12

7 - A Mulher Bizantina

Embed Size (px)

DESCRIPTION

RUNCIMAN, Steven. A Civilização Bizantina. RJ: Zahar, 1977, Capítulo V: “A Religião e a Igreja”, ps. 87-107

Citation preview

Page 1: 7 - A Mulher Bizantina
Page 2: 7 - A Mulher Bizantina
Page 3: 7 - A Mulher Bizantina
Page 4: 7 - A Mulher Bizantina
Page 5: 7 - A Mulher Bizantina

espiritual. Assim, a mãe de Santa Teófanes - Ana - recebeu auxílio milagroso, duranteo part~indo do cinto que o marido lhe trouxe de uma igreja consagrada à Virgem.Uma mulher teve dores de parto durante vinte dias e conseguiu, finalmente, dar à luzdepois que São Lucas Estilita lhe ofereceu um pouco de pão consagrado e de 4guabenta. A Vida de Santo Inácio narra a história de uma mulher que não conseguiaparir, porque o feto não estava em posição correcta. Os cirurgiões estavam prontosa praticar a embriotomia - isto é, o corte e a extracção do feto - para a salvar. Noentanto, a vida da pequena criatura foi poupada: uma fímbria do manto do santo,colocado sobre o ventre da mãe permitiu o decurso normal do parto. Efectivamente,acontecia por vezes que os médicos tivessem de usar esse último recurso que era aembriotomia; uma lista de instrumentos cirúrgicos inclui os necessários ao desmem-bramento do feto. Não há provas de que os cirurgiões bizantinos praticassem a cesa-riana. Se, depois, a mortalidade feminina era mais elevada que a masculina, issodevia-se de certo modo aos perigos inerentes à maternidade: abortos, complicaçõesdurante o parto, infecções e hemorragias após o período do parto. Todo este processoera considerado impuro e, se a puérpera não estava em perigo de vida, encontrava--se proibida de receber a comunhão durante os quarenta dias que se seguiam ao parto.

Procedia-se, em seguida, à lavagem do recém-nascido e ao seu enfaixamento.A maioria das mulheres amamentava os filhos ao peito, mas podia servir-se de amas:por exemplo, se a mãe deixava de ter leite ou morria de parto. Está documentadoque as mulheres das classes mais elevadas recorriam mais frequentemente às amaspor motivos óbvios de conveniência. O nascimento do filho era celebrado com umafesta; parentes, amigos, vizinhos vinham visitar os pais e desejar as melhores felici-dades ao recém-nascido.

Se dois ou três filhos de um casal tinham conseguido sobreviver aos arriscadosanos da infância em Bizâncio, e se marido e mulher decidiam não ter mais, um dosmétodos de controlo dos nascimentos era a total abstinência das relações sexuais; osesposos viviam então como irmão e irmã. Não temos muitas informações relativa-mente aos conhecimentos ou aos meios contraceptivos, mas parece que se serviamdeles sobretudo as prostitutas, as adúlteras ou as não casadas que viviam históriasamorosas ilícitas. Estas mulheres podiam utilizar pomadas à base de ervas, suposi-tórios com funções espermicidas ou outros impeditivos da fertilização do óvulo; ospessários vaginais eram habitualmente feitos de lã embebida em mel, alúmen, dealvaiade ou azeite. As mulheres podiam recorrer ainda a métodos contraceptivos decarácler mágico, como, por exemplo, os amuletos recomendados por Aécio de Amida:tratava-se de um pedaço de fígado de gata ou (menos prático) um útero de leoa queera usado num pequeno tubo de marfim amarrado ao pé esquerdo.

O aborto era severamente condenado pelo direito quer civil quer canónico e punidocom penas como o exílio, a fustigação, a excomunhão; era, contudo, inevitável quemuitas mulheres recorressem a ele para pôr fim a gravidezes indesejadas: tratava-sesobretudo de prostitutas e outras mulheres não casadas, por exemplo escravas quetemiam a ira do patrão e até freiras. De Teodora, a actriz/prostituta que depois foiesposa do imperador Justiniano, lemos que abortou várias vezes - mas, num doscasos, a gravidez ia tão avançada que o aborto foi mal sucedido e nasceu um menino.O comentário de Procópio é que Teodora teria provavelmente matado este filho inde-sejado, se o pai não tivesse tratado de salvá-Io. O documento sinodal do século XIV

124

~.'f

regista o caso de uma freira do mosteiro constantinopolitano de Santo André emKrisei que teve relações sexuais com Ioasaf, frade do mosteiro tôn Hodêgôn, Quandoa freira apareceu grávida, Ioasaf encontrou um médico-bruxo que lhe vendeu umapoção abortiva ao elevado preço de cinco hipérperos de ouro, um manto, uma jarrade vidro de Alexandria. O medicamento produziu o efeito desejado, mas a trans-gressão do frade foi descoberta e o sínodo castigou-o. Podia igualmente provocar-seo aborto, colocando sobre o ventre objectos muito pesados.

Em Bizâncio, a gestão quotidiana das actividades domésticas era assunto muitoabsorvente. Havia que enfrentar todo o trabalho de preparação da comida; produzircosméticos, unguentos e pomadas; e era em casa que decorria todo o ciclo da manu-factura têxtil, da cardadura da lã à cosedura do tecido para obter as vestes desejadas.Nas famflias mais pobres, as mulheres encarregavam-se sozinhas de todas estas incum-bências: pense-se na criação dos filhos e na preparação da comida (por vezes incluin-do a moagem do trigo): A mulher de Filareto, o Misericordioso, cozia o pão noforno, apanhava ervas daninhas, assava a carne. Cabia também às mulheres mantera casa limpa, lavar e coser a roupa. As mulheres das classes elevadas davam instru-ções às criadas e supervisionavam a sua obra mas, quando à fiação e tecelagem, tam-bém se encarregavam disso, não obstante o seu estatuto social. Como observava JorgeTornício na sua oração fúnebre em honra de Ana Comnena: «as mulheres nascerampara fiar e tecer». Não obstante a existência de tecelões masculinos de profissão, naconsciência popular roca e tear estavam inextricavelmente associados às mulheres, ea ocupação considerada mais apta para elas era fabricar tecidos. No século XI, MiguelPsello criticou a imperatriz Zoé por não se ocupar dasactividades a que as mulhe-res normalmente se dedicam, por exemplo, a fiação e a tecelagem. As mulheres dosartífices podiam servir de assistentes aos maridos nas oficinas, geralmente situadasno edifício onde habitavam. No campo, o conceito de «ocupações domésticas» eraainda mais vasto: o domínio da mulher do campo ultrapassava as paredes de casapara estender-se até ao pomar e à vinha.

Dado que as mulheres bizantinas deviam ter no pudor o seu ideal comum, ves-tiam-se de maneira a esconder todo o corpo, excepto as mãos. Um trajo típico podiaser uma túnica até aos pés e de mangas compridas, à qual se podiam acrescentar ulte-riores camadas para se proteger do frio. As mulheres das classes inferiores podiamvestir túnicas sem mangas. Das mulheres de bem esperava-se que andassem semprecom a cabeça coberta, quando em público: punham então o maphorion, um véu quedescia até aos ombros, com um chapéu aderente para esconder o cabelo.

