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CAPÍTULO 7 TECNOLOGIA SOCIAL: O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO NOVAS FORMAS DE BENEFICIAMENTO DE JUTA E/OU MALVA NO BAIXO SOLIMÕES

7 tecnologia social - o desenvolvimento do projeto novas formas de beneficamento de juta eou malva no baixo solimões

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CAPÍTULO 7

TECNOLOGIA SOCIAL: O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO NOVAS FORMAS DE BENEFICIAMENTO DE

JUTA E/OU MALVA NO BAIXO SOLIMÕES

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TECNOLOGIA SOCIAL: O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO NOVAS FORMAS DE BENEFICIAMENTO DE JUTA E/OU MALVA NO

BAIXO SOLIMÕES

Therezinha de Jesus P. FraxeAldenor da Silva Ferreira

Francisco Adilson dos Santos HaraCarlos Moisés Medeiros

Introdução

O mundo do trabalho do camponês varzeano é marcado por inúmeras atividades. O

cultivo de juta e/ou de malva é uma delas, fato que em muitas comunidades rurais do baixo rio

Solimões ainda é relevante. Todavia, o processo de trabalho para a obtenção das fibras

continua praticamente inalterado desde a introdução dessa atividade agrícola no estado do

Amazonas no século passado.

Assim, a partir do levantamento dos principais problemas apontados pelos próprios

produtores de juta e/ou de malva, visando fundamentalmente melhorar o ambiente de

trabalho, diminuir sua insalubridade, contribuir também para o melhoramento da qualidade

das fibras por eles produzidas, o Núcleo de Socioeconomia da Universidade Federal do

Amazonas – NUSEC/UFAM propôs a introdução de máquinas descorticadeiras de juta e/ou

de malva. A introdução dessa eco/tecnologia no processo produtivo tem, como uma de suas

principais metas, diminuir o tempo que o agricultor permanece dentro da água, melhorando

as condições de trabalho sem causar impactos ambientais no solo ou na água.

A ênfase dada ao projeto, Novas formas de processamento da juta e/ou malva, por

esse grupo de pesquisa não está relacionado diretamente ao aumento da produção, ainda que,

com a introdução das máquinas, ele possa ser possível, mas, sim, melhorar as condições de

trabalho dos agricultores, diminuindo os riscos de acidentes com animais peçonhentos,

contágio de doenças, bem como outros tipos de acidente. Assim, a primeira preocupação é

acabar com a insalubridade do processo de trabalho1.

É importante destacar aqui que não se trata de uma experiência original. Essa

tecnologia remota à década de 1970, com as primeiras experiências no vizinho estado do Pará

1 É importante destacar que são muitas comunidades que ainda trabalham com a juta e a malva ao longo do baixo Solimões, fundamentalmente no trecho de Manaus a Coari. A ação do projeto Novas formas de processamento da juta e/ou de malva abrange diretamente, por ora, apenas três quatro comunidades – Nossa Senhora das Graças (Manacapuru), Bom Jesus (Anamã), Santo Antônio (Anori).

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feitas por técnicos da Comissão de Desenvolvimento Econômico do Amazonas –

CODEAMA, Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR-AMAZONAS) e

Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM.

Segundo Homma (1998, p. 49):

A criação do IFIBRAM, em 24 de outubro de 1974, reunindo os interesses de 27 industriais de aniagem tinha por objetivo o aumento da produção de juta e malva, em razão da mudança de perspectiva dos sintéticos com a crise do petróleo. Baseado em esparsas experiências realizadas com alguns protótipos de descorticadeiras, o IFIBRAM chegou à conclusão de que o problema principal da juticultura era a baixa produtividade da mão-de-obra. Com isso, no seu programa de trabalho inicial lançou-se a [utopia] de financiar mais de 4.800 descorticadeiras para os produtores de juta e malva [...].

Como se pode observar, a ideia de descorticar mecanicamente a juta e/ou a malva não

é nova. Entretanto, em décadas passadas, a necessidade de grandes produções e a escassez de

mão de obra eram os motivos que impulsionavam a introdução dessa tecnologia. Naquele

momento, segundo Homma (1972, p. 21):

A relativa escassez do fator trabalho aliado a uma técnica de produção intensiva, na cultura da juta [e malva] não é possível se a mão-de-obra não for recrutada para colheita [...]. Para vencer a escassez de mão-de-obra ter-se-á que substituir parte do trabalho humano por máquinas. O desafio residirá em se ajustar o grau de mecanização e a distribuição do equipamento a ser usado, às possibilidades administrativas e financeiras das unidades produtoras.

A implantação do projeto, Novas formas de processamento de juta e/ou de malva, nas

comunidades rurais do baixo Solimões, parte de um pressuposto teórico e metodológico que

remete a construção de uma nova racionalidade ambiental. A racionalidade dominante no

mundo contemporâneo é a racionalidade capitalista, que se baseia numa visão utilitária da

natureza. É uma racionalidade que destrói, degrada, polui os espaços naturais transformando

ao mesmo tempo, a própria natureza e o homem. Em decorrência dessa racionalidade

utilitarista, faz-se necessário contribuir para o desenvolvimento de outra racionalidade que

consiga conjugar aspectos econômicos, sociais, políticos, culturais e étnicos, levando,

sempre, em consideração, as singularidades das ecorregiões – os seus complexos

ecossistemas – onde se pretende promover o desenvolvimento.

