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Leitura e Produção de Textos A metáfora e a metonímia Conceitos e funcionalidade das figuras de linguagem.

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A metáfora e a metonímia Conceitos e funcionalidade das figuras de linguagem.

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1.4.1 A metáfora 4

1.4.2 A metonímia 6

Referências 8SUMÁRIO

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1.4.1 A METÁFORA

Entre os processos que mais amplamente os homens

usam para a expressão de pensamentos em linguagem,

está a metáfora. Na verdade, ela se configura como um

dos mais produtivos processos observáveis nas línguas

humanas.

Metáforas permitem que se fale de abstrações usando

conhecimentos mais concretos advindos de experiências

físicas, psíquicas, sociais e culturais vivenciadas pelos

indivíduos e por suas comunidades.

Elas tornam comunicáveis as realidades mais abstratas,

sobre as quais se pretende falar.

A palavra metáfora vem do grego metaphora, que

significa transporte: uma expressão emprega os sentidos

vivenciados em experiências mais concretas para significar

“coisas” mais abstratas. Há um emparelhamento de itens

que apresentam similaridades: equiparam-se entidades de

uma base de experiências mais concretas para significar

outras mais abstratas.

Há uma comparação implícita, ou seja, as partículas

comparativas (como, tal qual, como tal etc.) não aparecem

nas expressões metafóricas: sua estrutura fundamental é

[S é P], ou seja, [Sujeito é Predicativo].

Em enunciados do tipo “João é um anjo” ou “Ana é uma

flor”, as características de anjo e flor são transportadas

para os traços físicos e psíquicos das pessoas assim

metaforizadas: as características de anjo e de flor,

conhecidas pelos usuários da língua, aplicam-se aos que

lhe foram equiparados na metáfora.

Quando se diz que “A Amazônia é o pulmão do mundo”

(exemplo de Martins, UEAD), a experiência física de como

um pulmão funciona serve para expressar o real papel que

a Região Amazônica exerce na oxigenação do mundo e

no equilíbrio dos fenômenos climáticos a que a Terra está

sujeita.

Na prática, faz-se corresponder, como em um mapa em

relação ao território que representa, o conhecimento que

se tem do pulmão sobre a função da Floresta Amazônica

na realidade climática do mundo contemporâneo.

Lakoff e Jonhson (1987/2002) ensinam que o processo

de transferência de sentidos na metáfora é feito a partir

do mapeamento de entidades com aspectos que se

assemelham entre dois domínios de experiências: um

domínio fonte (ou base) sobre um domínio-alvo.

As correspondências efetuadas estão fundadas na

comparação entre os itens que apresentam aspectos

similares entre os diferentes conhecimentos que se têm

arquivados em domínios de memória.

Em Linguística Cognitiva, tais domínios de

conhecimentos são chamados de Modelos Cognitivos

Idealizados (MCI). Um MCI é um artifício teórico usado

para se tratar de arquivos de conhecimentos armazenados

na memória por áreas temáticas.

Tem-se MCI sobre Saúde, Educação, Transportes,

Utensílios, enfim, sobre as diferentes experiências que são

vivenciadas pelos humanos ao longo da vida.

Nesses arquivos, armazenam-se todas as experiências

vivenciadas e compartilhadas ao longo da vida.

Tais arquivos são permanentes, mas parcialmente

estruturados: podem-se adicionar, modificar ou excluir

conhecimentos dos MCI.

Os sentidos agregados aos conhecimentos do domínio

base são empregados e transferidos nas correspondências

metafóricas: os itens com aspectos similares são aqueles

comparados nas metáforas.

Observe-se a representação dos itens que são postos

em correspondência no enunciado “A Amazônia é o pulmão

do mundo”.

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Quadro 1 – Similaridades em correspondência na

metáfora “A Amazônia é o pulmão do mundo”.

MCI domínio-fonte(+ concreto)

MCI domínio-alvo(+ abstrato)

Experiência mais concreta sobre os Pulmões

Experiência mais abstrata (porque desconhecida) sobre a Amazônia.

