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OLHARES PLURAIS – Revista Eletrônica Multidisciplinar, Vol. 1, Núm. 1, Ano 2009 ISSN 2176-9249 32 OLHARES PLURAIS TRABALHO INFANTIL: aspectos sociais, históricos e legais Sofia Vilela de Moraes e Silva 1 RESUMO Este estudo busca analisar o trabalho infantil sob a perspectiva histórica, social e legal. Inicialmente, há um esboço histórico sobre o trabalho infanto-juvenil no mundo e no Brasil, perpassando sobre as inovações legislativas relacionadas ao assunto. No intuito de delimitar o problema, para justificar a necessidade de interferência estatal, são expostos dados atualizados concernentes aos índices do labor precoce em âmbito internacional e nacional. Por fim, infere- se que a erradicação dessa anomalia social só poderá ocorrer com mudanças profundas na sociedade, que vão desde transformações econômicas, a modificações na mentalidade da nação. Palavras-chave: Criança. Trabalho Infantil. Desigualdades. 1. INTRODUÇÃO Como resultado da Revolução Industrial, quando crianças e adolescentes foram incessantemente explorados aos olhos cegos do mundo, iniciou-se um processo de indignação e, consequentemente, prevenção e combate ao trabalho infantil por diversos países europeus. Contudo, somente após a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT -, em 1919, as medidas de proteção ao trabalho infanto-juvenil ganharam uma maior relevância, ensejando uma nova mentalidade no trato desse tema. Para se ter uma idéia da amplitude e da influência dos organismos internacionais no amparo aos menores, os princípios estabelecidos na Constituição brasileira de 1988 estão harmonizados com as atuais disposições das Convenções nºs. 138 e 182, da Organização Internacional do Trabalho. De acordo com a legislação nacional, trabalho infantil é aquele exercido por qualquer pessoa abaixo de 16 anos de idade; contudo, é permitido o trabalho a partir dos 14 anos de idade, desde que na condição de aprendiz. Aos adolescentes de 16 a 18 anos está proibida a realização de trabalhos em atividades insalubres, perigosas ou penosas; de trabalho noturno; de trabalhos que envolvam cargas 1 Advogada. Graduada em Direito pela UFAL e em Admistração com Habilitação em Comércio Exterior. Mestranda em Direito pela UFAL.

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32 OLHARES PLURAIS

TRABALHO INFANTIL:

aspectos sociais, históricos e legais

Sofia Vilela de Moraes e Silva1

RESUMO Este estudo busca analisar o trabalho infantil sob a perspectiva histórica, social e legal. Inicialmente, há um esboço histórico sobre o trabalho infanto-juvenil no mundo e no Brasil, perpassando sobre as inovações legislativas relacionadas ao assunto. No intuito de delimitar o problema, para justificar a necessidade de interferência estatal, são expostos dados atualizados concernentes aos índices do labor precoce em âmbito internacional e nacional. Por fim, infere-se que a erradicação dessa anomalia social só poderá ocorrer com mudanças profundas na sociedade, que vão desde transformações econômicas, a modificações na mentalidade da nação. Palavras-chave: Criança. Trabalho Infantil. Desigualdades.

1. INTRODUÇÃO

Como resultado da Revolução Industrial, quando crianças e adolescentes foram

incessantemente explorados aos olhos cegos do mundo, iniciou-se um processo de indignação

e, consequentemente, prevenção e combate ao trabalho infantil por diversos países europeus.

Contudo, somente após a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT -,

em 1919, as medidas de proteção ao trabalho infanto-juvenil ganharam uma maior relevância,

ensejando uma nova mentalidade no trato desse tema.

Para se ter uma idéia da amplitude e da influência dos organismos internacionais no

amparo aos menores, os princípios estabelecidos na Constituição brasileira de 1988 estão

harmonizados com as atuais disposições das Convenções nºs. 138 e 182, da Organização

Internacional do Trabalho.

De acordo com a legislação nacional, trabalho infantil é aquele exercido por qualquer

pessoa abaixo de 16 anos de idade; contudo, é permitido o trabalho a partir dos 14 anos de

idade, desde que na condição de aprendiz.

Aos adolescentes de 16 a 18 anos está proibida a realização de trabalhos em atividades

insalubres, perigosas ou penosas; de trabalho noturno; de trabalhos que envolvam cargas

1 Advogada. Graduada em Direito pela UFAL e em Admistração com Habilitação em Comércio Exterior. Mestranda em Direito pela UFAL.

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pesadas, jornadas longas; e, ainda, de trabalhos em locais ou serviços que lhes prejudiquem o

bom desenvolvimento psíquico, moral e social.

Em 2002, o número de crianças e adolescentes brasileiras trabalhando na faixa etária

de 5 a 15 anos foi estimado em 2.988.294. No Estado de Alagoas, no mesmo ano, dos

730.334 alagoanos na faixa etária mencionada, 74.500 eram trabalhadores infantis (BRASIL,

2005, p. 15 e 55).

Dessa forma, com o histórico de explorações e índices exacerbados, a mera existência

de leis avançadas não foi suficiente para conter esse malefício à sociedade, constatando-se,

destarte, a necessidade de implantação de ações eficazes para eliminação ao trabalho infantil.

2. HISTÓRIA DO TRABALHO INFANTIL

Excluindo a época pré-histórica, quando não havia uma divisão de classes, mas sim

divisões de tarefas para fins de subsistência do grupo, nos demais períodos históricos, para se

entender a origem, desenvolvimento e permanência do trabalho da criança e do adolescente,

tem-se, primeiramente, que compreender que há, ao menos, dois tipos de infância: a dos filhos

das famílias reais, dos nobres e da alta burguesia e a dos filhos dos escravos, dos camponeses

e dos pequenos comerciantes.