Resta que, apesar destas restrições, as mulheres que tinham meios para isso dedi-cavam grande atenção ao seu aspecto físico e gastavam muito dinheiro em tecidosfinamente fabricados, por vezes bordados ou cravados de pedras preciosas. As suasvestes eram ulteriormente embelezadas com alfinetes e faixas ou cintas adornadascom outras preciosidades; os seus chapéus eram elegantes. As cabeleiras eram enfei-tadas com ganchos, pequenas redes e flocos. Os numerosos exemplos' de joalhariaque chegaram até nós - brincos, pulseiras, colares - revelam quer a perícia dos ouri-ves de Bizâncio quer a riqueza das classes mais abastadas e também a popularidadeda bijutaria entre as mulheres mais pobres. Para consternação dos Padres da Igreja,

125

Page 6: 7 - A Mulher Bizantina

as mulheres procuravam tornar-se mais belas do que eram naturalmente recorrendoaos cosméticos: usavam farinha de legumes para lavar o rosto; punham pó-de-arrozpara terem uma carnação mais clara; pintavam de vermelho as faces e os lábios, denegro as sobrancelhas; tingiam os cabelos e pintavam os olhos.

Como noutras sociedades, onde os pais decidem o casamento, os casais bizanti-nos não esperavam que a sua união conjugal fosse marcada pelo amor romântico.Consideravam-na, antes de mais, como um sacramento ordenado por Deus para per-petuação da família e, depois, como uma espécie de bacia colectora dos bens dasduas famílias de origem. Da mulher esperava-se que fosse obediente e condescen-dente com o marido, que lhe desse herdeiros e tomasse conta da casa. Em princípio,parece que o casamento combinado funcionava bem; desenvolveu-se, muitas vezes,entre marido e mulher um sincero afecto e talvez mesmo amor. Mas houve casos emque o casal era incompatível: por vezes, os dissabores conjugais levaram ao adulté-rio, ao divórcio, à fuga do mosteiro. Um documento sinodal regista o triste resultadode um casamento prematuro: a jovem, que tinha casado com apenas oito anos, aca-bou por detestar o marido ao fim de cinco anos a tal ponto que o sínodo concordouem anular o casamento originário, considerando-o estipulado em contradição com odireito canónico. Muitas vezes os maridos batiam nas mulheres: umas vezes porquebêbedos, outras vezes porque o comportamento delas os encolerizava ou porque gas-tavam o património familiar com demasiada desenvoltura. Algumas destas mulheresmaltratadas suportaram com estoicismo a sua desventura, outras refugiaram-se navida monástica. A situação oposta também não era desconhecida: pense-se na des-crição do marido maltratado pela mulher tal como a traça Teodoro Prodromo. Existiamtambém as concubinas, mantidas por homens insatisfeitos com o casamento ou ape-nas casados com mulheres que não podiam ter filhos. Habitualmente - mas nem sem-pre _ as concubinas vinham dos estratos mais baixos da sociedade e eram, por vezes,

criadas.Uniões conjugais infelizes podiam igualmente conduzir homens e mulheres à expe-

riência do adultério, que contudo era severamente condenado pelo direito quer civilquer eclesiástico. Nos primeiros séculos do Império, a pena prevista pelo direito civilpor adultério era a pena capital; depois a legislação limitou-se à mutilação: devia cor-tar-se o nariz às duas partes culpadas. Por vezes, a mulher julgada culpada de adul-tério era enviada para um mosteiro como castigo, o marido então tinha direito ao seudote. Para o adultério, o direito civil usava dois pesos e duas medidas, no sentido emque o homem casado era castigado apenas se mantinha relações sexuais com umamulher casada. O direito canónico punia o adultério com excomunhão e penitência.

Se bem que direito civil e direito canónico insistissem na indissolubilidade docasamento, houve casais infelizes que decidiram enfrentar o processo formal de divór-cio. As causas que justificavam o divórcio eram limitadas pela lei: no tempo deJustiniano, o marido só podia pedir o divórcio se a mulher era culpada de adultérioou se tinha um comportamento inconveniente (se, por exemplo, comia ou tomavabanho com estranhos, se assistia aos jogos circenses ou frequentava espectáculos semo seu consentimento). Outras circunstâncias de divórcio eram a loucura ou a impo-tência do marido. Uma alternativa para o divórcio era a separação do casal a fim deabraçar a vida monástica, frequentemente com base num acordo amigável, por vezespara resolver situações conjugais que já não eram toleráveis.

126

Embora em Bizâncio as mulheres tivessem uma esperança de vida inferior aoshomens, a viuvez era um fenómeno comum: geralmente os maridos eram mais velhosque as mulheres e tinham, portanto, maiores probabilidades de morrer primeiro; alémdisso, muitos homens morriam em combate. A lei permitia as segundas núpcias, mashavia rigoristas morais que as condenavam. A imagem tradicional da viúva era a deuma mulher desgraçada e desarmada, que a sensibilidade popular associava aosórfãos e aos pobres. Os Cristãos deviam mostrar-se solícitos para com as viúvas,que eram particularmente contempladas em ocasiões especiais de beneficência.Fundaram-se instituições de carácter filantrópico, chamadas chêrotrophcia, desti-nadas principalmente a alojar as viúvas indigentes. Algumas das mulheres que fica-ram sem marido abraçaram, certamente, a vida monástica em busca de apoio querfísico quer psicológico.

Por outro lado, em Bizâncio - como, de resto, noutras sociedades -, a viuvez erao estádio da vida em que muitas mulheres podiam atingir o máximo da sua reputa-ção e do seu poder. Dado que, por norma, as viúvas eram pelo menos de meia-idade,já não eram vistas como um veículo de tentação sexual, mas como pessoas maduras,dignas de confiança e respeito. Na Igreja das origens foi instituída uma ordem ecle-siástica especial, constituída por viúvas que prestavam serviços caritativos. Voltandoà plena posse do seu dote, numerosas viúvas conseguiram uma grande abastança eco-nómica: de facto, algumas das mais generosas padroeiras de Bizâncio, que fundaramigrejas ou mosteiros ou ainda encomendaram obras de arte, eram viúvas. Temos noséculo IX um exemplo de viúva rica em Danilis, grande proprietária de terras noPeloponeso. Muitas viúvas tornaram-se verdadeiros chefes de família, mesmo vivendocom filhos adultos: os dados relativos a algumas aldeias macedónias do começo doséculo XIV indicam que cerca de 20% dos chefes de família eram viúvas.

