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PARECER Doação a Instituição Religiosa e a Emenda Constitucional N.o 1/69 Eros Roberto Grau Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. I. Posição da questão 1 A Companhia de Desenvolvimento de São Paulo — CODESPAULO sociedade cuja maioria de capital social é detida pela Fazenda do Estado de São Paulo — vem promo- vendo, no desenvolvimento de suas atividades, a implantação de conjuntos habitacionais, nos quais se reclama, além da instalação de centros comunitários e de lazer, a ereção de templos religiosos. Em um caso específico — do conjunto habitacional de Franca, no qual 146 casas são edificadas —, em atendimento à solicitação dos moradores, vem-se cogitando de a CODESPAULO proceder à doação de área de seu patrimônio à Diocese de Franca, a fim de que esta faça construir sobre ela templo vocacionado ao culto do catolicismo. Contrariamente ao cogitado, tem-se alegado que a juris- prudência predominante do Tribunal de Contas do Estado está alinhada no sentido de, em qualquer hipótese, entender inconstitucional a aplicação de auxílios e subvenções, direta ou indiretamente, na manutenção de culto religioso. Nesta linha de entendimento, estruturada a partir da consideração do disposto no artigo 9.°, II da Emenda Constitucional n.° 1/69, a doação em questão seria tida como ofensiva ao texto constitucional. Daí indagarmos se é correto o entendimento exposto, fundado sobre a consideração do referido artigo 9.°, II. 2. A matéria a respeito da qual versa a consulta foi objeto, anos atrás, do exame percuciente de ATALIBA NOGUEIRA, em parecer publicado na Revista da Faculdade de Direito de São Paulo \ na análise da constitucionalidade dos fundamentos 1. Subvenção a instituições religiosas e a Constituição federal de 1946, in Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, volume LVI, fascículo I, 1961, págs. 164 e ss.

66925-88321-1-PB

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  • PARECER

    Doao a Instituio Religiosa e a Emenda

    Constitucional N.o 1/69

    Eros Roberto Grau Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade

    de So Paulo.

    I. Posio da questo

    1 A Companhia de Desenvolvimento de So Paulo C O D E S P A U L O sociedade cuja maioria de capital social detida pela Fazenda do Estado de So Paulo vem promo-vendo, no desenvolvimento de suas atividades, a implantao de conjuntos habitacionais, nos quais se reclama, alm da instalao de centros comunitrios e de lazer, a ereo de templos religiosos.

    E m u m caso especfico do conjunto habitacional de Franca, no qual 146 casas so edificadas , em atendimento solicitao dos moradores, vem-se cogitando de a C O D E S P A U L O proceder doao de rea de seu patrimnio Diocese de Franca, a fim de que esta faa construir sobre ela templo vocacionado ao culto do catolicismo.

    Contrariamente ao cogitado, tem-se alegado que a juris-prudncia predominante do Tribunal de Contas do Estado est alinhada no sentido de, em qualquer hiptese, entender inconstitucional a aplicao de auxlios e subvenes, direta ou indiretamente, na manuteno de culto religioso. Nesta linha de entendimento, estruturada a partir da considerao do disposto no artigo 9., II da Emenda Constitucional n. 1/69, a doao em questo seria tida como ofensiva ao texto constitucional. Da indagarmos se correto o entendimento exposto, fundado sobre a considerao do referido artigo 9., II.

    2. A matria a respeito da qual versa a consulta foi objeto, anos atrs, do exame percuciente de A T A L I B A N O G U E I R A , em parecer publicado na Revista da Faculdade de Direito de So Paulo \ na anlise da constitucionalidade dos fundamentos 1. Subveno a instituies religiosas e a Constituio federal de 1946, in

    Revista da Faculdade de Direito, Universidade de So Paulo, volume LVI, fascculo I, 1961, pgs. 164 e ss.

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    de veto do Prefeito Municipal de Marlia a projeto de lei que autorizava a concesso de auxlio financeiro monetrio ao Seminrio Diocesano de So Pio X.

    Valer-me-ei, no tratamento do tema, em sua primeira parte, de modo marcante, da linha de exposio adotada no mencionado parecer, que, apesar da supervenincia de novo texto constitucional, ainda permanece plena de validade.

    Importa observar, contudo, que a disposio constante do artigo 9., II da Emenda Constitucional n. 1/69 mais extensa do que a analisada por A T A L I B A N O G U E I R A . O artigo 9., II engloba os preceitos que se continham no artigo 31, II e III da Constituio de 1946, adicionando-lhes porm clusula naquele inexistente, na ressalva da colaborao de interesse pblico, "na forma e nos limites da lei federal".

    Isso impe, por sucessivos passos, o tratamento de aspectos distintos do problema: a separao entre Estado e Igreja; o alcance das empresas estatais pelo preceito do artigo 9., II e a noo de subveno; a colaborao de interesse pblico; as normas constitucionais programticas; a neces-sidade de licitao para a seleo do beneficirio de doao. Por derradeiro, no m e excusarei formulao de uma recomendao consulente.

