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Por um planejamento das práticas de saúde For a health practice planning  Jair nil son Sil va Pai m 1 Identificar problemas, apresentar ques tões e desafios, formula r perguntas, produ zir conhe- cimentos e experimentar alternativas no en- sino, pesquisa e extensão constituem os ele- mentos centrais do trabalho acadêmico. A re- flexão teórica, a elaboração de conceitos e a exploração de metodologias pertinentes a um dado objeto podem ajudar a responder as per- guntas formuladas, além de contribuir para a produção de conhecimento técnico-científico e a fundamentação e derivação de tecnologias. A planificação e gestão em saúde (P&G), enquanto área disciplinar do campo da saúde coletiva, não tem sido alvo de um estudo mais sistemático quer sobre o seu objeto, quer so- bre os seus métodos e técnicas, tal como t em ocorrido com a epidemiologia no Brasil. Não obstante as contribuições teóricas individuais de autores brasileiros (Schraiber , 1990; Gio- vanella, 1990; Artman, 1993; Teixeira, 1993; Rivera,1995; Gall o, 1995; Merhy , 1997), con- sideradas da maior relevância para tal estudo, ainda deverá ser feita uma reflexão epistemo- lógica sobre a área. O texto “Planejamento, Gestão e Avaliaç ão em Saúde: Identificando Problemas” , prepara- do por profissionais do Centro de Saúde Es- cola Samuel B. Pes soa, vincul ado ao Departa- mento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, registra tal lacuna e apon- ta a necessidade da realização de uma pesqui- sa histórico-epistemológica específica . Os au- tores, então, levando em consideração a deli- mitação provis ória da área, a partir da produ- ção brasileira sistematizada por Teixeira e Sá (1996) , temati zam o planejamento, a gestão e a avaliação em saúde não pelos vazios teóri- co-metodológicos mas através de questões e perguntas geradas no cotidiano de um servi- ço de saúde destinado à atenção primária. Es- te esforço representa um exemplo do trabalho acadêmico no momento em que se revela en- quanto prática científica: transformação de um conjunto de referenciais teóricos, pressu- postos,hipóteses, observações, dados, relat os e informações em conhecimento científico. Privilegiando a “ponta do sistema Ao se privilegiar a “ponta do sistema” , isto é, uma unidade básica de saúde voltada para a atenção primária, levanta-se uma série de questões objetivas sobre o trabalho de saúde realizado neste nível (bem como suas dimen- sões subjetivas e intersubjetivas) e as possíveis implicações para a área da P&G. Tal proble- matização é construída considerando-se os  processos de t rabalho produto res diretos da ass is- tência e dos cuidados em saúde (p.1). Assim, o texto entende o próprio planejamento e a ges- tão para além da doutrina e das técnicas que lhes conformam, ou seja, como a  pro duçã o de um trabalho, que implica a organização e a rea- lização de outros trabalhos com vistas à racio- nalidade produtiva dos serviços em seus diversos  fin s (p.1). Muitas dessas questões já foram discutidas pelo grupo nas duas últimas décadas, mas as novas indagaç ões, levantadas pelas pesqui sas e pela reorientação das práticas voltadas para o “ projeto da integralidade de saúde” , permi- tem aprofundar a reflexão teórica sobre P&G. Isto porque os autores identificam, ao lado da integralidade das ações, um conjunto de ques- tões que podem ser relacionadas como pro- blemas para o trabal ho gestor: interdiscipli - naridade das técnicas, interação entre multi- profissionais no trabalho em equipe e garan- tia de qualidade resolutiva da assistência, tan- to como eficácia técnico-científica quanto como adesão e intercomunicação na relação direta en- tre os diversos profissionais e destes com os usuá- rios dos serviços (p.1). Estas questões representam em um dos componentes fundamentais para a construção e reorientação de sistemas de saúde os mode- los assistenciais ou de atenção que vêm s endo objeto de preocupação, estudo e experimen- tação por mais d e uma década no Brasil. Des- de a realização da 8 ª Conferência Nacional de Saúde (8 ª CNS) em 1986, a questão dos mo- delos de atenção já era identificada como uma das áreas-problema da organização social dos serviços de saúde no país. No relatório final desse ev ento, foram iden- tificados alguns problemas e propostas solu- ções para enfrentá-los. No caso dos modelos de atenção destacavam-se os problemas refe- rentes à desigualdade no acesso aos ser viços de saúde, à inadequação dos serviços face às necessidades, à qualidade insatisf atória e à au- sência de integralidade dos mesmos. Como D E B A T E D  O  R E  S D I   S  C  U  S  S A  N T  S 243 1 Instituto de Saúde Coletiva,Universidade Federal da Bahia

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  • Por um planejamento das prticas de sadeFor a health practice planning

    Jairnilson Silva Paim 1

    Identificar problemas, apresentar questes edesafios, formular perguntas, produzir conhe-cimentos e experimentar alternativas no en-sino, pesquisa e extenso constituem os ele-mentos centrais do trabalho acadmico. A re-flexo terica, a elaborao de conceitos e aexplorao de metodologias pertinentes a umdado objeto podem ajudar a responder as per-guntas formuladas, alm de contribuir para aproduo de conhecimento tcnico-cientficoe a fundamentao e derivao de tecnologias.

    A planificao e gesto em sade (P&G),enquanto rea disciplinar do campo da sadecoletiva, no tem sido alvo de um estudo maissistemtico quer sobre o seu objeto, quer so-bre os seus mtodos e tcnicas, tal como temocorrido com a epidemiologia no Brasil. Noobstante as contribuies tericas individuaisde autores brasileiros (Schraiber, 1990; Gio-vanella, 1990; Artman, 1993; Teixeira, 1993;Rivera, 1995; Gallo, 1995; Merhy, 1997), con-sideradas da maior relevncia para tal estudo,ainda dever ser feita uma reflexo epistemo-lgica sobre a rea.

    O texto Planejamento, Gesto e Avaliaoem Sade: Identificando Problemas, prepara-do por profissionais do Centro de Sade Es-cola Samuel B. Pessoa, vinculado ao Departa-mento de Medicina Preventiva da Faculdadede Medicina da USP, registra tal lacuna e apon-ta a necessidade da realizao de uma pesqui-sa histrico-epistemolgica especfica. Os au-tores, ento, levando em considerao a deli-mitao provisria da rea, a partir da produ-o brasileira sistematizada por Teixeira e S(1996), tematizam o planejamento, a gesto ea avaliao em sade no pelos vazios teri-co-metodolgicos mas atravs de questes eperguntas geradas no cotidiano de um servi-o de sade destinado ateno primria. Es-te esforo representa um exemplo do trabalhoacadmico no momento em que se revela en-quanto prtica cientfica: transformao deum conjunto de referenciais tericos, pressu-postos, hipteses, observaes, dados, relatose informaes em conhecimento cientfico.

    Privilegiando a ponta do sistema

    Ao se privilegiar a ponta do sistema, isto, uma unidade bsica de sade voltada paraa ateno primria, levanta-se uma srie dequestes objetivas sobre o trabalho de saderealizado neste nvel (bem como suas dimen-ses subjetivas e intersubjetivas) e as possveisimplicaes para a rea da P&G. Tal proble-matizao construda considerando-se osprocessos de trabalho produtores diretos da assis-tncia e dos cuidados em sade (p.1). Assim, otexto entende o prprio planejamento e a ges-to para alm da doutrina e das tcnicas quelhes conformam, ou seja, como a produo deum trabalho, que implica a organizao e a rea-lizao de outros trabalhos com vistas racio-nalidade produtiva dos servios em seus diversosfins (p.1).

    Muitas dessas questes j foram discutidaspelo grupo nas duas ltimas dcadas, mas asnovas indagaes, levantadas pelas pesquisase pela reorientao das prticas voltadas parao projeto da integralidade de sade, permi-tem aprofundar a reflexo terica sobre P&G.Isto porque os autores identificam, ao lado daintegralidade das aes, um conjunto de ques-tes que podem ser relacionadas como pro-blemas para o trabalho gestor: interdiscipli-naridade das tcnicas, interao entre multi-profissionais no trabalho em equipe e garan-tia de qualidade resolutiva da assistncia, tan-to como eficcia tcnico-cientfica quanto comoadeso e intercomunicao na relao direta en-tre os diversos profissionais e destes com os usu-rios dos servios (p.1).

    Estas questes representam em um doscomponentes fundamentais para a construoe reorientao de sistemas de sade os mode-los assistenciais ou de ateno que vm sendoobjeto de preocupao, estudo e experimen-tao por mais de uma dcada no Brasil. Des-de a realizao da 8 Conferncia Nacional deSade (8 CNS) em 1986, a questo dos mo-delos de ateno j era identificada como umadas reas-problema da organizao social dosservios de sade no pas.

    No relatrio final desse evento, foram iden-tificados alguns problemas e propostas solu-es para enfrent-los. No caso dos modelosde ateno destacavam-se os problemas refe-rentes desigualdade no acesso aos serviosde sade, inadequao dos servios face snecessidades, qualidade insatisfatria e au-sncia de integralidade dos mesmos. Como

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    possveis solues poder-se-iam identificar asseguintes: o reconhecimento da sade comodireito do cidado, a universalizao e a equi-dade, a continuidade e a melhoria da qualida-de dos servios, alm da integralidade da aten-o.

    No obstante o carter genrico de taisproposies, o entendimento de que a radica-lidade da proposta da reforma sanitria resi-dia nessa questo fez com que certos sujeitossociais refletissem sobre os modelos assisten-ciais e desenvolvessem propostas alternativascom diferentes denominaes: distritos sani-trios, aes programticas em sade, ofertaorganizada, vigilncia da sade (Visau), etc.(Paim, 1999).

    A teoria do processo de trabalho em sade

    possvel que muitas das propostas apre-sentadas estivessem vinculadas a noes cons-trudas pela prxis diante da necessidade de seresolverem os problemas de sade; porm, de-monstravam potencial para se transformar emconceitos articulados teoria do processo detrabalho em sade (Mendes-Gonalves, 1994).Esta teoria poderia facilitar a articulao des-sas prticas sanitrias com as formas de orga-nizar e gerenciar o conjunto dos trabalhos emsade.

    No texto sob exame, os autores avanamnessa teoria ao conceberem o trabalho comoprocesso produtivo e como interao. Dessemodo, procuram levar em conta as articula-es entre as aes de sade, pelo que represen-tam de aes estratgicas para a produo decuidados e assistncia, bem como as relaes in-tersubjetivas, pelo que representam de aes co-municativas e partilhas de decises (p.1).

    A inteno dos autores parece responder crtica feita por Rivera (1995) ao enfoque es-tratgico do planejamento situacional por-quanto Carlos Matus (1987) utilizaria a ret-rica comunicativa habermasiana, embora sub-metida a um agir estratgico que seria o cer-ne de tal abordagem. Por outro lado, procu-ram analisar a micropoltica do trabalho vivoem sade, considerando a advertncia deMerhy (1997) sobre a necessidade de se estu-dar a organizao do processo de trabalho ob-servando-se a discusso da subjetividade hu-mana e as conseqncias das tecnologias le-ves e leves-duras para a planificao e ges-to em sade.