Dessa forma, ao longo do desenvolvimento das sociedades, a realidade do trabalho

infantil só foi vivenciada pelas crianças oriundas da classe excluída das decisões políticas, da

distribuição de renda, das manifestações culturais, enfim, da condição de cidadã.

Na verdade, verifica-se que a exclusão social desses menores e de suas famílias,

ensejou, ao mesmo tempo, a inclusão prematura na atividade laboral.

2.1 O Trabalho Infantil no Mundo

2.1.1 Origens do Trabalho Infanto-Juvenil

Na Antiguidade, quando prevaleciam as famílias patriarcais, o homem mais velho

mantinha poder absoluto sobre os demais membros do núcleo familiar. Durante a menoridade,

os filhos não eram considerados sujeitos de direito, mas servos da autoridade paterna.

O Código de Hamurabi, desenvolvido pelos Babilônicos, por volta de dois mil anos

antes de Cristo, representa nitidamente o poder paternal. O art. 14º, do referido Código,

dispunha que “se alguém rouba o filho impúbere de outro, ele é morto”. Dessa maneira,

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diferentemente de como pensa alguns autores, não há uma proteção à criança, mas sim ao

próprio patriarca, o qual não poderia perder uma de suas propriedades.

Na Grécia antiga, especificamente em Esparta, a criança era objeto do Estado. A

educação era totalmente voltada para a formação de guerreiros. A partir dos sete anos de

idade já recebiam instrução física, para serem aproveitados como futuros soldados. Após os

nascimentos, havia uma seleção, aqueles que possuíam algum defeito físico eram jogados nos

penhascos (AZAMBUJA, 2004, p. 23).

Também na Roma antiga, para os filhos dos patrícios, houve uma educação voltada à

guerra. Nesse período, como ocorria na Grécia, os filhos dos escravos eram propriedades dos

senhores, sendo obrigados a trabalhar para eles ou para terceiros, como forma de pagamento

de dívidas.

Assim, exceto os filhos de escravos e os de famílias nobres, nas civilizações

primitivas, o trabalho do menor era voltado para um sistema de produção familiar, passando

os ensinamentos artesanais de pai para filho.

Já no período Medieval, o trabalho artesanal se ampliou com o surgimento das

Corporações de Ofício. Nestas, o proprietário era um mestre-artesão, o qual trabalhava

juntamente com oficiais e aprendizes. Enquanto aqueles recebiam salários, estes, geralmente

adolescentes, laboravam em troca de comida e casa.

Esclarece-se que na sociedade feudal, onde as relações de vassalagem eram

predominantes, o servos e os seus filhos estavam presos à terra, sendo obrigados a

trabalharem na propriedade de um senhor feudal e pagarem-lhe impostos pelo uso do solo.

Contudo, o ápice, não só do trabalho infantil, mas da atividade laboral em todas as

classes, gêneros e raças, ganhou força e proporção com a Revolução Industrial e a

estruturação do regime econômico capitalista.

2.1.2 A Revolução Industrial

Com a descoberta do vapor no século XVIII, na Inglaterra, deu-se início a uma radical

modificação no processo de produção, ocasionando a extinção das corporações de ofício e

dando origem a industrialização.

A Revolução Industrial, como foi denominado esse período, foi incisiva para a

inserção do menor no trabalho fora da seara familiar e artesanal. O seu labor passou a ser

utilizado em larga escala, sem ser levada em conta qualquer diferenciação em relação à

execução do trabalho ou à duração diária da jornada.

Acerca dessa época, Marx (1982, p. 90) narra que:

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O emprego das máquinas torna supérflua a força muscular e torna-se meio de emprego para operários sem força muscular, ou com um desenvolvimento físico não pleno, mas com uma grande flexibilidade. Façamos trabalhar mulheres e crianças! Eis a solução que pregava o capital quando começou a utilizar-se das máquinas. [...] O trabalho forçado em proveito do capital substituiu os brinquedos da infância e mesmo o trabalho livre, que o operário fazia para a sua família no círculo doméstico e nos limites de uma moralidade sã.

Desse modo, com a jornada ampliada, tendo em vista que as máquinas possibilitam a

prolongação do tempo em face do limite natural, e com a precarização dos salários, o chefe da

família, com somente sua força de trabalho, não mais conseguia prover o sustento de sua

mulher e filhos, sendo, pois, necessário o labor de todos os membros, a fim de que se pudesse

alcançar o mínimo de subsistência.

A exploração dos grandes industriais aos obreiros não tinha limites, porque não havia

violação à norma jurídica, ou mesmo, a preceito moral. Na época, vigorava a corrente política

do liberalismo clássico, a qual combatia a intervenção estatal, propagando a idéia de auto-

regulação da economia de mercado e defendendo a liberdade contratual, a iniciativa privada e

a propriedade.

Sendo assim, o abuso dos patrões era justificado pelos próprios ditames axiológicos

enraizados na sociedade européia.

A falta de regulamentação, unida com busca enlouquecida pelo lucro, ocasionou uma

degradação física e mental nas crianças da época. Os trabalhos eram realizados em ambientes

insalubres, perigosos, ensejando diversos acidentes de trabalho e doenças relacionadas com a

atividade exercida. Era frequente nas fábricas ocorrerem mutilações, envenenamentos com

produtos químicos, deficiências pulmonares, dores na coluna. Esses problemas atingiram

diretamente a integridade física dos pequenos operários.

Uma das consequências do ataque insano e constante aos menores foi a elevadíssima

taxa de mortalidade infantil do período. Segundo pesquisa médico-oficial de 1861, na

Inglaterra havia 16 distritos que, de 100.000 crianças, faleciam 9.000 por ano (MARX, 1982,

p. 92).

Além do prejuízo físico, as crianças e adolescentes sofreram um enorme prejuízo

intelectual, eis que, por passarem boa parte do dia nas fábricas, chegando a jornadas de 14

horas diárias, não lhes eram oportunizada a educação escolar.