    II. Separao entre Estado e Igreja

    3. O artigo 9., II da Emenda Constitucional n. 01/69 determina:

    " Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios vedado:

    II estabelecer cultos religiosos ou igrejas, sub-vencion-los, embaraar-lhes o exerccio ou manter com eles ou seus representantes rela-es de dependncia ou aliana, ressalvada a colaborao de interesse pblico, na forma e nos limites da lei federal, notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospi-talar ;"

    A disposio citada como j observei consagra preceito correspondente ao contido no artigo 31, II e III da Constituio de 1946, que foi objeto do exame do Professor ATALIBA NOGUEIRA.

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    Trata-se de preceito que contempla o princpio da laici-zao do Estado, levando separao, dele, da Igreja.. N o caso brasileiro, considerada a herana cultural e a tradio; crist do seu povo, de modo incontestvel em maioria imensa votado ao culto do catolicismo apostlico romano, fundamentalmente separao entre o Estado e a Igreja Catlica. O princpio, de certa forma por razes histrico-polticas bem definidas, que no importa aqui examinar d atendimento lio do "dai, pois, a Csar o que de Csar e a Deus o que de Deus" 2.

    certo, de qualquer modo e a este ponto adiante retornarei que o vigente texto constitucional, alm de supor a distino entre as vocaes material e espiritual do homem, consagra o princpio da liberdade religiosa, afirmando-o e reafirmando-o nos 1., 5. e 6. do seu artigo 153.

    O que importa indagar, todavia, neste primeiro passo, se a Constituio, na disposio transcrita, operou mera separao no sentido de distino entre a Igreja e o Estado ou, pelo contrrio, estabeleceu radical e sectria ciso entre ambos.

    4. A Constituio vigente, iniludivelmente, cuidou simplesmente de operar distino entre os poderes poltico e religioso, no tendo rompido, de modo inconcilivel, o relacio-namento entre eles. O poder estatal, na expresso de H E R M A N N H E L L E R

    3, organiza e pe em execuo as atividades sociais do homem que vive em u m determinado territrio sendo, por sua funo, u m poder secular ao passo que a Igreja ordena a conduta do homem em relao potncia supra--terrena; mas essa clara delimitao conceituai, entre o poder eclesistico e o secular-poltico, no exclui as mais estreitas relaes entre ambos, na realidade social. Cumpre relembrar, aqui, dois momentos da exposio de A T A L I B A N O G U E I R A : "O nosso regime poltico no ateu, nem poderia desconhecer os sentimentos do povo brasileiro"4. E, logo e m seguida, em referncia ao prembulo da Constituio de 1946, mas que se aplica ao texto originrio da atualmente vigente: ". logo no prembulo, (a Constituio) coloca o nome de Deus como soberano senhor do povo e do Brasil, sendo lgico que somente esta invocao liminar j est mostrando que lhe reconhece a necessidade de culto por parte dos brasileiros" 5. 2. M A T E U S 22, 21; M A R C O S 12, 17; LucAs 20, 25. 3. Teoria dei Estado, traduccin de Lus TOBIO, Fondo de Cultura Econmica,

    Mxico, octava reimpresin, 1977, pgs. 227/8. 4. ob. cit., pg. 165. 5. ob. cit., pg. 165.

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    O texto constitucional vigente cobe e veda a confuso entre poder civil e eclesistico, sem contudo repelir antes, pelo contrrio, em inmeros passos, tcita ou expressamente, a induzindo a colaborao entre ambos. A considerao de algumas disposies nele contidas tornar isso mais evidente. Assim que os 2. e 3. do artigo 175 definem que, atendidas determinadas condies, o casamento religioso eqivaler ao civil ou ter efeitos civis. O 3., V do artigo 176 elege como norma a ser adotada pela legislao do ensino aquela segundo a qual o ensino religioso, de matrcula faculta-tiva, constituir disciplina dos horrios normais das escolas de grau primrio e mdio. O 7. do artigo 153 determina que, sem carter de obrigatoriedade, ser prestada por brasileiros, nos termos da lei, assistncia religiosa s foras armadas e auxiliares, e, nos estabelecimentos de internao coletiva, aos interessados que a solicitarem, diretamente ou por intermdio de seus representantes legais.

    Por outro lado, a defesa das convices religiosas cuja liberdade, como vimos, afirmada e reafirmada nos 1., 5. e 6. do artigo 153 provida no pargrafo nico, "c" do artigo 30. O artigo 165, VII, assegura aos trabalhadores o direito a repouso remunerado nos feriados religiosos, de acordo com a tradio local. Mais ainda, no artigo 19, III, "b", o texto constitucional define a imunidade dos templos de qualquer culto aos impostos.

    Alm de tudo isso, porm, o fato que a prpria dispo-sio contida no artigo 9., II, expressamente, admite a colaborao de interesse pblico, especialmente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar. Vale dizer: o texto constitucional est a reclamar induzindo-o esse tipo de colaborao.