    Paralelamente, o texto nos leva a pensar so-bre as aes de sade, ou seja, o contedo subs-tantivo do sistema de sade e no apenas o seucontinente (estabelecimentos, rede de servi-os, organizaes, etc.), apesar de enfocar oplanejamento, gesto e avaliao em sade.Portanto, as questes fundamentais so questesassistenciais bem prprias, como as da promo-o da sade e preveno primria, relativamen-te a outros nveis de preveno, e tratamentos derecuperao clnica bsica, relativamente a outrosnveis de interveno mdica (p.3). Este pontode vista divere daqueles apresentados em ou-tros textos e reflexes sobre P&G no Brasil queprivilegiam objetos-meio como recursos fi-nanceiros, materiais, informacionais, etc., emvez de objetos-fim (interveno, assistncia,acolhimento, cuidado, etc.).

    Na realidade, a nfase dada questo as-sistencial pelo grupo da USP reflete a expres-so concreta de um trabalho acadmico que,ao tomar como referencial terico o processode trabalho em sade, possibilita transitar pe-las interfaces entre o planejamento e a gesto.Se o processo de trabalho em sade realiza-sesob determinadas relaes sociais (processode produo), o sujeito est presente em dis-tintos momentos desse processo (objeto,meios/tecnologias e trabalho propriamente di-to); assim, permite recuperar o agente das pr-ticas de sade como sujeito-agente capaz deinteragir comunicativamente com outros sujei-tos portadores de necessidades de sade.

    Ao questionar a ateno primria comomedicina da pobreza e a tecnologia apropria-da como interveno sem saber e sem cin-cia, o texto privilegia o primeiro nvel de aten-o do sistema de sade; destacando a revalo-rizao deste nvel de atuao profissional, ge-ralmente desqualificado como exerccio daprofisso em sade para mdicos, enfermei-ros, assistentes sociais, odontlogos, nutricio-nistas, etc.

    Muitos dos estudos publicados pelo gru-po do Centro de Sade Samuel Pessoa reve-lam faces distintas deste enfoque e encontram-se em condies de contribuir para a supera-o de certos obstculos vivenciados pelos Pro-gramas de Agentes Comunitrios de Sade ede Sade da Famlia (PACS/PSF) e na implan-tao da vigilncia da sade (Visau); porm,os autores afirmam que no pretendem traba-lhar novamente a proposta da ao program-tica e sim levantar as questes que a experin-cia lhes suscitou.

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    Da programao ao planejamento das prticas de sade

    A proposta de trabalho programtico emsade foi sistematizada sob a forma de tesesapresentadas no II Congresso Brasileiro deSade Coletiva em 1989 (Schraiber, 1990) empleno ocaso das experincias dos Sistemas Uni-ficados e Descentralizados de Sade (SUDS).Algumas dessas experincias conseguiram pro-blematizar a questo da integralidade da aten-o com a implantao de distritos sanitrios(Paim, 1993; Teixeira & Melo, 1995); em ou-tros casos aprofundou-se a dicotomia entre osprogramas especiais e a assistncia mdica in-dividual (programao versus consultao)verificada desde a implementao das AesIntegradas de Sade (AIS) a partir de 1983.

    Como exemplo, o ocorrido no estado deSo Paulo parece-me exemplar na medida emque o projeto reformista de Sade Pblica, de-sencadeado por Walter Leser na dcada de 70,promoveu a expanso do modelo assistencialsanitarista centrado na programao, na qua-lificao e na criao da carreira do sanitaris-ta, bem como no preenchimento de cargos dedireo da Secretaria Estadual de Sade poreste especialista. Posteriormente, com a absor-o da demanda espontnea dos pacientes doInamps pelos centros de sade constatou-seuma a falncia desse modelo sem que fosse via-bilizado um modelo tecnolgico alternativo.Para alm do confronto de posies ideolgi-cas entre inampsianos e sanitaristas, a te-se de doutorado de Mendes-Gonalves (1994)estabelecia a fundamentao terica para abusca de alternativas.

    Na Bahia tal confronto no se fez de for-ma evidente. Em primeiro lugar, nunca tive-mos um modelo assistencial sanitarista plena-mente implantado e com bons resultados. Emsegundo lugar, os centros e postos de sadesempre atenderam demanda espontnea porassistncia mdica, mesmo antes das AIS. Oque realizvamos de trabalho programticonormalmente era a reproduo acrtica dosprogramas verticais do Ministrio da Sade,diversificados a partir da segunda metade dadcada de 70. Portanto, a questo da integra-lidade posta pela implantao dos distritos sa-nitrios em 1987 passou menos por confron-tos ideolgicos e mais pela resistncia e lutapoltica na organizao dos processos de traba-lho nas unidades de sade. Nesse sentido, o es-tudo de Mendes-Gonalves (1994) foi funda-

    mental para a compreenso daqueles processos(Paim, 1996) que no se esgotavam nas ques-tes de planejamento e gesto de recursos.

    Atualmente, a Visau pode representar omodelo assistencial alternativo, ou seja, umacombinao de tecnologias voltadas para o en-frentamento continuado de danos, riscos e de-terminantes de problemas de sade seleciona-dos. Pode representar a possibilidade de inter-veno, alm da anlise e monitoramento dosperfis de morbi-mortalidade e de riscos, bemcomo de seus determinantes. Tal como a aoprogramtica em sade, tende a levar o plane-jamento para a intimidade das prticas de sa-de incidindo sobre o seu ncleo central: o pro-cesso de trabalho em sade e o conjuntos dasrelaes sociais que o constituem.

    O estudo de Vilasbas (1998) reitera a ne-cessidade de se examinarem as interfaces en-tre gesto e processos de trabalho em sade,como proposto pelos companheiros da USPnos anos 80. A sua potencial expanso atravsdo Projeto VIGISUS Estruturao do SistemaNacional de Vigilncia em Sade do Minist-rio da Sade pode beneficiar-se da reflexo sis-tematizada neste texto em discusso.

    A expresso vigilncia em//da sade re-presenta, a prtica de um conceito (Althusser,1978) que reivindica um trabalho terico pa-ra elev-lo condio de conceito para auxiliarna compreenso dos limites e possibilidadesde sua incorporao no cotidiano dos servi-os de sade e de outras organizaes; dessemodo, poderia engendrar distintas ou inova-doras prticas articuladas a projetos poltico-ideolgicos voltados para a totalidade social.Esse esforo, entretanto, deve ter o propsitode delimitar os componentes mais ideolgi-cos da proposta da Visau para que no se tor-ne uma doutrina ou seita pretensamente ilu-minista, com certo apelo retrico porm compouca efetividade prtica. No se pretendecom isso recusar o movimento ideolgico sub-jacente proposta que pode ter relevante di-menso estratgica, mas sim registrar o inte-resse de no se limitar a defender posies emvez de produzir conhecimentos que contri-buam efetivamente para reorientar os modelosde ateno sade e para resolver problemasda realidade e no meros esquemas, desejos eabstraes.

    A produo cientfica do grupo da USP so-bre o trabalho programtico em sade refle-tida no texto em questo aponta alternativaspara os que investem no desenvolvimento da

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    vigilncia da sade como um tipo de planeja-mento capaz de capilarizar-se pela intimida-de das prticas de sade. Conseqentemente,tanto a ao programtica quanto a Visau co-locam-se para o gestor como opes tecnol-gicas para exercer a boa prtica em sade.Esta pode ser operada segundo um modo deprestar os servios que cumpra tanto com as ex-pectativas de consumo das sociedades estrutu-radas na forma mercado, quanto com as expec-tativas polticas e ticas da mxima distribui-o deste benefcio que constitui a assistncia sade e das conquistas do direito sade combase na reforma sanitria brasileira (p.5).

    Os desafios atuais do gestor pblico da sa-de so de grande complexidade, como acen-tuam os autores. Se entre 1950 e 1975 podia-seconsiderar o administrador em sade pbli-ca gerindo unidades de sade, nos ltimos 25anos no Brasil vem se plasmando a figura dogestor da rede de unidades pblicas de sadeem articulao com o setor privado. Para ob-ter alta resolutividade e boa qualidade tcni-co-cientfica das aes o gestor pblico emsade passa a requerer uma competncia es-pecfica: ...incorporar todo o conhecimento cien-tfico j produzido e operado, hoje, nas diversastecnologias de interveno em medicina e sadepblica, porm, com crtico discernimento detcnico e gerente tal como necessrio (e comoconvm) para fazer frente sua especfica qua-lificao profissional. Esta, alm de compreen-der as decises quanto interveno apropria-da nos processos sade-doena nas duas esferasque agora se entrecruzam (individual e popu-lacional), deve contemplar a administrao daoferta e consumo dos servios, no formato de-manda individualizada por cuidados e outrosservios e que, ainda mais, se dispe como con-sumo de bens em mercado (p.6).

    Aspectos metodolgicos

    O texto destaca certos movimentos da reade planejamento-gesto-avaliao no sentidode abordagens mais processuais das organiza-es, trazendo a interatividade e a comunica-o dos sujeitos como objetos de reflexo eao. Esse um dos tpicos de fronteira daP&G registrados no texto que pode relativizara nfase na administrao das coisas e criartecnologias leves (Merhy, 1997) na conduode processos de trabalho em sade. O traba-lho, desse modo, passa a ser considerado ana-liticamente em sua dupla dimenso de ao

    social: ao produtiva (racionalidade estrat-gica dirigida a fins) e ao comunicativa (inte-rao social voltada para o entendimento).

    No primeiro caso, os autores distinguem osaber operante (que orienta a aplicao dacincia) em relao ao saber prtico (que, naatividade do trabalho, enriquece o saber tec-nolgico ou operante). O que na medicina aceito como cincia e arte, na sade coletivapassa a ser entendido como distintos saberesrecriados no ato do trabalho (Schraiber et al.,1996). O carter reflexivo desse trabalho emsade tende a se afirmar, ainda mais, na reade P&G. Recriar, assim, sempre fato do mbitoprtico e o saber prtico fornece esse tipo de co-nhecimento que, se pode at mesmo corrigir o co-nhecimento terico, vai mostrar outros caminhosda ao, que o saber tecnolgico sistematiza, ga-rantindo a tecnicalidade do ato de trabalho.

    Ao planejamento do trabalho e sua gestocaber, pois, lidar tambm com este componen-te do trabalho, ao mesmo tempo que deve zelarpela qualidade do produto objetivo do trabalho,lidando com a racionalidade tcnico-cientficade sua operao. Articular esses componentes dotrabalho em sade no momento que processoparticular e concreto em servios dados um dosproblemas da gesto: conhecer melhor essas re-laes ser, sem dvida, uma questo (p.11).

