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62 Pela sua saúde, mexa-se! A atividade e o treino físico, anti-inflamatórios naturais, são guardiães de saúde e poderosos agentes de defesa contra o cancro. A Ciência comprova-o, os médicos também

62 Pela sua saúde, mexa-se! · Vila Nova de Gaia/Espinho. A obesidade e a escassa atividade física são autên-ticos rastilhos para o cancro, doenças cardiovasculares e diabetes,

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62 Pela sua saúde, mexa-se!

A atividade e o treino físico, anti-inflamatórios naturais, são guardiãesde saúde e poderosos agentes de defesa contra o cancro. A Ciência

comprova-o, os médicos também

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MEXER-SE

PARA FINTAR O CANCRO

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Anti-inflamatonos naturais, a atividade e o treino físico

são guardiões de saúde e poderosos agentes de defesa

contra o cancro. A Ciência comprova-o, os médicos também

mas nada como aferir por si mesmo

ÍÍD CLARA SOARES

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Manter o corpo ativo de forma regulartem tantos ou mais benefícios para asaúde como "deitar cedo e cedo er-guer". Embora a eficácia da atividadefísica na prevenção e no tratamentode doenças seja um dado adquirido e

demonstrado por diversas pesquisasinternacionais, só recentemente se

começou a perceber quais os meca-nismos fisiológicos e químicos envol-vidos nesse processo.Entre os estudos que confirmam o

impacto benéfico do exercício físi-co na saúde e na redução do riscode desenvolver certos tipos de can-cro, destaca-se o da Universidade de

Queensland, em Brisbane, Austrália,publicado há dois meses no AmericanJournal of Physiology. Na experiência,dois grupos de dez sobreviventes de

cancro colorretal eram submetidosa um mês de treino físico intensivonuma elíptica e um deles repetia a

sequência. Fizeram análises de san-gue antes do treino, a seguir ao treinoe duas horas depois. Os resultadosforam intrigantes-, as amostras fei-tas após o treino simples, quandomisturadas com células tumorais emlaboratório, revelaram-se aquelas em

que as células do cancro se desenvol-viam menos, a par do aumento dosmarcadores inflamatórios.

Agastrenterologista Marília Cravo,do Hospital Beatriz Angelo, em Loures,e do Hospital da Luz, em Lisboa, escla-

rece o enigma: "Após o exercício, são

libertados para a circulação sanguíneaprodutos que têm um efeito inibitório

sobre o crescimento de células tumo-rais in mrro." Tal deve-se à presençade substâncias libertadas no músculo

esquelético após o exercício físico e

com potencial ação anticancerígena,designadas por miocinas. A equipade Marília Cravo está a estudá-las in

iwo, ou seja, em humanos, "por terema mesma estrutura que as citocinas,produzidas no fígado após uma infe-ção para eliminar o agente causador".Na prática, "as miocinas libertadaslogo após o exercício vigoroso podemter uma ação supressora sobre o tu-mor", ainda que se "desconheça o tipo,a duração e a intensidade de exercícioideais para obter esse efeito".

A equipa coordenada pela professorada Faculdade de Medicina da Universi-dade de Lisboa está a seguir dois gruposde pacientes, 20 no total, com cancrocolorretal. Durante os quatro mesesde quimioterapia, um desses gruposconta com uma dieta proteica e umprograma de exercício: "No próximoano e meio, com a medicina física e de

reabilitação e a colaboração do Institutode Patologia e Imunologia Molecular da

Universidade do Porto, vamos apurarse o efeito das miocinas aumenta aresposta imunológica face ao tumor."

Que implicações têm estudos comoeste na nossa vida diária, tendo emconta que se estimam em 14% as

mortes anuais associadas à inativi-dade física (mais 4% do que a médiamundial)? Isto, tendo ainda em linhade conta que, segundo a OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS), metade da

população portuguesa é "insuficien-temente ativa"?