    Para logo se v, desfarte, que a Constituio veda Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios o estabelecimento de cultos religiosos, a prestao de subveno a eles, o embarao ao exerccio de suas atividades e a manu-teno com eles ou seus representantes de relaes de dependncia ou aliana. No obstante, reclama aquela cola-borao.

    N o caso, pois, cumpre verificar se o ato pretendido doao de imvel Diocese de Franca consubstancia modalidade de subveno (visto que evidentemente no expres-sa estabelecimento de culto religioso ou igreja, embarao ao

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    exerccio de suas atividades o manuteno de relaes de dependncia ou aliana) vedada pelo texto constitucional ou se, pelo contrrio, implementa colaborao de interesse pblico, do tipo nele ressalvada.

    III. Alcance das empresas estatais pelo princpio e noo de subveno

    5. Anteriormente exposio da noo de subveno, porm, breve referncia h de ser feita a u ma diversa linha de argumentao, a que se poderia, eventualmente, neste passo, aludir. Tratar-se-ia, nela, de sustentar a no aplicao do preceito constitucional s empresas estatais, visto como refere, diretamente, s pessoas jurdicas de direito pblico, Unio, Estados, Distrito Federal e Municpio. O argumento no m e convence, entendendo eu ter o princpio, em sua integralidade, aplicao C O D E S P A U L O , entidade da administrao indireta estadual, caracterizada como empresa de servio pblico6. Tais empresas so projees do prprio Estado, compondo-se no quadro da organizao estatal, todo ele tocado pelo preceito do artigo 9., II do vigente texto constitucional.

    Repudio, pois, aquela argumentao, retornando linha de exposio anterior, agora para o fim de explorar referida noo.

    6. Partamos, para tanto, da observao de que "subven-cionar" significa conceder subveno.

    A Lei n. 4.320, de 17 de maro de 1964, em seu artigo 12, 3. define como subvenes as transferncias destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-as como subvenes sociais e subvenes econ-micas. a tais subvenes que, v.g., refere o artigo 62 da vigente Constituio federal. A temos u m conceito estrito de subveno.

    O vocbulo subveno, todavia, pode ser tomado em sentido mais amplo, ento significando no apenas as trans-ferncias financeiras, mas tambm a prestao de auxlio, de qualquer natureza, a terceiros.

    Estou em que, em realidade, a Constituio reporta-se noo de subveno, no seu artigo 9., em sentido amplo. E de

    6. A propsito da distino entre empresas estatais de servio pblico e empresas estatais de iniciativa enconmica, vide meu Elementos de Direito Econmico, Editora Revista dos Tribunais, So Paulo, 1981, pgs. 82 e ss.

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    modo tal que, ao vedar Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios a concesso de subvenes a cultos religiosos ou igrejas, o faz de sorte a entre as condutas proibi-das incluir a de outorga de doao da espcie considerada.

    Da a concluso de que a doao em pauta estar abran-gida pela vedao constitucional, salvo se instrumental da colaborao de interesse pblico, nele ressalvada.

    Tenho para m i m no subsistir dvida quanto circuns-tncia de instrumentar ela, precisamente, tal colaborao.

    IV A colaborao de interesse pblico

    7 Nenhuma dvida restando referentemente circuns-tncia de a doao e m pauta instrumentar colaborao de interesse pblico, entre o Estado por entidade de sua administrao indireta e a Igreja, teremos estar ela excluda vedao constitucional. Pois certo repita-se que o texto constitucional ressalva, para coloc-las alm da vedao, as subvenes que instrumentam colaborao de interesse pblico.

    Caberia, neste passo, indagarmos o que vem a ser o interesse pblico. Por certo no teremos como conceitu-lo, em termos jurdicos. O seu contedo extra jurdico. O interesse pblico no u m a abstrao jurdica, assumindo significados variveis conforme e de acordo com circunstncias histricas e polticas determinadas. De mais a mais, certo que, modernamente, muitas vezes se apartam as noes de interesse pblico e de interesse social, dado o sensvel afasta-mento, nos dias que correm, do Estado em relao sociedade civil. Movendo-se em nome de razes prprias, o Estado adota concepes de interesse pblico muitas vezes inconciliveis com as de interesse social, que a sociedade civil consagra.

    N o caso presente, contudo, dvida no restar quanto convenincia e necessidade de prover-se as comunidades usurias dos conjuntos habitacionais erigidos pelo Estado de centros religiosos, onde possam elas buscar satisfao para a sua vocao espiritual. J se afirmou que tais conjuntos, que so habitados por milhares de pessoas, consubstanciam ver-dadeiras cidades sem alma. Urge que se propicie quelas comunidades condies de acesso a regular assistncia religiosa o que, de resto, a prpria Constituio, no 7. do artigo 153, propicia a comunidades setoriais especficas. Basta esta mera referncia quela disposio para evidenciar a incidncia,

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    na hiptese, do interesse pblico. Pois exato que se a prpria Constituio expressamente prev a acessibilidade das foras armadas e auxiliares assistncia religiosa naturalmente com a colocao, disposio dos que a prestem, dos instru-mentos a tanto indispensveis com maior razo h de admitir-se (e mesmo induzir-se) a prestao da mesma assis-tncia s comunidades usurias dos conjuntos habitacionais implantados pela C O D E S P A U L O , por certo to ou mais carentes dela do que as aquinhoadas no preceito constitucional do 7. do artigo 153.