O desenvolvimento e implementação de máquinas descorticadeiras de juta e/ou malva

têm por base a ideia da inserção, no processo produtivo camponês, das chamadas tecnologias

sociais. Sabe-se que a racionalidade econômica hegemônica determina a produtividade dos

meios de produção e do uso da força de trabalho, não considerando devidamente as relações

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socioeconômicas e culturais do homem com a natureza, o papel social do trabalho humano e

a capacidade de reprodução da própria natureza. Contudo, de acordo com Leff (2001), esse

processo – que é sempre histórico – apresenta contradições que podem ser aproveitadas no

sentido da superação dos dilemas sócio-produtivos amazônicos:

[...] O desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico gerou um potencial inovador, fundado no conhecimento da natureza, que pôde orientar-se para o desenvolvimento de novos recursos naturais e tecnológicos para o aproveitamento de fontes alternativas de energia e para o desenho de novos produtos, dando suporte a um projeto de civilização e a uma estratégia de desenvolvimento que incorporam as condições de conservação e o potencial ecológico e cultural de diferentes formações sociais. Abre-se, assim, a possibilidade de organizar um processo econômico a partir do desenvolvimento das forças ecológicas, tecnológicas e sociais de produção, que não está sujeito à lógica de economias concentradoras, de poderes centralizados e da maximização de lucros de curto prazo, abrindo a via para um desenvolvimento igualitário, sustentável e sustentado (p. 88, grifo nosso).

Ainda de acordo com Leff (2001), a compreensão de tecnologia social – isto é, o

conceito ecotecnologia – envolve a concepção de método, processo ou artefato, desenvolvido

em interação com a comunidade, que promova transformação social e que tenha condição de

ser reaplicado em outros lugares ou territórios. É a solução social conhecida por determinado

grupo da sociedade e deve ser transferida para outras regiões que convivam com o mesmo

problema social. Para o autor (2001 p.110), “a construção desta racionalidade ambiental

aparece como um processo de produção teórica, desenvolvimento tecnológico, mudanças

institucionais e transformação social”. Eis aí, portanto, um dos objetivos do projeto, ou seja,

conjugar fatores tecnológicos com desenvolvimento socioambiental de comunidades

camponesas no Amazonas, pois as interrogações sobre o desenvolvimento econômico e

social do estado do Amazonas têm conferido relevância nas últimas décadas. Não se pode

mais, no mundo contemporâneo, conviver com o mito da natureza intocada, tal como

concebido por Diegues (1996), e tampouco pensar de maneira irresponsável e ingênua a

ponto de crer que é possível em toda extensão do vale amazônico o estabelecimento de

megaprojetos de desenvolvimento agrícola e/ou industrial descolados dos fundamentos

multidimensionais da sustentabilidade.

Ecotecnologias são tecnologias desenvolvidas visando à conservação do ambiente e

articulada com a promoção da sustentabilidade social e cultural das populações envolvidas.

Abordam temas como energia renovável, reciclagem, poluição, materiais alternativos, prédios

verdes, tratamento de efluentes entre outros meios de inovações tecnológicas.

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Ecotecnologias pressupõem o ecodesenvolvimento: “[...] uma alternativa para o modo

clássico de produção/consumo que perpetua o esgotamento dos recursos e as desigualdades

sociais, acentuando o desequilíbrio entre as regiões do mundo e no interior das sociedades

nacionais” (CAMPOS, 2006 p. 396). Pressupõem igualmente um estilo de desenvolvimento

que, em cada ecorregião, insiste nas soluções específicas de problemas específicos, levando,

em conta, os dados ecológicos e culturais, as necessidades imediatas, como também as de

longo prazo. Ou seja, trata-se de encaminhar a solução dos problemas locais ou regionais a

partir das condições dadas na própria realidade onde eles se manifestam.

Assim, a introdução das máquinas descorticadeiras tem grande potencial para

transformar a realidade socioeconômica dos malveiros e/ou juteiros – uma vez que acelera o

processo produtivo e elimina a insalubridade do processo de desfibramento – gerando renda

sem destruição do ambiente. Há de se ressaltar, ainda, que todo o processo de introdução e

apropriação das máquinas nas comunidades deverá ser necessariamente coletivo, tornando,

dessa forma, uma tecnologia ao alcance de todos.

Por se tratar de uma mudança significativa no processo produtivo desenvolvido

tradicionalmente pelos camponeses, foi necessário desenvolver atividades experimentais

pedagógicas que visassem compreender os impactos desta intervenção de acordo com as

singularidades e especificidades das comunidades. Nesse sentido, além de treinamentos sobre

a parte funcional da tecnologia proposta, houve a preocupação de compreender a organização

social de cada comunidade e a percepção dos comunitários sobre as mudanças que ocorreriam

no processo produtivo. Uma equipe multidisciplinar composta por agrônomos, sociólogos,

antropólogos e psicólogos foi constituída para desenvolver atividades referentes à dimensão

psicossocial da organização comunitária.

