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 Revista Faz Ciência, 06,01 (2004)pp. 11-27 UNIOESTE ISSN 1677-0439 fcj , TÍ£> A  CRÍTIC DE  MARX E ENGELS AO DOMÍNIO DAS IDÉIAS: A IDEOLOGIA José Luiz Zanella 1 Resumo O artigo tem por finalidade apresentar uma interpretação sistematizada da obra A Ideologia Alemã de Marx e Engels. Mostra que as idéias tem uma materialidade e são produzidas na práxis social. Recupera a crítica que Marx fez a metafísica para esclarecer a relação entre metafísica e ideologia. Em seguida, investiga de que forma as idéias se tornam ideológicas explicitando a função e o conceito da ideologia. Por fim, busca elencar elementos que possibilitem a críti- ca a idelologia. Conclui enfatizando a necessidade do aprofundamento teórico- metodológico a partir da filosofia marxista para o enfrentamento da ideologia na luta pela superação da sociedade capitalista. Palavras-chave: Ideologia, práxis social, materialismo histórico. Introdução Com o presente artigo buscamos empreender uma sistematização sobre nossa 2  leitura e interpretação da obra A Ideologia Alemã de Marx e Engels. Estruturamos o texto no sentido de facilitar a interpretação e com- preensão da referida obra. Nosso objetivo foi, num primeiro momento, mostrar a materialidade das idéias. Refletir sobre as idéias é refletir sobre o homem. E o homem, enquanto ser natural e histórico, é um ser de traba- lho que necessita produzir sua existência. A produção da existência hu- mana, no intercâmbio do homem com a natureza e com os outros homens, é a base material que origina as idéias. A consciência humana é um produ- to social e histórico. Para mostrar a materialidade e a produção das idéias, enfatizamos a crítica que Marx (1985) fez à metafísica clássica e ao idealismo de Hegel. A recuperação dessa crítica possibilita compreender, não somente o que é a metafísica, mas de estabelecer uma relação entre metafísica e universais abtratos de que fala Marilena Chauí na obra O que é Ideologia(i994). Assim, compreende-se que os universais abstratos são conceitos metafísicos que possibilitam a realização da idelogia como idéias separa- das da práxis social. Num segundo momento, investigamos que a ideologia nasce a partir da divisão do trabalho manual e trabalho intelectual. Sem o conhecimento ideologia. Com base em Chaui (1994), explicitamos o que é a idelogia e qual a sua função. Para finalizar, elencamos elementos que possilitem a crítica da

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A crítica de Marx e Engels ao domínio das ideias. Por José Luiz Zanella

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  • Revista Faz Cincia, 06,01 (2004)pp. 11-27 UNIOESTE ISSN 1677-0439 fcj,T>

    A CRTICA DE MARX E ENGELS AO DOMNIO DAS IDIAS:

    A IDEOLOGIA

    Jos Luiz Zanella1

    R e s u m o O artigo tem por f inal idade a p r e s e n t a r uma interpretao s i s temat izada da obra A I d e o l o g i a A l e m de M a r x e E n g e l s . M o s t r a que as idias tem u m a materialidade e so produzidas na prxis social. Recupera a crtica que Marx fez a metafsica para esclarecer a relao entre metafsica e ideologia. Em seguida, investiga de que forma as idias se tornam ideolgicas explicitando a funo e o conceito da ideologia. Por fim, busca elencar elementos que possibilitem a crti-ca a idelologia. Conclui enfatizando a necessidade do aprofundamento terico-metodolgico a partir da fi losofia marxista para o enfrentamento da ideologia na luta pela superao da sociedade capitalista. P a l a v r a s - c h a v e : Ideologia, prxis social, materialismo histrico.

    I n t r o d u o

    Com o presente artigo buscamos empreender uma sistematizao sobre nossa2 leitura e interpretao da obra A Ideologia Alem de Marx e Engels. Estruturamos o texto no sentido de facilitar a interpretao e com-preenso da referida obra. Nosso objetivo foi, num primeiro momento, mostrar a materialidade das idias. Refletir sobre as idias refletir sobre o homem. E o homem, enquanto ser natural e histrico, um ser de traba-lho que necessita produzir sua existncia. A produo da existncia hu-mana, no intercmbio do homem com a natureza e com os outros homens, a base material que origina as idias. A conscincia humana um produ-to social e histrico.

    Para mostrar a materialidade e a produo das idias, enfatizamos a crtica que Marx (1985) fez metafsica clssica e ao idealismo de Hegel. A recuperao dessa crtica possibilita compreender, no somente o que a metafsica, mas de estabelecer uma relao entre metafsica e "universais abtratos" de que fala Marilena Chau na obra O que Ideologia(i994). Ass im, c o m p r e e n d e - s e que os universais abstratos so c o n c e i t o s metafsicos que possibilitam a realizao da idelogia como idias separa-das da prxis social.

    Num segundo momento, investigamos que a ideologia nasce a partir da diviso do trabalho manual e trabalho intelectual. Sem o conhecimento de que a sociedade dividida em classes sociais, no possvel conhecer a ideologia. Com base em Chaui (1994), explicitamos o que a idelogia e qual a sua funo.