    Mas no s. E m uma sociedade que, merc da moder-nidade no geradora apenas de efeitos positivos torna-se cada vez mais complexa, voltada ao culto de valores materiais, por certo a acessibilidade quela assistncia trar como resul-tante no apenas a satisfao espiritual individual, mas tambm benefcios de ordem social da mais variada ordem. Mencione-se, para exemplificar, a ao positiva da Igreja na promoo da revitalizao da estrutura familiar; ou a sua misso evangeli-zadora, no sentido de combate prtica da violncia; ou, ainda, a ao dela junto aos jovens, por certo minimizadora dos males decorrentes da ignbil difuso dos txicos.

    Parece-me inquestionvel, desfarte, a concluso de que, impondo-se a prestao, sociedade civil, de assistncia espiritual e por esta aquela clamando, na efetivao das doaes em pauta definem-se hipteses ntidas de interesse social, s quais correspondem manifestao de interesse pblico.

    8. Posta a questo nestes termos, teremos que a doao de que estamos a tratar instrumenta a colaborao de interesse pblico a que alude o artigo 9., II do texto constitucional. Isso, to somente, bastaria para encaminhar a concluso de sua conformidade com a ordem constitucional vigente.

    Sucede, porm, que a ressalva contida naquele artigo 9., II, est tocada por uma clusula assim disposta: "na forma e nos limites da lei federal". Cumpre verificar, pois, se a colaborao de interesse pblico nele ressalvada, para que se possa efetivar, est condicionada ao advento daquela lei federal. A indagao assume tanto maior relevncia quanto se observe que o legislador infraconstitucional nada disps naquele sentido, inexistindo a lei federal referida pelo artigo 9., II7

    7. Note-se que a disposio da Constituio de 1946 (artigo 31, III) a que se reportava ATALIBA NOGUEIRA correspondente do artigo 9., II, na vigente Constituio, no continha a clusula nesta ltima contemplada.

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    V. As normas constitucionais programticas

    9. A questo da aplicabilidade das normas constitucio-nais mereceu, entre ns, estudo monogrfico de JOS AFONSO D A SILVA 8 ; Classificando-as desde os critrios da eficcia e aplicabilidade9, esse autor assim as distingue:

    I normas de eficcia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral;

    II normas de eficcia contida e aplicabilidade direta, imediata, mas possivelmente no integral;

    III normas de eficcia limitada: a) declaratrias de princpios institutivos

    ou organizativos; b) declaratrias de princpios programti-

    cos.

    De eficcia plena so aquelas normas que, "desde a entrada e m vigor da Constituio, produzem, ou tm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos inte-resses, comportamentos e situaes, que o legislador consti-tuinte, direta e normativamente, quis regular" 10. Dessa espcie, entre outras, as normas que contenham vedaes ou proibi-es u.

    De eficcia contida, "aquelas em que o legislador consti-tuinte regulou suficientemente os interesses relativos a deter-minada matria, mas deixou margem atuao restritiva da competncia discricionria do poder pblico, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enun-ciados" 12. Estas, segundo J O S A F O N S O D A SILVA 13, "so normas que, em regra, solicitam a interveno do legislador ordinrio, fazendo expressa remisso a u m a legislao futura; mas o apelo ao legislador ordinrio visa a restringir-lhes a plenitude da eficcia, regulamentando os direitos subjetivos que delas decorrem para os cidados, indivduos ou grupos"; "enquanto o legislador ordinrio no expedir a normao restritiva, sua

    8.. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, Editora Revista dos Tribunais, So Paulo, 1968.

    9. ob. cit., pg. 78. 10. ob. cit., pg. 94.

    11. ob. cit., pg. 93.

    12. ob. cit., pg. 108. 13. ob. cit., pg. 96.

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    eficcia ser plena"; "so de aplicabilidade direta e indireta, visto que o legislador constituinte deu normatividade suficiente aos interesses vinculados matria de que cogitam".

    De eficcia limitada e princpio institutivo "aquelas atravs das quais o legislador constituinte traa esquemas gerais de estruturao e atribuies de rgos ou institutos, para que o legislador ordinrio os estruture em definitivo mediante lei" 14.

    De eficcia limitada e princpio programtico "aquelas atravs das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traar-lhes os princpios para serem cumpridos pelos seus rgos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administra-tivos), como programas das respectivas atividades, visando realizao dos fins sociais do Estado" 15.

