficou na Cia. de Jardel Jrcolis at o incio da dcada de 1940. Depois montou uma companhia com o marido (ele cantando tangos e boleros), para se apresentar em cassinos. Aps a proibio dos cassinos (1946), milhares de artistas ficaram desempregados, e a classe mdio-burguesa ficou sem divertimento. Foi quando Juan e Mary levaram o teatro de revista para a zona sul do Rio de Janeiro, mais precisamente para Copacabana. Em 1949, inauguraram o Teatro Follies, com a revista J vi Tudo!. Era um teatrinho pequeno, do tipo teatro de bolso, pois Juan no tinha muito dinheiro. Foi quando Mary se lanou como autora de revistas, sob o pseudnimo de Alberto Flores. que Mary gostava mesmo era de escrever, uma paixo velada desde os tempos de menina. Ela entendia a lgica revisteira. Suas peas fizeram muito sucesso, com elenco reduzido, mas extremamente selecionado. Conseguiu juntar no palco Elvira Pag e Luz del Fuego, que resultou numa exploso de bilheteria. Tambm alou ao estrelato Zaquia Jorge que, inspirada no Follies, abriria seu prprio teatro em Madureira. Da necessidade nasceu a estrela: quando alguma artista faltava, ou deixava a companhia antes do trmino da temporada, l estava Mary, para substitu-la. Seu esprito empresarial sabia o quanto era importante se envolver de corpo e alma na companhia. E aos poucos, foi se consolidando como vedete. Entre os sucessos do Follies, esto: A Verdade Nua (1952); Boa-noite, Rio! (1950); O Que Que o BikiniTem? (1953); Rei, sim! (1951); Eva no Paraso (1950) e Tira a Mo da (1952). Com o fim do Follies, em meados de 1950, o casal continuou com companhia prpria, no mesmo esquema. Um dos ltimos grandes sucessos no gnero foi O Negcio Bitebite, em 1961. Com o desaparecimento do teatro de revista, Mary se recolheu das atividades artsticas, fez algumas aparies na televiso, como na novela Fogo sobre Terra (1974), na Rede Globo. Atualmente vive no Rio de Janeiro. Recentemente sua trajetria como autora de revistas foi tema de um doutorado. Vive cercada do carinho dos filhos Cludia e Daniel. Completar, em 2011, 100 bem vividos anos. Em entrevista especial para este livro, quando perguntamos para Mary qual das funes ela mais gostava de exercer, entre ser acrobata, escritora, bailarina, atriz, vedete, diretora ou empresria, ela prontamente respondeu:

Espectadora! Ela assistiu de camarote s suas vitrias artsticas. E sobre ser vedete por convenincia, explica: Olha, no tinha ningum pra fazer a vedete na pea? Ento eu fazia, e pronto. Resolvia tudo assim, rpido! Pedia a fantasia e saia em cena. Sempre agradei. Eles (o pblico) gostavam, e como gostavam... Eu era vedete s por fora, por dentro no... ISA RODRIGUES A Shirley Temple Brasileira A menina de ouro... Elisa Rodrigues nasceu, em So Paulo, no dia 17 de Julho de 1927. Seus pais eram os atores Alzira e Benito Rodrigues. Isa, como j era chamada desde pequena, cresceu no ambiente teatral e foi incentivada pela prpria me. Sua estreia deu-se em Santos, na companhia de Nino Nello e Tom Bill, com um espetculo de variedades intitulado O Team da Gargalhada. Isa tinha 8 anos, mas cantou e danou como gente grande. A menina agradou tanto que passou a integrar o elenco da companhia, que viajava pelo Estado de So Paulo. A menina era to boa que passou a ser anunciada como a grande atrao. Apresentavase cantando e danando samba e maxixe. Em 1936, com nove anos de idade, j conhecida pelo pblico paulista e tambm em outros Estados. A famlia, ento, mudouse para o Rio de Janeiro. A menina foi chamada a se apresentar em um show noTeatro Repblica (RJ), em homenagem vedete chilena Eva Stachino, que se despedia do Brasil. No dia do grande