    No segundo caso, ressaltam a natureza ti-co-poltica da tcnica e do trabalho, enquan-to respostas a necessidades humanas e, simul-taneamente, formas de sociabilidade: inten-o tcnica, tica e poltica em ato. Ao se exa-minarem os sujeitos em ao e em comunica-o possvel vislumbrar a interao social evalorizar a intersubjetividade na explicitaode conflitos e na busca de entendimento. Es-te, ao meu ver, um campo aberto a pesquisaem sade coletiva, particularmente na apreen-so da dialtica entre o saber operante e osaber prtico na rea do planejamento-ges-to-avaliao em organizaes de sade.

    Os autores concluem que a esfera prpriado planejamento e gesto est, pois, em articu-lar o poltico com o tcnico-cientfico na produ-o dos cuidados assistenciais em sade (p.13).Acrescentaria que, alm de uma tecnologia depoder e de uma tcnica que ajuda a dispor, ar-ranjar e processar outras tcnicas, o planeja-mento pode ser um meio de auxiliar a intera-o entre os sujeitos (entre os profissionais desade no trabalho em equipe e entre estes e oscidados-usurios) no sentido de viabilizar umdado projeto tico-poltico para a sade.

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    No caso do trabalho cotidiano de uma uni-dade de sade, a construo de um projeto as-sistencial comum a todos os agentes que com-pem a equipe de trabalho por meio de uma pr-tica comunicacional, requer tolerncias s di-versidades e a permeabilidade ao novo, s mu-danas, s crticas, o que, por sua vez, requer queos profissionais conheam o trabalho do(s) ou-tro(s) agente(s) e participem dos distintos mo-mentos do processo de trabalho planejamento,execuo e avaliao (p. 18). Todavia, nem sem-pre os formuladores de polticas pblicas e osresponsveis pela elaborao de programas es-peciais de sade tm dedicado ateno a taisaspectos. Ao contrrio, vm prescrevendo otrabalho de equipe como se fora uma pana-cia capaz de solucionar, por si mesma, os pro-blemas decorrentes da complexidade do pro-cesso sade-doena em indivduos singularese no mbito populacional.

    Comentrios finais

    O texto finaliza discutindo as possibilida-des existentes no tratamento de informaese em atividades de avaliao no sentido de fa-vorecer a interao e o agir comunicativo nosservios de sade. Embora muitos pontos le-vantados ainda se constituam temas de inves-tigao, ou mesmo objetos de experimenta-o, face ao estgio de desenvolvimento dosservios pblicos de sade no Brasil, o prop-sito que orientou a elaborao deste nmeroda Revista deve ser reiterado no sentido deacolher novas experincias e confront-las como estado da arte da P&G.

    Algumas palavras finais foram dedicadass tendncias atuais das polticas pblicas, par-ticularmente em funo das novas relaes en-tre Estado e sociedade no que concerne re-gulamentao e a prestao direta de servios,bem como as possveis conseqncias ticas epolticas. Evidentemente essas tendncias estoinfluenciando o planejamento, a gesto e a ava-liao em sade no Brasil, sobretudo no quese refere crescente desobrigao do Estadoem relao sade, com a busca de alterna-tivas de gesto com denominaes diversas:descentralizao, privatizao e organizaessociais. Entretanto, os autores apenas deixamo convite para o debate.

    Mesmo sem pretender, nesse momento,aprofundar a discusso, registro que essas re-presentam temticas de alta relevncia para acompreenso do drama estratgico (Testa,

    1995) no que se refere ao processo da reformasanitria brasileira. No caso da poltica de des-centralizao, por exemplo, verifica-se umaproduo de estudos sobre a municipaliza-o da sade, no obstante o predomnio deenfoques descritivos, com reduzidos esforosanaltico e explicativo. O privilgio analticodado aos sujeitos sociais na implementaodessas polticas constitui um enfoque relati-vamente novo em termos de pesquisas sobrepolticas de sade, face ao predomnio de tra-balhos voltados para questes consideradasmais estruturais como o papel do Estado, aacumulao capitalista, o financiamento, o re-passe de recursos, etc., que praticamente ig-noravam a possibilidade de os homens e mu-lheres tomarem iniciativas e, dentro das cir-cunstncias, fazerem Histria.

    Do mesmo modo, o SUS real, seguramen-te distante do SUS democrtico proposto pe-lo projeto da reforma sanitria brasileira, pre-cisa ser melhor investigado, no para reiterarfundamentalismos como acusam uns, mas pa-ra distinguir estrategicamente os programasde avano em relao aos programas de aber-tura e de manuteno (Testa, 1987); somenteassim se justifica trabalhar tecnicamente como possvel, sem se perder a referncia polticaquanto ao necessrio.

    Entendo que os profissionais de sade, en-quanto servidores do Estado, submetidos a de-terminados processos de trabalho, so capa-zes de elaborar representaes sociais que in-terferem nas suas prticas e nas polticas desade. A questo terico-metodolgica a serconsiderada se o pesquisador vai submeter-se docilmente s aparncias, expressas pelasconscincias dos sujeitos produtores de dis-cursos, ou se vai buscar a essncia da sua ideo-logia (saber e prtica) nas acomodaes/rea-comodaes de sua prxis, articuladas ao ex-tra-discursivo, ou seja, no conjunto estrutu-rado de prticas sociais econmicas, polti-cas e ideolgicas. Mesmo reconhecendo queas representaes sociais fazem parte do coti-diano, no creio que a pesquisa cientfica de-va prender-se s suas redes de evidncias. Pe-lo contrrio, deve problematizar e explicar algica de organizao dessa rede nos proces-sos de planejamento, gesto e avaliao emsade.

    Inmeras outras questes tericas, epis-temolgicas, metodolgicas, tcnicas, ticas epolticas poderiam ser lembradas em rela-o ao presente tema, porm no foi objetivo

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    do texto, nem de meus comentrios, exaur-las. O esforo empreendido pelos autores aten-deu, na minha opinio, ao propsito do convi-te dos organizadores deste nmero da Revis-ta Cincia & Sade Coletiva. Apontar os pro-blemas constitui-se em um passo fundamentalpara o seu enfrentamento e superao. Docen-tes, pesquisadores, gestores, profissionais e tra-balhadores da sade esto convidados a per-correr esse caminho.

    Referncias

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    Teixeira, C. F. Planejamento e Programao Situacionalem Distritos Sanitrios: Metodologia e Organiza-

    Desafios gesto de sistemas locais de sadeChallenges to management of local health systems

    Eduardo Mota 1

    Ao abordar aspectos relevantes do planeja-mento, gesto e avaliao em sade, Schraiberet al., apresentam um texto denso em que pon-tuam problemas considerados desafios pr-ticos e possveis dilemas tcnicos, ticos oupolticos sob a perspectiva da gerncia de uni-dades bsicas e do cotidiano dos servios naponta do sistema. A contribuio dos auto-res, situada na interface entre processos de ges-to e processos de trabalho assistencial, refe-re-se s inter-relaes entre trabalho gestor etrabalho produtor direto de servios. Dessaperspectiva, o debate do tema requer que seexponha e se analise adicionalmente algunsdesafios da gesto da rede de servios. Nessenvel, a funo gestora se amplia para articu-lar, mais especificamente, funes de governo

    o. In: MENDES, E. V. (org.) Distrito Sanitrio: oprocesso social de mudana das prticas sanitrias doSistema nico de Sade. HUCITEC/ABRASCO, SoPaulo-Rio de Janeiro, 1993. p. 237-265.

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    1 Instituto de Sade Coletiva daUniversidade Federal da Bahia

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    com aquelas que dizem respeito ao trabalhono conjunto de unidades de sade. O exerc-cio dessa funo requer o reconhecimento sen-svel de projetos polticos e projetos sociaisdos profissionais prestadores de servios, degoverno, da populao e das foras sociais quea representam.

    O conhecimento e a discusso desses temasso especialmente necessrios nos dias atuais.Convm lembrar que, entre janeiro e dezem-bro de 1998, a partir da implantao dos requi-sitos da norma ministerial de 1996 que tratada descentralizao, 88% dos municpios sehabilitaram. Nesse processo, os gestores de sis-temas municipais de sade assumem em grausdiversos a responsabilidade sobre a rede deunidades e servios que se encontrava sob ges-to estadual. Novas e mais complexas funesso incorporadas ao elenco de tarefas de orga-nizar sistemas locais, melhorar sua qualidadee oferecer servios que atendam necessidadescoerentes com o quadro epidemiolgico e ascondies de vida da populao.

    Para contribuir com o debate dessas ques-tes, coloca-se aqui, inicialmente, que ao exer-cer funes de governo, gestores em sade par-ticipam de momentos de deciso, nos quais asdiretrizes polticas presidem o exame de pro-blemas e situaes e definem as possibilidadesde interveno e ao. Na dinmica do esta-belecimento dessas diretrizes e da sua cons-tante adequao aos desdobramentos polti-cos, atuam foras sociais que modulam a for-mulao de planos e programas e a disponi-bilidade de recursos com que conta o gestorpara implement-los. Nesses espaos e tem-pos, o exerccio da gesto do sistema encon-tra os desafios de fazer o conhecimento sobrea situao em sade dirigir foras sociais einfluenciar decises. Dessa forma, pe-se aquesto das relaes entre o conhecimento so-bre as condies de sade, sobre as tecnolo-gias, prticas de ao e cuidados e o exercciode poder em governo.

    O enfrentamento do desafio da apropria-o do conhecimento necessrio e suficientes decises pelo gestor, e do desafio de articu-lar esses conhecimentos s diretrizes de gover-no, ou de torn-las coerentes aos conhecimen-tos disponveis, exige do gestor mais do queseu posicionamento como tcnico ou profis-sional em sade. Seu potencial em conhecer ecomunicar fatos da realidade no se encontrasomente em requisitos tcnicos, mas na habi-lidade de promover interaes que resultem

    em compromissos dos atores do processo deci-srio com o reconhecimento e o atendimen-to de necessidades em sade.

    Nesse ponto se colocam as questes da dis-ponibilidade e qualidade das informaes deinteresse em sade, da sua anlise e interpreta-o, e de que maneira as informaes circulamnos momentos de anlise da situao em sadee de avaliao de resultados. Os aspectos abor-dados, que dizem respeito ao significado queessas informaes tm para os que se dedicamao cuidado direto, para gerentes e gestores, ofe-recem a medida das dificuldades que se enfren-tam para fazer com que as informaes rele-vantes componham o contedo das interaese das aes comunicativas para a deciso.

    Alm disso, avaliar de que forma e sob quecondies o conhecimento apropriado porusurios dos servios de sade, e por repre-sentaes sociais diversas, que mantm dilo-go com ncleos decisrios de governo, torna-se condio para obter a visibilidade necess-ria dos problemas e situaes de sade queinduza decises.

