6. Sexta Conferência

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    1/11

    67

    Sexta ConfernciaPremissas e tcnica de interpretao

    Senhoras e senhores: Precisamos portanto de um novo caminho, de um mtodo

    para poder prosseguir na explorao dos sonhos. Vou lhes fazer agora uma propostarazovel. Como premissa para tudo o que se segue suponhamos que o sonho no um

    fenmeno somtico, mas psquico. O que isto significa os senhores sabem, mas o que

    nos autoriza a fazer esta suposio? Nada, mas tambm nada nos impede de faz-la. A

    questo a seguinte: se o sonho um fenmeno somtico, ele no nos interessa; ele s

    pode nos interessar sob o pressuposto de que um fenmeno psquico. Trabalhemos

    portanto sob a premissa de que ele de fato o seja, para ver o que surge da. E o resultado

    do nosso trabalho decidir se vamos manter esta hiptese e sustenta-la, por sua vez,como fato comprovado. Mas o que queremos realmente alcanar? Para que

    trabalhamos? Ns queremos aquilo a que se aspira em geral na cincia: compreender os

    fenmenos, estabelecer uma concatenao entre eles e em ltima instncia, onde for

    possvel, ampliar o nosso poder sobre eles.

    Prosseguimos portanto o trabalho admitindo que o sonho um fenmeno

    psquico. Neste caso ele ento uma realizao e uma expresso da pessoa que sonha,

    sendo no entanto, por sua natureza, algo que no nos diz nada, algo que no

    compreendemos. Ora, o que fazem os senhores, caso eu me expresse de um modo

    incompreensvel? Interrogam-me, no verdade? Por que ento no podemos fazer o

    mesmo:perguntar pessoa que sonhou o que o seu sonho significa?

    Como os senhores se recordam, ns j estivemos uma vez nesta situao. Foi na

    investigao de determinados lapsos, em casos de lapsos de fala. Algum disse ento

    vieram coisas zum Vorschwein e ns perguntamos no, felizmente no fomos ns,

    foram outras pessoas bem distantes da psicanlisee ento estas pessoas perguntaram a

    ele o que pretendia com esta fala incompreensvel. Ele respondeu imediatamente que

    tivera a inteno de dizer: eram porcarias [Schweinereien], mas que repeliu esta

    inteno em favor de outra, mais branda: ento vieram coisas luz [zum Vorschein].

    Naquela ocasio eu j lhes havia explicado que este modo de informar-se o prottipo

    de qualquer investigao psicanaltica e os senhores compreendem agora que a

    psicanlise segue a tcnica de deixar, na medida do possvel, que os prprios

    investigados digam a soluo dos seus enigmas. Sendo assim, a prpria pessoa que

    sonhou deve nos dizer o que seu sonho significa.

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    2/11

    68

    Sabemos no entanto que no sonho as coisas no so to simples assim. Nos

    lapsos isto foi possvel, num certo nmero de casos, mas depois passamos para outros,

    nos quais a pessoa interrogada no quis dizer nada e at rejeitou com indignao a

    resposta que lhe oferecemos. No sonho nos faltam por completo os casos do primeiro

    tipo: o autor do sonho diz sempre que nada sabe. Ele no pode rejeitar a nossa

    interpretao, pois no temos nenhuma para apresentar a ele. Devemos ento desistir

    mais uma vez da nossa tentativa? J que ele no sabe nada, ns no sabemos e um

    terceiro pode saber menos ainda, no h perspectiva de chegar a saber. Pois bem, se

    quiserem, desistam da tentativa. Mas se desejarem um outro caminho, podem segui-lo

    junto comigo. Com efeito, afirmo-lhes que sim, bem possvel, at bastante provvel,

    que o autor do sonho saiba o que o seu sonho significa, ele s no sabe que o sabe e por

    isso acredita que no o sabe.

    Os senhores chamaro a minha ateno para o fato de que estou introduzindo

    novamente uma hiptese, j a segunda neste breve contexto, e que estou rebaixando

    enormemente a reivindicao de credibilidade do meu procedimento. Supondo que o

    sonho seja um fenmeno psquico, e supondo ainda que h no homem coisas psquicas

    que ele sabe, sem saber que as sabe, etc. basta ento considerar a improbabilidade

    interna de cada um a destas suposies para retirar tranquilamente o interesse das

    concluses delas derivadas.