    10. Se adotarmos a construo de J O S A F O N S O D A SILVA que, no obstante, ser adiante contestada teremos, a partir de sua considerao, que a disposio contida no artigo 9., II, da vigente Constituio compreende duas normas distin-tas, uma de eficcia plena, outra de eficcia contida:

    a) de eficcia plena vedao, Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Muni-cpios, do estabelecimento de cultos reli-giosos ou igrejas, da prestao de subven-o a eles, de oposio de embarao ao exerccio de suas atividades ou de manu-teno, com eles ou seus representantes, de relaes de dependncia ou aliana;

    b) de eficcia contida ressalva quela vedao, na forma e nos limites da lei fe-deral, quando algumas das condutas veda-das instrumentem colaborao de interesse pblico, notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar.

    Considerados os termos da consulta e a finalidade da ressalva, fixemo-nos na hiptese de prestao de auxlio subveno aos cultos religiosos ou igrejas como instru-mental da colaborao do tipo referido pela norma.

    14. ob. cit., pg. 119. 15. ob. cit., pg. 132.

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    O que importa reter, neste passo, a circunstncia de que, na exposio de J O S A F O N S O D A SILVA, tratando-se, esta segunda norma, de espcie das de eficcia contida, esta ser plena enquanto o legislador ordinrio como ocorre no caso no expedir a normao restritiva. Isso se torna mais ntido se recorrermos a exemplos dispostos por esse autor16: a) artigo 153, 6. nele se confirma a liberdade de crena e convico filosfica ou poltica, sendo a disposio plenamente eficaz e de aplicabilidade imediata, embora sujeita a conteno, mediante lei, e m relao quele que se eximir de obrigao legal imposta a todos; no obstante, se lei que deter-mine "a perda dos direitos incompatveis com a escusa de conscincia" no houver, mesmo ocorrendo a escusa qualquer restrio ou sano ser inconstitucional; b) artigo 153, 17 nele se consagra a vedao da priso civil, ressalvadas duas excees, "na forma da lei"; as excees dependem de lei; se esta, contudo, no estabelecesse forma de priso civil do depositrio infiel ou de responsvel pelo inadimplemento de obrigao alimentar, tais prises no poderiam verificar-se, subsistindo a eficcia plena de vedao; c) artigo 153, 23 nele se consagra o princpio da liberdade de iniciativa indi-vidual, com eficcia plena e aplicabilidade imediata; tal eficcia, contudo, poder ser contida, se lei vier a definir con-dies de capacidade (isto , de habilitao) para o exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou profisso; na ausncia de lei, a liberdade ampla, em sentido terico; d) artigo 97 nele se consagra o preceito da acessibilidade aos cargos pbli-cos por todos os brasileiros, preenchidos os requisitos que a lei estabelecer; aqui tambm o preceito plenamente eficaz, tendo aplicabilidade imediata; no obstante, aquela eficcia poder vir a ser contida na medida em que o legislador ordi-nrio estabelea os requisitos referidos no preceito consti-tucional.

    Tal, precisamente, o que estaria a ocorrer em relao ao artigo 9., II. A vedao norma de eficcia plena ime-diatamente aplicvel. Igualmente, a ressalva da colaborao de interesse pblico plenamente eficaz, podendo porm tal eficcia ser contida, em decorrncia de lei federal que sobre-venha, definindo a sua forma e os limites a que se sujeitar.

    11. Neste ponto, de toda sorte, u m a crtica postulao acima desenvolvida poderia vir a ser formulada. Tomar-se-ia 16. ob. cit., pgs. 97/98; o texto de JOS A F O N S O DA SILVA reporta-se Consti-

    tuio de 1946, razo pela qual transpus os exemplos por ele tomados para as disposies correspondentes do vigente texto constitucional,

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    do exemplo de norma de eficcia contida que JOS AFONSO DA SILVA identifica no artigo 153, 17 e dir-se-ia: assim como no poder haver priso civil do depositrio infiel ou do res-ponsvel pelo inadimplemento de obrigao alimentar seno quando a lei ordinria tiver disposto sobre ela, tambm no poder haver colaborao de interesse pblico, entre Unio, Estado, Distrito Federal ou Municpio e a Igreja seno quando lei ordinria houver disposto sobre a forma e os limites de tal colaborao.

    Esta, a primeira e equvoca verificao que se poder extrair considerao conjunta do artigo 9., II do texto constitucional e da exemplificao daquele autor. Estou, contudo, em que isso se deve a u m a incompleta enunciao daquele exemplo. que, em realidade, especialmente aquele preceito do artigo 153, 17 tal como o do artigo 9., II, compreende duas normas distintas:

    a) uma de eficcia plena a que veda a priso civil por dvida;

    b) outra de eficcia contida a que ressalva quela vedao, na forma da lei, a priso do depositrio infiel ou do responsvel pelo inadimplemento de obrigao alimen-tar.

