8-Matemática com os olhos nas mãos - possíveis trilhas na construção de material adaptado para deficientes visuais no ensino médio regular[17312]

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    Matemtica com os olhos nas mos: possveis trilhas na construo de material

    adaptado para deficientes visuais no ensino mdio regular

    Hellen Castro Almeida Leite*Bruna Zution Dalle Prane**Ctia Aparecida Palmeira***

    ResumoDescrevemos algumas dificuldades e solues encontradas em uma experincia com alunos com deficinciavisual matriculados no ensino mdio. Tambm relatamos prticas desenvolvidas em sala de aula paragarantir a esses alunos o direito aprendizagem em matemtica. Apresentamos a importncia do uso domultiplano como ferramenta para o traado dos grficos de funes e a elaborao de material adaptado parao ensino de tabelas e grficos. Destacamos a importncia da parceria entre pesquisadores e toda a equipepedaggica, pois, em geral, a forma de aprender matemtica de um aluno desprovido do sentido da visoexige empenho e mudanas no planejamento docente. Trata-se de um campo frtil e carente de pesquisas.Ressaltamos a importncia dos licenciandos vivenciarem prticas inclusivas durante sua formao inicial, emespecial na sua rea especfica.

    Palavras-chave: incluso no ensino mdio, deficincia visual, estratgias de ensino de matemtica,elaborao de material adaptado.

    Mathematics with the eyes in the hands: possible ways of building up suitable material for teaching thevisually impaired in standard high school.

    Summary

    We describe some difficulties and solutions found in an experience with visually impaired students enrolledin high school. We also report on practices developed in the classroom to ensure these students have the rightto learn in mathematics. We show the importance of using a multiplan as a tool for drawing graphs offunctions and the preparation of suitable material for the teaching of tables and graphs. We emphasize theimportance of a healthy partnership among researchers and the entire teaching staff because, in general, the

    way a student with a visual impairment learns mathematics requires a lot of commitment from the teachingstaff and also changes in the school planning. It is a fruitful field for research and it is in great need of beingexplored further. We also underline the importance of undergraduates experiencing inclusive practicesduring their initial education, particularly in its specific area.

    Keywords: inclusion in high school, visual impairment, strategies for teaching mathematics, development ofsuitable material.

    Introduo

    ... eu entendo que o mundo no visto

    simplesmente em cor e forma, mas tambm

    como um mundo com sentido e significado.

    (Vygotsky, 1998, p. 44)

    Trabalhar com alunos com deficincia visualtotal constitui um grande desafio para qualquereducador do ensino regular. No ensino deMatemtica, esse desafio ainda maior, uma vezque a disciplina carrega o estigma de ser umamatria difcil de aprender e, para muitosprofessores, tambm difcil de ensinar. Aqui,relatamos uma pesquisa realizada no ano de 2009numa escola de ensino mdio. A professora regentedessa turma tinha experincia com alunos comdeficincia visual e alguns estudos sobre educaoinclusiva. Alm dela, participou uma professora

    universitria, que estuda e pesquisa sobre adeficincia visual, trs alunos de estgiosupervisionado, licenciandos em Matemtica e umagraduanda em Pedagogia.

    A professora regente, desde o seu primeirocontato com os alunos deficientes visuais em 2008,havia levantado algumas questes a seremconsideradas, que tornaram-se as perguntasnorteadoras de nossa pesquisa. Dentre elasdestacamos:

    (1) Como se comunicar matematicamentecom o aluno cego, uma vez que no se podemutilizar os recursos visuais que so to teis para aaprendizagem matemtica?

    (2) Como estimular este aluno a se interessarpela aprendizagem de matemtica?

    (3) Como assegurar que este aluno tenha asmesmas oportunidades de se expressar e departicipar ativamente das aulas?