    De fato, senhoras e senhores, no os fiz vir at aqui para lhes dissimular ou para

    ocultar alguma coisa. Realmente anunciei Conferncias elementares de introduo

    psicanlise, mas no pretendi com isto fazer uma exposio ad usum delphini, que lhes

    mostrasse um contexto sem contrastes, escamoteando cuidadosamente todas as

    dificuldades, preenchendo as lacunas e retocando as dvidas, para que, com o esprito

    tranqilo, acreditassem ter aprendido algo novo. No, justamente por serem

    principiantes, quis lhes mostrar a nossa cincia como ela , com suas asperezas edificuldades, suas exigncias e seus inconvenientes. Sei que em nenhuma outra cincia,

    particularmente no incio, as coisas so diferentese nem poderiam s-lo. Sei tambm

    que o ensino habitualmente procura no comeo ocultar dos alunos estas dificuldades e

    imperfeies. Mas na psicanlise isto no possvel. Coloquei de fato duas premissas,

    uma dentro da outra, e quem achar o conjunto muito trabalhoso e incerto, ou quem

    estiver acostumado a certezas mais elevadas e dedues mais elegantes no precisa me

    acompanhar. Quero dizer apenas que esta pessoa deve deixar inteiramente em paz osproblemas psicolgicos, pois de se temer que ela no ache transitveis os caminhos

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    3/11

    69

    mais exatos e seguros que est disposta a percorrer. Alm disso, para uma cincia que

    tem algo a oferecer totalmente suprfluo que ela saia em busca de audincia e

    seguidores. Seus prprios resultados devero criar para ela estas condies e ela poder

    aguardar at que eles imponham a ateno sobre si.

    Mas queles dentre os senhores que quiserem persistir no tema, posso advertir

    que minhas duas hipteses no so equivalentes. A primeira, de que o sonho um

    fenmeno psquico, a premissa que queremos demonstrar pelo resultado do nosso

    trabalho; a outra j foi demonstrada em um outro campo, e tomo apenas a liberdade de

    transferi-la de l para os nossos problemas.

    Onde, em que campo deveria ser apresentada a prova de que existe um saber do

    qual o homem contudo nada sabe, tal como queremos supor aqui no caso da pessoa que

    sonha? Seria certamente um fato notvel, surpreendente, que modificaria a nossa

    concepo da vida psquica, e que no precisaria ser ocultado. Seria, alm disso, um fato

    que se anula a si prprio no seu enunciado, e que no entanto pretende ser algo real, uma

    contradictio in adjecto. Ora, este fato no se oculta de modo algum. No por culpa

    dele que nada sabemos a seu respeito ou no nos ocupamos dele o suficiente. Tampouco

    por culpa nossa que todos estes problemas psicolgicos tenham sido julgados por

    pessoas que permaneceram distantes de todas as observaes e experincias decisivas

    para a questo.

    A prova foi apresentada no campo dos fenmenos hipnticos. Quando assisti em

    1889, em Nancy, s demonstraes extraordinariamente interessantes de Libault e

    Bernheim, fui testemunha do seguinte experimento: Quando um homem era posto em

    estado de sonambulismo, induzido a viver alucinatoriamente todo tipo de experincias,

    e depois disso era despertado, ele no princpio parecia no saber nada sobre o que

    acontecera durante o seu sono hipntico. Ento Bernheim o exortava diretamente a

    contar o que acontecera com ele durante a hipnose. Ele afirmava que no conseguia selembrar de nada. Mas Bernheim insistia, pressionava-o e lhe assegurava que ele sabia,

    que devia se lembrar daquilo e eis ento que o homem comeava a hesitar, a se dar

    conta, lembrando-se primeiro como que obscuramente de uma das experincias que lhe

    haviam sido sugeridas, depois de um outro fragmento, a lembrana ia ficando cada vez

    mais ntida, cada vez mais completa, e finalmente ela vinha luz, sem lacunas. Mas,

    uma vez que ao final ele sabia e que neste nterim no fora informado por nenhuma

    outra fonte, justo concluir que mesmo antes ele sabia destas lembranas, s que elas

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    4/11

    70

    lhe eram inacessveis, ele no sabia que sabia, ele acreditava que no sabia. portanto o

    mesmo caso que conjecturamos sobre a pessoa que sonha.