    Para finalizar, e lencamos elementos que possilitem a crtica da

  • A C r t i c a de Marx e Engels ao D o m n i o das I d i a s : A I d e o l o g i a

    idelogia. Esclaremos que a idelogia no um produto subjetivo da consci-ncia da classe dominante. Ao contrrio, a idelogia um produto da prxis social em que os homens, na sua alienao, produzem. Para remover a ideoliga faz-se necessrio uma mudana da organizao do trabalho na sociedade. A crtica terica tem seu papel de desvendar o movimento con-traditrio da prxis social, mostrando as mediaes que constituem a re-alidade. Assim, a teoria faz a crtica idelogia.

    Essa reflexo se justifica na medida em que, nos dias atuais, h uma tendncia de negao da teoria clssica em detrimento a uma valorizao da prtica emprica, subjetiva, relativista e ecltica. Em contrapartida, verificamos diariamente o fenmeno da mundializaao do capital que, na sua totalidade, tem sua teoria e sua ideologia. Qual a relao entre teoria e ideologia? Quais idias ou ideologias nos dominam? Qual a nossa teoria? Como se defender do domnio das idias?

    A materialidade e a produo das idias

    J no prefcio da obra A ideologia alem, Marx e Engels, ressaltam as "representaes falsas" que os homens fazem de si mesmos. Estas re-presentaes so as idias, mais precisamente, o domnio que as idias exercem sobre os homens. Da afirmarem: "rebelemo-nos contra o dom-nio das idias". Que idias so estas? De que forma dominam os homens? Qual a materialidade das idias? Como so produzidas as idias?

    O mundo das idias amplo e complexo. Fazem parte deste mundo as idias, por exemplo, da filosofia metafsica, como tambm as idias do senso comum que, numa sociedade de classes, tornam-se idias ideolgi-cas. De modo que h uma relao entre idias, teorias e ideologias.

    Historicamente, as idias foram sendo sistematizadas e resultaram em grandes sistemas filosficos. As filosofias de Plato e Aristteles so, por exemplo, filosofias metafsicas. Para as filosofias metafsicas - grega, medieval e moderna - as idias so categorias autnomas, separadas da realidade e da prtica social, que possuem a finalidade de explicar esta mesma realidade. As idias enquanto conceitos so eternas, fixas e imut-veis. Marx, ao fazer a critica economia poltica e a Proudhon, mostra que:

    Os economistas nos explicam como se produz nestas relaes da-das, mas no nos explicam como se produzem estas relaes, isto , o movimento histrico que as engendra (...). A partir do momento em que no se persegue o movimento histrico das relaes de pro-duo, de que as categorias so apenas a expresso terica, a partir do momento em que se quer ver nestas categorias somente idias,

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    pensamentos espontneos, independentes das relaes reais, a par-tir de ento se forado a considerar o movimento da razo pura como a origem desses pensamentos. (Marx, 1985, pp. 102 e 103)

    O conceito metafsico uma idia formal, pura substncia, que re-presenta uma realidade; uma idia obtida via processo de abstrao e no de anlise; uma idia que abstrai toda a materialidade fenomnica do obje-to para ficar com a essncia entendida como o conceito fixo, eterno e imutvel. Ocorre, ento, uma separao radical entre a idia (conceito) e o real, de tal modo que a idia superior e ela que explica o real. o que Marx (1985) crtica em Proudhon quando este confunde abstrao com anlise.

    H razo para se espantar se, abandonando aos poucos tudo o que constitui a individualidade de uma casa, abstraindo os materiais de que ela se compe e a forma que a distingue, chega-se a ter apenas um corpo; e se, abstraindo os limites deste corpo, obtm-se somen-te um espao; e, se, enfim, abstraindo as dimenses deste espao, acaba-se por ter apenas a pura quantidade, a categoria lgica? fora de abstrair assim de todo objeto os pretensos acidentes, ani-mados ou inanimados, homens ou coisas, temos razo de dizer que, em ltimo grau de abstrao, chegamos s categorias lgicas como substncia. Assim, os metafsicos que, fazendo estas abstraes, acreditam fazer anlise e que, medida que se afastam progressiva-mente dos objetos, imaginam aproximar-se deles para penetr-los, estes metafsicos tm, por sua vez, razo de dizer que as coisas aqui na terra so bordados, cujo pano-de-fundo constitudo pelas cate-gorias lgicas (...). Que tudo o que existe, tudo o que vive sobre a terra e sob a gua, possa ser reduzido, fora de abstrao, a uma categoria lgica; que, deste modo, todo o mundo real possa submer-gir no mundo das abstraes, no mundo das categorias lgicas -quem se espantar com isto? (Marx, 1985, pp. 103-104, grifos meus)

    Esse processo que abstrai a materialidade do real em movimento e constri o conceito enquanto categoria lgica - lgica formal - denomina-se metafsica. Aqui, as idias - categorias lgicas - tornam-se independen-tes e superiores a prxis de tal modo que tornam-se verdades dogmticas. Qualquer filosofia ou teoria que no hstoriciza suas categorias, torna-se, neste sentido, metafsica. Inclusive a filosofia marxista.

    A filosofia idealista hegeliana revolucionou a metafsica na medida em que mostrou a dialtica das idias (subjetividade) com o mundo (obje-tividade). O mundo a meterializao da idia Absoluta que se transforma

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    na histria, toma conscincia de si mesma e retorna ao Absoluto. Marx e Engels convivendo no contexto histrico ps-hegeliano, bus-

    cam empreender a crtica direita e principalmente esquerda dos assim chamadas jovens-hegelianos (D. Strauss, B. Bauer, L. Feuerbach e Max Stirner). Os jovens-hegelianos, ao romperem com a crtica da religio, no conseguem romper com o poder da conscincia e, segundo eles, "tudo o que os homens fazem, os seus grilhes e barreiras, so produtos da sua conscincia" (Marx e Engels, 1984, p. 13). Marx/Engels mostram que os jovens-hegelianos no conseguem romper com o sistema hegeliano e, sen-do assim, no procuram explicitar "a conexo da filosofia alem com a realidade alem" (Idem, p. 14).