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    Algumas solues para essas questes foramvivenciadas pela professora regente em 2008. Em2009, trabalhando com trs alunos cegos e umaaluna com baixa viso em uma mesma turma de 1ano de ensino mdio, os desafios se tornarammaiores. Algumas das situaes vivenciadas pelaprofessora regente, pela professora pesquisadora e

    os graduandos, seguem no decorrer deste texto.Durante o perodo de observao e

    interveno, nossos momentos de discussometodolgica foram embasados em Vianna (2007)e outros autores que tratam especificamente dadeficincia visual, como Flesch (2003), Caiado(2006) e Reily (2004).

    DAmbrosio (1996, p. 85) fala da grandeimportncia de se conhecer o aluno, exigindo do

    professor uma caracterstica de pesquisador. Aoconhecer os alunos do 1 ano, identificamos quetrs eram cegos e uma aluna tinha baixa viso. Dostrs alunos cegos, dois possuam domnio dasoperaes bsicas da matemtica e tambm daescrita Braille. A terceira aluna cega vivia uma fasede adaptao cegueira e apresentava muitasdificuldades em relao aos contedos bsicos daMatemtica, alm de estar comeando a aprender aescrita Braille. A participao da professora regenteem um grupo de estudos em Educao Matemticana UFES Universidade Federal do Esprito Santofoi um fator importante nesta experincia.Participar desse grupo ajudou a reconhecer a

    necessidade de fazer registros em aula e doautoconhecimento profissional.

    O Multiplano

    Ao fazer o planejamento do 1 ano, aprofessora regente constatou que abordaria o estudode funes e pensou em como planejar aulas quecriassem oportunidades para os alunos da turma seapropriarem desse contedo. Se o aluno for capazde construir e visualizar um grfico de uma funoem um sistema de coordenadas cartesianas,

    facilitar a sua compreenso do conceito de funo.Pensando nessa hiptese, a professora comeou aprocurar um material pedaggico adequado paraestimular os alunos cegos nessa aprendizagem.Fernandes (2004, p. 222-3) afirma que recebendoos estmulos adequados para empregar outrossentidos, como o tato, a fala e a audio, oeducando sem acuidade visual estar apto aaprender como qualquer vidente, desde que serespeite a singularidade de seu desenvolvimentocognitivo. Concordando com essa fala,encontramos apoio no documento produzido pela

    Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicasdo estado de So Paulo (CENP, 1993, p. 68) queregistra:

    Os recursos utilizados, desde que

    selecionados e adequados capacidade

    sensorial e nvel de desenvolvimento do

    educando e ao contedo a ser dominado, so

    considerados instrumentos valiosos no

    processo de aprendizagem do deficiente

    visual, medida que, numa explorao

    detalhada, lhe permitiro estabelecerrelaes, analisar, elaborar seus prprios

    conceitos e relatar; favorecero, ainda, a

    aquisio do hbito de busca, de pesquisa,

    de elaborao, habilitando-o ao esforo

    consciente para o desenvolvimento de sua

    prpria aprendizagem.

    Pensando na importncia de materialadequado, discutimos com os educandos aspossibilidades, decidindo ento, adotar como livro

    didtico para toda a turma um ttulo que o MECtambm disponibilizava em Braille. Neste livro,apareciam vrios grficos construdos utilizando oBraille. Porm, os alunos afirmaram ter muitadificuldade de reproduzir estes grficos utilizando amquina de escrever em Braille, ou mesmo oreglete. A ttulo de informao, acrescentamos quea escrita Braille pode-se realizar por vriasmaneiras: A mais antiga e a mais utilizada comreglete e puno. A pessoa prende o papel na

    reglete (Figura 1), e com o puno vai fazendotodos os pontos que formam as letras e outrossmbolos, inclusive os matemticos.

    Figura 1: Pessoa escrevendo em Braille usando reglete epuno. Disponvel em

    Acesso em 19/mar/2010.