A proposta desse projeto é atravessada pela relação entre ciência, tecnologia, inclusão

social e ambiental. Integrar vetores econômicos, sociais e ambientais é um desafio que, em

geral, países desenvolvidos não conseguiram contemplar de maneira satisfatória, pelo menos

do ponto de vista do ambiente. Os resultados negativos da revolução verde evidenciam os

problemas gerados por um modelo hegemônico de agricultura que precisa ser high tech para

ser desenvolvido. Seguindo os princípios da política nacional da Assistência Técnica e

Extensão Rural – ATER, a proposta desta intervenção não se apoia numa mera difusão de

inovações, mas visa atuar num processo de desenvolvimento rural sustentável. A proposição

desse projeto opera também com a questão da construção de novos paradigmas que aliem

ciência e tecnologia com a riqueza de conhecimentos tradicionais dos homens que habitam a

região. Não constitui objetivo do projeto tão somente a mecanização dos processos produtivos

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da juta e/ou de malva desenvolvidos na várzea, apresentando a tecnologia como solução única

dos problemas enfrentados pelas populações habitantes dessas áreas. Ao contrário, sabe-se

que o uso de maquinarias pesadas no delicado sistema da várzea acarretaria prejuízos

socioambientais incalculáveis em função da degradação do solo. Daí o desafio de criar uma

tecnologia que seja, de certa forma, portátil, criando a possibilidade de ser transportada sem

grandes esforços para as áreas de plantio.

A máquina descorticadeira, longe de ser um pacote tecnológico, potencializaria a

agricultura da juta e/ou de malva e melhoraria a qualidade de vida dos moradores das

comunidades uma vez que promoveria uma mudança significativa nas condições insalubres

em que hoje este processo produtivo é praticado. Vários elementos da cadeia produtiva da juta

e/ou da malva, que encerram um conhecimento tradicional dos camponeses amazônicos, e as

relações sociais de ajuda mútua, não foram modificados, com o intuito de respeitar as

especificidades e peculiaridades do seu modo de vida. A cooperação, as redes solidárias de

cooperação e as organizações comunitárias são princípios básicos levados em consideração

para o pleno aproveitamento da máquina. Por fim, mas igualmente importante, o projeto está

apoiado numa abordagem (trans)disciplinar e fundamentado num enfoque participativo em

franca dialogicidade com os membros das comunidades.

1 Descorticação mecânica de juta e/ou de malva: uma nova (velha) ideia.

A importância econômica das fibras para a região amazônica em passado recente –

primeiramente a juta e, posteriormente, a malva –, é indiscutível.

A juta, de origem indiana, foi motivo de grandes esforços por parte de governos de

vários estados brasileiros, no sentido de se conseguir a sua aclimatação. Segundo Homma

(1972), até o final do século XIX, o cultivo de juta constituía monopólio da Índia, que

juntamente com o Paquistão, contribuíam com mais ou menos 94% do total da produção

mundial.

O Brasil, durante a primeira metade do século XX, foi um dos grandes importadores

de juta, fundamentalmente da juta indiana. O país só alcançou “autossuficiência” por volta de

1953, graças à produção amazônica (HOMMA, 1972).

As condições edafoclimáticas das várzeas do Amazonas e Pará se constituíram em

áreas ideais para a reprodução da juta. Não só da juta, mas também da malva, planta similar à

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juta e nativa do meio amazônico. Todavia, a aclimatação da juta não constituiu tarefa fácil.

Segundo Homma (1972, p. 10),

[...] as principais tentativas de cultivo de juta na Amazônia datam de 1932, sendo os resultados iniciais pouco encorajadores, em vista do pequeno tamanho apresentado pelas hastes. Após outras tentativas, verificou-se a ocorrência, em determinado plantio, de dois indivíduos que sobressaíam aos demais pelo porte, assemelhando-se aos ancestrais indianos [que], posteriormente, comprovou-se a hereditariedade de tal caráter.

Após várias tentativas, obteve-se êxito na aclimatação da juta, que passou a ser

plantada de forma comercial na região. A Amazônia chegou a ter 40 mil hectares plantados de

juta na extensão de suas várzeas. Contudo, o processo de trabalho, desde o início dessa

atividade na região sempre, foi sinônimo de perigo e desgaste físico. A forma artesanal de

obtenção das fibras tanto da juta quanto da malva representou quase sempre baixa

produtividade e riscos à saúde, devido, obviamente, às condições naturais imperantes nas

várzeas amazônicas – os ciclos das águas – enchente, cheia, vazante e seca. Além disso, como

observado, a relativa escassez do fator trabalho e a adoção de uma produção de cunho cada

vez mais intensivo careciam sempre de rapidez nas colheitas, caso contrário a subida das

águas poderia comprometer toda a lavoura. Segundo Homma (1972, p. 21):

Em função dessa necessidade começaram a surgir diversos protótipos de máquinas, geralmente conhecidas pelo nome de seus fabricantes, Baproma, tipo 6002, Seiga, Plantecc e Iseki Mitsui. Tanto para a Baproma tipo 6020 como a SEIGA, o seu emprego constitui o que poderíamos chamar de macro mecanização, onde necessitaria o ingresso dos industriais no setor de produção de fibra. A descorticadeira Iseki Mitsui constitui um caso de micro mecanização.