VENCER E RECUPERAR O FÔLEGO

"O sedentarismo é um fator de risco

para um estado de inflamação crónica,a qual promove os processos cancerí-

genos." A afirmação é de Ana Joaquim,oncologista no Centro Hospitalar deVila Nova de Gaia/Espinho. A obesidade

e a escassa atividade física são autên-ticos rastilhos para o cancro, doençascardiovasculares e diabetes, por fa-vorecerem a "produção de mediado-res pró-inflamatórios, como algumasinterleucinas e outras citocinas".Um estudo publicado em 2016 no

O EXERCÍCIOCONTRIBUIPARA REDUZIROS NÍVEISHORMONAIS DEINSULINA E DEESTROGENIOS,REDUZIRESTADOSINFLAMATÓRIOSE MELHQRARA FUNÇÃOIMUNITÁRIA

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Tempo ideal "Doses de atividadefísica inferiores a 20, 25 minutosdiários recomendados são sempremelhores do que não fazer nada",diz o médico Romeu Mendes

Briíish Medicai Journal já revelava queo sedentarismo era um fator de risco

para estados de inflamação crónica, a

porta de entrada para doenças can-cerígenas (na mama, no cólon ou napróstata), problemas cardiovasculares c

diabetes. Daí que as equipas médicas e

de investigação estejam focadas em in-cluir a atividade física nos tratamentosde doentes crónicos e também na fase

que se segue.Os resultados do projeto-piloto

MAMA_MOVE®, da Universidade daBeira Interior (ÜBT), recentemente pu-blicados na revista Psychology, Health& Medicine, revelaram um aumentoda qualidade de vida e uma melhoriada aptidão física nas mulheres emvigilância, após concluírem os trata-mentos de cirurgia, quimioterapia e

radioterapia. Na Covilhã, o programaabrangeu 30 participantes e a equipaque trouxe o prqjeto para Vila Novade Gaia quis apurar se os benefíciosse mantinham em aulas de grupo.O Programa de Exercício Físico Su-pervisionado para Sobreviventes deCancro da Mama, o MAMA.MOVEGaia, arrancou em novembro de 2017

e, incluído no grupo dos prioritáriospara promover a atividade física peloMinistério da Saúde, já está a dar os

primeiros frutos, pois "contraria a

desmotivaçâo para a prática de exer-cício após o choque do diagnóstico e

os efeitos secundários dos tratamen-tos, como fadiga, dores articulares e

redução da massa muscular".Na fase de projeto comunitário, que

durou um ano, com 40 pacientes segui-das em Gaia, "registou-se um aumentoda qualidade de vida". Desde julhode 2018, decorre uma pesquisa com60 mulheres, mas que podem chegaràs 80 participantes. Pretende-se ain-da, "até 2021, ter 45 mulheres a fazerexercício enquanto estão em quimiote-rapia e compará-las com um grupo de

controlo", remata a oncologista.O efeito protetor do exercício no

combate às células cancerígenas não

impede que "uma pessoa ativa possater um cancro, estamos a falar no geral",adverte a investigadora Dulce Esteves,do departamento de Ciências do Des-porto daUBI. Contudo, o trabalho feito

ao abrigo dos protocolos com centrosde saúde e ginásios permite confirmar"o impacto positivo do exercício na re-cuperação de funções", além de se reve-lar "uma terapia auxiliar para recuperara mobilidade e a capacidade de fazeresforço, numa lógica individualizada".

TODO O MOVIMENTO CONTAHá três anos, a American Associationfor Câncer Research lançou uma hi-pótese para explicar os mecanismosbioquímicos pelos quais o treino de re-sistência com exercícios aeróbicos trava

a incidência, a progressão de tumorese metástases nos tecidos hospedeiros(músculos esquelético e adiposo, me-dula óssea, fígado).Entretanto, o National Câncer Institute

lançou um documento com os 13 tiposde cancro cujo risco pode ser reduzidocom atividade física, definida enquanto"movimento que usa o tecido muscular

esquelético e requer mais energia do

que o estado de repouso". Das lidesdomésticas ao montanhismo e à nata-ção, os ganhos de saúde são sempre a

somar. Dos metaestudos apresentados,destacam-se os dos cancros do cólon,da mama e do endométrio, em que a

redução do risco varia entre os 24% e

os 12 por cento. O exercício contribui-ria para reduzir os níveis hormonaisde insulina e de estrogénios, prevenira obesidade e, com ela, a resistência à

insulina, reduzir estados inflamatóriose melhorar a função imunitária, alémde ter um efeito protetor no sistema

gastrointestinal, pela metabolizaçãodos ácidos biliares e pelo menor tempoda digestão.