    Aps algumas consultas em busca derecursos pedaggicos adequados descobrimos ummaterial adaptado para atender aos alunos cegos,

    que parecia muito apropriado para o estudo defunes ou de outros contedos matemticos: oMultiplano. Trata-se de um material pedaggicodesenvolvido pelo professor Rubens Ferronato em

    http://unesp.br/ses/upload_ses/portal_demo/3_20060804_105640.JPGhttp://unesp.br/ses/upload_ses/portal_demo/3_20060804_105640.JPG
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    2002, que se viu diante de um aluno cego para oqual deveria ensinar clculo diferencial e integral.Consiste em uma placa perfurada de linhas ecolunas perpendiculares, onde os furos so

    eqidistantes. Nos furos podem ser encaixadosrebites, que em sua superfcie apresenta aidentificao dos nmeros, sinais e smbolosmatemticos em Braille e em algarismos indo-arbicos, ambos em alto-relevo. Isto permite que omaterial seja manuseado por pessoas cegas evidentes, facilitando o trabalho do professor quepoder acompanhar o aluno na utilizao doinstrumento, mesmo sem conhecer a escrita Braille.Segundo Ferronato (2008, p. 59), o multiplanofacilita o ensino da matemtica,

    [...] independente de o aluno enxergar ou

    no, uma vez que pode observar

    concretamente os fenmenos matemticos

    e, por conseguinte, tem a possibilidade de

    realmente aprender, entendendo todo o

    processo e no simplesmente decorando

    regras isoladas e aparentemente

    inexplicveis.

    Tivemos acesso ao multiplano e ao seumanual de utilizao. As possibilidades de trabalho

    apresentadas por este material nos impressionaram.Havamos encontrado um material que iria resolverdificuldades imediatas com relao ao estudo degrficos de funes com os alunos cegos. Este foiapresentado aos alunos que se mostraram muitoestimulados ao manipularem e felizes com apossibilidade de terem um recurso paraparticiparem mais ativamente das aulas. Omultiplano foi muito importante para o trabalhorealizado com esses alunos em aulas deMatemtica, por possibilitar, entre outros, o traadode grficos em geral e, mais especificamente, das

    equaes do segundo grau.

    A importncia de material didtico especfico

    para o desenvolvimento conceitual dos

    aprendizes cegos

    Magalhes et al. (2002, p. 26) diferenciamdeficincia primria (o no ver) de deficinciasecundria (as barreiras pedaggicas) econcordamos quando defendem que algumasvezes, o que faz nascer a desvantagem do alunocom deficincia na escola no o no ouvir, o nover, mas o fato de a escola no encontraralternativas para adequar o processo de ensino-aprendizagem s peculiaridades destes alunos.

    Ao procurarmos por materiais didticosdisponveis, percebemos ento, a escassez dematerial adaptado, fato j constatado por Brito(2005, p. 57) em sua dissertao. Ela afirma que

    existem poucas tradues de livros didticos nalinguagem Braille e os materiais didticos soinsuficientes [...] Em virtude desse quadro, intui-seque o DV sente-se excludo da rede regular deensino. Baumel e Castro (2003, p. 97) afirmamque materiais e recursos so condicionantes deuma relao pedaggica eficaz, de respostas incluso dos deficientes visuais e de todos osalunos no processo escolar.

    Concordamos com Cerqueira e Ferreira(2000, p. 24), quando afirmam que em nenhumaoutra forma de educao os recursos didticosassumem tanta importncia como na educaoespecial de pessoas deficientes visuais, levando-seem conta:

    A carncia de materiais adequados podeconduzir a aprendizagem da crianadeficiente visual a um mero verbalismo,desvinculado da realidade;

    A formao de conceitos depende dontimo contato da criana com as coisas domundo;

    Alguns recursos podem suprir lacunas naaquisio de informaes pela crianadeficiente visual.

    Ochaita e Rosa (1995, p.183) afirmam que acegueira tem conseqncias sobre odesenvolvimento e a aprendizagem, tornando-senecessrio elaborar sistemas de ensino quetransmitam, por vias alternativas, a informao queno pode ser obtida atravs dos olhos. ConformeS, Campos e Silva, (2007, p. 21) as crianas cegasoperam com dois tipos de conceitos:

    Aqueles que tm significado real para elasa partir de suas experincias.