A ideia de se construir uma máquina pequena e que, de certa forma, tenha

características de portatibilidade não é nova e sempre se constitui num verdadeiro desafio. As

características mecânicas, bem como o processo descorticação das atuais máquinas

desenvolvidas pelo Núcleo de Socioeconomia, assemelham-se às do protótipo produzido pela

Iseki Mitsui Máquinas Agrícolas S/A na década de 1970 (Figura 1). Segundo Homma (1972,

p. 21),

no protótipo Iseki Mitsui, a máquina e acionada por um motor de 4-5 HP. A haste de juta é introduzida na base da entrada, percorre automaticamente as várias engrenagens e, depois de passar pelas diversas fases do tratamento, sai a fibra para ser afogada e macerada sem hastes, possibilitando o plantio da juta em terras distantes das margens dos rios e lagos, por não ser necessário levar a planta da juta até a água para maceração.

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Figura 1 – Protótipo e operação da máquina descorticadeira Iseki Mitsui. Fonte: VALOIS e HOMMA, 1972.

Se a motivação da introdução de máquinas descorticadeiras na década de 1970 estava

condicionada ao aumento da produtividade e dinamização do processo de trabalho, o mesmo

não acontece com o modelo da máquina desenvolvido pelo Núcleo de Socioeconomia –

NUSEC, na sua primeira versão.

O princípio do uso da máquina se baseia na modificação do processo produtivo com

intuito de agregar fundamentalmente vantagens para a saúde dos trabalhadores, em razão de o

processo tradicional de obtenção da fibra de juta e/ou de malva ser extremamente penoso.

Tal processo produtivo consiste no plantio na época da vazante e concentração da

colheita no período da enchente, pois é necessária a presença da água na proximidade do local

de plantio para que o agricultor evite carregar os feixes a serem processados para a água. A

espera da aproximação da água ao plantio diminui a qualidade do produto, levando à perda de

tempo no decorrer da evolução da enchente. O processo modificado pela adoção da máquina

visa quebrar a dependência da aproximação da água do local de plantio, pois para o uso da

mesma, é necessário apenas que a juta e/ou a malva estejam no ponto ideal de colheita –

sendo a juta após quatro meses, e a malva em média após seis meses.

Com o uso da máquina, em um ano normal de produção, a juta e/ou a malva poderiam

ser plantadas no final de julho e colhidas em dezembro, enquanto no processo tradicional

atual, são plantadas em agosto e têm que esperar a aproximação da água (enchente), sendo

colhidas a partir de fevereiro, o que diminui a qualidade do produto que se torna mais fibroso,

além da possibilidade de uma cheia muita rápida e de excepcional amplitude, alagar a área de

plantio antes do fim da colheita.

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Outra questão importante diz respeito à forma de utilização dessa tecnologia – a

máquina descorticadeira deve ser compreendida/percebida como uma tecnologia social,

devendo ser usada numa perspectiva socioeconômica coletiva.

Paralelamente ao aperfeiçoamento técnico da máquina, treinamentos e formas de

manutenção devem perpassar a implantação do projeto Novas formas de processamento da

juta e/ou da malva ações de fortalecimento das organizações sociopolíticas das comunidades

atendidas pelo projeto. Nesse sentido, a criação e/ou fortalecimento e consolidação de

associações de moradores e produtores ganham relevância na política estruturante do projeto.

Sabe-se que, atualmente, o cooperativismo/associativismo está presente em quase todos os

países do mundo, e cerca de 40% da população mundial está, de alguma forma, ligada a esse

movimento social. Embora no Brasil esse número não passe de 10%, sua importância

econômico-social é notória, tendo em vista sua contribuição na arrecadação tributária, sua

significativa participação na geração de divisas na balança de exportações, além de sua

contribuição para diminuir a concentração de renda, fixar o homem no campo e melhorar a

qualidade de vida da população cooperativada, (AGROANALYSIS, 2001 apud BRAGA &

REIS, 2005). Nesse contexto, não se trata de uma intervenção assistencialista, mas de uma

contribuição acadêmica para a melhoria da qualidade de vida das comunidades envolvidas no

projeto. Daí a importância de se atuar em diversas frentes para tornar o projeto – ainda em

construção – sustentável e não uma mera ação conjuntural no seio das comunidades.

Figura 2 – Organograma das atividades desenvolvidas pelo projeto Novas formas de processamento da juta e/ou da malvaFonte: NUSEC/UFAM, 2008.

Ações de intervenção NUSEC/UFAM

Produção da Malva/Juta

Distribuição de semente

Beneficiamento mecânico

5. Protetor de segurança dos rolos de entrada e saída das hastes.

Diversificação do produto

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2 A primeira versão da máquina descorticadeira de malva e/ou juta: protótipo arraia.

A máquina descorticadeira de juta e/ou de malva desenvolvida pelo NUSEC, na sua

primeira versão, só foi possível devido a outro projeto igualmente importante – o projeto

Inovações tecnológicas em comunidade tradicionais no estado do Amazonas (2006-2007).

Este projeto contemplou estratégias e ações que visaram contribuir para a melhoria da

qualidade de vida de famílias camponesas, através do desenvolvimento sustentável integrado

e da incorporação de tecnologias em nove comunidades rurais. Este projeto foi executado pela

implementação de três subprojetos: 1) produção e nova forma de processamento de juta e/ou

malva, 2) horta orgânica-segurança alimentar e 3) formação de lideranças, e teve como seu

principal financiador, o Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT.