    Espero que se surpreendam pela constatao deste fato e que me perguntem: por

    que o senhor no apelou para esta prova antes, j nos lapsos, quando chegamos a

    atribuir ao homem que cometera o lapso intenes de fala das quais ele nada sabia e que

    renegava? Se algum acredita no saber nada de experincias, cuja lembrana no

    entanto traz consigo, ento no mais to improvvel que ele tambm nada saiba de

    outros processos psquicos que ocorrem em seu ntimo. Este argumento certamente nos

    teria impressionado e contribudo para a nossa compreenso dos lapsos. verdade que

    j naquela oportunidade eu poderia ter apelado para ele, mas eu o reservava para um

    outro lugar, onde ele seria mais necessrio. Os lapsos em parte se explicavam por si

    prprios, e em parte j nos advertiam que, em benefcio da correlao dos fenmenos

    realmente necessrio supor a existncia destes processos psquicos, dos quais nada se

    sabe. No caso do sonho somos obrigados a buscar explicaes em outra parte, e alm

    disso, espero que os senhores admitam mais facilmente aqui uma transferncia da

    hipnose para o nosso campo. O estado em que cometemos um lapso deve lhes parecer

    normal, ele no tem qualquer semelhana com o estado hipntico. Por outro lado, h um

    ntido parentesco entre o estado hipntico e o estado do sono, que a condio do

    sonhar. A hipnose at costuma ser chamada de sono artificial; dizemos pessoa a quem

    hipnotizamos: "durma" - e as sugestes que fazemos so comparveis aos sonhos do

    sono natural. Em ambos os casos as situaes psquicas so realmente anlogas. No

    sono natural retiramos nosso interesse de todo o mundo externo, no sono hipntico, por

    sua vez, do mundo inteiro, com exceo da pessoa que nos hipnotizou. Alis, o

    chamado sono da ama-de-leite, no qual ela permanece em contato com o beb e s por

    ele despertada, uma contrapartida normal do sono hipntico. Portanto, a

    transferncia de uma situao da hipnose para o sono natural no nos parece umafaanha to temerria. A hiptese de que tambm na pessoa que sonha existe um saber

    sobre o seu sonho, que entretanto lhe inacessvel, de modo que ela prpria no

    acredita nisso, no uma hiptese inteiramente extrada do nada. Observemos alis que

    neste ponto se abre uma terceira via de acesso ao estudo do sonho: a partir dos

    estmulos perturbadores do sono, dos devaneios e agora tambm dos sonhos sugeridos

    no estado hipntico.

    Retornemos agora, talvez com mais confiana, nossa tarefa. portantobastante provvel que o autor do sonho possua um saber sobre o seu sonho; trata-se

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    5/11

    71

    apenas de tornar-lhe possvel descobrir o seu saber e comunic-lo a ns. No exigimos

    que ele nos diga imediatamente o sentido do seu sonho, mas a sua provenincia, o

    crculo de pensamentos e de interesses do qual ele provm - isto s ele poder descobrir.

    No caso do lapso, como se recordam, perguntou-se a ele como chegou palavra-falha [a

    palavra Vorschwein] e a primeira idia que lhe ocorreu nos deu o esclarecimento. Pois

    bem, muito simples a nossa tcnica para o sonho, copiada deste exemplo. Tambm

    perguntaremos a ele como foi que chegou ao sonho, e sua primeira fala dever mais

    uma vez ser considerada como um esclarecimento. Deixamos de lado portanto a

    distino entre ele acreditar ou no que sabe alguma coisa e tratamos ambos os casos

    como um s.