Para além da família: as mulheres para lá das paredes domésticas

Tem-se discutido muito acerca do problema da «reclusão» das mulheres bizanti-nas, para saber até que grau estariam confinadas em casa. Como já se disse, erammantidas sob estreita vigilância sobretudo as jovens de boas famílias para protegera sua virgindade e reputação. Quanto às mulheres casadas, havia grandes variaçõesna prática segundo a classe social, o local de residência (cidade ou campo) e, talvez,a época em que viviam. Como é óbvio, as camponesas deviam passar muito tempofora de casa: trabalhavam no pomar, davam de comer aos animais de capoeira. Ascitadinas de condição mais miserável, privadas de auxiliares domésticos, tinham deir às lojas, se queriam fazer compras; por vezes também trabalhavam fora de casa.Dado que as habitações em que viviam eram pequenas, estas mulheres não tinhamum quarto só para si, onde pudessem retirar-se. As mulheres da camada média e alta,por outro lado, eram, em princípio, obrigadas ainda mais a permanecer em suas casas,e é possível que passassem a maior parte do tempo em salas reservadas às suas acti-vidades. O historiador Agatia observou que, depois do terramoto de 557, a ordemsocial em Constantinopla subverteu-se: nas ruas confundiam-se mulheres da nobrezae homens. De igual modo, referindo-se à revolta popular de 1042 que derrubouMiguel V e levou Zoé ao trono, Psellos notou, admirado, que algumas mulheres «que

127

Page 7: 7 - A Mulher Bizantina

l

ninguém, até então, havia visto fora dos aposentos femininos, apareceram em públicoerguendo a voz, batendo no peito e proferindo lamentações piedosas sobre a desgraçada imperatriz». Observou ainda a presença de rapariguinhas que se uniram à multi-dão que atacou e destruiu edifícios pertencentes à família de Miguel V. Descrevendoo terramoto que atingiu Constantinopla em 1068, o historiador Ataliata observou queas mulheres perderam o seu natural pudor e saíram à rua. Em meados do século XIV,

quando outro terramoto causou o desabamento parcial da grande cúpula de SantaSofia, as mulheres nobres de Constantinopla acorreram J igreja para ajudar a remo-

ver os escombros.Em tempo de guerra - sobretudo durante os assaltos -, as mulheres saíam de

casa e contribuíam para a defesa da cidade; transportavam pedras que serviam parareparar as muralhas ou como armas para fundas e catapultas; levavam água e vinhoàs tropas sedentas; acudiam aos feridos. Por vezes algumas mulheres chegaram aassumir comandos militares, como quando Irene, mulher de João VI Cantacuzeno,no decurso da guerra civil de 1341-47, foi colocada à frente da guarnição deDidymoteichon, e em 1348, estando ausente o marido, foi responsável pela defesade Constantinopla. E, mesmo em circunstâncias comuns, não faltavam ocasiões deencontrar mulheres fora de casa: a trabalhar, por motivos religiosos, por distracçãoou para enterrar os mortos.

Como vimos, os deveres primários das mulheres bizantinas em casa eram: criaros filhos, preparar a comida, confeccionar a roupa. Muitos dos trabalhos executadospelas mulheres fora de casa constituíam um prolongamento destas ocupações domés-ticas fundamentais. As mulheres empregadas como cozinheiras, oleiras e lavadeirasexecutavam os trabalhos femininos tradicionais, mas eram pagas para os realizar paraoutras famílias ou instituições. Sabemos que havia mulheres que confeccionavamroupa não só para as suas famílias mas também a uma maior escala, em oficinas dacidade. Um opúsculo de Miguel Psello (século XI) descreve a festa constantinopoli-tana de Agathê (l l de Maio), celebrada por mulheres que se ocupavamde cardar efiar a lã, além da produção dos tecidos. A festa incluía serviços religiosos na igreja,mas também danças; a uma certa altura da cerimônia, as participantes deviam reu-nir-se em tomo de uma representação (um fresco") de mulheres dedicadasa traba-lhos de cardadura e tecelagem, algumas pior que outras; as trabalhadoras incompe-tentes eram punidas com o chicote. Estas mulheres deviam fazer parte de umacorporação de tecelões. Conhecemos ainda melhor o facto de as mulheres fazeremparte da corporação dos fabricantes de seda.

Escassíssimas são as informações relativas ao emprego feminino noutros camposde actividade artesanal, embora seja provável que assistissem os maridos e filhos,como sugere o painel de um cofre ebúrneo em Darmstadt, representando uma oficinaonde Eva trabalha com o fole e Adão está na forja.

As mulheres eram também activas no comércio a retalho, especialmente na qua-lidade de vendedoras de produtos alimentares; lemos acerca de mulheres fornecedo-ras de pão, verdura, peixe, leite. Não há dúvida de que esta ocupação era conside-rada como adaptada às mulheres, até porque a maior parte dos negócios se fazia comoutras mulheres (ou com criadas) que andavam nas compras. As vendedoras a reta-lho ofereciam, por vezes, os seus produtos porta a porta, evitando assim aos seus

128

clientes o distúrbio de saírem de casa. Nem o comércio a retalho nem a confecçãode vestuário se limitavam, em todo o caso, às mulheres: as fontes descrevem tecelõesdo sexo masculino, bem como droguistas, talhantes, peixeiros.

No comércio a retalho, as mulheres não trabalhavam apenas na qualidade dedependentes assalariadas: eram, por vezes, proprietárias das lojas ou oficinas. Existemfontes que mencionam mulheres proprietárias ou co-proprietárias de perfumarias eleitarias; estavam também à frente de repartições de câmbio, trabalhavam no comér-cio, investiam em actividades mineiras, possuíam moinhos.

Outra categoria profissional era aquela que, implicando contactos mais íntimoscom mulheres e/ou crianças, era necessariamente exercida por mulheres; os exem-plos podem compreender a intermediária matrimonial, a ginecologista, a enfermeirada secção feminina dos hospitais, a parteira, a ama, a criada de meninos, a criada, adiaconisa, a cabeleireira, a encarregada da ala feminina dos banhos públicos. As fon-tes mencionam com alguma frequência médicas que serviam não apenas de obste-tras e ginecologistas mas que bem podiam encarregar-se de mulheres afectadas porvários distúrbios. Entre os médicos que trabalhavam na secção feminina do hospitalmonástico do Pantokratôr em Constantinopla, havia uma médica, e eram mulheresas enfermeiras e suas ajudantes. Estas enfermeiras recebiam um salário igual ao doscolegas do sexo masculino, onde por razões ainda pouco claras o salário das médi-cas não chegava a mais de metade do dos médicos (três nomismata em vez de seis);até a ração de trigo era reduzida (26 modioi em vez de 36). No hospital do mosteirode Lips, qu~ tinha doze camas reservadas às mulheres, curiosamente o pessoal eratodo masculino, à excepção da lavadeira. Médica e parteira eram, por vezes, cha-madas a testemunhar em processos na qualidade de especialistas: podiam, por exem-plo, pronunciar-se quanto à virgindade de uma noiva, verificar se uma mulher estavagrávida, atestar o nascimento de uma criança.

Seria oportuno reagrupar também as chamadas ocupações infamantes, por exem-plo, as de prostituta ou dona de estalagem ou tabernas (muitas vezes estas exerciama prostituição a laterei ou mesmo as que agiam no espectáculo na qualidade deactrizes ou bailarinas.

As informações disponíveis quanto ao trabalho das camponesas são falhas. Alémde cultivar o pomar próximo de casa e de cuidar dos animais da capoeira, traba-lhavam esporadicamente nas vinhas ora como vinhateiras ora tão-somente na épocadas vindimas; podiam contribuir também para as operações de ceifa do trigo, comosugere o painel de uma píxide ebúrnea do século X (agora em Nova Iorque) coma figura de Adão ceifando as espigas com uma foice, ao mesmo tempo que Evacarrega as paveias às costas. Um texto do século XIll afirma, por outro lado, queas mulheres participavam nas colheitas apenas em circunstâncias anormais, porexemplo em tempo de guerra. O biógrafo de Cirilo Fileota refere que a mulher dosanto amanhava a terra ajudada pelos filhos, ao mesmo tempo que Cirilo se reti-rava, em reclusão, dentro das paredes domésticas. Havia mulheres e raparigas quetrabalhavam como pastoras: um caso inabitual é o das valáquias que se vestiramde homens para apascentar os seus rebanhos no monte Athos, povoado por comu-nidades monásticas e eremitas, e proibido às mulheres. Foi considerado um grandeescândalo, sobretudo quando se descobriu que levavam queijo e leite directamenteaos mosteiros.