    Nestes termos e, no meu entendimento, de modo mais adequado recolocada a questo, cumpre-nos considerar os sentidos de ambas as ressalvas. A no artigo 9., II, contida, respeita promoo da realizao do interesse pblico; a no artigo 153, 17 inserida, limitao de direito individual. A considerao desses sentidos fundamental, segundo m e pa-rece, anlise das disposies constitucionais em pauta. Pois certo que, ao passo que a promoo do interesse pblico, pelo Estado, deve ser assegurada, a defesa dos direitos individuais de ser preservada guardada, evidentemente, sua compati-bilidade com o interesse social.

    Os dois objetivos ho de ser necessariamente ponderados em presena de dois princpios, o da indisponibilidade do inte-resse pblico implcito do texto constitucional e o da legalidade explcito no 2. do artigo 153 do texto cons-titucional. A ressalva do artigo 9., II, exprime autorizao para a perseguio do interesse pblico, no se sujeitando, diretamente, ao princpio da legalidade; a do artigo 153, 17, uma restrio liberdade individual, vinculada necessaria-mente a acatamento ao princpio da legalidade.

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    Por isso estou em que, a adotar-se a construo de JOS A F O N S O D A SILVA, de uma parte

    a priso civil do depositrio infiel e do res-ponsvel pelo inadimplemento de obrigao alimentar, para que possa ocorrer, depende do advento de lei ordinria que estabelea a forma em que deva e possa ela se efetivar;

    de outra parte a colaborao de interesse pblico, entre o

    Estado e a Igreja, independe, para que possa ocorrer, do advento de lei ordinria que estabelea a sua forma e os seus limites.

    12. A construo de JOS AFONSO DA SILVA, v-se agora especialmente quando acoplamos o seu critrio conside-rao, no primeiro caso, do princpio da legalidade, e, no segundo, do princpio da indisponibilidade do interesse pblico finda por nos levar a solues heterogneas, no uniformes, no questionamento da operatividade das normas constitucio-nais. A prpria caracterizao delas como de eficcia plena ou de eficcia contida dificultosa. Note-se, v.g., a disseno: para aquele autor, o preceito do artigo 153, 17, norma de eficcia contida; segundo entendo, o preceito contm duas nor-mas, uma de eficcia plena (a vedao), outra de eficcia contida (a ressalva).

    Isso m e conduz considerao de diversa construo a propsito das disposies constitucionais, distinta daquela palmilhada por J O S A F O N S O D A SILVA. Reporto-me, aqui, quela adotada pelo Tribunal Constitucional Federal da Rep-blica Federal da Alemanha, em acrdo de 29 de janeiro de 1969 17 O que importa considerar, nesta construo, a partir do princpio da supremacia da Constituio a opera-tividade das clusulas constitucionais programticas.

    Adoto tal construo, sem contudo deixar de ressaltar a extrema relevncia da contribuio trazida ao estudo do tema, ao seu tempo, pelo Professor J O S A F O N S O D A SILVA. N a opo pela construo do direito alemo, contudo, seguirei passos que, com efeito, levam reformulao do anteriormente concludo.

    13. A exposio de tal construo impe a preliminar fixao de duas premissas. E m primeiro lugar, cumpre observar

    17. A propsito, R O L A N D O E. PINA, Clusulas Constitucionales Operativas Y Programticas, Editorial Asteca, Buenos Aires, 1973.

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    que, para tanto, devemos adotar uma concepo ampla de clu-sula programtica, de sorte tal que entre elas h que incluir a contida no artigo 9., II, "in fine" do vigente texto consti-tucional. Por isso que, na expresso "ressalvada a colaborao de interesse pblico, na forma e nos limites da lei federal, notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospi-talar", diviso uma clusula programtica.

    E m segundo lugar, quanto ao princpio da supremacia da Constituio, cumpre observar que repousa sobre a verificao de que, por ser ela suprema, vincula normativamente todas as normas jurdicas que posteriormente se editem, as quais neces-sariamente ho de se ajustar a suas disposies, sob pena de serem entendidas como inconstitucionais18.

    Visto isso, importa colocar sem maiores digresses a respeito do caso sob apreciao do Tribunal Constitucional Federal da Repblica Federal da Alemanha os pontos bsi-cos da construo contemplada no acrdo de janeiro de 1969, tal como sumariados por R O L A N D O E. P I N A 19:

    "Cuando Ia teoria sobre clusulas constitucionales programticas pretende que faltando ley expresa-mente reglamentaria de Ia clusula esta no tiene vi-gncia, desarrolla una estratgia mal expresada de no vigncia ya que, para justificar una orientacin de poltica legislativa, se pretende vulnerar Ia m-xima jerarqua normativa de Ia Constitucin. El concepto de clusula programtica vulnera prin-cpios jurdicos constitucionales elaborados por Ia Corte Suprema de Justicia de Ia Nacin, y ai pre-tender sustraer dei control de constitucionalidad a Ia clusula programtica, anula una funcin espe-cfica de Ia normatividad concedindola ai Poder Legislativo; Io que atenta contra Ia independncia dei Poder Judicial. Al convertirse en un argumento dogmtico de no vigncia y por tanto de no interpretacin judicial, impide que los jueces y Ias partes deban ponderar los intereses contradictorios dei caso por Ias valoraciones que explicitan los princpios cons-titucionales; Io que atenta contra u m permanente repensar valorativo de Ia realidad social, que es Ia nica actitud mental que conduce a Ia consolidacin

    18. cf. R O L A N D O E. PINA, ob. cit., pg. 33.