espetculo, estavam na plateia Carmen Miranda, Francisco Alves, Orlando Silva, Oscarito, Aracy Crtes e Slvio Caldas. A menina cantou e danou com tal desembarao e graciosidade que foi considerada o maior sucesso da noite. Lus Iglsias, props um contrato com a menina, para estrear na sua prxima revista, no Recreio. O pai Benito recusou, pois estava negociando com outra companhia. Iglsias no quis nem saber o fim da histria. Cobriu a oferta e ainda contratou, de quebra, os pais. Nascia a Shirley Temple brasileira. Sua estreia aconteceu na revista Batatal!, ao lado de gigantes como Oscarito, Aracy Crtes e Eva Todor. Ela fez um dueto histrico com Oscarito, cantando No Tabuleiro da Baiana, na poca, recm-gravada por Carmen Miranda. O jogo de cena entre Oscarito e Isa era impagvel. A crtica consagrou o surgimento da nova estrela. A pequena Isa foi capa da tradicional Revista de Theatro, vestida de baiana. Embaixo de sua fotografia, estavam estampados os seguintes dizeres: Isa Rodrigues, a vedeta de 1937. E durante os anos seguintes ela explodiu em popularidade. Era como se fosse uma minirreproduo das grandes vedetes da Praa Tiradentes. Exmia sapateadora, pode-se dizer que foi a primeira criana prodgio na cena teatral brasileira. Com o fim das apresentaes de Batatal!, o Recreio lanou O Palhao o Que ?, e logo depois Mame eu Quero e Rumo ao Catete; Isa estava nestes elencos, repetindo o xito. A Menina de Ouro foi uma revista escrita especialmente para ela. Estreou no Recreio, em 1937, escrita por Freire Jr. e J. Cabral. A produo apresentava-a como a menor vedete dos palcos brasileiros e, com certeza, dos teatros do mundo. A pea contava a histria da americana Shirley Temple que decide tirar umas frias no sul da Califrnia. Para despistar os fs e a imprensa, forja uma visita ao Brasil, contratando uma ssia brasileira que, se passando pela atriz, comparece a todos os eventos, atuando em cinema e teatro, enganando a todos. Mas a farsa dura pouco tempo: descoberta e levada a julgamento. Na hora do veredicto, o clmax da pea, Isa tinha uma grande cena dramtica, que emocionava todas as noites.

Entre 1937 e 1941, a nossa ShirleyTemple reinou absoluta na PraaTiradentes. Seu sucesso era enorme. Havia uma mutido se amassando para ver a estrelinha. Em 1939, depois de excursionar pelo Pas, Isa perdeu a maior oportunidade de sua vida: uma proposta para filmar em Hollywood, ao lado da prpria Shirley Temple, feita por dois representantes da MGM na Amrica Latina. O pai Benito recusou, pois tinha acabado de renovar com a Cia. Manoel Pinto. Em 1941, Isa tentou interromper sua carreira para estudar, mas voltou para ajudar as finanas dos pais que dependiam dela. Ela havia crescido no palco. Em 1950 casou-se com o ator Carlos Mello, pai de seu nico fi lho, Carlos Alberto.Tornou-se uma atriz verstil que havia passado com desenvoltura do teatro de revista para a comdia. Em 1953, aos 26 anos, Isa retornou revista em Mulheres deTodo o Mundo, no Teatro Carlos Gomes, ao lado da amiga desde os tempos do Recreio, Dercy Gonalves. A exmenina-prodgio e revelao na comdia, pela primeira vez, veste mai e bota as pernas de fora. O pblico e a crtica adoraram. Com Dercy Gonalves ainda atuaria em Bomba da Paz, no Joo Caetano. Agora como vedete passou por muitas companhias. Em 1955, foi elevada ao estrelato como vedete na temporada paulista com Col, noTeatroAlumnio. Encabeou o elenco de Gostei Demais... e Gente Bem & Champanhota, onde substitui Nlia Paula. Aproveitou a estada em So Paulo para fi lmar seu primeiro longa-metragem, Eva no Brasil. Estrelou algumas outras revistas como Te Futuco... num Futuca (1959) e