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Estrutura Administrativa das Sociedades Anônimas** Oscar Barreto Filho Professor Titular de Direito Comercial da Facilidade de Direito da Universidade de São Paulo Em sentido formal, a administração da sociedade anônima compreende o conjunto dos órgãos instituídos para a conse- cução do objeto social; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias ao desempenho, pela sociedade anônima, de sua peculiar atividade empresarial. De modo amplo, integram-se na estrutura administrativa da companhia, preordenada à satisfação dos fins sociais, os órgãos cuja existência é prevista na lei, (assembléia geral, conselho de administração, diretoria e conselho fiscal) ou no estatuto (conselho técnico-consultivo). Em sentido restrito, abrange a administração da companhia apenas os órgãos dire- tamente incumbidos de gerir os bens e interesses sociais, nos limites dos preceitos legais e estatutários, ou seja, o conselho de administração e a diretoria. A nova lei prevê um aparato complexo e dispendioso para o funcionamento da sociedade anônima, tornando aconselhável a sua plena utilização apenas pelas grandes empresas. No entanto, muitas das fórmulas alvitradas não são de adoção obrigatória, e sim opcional (v.g. o conselho de administração e o conselho fiscal), de sorte que a forma anônima também pode ser escolhida para empresas de médio porte, com as in- dispensáveis adaptações. Como afirmou o Deputado TANCREDO NEVES, relator da matéria na Câmara Federal: "Na verdade, não é fácil con- *. Conferência proferida no Curso de Extensão Universitária sobre A Nova Lei das Sociedades Anônimas, no salão nobre da Faculdade de Direito da Univer- sidade de São Paulo, em 30 de abril de 1977.

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Sociedades Aninonimas

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  • Estrutura Administrativa das Sociedades Annimas**

    Oscar Barreto Filho Professor Titular de Direito Comercial da Facilidade de Direito da Universidade de

    So Paulo

    Em sentido formal, a administrao da sociedade annima compreende o conjunto dos rgos institudos para a conse-cuo do objeto social; em sentido material, o conjunto das funes necessrias ao desempenho, pela sociedade annima, de sua peculiar atividade empresarial.

    De modo amplo, integram-se na estrutura administrativa da companhia, preordenada satisfao dos fins sociais, os rgos cuja existncia prevista na lei, (assemblia geral, conselho de administrao, diretoria e conselho fiscal) ou no estatuto (conselho tcnico-consultivo). E m sentido restrito, abrange a administrao da companhia apenas os rgos dire-tamente incumbidos de gerir os bens e interesses sociais, nos limites dos preceitos legais e estatutrios, ou seja, o conselho de administrao e a diretoria.

    A nova lei prev u m aparato complexo e dispendioso para o funcionamento da sociedade annima, tornando aconselhvel a sua plena utilizao apenas pelas grandes empresas. N o entanto, muitas das frmulas alvitradas no so de adoo obrigatria, e sim opcional (v.g. o conselho de administrao e o conselho fiscal), de sorte que a forma annima tambm pode ser escolhida para empresas de mdio porte, com as in-dispensveis adaptaes.

    Como afirmou o Deputado T A N C R E D O N E V E S , relator da matria na Cmara Federal: "Na verdade, no fcil con-

    *. Conferncia proferida no Curso de Extenso Universitria sobre A Nova Lei das Sociedades Annimas, no salo nobre da Faculdade de Direito da Univer-sidade de So Paulo, em 30 de abril de 1977.

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    ciliar no bojo de uma mesma lei os interesses e objetivos de empresas que se diversificam na sua extenso, finalidades, na fora de seu capital e na complexidade dos seus instrumentos de ao".