    Marx e Engels radicalizam a crtica ao idealismo alemo formulando a concepo materialista da Histria. Afirmam: "em completa oposio filosofia alem, a qual desce do cu terra, aqui, sobe-se da terra ao cu. Isto , no se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou se repre-sentam, e tambm no dos homens narrados, pensados e imaginados, re-presentados, para da se chegar aos homens em carne e osso" (Ibidem, p. 22). Mais adiante mostram que "no conscincia que determina a vida, a vida que determina a conscincia" (Ibidem, p. 23). Fica assim explicitada a concepo do materialismo histrico dialtico, uma vez que a base ma-terial - a produo da vida - determinante3 , em ltima instncia, da conscincia. A conscincia uma construo social e histrica.

    O ponto de partida ou pressuposto da concepo materialista da Histria so os indivduos reais e suas condies materiais de vida que podem ser verificadas empiricamente. Trata-se de indivduos ativos no sentido de que "as circunstncias fazem os homens tanto como os homens fazem as circunstncias" (Ibidem, p. 49). Homem aqui compreendido como ser natural social. Agindo sobre a natureza mediante o processo de traba-lho, o homem tambm se modifica, se faz homem, se humaniza. "Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifi-ca sua prpria natureza. Desenvolve as potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domnio o jogo das foras naturais" (Marx, 1983, p. 211). Marx entende o homem como um ser, ao mesmo tempo, natural e histri-co. "O homem imediatamente ser natural. Como ser natural, e como ser natural vivo, est, em parte, dotado de foras naturais, de foras vitais, um ser natural ativo" (Marx, 1987a, p. 206). Mas "o homem, no entanto, no apenas ser natural, mas ser natural humano, isto , um ser que para si prprio e, por isso, ser genrico, que enquanto tal deve atuar e confir-mar-se tanto em seu ser como em seu saber" (Idem, p. 207). Portanto, o homem sua prpria natureza humanizada, cuja humanizao se d medi-ante o processo de trabalho: "A formao dos cinco sentidos um traba-lho de toda a histria universal at nossos dias" (Ibidem, p. 178), afirma

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    Marx, e continua: "0 olho fez-se um olho humano, assim como seu objeto se tornou um objeto social, humano, vindo do homem para o homem. Os sentidos fizeram-se assim imediatamente tericos em sua prtica" (Ibidem, p. 177). E conclui: "toda a assim chamada histria universal nada mais do que a produo do homem peio trabalho humano" (Ibidem, p. 181).

    Ou seja, trata-se de mostrar como os homens produzem os meios de vida e por extenso sua prpria existncia. "Podemos distinguir os ho-mens dos animais pela conscincia, pela religio, por tudo o que se quiser. Mas eles comeam a distinguir-se dos animais assim que comeam a pro-duzir os seus meios de vida, passo este que condicionado pela sua orga-nizao fsica. Ao produzirem seus meios de vida, os homens produzem indiretamente a sua prpria vida material" (Marx e Engels, 1984, p.15).

    De forma que h um determinado modo de vida, um modo de pro-duzir a vida, atravs da ao ativa dos homens frente s necessidades, que determina o ser homem. "Aquilo que eles so, coincide, portanto, com a sua produo, com o que produzem e tambm com o como produzem. Aquilo que os indivduos so, depende, portanto, das condies materiais da sua produo" (Idem, p. 15).

    A anlise dos autores tem como finalidade explicitar como produ-zido o homem. Trata-se, portanto, de no afirmar quem o homem para depois explicar a prtica, mas, ao contrrio, trata-se de investigar como o homem se produz historicamente. O ponto de partida da anlise a prti-ca. "Toda a vida social essencialmente prtica. Todos os mistrios que levam a teoria ao misticismo encontram a sua soluo racional na prxis humana e no compreender desta prxis" (Marx, tese 8 sobre Feurbach, 1984, p. 109).

    Portanto, na base de toda a histria humana, est o homem como sntese das relaes sociais do passado e do presente.

    O pensar, a conscincia, ou noutras palavras, as idias dos homens, so a expresso ativa de sua prxis produtiva e social. A investigao tem de mostrar empiricamente como se d esta conexo entre a prtica pro-dutiva, social e simblica.

    A conexo da estrutura social e poltica com a produo. A estrutu-ra social e o Estado decorrem constantemente do processo de vida de determinados indivduos; mas destes indivduos no como eles podero parecer na sua prpria representao ou na de outros, mas como eles so realmente, ou seja, como agem, como produzem ma-terialmente, como trabalham, portanto, em determinados limites, premissas e condies materiais que no dependem de sua vontade (Marx e Engels, 1984, p. 21).

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    Antes de analisarmos a natureza desta conexo entre estrutura so-cial, Estado e conscincia (idias), retomamos a reflexo de Marx e Engels sobre as determinaes das condies materiais da vida na produo da conscincia. Se a vida que determina a conscincia, como ocorre esse processo no homem?

    Os autores mostram quatro pontos bsicos nas relaes materiais da vida que determinam a produo da conscincia.