Em 1844, uma pesquisa em 412 fábricas de Lancashire, distrito da Inglaterra,

constatou que 52% dos trabalhadores eram mulheres e crianças (NASCIMENTO, 2003, p.

26). A contratação desses tipos de obreiros era extremamente lucrativa, haja vista que, além

de receberem salários menores do que dos homens adultos, segundo os industriais, eram mais

adaptados à disciplina do sistema fabril.

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Esse clima de opressão, brutalidade, omissão estatal e ausência de regulamentação

jurídica proporcionou diversas revoltas operárias, dentre as quais, a partir de 1830, destaca-se

o Movimento Cartista, organizado pela Associação dos Operários, o qual pleiteava direitos

políticos e melhores condições de trabalho, tornando-se a primeira base popular de combate à

exploração infantil.

Portanto, em meio a esse quadro de decomposição da vida dos menores e, ao mesmo

tempo, pressão social, o Estado não mais pode abster-se em interferir nas relações

trabalhistas, dando início à regulamentação jurídica.

2.1.3 Legislação Internacional

A Inglaterra, berço da Revolução Industrial e foco da exploração infanto-juvenil, foi o

primeiro país a redigir normas de proteção ao trabalho dos menores.

A primeira legislação de amparo aos trabalhadores foi a Lei de Peel, em 1802, assim

denominada em homenagem ao seu idealizador, o industrial Robert Peel, que expediu um

manifesto chamado “Ato da Moral e da Saúde”, no mesmo ano. O seu objetivo era proteger as

crianças das explorações incrustadas no mundo capitalista.

Os principais avanços dessa lei para as crianças e os adolescentes foram: limitação da

jornada de trabalho para 12h diárias; vedação do trabalho após as 21h e antes das 06h;

instrução obrigatória durante os primeiros anos de aprendizagem; e higienização do local de

trabalho (NASCIMENTO, 2004, p. 38).

Em 1819, Robert Peel juntamente com Robert Owen, industrial socialista,

conseguiram aprovar uma nova lei que proibiu o emprego de menores de 9 anos de idade nas

fábricas, bem como limitou o trabalho de jovens menores de 16 anos a 12 horas diárias nas

atividades algodoeeiras.

Outra Lei relevante surgiu em 1833, sob pressão da Comissão de Sadler –, formada

para sindicar as condições de trabalho oferecidas nas indústrias. Manteve-se, com essa norma,

a vedação ao trabalho de menores de 9 anos, restringindo para 9 horas a jornada de trabalho

para os menores de 13 anos e para 12 horas aos menores de 18 anos. Ademais, foi impedido o

trabalho noturno.

Para fechar o ciclo das leis de proteção à juventude, em 1842, foi proibido o labor

subterrâneo aos menores.

Não só na Inglaterra, mas também na França, a partir de 1813, e na Alemanha, por

volta de 1839, expediram-se normas de amparo aos pequenos trabalhadores, aumentando a

idade para o trabalho e reduzindo as jornadas diárias.

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No entanto, somente com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) a

preocupação com trabalho infantil tornou-se prioridade, ampliando a discussão para todo o

mundo.

2.1.4 Organização Internacional do Trabalho

Após o término da Primeira Guerra Mundial, em Paris, no ano de 1919, realizou-se a

Conferência da Paz, que ensejou a criação de uma comissão, formada por representantes de

governos, empregadores e trabalhadores, para estudo e elaboração de propostas para uma

legislação internacional do trabalho.

A comissão criou uma Carta do Trabalho que continha nove princípios orientadores da

política internacional para as relações trabalhistas, dentre eles estava a abolição do trabalho

infantil. Todas as orientações elaboradas pela comissão serviram de base para o Tratado de

Versalhes, o qual deu existência a Organização Internacional do Trabalho – OIT -, em 1919

(NASCIMENTO, 2003, p. 37).

A necessidade de criação de um organismo internacional para as questões trabalhistas

fundamentou-se em argumentos: humanitários - condições injustas e degradantes de muitos

obreiros; políticos – meio de evitar conflitos sociais que ameaçem a paz; e econômicos –

igualdade de condições humanas de trabalho a nivel internacional, no intuito de que a

concorrência global não seja um obstáculo para conquistas trabalhistas em todos os países do

mundo.

A OIT, desde 1946, é uma das agências especializadas da Organização das Nações

Unidas (ONU), com sede em Genebra, tendo uma rede de escritórios em todo os continentes.

O seu objetivo geral é reivindicar melhorias nas condições de trabalho no mundo,

visando à proteção dos trabalhadores. A luta contra o trabalho infantil é uma das prioridades

da OIT, haja vista compreender que esse tipo de labor, além de não de ser digno e não

contribuir para redução da pobreza, tira das crianças os seus direitos à saúde, à educação, e à

sua própria vida enquanto crianças.

No intuito de combater mais efetivamente a exploração do trabalho infanto-juvenil, em

1992, a OIT inaugurou o Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil

(IPEC), o qual se tornou o maior programa mundial de cooperação técnica contra o trabalho

infantil, buscando estimular, orientar e apoiar iniciativas nacionais na elaboração de políticas

e ações que eliminem a exploração da criança.

Esse programa foi implantado no Brasil, em 1992, e já acompanhou mais de 100

projetos em território nacional. Após 10 anos de funcionamento, com a ajuda do IPEC, cerca

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de 800.000 crianças foram retiradas do Trabalho no Brasil2

. Atualmente, no que concerne ao

Estado de Alagoas, esse programa vem atuando no município de Arapiraca, nas áreas do fumo

e do trabalho doméstico.

2.1.4.1 Convenções da OIT

Além da cooperação técnica para desenvolver projetos, a OIT tem mais duas formas

de atuação: a produção e divulgação de informação e a elaboração de instrumentos

normativos, como convenções e recomendações sobre o trabalho.