    19. ob. cit., pgs. 109/110.

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    de una racional regulacin de Ia conducta social. Al no depender Ia vigncia de Ia clusula constitu-cional de ley dictada ai efecto, cuando Ia Constitu-cin encarga ai Poder Legislativo Ia sancin de determinadas leyes, si dentro de u m plazo razonable o dei estipulado por Ia Constitucin ei legislador no aplico Ia Constitucin, su mora implica violacin ai mandato constitucional. Dentro de Ias circunstan-cias dei caso esa mora puede ser declarada incons-titucional y Ia Corte Suprema puede ajustar Ia solu-cin dei caso ai precepto jurdico-constitucional no aplicado por ei legislador, sin prejuicio de que este ejerza sus atribuciones constitucionales en ei fu-turo" 20.

    Note-se que a argumentao segundo a qual a clusula constitucional s opera seus efeitos quando editada a lei ordi-nria nela referida implica, em ltima instncia, a concesso de u m certo grau de poder constituinte ao Poder Legislativo 21.

    14. Alinhados os pontos fundamentais da construo a que m e filio, urge retornarmos considerao dos preceitos contidos nos artigos 153, 17 e 9., II do nosso vigente texto constitucional.

    Quanto ao primeiro deles, na inexistncia das normas contidas nos artigos 1286 do Cdigo Civil, 902, 1. e 904, pargrafo nico do Cdigo de Processo Civil e 733, 1. a 3. do Cdigo de Processo Civil, ainda assim caberia a imposio, pelo Poder Judicirio, de priso civil ao depositrio infiel e ao responsvel pelo inadimplemento de obrigao alimentar. Note-se que, no caso, e m razo do princpio da supremacia da Constituio, a disposio do seu artigo 153, 17, porque operativa, supre a exigncia da legalidade.

    Quanto ao segundo deles, a ressalva da colaborao de interesse pblico plena de operatividade. Prazo razovel j transcorreu, desde a introduo da disposio com a clusula do "na forma e nos limites da lei federal" na Constituio, para que o Poder Legislativo dispusesse sobre a matria. Sua omisso quanto a este ponto no pode justificar a negao de eficcia ao preceito que encerra, visto que, a conceber-se isso, estaramos a admitir o exerccio de poder constituinte por ele Legislativo o que inconcebvel. 20. Observo to somente que o ponto debatido respeita, efetivamente,

    eficcia e no vigncia das clusulas constitucionais programticas. Leia-se, pois, no texto de R O L A N D O E. PINA, eficcia em lugar de vigncia.

    21. Neste sentido, R O L A N D O E. PINA, ob. cit., pg. 25.

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    Da a concluso de que a colaborao de interesse pblico, entre o Estado e a Igreja, admissvel mesmo, como ocorre, na inexistncia da lei federal a que refere o artigo 9., II, do texto constitucional o que, de resto, resulta necessrio como decorrncia do princpio da indisponibilidade do interesse p-blico.

    Devo, pois, a seguir, no alinhamento dos fundamentos que m e levaro definio de soluo para o quesito formulado, examinar u m aspecto especfico, referido possibilidade jur-dica de a doao de que trata a consulta ser outorgada precisa-mente Igreja Catlica Apostlica Romana o que poderia ser questionado desde a considerao do princpio contido no artigo 153, 1., do texto constitucional e de certo modo reba-tido, em relao matria especfica de que estamos a tratar, no seu 5..

    VI. Doao e licitao

    15. O artigo 153, 1. consagra o princpio da igualdade de todos, sem distino de sexo, raa, trabalho, credo religioso e convico poltica, perante a lei. O 5. do mesmo artigo contempla a plena liberdade de conscincia, assegurando aos crentes o exerccio dos cultos religiosos que no contrariem a ordem pblica e os bons costumes.

    Desde a considerao de tais disposies poder-se-ia even-tualmente questionar a outorga da doao em pauta Diocese de Franca. Por que h de ser o imvel doado Igreja Catlica indagar-se-. Por que no a outro culto?

    Nada h a opor, todavia, a essa opo, visto que fla-grante e inconteste a realidade de que o povo brasileiro, em sua maioria, est voltado ao culto do catolicismo apostlico romano. A questo de direito a considerar referida exign-cia ou no exigncia de licitao prvia para a seleo do donatrio do imvel.