    O primeiro ponto o da prioridade da vida material sobre a vida espiritual (conscincia). Antes de fazer histria, estudar, rezar... o homem tem de "viver".

    A primeira premissa de toda existncia humana (...) e de toda a his-tria [ a de que] os homens tem de estar em condies de viver para poderem fazer histria. Mas da vida fazem parte sobretudo comer e beber, habitao, vesturio e ainda algumas outras coisas. O primei-ro ato histrico , portanto, a produo dos meios para a satisfao destas necessidades, a produo da prpria vida material, e a verda-de que este um ato histrico, uma condio fundamental de toda a Histria, que ainda hoje, tal como h milhares de anos, tem de ser realizado dia a dia, hora a hora, para ao menos manter os homens vivos (Idem, pp. 30 e 31).

    O viver no sentido de manter-se como ser vivo, enquanto parte da natureza que necessita do alimento, da casa, do vesturio, da sade... o fato fundamental, a base terrena e materialista da Histria.

    O segundo ponto a satisfao das necessidades e das novas neces-sidades num processo contnuo. "A prpria primeira necessidade satisfei-ta, a ao da satisfao e o instrumento j adquirido da satisfao, conduz a novas necessidades - e esta produo de novas necessidades o primei-ro ato histrico" (Ibidem, p. 32).

    De forma que o homem se diferencia dos animais no somente por ser um ser de necessidades, mas por ser um ser que cria necessidades especificamente humanas.

    Sem dvida, os animais tambm produzem. Eles constroem ninhos e habitaes, como no caso das abelhas, castores, formigas, etc. Po-rm, s produzem o estritamente indispensvel a si mesmos ou aos filhotes. S produzem em uma nica direo, enquanto o homem produz universalmente. S produzem sob a compulso de necessi-dade fsica direta, ao passo que o homem produz quando livre de necessidade fsica e s produz, na verdade, quando livre dessa ne-cessidade. Os animais s produzem a si mesmos, enquanto o homem

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    reproduz toda a natureza. Os frutos da produo animal pertencem diretamente a seus corpos fsicos, ao passo que o homem livre ante seu produto. Os animais s constroem de acordo com os padres e necessidades da espcie a que pertencem, enquanto o homem sabe produzir de acordo com os padres de todas as espcies e como aplicar o padro adequado ao objeto. Assim, o homem constri tam-bm em conformidade com as leis do belo. (Marx, 1983, p. 96)

    A relao do homem com a necessidade no somente imediata, mas mediata. A necessidade imediata aquela ligada produo e repro-duo da vida biolgica (carter fsico), enquanto que a necess idade mediata aquela que superou a necessidade imediata para, num nvel de liberdade, criar, produzir e satisfazer necessidades especificamente hu-manas. "Isso quer dizer que a necessidade propriamente humana tem que ser inventada ou criada. O homem, portanto, no apenas um ser de ne-cessidades, mas sim o ser que inventa ou cria suas prprias necessidades" (Vazquez, 1968, p. 142).

    O terceiro ponto refere-se produo e reproduo do prprio ho-mem. "Os homens que, dia a dia, renovam a sua prpria vida comeam a fazer outros homens, a reproduzir-se - a relao entre homem e mulher, pais e filhos, a famlia" (Marx e Engels, 1984, p. 32).

    O quarto ponto se refere s relaes sociais no interior de um deter-minado modo de produo. Estas relaes "tm de ser sempre estudadas e tratadas em conexo com a histria da indstria e da troca" (Idem, p. 33). Significa que h uma conexo entre relaes sociais e modo de produo sendo que este condiciona aquela.

    Somente aps discorrer sobre as quatro relaes histricas, Marx e Engels comeam a falar de conscincia.

    S agora, depois de j termos considerado quatro momentos, qua-tro facetas das relaes histricas primordiais, verificamos que o homem tambm tem conscincia. Mas tambm que no de ante-mo, como conscincia pura. O esprito tem consigo de antemo a maldio de estar preso matria, a qual nos surge aqui na forma de camadas de ar em movimento, de sons. numa palavra, da l ingua-gem. A linguagem to velha como a conscincia - a linguagem a conscincia real prtica que existe tambm para outros homens e que, portanto, s assim existe tambm para mim, e a linguagem s nasce, como a conscincia, da necessidade da carncia fsica do in-tercmbio com outros homens. Onde existe uma relao ela existe para mim, o animal com nada se relaciona, nem se quer se relaciona. Para o animal, a sua relao com os outros no existe como relao.

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    A conscincia , pois, logo desde o comeo, um produto social, e continuar a s-lo enquanto existem homens (Ibidem, pp. 33 e 34).

    Conclumos que os autores demonstram, com os argumentos aci-ma, as determinaes naturais e sociais na consituio do ser humano. Sendo o homem um processo, um vir-a-ser, que se faz pela mediao do trabalho, nas relaes com a natureza e com os outros homens, ento, este mesmo processo ocorre com a conscincia enquanto produo subjetiva dos homens. A conscincia ou as idias tm sua materialidade ou razes na prtica social dos homens. Portanto, as idias no so autnomas e nem superiores prtica.

    Se as idias guardam um vnculo orgnico com a prtica, como ex-plicar ou entender que certas idias sejam independetes da prtica de tal modo que chegam a ser superiores prtica? Ou melhor, em que consiste este processo em que as idias se apresentam de tal modo completas que parece expressarem com perfeio a realidade? Como se d esta conexo entre a produo e as idias? Quando que as idias ocupam o lugar da realidade para justfic-la e legitim-la? Quem produz e como so produzi-das as idias?