    Insere-se tambm aqui, a reflexo que osautores apresentam sobre o papel do saber tc-nico-cientfico nas relaes entre saber e traba-lho e entre trabalho e os modos de constru-o da vida social. A condio de gestor apre-senta o desafio de articular e direcionar inten-cionalidades. Visto de outra forma, trata-se dedirecionar e aproximar a intencionalidade dosaber tcnico inserido no projeto social dosprofissionais que o detm com o projeto socialda comunidade a que servem.

    necessrio examinar tambm que rela-es, a natureza e profundidade, os profissio-nais da unidade de sade estabelecem ou man-tm com os usurios dessa unidade. E mais doque isso, trata-se de avaliar como essas relaesse fundamentam, seja assumindo usurios co-mo um conjunto de pessoas que individual-mente procuram e necessitam dos servios, se-ja no estabelecimento de um sentido de cole-tividade, em que seja possvel reconhecer noconjunto de usurios um conjunto maior emais complexo, que tem identidade scio-cul-tural e perfil identificvel de condies de vidae sade. E, alargando os horizontes dessas rela-es, se poderia questionar se o gestor da redede servios identifica situaes-alvo e trabalhano contexto das relaes entre o sistema localde sade e a comunidade a que serve.

    Profissionais e gestores, estes na condiode tcnicos em sade, tendem a restringir a

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    identificao e a superao de problemas pr-prios da organizao do trabalho nas unida-des de sade, as exigncias da satisfao dasintenes da tcnica e do saber que dominame das intenes polticas que tm, onde tam-bm se inserem seus saberes. O desafio postoaos gestores, portanto, no exerccio de suasfunes de governo local, colocar as ques-tes da organizao do trabalho na perspecti-va das intenes de satisfao de necessidadesda populao, de aspiraes por qualidade devida, para as quais o trabalho profissional um dos instrumentos de realizao.

    O trabalho em unidades de sade, entreaquelas que se organizam mais tradicional-mente pela assistncia e cuidado individualdireto, tem se modificado. Essas modificaesso impulsionadas pela busca de modelos deateno que adotem a promoo da sade co-mo eixo orientador de prticas e aes de aten-o coletiva. Aos gestores que se mobilizam nadireo da melhoria das condies de sadeda populao, se colocam os desafios de inse-rir as expectativas de realizao do trabalhoprofissional de natureza clnica no conjuntode aes e servios orientado para a modifi-cao do perfil de riscos de agravos e seusdeterminantes.

    Para se colocar no limiar dessas mudanas preciso reexaminar criticamente o quotidia-no do trabalho nas unidades de sade, na pers-pectiva de uma reflexo sobre sua constitui-o formal tradicional. necessrio indagarsobre o que significa a unidade de sade, ouqual a sua destinao, por mais bvia que pare-a a questo, para superar as dificuldades degesto que surgem de necessidades colocadaspela lgica de sua prpria constituio. Nessembito se colocam as questes do seu mlti-plo significado, como espao de trabalho pro-fissional para o exerccio do saber especfico,como parte de um conjunto que se organizaem rede de servios e como instrumento derealizao de necessidades sociais. Recriar asprticas de servios para responder a essasnecessidades, alcanar resultados com os limi-tados recursos que se dispem e promover aao profissional criativa so os desafios deprofissionais e gestores que tm compromis-so com a transformao da realidade das con-dies de sade.

    Em busca de novos projetos coletivosTowards new collective projects

    Ruben Araujo de Mattos 1

    Tomando como ponto de partida o processode trabalho dos produtores diretos de assis-tncia e cuidados em sade, Lilian Schraibere colaboradores foram muito felizes em indi-car questes altamente relevantes para a nos-sa rea. Dentre elas, selecionei duas ou trs so-bre as quais farei comentrios pontuais, maso farei a partir de um ngulo distinto.

    Primeiramente, um ligeiro comentrio so-bre as mudanas no campo do planejamento,tal como o vejo. Do ponto de vista da docncia,h algum tempo as disciplinas de planejamen-to de nossas instituies de sade coletiva, dei-xando de lado a figura do planejador, vm ten-tando capacitar polticos e gestores a aumen-tar sua capacidade de governo. A influncia deCarlos Matus nesse sentido foi marcante e pro-duziu a nfase no planejamento feito por ato-res sociais, que governam ou tem a perspecti-va de governar (planeja quem faz). Podemosdescodificar o pressuposto bsico deste modode conceber o planejamento: dado um atorsocial e seu projeto de interveno social (am-bos supostamente claramente definidos e reco-nhecveis), e dado um certo grau de controledeste ator social sobre certas variveis chaves(um grau de governabilidade), podemosampliar a sua capacidade de governo atravsde um certo enfoque de planejamento, como,por exemplo, o enfoque situacional. Nestaperspectiva, pelo menos alguns de ns temosnos empenhado em desenvolver e adaptaralgumas ferramentas (tomadas ou no desteenfoque situacional) s prticas de formula-o de polticas e de gesto pblica de siste-mas de sade, e, em menor medida, de gern-cia de unidades pblicas, ao mesmo tempo emque treinamos polticos, gestores e (em menormedida) gerentes. Parecia-nos, pelo menos emcerto momento, ter se constitudo uma claracoalizo poltica (diga-se de passagem, bas-tante heterognea) que se engajou em um pro-jeto comum projeto esse definido em termosda imagem objetivo, necessariamente genri-ca, do sistema de sade que se queria cons-

    1 Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Riode Janeiro

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    truir, o SUS. Contudo, h que se reconhecerque na passagem do poltico ao assistencialtanto as identidades dos atores sociais comoseus respectivos projetos tornam-se muitomenos ntidos. Na ponta da produo diretados cuidados e da assistncia, os agentes costu-mam se identificar muito mais pelas suasinseres no processo de trabalho do que pelassuas vinculaes poltico-ideolgicas. Por out-ro lado, a traduo dos princpios gerais doSUS (como integralidade, a universalidade, oumesmo as exigncias de qualidade) no coti-diano dos servios no em absoluto unvo-ca. Nesse contexto de menor nitidez das dife-renas entre os projetos e os atores, no evi-dente a priori que aquelas ferramentas sejamas mais adequadas para o desafio posto para agesto, a gerencia e as equipes de trabalho nosservios no mbito do SUS, a saber: o de(re)criar projetos coletivamente sustentados,em um processo que no pode ser dissociadoda (re)criao de novos sujeitos sociais dis-postos por defender certas crenas e valores.Da a tendncia a um outro deslocamento nocampo: ao invs de enfatizar as estratgias paraa implantao de um projeto dado, passamosa enfatizar os processos comunicacionais atra-vs dos quais se constrem as identidades desujeitos e os seus projetos.

    Um segundo comentrio incide sobre osrumos do SUS, campo de aplicao dos conhe-cimentos da rea do planejamento em sade.A nfase municipalista da nossa constituioe o modo como a descentralizao tem sidoimplementada no mbito do SUS sugerem co-mo cenrio plausvel (e no vou discutir aquise tal cenrio ou no desejvel) a multipli-cidade de sistemas municipais de sade, dife-rentes entre si tanto no que diz respeito par-ticipao do setor privado na proviso de ser-vios no mbito do SUS, quanto s diversasconfiguraes de rede adotadas em cada sis-tema (por exemplo, menor ou maior impor-tncia dos centros de sade como porta deentrada do sistema). Mas gostaria de destacarum ponto desta diversidade entre os sistemasnicos de sade no nvel municipal que meparece crucial para as questes tratadas no tex-to: a heterogeneidade dos modelos de gern-cia que tem sido experimentados. De um la-do, vemos municpios tem experimentadointroduzir dispositivos de gesto tpicos do se-tor pblico em unidades privadas (como noscasos das intervenes em Santas Casas). Deoutro, um conjunto de experincias de gern-

    cia em unidades pblicas tem introduzido dealgum modo elementos tpicos do setor pri-vado, como, por exemplo e aqui me limito acitar as exemplos experimentados em hospi-tais pblicos situados no municpio do Rio deJaneiro, tais como estudadas por Machado(1999) o modelo das organizaes sociais, acriao de entidades de direito privado para-lelas aos hospitais, a terceirizao da gernciade unidades hospitalares pblicas, a terceiri-zao das atividades assistenciais hospitalares.Examinar comparativamente estas experin-cias luz dos princpios de justia social quedevem nortear a atuao do Estado na rea dasade (Machado, 1999) sem dvida umanova tarefa da nossa agenda de pesquisa.

    Por outro lado, esta diversidade contribuipara consolidar a distino entre a figura dogestor do sistema de sade personagem quenecessariamente integra o governo, e cuja atua-o inerentemente da esfera pblica dafigura do gerente dos servios de sade liga-dos ao SUS que no necessariamente inte-gra uma certa coalizo governante, nem tam-pouco necessariamente um servidor pbli-co. Nesse cenrio, a passagem do poltico aoassistencial torna-se mais complexa. Se ao ges-tor cabe a responsabilidade poltica de zelarpor questes como a integralidade, a univer-salidade, a qualidade dos servios financiadospublicamente, dificilmente conseguir isto seno estiver imerso em um contnuo processode negociao com agentes que no necessa-riamente se identificam com a coalizo gover-nista que ele, o gestor, integra. Penso que odesafio posto consiste em (re)construir pro-jetos coletivos no interior dessas cadeias denegociao contnua formadas por agentescom diversas identidades poltico-ideolgicase profissionais.

    nesta perspectiva que a construo deprojetos assistenciais coletivos assume impor-tncia. Penso que aqui que uma prticacomunicacional pode ser til. Mas no no sen-tido de produzir um projeto assistencial con-sensual na equipe. Tal consenso parece-me tan-to invivel como indesejvel. Uma das vanta-gens das prticas comunicacionais a possi-bilidade de nos fazer entrar em contato como diferente e com o discordante e de aprovei-tar elementos dessa diversidade para enrique-cer nossa prpria prtica profissional. Isto particularmente relevante quando lidamoscom a emergncia de novas questes relativasao projeto assistencial, que freqentemente

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    talvez exija tambm que usemos a expressoracional em um sentido um pouco diversodaquele to freqentemente associado ao pla-nejamento ligado ao metdico, aplicaode critrios, capacidade de previso e con-trole. Afinal de contas, como nos lembra Rorty,tambm utilizamos o termo racional paradesignar um conjunto de virtudes: a tolern-cia, o respeito pelas opinies nossa volta, adisposio para escutar, a confiana na per-suaso mais que na fora (Rorty, 1997, p.57-58). Talvez estejamos a buscar um planejamen-to mais racional neste segundo sentido.

    Referncias

    Machado CV 1999. Contexto, Atores e Instituies: umEstudo Exploratrio acerca de Novas Modalidades deGerncia nos Hospitais Pblicos no Municpio do Riode Janeiro. Dissertao de Mestrado. Instituto deMedicina Social/UERJ, Rio de Janeiro, 189 pp.

    Rorty R 1997. Objetivismo, Relativismo e Verdade. Escri-tos filosficos, vol.1. Relume-Dumar, Rio de Janeiro.

