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1 O Príncipe com orelhas de Burro Certo Rei, vivendo muito desgostoso por não ter filhos, embora fosse casado há vários anos, pediu ao homem mais velho do reino: - Tu, que, por muito teres vivido, decerto muito sabes, dizei- me o que devo fazer, para que

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    O Prncipe com

    orelhas de Burro

    Certo Rei, vivendo muito desgostoso por no ter filhos, embora fosse casado h vrios anos, pediu ao homem mais velho do reino:

    - Tu, que, por muito teres vivido, decerto muito sabes, dizei-me o que devo fazer, para que

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    Nosso Senhor se compadea de mim.

    - Isso, Majestade, da competncia das trs irms, as fadas Bonita, Sabichona e Sensata, que moram na floresta. Mandai,

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    portanto, cham-las Respondeu-lhe ele.

    E as trs manas vieram e afirmaram ao Rei: - Ters o filho que desejas, se consentires que assistamos ao seu baptizado. O Rei acedeu imediatamente , e por isso, tempo decorrido e com regozijo de todos, nascia o

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    Prncipe. No dia do baptizado, conforme a combinao feita, apresentaram-se as trs fadas. Primeiro, a Fada Bonita tomou o principezinho nos braos e tocando-o com a sua varinha, determinou, em voz to baixa que ningum ouviu, seno as irms: - Eu te fado, para que sejas o Prncipe mais lindo do mundo.

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    Depois, a Fada Sabichona aproximou-se e disse de igual forma: - Eu te fado, para que sejas o Prncipe mais sbio do mundo. E, por fim, coube a vez da Fada Sensata, que, no obstante seguir tambm os modos das outras, se exprimiu de maneira um tanto ou quanto diferente:

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    - Ah, com que ento s bonitezas e sabedorias? Para que no tenhamos, pois, asneira no caso, eu te fado, Prncipe, a fim de

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    que te nasam umas orelhas de burro. Foram-se embora as fadas e, doravante, o Prncipe deu-se a crescer no corpo, na boniteza e na sabedoria que era um louvar a Deus. Mas, medida que crescia, cresciam tambm as suas orelhas. E o Rei e a rainha, envergonhados com o facto,

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    mandaram-lhe fazer um barrete especial, que lhas ocultasse de todos os olhares, e ordenaram ainda que jamais o tirasse. Escondidas as orelhas, os cortesos, no as vendo, achavam o Prncipe um portento de formosura e inteligncia e, por isso, amide lhe diziam:

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    - To belo e sbio como vs, no conhecemos outro rapaz. De tanto escutar isto, o Prncipe tornou-se um vaidoso, pois era to ignorante da sua disformidade como os cortesos. E, em breve, passou a achar defeitos em todos quantos o rodeavam e a apont-los.

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    Entretanto, o prncipe, de tanto crescer, tornou-se um rapago, nascendo-lhe a barba. O Rei, ao verific-lo, ordenou, pois, que o seu barbeiro lha fizesse. E este, tendo para isto de tirar o barrete ao Prncipe, viu as orelhas e gritou horrorizado: - Arre, que orelhas assim, s as do burro do meu compadre!

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    Ergueu-se de salto o Prncipe

    da cadeira, disposto a castigar o insolente; mas, de sbito, viu reflectida no espelho fronteiro a sua

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    cara e as suas orelhas. E logo, perante a realidade destas, se ps a chorar e a soluar, que era uma dor de alma. Atrado pelo barulho, o Rei ento apareceu. E vendo o que sucedera, disse ao barbeiro: - Ou guardas segredo acerca de tudo isto ou mando-te enforcar.

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    Feita a barba, o Prncipe ps outra vez o barrete, e o barbeiro foi sua vida. De futuro, porm, todos estranharam os dois. O Prncipe mostrava-se permanente- mente triste e, quanto ao barbeiro, que outrora falava pelos cotovelos, era agora quase mudo. No que ele tinha medo de dar lngua ou no se lembrasse de que, pela boca

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    morre o peixe. Mas, - ai! O segredo pesava-lhe como chumbo. E, resolvendo portanto confessar-se, em busca de alvio, disse ao padre:

    - Se no contar a todos que o Prncipe tem orelhas de burro, rebento.

    - Olha, meu filho, vai ao monte, faz um buraco no cho e diz para dentro dele o segredo, tantas

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    vezes quantas as necessrias para que fiques aliviado do seu peso. Depois, tapa-o com terra.

    O barbeiro seguiu o conselho e, na verdade, regressou a casa j to falador como era dantes. Mas, no stio onde fora enterrado o segredo, nasceu tempos aps um canavial. Ora, certo pastor cortou nele uma cana, fazendo desta uma flauta. E,

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    quando a levou aos beios, a mesma cantou:

    - O Prncipe tem orelhas de burro, o Prncipe tem orelhas de burro...

    Espalhou-se a notcia do prodgio e, chegando ela aos ouvidos do rei, de pronto o mesmo mandou vir sua presena o pastor, que, diante de toda a corte, se ps a tocar a flauta e a dizer:

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    - O Prncipe tem orelhas de burro, o Prncipe tem orelhas de burro...

    Porque s havia no reino um

    Prncipe, todos os cortesos olharam imediatamente para ele, cogitando:

    Se calhar, o barrete para escond-las... E o Prncipe, adivinhando os seus pensamentos, ficou vermelho como uma cereja e,

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    com as lgrimas nos olhos, exclamou:

    - Sim, eu sou, como ides verificar, o Prncipe com as orelhas de burro. Perdoai-me o mal que vos fiz, quando outrora caoava dos vossos defeitos, sem cuidar que podia ter outros piores...

    E, com tais palavras, o Prncipe levou a mo ao barrete,

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    para arranc-lo. Mas, nisto, surgiu a Fada Sensata que, atalhando-lhe o gesto, disse:

    - Ah, que se no sou eu, tinhas permanecido um vaidoso! Mas, curado do defeito, no h motivo para continuares orelhudo. Tira, portanto, o barrete.

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    E o Prncipe assim fez, e as suas orelhas apareceram... rosadas e pequeninas.

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    Ficaram muito contentes o Rei, a Rainha e o Prncipe, e, de futuro, o ltimo, quando algum lhe chamava a ateno para as pernas tortas deste ou para a estupidez daquele, respondia:

    - Ests a precisar de uma orelhas de burro, amigo!

    Fim