    Reservada, pois, a forma annima para a "grande empresa nacional" e para algumas empresas de porte mdio, resta como alternativa s pequenas empresas transformar-se em socie-dades por quotas de responsabilidade limitada. Neste sentido, o art. 298 da lei n. 6.404 faculta transitoriamente s com-panhias existentes, com capital inferior a cinco milhes de cruzeiros, deliberar, pelo voto de acionistas que representem dois teros do capital social, a sua transformao em socie-dade limitada, assegurado aos dissidentes o direito de recesso.

    A o contrrio do Decreto-lei n. 2.627, de 1940, cuja sis-temtica adaptava-se bem s sociedades fechadas, a nova lei teve em mira criar u m instrumento de atuao para a grande empresa. Atendendo s necessidades inerentes a uma econo-mia em processo de desenvolvimento e conseqente expanso do mercado de capitais, procurou-se organizar o modelo legal sob o enfoque da sociedade aberta, que a verdadeira socie-dade annima, instrumento bsico de mobilizao da poupana e democratizao da riqueza.

    Animada por esse esprito, a nova lei brasileira aceita as solues teis da concepo anglo-americana, que se irra-diou pela Europa (Alemanha, Frana) e no Japo. Neste particular, observa-se que muitas regras insertas na lei no constituem propriamente novidades em nosso meio, pois vinham sendo progressivamente difundidas na prtica societria e acolhidas pela jurisprudncia.

    Do ponto de vista lgico-formal, a Lei n. 6.404 bem traada e atualizada, e os autores do anteprojeto merecem lou-vores pela rigorosa disciplina formal de seus dispositivos. Resta apenas saber o que a experincia demonstrar se o modelo proposto realmente adequado s dimenses e ao nvel do meio scio-econmico de nosso pas.

    Justamente com o intuito de oferecer uma variante mais adaptada s exigncias do nosso meio, tivemos ensejo de su-gerir, atravs da emenda apresentada pelo Deputado Luiz B R A Z , a insero na lei de dispositivo eximindo as companhias fechadas, com menos de vinte acionistas titulares de aes nominativas inconversveis e cujo capital seja inferior a dado limite, do cumprimento de formalidades desnecessrias, tal

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    como dispe o art. 294. Nossa sugesto inspirou-se no exemplo das private companies inglesas e norte-americanas, sujeitas a u m regramento legal menos rgido.

    Variados so os aspectos jurdicos, tcnicos, financeiros, ou de convenincia e oportunidade administrativas, que enseja a anlise do novo texto legal. Dentro dos limites deste estudo, vamos cingir-nos s inovaes de maior tomo, no pressuposto de que a legislao anterior seja de todos conhecida.

    Assemblia Geral.

    a assemblia geral o centro de competncia poltica da companhia, legalmente investida de poderes decisrios sobre todos os negcios e matrias relativos ao objeto social. Nela reside a expresso poltica de comando, de iniciativa, de fi-xao de objetivos da companhia, e, eventualmente, de inovao do estatuto social.

    N o exerccio de sua competncia originria e privativa, cabe assemblia geral eleger e destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia. Da a preeminncia de suas funes, no plano terico, embora na prtica as coisas se passem de modo diferente, tal como ocorre no Estado.

    Definindo os poderes da assemblia geral, o art. 121 no mais se refere ao objeto de explorao da sociedade, como acontecia na lei anterior (art. 87 do decreto-lei n. 2.627), induzindo destarte a admissibilidade de holding pura, cujo objetivo se esgota em participar do capital de outras empresas.

    Dentre as normas recolhidas da praxe forense, assinale-se a dispensa, em caso de urgncia, da prvia deliberao da as-semblia geral para a confisso de falncia ou o pedido de concordata pelos administradores, com a concordncia do acio-nista controlador (art. 122, pargrafo nico).

    N o tocante competncia para convocao da assemblia geral, normalmente deferida ao conselho de administrao, se houver, ou aos diretores, em carter substitutivo (art. 123 combinado com o art. 150, 1.).