    Problemas atuais do planejamento e gesto em sadeContemporary problems in planning and managing health services

    Juan Stuardo Yazlle Rocha 1

    Para tecer alguns comentrios acerca do tra-balho: Planejamento, Gesto e Avaliao emSade: Identificando Problemas, devemos ini-cialmente fazer algumas consideraes acercados seus autores. Estes pertencem a uma rele-vante escola do pensamento da medicina so-cial na Amrica Latina, onde a elaborao deconceitos, o exerccio da crtica e a anlise his-trica social deixaram marcantes contribui-es. No raro seus trabalhos tericos densose profundos despertaram desalento em mui-tos leitores e dificuldades extras pelo estilo deescrever, exercitando idias e conceitos in-do, voltando, conferindo, contestando, discu-tindo, inserindo comentrios e argumentos,objetivando o subjetivo e subjetivando o ob-jetivo tudo isso em bloco. Porm sempre coe-rentes, galgando dificuldades e, sobretudo,

    afloram a partir de certas indignaes de unspoucos agentes com certos aspectos das pr-ticas nos servios que os demais tendem, pe-lo menos num primeiro momento, a conside-rar como dadas ou inerentes ao processo detrabalho: a impossibilidade de crianas brincarem uma enfermaria de pediatria, a dificulda-de de se obter uma informao detalhada so-bre o estado de sade de um ente querido nopronto-socorro, etc. Por outro lado, h limi-tes para a tolerncia ao diverso. Se certo queas tradues dos princpios gerais do SUS nocotidiano dos servios no unvoca, tambm certo que elas so suficientemente claras parapermitir reconhecer situaes inaceitveis. Domesmo modo como um gestor municipal nopode decidir no aplicar mais a vacina Sabinem seu municpio, por exemplo, no h que seaceitar que um mdico resolva no medir apresso arterial das gestantes no pr-natal, ouno avalie a necessidade vacin-las contra ottano; nem aceitvel que profissionais, emconluio com funerrias, trabalhem no senti-do de captar (quando no induzir) as mortesem um hospital, e por a vai.

    Dar voz s nossas indignaes e ouvir asindignaes dos outros parece um passo fun-damental. Talvez outros no partilhem destasmesmas indignaes e nem se sensibilizemcom elas (e vice-versa). Mas h outros com osquais nos identificamos, e com os quais refor-amos elos com vistas defesa de certos valo-res comuns. Estas novas alianas e novas pers-pectivas de ao s podem ser identificadasatravs do dilogo, e de um dilogo que per-mita tornar explcito tais valores. Penso queuma prtica comunicacional a mais adequa-da para tais tipos de embates, e isto pela pos-sibilidade que traz de reconhecimento dosvalores cotidianamente defendidos pelas pr-ticas e atitudes de cada agente, e, conseqente-mente, na possibilidade de reconhecimento ede construo de novas alianas no interior daequipe, que cruzam as fronteiras das identi-dades profissionais e, porque no, certos traosdas divises poltico-ideolgicas.

    Mas para isso, talvez o dilogo deva se darprioritariamente em torno do exame crticodas justificativas que os agentes oferecem parasuas aes, e da anlise de suas conseqncias(intencionais ou no). O que exige, para a via-bilidade, que nos habituemos a ser, no mni-mo, to crticos das justificativas que ns mes-mos oferecemos para nossas prticas quantosomos das prticas dos demais agentes. Mas

    1 Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina deRibeiro Preto, USP

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    procurando estabelecer pontes entre o pensara nossa realidade e a anlise das prticas (in-cluindo as prprias) procurando significadosocultos, no perceptveis aos menos avisados.

    O trabalho ora em discusso pertence a es-ta tradio; assim, seria desnecessria a adver-tncia de que o trabalho foi realizado desde aperspectiva dos autores, docentes-trabalhado-res-pesquisadores, militantes num Centro deSade Escola na cidade de So Paulo e que,portanto, estas circunstncias impregnam aanlise. Os problemas que levantam so im-portantes e gerais: a integralidade das aes,a interao no trabalho de equipe multipro-fissional, a resolutividade da assistncia in-cluindo a eficcia tcnico cientfica e a interco-municao entre sujeitos e, a recuperaodeste nvel de atuao.

    Todavia, talvez menos perceptvel para lei-tores de outros estados, o fato que o desen-volvimento do Sistema nico de Sade estag-nou no municpio de So Paulo: a municipa-lizao ainda no chegou, no houve integra-o dos sistemas pblicos na rede municipalde sade, a relao com os setores privados ecom a populao continuam da forma tradi-cional. Isto mais significativo para nosso as-sunto em pauta discutir os problemas do pla-nejamento e gesto em sade se considerar-mos que os municpios representam o setormais dinmico da sade hoje no Brasil. Muitoembora menos de 10 por cento dos munic-pios brasileiros estejam na gesto plena dosseus sistemas de sade eles representam a van-guarda do SUS, e os locais onde podemos ob-servar e pensar a sade em marcha. Pensamosque esta situao pesou sobre os autores aodefinirem a perspectiva de anlise e suas re-flexes. Provavelmente por isto que est au-sente do documento a principal estratgia pa-ra o desenvolvimento do SUS no Brasil, a mu-nicipalizao e seu elenco de problemas e de-safios. No se debate o exerccio da gesto in-tegral da sade, que hoje ocorre em maior oumenor grau nas localidades em gesto plenada sade e que constitui, provavelmente omaior desafio para todos os que militamos narea da sade: construir sistemas de sade ma-cro-eficientes isto , produzir polticas desade ou planos diretores com aplicaocoordenada de recursos e atividades capazesde integrar inteligentemente aes sobre omeio ambiente, sobre a coletividade e nos ser-vios assistenciais; esta a macro eficinciaque fez o prestgio dos sistemas nacionais de

    sade em pases desenvolvidos e outros do ter-ceiro mundo. tarefa difcil para ns que ain-da no abandonamos nossos recortes entresade coletiva e/ou pblica e a assistncia sade (tradicional) nas nossas instituies aca-dmicas e nem na nossa produo cientfica.

    Provavelmente por isso tambm que osautores utilizam o conceito de gesto comogerncia e discutem com pertinncia proble-mas da gerncia e da programao em sade vis que eles mesmos assumem junto com asua situao de gerentes da ponta do sistema.Sinnimo de gerncia, o conceito de gesto ga-nhou nova acepo na NOB 96, justamentevoltada implementar a gesto plena, onde seexplicita que independentemente da gernciados estabelecimentos prestadores de serviosser estatal ou privada, a gesto de todo o siste-ma municipal , necessariamente, da compe-tncia do poder pblico. Assim, ...a gerncia conceituada como sendo a administrao deuma unidade ou rgo de sade... Por sua vez,gesto a atividade e a responsabilidade de di-rigir um sistema de sade... mediante o exer-ccio de funes de coordenao, articulao,negociao, planejamento, ...so, portanto, ges-tores do SUS os secretrios Municipais e Esta-duais de Sade e o Ministro da Sade... (videNOB 96, item 4. Sistema de Sade Municipal).

    A amplitude do conceito antecipada nacaracterizao dos campos que compem aateno sade: a) o da assistncia... b) o dasintervenes ambientais, incluindo as relaese as condies sanitrias nos ambientes de vi-da e trabalho, ... c) o das polticas externas aosetor sade... Vale dizer, o desafio atual do pla-nejamento e gesto em sade muito maiordo que o assinalado no texto: se j era com-plexo ao somar ao papel tradicional do admi-nistrador funo de gerente do servio (or-ganizador da produo), agora temos a gestona dimenso de coordenao do sistema, in-cluindo o pblico e o privado, os servios e asaes extra servios, os conselhos locais e mu-nicipais de sade, sistemas de informaes,etc. Visto assim, as questes da universalida-de, equidade, integralidade, resolutividade,etc. ganham novos significados ao mesmo tem-po em que as intervenes, planejadas ou no,produziro efeitos potencializadores de solu-es ou agravantes do desempenho do siste-ma. O mais relevante para nosso assunto emquesto que pela primeira vez temos a opor-tunidade prtica de pensar a sade pblica co-mo totalidade (integral) em suas relaes com

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    as demais instncias sociais e o problema deintervir (planejar) nos diferentes processos vi-sando o desempenho final (gesto). Os instru-mentos tericos e metodolgicos e as tcnicasdisponveis nos permitem dar incio a esta ta-refa mas, desde logo, podemos visualizar ca-rncias e dificuldades algumas certamenterelacionadas com as questes levantadas peloautores no trabalho em exame como o ca-so da articulao entre trabalhos na sade e odesenvolvimento de bases consensuais, a in-tegrao de profissionais e as dinmicas inte-rativas dos trabalhadores, o compartilhamen-to de informaes.

    Outro grave problema do nosso incipien-te sistema de sade a micro-ineficincia; nosservios de sade freqente observarmos queo trabalho ocorre em condies de grande ten-so originada pela presso da demanda exces-siva, pela falta de recursos, pelas condies detrabalho insatisfatrias e os problemas sala-riais. As maiores vitimas so os pacientes jque os servios no tm condies para alcan-ar o desempenho desejado, ainda que commuito esforo e abnegao seja elevada pro-duo de consultas, exames e prescries po-rm sem resolutividade. urgente e necessrioadotar medidas que propiciem a mudana domodelo assistencial e que garantam a integrali-dade e continuidade da assistncia, em cadaunidade de assistncia bem como ao longo dosistema assistencial. O Programa de Sade daFamlia (PSF) parece ser a nica proposta emcondies de atender a estas necessidades; to-davia um modelo que requer uma srie decuidados para ter xito: boa formao dos re-cursos humanos, adequada regio na qualdevero trabalhar; financiamento suficiente;servios de referncia estruturados e acess-veis; tecnologias apropriadas. Na realidade,trata-se de criar conhecimentos e tecnologiasadequados a um novo processo de trabalhocom objetivos novos, antes no cogitados. Deoutro lado, no que respeita ao conhecimentoaplicado as tcnicas este no se limitara saes nos servios mas dever estender-se pa-ra agir na comunidade e com a comunidade.Aqui temos o cenrio privilegiado para exerci-tar saberes operantes e criar saberes prticos,na linguagem do autores, tarefa que as instn-cias acadmicas timidamente assumem hojeem dia.

    Muito pertinente a discusso acerca doconflito entre a autonomia do profissional m-dico e a necessidade de controle social. Nosso

    modelo de contrato de trabalho na rea p-blica totalmente inadequado, sobretudo nascidades grandes e de meio porte. No h me-canismos administrativos eficientes para esti-mular o aprimoramento do trabalho, para di-ferenciar o bom do mau trabalhador. Creioque temos aqui um grande caminho aberto incorporao de contribuies que emergemde outros setores: um primeiro, provenienteda economia da sade, que discute pela via dateoria dos contratos mecanismos de regulaoque visam a criar compromissos entre agen-tes (profissionais) principais (gestores) e aclientela estimulando o bom desempenho dosistema. Nossa f excessiva no Estado gestornos levou a desconsiderar as tentativas de re-formas sanitrias representadas pela competi-o administrada (Sucia), o mercado internono setor pblico (Reino Unido) ou os princ-pios que fundamentaram as Health Mainte-nance Organizations (Estados Unidos) anos60, qualificando os mesmos de forma simplis-ta como modelos de privatizao neoliberais;a verdade que algumas caractersticas dessasproposta j chegaram aqui como a substitui-o do financiamento por oramento globalpelo pagamento por produo.