    Como possvel a ideologia?

    As idias, como tudo na vida, so produzidas na prxis social. Para o marxismo, a prxis social a produo material da vida numa determina-da sociedade. Trata-se, basicamente, da forma como os homens reais se organizam num modo de produo, o qual constitudo de foras produ-tivas e de relaes de produo. As foras produtivas so compostas pelos meios de produo (instrumentos, terra, mquinas, etc.) e pelo trabalho. Sendo que somente o trabalho vivo o criador de valor. De modo que as relaes de produo so as relaes de trabalho num determinado modo de produo. E, o modo de produo ou sociedade, constitudo de uma base material - infra-estrutura - que determina em ltima instncia uma superestrutura (instituies, idias, conhecimento, etc.). Nas palavras de Marx:

    Na produo social da prpria vida, os homens contraem relaes determinadas, necessrias e independentes de sua vontade, rela-es de produo estas que correspondem a uma etapa determina-da de desenvolvimento das suas foras produtivas materiais. A to-talidade destas relaes de produo forma a estrutura econmica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurdica, e qual correspondem formas sociais determinadas de

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    conscincia. O modo de produo da vida material condiciona o processo em geral de vida social, poltico e espiritual. No a cons-cincia dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrrio, o seu ser social que determina sua conscincia (Marx, 1987, pp. 29-30).

    Sem o conhecimento das determinaes da base real da sociedade, dificilmente se compreende s diferentes formas de manifestao da vida humana, principlamente das idias e da ideologia. Portanto, o ponto fun-damental o conhecimento sobre s relaes de trabalho na histria da humanidade. Estas relaes, segundo Marx e Engels, foram no incio da humanidade, comunais que, com o aumento da populao e da necessida-de de produzir mais, engendraram a diviso do trabalho.

    A diviso do trabalho s se torna realmente diviso a partir do mo-mento em que surge uma diviso do trabalho material e espiritual. A partir deste momento , a conscincia pode realmente dar-se fanta-sia de ser algo diferente da conscincia da praxis existente, de re-presentar alguma coisa sem representar nada de real - a partir deste momento, a conscincia capaz de emancipar o mundo e passar formao da teoria pura, da teologia, da filosofia, da moral, etc. (Marx e Engels, 1984, P- 35)-

    Assim, a diviso do trabalho marca o incio das diferentes formas de propriedade privada-1 e, sobretudo, da ideologia5. A ideologia s poss-vel na medida que h diviso entre trabalho manual e trabalho intelectual.

    Nasce agora a ideologia propriamente dita, isto , o sistema ordena-do de idias ou representaes e das normas e regras como algo separado e independente das condies materiais, visto que seus produtores - os tericos, os idelogos, os intelectuais - no esto diretamente vinculados produo material das condies de exis-tncia. E, sem perceber, exprimem essa desinvulao atravs de suas idias. Ou seja: as idias aparecem como produzidas somente pelo pensamento, porque os seus pensadores esto distanciados da produo material. Assim, em lugar de aparecer que os pensadores esto distanciados do mundo material e por isso suas idias revelam tal separao, o que aparece que as idias que esto separadas do mundo e o explicam. As idias no aparecem como produtos do pensamento de homens determinados - aqueles que esto fora da produo material direta - mas como entidades autnomas desco-bertas por tais homens (Chaui, 1994, pp. 65 e 66).

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    Desse modo as idias so tomadas como anteriores, superiores e independentes da prxis. Ao representar de forma invertida o processo do real, o homem toma o mundo natural de forma divinizada e o mundo humano de forma natural. a conscincia alienada. Alienada porque in-verte a relao entre o mundo real e as idias, tomando o efeito pela causa e no se dando conta de que as contradies no esto entre as idias e o real, mas no prprio mundo real.

    Assim, por exemplo, faz parte da ideologia burguesa afirmar que a educao um direito de todos os homens. Ora, na realidade sabe-mos que isto no ocorre. Nossa tendncia, ento, ser a de dizer que h uma contradio entre a idia de educao e a realidade. Na ver-dade, porm, essa contradio existe porque simplesmente expri-me, sem saber, uma outra: a contradio entre os que produzem a riqueza material e cultural com seu trabalho e aqueles que usufruem dessas riquezas, excluindo delas os produtores. Porque estes se en-contram excludos do direito de usufruir dos bens que produzem, esto excludos da educao, que um desses bens. Em geral, o pedreiro que faz a escola, o marceneiro que faz as carteiras, mesas e lousas, so analfabetos e no tm condies de enviar seus filhos para a escola que foi por eles produzida. Essa a contradio real, da qual a contradio entre a idia do 'direito de todos educao' e uma sociedade de maioria analfabeta apenas o efeito ou a conseq-ncia (Chaui, 1994, pp. 66 e 67).

    Essa contradio do mundo real a diviso da sociedade em classes sociais 0 . H, portanto, uma relao orgnica entre diviso do trabalho (manual x intelectual) e classe social. A diviso do trabalho deu origem propriedade privada dos meios de produo estabelecendo-se, assim, uma relao de interesses antagnicos e conflitivos entre proprietrios e no proprietrios. Essa a luta de classes. Institui-se historicamente uma clas-se dominante que, alm da fora material, utiliza-se, sobretudo, das idias ou da ideologia para exercer com hegemonia a dominao. "As idias da classe dominante so, em todas as pocas, as idias dominantes, ou seja, a classe que o poder material dominante da sociedade , ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante" (Marx e Engels, 1984, p. 56).