129

Page 8: 7 - A Mulher Bizantina

Tal como as suas filhas, mais jovens que elas, as mulheres casadas passavam amaior parte do seu tempo em casa, antes de mais na companhia de parentes e cria-das. Por vezes tinham animais domésticos: pássaros e cãezinhos. Como é óbvio, afamília tomava habitualmente as refeições em comum, mas, havendo hóspedes dosexo masculino, as mulheres bem nascidas ficavam nos seus quartos. Restavam, emtodo o caso, numerosas ocasiões para sair de casa: os banhos públicos, o serviço reli-gioso. os santuários onde se guardavam relíquias, as visitas aos santos homens, asprocissões religiosas em que podiam participar, os funerais, as festas de carácter fami-liar: nascimentos e bodas. Era considerado pouco decoroso que as mulheres assis-tissem às corridas de carros e outros espectáculos do Hipódromo; a legislação justi-niana estabelecia que o marido podia intentar causa de divórcio, se a mulher secomportava de modo tão inconveniente. Só raras vezes mulheres nobres ou impera-trizes participavam em caçadas a cavalo.

Analogamente ao que se constata noutras sociedades onde a existência feminina émarcada por um certo grau de reclusão, também em Bizâncio os cultos religiosos tive-ram um papel vital na vida das mulheres. Para as laicas, assistir ao serviço religioso,participar em procissões, visitar santuários eram as únicas possibilidades socialmenteaprovadas de sair de casa. Constituíam ainda uma maneira de satisfazer exigências psi-cológicas e espirituais. Mulheres pertencentes às classes elevadas podiam participar noserviço religioso. As mulheres que pertenciam às classes elevadas podiam assistir aoserviço religioso nas capelas privadas anexas às suas casas, mas a maior parte dasmulheres frequentava igrejas que ficavam perto de casa ou mesmo a alguma distância.Eis, pois, a devota Santa Maria de Bizye que se dirige à igreja a pé, duas vezes pordia, sejam quais forem as condições meteorológicas e ainda que tenha de atravessaruma torrente para lá chegar. O biógrafo conta-nos, por outro lado, que Maria ficava arezar na parte mais escura da igreja e que, quando se transferiu para uma cidade maior,rezava em casa, de modo a evitar a multidão nos locais de culto público. No interiordo edifício eclesiástico as mulheres ficavam separadas dos homens: segundo as dimen-sões da igreja e a sua estrutura interna, podiam ser relegadas para uma galeria sobran-ceira ou para uma nave lateral. No começo do século XIV, o patriarca Atanásio I suge-riu uma justificação lógica para esta segregação entre os sexos: foi quando criticou asmulheres nobres que vinham a Santa Sofia, não por espírito religioso, mas para mos-trarem como estavam elegantes, cobertas de jóias, pintadas. Mais tarde, sempre noséculo XIV, um peregrino russo escreveu que, em Santa Sofia, as mulheres ficavam emgalerias por detrás de cortinas de seda transparentes, de modo a poderem observar oserviço religioso sem serem vistas pelos homens presentes na congregação.

Uma das actividades preferidas das mulheres era a visita aos santuários onde iamrezar pela saúde e a salvação das suas pessoas e das suas famílias ou pedir milagrososremédios contra doenças ou injustiças. Tomaide de Lesbos foi santa, apesar de sercasada e ter filhos; lemos a seu respeito que costumava rezar em igrejas situadas emvários locais de Constantinopla, chegando ao ponto de permanecer no santuário daVirgem nas Blaquernas mesmo para as vigílias nocturnas. Durante os primeiros séculosdo Império, houve mulheres - sobretudo damas da família imperial ou da aristocracia_ que empreenderam a longa peregrinação à Terra Santa; depois das conquistas árabesdo século VII, porém, as mulheres só raramente se lançaram nesta perigosa aventura elimitaram as suas viagens a santuários no interior da área sob controlo bizantino.

130

Excluídas na sua grande maioria da participação na vida política, muitas mulhe-res deixaram-se arrastar apaixonadamente nas controvérsias religiosas da sua época.Nos séculos VIII e IX, por exemplo - isto é, quando os imperadores adoptaram posi-ções iconoclásticas, proibindo a veneração das imagens -, as mulheres estiveram naprimeira linha dos opositores. Eram ardentes devotas dos ícones, que veneravam nasigrejas e tinham em casa como o mais precioso dos seus bens. Miguel PseIJo des-creve vivamente como a imperatriz Zoé era afeiçoada ao seu ícone de Cristo, embe-lezado por metais preciosos. Zoé acreditava que o ícone era capaz de predizer o futuroe, nos momentos de angústia, apertava entre as mãos a sagrada imagem, falando-lhecomo se estivesse viva. Segundo lemos, precisamente no início do período icono-elástico, enviou-se um soldado a destruir a imagem de Cristo que encima a porta daChalkê no Palácio de Constantinopla; mas um grupo de freiras encabeçado por SantaTeodósia puxou a escada onde estava o soldado. Estas mulheres foram as primeirasmártires iconodulias, porquanto Leão Ill as condenou todas à pena capital. Outrafreira iconodulia - Santa Antusa de Mantineia - foi submetida a uma tortura que con-sistia em espalhar-lhe sobre a pele as brasas ardentes de ícones queimados. Muitasmulheres da família imperial opuseram-se à política dos maridos e dos pais e conti-nuaram a venerar os ícones na privacidade dos seus aposentos. Mais ainda: foramduas imperatrizes que restauraram o culto das imagens depois da morte dos respec-tivos maridos: em 787, Irene convocou o Segundo Concílio de Niceia, que reabilitouo ícone, embora por pouco tempo; em 843, Teodora, viúva de Teófilo, imperadoriconoclasta, encabeçou a restauração permanente do culto das imagens como dou-trina oficial da Igreja ortodoxa. Na viragem do século XIII, as mulheres tiveram umpapel proeminente na oposição a Miguel VIII pela sua política de reunificação entrea Igreja de Constantinopla e a de Roma; chegou-se ao ponto de algumas das suasparentes serem exiladas por terem condenado a União sancionada em Lyon em 1274.

As mulheres estavam excluídas do clero, exceptuando-se a ordem das diaconisas,que sobreviveu até ao século XII. Originalmente, quando era habitual baptizar-se naidade adulta, as diaconisas ministravam o baptismo às mulheres; a evolução da ordemimplicou uma sua transformação num grupo de mulheres que exerceram obras pie-dosas, na qualidade de assistentes sociais ou enfermeiras ao domicílio. As laicas dedi-cavam-se ao ensino religioso privado: transmitiam aos filhos a sua própria fé reli-giosa, ensinavam os Salmos, contavam as histórias dos santos de outros tempos.Outras organizavam grupos de leitura e de estudo, como sabemos pela Vida de Atanásiade Egina, que ao domingo e nos dias de festas reunia as vizinhas e lia-lhes passa-gens das Escrituras: «inculcando nelas o temor e o amor de Deus». Muito mais rarossão os casos como o de Santa Antusa de Mantineia (ensinava os monges no duplomosteiro que chefiava) ou de Irene, abadessa do mosteiro constantinopolitano deChrysobalanton: Irene pregava a verdadeiras multidões de homens e mulheres, incluindodamas e raparigas de famílias eminentes, mesmo com cargos no senado.