    Uma segunda vertente atende, como assi-nalado pelos autores, crescente procura deelaborao da dimenso pessoal, do trabalha-dor e do usurio do sistema e da rede de inte-raes que eles desenvolvem; nos primeiros asimplicaes so diretamente de interesse da ge-rncia da sade; nos segundos, trata-se de de-senvolver a democratizao da sade pela viado empowerment reforo capacidade doscidados em participar e decidir em questesda sade comeando pelo direito de escolhero profissional, o laboratrio ou o hospital on-de o mesmo prefere ser atendido at a in-fluncia que devem ter na escolha das autorida-des de sade ou na aplicao de investimentos.O controle social e a participao da popula-o na construo do SUS foi de importnciafundamental para o avano dos dispositivos le-gais e para garantir o cumprimento de algu-mas diretrizes. Todavia falta muito a elaborar edesenvolver para construir uma cultura cida-d na sade; so promissoras as contribuiesprovenientes da teoria da ao comunicativa(Habermas) ou da democracia dialgica Gid-dens (1996) como recursos para o fortaleci-mento da democracia e da coeso social.

    Para finalizar lembremos que nossa visodos problemas da sade no Brasil hoje repre-

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    senta a convergncia de duas perspectivas: aque associa os problemas ao nosso passado ter-ceiromundista, da nossa falta de conscinciacidad, da no priorizao da sade, etc., e aoutra que os vincula s expectativas de mu-danas que integram o processo de transfor-mao das nossas sociedades processo de su-perao do socialismo de estado e do capita-lismo para ingressar na etapa ps-moderna.Se a destradicionalizao e a reflexividade se-ro as marcas da futura sociedade, como assi-nalado por Giddens, a sade no poder deixarde cumprir a sua parte.

    Referncias

    Lafond JJ 1996. Teora de contratos y economia de lasalud. In Gestin Sanitria en el Siglo XXI. EscuelaAndaluza de Salud Pblica, Espaa.

    Giddens A 1996. Para Alm da Esquerda e da Direita.Unesp, So Paulo.

    O mal estar nas organizaes de sade: planejamento e gesto como problemas ou solues?Health organizations and their discontents: are planning and management problems or solutions?

    Marilene de Castilho S 1

    Mais do que identificar problemas e desafiospara o planejamento e a gesto em sade (epara os gestores) contemporneos, o texto deSchraiber et al. quando confrontado com asituao atual dos servios de sade no Brasil,particularmente os servios pblicos, e com ocontexto social e poltico em que se inserem nos instiga a radicalizar a reflexo no sentidodo questionamento dos limites terico-meto-dolgicos e da validade tico-social dessessaberes e prticas que se pretendem de inter-veno/regulao social.

    Chegamos ao limiar do sculo XXI com asensao de que o fiel da balana entre Eros eTanatos, em sua eterna luta instituinte do pro-cesso civilizatrio, est pendendo muito favo-ravelmente para o lado do segundo, intensifi-cando o mal-estar diagnosticado por Freud

    1 Departamento de Administrao e Planejamento em Sade,Escola Nacional de Sade Pblica, Fiocruz

    ainda em 1930. Esta superioridade relativa (e,esperamos, transitria) do que poderamoschamar foras desagregadoras do tecidosocial se manifesta, nos parece, atravs de umconjunto variado de sintomas, que h algumtempo j vm sendo detectados por muitosautores que se ocupam dos problemas dasociedade contempornea para muitos ps-moderna e, particularmente, da problem-tica do indivduo na sociedade e suas organi-zaes. Assim, a intensificaco do individua-lismo, em detrimento da valorizao do sujei-to e da interioridade; o culto ao corpo (iden-tificado possibilidade de sucesso individuale utilidade social, num narcisismo de morte,onde cada um s consegue enxergar uma ima-gem idealizada de si mesmo, sem qualquerpossibilidade de ligao com os outros) e avontade de eficcia a qualquer preo (En-riquez, 1994a) so algumas das manifestaesde Tanatos. Ao lado delas ou dando-lhes a mol-dura necessria para seu exerccio, destacam-se a perda progressiva das referncias ideol-gicas alm do declnio das ideologias duras,as sociedades contemporneas encontram-secada vez mais esvazidas em sua capacidade depropor ideais elevados (Enriquez, 1994c) oupateticamente incapazes de se pensarem co-mo alguma coisa positiva, definindo-se ape-nas como ps-alguma coisa/ps-modernas(Castoriadis, 1992) a prioridade total ao eco-nmico (tudo se compra, tudo se vende), aobsesso pela modernizao, a idealizao datcnica e da tecnologia, a intensificao da pro-duo, inclusive dos afetos (o sexual torna-seuma mercadoria como qualquer outra) (En-riquez, 1994c). Lvy (1994) nos fala de umafascinao pelo que funciona, pelos utens-lios/instrumentos que permitem responderrapidamente e, se possvel, automaticamentea problemas delimitados, numa sociedadecolocada sob o signo da urgncia, onde tu-do que se apresenta como uma exigncia dosujeito, especialmente a necessidade de tem-po, est condenado a ser rejeitado.

    Alm dessas caractersticas e por causasdelas, especialmente pela falta de referncias eidentificaes as sociedades ocidentais destefinal de sculo e milnio so sociedades sempais (Enriquez, 1994c), onde a indiferencia-o entre geraes, entre sexos, por exemplo,reina absoluta, no havendo, conseqentemen-te, possibilidade de interdies estruturantes(internalizveis e constitutivas de sujeitos aut-nomos/criativos e responsveis), mas apenas

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    interdies repressivas, vividas como fruto deuma vontade de coero arbitrria, cada vezmais incuas incapazes de impedir a violn-cia, a agressividade, as tentativas de realizaode desejos de onipotncia, enfim, os compor-tamentos perversos. Enriquez (1994b) sugereque estaramos passando de uma civilizaoda culpabilidade para uma civilizao da ver-gonha. A primeira s possvel se existe umsentimento de culpa, independentemente de oato culpvel ter sido perpetrado ou no. Talsociedade pressupe, portanto, a luta, no inte-rior de cada um de ns, entre a agressividade,a inveja e o amor, alm do reconhecimentodessa luta. Tais sentimentos requerem um inte-resse pelos vnculos que nos ligam a ns mes-mos, aos outros, sociedade, ao cosmos... vn-culos que, entendemos, permitem ao mesmotempo autonomia e solidariedade. J numacivilizao da vergonha, todo ato repreensvelpode ser realizado, desde que no seja desco-berto. Como observa Enriquez, tudo est noato e em sua visibilidade. A vergonha no tocao indivduo em sua intimidade, mas o toca emseu ser social, em sua aparncia. (...) Quantomais vivermos no mundo do fazer e da aparn-cia, mais a civilizao da vergonha se impor e aculpabilidade ligada interioridade desapare-cer. (Enriquez, 1994b:52). Os exemplos soinmeros e vo desde a proliferao (sem cul-pa) entre atletas de prticas que permitemganhar atravs do uso de produtos qumicosproibidos at o crescimento assustador da cor-rupo em todas as esferas da sociedade e nopoder pblico.

    Numa linha de discusso anloga, Dejours(1999) nos fala da banalizao da injustiasocial ou, mais precisamente, da banaliza-o do mal, processo atravs do qual haveriauma tolerncia social cada vez maior para como mal, as injustias, os sofrimentos inflingidosa outrem em nossas sociedades. Tal tolernciano resultaria da mera resignao dos indiv-duos ou de um sentimento de impotnciadiante de processos que os transcendem oujulgam inevitveis, mas funcionaria tambmcomo uma defesa contra a conscincia dolo-rosa da prpria cumplicidade e responsabilida-de no agravamento da adversidade social.

    Ora, de que nos serve todo este quadro?Longe de qualquer viso apocalptica (e ain-da acreditando na superioridade de Eros so-bre Tanatos), o que buscamos so elementosque nos ajudem a compreender (e a superar osentimento de perplexidade e impotncia so-

    bre) algumas questes cruciais que se colocampara a ateno sade no Brasil. A insuficin-cia de recursos financeiros e as polticas deli-beradas de sucateamento do setor pblico desade explicam apenas em parte e muitosuperficialmente a progressiva e brutal des-valorizao da vida, individual e coletiva, nasociedade e, especificamente, no mbito dosservios de sade. Assistimos a uma situaode crescente banalizao da dor e do sofri-mento alheios, onde a apatia e a omisso dosprofissionais apenas uma faceta. Impera afalta de tica, de respeito e de solidariedade narelao entre profissionais de sade e usu-rios/pacientes e entre os prprios profissio-nais. Por sua vez, a incapacidade de muitosprofissionais de sade (dos mdicos aos aten-dentes e pessoal administrativo) de reconhe-cerem e se solidarizarem com a dor e sofri-mento alheios e, mais ainda, sua capacidadede at mesmo causar o sofrimento, a dor e amorte de outros residiria, se formos buscarargumentos em Dejours (1999), na impossi-bilidade de lidarem com seu prprio sofrimen-to psquico, resultante da forma como se dseu processo de trabalho e do funcionamentodas organizaes onde se inserem. De todomodo, h um cinisno generalizado na nega-o do sofrimento alheio, no tratamento dooutro como um evento estatstico ou burocr-tico.

    somente neste quadro, ou seja, tendo to-do o exposto at aqui como pano de fundo,que podemos considerar os desafios identifica-dos por Schraiber et al. para o gestor contem-porneo em sade (garantir a universalidadee eqidade, possibilitar a participao popu-lar e profissional, lidar com a integralidade,obter resolutividade e boa qualidade tcnico-cientfica das aes) como sendo, de fato, gran-des desafios. Em ltima instncia, o cumpri-mento ou operacionalizao de tais princpios(ou, mais realisticamente, a possibilidade dediminuir a distncia entre eles e a situao dosservios de sade no Brasil) depende muitomenos de solues tcnico-cientficas e eco-nmicas e mais da possibilidade de aberturaou desencadeamento de processos sociais eintersubjetivos de criao/recriao constan-te de acordos, pactos, projetos coletivos, sem-pre conjunturais e transitrios, que represen-tem a eterna busca do ideal (necessria vi-da, entendemos) mas sem cair na doena daidealidade, como nos ensina Enriquez (1994c).Isto significa que qualquer projeto institucio-

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    nal/organizacional, qualquer projeto assisten-cial no pode significar a homogeneizao to-tal, a negao do sujeito em troca de uma iden-tificao absoluta ao grupo ou organizaoem que se inserem, pois isto representa a mortedo pensamento, da criatividade. Por outro la-do, o peso do individualismo (e de sua capacoletivista, o corporativismo) o peso do nar-cisismo de morte to grande em nossasorganizaes de sade que preciso abrir fen-das, provocar uma certa descentrao, for-ar o olhar para fora, para o outro (colega,paciente, cidado...) para se poder melhor o-lhar para dentro. Cabe perguntar: nossas teo-rias, mtodos, nossos saberes e tecnologias emplanejamento e gesto nos habilitam a lidarcom estas questes? Ou ainda: at que pontomesmo os mais democrticos e participativosenfoques de planejamento e gesto no encer-rariam uma pretenso onipotente de contro-le/conduo de processos que resistem a seraprisionados por quaisquer tecnologias depoder (para usar uma expresso trazida pe-los autores para qualificar o planejamento)?