    Observa-se iterativamente no texto legal a preocupao constante de tutela dos interesses e direitos da minoria, inclu-sive atravs da fixao de percentual menor de participao acionria (geralmente cinco por cento) para o exerccio dos direitos previstos em lei (v.g. o pedido de convocao da as-semblia) .

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    Outorga a Lei n. 6.404 aos acionistas minoritrios u m feixe de poderes e faculdades que, no conjunto, so aptos a propiciar-lhes eficaz atuao na defesa de seus interesses. Assim que, nas sociedades fechadas, o acionista que repre-sentar cinco por cento ou mais do capital social, ser pessoal-mente convocado por telegrama ou carta registrada, expedidos com a antecedncia legal, desde que o solicite por escrito companhia (art. 124, 3.). N a mesma solicitao, poder o acionista pedir a remessa de cpia dos documentos da admi-nistrao a serem submetidos assemblia ordinria (art. 133, 2.). E, concomitantemente, -lhe facultado pedir ao conselho fiscal informaes sobre matrias de sua competncia (art. 163, 6.). Note-se bem, a respeito das publicaes de anncios de convocao, que sero efetuadas sempre no mesmo jornal, devendo qualquer mudana ser precedida de aviso aos acio-nistas (art. 289, 3.).

    Atenta a consideraes de ordem pragmtica, inscreve a nova lei a norma administrativa segundo a qual, independen-temente das formalidades legais, ser considerada regular a assemblia geral a que comparecer a totalidade dos acionistas, sem distinguir, todavia, entre os titulares de aes ordinrias ou preferenciais (art. 124, 4.). Neste passo, como em outros, afastou-se a lei do rigor formalista que, em outras pocas, inva-lidava reunio desse teor, que o Prof. W A L D E M A R FERREIRA comparava a mero "ajuntamento" .

    E m virtude de emenda do Senado, prevaleceu o texto ori-ginal do projeto, que permite a representao voluntria na assemblia geral por administrador da companhia (art. 126, 1.). No obstante a crtica dos que vislumbram flagrante incompatibilidade no desempenho simultneo das duas funes, dada a eventual colidncia de interesses, assegurou-se aos di-retores o exerccio do procuratrio, ressalvada a aprovao das prprias contas (art. 134, 1.), a menos que os diretores sejam os nicos acionistas ( 6.). E m contrapartida, os advo-gados de acionistas so legitimados a comparecer assem-blia, independentemente da condio de acionista, como exigia a lei anterior.

    Prevendo a possibilidade de embates eleitorais, atravs da montagem da proxy machinery, a lei defere Comisso de Valores Mobilirios a incumbncia de regulamentar o pedido de procurao, mediante correspondncia ou anncio; no en-tanto, em ateno eqidade, faculta ao acionista detentor de

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    meio por cento do capital social a obteno de relao dos acionistas da companhia, para idntica finalidade (art. 126, 2. e 3.).

    Resolvendo problema que deu azo a controvrsia, per-mite-se ao estatuto da companhia fechada aumentar o quorum exigido para certas deliberaes, desde que especifique as ma-trias (art. 129, 1.). disciplinada pela nova lei a hiptese de empate na votao, no prevista pelo diploma revogado, remetendo-se a deciso final ao Poder Judicirio, soluo que tem sido objeto de reservas (art. 129, 2.).

    A ata da assemblia pode ser redigida de forma sumria e conter apenas a transcrio das deliberaes tomadas, desde que nela sejam referidas e juntamente arquivadas as decla-raes de voto ou dissidncia, propostas e protestos apresen-tados, deles se entregando cpias ao interessado (art. 130).

    A nova legislao alterou substancialmente os critrios ide distino entre as espcies de assemblia, adotando o cri-trio funcional em substituio ao critrio temporal da lei anterior. De maneira mais lgica, define como ordinria a assemblia geral quando tem por objeto as matrias previstas no art. 132 (tomada de contas, destinao de lucros e eleio dos administradores e fiscais), e extraordinria nos demais casos. Dispe ainda a lei que a assemblia ordinria e a extra-ordinria podero ser, cumulativamente, convocadas e reali-zadas no mesmo local, dia e hora, instrumentadas em ata nica. Basta que a matria conste expressamente da convocao e haja o quorum necessrio (art. 131, pargrafo nico).