    Aqueles que fazem referncia a situaesvisuais, que embora sejam importantesmeios de comunicao, podem no seradequadamente compreendidos oudecodificados e ficam desprovidos desentido. Nesse caso, essas crianas podemutilizar palavras ou expressesdescontextualizadas, sem nexo ousignificado real, por no basearem-se emexperincias diretas e concretas. Essefenmeno denominado verbalismo e suapreponderncia pode ter efeitos negativos

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    em relao aprendizagem e aodesenvolvimento.

    Esses autores corroboram com Cobo,Rodriguez e Bueno (2003) ao afirmarem aimportncia da diversidade das experincias etarefas para a construo de conceitos pelos

    deficientes visuais. Segundo esses autores, taispessoas necessitam de grande estruturao dosconceitos para poder assimil-los e propiciar umdesenvolvimento e aprendizagem posterior, aocontrrio dos indivduos videntes, que verificamgrande quantidade de conceitos de maneiraespontnea, graas viso.

    Durante pesquisas exploratrias com alunosdesprovidos de viso, Leite et al. (2010)perceberam como muitas vezes alguns assuntos noso abordados simplesmente por no saber comofaz-lo. O tratamento da informao um contedoimportantssimo para todo aluno. Ento, nada maisnatural que todos tenham acesso a esseconhecimento dentro da escola. Por ter limitaes,os alunos cegos precisam de materiaisespecialmente desenvolvidos para o ensino-aprendizagem desse contedo.

    Mesmo quando um assunto pareceimpossvel de ensinar para um determinado grupode alunos, se desenvolvemos um olhar atento ecurioso e uma postura de professor investigador, nosentido de encontrar uma possvel soluo para um

    desafio que instiga, muito provavelmenteencontraremos uma forma vivel de ensinar.Foi o que aconteceu quando atravs de

    observao participante e pesquisa-aoidentificamos a necessidade de recursospedaggicos especficos para o ensino de ligaesqumicas covalentes e dativas (Leite, Ronchi ePereira Neto 2010) e de construo e interpretaode tabelas de dupla entrada e grficos estatsticos(Leite et al., 2010). Tais experincias nos levaram aconcordar com Blanco (1995) quando afirma quealguns alunos com necessidades educativas

    especiais podem atingir os mesmos objetivos queseus colegas, se contam com as adaptaesnecessrias nos materiais de ensino-aprendizagem.

    Outros materiais construdos e testados

    Outros fatores contriburam para o trabalhocom esses alunos no segundo semestre do anoletivo de 2009. O principal deles foi aquelerealizado pela professora universitria com trs

    estagirios licenciandos em matemtica. Destes, umera bolsista PET-Matemtica e tambm fez o seuestudo dirigido no ensino de Qumica para

    deficientes visuais, juntamente com uma graduandaem pedagogia, bolsista da pr-reitoria de extensoda mesma universidade qual a professorapertence, o que resultou no artigo de autoria deLeite, Ronchi e Pereira Neto (2010). Alm disso,havia o interesse da professora universitria em queseus alunos licenciandos vivenciassem os desafios e

    possibilidades de ensinar matemtica para alunosdesprovidos do sentido da viso. Ao prepararem oplanejamento do estgio, a professora regente e aprofessora universitria decidiram que oslicenciandos deveriam trabalhar o tema tratamentoda informao, pois assim, poderiam desenvolveraulas com produo de material diferenciado paraatender aos alunos com deficincia visual.