Havia uma actividade importante e socialmente admitida que as mulheres podiamexercer fora de casa: as obras piedosas. As mulheres mais abastadas podiam ir aoencontro dos necessitados de forma indirecta, por exemplo com dádivas de fundos ainstituições que, depois, forneciam serviços sociais: orfanatos, casas de recuperaçãoe hospícios para pobres e velhos, hospitais e mosteiros. Outras preferiam um envol-

131

Page 9: 7 - A Mulher Bizantina

vimento mais pessoal, de modo a prestar socorro directo aos irmãos mais desafortu-nados: entravam, pois, em contacto directo com os pobres e os doentes. Algumasprestavam serviço voluntário nos hospitais, ajudando a dar de comer aos pacientes ea lavá-los; havia quem visitasse as prisões e consolasse os reclusos; outras 'percor-riam os caminhos, em busca de mendigos e fugitivos a quem pudessem dar roupa,comida e dinheiro. Este espírito filantrópico.sinspirado na piedade cristã, era consi-derado como um modo muito respeitável de servir a Cristo. Nos séculos IX e X, houvemulheres como Maria de Bizye e Tornaide de Lesbo, que chegaram a alcançar a san-tidade pelo seu empenho na causa dos pobres.

As mulheres eram as figuras mais importantes quando nasciam as crianças: erammães, parteiras, amas. O seu papel era igualmente importante quando morria algummembro da família. Antes de mais, ajudavam a preparar o corpo para o rito de sepul-tura: lavavam-no, aspergiam-no de óleos perfumados e de especiarias, vestiam-no.Depois, durante a vigília fúnebre, eram as mulheres que encabeçavam as lamenta-ções: demonstravam a sua dor gemendo, arrancando o cabelo, lacerando o rosto comas unhas, batendo no peito, rasgando a roupa. Não eram só as parentes do defuntomas também carpideiras profissionais pagas que cantavam lengalengas fúnebres, elo-giavam as virtudes do «querido desaparecido» e choravam a sua morte. Continuavama gemer e lamentar-se enquanto o cadáver era transportado para o cemitério. Estaprática inspirara as críticas dos Padres da Igreja, os quais estigmatizavam o facto deas carpideiras, nos seus paroxismos de dor, se assemelharem a bacantes no frenesimde um rito báquico, incitando a um comportamento que nada tinha de decoroso: des-cobriam a cabeça e rasgavam a roupa, pondo o corpo à mostra ... A Igreja permiteque as procissões fúnebres se façam de modo mais digno e solene, facultando corosde cantores provectos, homens e mulheres, que cantavam salmos e hinos fúnebres.Os parentes do defunto, do sexo masculino ou feminino, visitavam o cemitério noterceiro, nono e quadragésimo dia após o falecimento, levando oferendas para a sepul-tura. Além disso, as mulheres comemoravam, assiduamente, a memória dos paren-tes defuntos; preparavam os kollyba (mistura de bagos de trigo cozido e fruta seca),e participavam nas funções comemorativas aquando do aniversário da morte.

o papel cultural da mulher

À parte a produção de requintadas obras de tecelagem e bordado, a documenta-ção relativa a mulheres envolvidas em actividades artísticas é muito falha. Encontra--se atestado o caso de uma mulher que dava lições de desenho na Síria (século VIl).De igual modo, são muito poucas as mulheres acerca das quais sabemos que trans-creveram manuscritos: uma delas, pelo menos, Irene, era filha de um calígrafo (TeodoroAgiopetrita, que viveu na viragem do século XIII). Teodora Raulena, neta de MiguelVIII Paleólogo, copiou um manuscrito de Hélio Aristides, conservado actualmenteno Vaticano.

As mulheres pertencentes às famílias imperiais e aristocráticas desempenharam,em todo o caso, um importante papel na vida cultural de Bizâncio, sobretudo comoprotectoras das artes. Não se limitaram a encomendar manuscritos de luxo e adornoslitúrgicos, mas fundaram igrejas e mosteiros, de que alguma coisa resta ainda.

132

No começo do século VI foi eminente protectora Anicia Juliana, filha de Olíbrio, impe-rador do Ocidente por pouco tempo (em 472). Filha única, foi herdeira de grandesriquezas e mandou erigir ou embelezar um certo número de igrejas em Constantinopla,entre as quais Santa Eufémia en tois Olybriou e a grande basílica de São Polieuto,recentemente escavada em Istambul. Anicia Juliana encomendou também a reali-zação desse manuscrito de sumptuosas ilustrações que é chamado «Dioscóride deViena», um herbário que é hoje um dos tesouros da Ôsterreichische Nationalbibliothek.

Foram mulheres nobres e imperatrizes que fundaram muitos dos complexos monás-ticos constantinopolitanos que conhecemos quer porque se conservaram por acaso osseus typika quer porque os edifícios eclesiásticos sobreviveram. Alguns mosteirosmasculinos foram também fundados por mulheres, mas era mais comum que estasinstituíssem mosteiros femininos, concebidos habitualmente como residência futurapara si ou para as suas filhas. Assim, no século XII, a imperatriz Irene Ducas, mulherde Aleixo I Comneno, fundou o mosteiro de Kecharitômenê e estabeleceu um por-menorizado regulamento a que deviam observância as freiras que viessem a habitá--10. Passemos ao período dos Paleólogos: o mosteiro de Lips foi restaurado porTeodora Paleologina, viúva de Miguel VIU; conhecerno-lo quer graças ao typikon,que se conservou, quer pela igreja que Teodora mandou acrescentar do lado sul daigreja preexistente; esta última construção era concebida como mausoléu da famíliados Paleólogos (Fenari Isa Cami). Teodora Raulena restaurou o mosteiro de SantoAndré em Krisei e construiu um pequeno mosteiro em Aristine para alojar o pa-triarca Gregório II de Chipre após a sua abdicação do patriarcado em 1289. IreneCumnaina, jovem viúva do déspota João Paleólogo, empregou grande parte da riquezaque tinha herdado para fundar o duplo mosteiro do Cristo Filantropo e tornar-se aba-dessa. Outra magnífica igreja que ainda hoje adorna Istambul, o parekklêsion. da igrejada Virgem Pammakaristos (Fetiyeh Carni), foi erigida por Maria Marta, viúva deMiguel Tarcaniota Glaba, como mausoléu para o marido. Igualmente atípico foi omosteiro do «Arrependimento», fundado por Teodora, mulher de Justiniano paraalojar antigas prostitutas.

Além do «Dioscóride de Viena» podemos citar exemplos de manuscritos de luxoencomendados por mulheres; recordemos o typikon do mosteiro da Virgem da SólidaEsperança (século XIV), introduzido por uma série de retratos a corpo inteiro itypi-kon do Lincoln College), além do grupo dos dezasseis códigos atribuídos a scripto-ria cuja padroeira era uma certa «Paleologina» que devemos, talvez, identificar comTeodora Raulena ou com Teodora Paleologina, respectivamente neta e mulher deMiguel VIII.