O “protótipo arraia” foi desenvolvido e aperfeiçoado pelo engenheiro agrônomo da

Secretária Executiva de Agricultura do Estado do Pará (SAGRI-PA), João Figueira Batista, e

pelos professores da Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Adilson Hara e Carlos

Moisés. A máquina foi batizada como arraia, em alusão ao peixe com o mesmo nome, que é

considerado um problema durante o processo de desfibramento da juta e/ou da malva na água.

A máquina funcionava a partir de um cilindro com nove facas fixadas por meio de

mancais em uma base de aço, tendo, como gerador da força motriz, um motor Honda de 5.5

HP, à gasolina, conectado à máquina por meio de correias – aliás, motor bastante utilizado

pelos camponeses em suas embarcações denominados de motor de rabeta. Sua função era a

separação da casca do lenho da planta de forma mecânica. As barras transversais montadas

no eixo do batedor agiam quebrando e removendo o lenho – cilindro central da planta –

separando-o da fibra fresca.

Entretanto, nessa primeira versão, figura 3, a necessidade de água para a obtenção

das fibras ainda se fazia presente. Pois a máquina quebrava o lenho, porém não o removia por

inteiro da fibra (desfibramento), o que exigia um período de tempo na água para que se

concretizasse a separação desejada. A separação da casca e das cutículas das fibras, também

exigia um período adicional na água, para que as fibras fossem totalmente limpas e ficassem

em condições de serem comercializadas. Nesse sentido, recomendava-se que as fitas fossem

amarradas em feixes com um pedaço da própria fita, pois a amarração seria facilitada e

evitar-se-ia o entrelaçamento das mesmas. Outra dificuldade da máquina “arraia” é que, para

o melhor desempenho da mesma, recomendava-se que fosse operada por três pessoas: a

primeira introduziria as hastes na entrada do batedor, a segunda puxaria as fitas de juta e/ou

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de malva na saída do cilindro, e a terceira amarraria os feixes processados e encaminharia

para a água.

Figura 3 – Protótipo da máquina descorticadeira arraia em teste experimental.Fonte: NUSEC/UFAM, 2008.

Apesar de todos os problemas da máquina descorticadeira arraia, a ideia de descorticar

mecanicamente a juta e/ou a malva não foi abandonada. O princípio mecânico era relevante.

Em campo, a mesma descorticou um feixe de 25 kg de malva em apenas 1 minuto. A

demonstração do funcionamento da máquina foi feita utilizando-se dois feixes por

comunidade. Ao final, o material resultante do beneficiamento dos dois feixes, casca mais

fibra, foi pesado, obtendo-se um peso médio de 6 kg. Detectou-se perda de peso de 70% em

relação ao peso total dois feixes antes de serem passados na máquina.

Todavia, apesar dos ajustes feitos em campo e no laboratório na máquina

descorticadeira arraia, não se pôde concluir que a mesma funcionava plenamente, visto que,

para o seu melhor rendimento havia ainda a necessidade de um estudo ergonômico para

evitar problemas futuros de saúde dos trabalhadores, bem como melhorar a eficiência

mecânica do equipamento. Então as pesquisas continuaram.

3 Os protótipos JASA MD2 e JASA MD12

A busca de uma tecnologia que possibilitasse a retirada total dos agricultores da água

no momento do desfibramento da juta e/ou malva foi sempre uma preocupação constante por

parte do Núcleo de Socioeconomia – NUSEC. Nesse sentido, a partir do ano de 2006, José

Amarante Souza Araújo, profissional formado em mecânica industrial, com experiência de

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mais de 38 anos na fabricação de máquinas e equipamentos para indústrias madeireiras e de

cerâmica, além de outros equipamentos para uso agrícola, desenvolveu um novo modelo de

máquina descorticadeira. Esta possibilita a retirada integral do agricultor da água, pois o

processo de obtenção das fibras é totalmente a seco – fato que, com o protótipo arraia não era

possível.

José Amarante Souza Araujo desenvolve o Projeto Fibra/Viva, em que o princípio do

uso da máquina se baseia na modificação do processo produtivo tradicional com intuito de

agregar vantagens econômicas e, também, de saúde para os trabalhadores. Trata-se na

verdade, de duas máquinas denominadas JASA MD2 e JASA MD12 (Figura 4 e 5).

A primeira máquina a JASA MD2 (desfibradeira) é composta de um motor 5.5 HP, à

gasolina; dois rolos de compressão dentados com 18 cm de largura, com protetor de

segurança; estruturada em uma base de ferro tipo cantoneira, móvel, com dimensões de 96

cm de comprimento por 70 cm de largura e 115 cm de altura, com peso total de 40 kg. Essa

máquina tem a função de separar a fibra do caule, em processo a seco, o que elimina

totalmente a necessidade de água no processo produtivo. Tão logo se efetuem os cortes das

hastes da juta e/ou da malva, sem qualquer exigência de submersão em água, imediatamente,

ou até dois dias após (a critério do produtor), podem ser passadas na máquina JASA MD2 . O

resultado será uma fibra descolada inteiramente do caule, sem qualquer perda no seu tamanho

original e com interferência bastante positiva nos demais critérios que definem a qualidade e

classificação do produto final.

Figura 4 – Partes componentes da máquina descorticadeira JASA MD2

1

2

3

4

6

5 2.Motor de 5.5 HP, à gasolina, responsável pela força da máquina.

5.Protetor de segurança dos rolos de entrada e saída das hastes.