As Convenções Internacionais são instrumentos de cumprimento obrigatório pelos

países que assumem o compromisso de fazer valer suas determinações. Desde o ano de sua

criação, 1919, a OIT vem elaborando Convenções para coibir o trabalho infantil.

A primeira delas – Convenção n. 05 - proibiu o trabalho de menores de 14 em

indústrias, públicas ou privadas, ou em suas dependências; já a segunda – Convenção n. 06 -

vedou o trabalho noturno aos menores de 18 anos. Durante os anos de 1919 a 1965, foram

aprovadas Convenções versando sobre a idade mínima para o trabalho nos diversos setores da

economia, quais sejam: indústria, trabalho marítimo, agricultura, estivadores e foguistas,

emprego não industrial, pescadores e trabalho subterrâneo (NASCIMENTO, 2004, p. 912).

No entanto, somente com a Convenção n. 138, de 1973, houve um posicionamento

unificado a respeito da idade mínima de admissão ao emprego. É uma norma flexível, que não

fecha os olhos aos diferentes níveis de desenvolvimento socioeconômico dos países-membros

da OIT.

No seu art. 1º, prevê que um país, ao ratificar a Convenção, deve assegurar a efetiva

abolição do trabalho infantil, buscando elevar, progressivamente, a idade mínima de admissão

a emprego ou a trabalho a um nível apropriado ao pleno desenvolvimento físico e mental do

jovem.

Essa Convenção determina, no geral, que a idade mínima “não será inferior à idade de

conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos”.

Todavia, permite, no caso de países insuficientemente desenvolvidos na área econômica e

educacional, uma idade mínima de quatorze anos.

Em relação aos trabalhos perigosos, ou seja, aqueles que, por sua natureza ou

circunstâncias em que for executado, possam prejudicar a saúde, a segurança e a moral do

jovem, a Convenção veda-os aos menores de 18 anos.

2 Informação disponível no site: < http://www.oitbrasil.org.br/ipec/ipec/historico.php>. Acesso em: 10 out.2006.

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No intuito de minudenciar o tema e estabelecer orientações para a política e ação

nacional, também no ano de 1973, foi instituída a Recomendação n.146 da OIT.

Os textos da Convenção e da Recomendação foram aprovados por meio do Decreto

Legislativo de 14 de dezembro de 1999; contudo, somente entraram em vigor, no Brasil, em

28 de junho de 2002, um ano após sua ratificação.

Em 16 de junho de 1999, foi aprovada a Convenção n. 182, a qual dispõe sobre as

piores formas de trabalho infantil. Manteve-se o objetivo da erradicação total do trabalho

precoce; contudo, enquanto isso não ocorre, ficou estabelecido que os países devem

concentrar os esforços para eliminar, imediatamente e eficazmente, as seguintes situações:

a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívida e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados: b) a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas; c) a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais como definidos nos tratados internacionais pertinentes; e d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições em que é realizado, e suscetível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moral das crianças.

Acerca do trabalho perigoso, contido no item “d”, a Recomendação n. 190, de 1999,

cita alguns exemplos a serem considerados na caracterização desse tipo de trabalho como:

abusos de ordem física, psicológica ou sexual; trabalhos subterrâneos, embaixo d’água, em

alturas perigosas ou em lugares confinados; trabalhos que requerem o uso de máquinas,

equipamentos e ferramentas perigosas, ou que impliquem a manipulação ou transporte manual

de carga pesadas; trabalhos realizados em ambiente insalubre; e trabalhos que sejam

executados em condições extremamente difíceis, como horários prolongados ou noturnos, ou

trabalhos que impeçam o regresso diário da criança.

A Convenção n. 182 e a Recomendação n. 190 tiveram seus textos aprovados em

território nacional, por meio do Decreto n. 178, de 14 de dezembro de 1999, sendo ratificadas

pelo Brasil, em 02 de fevereiro de 2000.

2.1.5 Teoria da Proteção Integral

Em 1924, foi aprovada, pela Assembléia da Liga das Nações, a Declaração de Genebra

dos Direitos da Criança, o primeiro instrumento internacional de proteção aos menores.

Contudo, por não possuir força vinculativa aos Estados, não conseguiu lograr amplo

reconhecimento pelos países (SOUZA, 2001, p. 58).

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Apenas com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, aprovada pela

Assembléia Geral das Nações Unidas, verifica-se a evolução na percepção sobre a proteção à

criança.

Visando a evitar outro combate nas proporções da II Guerra Mundial e tomando como

alicerce os ideais da Revolução Francesa, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, já

em seu preâmbulo, parte da premissa que somente com o reconhecimento da dignidade de

todas as pessoas, alcançar-se-á a liberdade, a justiça e a paz no mundo.

No seu art. 25, §2, estabelece que “a maternidade e a infância têm direito a cuidados e

assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora de matrimônio, gozarão da

mesma proteção social”. Portanto, determina, universalmente, que o menor deve ter amparo e

cuidados especiais, em face das peculiaridades físicas e psicológicas em que vive.

O arcabouço valorativo construído pela Declaração Universal dos Homens serviu de

fundamento para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959, que

deu o passo inicial para a fixação da doutrina da Proteção Integral da Criança, a qual prega,

em síntese, o interesse superior da criança.

Elencando dez princípios norteadores da infância, a Declaração Universal dos Direitos

da Criança traz uma nova visão sobre a temática em foco, conferindo, aos pequenos, direitos

próprios, que, inclusive, devem ser respeitados pelos pais.

A criança não mais é vista como extensão do núcleo familiar, mas sim como sujeito de

direitos, merecendo, pois, proteção especial, consoante determina o Princípio Segundo da

Declaração, in verbis:

A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição de leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.