No campo da produção literária, encontramos um pequeno número de mulherescom uma profunda cultura, que eram elas próprias escritoras, e outras que sustenta-vam os literatos por via epistolar ou com directo sustento econômico, ou ainda empres-tando-lhes livros e admitindo-os nos seus salões literários. Está fora de dúvida quea obra mais importante da literatura bizantina no feminino seja a Alexiada de AnaCornnena, filha de Aleixo I Comneno. Trata-se de uma obra histórica vasta e de teormuito subjectivo; não apenas constitui a mais importante fonte para o período do rei-nado de AJeixo e da Primeira Cruzada mas fornece informações pormenorizadas rela-tivamente a três gerações de «mulheres imperiais» de grande pulso: Ana Dalassena,mãe de AJeixo, Irene Ducas, sua mulher e a própria Ana. Houve também mulheres

133

Page 10: 7 - A Mulher Bizantina

que se aventuraram na poesia e na hinografia: o maior sucesso favoreceu a Cássia,poetiza do século IX que não conseguiu obter a mão de Teófilo, herdeiro designadodo trono; entrou depois num convento. De igual modo encontram-se atestadas ape-nas duas ou três autoras de obras de hagiografia: a abadessa Sérgia, que, no século VII,escreveu um breve relato da transladação das relíquias de Santa Olímpia, madre fun-dadora do seu mosteiro; muitos séculos depois, a versátil Teodora Raulena, quecompôs uma longa Vida dos frades iconódulios Teodoro e Teófanes Grapti. Rica dealusões clássicas que documentam o gosto literário da autora, a Vida foi interpretadacomo alusão velada aos sofrimentos padecidos pelos irmãos de Teodora, que seopuseram à política unionista de Miguel VIII relativamente à Igreja de Roma.

Um certo número de mulheres com interesses literários marcados tornaram-seprotectoras de escritores e filólogos. Parece que a sebastokratorissa Irene, mulher deAndrónico Comneno e cunhada de Manuel I, teve um fraco especial pela poesia,encorajando a obra dos poetas Teodoro Prodromo e «Manganeios Prodromos», alémde João Tzetze, autor de comentários a Homero e de glosas em verso à sua colecçãoepistolar. Constantino Manasse, outro protegido de Irerie, dedicou a sua história uni-versal (em verso decapentassilábico) à sua protectora, a quem chamou «filha adop-tiva das letras». Irene Cumnaina possuía uma enorme .biblioteca de obras tanto pro-fanas como religiosas; dava e recebia emprestados livros ao seu pai espiritual;encomendava cópias de manuscritos; manteve provavelmente uma espécie de salãoliterário no seu mosteiro. Quanto a Teodora Raulena, foi uma bibliófila erudita quechegou a possuir um importante manuscrito tucididiano; a sua cultura valeu-lhe oslouvores dos seus contemporâneos; manteve correspondência epistolar com NicéforoCumno e com o patriarca Gregório II de Chipre.

Noviciado e vida monástica

Os mosteiros ofereciam às mulheres bizantinas várias possibilidades e formas deassistência. As fontes descrevem muitas vezes o mosteiro como um porto de abrigoseguro e tranquilo; tratava-se, efectivamente, de um lugar onde as mulheres tinhamas vantagens de uma existência calma e ordenada na companhia das suas irmãs; avida era diariamente orientada em função do serviço religioso e das orações pela sal-vação da Humanidade. Para as jovens, os mosteiros constituíam a principal alterna-tiva ao casamento; para as mulheres afligidas por problemas familiares, de doençaou velhice, os mosteiros constituíam um refúgio: às pobres ofereciam alimento' e ves-tuário e, por vezes, mesmo cuidados médicos. Além disso, os mosteiros constituíamuma instituição que permitia às mulheres atingir um certo nível de instrução e terposições de responsabilidade.

Analogamente ao que acontecia no Ocidente medieval, as jovens mulheres entra-vam nos mosteiros bizantinos por muitas razões. Muito novas, atraídas pela vida reli-giosa desde a infância, preferiam ser esposas de Cristo, esposo celeste, a contrairmatrimónio na terra. Muitos pais apoiavam esta decisão das filhas de renunciar aomundo; mas houve casos em que os pais combinaram o casamento contra os dese-jos da filha e opuseram-se à sua decisão de tomar o hábito monástico. Podia tambémsuceder que a jovem abraçasse a vida religiosa mais por necessidade do que por voca-

134

ção; por exemplo, era considerada inapta para o casamento, porque tinha ficado mar-cada pela varíola ou porque não era sã de espírito. A maioria dos regulamentos monás-ticos conservados declara que não eram necessários contributos financeiros para entrarnum convento, mas o hábito exigia que a família da jovem fizesse uma sólida doa-ção à comunidade monacal: podia tratar-se de uma quantia em dinheiro ou dos bensque depois constituiriam o dote. Os votos monásticos eram tomados ao fim de umperíodo de noviciado que durava três anos.

Era desaconselhável que as jovens entrassem no mosteiro antes dos dez anos: con-siderava-se que a sua presença poderia causar distúrbio no seio da comunidade. Apesardisso, foram por vezes admitidas raparigas muito jovens. Houve casos em que ospais levaram as filhas para o convento em idade muito tenra em sinal de agradeci-mento oferecido a Cristo ou à Virgem: isto acontecia sobretudo se a filha havia sidoconcebida ao fim de anos de esterilidade ou se sobrevivera milagrosamente enquantoirmãos e irmãs tinham morrido (é o caso da filha de Teodora de Tessalónica). Tambémas órfãs podiam ser criadas num mosteiro. Aprendiam a ler e escrever, a cantar duranteo ofício, a fazer trabalhos manuais. Uma vez atingida a maioridade, podiam decidirse queriam ficar permanentemente na comunidade monástica e tomar formalmenteos votos: o regulamento do mosteiro de Lips estabelecia que as jovens criadas pelasfreiras durante a infância e a juventude deviam esperar perfazer os dezasseis anosaté tomar o hábito religioso.

Muitas freiras, porém, haviam-no tomado mais tarde: quando chegavam à meia--idade ou eram já velhas. Era muito comum uma mulher entrar no convento depoisde enviuvar: no contexto monástico podia encontrar consolação espiritual, compa-nhia e apoio durante a velhice. Muitos documentos descrevem-nos as transacçõesfinanceiras praticadas nestas ocasiões: a viúva oferecia ao mosteiro uma doaçãoelevadíssima, em dinheiro ou outros bens; em contrapartida, era tonsurada, tinha acerteza de que seria sustentada para o resto da vida, quando morresse seria devi-damente sepultada e anualmente comemorada no serviço religioso. Em certos casos,a viúva não tomava o hábito monástico, mas vivia na comunidade como «pensio-nista» laica ou permanecia fora dos muros do convento, mas recebia comida regu-larmente. Não eram só as viúvas que optavam pelo hábito religioso em idadeavançada; não era raro que, uma vez adultos os filhos, marido e mulher, de comumacordo, pusessem fim à sua vida conjugal e se retirassem cada qual para o seumosteiro.

Podia haver muitos outros motivos para levar as mulheres às portas de um con-vento. Mulheres infelizes ou batidas pelos maridos, mulheres que haviam tido quefugir de invasões inimigas, mulheres com perturbações mentais: para todas elas omosteiro era um verdadeiro refúgio. Para outras, constituía, antes de mais, uma pri-são ou um exílio: pense-se nas consortes dos imperadores depostos, nas julgadas cul-padas de adultério, nas bruxas, nas heréticas condenadas pelo sínodo a tomar votosmonásticos para expiar o seu precedente comportamento pecaminoso.