    Tenho como indiscutvel, todavia, a inviabilidade da apli-cao dos critrios da licitao ao caso e m pauta. Esta pode ser descrita como o procedimento administrativo que, em de-terminados casos, deve anteceder a celebrao de contrato pela Administrao, mediante o qual se opera a seleo da proposta de contratao mais conveniente e que melhor atenda aos inte-resses da Administrao. Elemento inerente da prpria essncia, pois da licitao a seleo. Onde e quando no se tornar vivel a competio, na apresentao de propostas objetivamente diferenciadas, referidas ao objeto a ser licitado,

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    no h que falar em licitao: no existir objeto a ser licitado. Onde e quando no se tornar vivel a competio, no haver seleo na comparao entre propostas a operar.

    precisamente isso o que ocorre na hiptese de doao. O donatrio, na alienao de coisa a esse ttulo, sempre pessoa escolhida em funo da ponderao de critrios subje-tivos, no sustentados, portanto, sobre u m exerccio de seleo decorrente da apreciao de valores objetivos, confrontados em regime de competio. Inexigvel, portanto, a licitao como procedimento prvio doao de bem imvel a esta ou quela pessoa, especialmente quando se trate de, mediante ela, instru-mentar a realizao do interesse pblico. Esse entendimento corrente e pacificamente adotado pela doutrina , dispensando outras consideraes.

    16. De mais a mais, certo que a Administrao, ao proceder a tais doaes, atua no exerccio do poder discricio-nrio que lhe inerente.

    A discricionariedade, no ensinamento preciso de R E N A T O ALESSI 2 3 , a margem de avaliao do interesse pblico con-creto, com o fim de deciso, no mrito, sobre a oportunidade de agir ou sobre o contedo da atividade, margem que resta Administrao nos casos em que os limites postos pela lei potestade de ao a ela Administrao conferida sejam imprecisos. Dentro dessa margem, a Administrao avalia a oportunidade de agir de terceiro, em relao ao interesse p-blico, e o contedo da atividade, tambm em relao ao inte-resse pblico.

    No se confunde a discricionariedade com a arbitrariedade. N o primeiro caso, ao atuar discricionariamente, est a Admi-nistrao sujeita a determinados limites formais e substan-ciais que balizam a sua extenso. Dentro dessa extenso, toda-via, a Administrao atua movida por u m certo grau de subje-tividade, adequado e coerente com o grau de determinao do interesse pblico consignado na lei que a autorizou o exerccio desse modo de atuao. Da por que a atuao discricionria no uma prerrogativa da Administrao, mas u m direito-dever a ser por ela exercitado, na busca da realizao do inte-22. Vide o Parecer de VICENTE RO, in Revista dos Tribunais, volume 314,

    pgs. 37 e ss., subscrito sem restries por G A M A E SILVA, M A R I O M A -ZAGO, W A S H I N G T O N DE BARROS MONTEIRO, N O AZEVEDO e G A M A CER-

    QEIRA. Vide tb. H E L Y LOPES MEIRELLES, Estudos e Pareceres de Direito Pblico, volume II, Editora Revista dos Tribunais, So Paulo, pgs. 604/605.

    23. Principi di Diritto Amnistrativo, volume I, quarta edizione, Giuffr, Milano, 1978, pg. 248.

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    resse pblico que a lei referiu de modo impreciso, mas que deve ser por ela determinado na concreo do texto legal.

    N o caso de que estamos a tratar, inexiste lei ordinria que estabelea a forma e os limites da colaborao de inte-resse pblico. No obstante, sendo operativa eficaz a ressalva do artigo 9., II, a Administrao (na hiptese a C O D E S P A U L O ) poder discricionariamente, sem necessidade de prvia licitao, escolher o donatrio do imvel cuja utilizao instrumentar a colaborao de interesse pblico reclamada a nvel constitucional24.

    VII. Concluso

    17. Verificamos, at este ponto, ser inteiramente com-patvel com a ordem constitucional a doao, pela CODESPAULO, de rea de seu patrimnio Diocese de Franca, para o fim indicado na consulta. Nada a opor tambm, a partir do texto constitucional, opo pela doao de tais imveis Igreja Catlica: entendendo, a CODESPAULO, ser esta a igreja junto qual deve buscar colaborao de interesse pblico, assiste-lhe esse poder de opo decorrncia do exerccio da discricio-nariedade inerente sua ao sem que tal possa ser inqui-nado contrrio ao princpio da igualdade ou caracterizador de privilgio conferido a u m culto, em detrimento de outro.

    E m face de todo o exposto, concluo ser incorreto o enten-dimento segundo o qual a doao em questo incompatvel com a disposio contida no artigo 9., II da vigente Consti-tuio, visto como instrumenta a realizao de colaborao de interesse pblico, notadamente no setor assistencial, objeto de ressalva expressa naquela disposio; logo, pode tal doao ser efetivada, sem que isso consubstancie ofensa ao texto constitucional.

    24. A referncia ao poder discricionrio da empresa estatal no caso, de empresa estatal de servio pblico, que a CODESPAULO (vide nota 5) encontra sustentao plena na construo a respeito dele desenvolvida por JEA N - C L A U D E V E N E Z I A (Le Pouvoir Discrtionaire, LGDJ, Paris, 1959).