    Esta tcnica certamente muito simples, mas temo que venha provocar nos

    senhores a mais severa oposio. Diro: uma nova hiptese, a terceira! E a mais

    improvvel de todas: se eu perguntar a quem sonha o que lhe ocorre com relao ao

    sonho, o esclarecimento desejado ser trazido justamente pela primeira idia que lhe

    ocorrer? Pode no lhe ocorrer nada, ou ento ocorrer sabe Deus o qu. No

    conseguimos enxergar em que se apia uma tal expectativa. Isto significa realmente

    mostrar confiana demais na providncia divina, num ponto em que seria conveniente

    um pouco mais de crtica. Alm disso, o sonho no uma palavra-falha, mas consiste

    em muitos elementos. A qual das idias que ocorrem vamos nos ater?

    Os senhores tm razo em tudo o que secundrio. Um sonho se diferencia de

    um lapso de fala tambm na multiplicidade dos seus elementos. Isto a tcnica precisa

    levar em conta. Proponho-lhes portanto decompor o sonho em seus elementos e

    proceder investigao de cada elemento em separado: deste modo fica restabelecida a

    analogia com o lapso de fala. Tambm nisto os senhores tm razo: a pessoa interrogada

    sobre os elementos onricos isolados pode responder que no lhe ocorre nada. H casos

    em que admitimos esta resposta e mais adiante os senhores ouviro quais so estescasos. digno de nota que estes sejam os casos em que a ns podem ocorrer

    determinadas idias. Mas em geral contradiremos a pessoa que sonhou quando ela

    afirmar que no lhe ocorreu nenhuma idia; vamos pression-la e assegurar-lhe que

    deve lhe ocorrer uma idia - e teremos razo. Ela vai trazer uma associao, qualquer

    uma, para ns no importa qual. Determinadas informaes, que podemos chamar de

    histricas, sero comunicadas com facilidade. A pessoa dir: isto algo que me ocorreu

    ontem (como nos "sonhos sensatos" que acompanhamos), ou ento: isto me lembra algoque aconteceu h pouco tempo - e deste modo ns vamos observar que as ligaes dos

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    6/11

    72

    sonhos s impresses dos ltimos dias so muito mais freqentes do que acreditvamos

    a princpio. Por fim, a partir do sonho a pessoa se recordar de acontecimentos

    anteriores, eventualmente at bastante remotos.

    Mas no principal os senhores no tm razo. Esto redondamente enganados se

    pensam que arbitrrio supor que a primeira associao da pessoa que sonhou deve

    trazer precisamente o que est sendo procurado ou deve levar a isto, que a associao

    pode ser qualquer uma e sem conexo com o que se procura, e que, se da minha parte eu

    espero alguma coisa, isto deve ser apenas uma expresso da minha confiana na

    providncia divina. Uma vez j tive a oportunidade de lhes observar que h nos

    senhores uma crena profundamente enraizada na liberdade e no arbtrio psquicos, uma

    crena que no entanto totalmente no-cientfica e que deve se deter diante da

    exigncia de um determinismo que domina tambm a vida psquica. Peo-lhes que

    respeitem isto como um fato: pessoa interrogada ocorreu isso e no uma outra coisa.

    Mas no contraponho uma crena outra. Pode-se demonstrar que a associao

    produzida pela pessoa interrogada no arbitrria, nem indeterminada, nem destituda

    de conexo com o que estamos procurando. Na realidade h muito tempo eu sabia -

    alis, sem dar muito valor a isto - que a psicologia experimental tambm apresentou

    tais provas.

    Diante da importncia do assunto, peo-lhes uma ateno especial. Quando

    exorto algum a dizer o que lhe ocorre com relao a um determinado elemento do

    sonho, peo-lhe que se entregue associao livre, conservando uma determinada

    representao inicial. Isto requer uma focalizao especial da ateno, que bem

    diferente daquela prpria reflexo, e que exclui a reflexo. Muitos chegam facilmente

    a este tipo de atitude; outros, ao tentar p-la em prtica, revelam uma incapacidade

    incrivelmente grande. Existe contudo um grau mais elevado de liberdade de associao

    quando eu prescindo desta representao de partida e estabeleo apenas o gnero e aespcie de associao, determinando, por exemplo, que a pessoa associe livremente um

    nome prprio ou um nmero. Esta associao deveria ser ainda mais arbitrria, mais

    imprevisvel do que a utilizada na nossa tcnica. Mas possvel mostrar em cada caso

    que ela rigorosamente determinada por importantes atitudes internas, que nos so

    desconhecidas no momento em que atuam e que so to pouco conhecidas quanto as

    tendncias perturbadoras dos lapsos e as tendncias que provocam os atos casuais.