    Preceituando acerca do procedimento a observar na as-semblia ordinria, exige a lei a presena dos administradores e tambm do auditor independente, se houver para atender a pedidos de esclarecimentos; na hiptese de no comparecimento, poder ser adiada a deliberao (art. 134, 1. e 2.). Sero republicadas as demonstraes financeiras, no caso de a as-semblia aprovar modificao no montante do lucro do exer-ccio ou no valor das obrigaes da companhia (art. 134 4.).

    No h alterao no tocante ao quorum de instalao da assemblia ordinria, que continua o mesmo; entretanto, para a instalao da assemblia extraordinria o quorum de dois teros passa a ser exigido apenas em primeira convocao, instalando-se em segunda com qualquer nmero (art. 135).

    O quorum qualificado de metade, no mnimo, das aes votantes, se maior nmero no for exigido pelo estatuto da

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    companhia fechada, para deliberao sobre assuntos deter-minados, sofreu modificaes fundamentais, quanto rea de abrangncia. Assim, dispensada a exigncia de maioria qualificada para deliberar sobre criao de aes preferenciais ou aumento de classe existente, quando tais atos j sejam pre-vistos ou autorizados pelo estatuto; h supresso da maioria qualificada, para a deliberao sobre criao de obrigaes ao portador (debntures), e, ainda, sobre proposta de con-cordata preventiva ou suspensiva da falncia. E m contra-partida, exige-se maioria qualificada para a alterao do divi-dendo obrigatrio, mudana do objeto (mesmo secundrio ou acidental) da companhia e tambm para participao em grupo de sociedades (art. 136 e incisos). Permite-se que a Comisso de Valores Mobilirios reduza o quorum qualifi-cado, no caso de companhia aberta com a propriedade das aes dispersa no mercado (art. 136, 2.). O direito de retirada, que integra o elenco dos direitos essenciais do acionista, regulado pela lei com amplitude maior, incluindo os novos casos de alterao do dividendo obrigatrio e participao em grupo de sociedades. assegurado ao acio-nista dissidente o reembolso do valor de suas aes, ainda quando abstinente ou ausente reunio (art. 137, 1.). Enseja a lei, outrossim, a retirada estratgica da admi-nistrao, facultando a convocao de nova assemblia para reconsiderar ou ratificar a deliberao, se o pagamento do preo de reembolso das aes aos acionistas dissidentes colocar em risco a estabilidade financeira da empresa (art. 137, 2.).

    Conselho de Administrao e Diretoria

    A direo dos negcios e a gesto dos bens e interesses da sociedade confiada a u m ou mais rgos, cujas atribui-es e poderes variam segundo os princpios que inspiram as legislaes e as solues concretas por elas adotadas. Em consonncia com a concepo tradicional, que atribui poder soberano assemblia de acionistas, os administradores so considerados mandatrios dos scios, e por estes direta-mente nomeados e destitudos. Este critrio, aceito pela lei francesa de 1867, ainda adotado na maioria dos pases fi-liados ao sistema continental europeu, de tradio latina. Ex-cetuam-se apenas as legislaes de tipo germnico (Repblica Federal Alem, ustria e Holanda) e os pases de common law

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    N a Frana, a reforma de 1966 faculta a opo entre o sistema tradicional e o modelo alemo, a seguir examinado.

    Os novos dados da realidade poltica, social e econmica, em nossos dias, determinaram o superamento da concepo tradicional de administrao da sociedade annima, e a apa-rio de novos modelos de organizao oferecidos pelo Direito Comparado: o modelo alemo e o modelo norte-americano.