1.Base de ferro tipo cantoneira.

3.Protetores de segurança.

4.Rolos de compressão dentados.

6.Protetor dos rolamentos responsáveis pelo acionamento dos rolos de compressão.

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Fonte: NUSEC/UFAM, 2009. A segunda máquina denominada JASA MD12 (descascadeira), composta também de

um motor 5.5 HP, à gasolina; 2 rolos de limpeza com 12 facas cada, com 22 cm de largura,

ajustáveis automaticamente conforme a espessura das fibras; protetor de segurança; sistema

de embreagem no motor para facilitar a limpeza dos rolos; peso total de 35 kg; estruturada

em uma base de ferro tipo cantoneira, móvel, com dimensões de 100 cm de comprimento por

50 cm de largura e 100 cm de altura. Essa máquina tem a função de receber a fibra já

separada do caule pela primeira máquina (JASA MD2), removendo as cascas (películas que

revestem a fibra); cutículas (fragmentos da casca) e as calosidades (pontos endurecidos

encontrados ao longo da fibra), também em processo totalmente a seco. Essa etapa ocorre

imediatamente, ou no máximo em duas horas, após as fibras sofrerem o processo de

separação do caule. Aqui, também, como dito, não há qualquer exigência de prévia de

submersão em água.

Figura 5 – Partes componentes da máquina descorticadeira JASA MD12 Fonte: NUSEC/UFAM, 2009.

Os resultados das amostras obtidas em testes de laboratório realizados em 2009 com o

processamento nas máquinas JASA MD2 e JASA MD12, conforme parecer técnico do

engenheiro agrônomo Ednaldo Lopez de Oliveira, classificador de fibras vegetais credenciado

pelo Ministério da Agricultura, apresentou uma fibra que atende plenamente a todos os

requisitos exigidos pelas Portarias nos149 e 150 de 08 de junho de 1982 daquele Ministério,

destacando-se os seguintes pontos:

1

2

3

453. Rolos de limpeza com 12 facas cada, ajustáveis aos rolos lisos.

2. Motor de 5.5 HP, à gasolina, responsável pela força da máquina.

1. Base de ferro tipo cantoneira.

4. Protetor de segurança.

5. Protetor dos rolos de limpeza.

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1 – O equipamento mantém a fibra no tamanho original da planta, sem perda de

comprimento, com média de 2,5m, classificando-a em tipo 1;

2 – O processo a seco, com a eliminação da água, exclui totalmente o risco de

enfraquecimento e/ou apodrecimento da planta, o que permite a obtenção de uma fibra: a)

com a mesma resistência natural da planta, o que a classifica como normal tipo 1; b) com

uma coloração mais esbranquiçada, classifica também em tipo 1; c) livre de substâncias

pécticas, que são as substâncias gomosas oriundas das plantas, as quais ausentes permitem

igualmente classificação em tipo 1 para este item; c) cascas (películas que revestem a fibra) e

cutículas (fragmentos de casca) são eliminadas totalmente no processo de limpeza,

proporcionando maior brilho e maciez natural. Isso permite uma classificação em tipo 1 para

os itens: limpeza normal, cascas ausentes de cutículas soltas, brilho normal e maciez natural

das fibras; d) o desfibramento mecânico não fragmenta o caule durante o processo, tornando

a fibra totalmente livre de impurezas e de outros detritos considerados matérias estranhas e,

classificando-a, por ausência de ambas, também em tipo 1; e) as calosidades (pontos

endurecidos encontrados ao longo da fibra) são totalmente removidas no processo

mecanizado, ao contrário do que ocorre no processo manual. Isso permite a classificação em

tipo 1, com significativo aumento no valor comercial da fibra.

Os testes têm revelado que as máquinas JASA MD2 e JASA D12 estão bem próximas

da perfeição, bastando apenas os testes de campo, que ainda não foram realizados devido,

fundamentalmente, à grande enchente que o estado do Amazonas enfrentou no ano de 2009,

fato que impossibilitou as viagens a campo, uma vez que os roçados de juta e de malva na sua

grande maioria foram perdidos. Pode se considerar que está última versão tem potencial para

promover uma enorme mudança no processo tradicional de obtenção das fibras de juta e/ou

malva. O agricultor não precisará mais passar 10 horas por dia dentro d’água para processar

seu produto. Além disso, se a produção realizada pelo processo tradicional é de

aproximadamente 120 kg diários, pelo processo mecânico a produção pode chegar a 300 kg

de fibras por dia. Há também a eliminação do odor, característico do apodrecimento das

plantas, presentes no processo tradicional de obtenção das fibras. Contudo, o benefício mais

importante obtido a partir da mecanização do processo produtivo é, sem dúvida, a retirada

total do agricultor da água – eliminando, de uma vez por todas, os riscos de acidentes com

animais peçonhentos e, também, as diversas doenças adquiridas no processo tradicional.