Sendo assim, a Teoria da Proteção Integral da Criança afirma que os menores possuem

os mesmos direitos dos adultos; contudo, devido à sua condição de hipossuficiência e

vulnerabilidade, fazem jus a uma proteção especial e prioritária.

Essa teoria ganha força e plena aceitação com a aprovação da Convenção

Internacional sobre os Direitos da Criança, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20

de novembro de 1989.

A Convenção sobre os Direitos da Criança é o instrumento normativo internacional de

direitos humanos mais aceito na história da humanidade. Foi ratificado por 192 países.

Apenas os Estados Unidos e a Somália não ratificaram a Convenção.

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Em seu artigo 3°, a Convenção deixa expressa que todas as ações relativas às crianças3

Para uma maior compreensão dessa doutrina, a qual revolucionou a base filosófica

para construção das normas jurídicas em torno da criança, vejamos a formulação de Souza

(2001, p. 75-76) sobre o assunto:

devem levar em conta, primordialmente, seu melhor interesse. Dessa maneira, e estabelecendo

princípios de amparo à infância, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança

abarcou a Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas para a criança.

Percebe-se, pois, que proteger de forma integral é dar atenção diferenciada à criança, rompendo com a igualdade puramente formal para estabelecer um sistema que se incline na busca pela igualdade material, por meio de um tratamento desigual, privilegiando, à criança, assegurando-lhes a satisfação de suas necessidades básicas, tendo em vista sua especial condição de pessoa em desenvolvimento.

Destarte, após séculos de esquecimento e desamparo com os menores, a Declaração

Universal dos Direitos dos Homens e a Declaração Universal dos Direitos das Crianças

reconheceram os direitos capazes de assegurar vida digna e o pleno desenvolvimento às

crianças.

2.2 TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

No mesmo viés da história mundial, no Brasil, a valorização da criança e do

adolescente está intimamente relacionada à classe social que ocupa. Dessa forma, a origem do

trabalho infanto-juvenil em solo brasileiro, estabelece-se alicerçado em um pensamento de

segregação, o qual se mostra mais visível, quando verificada a evolução legislativa sobre o

tema.

Antes da famosa Lei Áurea, não existia qualquer norma protetora ao trabalho do

menor, até porque, numa economia basicamente agrícola, a mão-de-obra utilizada era escrava,

ou seja, desprovida de escolha, desamparada pelo Direito.

As crianças negras, como seus pais, não passavam de um objeto, propriedade de seu

dono. Sendo assim, trabalhavam como se adultos fossem.

Com o Decreto nº 1.331-A, de 1854, foi instituído o ensino obrigatório; contudo, em o

seu art. 69, havia a determinação de que “não serão admitidos, nem poderão frequentar a

escola: os meninos que padecerem moléstias contagiosas; os que não tiverem sido vacinados,

e os escravos”. Obviamente, essas restrições abarcavam as crianças que não tinham acesso à 3 “Art.1 Para efeitos da presente convenção considera-se como criança todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”.

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saúde, oriundas de famílias pobres. Portanto, desde o início, a dificuldade à acessibilidade ao

sistema educacional e, consequentemente, à qualificação como profissionais contribuíram

para obstar a ascensão social das camadas mais baixas.

Logo após a abolição da escravatura, vigorou o Decreto nº 1.313, de 17 de janeiro de

1891, o qual consagrava os seguintes direitos às crianças: a) proibição do trabalho aos

menores de 12 anos em fábricas de tecido, salvo na condição de aprendiz – eram considerados

aprendizes crianças de 8 a 12 anos; b) limitação da duração da jornada de trabalho para 7h

diárias no caso menores do sexo feminino com idade entre 12 e 15 anos e, no caso do sexo

masculino, com faixa etária entre 7 e 14 anos. Para os menores com faixa etária entre 14 a 15

anos, do sexo masculino, a jornada foi fixada em 9h diária; c) proibição a ambos os sexos,

com até 15 anos, do trabalho aos domingos, feriados e em horário noturno; d) proibição ao

trabalho do menor em ambientes perigosos à saúde (NASCIMENTO, 2003, p. 55).

Contudo, o descumprimento da legislação era rotineiro, tendo em vista que as

indústrias e a agricultura continuavam a utilizar mão de obra infantil. O fato da maioria das

crianças pobres e filhos de imigrantes – os quais substituíram o trabalho escravo – não

possuírem certidão de nascimento, contribuía, ainda mais, para o trabalho de menores de 12

anos nas fábricas.

Na verdade, a exploração do trabalho infanto-juvenil, na época, era escancarada,

ocorrendo nos mesmos moldes da Revolução Industrial: ambientes insalubres, crianças mal

alimentadas e analfabetas, jornada de trabalho excessiva e frequentes acidentes de trabalho.

Em meio a pressões sociais, principalmente as lutas do proletariado nascente, bem

como a necessidade estatal de regulamentar a situação dos menores abandonados, foi criado,

em 1923, o Juizado de Menores, culminando, em 1927, com a publicação do Decreto nº.

17.943 de 12/10/1927, Código de Menores, considerado o primeiro diploma legal de proteção

às crianças e aos adolescentes da América Latina.

O Código Mello Matos, como foi popularmente conhecido em homenagem ao

primeiro Juiz de Menores, estabelecia no seu art. 1º que “o menor, de um ou outro sexo,

abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela

autoridade competente às medidas de assistência e proteção contidas neste Código”.

Portanto, o Código de 1927, longe de criar um arcabouço de direitos e garantias aos

menores de todas as classes sociais, visou, unicamente, estabelecer diretrizes à infância e à

juventude excluídas, no intuito de afastá-las da delinquência.