    A lei alem de 1937, tendo em vista as crescentes dimen-ses das empresas, o conseqente distanciamento dos acio-nistas do controle da gesto, a afirmao progressiva da dou-trina institucionalista em contraposio teoria contratualista, o prprio clima poltico da poca, procurou afirmar o prin-cpio da autoridade na administrao social (Fhrer prinzip).

    A legislao germnica distingue-se por dois aspectos fundamentais:

    a) pela subtrao, da assemblia de acionistas, da com-petncia para a nomeao dos administradores inves-tidos de poderes executivos, e tambm para a apro-vao dos balanos anuais;

    b) pela repartio e especializao de tarefas entre os dois rgos que compem a administrao, em sen-tido lato: o Conselho de Superviso (Aufsichtsrat), eleito pela assemblia geral, ao qual compete a no-meao dos diretores; e a Diretoria (Vrstand) qual compete diretamente a gesto dos negcios sociais.

    Segundo a disciplina da lei alem, aos dois rgos da administrao competem funes distintas e indelegveis. Cabe ao Conselho de Superviso, como rgo representativo dos detentores do capital, o exerccio das principais funes ordinrias tradicionalmente confiadas assemblia: nomea-o e destituio dos diretores, fiscalizao de sua atuao, aprovao dos balanos anuais. A gesto tcnica da sociedade, inclusive todas as iniciativas administrativas, compete exclu-sivamente Diretoria. N o modelo alemo, a administrao social incumbe a dois rgos colegiados inteiramente distintos e com funes prprias.

    E m conseqncia, as funes da assemblia tendem a en-fraquecer-se, tornando-se esta u m rgo com competncia excepcional e limitada, rigorosamente estabelecida pela lei. N o sistema alemo, a competncia da assemblia ordinria

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    tende a ser atribuda ao Conselho de Superviso, revestindo este da natureza de uma mini-assemblia, no qual esto repre-sentados todos os grupos de acionistas, e eventualmente, o pessoal da empresa. C o m ligeiros retoques, este sistema foi confirmado pelo Aktiengesetz de 1965, e inspirou o projeto de lei uniforme sobre a sociedade annima europia. A prtica norte-americana fixou um modelo espelhado nas leis de vrios Estados da Unio, segundo o qual os cargos de administradores com funes executivas tendem a coincidir freqentemente com aqueles exercidos pelos funcionrios mais graduados da empresa.

    O sistema americano compreende u m Conselho de Admi-nistrao (Board of directors) eleito pela assemblia de acio-nistas, no qual se integram os executive officers (Ballantine, On Corporations, p. 137 e segs.). A partir das obras clssicas de BERLE-MEANS e de BUR-NHAM, intensificou-se a anlise dos aspectos jurdicos da chamada "revoluo gerencial", fenmeno que se caracteriza, em termos institucionais, pela separao entre propriedade e gesto tcnica no mbito da grande empresa.

    As crescentes exigncias de especializao inerentes ao exerccio das funes de administrador deslocaram sua escolha do mbito da assemblia; verifica-se, ao mesmo tempo, uma mudana na natureza da relao jurdica, acrescentando-se figura tradicional do mandato elementos do contrato de tra-balho subordinado. Da falar-se em gesto tcnica assalariada.

    A lei passa a reconhecer aos administradores poderes ex-clusivos no derivados da assemblia ou por ela avocveis. Afirma-se, cada vez mais, o carter orgnico, e no contratual da administrao.

    Nas legislaes anglo-saxnicas, superada a figura do "trust", fala-se agora numa "fiduciary relationship", no to-cante aos administradores, enquanto que os diretores executi-vos (managing directors) celebram com a sociedade u m con-trato de servio.

    A grande inovao da Lei n. 6.404 a consagrao do modelo norte-americano, ao admitir, em carter facultativo, a opo pela administrao colegiada, atravs do Conselho de Administrao (rgo de representao dos titulares do ca-pital), que por sua vez nomeia a Diretoria (rgo de gesto quotidiana da empresa).