    O poder material da classse dominante faz com que suas idias par-ticulares sejam idias universais, aceitas pela maioria dos membros da sociedade. Aqui entra a funo da ideologia: esconder ou ocultar que a sociedade dividida em classes scias e, ao memo tempo, negar a luta de classes. A ideologia naturaliza a existncia das classes sociais como algo

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    do destino ou da vontade da natureza ou de foras sobrenaturais. A forma da manifestao da ideologia nas idias do senso comum sutil.

    A ideologia burguesa, atravs de seus intelectuais, ir produzir idi-as que confirmem essa alienao, fazendo, por exemplo, com que os homens creiam que so desiguais por natureza e por talentos, ou que so desiguais por desejo prprio, isto , os que honestamente trabalham enriquecem e os preguiosos, empobrecem. Ou, ento, faz com que creiam que so desiguais por natureza, mas que a vida social, permitindo a todos o direito de trabalhar, lhes d igual chances de melhorar - ocultando, assim, que os que trabalham no so se-nhores de seu trabalho e que, portanto, suas 'chances de melhorar' no dependem deles, mas de quem possui os meios e condies de trabalho. Ou, ainda, faz com que os homens creiam que so desi-guais por natureza e pelas condies sociais, mas que so iguais pe-rante a lei e perante ao Estado, escondendo que a lei foi feita pelos dominantes e que o Estado instrumento dos dominantes (Chaui, 1994, PP- 78 e 79).

    Na medida em que as idias so separadas da prxis social pela ao dos idelogos burgueses, elas se tornam idias universais denominadas por Chaui de "universais abstratos".

    A operao intelectual por excelncia da ideologia a criao d e universais abstratos, isto , a transformao das idias particulares da classe dominante em idias universais de todos e para todos os membros da sociedade. Essa universalidade das idias abstrata porque no corresponde a nada real e concreto, visto que no real existem concretamente classes sociais particulares e no a univer-salidade humana. As idias da ideologia so, portanto, universais abstratos (Idem, p. 95).

    Estes universais abstratos so conceitos metafsicos presentes no senso comum. So idias que abstraem toda a realidade histrico-social e ficam no plano discursivo e genrico. So exemplo de universais abstra-tos a idia de famlia, a idia de trabalho, a idia de lei, etc. A ideologia burguesa oculta que a famlia uma instituio histrica e fala "a famlia" como se esta fosse uma instituio natural e divina que nunca muda. "A famlia representada como sendo sempre a mesma (no tempo e para todas as classes) e, portanto, como uma realidade natural (biolgica), sa-grada (desejada e abenoada por Deus), eterna (sempre existiu e sempre existir), moral (a vida boa, pura, normal, respeitada) e pedaggica (nela

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  • A Crtica de Marx e Engels ao Domnio das Idias: A Ideologia

    se aprendem as regras da verdadeira convivncia entre os homens, com o amor dos pais pelos filhos...) (Ibidem, p. 88). De modo que na sociedade capitalista no existe "a" famlia, mas as diferentes famlias: famlia bur-guesa, pequeno-burguesa e proletria. Mas, por fora da ideologia, preva-lece a idia de famlia burguesa.

    O Estado apresentado como uma instituio que representa o inte-resse comunitrio, quando na realidade histrica o Estado uma institui-o burguesa que tem por finalidade a defesa da propriedade privada. "Atra-vs do Direito, o Estado aparece como legal, ou seja, como 'Estado de Direito'. O papel do Direito ou das leis o de fazer com que a dominao no seja tida como violncia, mas como legal, e por ser legal e no violenta deve ser aceita. A lei o direito para o dominante e o dever para o domina-do" (Ibidem, p. 90). Apresentando a idia de Estado e a idia de Direito, a ideologia burguesa oculta e legitima a dominao de classe e, ao mesmo tempo, impede que o dominado se revolte e, assim, aceite a dominao como algo natural.

    Chau ressalta que "o papel especfico da ideologia como instrumen-to da luta de classes impedir que a dominao e a explorao sejam percebidos em sua realidade concreta" (Ibidem, p. 103). Com isto trans-forma as idias particulares da classe dominante em idias universais.

    Chaui, assim sistematiza o que a ideologia:

    A ideologia um conjunto lgico, sistemtico e coerente de repre-sentaes (idias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pen-sar e como devem pensar, o que devem valor izar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela , portanto, um corpo explicativo (representaes) e prtico (normas, regras, preceitos) de carter prescritivo, normativo, regulador, cuja funo dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicao racional para as diferenas sociais, polticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenas diviso da sociedade em classe, a partir das divises na esfera da produo. Pelo contrrio, a funo da ideologia a de apa-gar as diferenas como de classes e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento de identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exem-plo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nao, ou o Estado (Ibidem, pp. 113 e 114).

    Diante da fora da ideologia enquanto idias da classe dominante fica a indagao: como fazer a crtica e a superao da ideologia?