    Ao privilegiarem a anlise das interfacesentre o planejamento/gesto e os processos detrabalho em sade, os autores corretamenteidentificam no trabalho uma dimenso queextrapola a ao instrumental, produtiva. Re-conhecem o trabalho tambm como aocomunicativa, interao social. (Mais do queisto, podemos dizer que o trabalho tanto podeser possibilidade de sublimao, de criao, deconstituio de sujeitos autnomos, comopode ser espao de sofrimento (psquico), derepetio, alienao e morte do sujeito). Noentanto, ao adotarem o pressuposto de que anatureza tico-poltica da vida social se reali-za atravs da tcnica, da tecnicalidade do tra-balho (o que para ns apenas parcialmen-te correto, isto , este apenas um dos espa-os de sua realizao) acabam por restringir oque fazer do planejamento/gesto em sade dimenso instrumental do processo de traba-lho em sade. Caberia ao planejamento dotrabalho, segundo os autores, e a sua gestolidar com este componente do trabalho (suatecnicalidade), ao mesmo tempo que zelar pelaqualidade do produto objetivo do trabalho,lidando com a racionalidade tcnico-cientfi-ca de sua operao. No nos parece que a com-plexidade das questes aqui levantadas cu-ja soluo crucial para a qualidade do pro-duto do trabalho em sade possa ser enfren-tada a partir do interior da racionalidade ins-

    trumental. E aqui se inclui a possibilidade deequacionamento da questo da integralidadedas aes de sade, posta como central pelosautores. Por outro lado, atribuir possibilida-de de integrao de uma equipe multiprofis-sional ao fluir de um processo de comunica-o sem problematiz-lo enquanto um pro-cesso que no (ou no exclusivamente) daordem da conscincia, da vontade, mas princi-palmente da ordem do desejo, das pulses,tambm no nos parece ser suficiente paraenfrentar os problemas e desafios que a secolocam.

    Muitas outras questes poderiam ser tra-zidas ao debate a partir da magnitude dosdesafios ao planejamento e gesto identifi-cados por Schraiber et al. Os limites dessescomentrios no entanto no o permitem.Gostaramos apenas de encerrar destacando aimportncia da discusso que os autores rea-lizam em torno do deslocamento temtico emetodolgico do planejamento e gesto nosltimos anos. De fato, h um processo de des-locamento do interesse da rea dos problemasmacro para os micro sociais (o que, alis,acompanha uma tendncia geral das cinciassociais), bem como um relativo abandono, doponto de vista metodolgico, dos esquemasdeterminsticos/estruturais de anlise, passan-do a nfase para as abordagens mais proces-suais das organizaes, onde se destaca a pro-blemtica do sujeito, das interaes entre osindivduos. Esta perspectiva refora, obvia-mente, as preocupaes que aqui trazemos. Noentanto, julgamos necessrio qualificar/dife-renciar estas vrias abordagens, identificandoaquelas que efetivamente podem contribuirpara a produo de sujeitos e de processosintersubjetivos criativos no mbito das organi-zaes, daquelas que pretensamente reconhe-cem as questes subjetivas como modo deobter indivduos ao mesmo tempo conforma-dos, adaptveis e inovadores. Esta gesto pe-lo afetivo, como a denomina Enriquez (1997),tem levado a uma tal psicologizao dos pro-blemas que os indivduos alienados identi-ficados passionalmente aos objetivos da orga-nizao, busca da qualidade total, do errozero, do menor custo no so mais capa-zes de se perguntarem se o seu mau xito umefeito da estrutura ou dos modos de gesto eorganizao. Eles o vivem como como um fra-casso estritamente pessoal o que to maisintensamente vivido quanto maior for sua oni-potncia narcsica.

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    Planejar, gerir, dirigir uma organizao , acre-ditamos, poder contribuir para (...) fazer sur-gir(...) este sujeito humano, individual e coleti-vo, que sabe confrontar-se com o mundo e queno cai nem no narcisismo, nem no derrotismo.(Enriquez, 1997:21). Uma tal gesto e uma talorganizao so possveis? Fica a pergunta enossa concordncia mais uma vez com En-riquez quando nos diz que o homem s pode-r tornar-se ele mesmo quando no tiver maismedo de seu imaginrio e se quiser, mesmoque num mnimo s, transformar a socieda-de em que vive. As sociedades que no sonhamso sociedades que morrem. (Enriquez, 1997:22).

    As reflexes aqui desenvolvidas se apiamnum processo de discusso e estudos que vmsendo realizados junto com Creuza Azevedo,colega do Departamento de Administrao ePlanejamento em Sade da ENSP, a partir denosso interesse comum pela problemtica doindivduo nas organizaes e pelas questesda decorrentes para o planejamento e gestoem sade.

    Referncias

    Castoriadis C 1992. O Mundo Fragmentado. As Encruzilha-das do Labirinto III. Paz e Terra, So Paulo. 294 pp.

    Dejours C 1999. A Banalizao da Injustia Social. Fun-dao Getlio Vargas, Rio de Janeiro. 158 pp.

    Enriquez E 1994a. A interioridade est acabando? InLvy et al./Machado et al. (orgs.) Psicossociologia:Anlise Social e Interveno. Vozes, Petrpolis. 247pp.

    Enriquez E 1994b. O Vnculo Grupal. In Lvy etal./Machado et al. (orgs.) Psicossociologia: AnliseSocial e Interveno. Vozes, Petrpolis. 247 pp.

    Enriquez E 1994c. O Fanatismo Religioso e Poltico. InLvy et al./Machado et al. (orgs.) Psicossociologia:Anlise Social e Interveno. Vozes, Petrpolis. 247 pp.

    Enriquez E 1997. Prefcio. In E Davel & J Vasconcelos(orgs.) Recursos Humanos e Subjetividade.Vozes, Petrpolis. Segunda edio. 270 pp.

    Lvy A 1994. A psicossociologia: crise ou renovao? InLvy et al./Machado et al. (orgs.) Psicossociologia:Anlise Social e Interveno. Vozes, Petrpolis. 247 pp.

    1 Departamento de Prtica de Sade Pblica da Faculdade deSade Pblica da Universidade de So Paulo

    O Planejamento em Sade na construode mudanas de modelo de ateno ao sistema nico de Sade (SUS)Health planning concerning changes in theservices provided by the Unified HealthSystem (SUS)

    Claudio Gasto Junqueira de Castro 1

    O artigo central dos autores, que trata da pro-blemtica que emerge no processo de plane-jamento e gesto dos servios de sade, temum referencial singular, na medida em que oolhar e a reflexo se estabelecem a partir dosprocessos de trabalho que geram atividades ecuidados em sade que so produzidos e con-sumidos no mbito do cotidiano de um Cen-tro de Sade em operao.

    No obstante esta dimenso que se apro-priou para as consideraes feitas no artigo,a sua pertinncia, procedncia e principal-mente oportunidade est presente de formainequvoca. Mesmo porque, no que se refereao gestor ou gerente da sade coletiva e deseus respectivos sistemas de sade (em qual-quer nvel), a responsabilidade que se colocaatualmente (que um grande desafio) a deque, tendo um objeto a ser trabalhado (pro-cesso sade-doena na populao), h que sedefinir a estrutura/organizao e as relaesdo sistema (servio/processo gesto), tendocomo referncia, para tanto, a identificao epriorizao dos problemas/necessidade da po-pulao a serem enfrentados, atravs de ope-raes, que se traduzem como processos detrabalhos inovadores ou no, que se instalamna prtica dos profissionais envolvendo ati-vidades e cuidados assistenciais diversos naateno sade dos cidados (Modelo deAteno).

    E na diversidade dos problemas ou proble-mtica identificados e revelados pelos autoresno processo de planejamento, gesto e avalia-o em sade, vale destacar aqueles referentes dimenso do Planejamento e Gesto; Tc-nica e Trabalho.

    Preliminarmente h que ressalvar, no sen-tido melhor situar a discusso e o debate a se-rem feitos em relao temtica, o fato de queest se tratando de coisas novas, da a reite-

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    que buscam uma racionalidade econmica, uma tarefa que no est (nesta dimenso) con-templada nos chamados Momentos do Plane-jamento Estratgico Situacional, nem mesmono Normativo bem como no Ttico Operacio-nal.

    Vale dizer que est se entendendo, pois, queeste conjunto de aes definidas e combina-das/articuladas, podem ser denominada de ati-vidades, e que estas atividades, na dependn-cia do conjunto de aes que a constituem po-dem se configurar como atividades ou tcni-cas que hegemonicamente podero ser ou terum carter de promoo ou de proteo oudiagnstico/tratamento e de reabilitao. E oconjunto destas atividades sistematizadas e ar-ticuladas e desenvolvidas periodicamente, de-finidas e redefinidas quais e tais para cada in-divduo atendido, pode ser considerada (semprejuzo de outros entendimentos que noanulam este) como a atuao programtica.

    Se entendido assim, e se aceito assim, pode-se depreender que a atuao programtica uma estratgia tambm para se conseguir odesenvolvimento do que se chama de integra-lidade das aes.

    Isto de importncia fundamental na pers-pectiva de se dar concretitude aos princpiosdo SUS, dos quais este, da Integralidade dasAes, se coloca como uma caracterstica de-sejvel do sistema e do seu respectivo Mode-lo de Ateno.

    Ou seja, o sentido da reforma do sistema,onde se diagnosticava como indesejvel a dico-tomia presente, ou o sub-setor pblico da ad-ministrao direta desenvolvia atravs de seusservios (Promoo/Proteo), e os do ExInamps (Diagnstico/Cura) e do Ex INPS(Reabilitao) o de que este conjunto deaes fiquem sob a responsabilidade e com-petncia de apenas um nico gestor (federal,estadual e municipal).

    Esta abstrao pode, pois, vir a ter concre-titude, atravs desta construo referenciadaacima, a partir da Unidade Bsica de Sade.

    preciso lembrar tambm que no se es-gota no mbito do trabalho da UBS. o elencopossvel de todas as atividades contidas nestamoldura da integralidade, por mais simplesque sejam os problemas/agravos que vo serobjetos de interveno dirigida (definida e es-pecificada no trabalho do Planejamento Es-tratgico Situacional). Quer se dizer, por exem-plo, para o enfrentamento da hipertenso ar-terial, tem-se que todo saber e o fazer (conhe-

    rao de que a problematizao multidimen-sional e multivariada revestida de importn-cia.