    O tratamento da informao, apesar de serrecomendado pelos Parmetros CurricularesNacionais de Matemtica (Brasil, 2000) que sejatrabalhado desde os primeiros ciclos, geralmenteno um contedo muito explorado no ensinofundamental. Atravs de nosso trabalho em sala deaula, percebemos que organizao de dados emforma de tabelas e grficos apresenta duasdificuldades adicionais para o aluno deficientevisual, que destacamos a seguir:

    1) No seu cotidiano ele raramente se deparacom grficos e tabelas. Por exemplo, ele no temacesso s tabelas nutricionais das embalagens dealimentos e os grficos encontrados facilmente nosjornais. Mesmo quando as embalagens apresentam

    alguma informao em Braille, est resumida e emforma de texto.2) Os recursos disponveis na escrita em

    Braille, tanto com o uso da mquina Perkins,quanto a escrita manual com reglete e puno, nooferecem facilidades para a escrita de tabelas egrficos. Por exemplo, fazer um trao vertical possvel, porm, muito trabalhoso e poucofuncional. Quanto aos sintetizadores de voz,funcionam bem para texto, mas tambm apresentammuitas limitaes para disciplinas que usamnomenclaturas e smbolos especficos, como o

    caso da matemtica.Para iniciar a abordagem do assunto emquesto, pensamos em uma atividade que fosserealmente inclusiva, ou seja, da qual todospudessem participar e compreender, em igualdadede condies. Decidimos, ento, comear com aconstruo de um grfico de colunas pararepresentar a frequncia do nmero de irmos dosalunos da sala. Poderamos escolher entre painel demetal para fotografia, prateleira de armrio de ao,lata de biscoito quadrada, ou outra chapa imantadaque pudesse ser levada para a sala de aula. Os eixos

    foram feitos com um tipo de m estreito, vendido ametro em grandes armarinhos e lojas para artesos.Cada aluno recebeu um quadrado de borracha E. V.

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    A. (etileno vinil acetato) com um m colado atrs eo colocou no lugar correspondente ao nmero deseus irmos. Com isso, o grfico foi sendo formadoe eles entenderam que aquela construo trazia

    informaes sobre todos os alunos da sala. Osalunos com deficincia visual tambm foram frente e, aps tocarem a chapa imantada com oseixos, colocavam o seu m no lugarcorrespondente. Quando todos terminaram, osdeficientes visuais tocaram todo o grfico. Paratoda a turma foram feitas perguntas para noscertificarmos de que as informaes contidas nogrfico foram bem assimiladas por todos os alunosda turma. As aulas seguintes foram concebidasnessa mesma perspectiva, e foram apreciadas pelosalunos, principalmente os alunos com deficinciavisual, que se mostravam cada vez maisentusiasmados com o material e com as aulas. Afoto a seguir servir para melhor compreenso.

    Figura 2: Foto do grfico de barras construdo pelosalunos videntes e os deficientes visuais. Fonte: as

    autoras.

    No que tange elaborao de material

    especfico, ao procurarmos na literatura,encontramos que a adequao do material tem queser feita de modo a facilitar a compreenso doaluno. O material deve ser de fcil explorao eresistente ao manuseio. (S, Campos e Silva, 2007).Ao trabalharmos com tabelas, percebemos que elasno podem ser grandes, pois, desta forma, nopermitem uma varredura pelas mos do cego,para que ele possa, usando um vocabulrio devidentes, terem uma viso do todo.

    Trabalhamos, a princpio com uma tabelaconstruda numa folha de papel cenrio. Para as

    bordas, usamos cola em alto relevo para facilitar apercepo dos alunos. Cada clula deveria serpreenchida com uma pea dos blocos lgicos,

    devidamente adaptados para que a caracterstica corfosse substituda por texturas diferenciadas (lixa,camura e EVA texturizado). Como a tabela pegavatoda a extenso do papel cenrio, os alunos tiveram

    uma enorme dificuldade ao preench-la. Pois,mesmo parecendo ser uma tarefa fcil para alunosdo ensino mdio, notamos uma limitaoinesperada: para preencher tabelas o deficientevisual precisa constantemente passar as mos sobreas informaes, ou seja, a primeira linha e aprimeira coluna. Assim, se a tabela muito grande,dificulta a coordenao da informao da linha coma informao da coluna. O que para ns videntespode parecer natural, o fato de cruzarmos ainformao da linha com a coluna para decidirmosqual pea deve preencher a clula, para o aprendizdesprovido de viso, torna-se algo bem maiscomplexo que para um vidente. Desta forma,quanto maior a tabela, mais distantes ficam asinformaes e mais difcil coorden-las. A fotopoder esclarecer melhor:

    Figura 3: Foto de uma das tabelas de tripla entradaconstruda para o trabalho com alunos deficiente visuais,

    posteriormente substituda por uma menor. Fonte: asautoras.