4 perguntas a...

José Afonso, docente,pós-doutorado em periodizaçãodo exercício, desfaz alguns mitosrelacionados com a prática física

Os programas de treinofísico disponíveis no

universo do fitness têmfundamento científico?

Sabemos muito pouco acerca da

variação interindívidualem relaçãoao treino. No campo do desportoe da saúde, existem crenças semfundamento científico. Não devemoslimitar-nos a segui-las, olhandomais para as especificidadesdo caso concreto que temos à frente.

Metade dos cidadãos

portugueses é

insuficientemente ativa.0 que lhes recomenda?

Toda e qualquer atividade física é

preferível a passar uma hora sentadono sofá. Caminhar algumas vezes

por semana é melhor. Fazer corrida,mais ainda. 0 exercício físico previnea atrofia muscular e promove a saúde.

Comer menos e melhor

dispensa a atividade física

e a prática de exercício?

Não, mas devo dizer que perderpeso através do exercício é menoseficaz do que através de uma

nutrição adequada. Ambos contam,mas é fundamental consultarum nutricionista.

0 que dizer a quem acha quefazer amor regularmentedispensa a ida ao ginásio?

É uma atividade física que queimaalgumas calorias e que produz bem--estar, mas o exercício é mais do

que isso. Nenhum substitui o outro e

cada um envolve grupos muscularesdistintos.

Ser fisicamente ativo ao

longo da vida compensaou nem por isso?

Aumentar a densidade minerale a resistência até aos 20 e poucosanos é crucial para a massa óssea quevamos ter nos seguintes 30 ou 40 anos.

Quanto mais cedo começar, melhor,sobretudo para as mulheres, mais

expostas à perda gradual de massaóssea.

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Um estudo mais recente, divulga-do este ano na revista online PLoS,do Departamento de Patologia e Me-dicina Molecular da Universidade de

McMaster, no Canadá, demonstrouque o treino aeróbico ao longo da vidaretarda os estados inflamatórios asso-ciados ao envelhecimento e chamou--lhe "inflammaginq" (in/!ammation+ aging). Importa referir ainda que a

experiência foi feita com ratinhos e queos corredores, face aos sedentários, ti-nham níveis de citocinas e quimiocinasbem inferiores e, portanto, estavammais protegidos contra a perda demassa muscular e óssea e patologiasdiversas, cancerígenas incluídas, de quepadeciam os outros.

Estes dados seguem na linha de

pesquisas realizadas com pessoas demeia-idade. Uma pesquisa brasilei-ra envolvendo mais de mil mulherescom idades entre os 45 e os 59 anos,mostrou que a prática de 60 minutosdiários de atividade com intensidademoderada tinha ganhos físicos (bem--estar corporal, menos dores, insóniae fadiga), sendo apenas necessários30 minutos para obter benefícios psi-cológicos e sociais (na autoestima, na

autoimagem e no bem-estar subjetivo).E nos homens? A equipa liderada

pela epidemiologista June Chan, naUniversidade da Califórnia, nos EUA,encontrou mais de 180 modificaçõesgenéticas em praticantes de desporto(ténis, natação e jogging), que con-trastava com os genes dos que não o

faziam. Noutra investigação divulgadaantes, no Journal o/ Clinicai Oncology,com pacientes oncológicos, ficou claro

APÓS0 EXERCÍCIO,SÃO LIBERTADOSPARA ACIRCULAÇÃOSANGUÍNEAPRODUTOS QUETÊM UM EFEITOINIBITÓRIOSOBRE OCRESCIMENTODE CÉLULASTUMORAIS

que o risco de morte era reduzido emmais de metade dos casos com a práticade atividades vigorosas durante três oumais horas semanais, traduzindo-se noaumento de genes supressores nas fases

iniciais de tumores da próstata, influen-ciando ainda a reparação do ADN.

MUDAR (MAUS) HÁBITOS

De pouco ou nada adianta queixar-sedo elefante no meio da sala, ou do

problema que se vai deixando andaraté que surja uma crise e tenha de o

gerir com menos margem de manobra.