A extracção social das freiras era, em princípio, média e alta, mas nos mosteirosviviam e trabalhavam também mulheres das classes inferiores, na qualidade quer decriadas quer de mulheres de limpezas e outros serviços humildes. Apesar de as comu-nidades monásticas serem fundadas segundo um ideal igualitário, muitas mulheresnobres que haviam abraçado a vida religiosa em idade avançada achavam difícil

135

Page 11: 7 - A Mulher Bizantina

renunciar ao estilo de vida mais cómodo a que estavam habituadas, sendo-lhes, pois,permitido viver em aposentos separados, manter o seu séquito, tomar as suas refei-ções à parte.

Os membros do coro e funcionárias do mosteiro deviam saber ler e escrever. Erammuitas vezes mulheres de grande instrução que encontravam no ambiente monásticouma saída para os seus talentos. A madre superipra não se limitava a ser a guia espi-ritual da comunidade, superintendia também, sendo por isso responsável, à manu-tenção "física» do complexo monástico e ainda à administração e ao emprego dosseus recursos financeiros; devia ser uma hábil mulher de negócios, capaz de unir àvontade inflexível e ao severo sentido da disciplina um espírito penetrado do maisprofundo afecto pelas freiras que lhe eram confiadas; além disso, não devia faltar--lhe a aguda percepção psicológica dos problemas que podiam surgir num grupo demulheres em tão estreito contacto recíproco.

Pelas suas exigências administrativas, os mosteiros necessitavam dos serviços deum certo número de funcionárias. As dimensões do staff eram variáveis, dependendodo número das freiras da instituição; tanto podiam ser lima dezena como mais de umcento. Num convento pequeno, uma única freira podia curnular funções que, de outromodo, estavam repartidas por duas ou mais pessoas. Uma das funcionárias maisimportantes devia ter predisposição para a música e conhecer bem as complicaçõesda liturgia: tratava-se da ekklêsiarchissa. A sua tarefa consistia na supervisão do san-tuário eclesiástico e do serviço religioso, incluindo o facto de as coristas cantaremapropriadamente o ofício. A sacristã (skeuophylakissa) era responsável pela conser-vação dos sagrados objectos litúrgicos; a tesoureira (docheiaria) devia ocupar-se dasfinanças e do abastecimento (alimentos para o refeitório, vestuário para as freiras).À arquivista (chartophylakissa) cabia conservar os arquivos do mosteiro, a começarpelos documentos atinentes à concessão de privilégios imperiais, às doações e aqui-sições de terras, às isenções fiscais. Este grupo de funcionárias devia ter excelentesqualidades de organização, ser válido no registo, hábil na contabilidade. Entre asoutras funções exercidas pelas freiras são de assinalar as de guardiã e de hospita-leira. Quanto ao oikonomos, o economista encarregado de administrar e supervisio-nar as propriedades monásticas, era por vezes um laico que vivia fora da comuni-dade. Nalguns mosteiros, o papel era desempenhado por uma freira madura e ricaem experiência prática. Entre as suas incumbências contava-se: sair do recinto monás-tico, sempre que necessário, para visitar as propriedades mais distantes, controlar oandamento das colheitas e os preparativos para a venda do produto da ceifa.

O mosteiro constituía, pois, um meio onde as mulheres podiam assumir maioresresponsabilidades para fazerem funcionar um organismo complexo. Persistiam, noentanto, não poucas limitações à sua independência relativamente à autoridade doshomens. As mulheres não podiam dizer missa como os sacerdotes; era, pois, neces-sário que afluísse do exterior clero masculino para celebrar a liturgia. De igual modo,devia ser do sexo masculino o confessor, como também o médico que visitava o mos-teiro a intervalos regulares. Acontecia ainda, frequentemente, que o próprio mosteirofosse colocado sob a autoridade de um supervisor do sexo masculino, o ephoros; seisso lhe parecesse necessário, podia desautorizar a abadessa.

A rotina diária das freiras mudava de acordo com as suas tarefas específicas, masbaseava-se no canto do ofício, na oração solitária, no estudo das Escrituras e no tra-

136

balho manual: fiar, tecer, bordar, para não falar dos trabalhos domésticos. Algumasfreiras tratavam também da vinha e do pomar. Ao contrário do que acontecia nosmosteiros masculinos, onde os frades se dedicavam, por vezes, a actividades de tipointelectual ou artístico (caligrafia, hinografia, composição musical, redacção de cró-nicas e de Vidas de santos), os mosteiros femininos ofereciam poucas possibilidadesde expressão artística. Houve freiras empenhadas em actividades tais como a cópiade manuscritos, freiras hinógrafas e hagiógrafas, mas foram casos isolados.

Também noutros aspectos os mosteiros femininos diferiam dos masculinos.Tendencialmente, eram mais pequenos; os subsídios de que gozavam eram inferio-res e situavam-se mais na cidade do que no campo. As freiras prezavam muito orequisito da estabilidade monástica, ou seja, de permanecerem toda a vida no mos-teiro onde tomavam os votos. Ao contrário dos frades, que tendiam a andar cons-tantemente de convento para convento ou a alternar um modo de vida cenobita coma incómoda existência do eremita, as freiras mantinham-se quase sempre no mesmomosteiro até à morte. Viviam, também, quase exclusivamente em instituições ceno-bitas; depois dos séculos IX-X, as fontes deixam de mencionar mulheres dedicadas àvida eremítica.

Acrescente-se que a maioria das freiras respeitava escrupulosamente as regras daclausura monástica, raramente deixando o mosteiro. Houve, no entanto, alguns typika,sobretudo no último período bizantino, que concediam algo à fragilidade humana,permitindo às freiras visitar as suas famílias em determinadas ocasiões. As freirasmais jovens que saíam do convento deviam ir acompanhadas por freiras maduras ecom experiência; de igual modo, se as freiras recebiam visitantes do sexo masculinoà porta do mosteiro, devia estar presente também uma freira mais velha para vigiara visita. Sucedia ainda que as freiras com funções oficiais no mosteiro tivessem dedeixar o claustro por questões de ordem vária: apresentar petições ao sínodo, teste-munhar num processo, receber rendas, visitar propriedades monásticas, acompanhara abadessa ao patriarca aquando da tomada de posse. As freiras comuns podiam sairpara acompanhar o funeral de um parente, visitar um confessor espiritual ou um san-tuário, praticar obras de caridade.

Mulheres da família imperial

Nas páginas precedentes apareceram, por vezes, imperatrizes e outras mulherespertencentes à família imperial, sobretudo na qualidade de protectoras das artes ouporque envolvidas em controvérsias religiosas. Sob muitos aspectos, as vidas demulheres, mães, irmãs e filhas dos imperadores assemelhavam-se às de outras mulhe-res: passavam a maior parte do tempo nos seus aposentos privados; eram geral-mente devotas e assíduas frequentadoras da igreja; para muitas delas constituía umaprioridade a actividade filantrópica junto dos mais infortunados membros da socie-dade; além disso, faziam dádivas generosas para mandar construir, restaurar ou emtodo o caso gerir os edifícios eclesiásticos, os mosteiros, as instituições de caridade;ou então financiavam a produção de manuscritos e outras obras de arte. E, con-tudo, por riqueza, nascimento, posição institucional, estas mulheres afastavam-seda norma.