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    Essa estrutura reflete a tendncia natural da grande empresa, tanto que o Conselho de Administrao obrigatrio nas companhias abertas, nas de capital autorizado e nas so-ciedades de economia mista (arts. 138, 2. e 239). As socie-dades fechadas podero manter o tipo tradicional disciplinado pelo revogado Decreto-lei n. 2.627, sem a rgida dissociao entre funes deliberantes e funes executivas, peculiar ao novo esquema estrutural.

    Cabe ao estatuto regular a composio e o funcionamento do Conselho de Administrao, observado o nmero mnimo de trs membros, eleitos pela assemblia geral e por ela des-tituveis, com prazo de gesto no superior a trs anos, admi-tida a reeleio (art. 140).

    A representao proporcional das minorias no Conselho de Administrao assegurada atravs do processo de voto uninominal ou mltiplo. O art. 141 faculta aos acionistas que representem, no mnimo, u m dcimo do capital votante, esteja ou no previsto no estatuto, requerer a adoo do voto mlti-plo, atribuindo-se a cada ao tantos votos quantos sejam os membros do conselho, reconhecido ao acionista o direito de cumular os votos n u m ou alguns candidatos de sua escolha. Existem frmulas matemticas para a determinao do n-mero de aes necessrias para a eleio de u m nmero dese-jado de administradores, ou, inversamente, para determinao do nmero de administradores que se pode eleger com u m determinado nmero de aes. Se o nmero de conselheiros for inferior a cinco, facultada aos acionistas que represen-tem 2 0 % do capital votante, a eleio de u m dos membros do conselho.

    Como declara a exposio justificativa dos autores do projeto, "essa soluo no pode ser adotada na eleio de Diretores, cuja escolha por diferentes grupos de acionistas colocaria em risco a imprescindvel unidade administrativa; deliberar pode ser funo exercida por rgo colegiado, pelo voto da maioria, mas a execuo exige unidade de comando".

    Estabelece o art. 142 a competncia do Conselho, que essencialmente u m rgo deliberativo, revestindo-se do carter de comisso permanente da assemblia geral. Entre outras atribuies, cabe-lhe definir o plano de ao da companhia, autorizar a alienao ou onerao de bens do ativo perma-nente e a prestao de garantias a obrigaes de terceiros, atribuies que no regime anterior eram da alada da assem-blia geral.

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    A competncia da Diretoria restrita s tarefas exe-cutivas e de representao da sociedade. composta de dois ou mais diretores eleitos e destituveis a qualquer tempo pelo Conselho de Administrao ou, se inexistente, pela assemblia geral, permite a lei que os membros do Conselho, at o mximo de u m tero, sejam eleitos para cargos de diretores, providncia recomendvel a fim de possibilitar a melhor coordenao e a convivncia harmnica entre os dois rgos (art. 143, 1.). As procuraes outorgadas em nome da companhia devero especificar a durao do mandato, ressalvado o caso de man-dato judicial.