Na verdade, o objetivo do Estado, numa sociedade pós-escravista, extremamente

desigual, era controlar a pobreza, dando à criança de baixa renda: o trabalho precoce, como

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forma de prevenir uma espécie de delinquência latente, e a institucionalização, como maneira

regenerativa de sua inevitável perdição.

Embora o Código tenha se engendrado por uma vertente segregacionista, houve alguns

avanços em relação às legislações esparsas anteriores. No art. 101, restou proibido, em todo

território Republicano, o trabalho para os menores de 12 anos. Por meio do art. 104, os

menores de 18 anos foram proibidos de laborar em lugares perigosos à saúde, à vida e à

moralidade.

Somente em 1979, o Código de Menores de 1927 foi revogado pelo Decreto nº 6.697,

o qual aprovou um novo Diploma legal sobre o assunto; no entanto, pouco ou nada, foi

acrescentado de inovador. Persistiu-se, novamente, na regulamentação dos menores em

situação irregular. Remetendo-se, no que concerne ao trabalho infantil, à legislação especial,

qual seja, a Consolidação das Leis Trabalhistas; de 1943.

Na era Vargas, a partir de 1930, iniciou-se um processo de intervenção estatal, o qual,

independentemente das medidas populistas ou mesmo impeditivas de revoltas sociais,

ocasionou uma expressiva modificação no direito do trabalho.

Através da edição do Decreto nº 22.042, de 03/11/1932, foi fixada a idade mínima em

14 anos para o trabalho na indústria e proibido, para os menores de 16 anos, o labor no

interior de minas.

Os direitos alcançados pelos operários foram concentrados na Constituição Federal

(CF) de 1934, que, em seu artigo 121, caput, estabeleceu diretrizes para as condições do

trabalho, “tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do

País”.

Neste contexto de balizamento de interesses econômicos e sociais, os quais nem

sempre se coadunam, foi disposto no parágrafo primeiro, alínea “a”, a vedação à diferença de

salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil. Na

alínea “d”, foi fixada a idade mínima de 14 anos para o trabalho, proibindo-se o trabalho

noturno aos menores de 16 anos e, em indústrias insalubres, aos menores de 18 anos.

A Constituição de 1937 não trouxe nenhuma inovação, mantendo os mesmos preceitos

da que lhe precedeu. Já a Constituição de 1946, preservando quase por inteiro o texto anterior

sobre tema, inovou no art. 157, IX, ao aumentar a idade mínima do trabalho noturno para 18

anos.

Nesse entremeio, foi aprovada, em 1943, a Consolidação das Leis Trabalhistas que,

compilando as diversas normas do trabalho da época, reservou 39 dispositivos sobre o menor,

os quais, ao longo dos anos, sofreram diversas alterações e revogações, como no caso do art.

80 que limitava o salário dos aprendizes até o mínimo legal da região, zona ou subzona.

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Esse dispositivo, além de ser incompatível com a Carta Política vigorante na época,

nada contribuía para a erradicação do trabalho infantil, tendo em vista que para os

empregadores era extremamente benéfico pagar um salário mínimo especial aos seus

pequenos obreiros.

O retrocesso na legislação trabalhista ocorreu com o advento da Constituição Federal

de 1967, que reduziu no art. 158, X, a idade mínima para o trabalho do menor em 12 anos.

Acrescenta-se que, antes da Carta Política de 1988, os direitos trabalhistas, neles

incluídos da criança e do adolescente, eram enquadrados como matéria de ordem econômica

(CF/37) ou de ordem econômica e social (demais Constituições), demonstrando, assim, que o

olhar para o trabalhador surgiu, inicialmente, numa perspectiva protetora da própria

economia, somente vindo a ganhar título de proteção, exclusivamente, social, quando

promulgada a atual Constituição.

2.2.1 Legislação Atual de Proteção ao Trabalho do Menor

2.2.1.1 Consolidação das Leis do Trabalho - CLT

Por meio do Decreto n. 5.452, de 01/05/1943, foi aprovada a Consolidação das Leis

do Trabalho, a qual reuniu toda a legislação trabalhista vigente na época.

No seu capítulo IV, Título III, pelos artigos 402 ao 441, foi compilada as normas de

proteção ao menor trabalhador. No art. 402, após alteração pela Lei 10.097/2000, foi definido

o conceito de menor para a Justiça Trabalhista, considerando todo o trabalhador com idade de

14 a 18 anos.

Os dispositivos mencionados regulamentam em termos gerais: a idade mínima, a

jornada de trabalho, os trabalhos proibidos, a admissão no emprego, a assinatura na carteira de

trabalho, os deveres dos empregadores e dos responsáveis dos menores, a aprendizagem, a

rescisão contratual e as penalidades.

Frisa-se que a redação original sofreu diversas alterações ao longo do tempo,

principalmente no que concerne à idade mínima do trabalho, acompanhando a evolução

constitucional.

2.2.1.2 Constituição Federal de 1988

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Com fundamento na doutrina internacional de proteção integral às crianças e aos

adolescentes, afastou-se o caráter assistencialista anteriormente seguido e buscou-se, na

elaboração da Constituição Federal de 1988, priorizar a educação em face do trabalho.

O artigo 227, da Carta Magna de 1988, dispõe in verbis:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Assim, visou-se privilegiar a educação e a profissionalização, as quais servem como

forma de preparação para um trabalho futuro, do que o próprio labor prematuro, que pouco

estimula o acúmulo de conhecimento e garante vida digna aos jovens trabalhadores.

Esse pensamento é, ao mesmo tempo, confirmado e fundamentado pela prescrição

contida no art. 205 da Constituição que toma a educação como direito de todos e dever do

Estado e da família, com a colaboração da sociedade, almejando ao pleno desenvolvimento da

pessoa, bem como seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o

trabalho.