    Isto , em termos de modelos de gesto ede ateno, tem-se que a prpria Constituioe os demais atos administrativos decorrentes(Leis, Portarias, Normas Operacionais), pro-pe-se diretrizes, princpios, metodologias pa-ra a construo de um novo modelo tanto degesto como de ateno, que so balizadores, etem portanto carter propositivo e no ratifi-cador. E que na busca de sua implementao inevitvel que vm a emergir conflitos oudeficincias ou insuficincias, que so proble-mas a serem resolvidos no mbito da gestodo sistema e da gerncia dos servios. Aque-les que no artigo foram detectados e aponta-dos, so de relevncia, pois surgiram no lo-cus de operao de maior magnitude e abran-gncia, que a Unidade Bsica de Sade.

    Ainda, preliminarmente, e agora enfocan-do a dimenso da construo do novo Modelode Ateno e no a sua ratificao, h que seassinalar alguns conhecimentos e metodolo-gias em termos de planejamento que atualmen-te esto dados, e que esto sendo utilizados emum grande nmero de municpios, na implan-tao dos sistemas municipais de sade.

    O planejamento em sade sob o referen-cial do Planejamento Estratgico Situacionalse constitui como um instrumento bastantetil e pertinente para a definio de opera-es ou seja dos processos de trabalho a se-rem introduzidos, inovados ou renovados nombito dos diversos servios dos diferentes n-veis do sistema.

    Contudo h limites em termos de seu al-cance, principalmente na definio, composi-o/contedo e combinao das possveisaes a serem desenvolvidas pelos diferentesprofissionais de sade junto/para os usuriosdo sistema.

    A flagrante limitao se emoldura em fun-o da natureza do problema ou agravo asade que est se lidando.

    Trata-se aqui, de uma tarefa, ou de um fa-zer com enfoque diferente, na medida em queo saber (tcnico-cientfico) que dever instru-mentaliz-lo, especfico e variado em funodaquelas naturezas diferentes dos agravos/pro-blemas que est se lidando.

    A tcnica, portanto, considerada como amelhor combinao de aes (respaldadas pe-lo saber tcnico e cientfico e socialmente acei-tos) definidas inclusive tambm por critrios

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    cimento e tecnologia) at hoje produzido eacumulado, para a reduo da sua morbidade,mortalidade, sofrimento, bem como para me-lhoria da qualidade de vida das pessoas, no seencontram totalmente disponibilizados no es-pao e nos processo de trabalho de uma USB.Existem muitos, mas no todos e ainda, comoaponta o texto central, h problemas e confli-tos inerentes ao seu desenvolvimento, a serempensados e resolvidos.

    E isto remete portanto responsabilidadede gerentes/gestores se articularem poltica eestrategicamente, e interagirem, no sentido deconferir a complementaridade e a integralida-de desejvel e possvel atravs das atividadespara a reduo ou minimizao dos proble-mas e agravos, a partir da UBS, mas tambmnos outros espaos dos servios que consti-tuem o SUS (ou em outros setores), do muni-cpio ou da regio.

    Neste sentido o componente estratgico doPES tem relevncia e pertinncia.

    E ainda e no mais conferir o carter co-letivo da atividade que individualmente con-sumida, e atravs do conjunto de fazerese neste conjunto de servios que a interven-o mdico-sanitria articulada se concretiza,mas que, para tanto, exige do gestor deciso,compromisso e iniciativa.

    Os autores respondemThe authors reply

    Primeiramente, gostaramos de agradecer atodos e compartilhar o valor e a motivao quemovem a todos ns no sentido de manter aproduo viva em nosso campo e de debatercriticamente suas questes. Tambm agrade-cemos leitura atenta e cuidadosa que obser-vamos no fato de que os comentrios traba-lham o texto em sua interioridade e relacio-nam-se com suas idias por meio de uma in-terpretao bastante interativa.

    Do conjunto dos comentrios diramosque, sob a perspectiva de carter mais episte-molgico, destacam-se as tematizaes das re-laes trabalho poltica; sujeito singular-so-cialidade e dialtica objetividade subjetivi-dade. Dentro de uma preocupao de cartermais prtico, so presenas expressivas a go-vernabilidade dos sistemas, os trnsitos entre

    gesto e gerncia e a racionalidade estratgi-ca em conflito com a atuao comunicacional,em razo das incertezas e autonomias que cer-cam este ltimo agir.

    certo, pois, que, se adotarmos a noo depoltica como referida aos usos e realizaesdos equipamentos e dispositivos de Estado,tanto quanto a concepo que a refere s rela-es dos indivduos em sociedade com sua es-fera pblica, diremos que a valorizao do po-ltico um denominador comum de nossosdebatedores. Lembram alguns de que se devaaprofundar o exame da municipalizao, des-centralizao e outros processos nesta esferada governabilidade dos sistemas de sade. Ou-tros lembram a dimenso tica e comunica-cional necessariamente implicada na propo-sio dos modelos assistenciais.

    Levando em conta todas essas advertn-cias, acreditamos que elas assinalam na dire-o de se trabalhar ainda mais detalhadamen-te esta mediao representada pelo planeja-mento e gesto nas interfaces entre o trabalhoe a poltica, o que mais uma vez importanteregistrar de forma bastante clara.

    Examinar essa mediao quer dizer que seh algo nessa forma de aproximao do plane-jamento e da gesto que faz a diferena, este al-go est na possibilidade de nos perguntarmosse os problemas relativos gesto no so tam-bm perpassados exatamente por aqueles re-lativos ao exerccio cotidiano dos trabalhos as-sistenciais, deslocando nossa apreenso para atomada desses ltimos e do modo com que es-to inscritos na esfera do planejamento.

    Neste caso, a assuno de que governabi-lidade sinnimo tambm de comunicabili-dade, ou seja, a construo dos consensos eacordos, como formas da interao, de quemodo no considerar que consensos e acor-dos tambm sejam atinentes interveno tc-nica assistencial? Claro est que neste planoencontra-se uma relao entre o agir estrat-gico e o comunicacional muito particular. Aao estratgica ligada interveno tcnicasempre permear o trabalho em sade, postoque um trabalho e no uma ao qualquere, por isso, devemos entender a esfera dos acor-dos e consensos como relacionada ao reconhe-cimento da teleologia do trabalho; sua aotcnica como sempre orientada para certosfins. Tal aspecto representa tambm um reco-nhecimento de diferenas quanto s autorida-des tcnicas frente s decises. No porque seinstaure uma diversidade de autoridades ne-

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    gadoras de tcnicas ou tecnologias eficazes,mas pela divergncia quanto ao julgamentotico e moral desta eficcia, pois, como sabe-mos, a diferena de autoridade tcnica entredetentores de saber cientfico (tcnicos) e de-tentores das necessidades em sade (usuriose pacientes) so transformadas em desigual-dades de poder de discernimento tico e so-cial, isto , de poder de escolha.

    Assim no se trata de um embate quanto tcnica e sua validade ou sua verdade, masda escolha entre possveis tcnicos; possveispercursos de interveno cujos resultados re-presentam variaes concretas de produto fi-nal e todos possveis e corretos tecnologica-mente, isto , vidas restauradas ou adoecimen-tos evitados segundo qualidades diferentes deseguir vivendo nas condies sociais dadas decotidiano. Que o digam todas as discussesatuais que a biotica traz exatamente nesta di-reo...

    Assim, a introduo da discusso do agircomunicativo nas esfera desta racionalidadede interveno necessariamente estratgica,ao subordinar-se razo instrumental moder-na, demanda uma reflexo prpria em que atransformao de um agir estratgico em co-municativo no resulte em perda da instru-mentalidade cientfica e tecnolgica do traba-lho em sade..... desde que acordado!

    O destaque prtica comunicacional ,pois, potencializadora da eficcia tcnico cien-tfica, quando a cincia e a tcnica passam doterreno da ideologia para a poltica.

    No entanto, o exerccio dessa passagem tambm conexo e dependente de uma revalo-rizao do sujeito e de suas questes, ou daquesto do sujeito, sobretudo frente aparen-te valorizao deste, nos debates atuais, pormeio de uma extensa discusso da subjetivi-dade de fato reduzida individualidade, sejacomo consumidor, seja como agente de prti-cas sociais. Como destacam alguns coment-rios, a perda das referncias mais sociais ter-minam por desqualificar na problemtica dosujeito, mesmo tratando de parte de suas ques-tes, a conexo indivduo coletividade, o que,a nosso ver, desdobra-se, de fato, na perda noapenas da problemtica da relao geral par-ticular na construo das singularidades, masprincipalmente na perda das questes que de-rivam da dialtica subjetividade objetivida-de. Esta torna visvel os conflitos e contradi-es entre os sujeitos e as estruturas, tantoquanto entre o indivduo e a norma social, co-

    locando a ambos como problema, em especiala relao entre eles. Uma valorizao das ques-tes do sujeito que simplesmente parta do pro-duto interativo indivduo-sociedade como al-go j dado, pode fixar tais interaes como ex-ternas s problemticas do sujeito e assim por esse excesso de importncia e valor torn-las uma no questo, o que do ponto devista prtico as destitui de valor e interesse deestudo. Este proceder, to visvel na raciona-lidade cientfica moderna, no estranho, afi-nal, prpria histria do sujeito como ques-to da cincia na modernidade. Fixado comoum a priori exterior ao mtodo, nas cinciaspositivistas o sujeito resta fora deste mtodo,em sua relao com o objeto das pesquisas.

    Alerte-se, ento, que a radicalizao politi-camente importante e retoricamente eficazque hoje se assiste nos olhares reformuladospor dentro do planejamento e da gesto e quetanto prezam a questo do sujeito, no deve-ria subestimar a face das normatividades, dascristalizaes, as quais podem ser processual-mente dinamizadas exatamente por sua inter-face com seus agentes-sujeitos.

    Se no resta dvida que tambm ao ges-tor cabe propor espaos, tempos e modos deestimular a expresso concreta desses agen-tes-sujeitos, no h dvidas que esse estmu-lo, para ser parte dos processos de realizaodas subjetividades destes homens e mulheresque se dispem enquanto agentes da tcnica,deve passar pela compreenso da normativi-dade dessa mesma tcnica normatividadeque os tornou, socialmente, tcnicos. A crti-ca e a recriao das utilidades sociais da tcni-ca dependente de seu domnio, sua apropria-o como prtica e prxis: valor, conhecimen-to e habilidade. Trata-se, ento, de se recolo-car, na esfera do sujeito, as relaes deste coma sociabilidade. Isto tambm representar oesforo por superar nossa crena, ainda usual,de que a articulao sujeito singular normacoletiva social seja uma antinomia. Superaressa crena no sentido de concebermos, ao in-vs da mera oposio, uma dialtica de snte-se: as normas so as prises e as liberdades dosujeito. E nas prticas de planejamento e ges-to, como mediao entre a vontade poltica,o valor tico e as estratgias dos fins a alcan-ar, exatamente dessa sntese que se trata.