    Por fora de emenda da Cmara dos Deputados, no po-dero ser eleitas para membros dos rgos de administrao as pessoas jurdicas, devendo, ademais, as pessoas naturais ser residentes no pas e, ainda, ter os membros do conselho a qualidade de acionistas (art. 146). Justifica-se plenamente a restrio quanto aos diretores, que exercem funes executi-vas e de representao externa da companhia. No entanto, tendo em vista o critrio determinante da adoo do rgo de deliberao colegiada, que o de assegurar a representao proporcional dos diversos grupos acionrios, no se afigura vlida a restrio no tocante ao provimento de pessoa jurdica como conselheiro. A conseqncia neces-sria ser a designao de delegados pelas pessoas jurdicas, mormente as companhias estrangeiras, para o exerccio das funes de conselheiros, retirando ao rgo a desejvel au-tenticidade. A fim de assegurar o funcionamento permanente da com-panhia, o art. 150 prove sobre a substituio dos adminis-tradores. A lei estabelece critrios de remunerao dos administra-dores, fixando alguns parmetros com o propsito de prevenir eventuais distores. Os administradores somente faro jus participao nos lucros sociais desde que seja atribudo aos acionistas o dividendo obrigatrio (art. 152, 2.). No tocante aos deveres e responsabilidades dos adminis-tradores, a Lei n. 6.404 mais precisa e minuciosa do que o decreto-lei revogado, procurando fixar os padres ticos de comportamento dos dirigentes da empresa, em consonncia com o alto grau de responsabilidade social de que se acham investidos. O administrador, ainda quando eleito por grupo ou classe de acionistas, tem para com a companhia os mesmos

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    deveres que os demais, e deve trabalhar em prol do interesse social.

    A nova lei, de forma especfica, define o dever de dili-gncia, enumera os casos de abuso ou desvio de poder (art. 154), refere-se ao dever de lealdade para com a sociedade (art. 155), regula o comportamento dos administradores em caso de conflito de interesses (ar. 156), explicita as obrigaes inerentes ao dever de informar (art. 157).

    Tratando das proibies impostas ao administrador, o art. 154, 2., distingue entre a prtica de atos de liberalidade e o uso de bens, servios ou crdito da companhia no interesse social. As vantagens pessoais recebidas de terceiros em razo do exerccio do cargo devem ser repostas aos cofres da so-ciedade.

    A lei regula, de forma satisfatria, a questo do inside trading, vedando ao administrador o uso, em benefcio prprio ou de outrem, das oportunidades comerciais de que tenha co-nhecimento em razo do cargo (art. 155). Impe ao adminis-trador de companhia aberta o dever de informar assemblia geral os benefcios ou vantagens, indiretas ou complemen-tares, que venha recebendo da companhia e de sociedades coli-gadas, ou seja, os chamados fringe benefits do direito norte--americano (art. 157, 1., alnea c).

    Embora no seja proibido, de modo absoluto, de contratar com a companhia, o administrador deve faz-lo s claras, cien-tificando os demais administradores, bem como observando condies razoveis ou equitativas, idnticas s que prevale-cem no mercado (art. 156).

    A responsabilidade civil dos administradores definida pelo art. 158 em termos idnticos preceituao constante dos arts. 121 e 122 do Decreto-lei n. 2.627/40. O 5. cuida da cumplicidade de terceiro na prtica de ato com violao da lei ou do estatuto, impondo-lhe a responsabilidade solidria, a exemplo do 117 da lei alem de 1965.

    A deliberao de responsabilizar os administradores pela prtica de atos ilcitos caber assemblia geral; o adminis-trador indiciado ficar impedido e dever ser substitudo na mesma assemblia (art. 159, 1. e 2.). Qualquer acionista poder promover a ao uti singulis, se no for proposta no prazo de trs meses da deliberao da assemblia geral. Se esta deliberar no promover a ao, poder ser proposta por acionistas que representem 5 % do capital social. O juiz poder

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    reconhecer a excluso da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa f e visando ao interesse da companhia. Conselho Fiscal.

    O Conselho Fiscal sofre modificaes bsicas na siste-mtica da Lei n. 6.404, visando a assegurar-lhe condies de eficaz atuao na fiscalizao dos rgos da administrao. Colocando-se a meio caminho entre os que defendem a manu-teno do rgo fiscalizador, principalmente com vistas pro-teo dos acionistas dissidentes, e aqueles que propugnam pela sua extino, a nova lei deixa ao estatuto da companhia dis-crio para dispor sobre o seu funcionamento permanente ou apenas quando solicitado por minorias acionrias (art. 161). O seu funcionamento permanente ser obrigatrio somente nas companhias de economia mista (art. 240).