Na verdade, a partir da Constituição da República de 1988, há um reconhecimento da

criança e do adolescente como cidadãos, ou seja, titulares de direitos fundamentais,

rompendo-se, efetivamente, com a visão minimalista do menor como objeto, abarcada pelo

revogado Código de Menores.

Em relação aos preceitos trabalhistas, a atual Carta Política, em redação original,

previa a idade mínima de 14 anos para o trabalho infantil, possibilitando para os maiores de

12 anos a atividade de aprendizagem.

Manteve-se a proibição do trabalho perigoso, insalubre e noturno aos menores de 18

anos, coadunando-se com as Constituições anteriores e com a própria CLT.

Contudo, o grande avanço constitucional firmou-se com a promulgação da Emenda

Constitucional n. 20, de 15.12.1998, a qual alterou o inciso XXXIII, do art. 7º da CF/88,

elevando para 16 anos a idade mínima para o trabalho infanto-juvenil, bem como aumentando

para 14 anos a idade mínima para o regime de aprendizagem.

Sendo assim, consoante ressalta Goulart (apud CÔRREA e VIDOTTI, 2005, p. 100-

101), o direito brasileiro, seguindo os preceitos da Convenção n. 138 da OIT, determina: uma

idade mínima meta para o trabalho infantil, dezoito anos (art. 1º da Convenção n. 138); uma

idade mínima transitória, dezesseis anos (Constituição da República, CLT e Estatuto da

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Criança e do Adolescente); e uma idade mínima excepcional, quatorze anos para a condição

de aprendiz (Constituição da República, CLT e Estatuto da Criança e do Adolescente).

Infere-se, pois, que a Carta Magna aclara os princípios protetores dos menores,

construindo o direito fundamental da criança e do adolescente ao não trabalho, reconhecendo,

definitivamente, a posição especial que os mesmos se encontram no processo de

desenvolvimento humano.

2.2.1.3 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA - nasce em um contexto histórico em

que o Brasil, internacionalmente, ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança e,

nacionalmente, promulgou a Constituição Democrática de 1988.

A Lei 8.069/90, o ECA, reconhece como base doutrinária, em seu art. 1º, a proteção

integral à criança e ao adolescente, afirmando novamente, como fez a Constituição de 1988,

os direitos da criança e do adolescente e, paralelamente, estabelecendo os instrumentos

adequados à concretização desses direitos dentro da realidade brasileira (SOUZA, 2001, p.

130).

Para o estatuto da criança e do adolescente considera-se criança a pessoa até doze anos

de idade incompletos e, adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade. Ressalta-se

que o Estatuto buscou eliminar a palavra “menor”, a qual, utilizada pelo antigo Código de

Menores, representa crianças e adolescentes oriundos da camada mais excluída da sociedade.

No que diz respeito ao trabalho infantil, o ECA reserva o capítulo V, do Título II, para

a regulamentação do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. Os dispositivos do

Estatuto, que englobam o art. 60 até o art. 69, tratam sobre a idade mínima para o trabalho, a

aprendizagem, o menor portador de deficiência, os trabalhos proibidos e, por fim, reiteram o

tema do capítulo, frisando a necessidade de respeito à condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento e de capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.

3. O CONTEXTO ATUAL DO TRABALHO INFANTIL

3.1 DADOS SOBRE SITUAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO MUNDO

Consoante dados da OIT (2006, p. 13-15), estima-se que em 2004 havia cerca de 317

milhões de crianças economicamente ativas, com idades entre 5 a 17 anos, das quais 218

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milhões estariam em situação de trabalho infantil4

Comparando o ano de 2000 ao de 2004, observa-se um declínio, na faixa etária

supramencionada, de onze por cento. Destacando-se que, em relação aos trabalhos perigosos,

houve um declínio de vinte e seis por cento para o período considerado.

. Desse último total, 126 milhões de

crianças/adolescentes realizavam trabalhos perigosos.

Dentre os setores de incidência de crianças trabalhadoras, em 2004, constata-se que a

agricultura abrange o maior número, 69%, seguido dos serviços, 22%, e, por último, da

indústria 9%.

A Ásia, por ter uma enorme população, concentra a maior quantidade de crianças

trabalhando, mas é na África que se verifica a maior percentagem de trabalho infantil: 26,4%,

em 2004. Na América Latina, estima-se um número de 5,1%, em 2004, evidenciando um

expressivo decréscimo, comparado ao ano de 2000, quando esse número era de 16,1% (OIT,

2006, p. 16).

Já a Europa, berço da exploração da mão-de-obra infantil, praticamente eliminou esse

tipo de trabalho na área industrial. Os motivos, em geral, são: alto nível de desenvolvimento

econômico, implementação de um sistema avançado de ensino e existência e aplicação de leis

sobre o trabalho infantil.

3.2 DADOS SOBRE A SITUAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL NO BRASIL

Segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE, em

2002, 2.988.294 crianças entre 5 e 15 anos trabalhavam no Brasil, representando, em termos

absolutos, 8,22% da população nessa faixa etária. Comparando ao ano de 1995, examina-se

que ocorreu uma redução de 41,95% no número de crianças e adolescentes trabalhando nas

idades consideradas (BRASIL/MTE, 2005, p. 15).

De acordo com a OIT (2006, p. 24-25), muitos fatores explicam o decréscimo na

incidência do trabalho infantil. A primeira razão seria a mobilização social no Brasil, seja por

meio de Organizações não Governamentais (ONGs), seja pelo próprio empresariado

(Fundação Abrinq), seja pelos profissionais e instituições dos meios de comunicação, através

da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), seja pelos sindicatos (mobilização

da sociedade e das autoridades locais para debater as alternativas à contratação de crianças na

indústria do calçado em Franca/SP).

4 A OIT entende que trabalho infantil é um conceito mais restrito do que “crianças economicamente ativas”, excluindo, destarte, todas as crianças com 12 ou mais anos que trabalham apenas algumas horas por semana em trabalhos leves autorizados e aquelas com 15 ou mais anos cujo trabalho não é classificado como “perigoso”.