"São poucas as situações de obesidade

por predisposição genética, a maioriadeve-se ao sedentarismo e à alimen-tação", afirma José Afonso, docente daFaculdade de Desporto da Universidadedo Porto e pós-doutorado em Periodi-

zação do Exercício.A boa notícia é que, mesmo em pes-soas obesas, mais propensas a proces-sos inflamatórios, e pessoas doentes,"o exercício melhora a capacidadecardiovascular e outros indicadoresde saúde, além de oferecer mais bem--estar". O investigador reconhece queos pacientes com cancro podem teralgumas limitações por estarem imu-nodeprimidos, sem que isso compro-meta, bem pelo contrário, as inúmeras

vantagens do treino supervisionado e

adaptado à situação, acrescentando que"na patologia cardíaca, por exemplo, jáse arrisca em treinos com mais intensi-dade e que estão a ter resultados muitointeressantes".

José Afonso vai ser um dos ora-dores da Exercise Summit, que temlugar nos dias 11 e 12 deste mês, emLisboa. Na palestra A Pseudociênciasobre a Periodização do Exercício, a

intenção é desconstruir ideias feitas e

oriundas do desporto de competiçãoque conferem uma falsa sensação de

segurança às pessoas. Indo além douniverso desportivo, o que funciona

para afastar doenças?

Segundo o Programa Nacionalpara a Promoção de Atividade Física(PNPAF), da Direção-Geral de Saúde,"adultos saudáveis devem praticar 150

minutos semanais de atividade físicamoderada, ou 75 minutos de atividade

vigorosa, ou combinação equivalente".Crianças e adolescentes devem acu-mular 60 minutos de atividade físicade intensidade moderada a vigorosa.E em qualquer destes cálculos, consi-dera-se ainda que a duração mínimados períodos ativos é de 10 minutos.Romeu Mendes, médico doutorado em

Só mais um

bocadinho!Para ter ganhos de saúde

importantes é preciso fazerajustes, mostra o Inquérito

Alimentar Nacional e deAtividade Física (2017)

42,6%DOS PORTUGUESESSÃO SEDENTÁRIOS

OU INATIVOSMais de sete horas por dia

sentado, em trabalho ou emlazer, e menos de meia hora

diária ativo é algo a evitar

30,3%DA POPULAÇÃO

É INSUFICIENTEMENTEATIVA

Quase um terço dos

portugueses com mais de

14 anos mexe-se pouco(abaixo das recomendações

internacionais)

,1%DOS PORTUGUESES

SÃO ATIVOSEste grupo ultrapassou a

fasquia a partir da quaL é

possível obter, com algumaexpressão, ganhos em saúde

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DOSMETAESTUDOSAPRESENTADOS,DESTACAM-SEOS DOS CANCROSDO CÓLON, DAMAMA E DOENDOMÉTRIOiEMQUE A REDUÇÃODO RISCO VARIAENTRE OS 24%E OS 12%

Exercício e Saúde e diretor-adjuntodo PNPAF, salienta a importância de

manter o corpo fit, evitar o sedenta-rismo e fintar as principais doençascrónicas não transmissíveis, "o cancro,a diabetes, as doenças cardiovasculares

e a doença mental (depressão), sendo

que o principal destes quatro inimigosé a obesidade".

A atividade física reduz a secreção de

adipocitocinas (substâncias produzidaspela gordura), que estão na origemdas inflamações e doenças. Isto é tudomuito bonito em teoria, mas segundoo Eurobarómetro 2014, mais de metade

dos portugueses com idade superior a

IS anos justificava a falta de atividadefísica regular pela falta de tempo (33%)e de motivação (26%), sem contar comos 19% que acham demasiado caraa opção do ginásio. Entre o ideal e o

possível, Romeu Mendes lembra que hámais maneiras de interromper o tem-

po sentado, bem como de fortalecer e

manter robustos os músculos, ossos e

articulações: "Doses de atividade físicainferiores a 20, 25 minutos diários re-comendados são sempre melhores do

que não fazer nada."

A prática de atividade física e regu-lar, "que é a grande mudança de para-digma advogada pela OMS nos últimos

anos", está ao alcance de todos, os quetiveram e têm problemas de saúde, os

que desejam fintar a doença e aqueles

que apostam em comportamentos de

promoção de saúde ao longo da vida."Basta deixar o carro a 15 minutos dolocal de destino para já estar a ganhar."Daí em diante, os limites para capitali-zar bem-estar são os da sua imaginaçãoe... determinação. l'l [email protected]

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