    Eu e muitos outros depois de mim fizemos repetidamente estes experimentoscom nomes e nmeros que se faz emergir sem qualquer ponto de apoio, e alguns deles

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    7/11

    73

    chegaram at a serem publicados. Nestes experimentos procede-se da seguinte maneira:

    evocam-se as associaes que se seguem ao nome que emerge, e que portanto j no so

    mais inteiramente livres, mas que, como as associaes aos elementos do sonho, so

    associaes ligadas - e isto at que se esgote o impulso a faz-las. Mas com isso

    tambm j se esclareceu a motivao e o significado do nome livremente associado. As

    tentativas tm sempre o mesmo tipo de resultado e frequentemente a sua comunicao

    abrange um rico material e requer detalhadas explicaes. As associaes a nmeros

    livremente associados talvez sejam as mais comprobatrias; elas fluem com tamanha

    rapidez e se dirigem para o alvo com tal segurana, que seu efeito realmente

    desconcertante. Quero lhes relatar apenas um exemplo de uma destas anlises de nome,

    porque felizmente ele pode ser solucionado a partir de um material reduzido.

    Durante o tratamento de um jovem chego a abordar este tema e menciono a tese

    segundo a qual, apesar do aparente livre-arbtrio, no possvel associar livremente um

    nome sem que este se revele estritamente condicionado pelas circunstncias mais

    imediatas, pelas peculiaridades do sujeito do experimento e pela sua situao no

    momento. Como ele expressa dvidas sugiro-lhe que ele prprio se submeta, sem

    demora, a um experimento deste tipo. Sei que ele mantm relacionamentos

    particularmente numerosos e de todo tipo com senhoras e moas, e por isso mesmo

    penso que ele dispor de um bom sortimento, se estiver disposto a associar justamente

    nomes de mulheres. Ele concorda. Para minha surpresa ou talvez para a sua, no desaba

    sobre mim uma avalanche de nomes de mulheres, mas ele permanece quieto por um

    instante e depois confessa que s lhe veio mente um nico nome, nenhum outro mais:

    "Albina" - "Que curioso, mas o que se liga a este nome para o senhor? Quantas albinas

    o senhor conhece?" - Estranho, ele no conhecia nenhuma albina e depois deste nome

    no lhe ocorreu mais nada. Assim sendo, poderamos supor que a anlise fracassou, mas

    no, ela apenas j estava terminada, no havia necessidade de nenhuma outraassociao. Este homem tinha uma pela inusualmente clara, e nas conversas durante o

    tratamento vrias vezes, por brincadeira, eu o chamara de "Albino"; naquela ocasio

    cuidvamos justamente de determinar o componente feminino da sua constituio. Era

    portanto ele prprio este "Albino", para ele a mulher mais interessante naquele

    momento.

    Do mesmo modo, as melodias que nos ocorrem de repente mostram estar

    condicionadas por um curso de pensamentos ao qual pertencem, e que tem o direito denos ocupar, sem que saibamos desta atividade. fcil mostrar ento que a relao com a

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    8/11

    74

    melodia se liga sua letra ou sua provenincia; mas preciso ser suficientemente

    cauteloso para no estender esta afirmao para as pessoas realmente dotadas para a

    msica, com as quais por acaso no tenho nenhuma experincia. Nestas pode ser que o

    contedo musical da melodia tenha sido decisivo para o seu surgimento. O primeiro

    caso , sem dvida, o mais importante. Sei de um jovem que durante algum tempo foi

    literalmente perseguido pela melodia, alis encantadora, da cano de Pris, na "Bela

    Helena", at que a anlise chamou a sua ateno para uma "Ida" e uma "Helena",

    interessadas por ele naquela poca, que competiam entre si.