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Além do mais, a OIT cita o estabelecimento de uma estrutura quadripartida para

discutir o trabalho infantil, representado pelo Fórum Nacional para a Prevenção e Erradicação

do Trabalho Infantil - FNPETI, originado no fim de 1994, bem como a imposição de ensino

obrigatório de oito anos, que, em fevereiro de 2006, foi ampliado para nove anos.

Por fim, expõe os programas governamentais que visam a manter a criança na escola,

como o Bolsa Escola, e o Programa para a Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), criado em

1996, o qual, além de prezar pela frequência escolar, institui uma jornada ampliada para

afastar a criança da atividade laboral.

Ainda segundo o IBGE, todos os estados brasileiros possuem foco de trabalho infantil.

O estado do Piauí, no ano de 2002, apresentou o maior índice, com 15,65% de crianças de 5 a

15 anos trabalhando e o Distrito Federal a menor taxa, 1,37%.

A região com maior índice de trabalho infantil-juvenil é o Nordeste, 12,20%, seguida

da Região Sul, com 10,12%. Constata-se, destarte, que não é apenas a pobreza que influencia

no trabalho infantil, posto que o Sul destaca-se pelo desenvolvimento econômico e

indicadores socioeconômicos positivos.

Pelos dados do IBGE, no ano de 2002, 50,18% da crianças e adolescentes que

laboravam, residiam na área urbana, enquanto 49,82% moravam na área rural. A grande

maioria das crianças trabalhadoras é do sexo masculino (66,16%) e afrodescendentes

(57,80%).

Analisando a faixa etária de 5 a 15 anos, tem-se que 47,73% dos trabalhos realizados

por menores não são remunerados.

Embora, historicamente, verifique-se uma redução do trabalho infantil no Brasil, a

última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/2005, divulgada pelo IBGE, revela um

aumento de 10,3% do número de crianças ocupadas de 5 a 14 anos de idade5

Contudo, esses dados não são tão desestimuladores, tendo em vista que esse avanço da

mão-de-obra infantil foi influenciado pelo aumento do

.

trabalho para o próprio consumo e pelo

trabalho não remunerado na atividade agrícola.

No meio rural, o aumento se configurou devido a dificuldades financeiras enfrentadas

por aquela população, a qual, tendo por vezes que enfrentar a seca, acaba por obrigar os

pequenos a trabalhar em busca de melhorar a renda familiar.

CONCLUSÃO

5 IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 17 set. 2006.

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Um dos principais motivos alegados pelos doutrinadores que levam ao trabalho

infantil seria a pobreza. Entende-se, dessa forma, que somente em países industrializados,

onde haja desenvolvimento econômico, poder-se-ia eliminar esse tipo de trabalho.

Obviamente, e como retratado na evolução histórica, a miséria gera o trabalho infantil.

Salários insuficientes, precarização do trabalho e o desemprego impulsionam os pais a

colocarem no mercado de trabalho seus filhos menores, no intuito de aumentar a renda

familiar.

Todavia, a questão do trabalho infantil ultrapassa a linha da pobreza e se engendra em

outros horizontes. Para tanto, deve-se, no mínimo, trazer à baila, os seguintes problemas: a)

política educacional deficitária; b) legislação inapropriada; c) falhas governamentais no que

concerne à inspeção; d) indiferença social sobre o assunto; e) interesse econômico, quando os

próprios empregadores estimulam e exploram a atividade infantil.

Ademais, não se pode menosprezar a concepção cultural sobre o tema.

Ideologicamente, o jargão “o trabalho dignifica o homem” serve como justificativa do

trabalho infantil. Ora, para a classe pobre, é um meio de auferir renda; para classe rica, é uma

forma de manter precarizadas as relações de trabalho, impedir a mobilidade social e prevenir a

sociedade contra a delinquência e a marginalidade.

No entanto, o trabalho infantil não enaltece a dignidade da criança. Muito pelo

contrário, no mundo atual, quando a ascensão social só é possível pela alta qualificação, os

menores trabalhadores estão fadados a manter-se no mesmo ciclo de pobreza, tendo em vista

que a baixa complexidade das atividades e jornadas estafantes impedem qualquer alcance de

oportunidade e ganhos educacionais e financeiros.

A generalizada falta de consciência social torna o problema invisível e, por vezes,

aceitável. O trabalho doméstico, por exemplo, é mascarado pelo argumento da filantropia. A

criança pobre levada por família rica para ser criada, por fim, torna-se uma “criada”, obrigada

a retribuir a “generosidade” dos seus protetores, através dos serviços domésticos gratuitos.

A distorção de valores vai além dos trabalhos simples, criminosos, mas aceitos, e

atingem as piores formas de trabalho infantil. Giovanni (2004, p. 38) ressalta que “[...] no

caso da prostituição de crianças e adolescentes, a cínica justificativa machista enuncia a

predileção do homem adulto por ‘capim novo`” .

O sistema capitalista contaminou a mente social. A busca incessante pelo lucro, a

manutenção do status quo, a hierarquização, preservada pelas relações de poder, são

“princípios” enraizados na sociedade que contribuem para a perpetuação do trabalho infantil.

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Portanto, para erradicar essa anomalia social, é preciso muito mais do que um

desenvolvimento econômico distributivo ou um programa assistencialista, é necessária uma

transformação nas instituições sociais e no próprio sistema político-econômico.

REFERÊNCIAS

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em: <http://www.oitbrasil.org.br/info/downloadfile.php?fileId=190>. Acesso em: 03 jan. 2006.

SOUZA, Sérgio Augusto Guedes Pereira. Os Direitos da Criança e os Direitos Humanos. Porto Alegre: SAFE, 2001.