Órgão vital do organismo humano

Floresta e bacia fluvial muito ricas em biodiversidade

Responde pelas trocas respiratórias.

Permite as trocas de gases na atmosfera.

Purifica o sangue. Purificação da atmosfera.

Regulariza as trocas venosas no sangue dos organismos.

Regulariza os ciclos climáticos.

Produz energia vital. Produz um ar mais limpo para o mundo.

Permite que os demais órgãos do organismo funcionem.

Produz energia vital para que o mundo se sustente.

Iconicamente, se os pulmões fornecem a energia

necessária para que os órgãos que constituem a máquina

humana funcionem, a Amazônia produz naturalmente a

renovação do ar do planeta, ar que promove e sustenta

a vida. Sem os pulmões exercendo seu papel, o homem

adoece e morre; da mesma forma, se a Amazônia não

prover à Terra as trocas de carbono e oxigênio com a

vitalidade de sua vegetação, a vida na Terra corre o risco

de ser profundamente prejudicada.

Assim, na representação do pensamento em linguagem,

mapeia-se o conhecimento concreto do funcionamento

dos pulmões sobre o que, teoricamente, é o papel que

a Amazônia exerce na sustentabilidade da vida na Terra.

Na literatura tradicional sobre a metáfora, a figura é

vista como o “emprego de uma palavra fora de seu sentido

normal, por efeito de analogia ou comparação” (Garcia

2001). Contudo, desde o final do século XX, essa visão

vem sendo modificada.

A metáfora era conceituada como o uso de uma

expressão fora de seu sentido literal. Lakoff (1993), em

estudo denominado A teoria da metáfora contemporânea,

afirma que o sentido literal praticamente não existe. As

construções linguísticas expressam relações metafóricas

que se processam na mente, e, para ele, a própria

linguagem seria uma grande metáfora do pensamento.

Nos MCI, os arquivos são formados por experiências

que envolvem aspectos físicos, psíquicos, sociais e culturais

vivenciados pelos indivíduos em suas comunidades.

As correspondências efetuadas baseiam-se em

similaridades entre as entidades comparadas na metáfora,

como, por exemplo, a forma como estão organizadas as

partes de um ovo é semelhante à estrutura organizacional

de uma célula.

Daí são atualizadas expressões metafóricas para

explicar a abstração célula a partir do conhecimento que

os homens têm da constituição de um ovo.

Quadro 2 – Similaridades entre itens comparáveis na

metáfora “A célula é um ovo” Ovo(como domínio-fonte)

Célula(como domínio-alvo)

Casca (parte envolvente e mais externa do ovo)

Membrana (parte envolvente e mais externa da célula)

Clara (parte líquida, meio viscosa, que protege a gema)

Citoplasma (parte meio líquida, meio viscosa, que protege o núcleo

Gema (parte central ou mais interna que contém as propriedades do ovo)

Núcleo: parte mais interna que contém os genes das células

Neste exemplo, tem-se o emprego de uma expressão

metafórica na linguagem científica: para se entender a

célula que não se vê a “olho nu”, emprega-se a constituição

de um ovo que é bem conhecido e mais concreto.

Assim, as correspondências nas metáforas permitem

que o receptor da comunicação ative seu conhecimento

sobre as experiências-fonte empregadas e as use para

compreender os conceitos mais abstratos que estão sendo

representados.

No processo metafórico, são ativados saberes que foram

armazenados na memória: as entidades emparelhadas

apresentam características que se assemelham.

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Os conhecimentos que se têm das experiências-fonte

servem para ampliar a compreensão dos fatos mais

abstratos que estão sendo representados na metáfora.

Para Lakoff e Johnson (2002:127), o processo

metafórico é essencial para a construção dos sentidos na

linguagem.

Com o recurso ao processo metafórico, pode-se dizer

muito mais do que efetivamente se codificou por meio de

palavras: há conhecimentos, saberes, experiências que

vêm concorrer para a construção de sentidos.