137

,;;j

Page 12: 7 - A Mulher Bizantina

o elemento que melhor caracteriza as imperatrizes - e, por vezes, as princesas -bizantinas é que se tratava das únicas mulheres envolvidas, de alguma forma, na polí-tica; tinham, por vezes, um papel essencial na perpetuação da dinastia; outras vezesexerciam, de facto, a autoridade imperial, na qualidade de regentes ou com .sobera-nia para todos os efeitos; não era raro que influenciassem maridos, filhos ou irmãos.Caso não houvesse herdeiros do trono do sexo masculino, as imperatrizes ou as prin-cesas podiam transmitir o poder imperial por 'via matrimonial. Assim, Ariadne, filhade Leão I, desposou em primeiras núpcias o comandante isáurico Zenão, que reinoude 474 a 491; quando Zenão morreu sem deixar filhos, Ariadne desposou Anastásio (1),que foi imperador de 491 a 518. De igual modo a princesa Zoé, filha de ConstantinoVIII, prolongou a dinastia macedónica com a série dos seus casamentos com trêshomens que foram feitos imperadores: Romano III Argiro (1028-34), Miguel IVPaflagónio (1034-41), Constantino IX Monomaco (1042-55); acrescente-se que adop-tou Miguel V Calafato (1041-42). Imperatrizes que ficaram viúvas (por exemplo,Irene, durante o século VIII, e Teodora, durante o século IX) exerceram funções deregência durante a menoridade dos seus filhos; quanto a Ana Dalassena, foi-lhe con-fiada a regência por parte do filho maior Aleixo I Comneno, quando este deixouConstantinopla para uma longa campanha militar. Houve casos em que a imperatrizrecusava afastar-se quando o filho atingia a maioridade, ou então a imperatriz nãoqueria tomar marido e detinha o poder sozinha, durante curtos períodos de tempo.Foi assim que, ao cabo de uma regência de dez anos, Irene se mostrou relutante emceder as rédeas do comando ao seu filho Constantino VI; a luta pelo poder levou-a,finalmente, a mandar prender e cegar o seu filho em 797. Irene reinou plenamentedurante os cinco anos seguintes, após o que foi destituída do trono. Em 1042, a impe-ratriz Zoé, aviltada pelo tratamento recebido dos dois maridos - primeiro Miguel IV,que a relegou para o gineceu, depois Miguel V, que a fechou num mosteiro -, rei-nou durante poucos meses com a sua irmã Teodora, depois que uma rebelião popu-lar derrubou Miguel V: Zoé foi depois persuadida a contrair um ulterior casamento,desta vez com Constantino Monomaco. Após a morte, primeiro de Zoé, depois deConstantino, Teodora - terceira filha de Constantino VIII - subiu ao trono em 1055e reinou sozinha durante dezanove meses. Antes de morrer, transmitiu o poder impe-rial desposando Miguel (VI) Estratiótico, que lhe sobreviveu apenas um ano. Chegouassim à sua total extinção a dinastia macedónia, mas as irmãs Zoé e Teodora tinhamconseguido prolongar a sua vida cerca de trinta anos: de 1028 a 1056.

Era legal que uma mulher pudesse sentar-se no trono, mas que reinasse sozinhaparecia coisa irregular e inoportuna. A posição de uma imperatriz reinante era ambí-gua; Irene assinava os seus documentos na qualidade de «imperador dos Romanos»e era elogiada pelo seu temperamento masculino; quanto à moedagem, reconhecia--lhe, no entanto, o título de «imperatriz». Miguel Psello criticou severamente Zoé eTeodora pela sua incompetência, afirmando que «nenhuma tinha carácter apto parao governo» e que o Império «necessitava do controlo de um homem». Psellos obser-vou que, durante o reinado de Teodora, «não havia quem não concordasse com ofacto de não convir ao Império dos Romanos ver-se governado por uma mulher enão por um homem». Outro historiador, Ducas, atacou a regência de Ana de Sabóia,assimilando o Império confiado às mãos de uma mulher à «lançadeira de um tece-lão que fia ao acaso e altera o fio das vestes purpúreas». Ducas usou a imagem do

138

"".I &)

tecelão, porque quis recordar aos seus leitores que o campo próprio das mulheres éo dos trabalhos manuais, não o dos assuntos imperiais.

Apenas três mulheres se sentaram sozinhas no trono imperial bizantino; maisnumerosas foram as regentes, que ocupavam tendencialmente o poder durante perío-dos mais longos. As regentes tiveram, por vezes, um papel decisivo, influenciandoo curso dos acontecimentos futuros. Não esqueçamos que tanto Irene como Teodora,no século IX, eram regentes por conta dos filhos menores, quando subverteram a polí-tica iconoclástica dos maridos defuntos, restaurando a veneração das imagens, queera tradicional.

Outras imperatrizes tiveram uma influência indirecta mas, em todo o caso, sig-nificativa sobre os acontecimentos, persuadindo os maridos ou impondo-se-lhes.Procópio descreve vivamente um dramático episódio no Palácio no tempo da revoltadita «Nika» (532): Teodora convenceu Justiniano I a não fugir, a não abdicar dotrono, mas persistir e vergar a rebelião popular. Conseguiu, assim, manter o trono egovernar mais trinta e três anos. As imperatrizes viam-se também envolvidas nasnegociações relativas ao casamento dos filhos, interessavam-se apaixonadamente pelasquestões religiosas, recomendavam as promoções ou sugeriam as destituições doscortesãos que lhes agradavam ou desagradavam e, por vezes, chegavam a acompa-nhar os maridos em campanha militar.

À laia de conclusão

A atitude dos Bizantinos perante a mulher era ambivalente. Influenciados comoeram por duas imagens femininas estereotipadas - a Virgem Maria, que religiosa-mente uniu virgindade e maternidade, e Eva, a tentadora sexual -, os Bizantinososcilavam entre a reverência devida às mulheres enquanto mães e a crítica à suadebilidade e falta de confiança. Isto pode explicar, em parte, a grande variedadedas santas bizantinas, que ia desde as virgens consagradas às prostitutas arrepen-didas e às matronas caridosas. Embora os Bizantinos idealizassem a virgindade ea considerassem superior ao casamento, a família continuava a ser a unidade-chaveda sociedade. As mulheres desempenhavam um papel indispensável na perpetua-ção da linha familiar e para transmitir bens e propriedades de geração em geração.Eram particularmente importantes nos momentos críticos da vida: à nascença, comomães, parteiras e amas; no casamento, como esposas; à hora da morte, nas lamen-tações fúnebres.

Dada a insistência nos temas da castidade para as jovens e da fidelidade paraas esposas, as mulheres tendiam a viver uma vida apartada dentro das paredes decasa. Neste âmbito doméstico, porém, a sua posição era bem determinada: as suastarefas consistiam em criar os filhos e tratar da casa. Se, depois, as mulheres dei-xavam as suas famílias para fazerem-se freiras, passavam, de facto, a fazer partedoutra família: a «irmandade» espiritual do convento, sob a orientação da madresuperiora. Ao tomar os votos religiosos, uma mulher tornava-se esposa de Cristo;embora mantendo a sua virgindade, era num casamento (espiritual) que embar-cava. Assim, fosse em casa ou num convento, a mulher estava sempre ligada auma família.

139