    Portanto, se as associaes que surgem de um modo inteiramente livre so

    condicionadas deste modo e se inserem num determinado contexto, com justa razo

    poderemos concluir que as associaes que tm uma nica ligao, ou seja, uma ligao

    a uma representao inicial, tambm no podem ser menos condicionadas. A

    investigao mostra realmente que alm da ligao que fornecemos a estas associaes

    por meio da representao inicial, elas permitem reconhecer uma segunda dependncia

    de crculos de interesses de pensamentos geradores de afeto ou de complexos, cuja co-

    participao no conhecida no momento, ou seja, inconsciente.

    Associaes com este tipo de ligao tm sido objeto de investigaes

    experimentais muito instrutivas, que desempenharam um papel digno de nota na histria

    da psicanlise. A escola de Wundt introduziu o chamado "experimento associativo", no

    qual se pede ao sujeito que responda o mais depressa possvel com uma reao qualquer

    a uma palavra-estmulo que lhe seja proposta. Pode-se estudar o intervalo que decorre

    entre o estmulo e a reao, a natureza da resposta dada como reao, os eventuais erros

    cometidos, numa ulterior repetio do mesmo experimento, e outras coisas do gnero. A

    escola de Zurique, sob a direo de Bleuler e Jung, esclareceu as reaes resultantes do

    experimento de associao: quando encontravam nelas algo que chamava a ateno,

    convidavam o sujeito a esclarec-las por meio de novas associaes. Constatou-se entoque estas reaes chamativas eram determinadas da maneira mais rigorosa pelos

    complexos do sujeito do experimento. Bleuler e Jung lanaram assim a primeira ponte

    entre a psicologia experimental e a psicanlise.

    Com estes esclarecimentos os senhores podero dizer: agora reconhecemos que

    as associaes livres so determinadas e no arbitrrias, como acreditvamos.

    Admitimos a mesma coisa quanto s associaes aos elementos do sonho. Mas no

    isto o que nos interessa. O senhor na verdade afirma que a associao ao elementoonrico ser determinada pelo fundo psquico, para ns desconhecido, justamente deste

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    9/11

    75

    elemento. Isto no nos parece demonstrado. De fato esperamos que a associao ao

    elemento onrico se mostre determinada por um dos complexos da pessoa que sonhou,

    mas de que nos serve isto? No nos leva compreenso do sonho, mas como o

    experimento associativo, ao conhecimento destes chamados complexos. Mas o que eles

    tm a ver com o sonho?

    Os senhores tm razo, mas esto deixando de lado um fator, alis justamente o

    fato pelo qual eu no escolhi o experimento associativo como ponto de partida para esta

    exposio. Neste experimento um dos determinantes da reao, no caso a palavra-

    estmulo, arbitrariamente escolhido por ns. A reao ento uma mediao entre esta

    palavra-estmulo e o complexo recm-despertado no sujeito do experimento. No sonho

    a palavra estmulo est substituda por algo que provm da prpria vida psquica da

    pessoa que sonha, de fontes para ela desconhecidas. de algo que portanto poderia

    facilmente ser tambm um "derivado de complexo". Por isso no fantasioso esperar

    que tambm as demais associaes ligadas aos elementos onricos no sejam

    determinadas por nenhum outro complexo a no ser o do prprio elemento e que elas

    levaro sua descoberta. Permitam-me mostrar, num outro caso, que de fato aqui as

    coisas so como espervamos. O esquecimento de nomes realmente um modelo

    excelente para a anlise do sonho. S que aqui se rene numa s pessoa o que est

    distribudo por duas na interpretao dos sonhos. Quando esqueo temporariamente um

    nome, tenho no entanto a certeza ntima de que sei o nome, aquela certeza que no caso

    da pessoa que sonhou ns s pudemos alcanar pelo rodeio do experimento de

    Bernheim. Mas o nome esquecido e no entanto no sabido me acessvel. A experincia

    logo me diz que para isto a reflexo, por maior que seja, no ajuda nada. Mas sempre