Eles conotam muito mais que denotam. Há um

conhecimento de mundo que vem concorrer para a riqueza

de sentidos que as metáforas expressam:

Argumentamos que a maior parte do nosso sistema

conceptual é metaforicamente estruturado, isto é,

que os conceitos , na sua maioria, são parcialmente

compreendidos em termos de outros conceitos. Isso

levanta uma questão importante sobre os fundamentos do

nosso sistema conceptual.

Afinal, há algum conceito que possamos compreender

diretamente sem recorrermos ao processo metafórico? Se

não há, como podemos compreender as coisas em geral?

( Lakoff E Johnson, 2002:127)

1.4.2 A metonímia

Na teoria contemporânea da metáfora, a metonímia

está hierarquicamente dependente dela.

Na teoria retórica clássica, metáfora e metonímia estão

entre as principais figuras de retórica.

Já na teoria tradicional, a metonímia é conceituada

como a substituição de um nome por outro em virtude de

haver entre eles algum relacionamento.

Um dos exemplos do processo metonímico é quando se

usa o autor pela obra como em “Ler Jorge Amado” ou em

“Ter um Picasso em casa”.

Como a metáfora, a metonímia também é uma figura

de pensamento.

Ela se processa quando se utiliza uma palavra em

lugar de outra para designar algum objeto ou aspecto

que se mantém com o termo escolhido uma relação

de contiguidade, de inclusão, de implicação ou de

interdependência.

Para se compreender a metonímia, entende-se como

se pode usar, por exemplo, a expressão popular pé-sujo.

Empregada para designar os antigos botecos

populares, em pés-sujos, as pessoas tomam cafezinhos

ou cachacinhas em pé, quase sempre em copos, com

colheres dentro ou com xícaras de louça branca bem

grossa.

Pés-sujos são especialmente comuns nas esquinas do

centro das grandes cidades.

São estabelecimentos não muito grandes, com balcões

altos, mesas pequenas encostadas nas paredes.

Nas estufas, encontram-se salgadinhos, ovos coloridos,

sanduíches de pernil ou carne assada; seus frequentadores

são, preferencialmente, homens que trabalham por perto,

vestidos para o trabalho e, muitos deles, com roupas

humildes.

Muitos trabalhadores não usavam sapatos, mas

chinelos, e seus pés mostravam o pó que vinha das ruas:

aí estão os pés-sujos.

Vejamos como podemos representar os atributos

(partes) que servem para representar o todo (o botequim):

Quadro 3 – Atributos que servem nas representações

por deslocamentos metonímicos

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Modelo Cognitivo Idealizado (MCI) de um “Botequim popular”

Estabelecimentos pequenos, com balcões altos, mesas pequenas de mármore ou com toalhas quadriculadas.

Servem-se bebidas como cafezinhos, cervejas ou cachaças em pé.

Nas estufas, encontram-se salgadinhos, ovos coloridos, sanduíches de pernil ou carne assada.

São bares frequentados, preferencialmente, por homens que trabalham por perto ou são frequentadores habituais.

São frequentados, preferencialmente, por pessoas humildes, muitos trabalhadores de ruas, que não usavam sapatos, mas chinelos.

Por usarem chinelos e andarem nas ruas sujas, seus pés apresentavam-se sujos de poeira: são pessoas de pés sujos.

Como esses botecos são frequentados, predominantemente, por pessoas de pés sujos, passaram a ser chamados pela característica que se sobressai entre seus frequentadores.

* Algo semelhante a chamar o “continente” pelo “ conteúdo”: o boteco designado por seus frequentadores, os “pés-sujos”.

Assim, na metonímia, o continente – o botequim popular – é designado por um dos seus conteúdos – os frequentadores de pés-sujos.

Dessa forma, “Ir a um pé-sujo” é uma expressão

idiomática construída a partir do deslocamento de um dos

elementos que constituem o conhecimento do todo para

designar o conjunto.