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  • Jos Luiz Zanella

    A crtica da ideologia

    Como nos ensina Chaui, a ideologia quase impossvel de ser remo-vida. Para que a ideologia deixasse de existir seria necessrio que na soci-edade ocorresse a superao da diviso do trabalho, principalmente da separao entre tabalho manual e trabalho intelectual. Enquanto persistir esta diviso, permanecer aqueles que pensam e aqueles que fazem, possi-bilitando assim a separao entre as idias e a prxis social. E, mesmo na prxis social, os homens tendem, por um processo de alienao, repre-sentar de modo invertido a realidade. o que nos dizem Marx e Engels: "Se em toda ideologia os homens e as suas relaes aparecem de cabea para baixo como numa Cmara obscura, porque este fenmeno deriva do seu processo histrico de vida, da mesma maneira que a inverso dos objetos na retina deriva do seu processo diretamente fsico de vida" (1984, p. 22). H uma tendncia "natural" dos homens em representarem o real no como uma produo histrica deles memos, mas como uma fora externa. essa tendncia a alienao que materializa-se em ideologia e que difcil de ser superada.

    Assim, a ideologia uma das formas da prxis social e no apenas um reflexo do real na cabea dos homens. "A ideologia no um 'reflexo' do real na cabea dos homens, mas o modo ilusrio (isto , abstrato e invertido) pelo qual representam o aparecer social como se tal parecer fosse a realidade sociar(Chaui, 1994, p. 106). No se trata, portanto, de algo "ruim" que mecanicamente se construiu, mas da prpria re lao dialtica dos homens com o mundo, em que estes, pela sua atividade, re-presentam de modo ilusrio e falso esta mesma realidade.

    Contudo, a ideologia sempre um discurso "lacunar", cheio de "bran-cos" e "vazios". Segundo Chaui (1984), a coerncia racional da ideologia est justamente nessas lacunas. A ideologia "no diz tudo e no pode dizer tudo" porque se quebraria por dentro. por esta razo que a ideologia no tem histria, pois, se explicitasse como produzida a vida em sociedade, deixaria de ser ideologia. Por isso, a ideologia sempre permanece no plano imediato do aparecer social, ou seja, toma a realidade como dada s e m investigar como foi produzida.

    Portanto, no a simples crtica a ideologia, no sentido de mudana das conscincias, que vai mudar a prxis social. A ideologia um fenme-no objetivo e no subjetivo. A fora motriz da histria, afirmam Marx e Engels (1984) no a crtica, mas a revoluo. Mas, qual seria o papel da crtica revolucionria ou da teoria? O papel da teoria (Chaui, 1994) no conscientizar, mas de ser a conscincia verdadeira em oposio a consci-ncia falsa. No se trata da teoria, ao contrrio da ideologia, tomar o lugar ou de ser guia da prtica. Ao contrrio, "a teoria est encarregada de des-

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  • A Cr t i ca de Marx e E n g e l s a o D o m n i o das I d i a s : A I d e o l o g i a

    vendar os processos reais e histricos enquanto resultados e enquanto condies da prtica humana em situaes determinadas, prtica que d origem existncia e conservao da dominao de uns poucos sobre todos os outros" (Chaui, 1994, PP- 80 e 81).

    Em seguida, a autora ressalta que a relao teoria e prtica revolu-cionria porque uma relao dialtica. E, por ser dialtica, no ideol-gica. A dialtica o movimento das contradies presentes na prxis soci-al. A teoria tem o papel de reproduzir no pensamento o movimento contradidrio do real, mediante uma anlise de investigao ativa do su-jeito. Conclui Chaui: "A relao entre teoria e prtica uma relao simul-tnea e recproca por meio da qual a teoria nega a prtica imediata, isto , nega a prtica como um fato dado para revel-la em suas mediaes e como prxis social, ou seja, como atividade socialmente produzida e pro-dutora da existncia social" (Idem, p. 81). Dessa forma, a teoria faz a crtica da ideologia sem se tornar ideolgica.

    Consideraes f inais

    Afirmar que a idelogia uma "falsa conscincia" um reducionismo diante da compexidade que tal conceito encerra. Como vimos, a compre-enso da idelogia pressupe conhecimetos sobre metafsica, idealismo, materialismo dialtico, alm de uma razovel anlise crtica da organiza-o do trabalho na sociedade e do homem como ser histrico. Enfim, a compreenso do fenmeno da idelogia requer a explicitao de uma viso de mundo, ou seja, do que a realidade?

    Pois, os homens alm de produzirem sua existncia produzem idi-as. Estas idias so uma representao fenomnica, imediata, de aparn-cia de seu ser social. E o ser social o mundo da "pseudoconcreticidade". "O mundo da pseudoconcreticidade um claro-escuro de verdade e enga-no. O seu elemento prprio o duplo sentido. O fenmeno indica a essn-cia e, ao mesmo tempo, a esconde. A essncia se manifesta no fenmeno, mas s de modo inadequado, parcial, ou apenas sob certos ngulos e as-pectos". (Kosik, 1995, p. 15). Sendo o real constitudo de uma aparncia e de uma essncia (lei do devir), v-se assim, que a ideologia uma das formas do aparecer social.

    Entendemos que a filosofia marxista a teoria mais adequada para desvendar o fenmeno da ideologia. a mais adequada porque parte do pressuposto que a ao - prxis social - anterior ao pensamento - cons-cincia. E como toda ideologia tem uma base material, o mtodo do mate-rialismo histrico dialtico um mtodo de investigao que, mediante anlise e sntese, desvenda o funcionamento da ideologia.