    O Conselho Fiscal ser composto de no mnimo trs e no mximo cinco membros, e suplentes em igual nmero, eleitos pela assemblia geral. Quando no for permanente, ser ins-talado pela assemblia geral, a pedido de acionistas que repre-sentam pelo menos u m dcimo das aes com direito a voto, ou 5 % das aes sem direito a voto, e cada perodo de funcio-namento terminar sempre na primeira assemblia ordinria aps a sua instalao.

    N a sua constituio, tero assento u m representante das aes preferenciais sem direito a voto, e u m representante dos acionistas minoritrios que somem dez por cento das aes votantes, e os respectivos suplentes; caber aos demais acio-nistas com direito a voto eleger os restantes fiscais, que, em qualquer caso, sero em nmero igual aos acima qualificados, mais um.

    Exige o art. 162 como requisito para investidura no Con-selho Fiscal a qualificao em curso de nvel universitrio, ou o exerccio, por prazo mnimo de trs anos, em cargo de admi-nistrador de empresa, ou de conselheiro fiscal (art. 162). No vemos, porm, em que a capacitao em curso universitrio, genericamente, possa induzir a presuno de competncia para o desempenho de funo que pressuponha conhecimentos tc-nicos especializados. Lembrem-se, por exemplo, os casos de di-plomados em artes, letras, filosofia ou teologia, cujas reas de conhecimentos nada tm a ver com a administrao e economia empresariais. Evidentemente, no foi feliz a frmula legal, que apenas corporifica o novo mito do "nvel universitrio", em desacordo com a realidade factual.

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    Ainda com o intuito de assegurar condio de eficincia ao Conselho Fiscal, em consonncia com as responsabilidades inerentes ao desempenho da funo, estabelece a lei remune-rao condigna, que no poder ser inferior, para cada membro em exerccio, a u m dcimo da que, em mdia, for atribuda a cada diretor, no computada a participao nos lucros (art. 162, 3.). No esclarece o texto se a remunerao anual ou proporcional aos meses em que houver efetivamente fun-cionado o Conselho Fiscal. As atribuies do Conselho foram ampliadas pelo art. 163, no se limitando apenas auditoria contbil, mas abrangendo poderes de fiscalizao dos administradores e de informao da assemblia geral. Alm das funes de contraste e anlise dos relatrios, propostas e demonstraes financeiras, incumbe -lhe acompanhar, efetivamente, a ao dos administradores, submetendo seus atos apreciao crtica. C o m efeito, com-pete ao Conselho Fiscal, nos termos do art. 163, IV, "denunciar aos rgos de administrao e, se estes no tomarem as provi-dncias necessrias para a proteo dos interesses da compa-nhia, assemblia geral, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providncias teis companhia". Para aumentar a eficincia do rgo, impe a lei aos membros do Conselho Fiscal o dever de assistir s reunies do Conselho de Administrao, se houver, ou da Diretoria, em que se deliberar sobre os assuntos e m que devam opinar (art. 163, 3.). Se a companhia no tiver auditores independentes, o Conselho Fiscal poder escolher contador ou firma de audi-toria e fixar-lhes os honorrios, os quais sero pagos pela sociedade. Pelo menos um dos membros do Conselho Fiscal dever comparecer s reunies da assemblia geral e responder aos pedidos de informaes dos acionistas; seus pareceres podero ser apresentados e lidos na assemblia independentemente de publicao, a fim de resguardar fatos sigilosos (art. 164 e pargrafo nico). A responsabilidade do membro do Conselho Fiscal defi-nida pelo art. 165 em termos semelhantes a dos administradores. individual, no tocante aos atos ilcitos de outros membros para cuja prtica no tenha concorrido, e solidria, por omis-so no cumprimento dos seus deveres, a menos que manifeste por escrito sua divergncia e a comunique aos rgos da admi-nistrao e assemblia geral.