A metonímia é processada a partir da escolha de um

dos elementos que compõem o MCI – os pés sujos – para

representar o todo – o boteco popular.

Têm-se metonímias nos deslocamentos que ocorrem

entre entidades que compõem um mesmo MCI, um

elemento substituindo o todo. Assim:

1. quando se usa o nome do autor pela obra, como

em “Ler Graciliano Ramos” em vez de “Ler um livro de

Graciliano Ramos” ;

2. quando se usa o continente pelo conteúdo, como

em “Tomar um cálice de vinho” por “Tomar o vinho que

está servido no cálice”;

3. quando se usa o meio, o motivo ou o instrumento,

a causa pelo efeito, a consequência ou o resultado, como

em “Viver de biscate”, por “Viver do produto de trabalhos

esporádicos, biscates”;

4. quando se usa o nome do lugar de origem do

prato, da marca ou do inventor pela coisa produzida ou

inventada, tal como em “Ligou para o restaurante e pediu

uma Napolitana”;

5. quando se usa o nome do inventor ou da marca

em lugar da invenção ou do produto, como em “Comprei

uma Gillette” em lugar de “Comprei uma lâmina da marca

Gillette”;

6. quando uma característica abstrata de um grupo

de indivíduos é substituta do próprio grupo, como em “A

velhice é sábia” em lugar de “As pessoas mais velhas”,

ou em “A justiça é cega” em lugar de “Os juízes que

julgam os casos não podem fazer distinções de pessoas”

(neste exemplo, vê-se como a metonímia subjaz a

uma grande metáfora: a experiência da cegueira – não

fazer distinção de pessoas – focaliza o aspecto de que,

na hora do julgamento – os juízes não são guiados por

amizades, prestígios ou histórias pessoais que poderiam

interferir na aplicação da lei; devem se limitar a aplicá-la ,

imparcialmente.

7. em “João é meu braço direito” ou “ Steve

Jobs era o cérebro da Apple”, têm-se enunciados em

que partes concretas do corpo foram utilizadas para

representar qualidades abstratas atribuídas aos indivíduos

referenciados: há o deslocamento do concreto para

representar o abstrato, tal como ocorre nas transferências

metafóricas.

8. em “Marcus não tinha um vintém no bolso”, uma

parte do capital – um vintém (tipo de moeda antiga) é

usado para representar o todo ou vice-versa;

9. em “Ele não vale um tostão furado”, exemplo em

que a matéria – tostão furado – é usada para representar

um produto;

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10. “Tomou umas Brahmas e saiu dirigindo como um

louco”, onde a marca é usada para substituir o tipo de

produto;

11. “O brasileiro é, antes de tudo, um forte”, frase na

qual Euclides da Cunha se refere a todos os brasileiros,

usando o singular para representar o plural, ou seja, todos

os brasileiros.

Referências

CHIAVEGATTO, Valeria Coelho. Gramática: uma

perspectiva sociocognitiva. In: ______. (Org.) Pistas

e Travessias II: bases para o estudo da gramática, da

cognição e da interação. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2002.

p. 131-212.

FAUCONNIER, Gilles. Mental Spaces: aspects of

meaning construction in natural language. Cambridge:

Cambridge University Press, 1994.

GARCIA, Othon Moacir. Comunicação em prosa

moderna. 18 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,

2001.

LAKOFF, G. The contemporary theory of metaphor. In:

ORTONY, Andrew (Org.) Metaphor and Thought. Nova

York: Cambridge University Press, 1993. p. 202-51.

LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Metaphors: We live By.

Chicago: University of Chicago Press, 1987.

______. Metáforas da vida cotidiana. Tradução de

Maria Sofia Zanoto. Campinas: Mercado das Letras; São

Paulo: Educ, 2002.

MARTINS, Eliane. Leitura e produção de Texto I: LET

101. Rio de Janeiro: Universidade

Gama Filho, UEAD. Disponível em: <http://www.

gamavirtual.ugf.br>, p. 22-4.