    posso associar um ou mais nomes substitutivos em lugar do nome esquecido. S depois

    que me ocorreu espontaneamente um nome substitutivo deste tipo que fica evidente a

    coincidncia desta situao com a anlise do sonho. O elemento onrico tambm no ocorreto, mas apenas um substituto de outro, o genuno, que desconheo e que devo

    descobrir por meio da anlise do sonho. E novamente a diferena apenas consiste no

    fato de que no esquecimento de nomes eu reconheo sem hesitao o substituto como o

    no-genuno, ao passo que no caso do elemento onrico s laboriosamente podemos

    chegar a esta concepo. Pois bem, tambm no esquecimento de nomes existe um

    caminho para ir do substituto coisa genuna inconsciente, ao nome esquecido. Se eu

    direcionar minha ateno para este nome substitutivo e deixar que me ocorram outrasidias com relao a ele, passando por rodeios maiores ou menores, chego ao nome

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    10/11

    76

    esquecido e ao faz-lo descubro que os nomes substitutivos espontneos, bem como os

    nomes evocados por mim, tinham uma relao com o nome esquecido, foram

    determinados por ele.

    Quero lhes apresentar uma anlise deste tipo: um dia me dou conta de que no

    consigo me lembrar do nome daquele pequeno pas da Riviera, cuja capital Monte

    Carlo. irritante, mas o fato este. Vou ao fundo de tudo o que sei sobre este pas,

    penso no prncipe Alberto da Casa de Lusignan, em suas alianas, em sua predileo por

    exploraes submarinas e em tudo o mais que consigo reunir, mas no adianta nada.

    Ento desisto da reflexo e deixo que me ocorram nomes substitutivos em lugar do que

    est perdido. Eles acodem com rapidez. O prprio Monte Carlo, depois Piemont,

    Albnia, Montevidu, Colico. Nesta srie, "Albnia" me chama a ateno em primeiro

    lugar, e logo substituda por Montenegro, certamente pela oposio entre alvo e negro.

    Em seguida vejo que quatro destes nomes substitutivos contm a mesma slaba mon;

    subitamente capto o nome esquecido e exclamo em voz alta: Mnaco. Os nomes

    substitutivos derivaram portanto realmente do esquecido, os quatro primeiros da

    primeira slaba, o ltimo reproduz a seqncia silbica e toda a slaba final. Alm disso,

    tambm descubro com facilidade o que foi que me privara temporariamente do nome.

    Mnaco tambm tem relao com Munique, e o seu nome em italiano; foi esta a

    cidade que exerceu a influncia inibidora.

    O exemplo certamente belo, mas simples demais. Em outros casos foi preciso

    tomar em considerao uma srie maior de associaes e s ento ficou mais clara a

    analogia com a anlise do sonho. Tive tambm experincias deste tipo. Certa vez,

    quando um estrangeiro me convidou para beber vinho italiano em sua companhia,

    aconteceu no restaurante que ele esqueceu o nome do vinho que pretendia pedir, do qual

    tinha um excelente conceito. A partir de uma srie de idias substitutivas disparatadas

    que lhe ocorreram no lugar do nome esquecido, pude concluir que a considerao poralguma Hedwig o privara do nome do vinho; ele de fato confirmou que no apenas

    tomara este vinho pela primeira vez em companhia de uma Hedwig, como tambm,

    graas a esta descoberta conseguiu reencontrar o nome do vinho. Ele agora era feliz no

    casamento e aquela Hedwig pertencia a uma poca passada, cuja recordao no lhe era

    agradvel.

    Tambm na interpretao de sonhos deve ser possvel conseguir o mesmo que

    no caso do esquecimento de nomes: partindo do substituto e passando por associaes aele ligadas, tornar acessvel a coisa genuna retida. Pelo exemplo do esquecimento de

  • 7/25/2019 6. Sexta Conferncia

    11/11

    77

    nomes podemos supor que as associaes ao elemento onrico sero determinadas tanto

    pelo prprio elemento onrico quanto pela coisa genuna inconsciente que lhe

    corresponde. Com isto teramos contribudo com alguma coisa para justificar a nossa

    tcnica.