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5 Considerações finais

O objetivo do Núcleo de Socioeconomia da Universidade Federal do Amazonas –

NUSEC/UFAM – com esse projeto é melhorar a qualidade de vida dos camponeses,

trabalhadores da juta e/ou malva, pois essa atividade é responsável pela maior parte da renda

desses trabalhadores, ela é garantia de sustento para mais de 100 famílias distribuídas em

quatro comunidades ao longo do baixo Solimões. Esse projeto prima pelo diálogo entre

conhecimento tradicional e científico. Nesse sentido, a opinião dos sujeitos sociais é

fundamental. Muitos camponeses entrevistados teceram comentários afirmando que a

máquina pode ajudar bastante o desenvolvimento da cultura, principalmente na diminuição

da carga a ser transportada para a maceração e na economia do tempo para a obtenção do

produto final, bem como a eliminação do tempo de trabalho dentro da água. Alguns

camponeses afirmaram que haviam deixado de trabalhar com a juta e/ou com a malva devido

à idade, não havendo mais como suportar a intensidade do trabalho, mas, com a introdução

da máquina na comunidade, já pensam em voltar a explorar a cultura. A expectativa dos

trabalhadores da juta e/ou da malva quanto ao beneficiamento por meio da máquina é grande.

Em conversa entre os mesmos, há uma preocupação quanto à organização das formas de uso

da mesma, para que todos participem e, paulatinamente, aperfeiçoem o processo de

beneficiamento:

Com essa máquina ninguém vai tirar mais fibra fraca. Porque ela enfraquece, devido ela ser feita dentro d’água, sempre você não tira ela no tempo certo. Porque às vezes a água vem valente, você afoga num determinado tempo e não dá tempo de você lavar no tempo certo. Você tem que cortar porque se não, cobre você. Aí, você perde aquela que tava cortado. Você passa muito tempo, às vezes, pra lavar com dez dias, você vai lavar com vinte. Aí, você puxa, ela já tora um pedaço, dessa maneira não vai ter isso porque você não vai tirar ela dentro d’água, né? Você vai tirar em terra, vai dar tempo de você tirar no tempo certo. Sabe que tudo feito no tempo certo, não tem como dar errado. Entonces, eu quero dizer pra comunidade que eu não sei, é claro, nós não tem mui imaginação ainda do que vai ser essa mudança, mas graças a Deus que veio gente na frente pra adiantar isso aí pra nós, pra começar a pensar, pra não mudar bruscamente. Eu digo, bruscamente, a palavra a pulso, porque vai ter que mudar sempre mesmo, né? Assim como o planeta vai mudar o seu sistema, nós também, a nossa cultura, o modo de cultivar, o modo de vender e de organizar o nosso trabalho vai ter que acontecer. E graças a Deus, vocês vêm nos orientando. Se nós quiser investir no ramo, vamos fazer a coisa bem feita [para] ganhar o dinheiro com tempo. Não é mais daquele jeito que nem eu fazia antes de ir lá na fruteira e tirar a fruta. Nós vamos ter que plantar, cultivar, fazer o nosso produto ser preciso, se nós quiser viver, né? (Sebastião de Lima Mendonça, trabalhador da malva e líder da comunidade Nossa Senhora das Graças).

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Pra mim, eu acho que foi uma coisa boa porque a gente agricultor que planta malva, eu acho que vai dar muito mais rendimento pra quem trabalha com a malva. Porque a gente perde muito, a gente colhendo com ela dentro d’água, a gente perde muito, pelo menos o peso. O peso, tudo que a gente perde é o peso da malva porque ela afogada dentro d’água. A gente tira ela fraca, sai fraca, você puxa pela metade da vara, descasca ela da metade da vara pra frente. Porque ela transpassa, você não sabe os dias, nem os dias pra ela tá boa de tirar. Isso aí foi o primeiro ponto que eu achei foi isso. A fibra vai sair completa da vara (Raimundo Thomé, trabalhador da malva e líder da comunidade Bom Jesus).

Sobre a máquina no meu ponto de vista, ela vai ser boa porque esses passos que a gente carrega na costa pra água, né? Ninguém vai carregar mais, né? Já traz só a casquinha. Outra que ninguém vai passar o dia todinho dentro d’água, a gente só vai pra conduzir pra canoa. Eu acredito que vai ser muito bom ainda mais pra gente que já tá idoso, na idade, né? Vai livrar do reumatismo, vai livrar da arraia, livrar do poraquê, livrar da unheira (Francisco Paulo Lira de Souza, trabalhador da juta e da malva da comunidade Bom Jesus).

Se, do ponto de vista da produção, das fases do processo produtivo e do tempo gasto

diariamente nessas etapas, as comunidades são equiparáveis, pois há uma heterogeneidade de

valores e perspectivas de futuro entre aquelas onde se desenvolveram as atividades referentes

ao projeto, é preciso avançar do ponto de vista da organização sociopolítica. Uma das

problemáticas levantadas, de natureza psicossocial, diz respeito à organização comunitária

para o uso comum das máquinas.

A comunidade Nossa Senhora das Graças (Manacapuru) possui uma associação de

moradores já constituída, uma relativa interação entre os comunitários e uma liderança

comunitária legitimada pelos moradores. A comunidade Bom Jesus (Anamã) possui ainda

alguns problemas com relação à organização comunitária. A comunidade Santo Antônio, em

razão ao número de habitantes, não inspira grandes preocupações quanto ao uso comum da

máquina, entretanto, ainda não possui associação de moradores consolidada – fato que poderá

trazer dificuldades para uma possível relação comercial mais intensa do produto.