    Portanto, o combate idelogia um combate que tem de fundamen-

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  • J o s L u i z Z a n e l l a

    tar-se no aprofundamento terio-metodolgico da filosofia marxista. Pois, a ideologia um fenmeno complexo que, a exemplo de um inceberg, no se manifesta como realmente . Como expresso da prxis social em que as idias dominantes so as idias da classe dominante, podemos afirmar que a idelogia um poderoso instrumento de dominao. As idias, embo-ra sejam produtos da prxis social, dominam os homens. Desmistif icar esse poder das idias ideolgicas fundamental para aes que possibili-tem a superao da sociedade capitalista.

    Sobre a fora do d o m n i o das idias, d e s t a c a m o s aqui a construibuio de Gramsci ideologia. Gramsci toma a ideologia como sendo o "significado mais alto de uma concepo de mundo, que se mani-festa implicitamente na arte, no direito, na atividade econmica, em todas as manifestaes da vida individuais e coletivas" (Gramsci, 1999, pp. 98 e 99). Enfatiza que as ideologias possuem uma fora material, pois: "elas 'organizam' as massas humanas, formam o terreno no qual os homens se movimentam, adquirem conscincia de sua posio, lutam, etc." (Idem, p. 237).

    Entendemos que a concepo de ideologia de Grmansci como viso de mundo no nega a concepo de ideologia de Marx e Engels. Apenas amplia. No nega porque Gramsci parte do pressuposto do materialismo dialtico e faz a crtica a viso de mundo do senso comum, monstrando que essa mesma viso de mundo precisa ser levada, atravs do bom senso, a um "tipo superior" de viso de mundo que a viso de mundo coerente com a classe social e com os conhecimentos cientficos e filosficas mais avanados da humanidade.

    A b s t r a c t The article shows a sistematized interpretation of Marx and Engels's work called German Ideology It shows the thoughts have a materiality and are produced by the social praxis. It brings up the criticism of Marx about the metaphysics to explain the relationship between metaphysics and ideology. It also tries to find e lements that make possible the crit ic ism over ideology. The article ends b y enphasizing the necessity of a theoretica-methodological improvement based on Marxist philosophy in order to face ideology in the fight against the capi ta l is society K e y - W o r d s : Ideology, social praxis, historical materialism.

    Referncias Bibliogrficas

    CHAUI, Marilena. O que ideologia. 38a ed. So Paulo: Brasiliense, 1994-GRAMSCI, Antonio. Cadernos do crcere. Vol. 1. Rio de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 1999.

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  • A Cr t ica de M a r x e E n g e l s ao D o m n i o das I d i a s : A I d e o l o g i a

    K O S I K , Karel . Dialtica do concreto. 2a ed. Rio de J a n e i r o , R J : P a z e Terra ,

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    Notas 1 Professor de Filosofia da Educao da Universidade Estadual do Oeste do

    P a r a n , C a m p u s de F r a n c i s c o B e l t r o , F r a n c i s c o B e l t r o - P r . E - m a i l : z e l u i z @ w l n . c o m . b r .

    2 Este artigo nasceu de nossa necessidade de s istematizao da leitura que realizamos da obra A Ideologia Alem de Mane e Engels em estudos e reflexes real izadas no Grupo de Pesquisa "Estudos de Marx" no lt imo semestre de 2 0 0 3 .

    3 "(...) Segundo a concepo materialista da histria, o elemento determinante da histria ,. em ltima instncia, a produo e a reproduo da vida real. Nem Marx, nem eu dissemos outra coisa a no ser isto. Portanto, se algum distorce esta afirmao para dizer que o elemento econmico o nico determinante, transforma-a numa frase sem sentido, abstrata e absurda. A situao econmi-ca a base, mas os diversos elementos da superestrutura (...) exercem igual-mente ao sobre o curso das lutas histricas e, em muitos casos, determinam de maneira preponderante sua f o r m a . ( E n g e l s , in: Marx e Engels, 1987b, p. 39, grifos do autor).

    4 Segundo Marx e Engels (1984), as formas de propriedade foram: tribal, esta-tal ou comunal, feudal ou estamental e capitalista. Chau (1994) ressalta que a diviso do trabalho no apenas diviso de tarefas, mas a manifestao das diferenters formas de propriedade privada.

    5 C o n s i d e r a m o s a obra O que i d e o l o g i a de M a r i l e n a Chaui ( 1 9 9 4 ) uma execelente interpretao da obra A ideologia Alem de Marx e Engels. Por assim

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  • J o s L u i z Z a n e l l a

    e n t e n d e r , u t i l i z a m o s a obra de C h a u c o m o u m a c o m p l e m e n t a o de n o s s o s estudos e como referncia bsica desse texto.

    6 "As classes sociais so grupos de h o m e n s que se di ferenciam pelo lugar q u e o c u p a m num sistema histor icamente determinado de produo social , p o r s u a s relaes com os meios de produo (...), pelo papel que desempenham na organi-z a o d o t r a b a l h o , e, c o n s e q u e n t e m e n t e , pe lo m o d o c o m o o b t m a p a r t e d a r iqueza social de que d ispem e pe lo t a m a n h o desta. As classes so g r u p o s de h o m e n s , d o s quais uns p o d e m a p r o p r i a r - s e do trabalho de outros por o c u p a r posies di ferentes num regime d e t e r m i n a d o de economia social" (Lenin, a p u d S t a v e n h a g e n , 1 9 7 7 , p. 2 2 8 ) .

    Data de recebimento: 05/03/2004 Data de aprovaao: 3 1 / 0 3 / 2 0 0 4

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