O desafio de inserção dessa nova tecnologia no processo produtivo tradicional

continuará exigindo esforços de pesquisadores e do poder público, no sentido de criar, de

forma coletiva, alternativas de uso e manutenção do instrumento. Observa-se, no quadro um,

que os custos para um produtor individual que utilize a máquina são um tanto elevados. Daí a

importância das associações e/ou das cooperativas, para que a comunidade, de forma coletiva

possa se beneficiar dessa ferramenta. É fundamental que políticas governamentais de subsídio

sejam criadas, para que os custos do processo produtivo possam ser amortizados.

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ESPECIFICAÇÃO INDICADORESPREÇO UNITÁ-

RIO

PREÇO TOTAL

ESPECIFICAÇÃO INDICADORESPREÇO UNITÁ-

RIO

PREÇO TOTAL

PREPARO DO TERRENO BENEFICIAMENTO

Limpeza da área D/H 15 15,00 225,00 Descort. Manual D/H 9 15,00 (*1) 135,00

SUBTOTAL    225,00 Descort. mecânica H/M 60 6,24 (*2) 374,40

INSUMOS Maceração D/H 8 15,00 120,00

Sementes kg 10 2,58 25,80 Lavagem D/H 11 15,00 165,00

Formicida lt 1 7,50 7,50 Secagem D/H 4 15,00 60,00

Terçado Und 3 18,00 54,00 Enfardamento D/H 3 15,00 45,00

SUBTOTAL     87,30 SUBTOTAL (*1) (*1) 525,00

PLANTIO A LANÇO SUBTOTAL (*2) (*2) 764,40

Plantio D/H 2 15,00 30,00 OUTROS

SUBTOTAL   30,00 Transp. p/ descort. D/H 3 15,00 45,00

TRATOS CULTURAIS Transp. p/ varais D/H 3 15,00 45,00

1ª capina e desbaste D/H 25 15,00 375,00 Constr. de varais D/H 4 15,00 60,00

2ª capina D/H 10 15,00 150,00 Transp. p/ fardo D/H 4 15,00 60,00

Cortes das hastes D/H 30 15,00 450,00 SUBTOTAL 210,00

SUBTOTAL    1.035,00

Subtotal        210,00

Total (*1)   2112,30

Investimento Inicial (Máquina Descorticadeira)  1600,00

Total (*2)   3951,70

Produção por ha de malva (kg)  2000

Receita bruta de 1 ha de malva (QP*PV)  2000,00

Preço por kg: R$1,00    

Rec. Líq. de 1 ha de malva (Renda Bruta - Custos) (*1 - s/ máquina) -112,30

Rec. Líq. de 1 ha de malva (Renda Bruta - Custos) (*2 - c/ máquina) -1951,70

Rec. Líq. de 1 ha de malva (Renda Bruta - Custos) (sem mão de obra) 1912.00Quadro 1 – Determinação de receita líquida e coeficientes técnicos para 1 hectare de malva (com o uso e sem o uso da máquina descorticadeira).Fonte: NUSEC/UFAM.Legenda: Receita líquida de 1 ha de malva – renda bruta/custos (sem uso de mão de obra e sem uso da máquina) – significa considerar como custo apenas a semente, o formicida e o terçado.

Obviamente que podem surgir questionamentos quanto à viabilidade dessa empreitada.

Todavia, eis o motivo dessa ferramenta ser tratada como tecnologia social, cuja preocupação

central é com a saúde dos trabalhadores, bem como sua permanência no campo. Entretanto,

esses sujeitos sociais devem permanecer no campo em condições dignas de trabalho, saúde e

renda. Toda tecnologia que possibilite maior segurança no ambiente de trabalho e, também,

melhoria de renda, constitui-se num passo importante no sentido da emancipação

socioeconômica dessas comunidades. É preciso que a relação de parceria entre a Universidade

Federal do Amazonas (UFAM) e os produtores permaneça e se amplie, no sentido de

propiciar empoderamento das referidas comunidades, quer seja no aperfeiçoamento técnico

dessa tecnologia, quer seja, na construção e/ou fortalecimento da organização sociopolítica

desses agricultores.

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6 Referências

BRAGA, M. J; REIS, B. S. (org.). Agronegócio cooperativo: reestruturação e estratégias. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa – UFV, 2005.CAMPOS, P. C. Meio ambiente: a sustentabilidade passa pela educação (em todos os níveis, inclusive pela mídia) In: Em Questão, Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 387-419, jun./dez. 2006. Disponível em: http://www.seer.ufrgs. Acesso em: 28 ago. 2008.DIEGUES, A. C. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 1996HOMMA, A. K. O. (Ed.) A civilização da juta na Amazônia: expansão e declínio. In: Amazônia: meio ambiente e desenvolvimento agrícola. Brasília: EMBRAPA-SPI, 1998.INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS EM COMUNIDADES TRADICIONAIS NO AMAZONAS. In: Relatório final. Manaus, junho de 2007. INTELIGÊNCIA SOCIOAMBIENTAL ESTRATÉGICA DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO E DO GÁS NA AMAZÔNIA/PIATAM. In: Relatório de atividades. Manaus, janeiro a agosto de 2007. LEFF, E. Epistemologia ambiental. Trad. Sandra Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2001. VALOIS A. C. C. & HOMMA, A. K. O. Análise econômica da descorticação mecânica na cultura da juta (Protótipo Iseki Mitsui). In: Boletim técnico. IPEAAOC. Manaus, 1972.