    Aps verificar essas dificuldades,produzimos tabelas menores em pedaos decartolina, com os mesmo materiais usados na tabelaanterior. A foto a seguir ilustra uma das vriastabelas de dupla entrada utilizada para o trabalhoespecfico com os alunos deficientes visuais. Na

    primeira linha, o atributo a ser considerado o

    formato das peas, que foi desenhado utilizandocola colorida. Na primeira coluna, foi escrito em

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    Braille e em tinta grosso e fino (na segunda eterceira linha respectivamente).

    Figura 4: Foto de uma das tabelas de dupla entradaconstruda para o trabalho com alunos deficientes

    visuais. Fonte: as autoras.

    Outro fato que ajudou bastante o aprendizadodos alunos foram aulas de reforo de Matemticaduas vezes por semana, aps o trmino das aulasregulares, para complementao da carga horria daprofessora regente. Nessas aulas, reforvamosconceitos bsicos de Matemtica, bem comoaqueles estudados em sala de aula, e todos oslicenciandos participavam. Algumas vezes,inclusive, confeccionamos o material adaptado,como foi o caso da tabela mostrada na figuraanterior.

    Aplicabilidade do conhecimento construdo

    O trabalho escolar de final de ano foidecidido como sendo uma feira cultural e deveriamescolher um dentre os trs temas geradores:mangue, praia e mata atlntica. Os alunos do 1 anoque haviam se apropriado do conhecimentorelacionado construo de tabelas e grficosoptaram pela pesquisa do ecossistema mangue. Ogrupo formado pelos quatro alunos deficientesvisuais era o mais empolgado da turma e decidiupesquisar sobre o mangue. Na primeira semanarelataram as dificuldades em encontrar informaese as mudanas no direcionamento da pesquisa. Nomangue que haviam escolhido para pesquisar, noera permitida a explorao pelo homem. Nassemanas seguintes, sempre informavam sobre oavano dos trabalhos e do apoio que estavamrecebendo da professora pesquisadora, dos alunosuniversitrios e da professora de apoio aos alunosdeficientes visuais, que os atendia no turnovespertino. Inclusive, uma aluna universitria, osacompanhou em uma visita a um dos mangues

    pesquisados.O grupo dos alunos deficientes visuaispreparou uma excelente apresentao. Construramtabelas e grficos sobre o consumo de produtos

    extrados de um determinado mangue da GrandeVitria. Construram com material reciclado,jornais e revistas, grficos e tabelas em alto relevo,contendo toda parte escrita transcrita em Braille.Tanto os visitantes videntes como os cegos, podiamapreciar os trabalhos e ter acesso s informaespesquisadas pelo grupo. A mostra foi um sucesso

    para toda a escola, mas para os alunos comdeficincia visual, foi um grande acontecimento.Toda a comunidade escolar foi surpreendida com aqualidade do trabalho e como eles se apropriaramdas informaes pesquisadas. Como os demaisalunos, permaneceram durante todo o tempo daMostra explicando para os visitantes sobre osresultados do seu trabalho. As fotos a seguir soexemplos de material produzido por eles, com oapoio dos licenciandos e da profissional deAtendimento Educacional Especializado - AEE daescola.

    Figura 5: Foto de um grfico de setor construdo pelosalunos deficientes visuais com auxlio dos graduandos eda profissional de AEE para a mostra cultural com dados

    sobre o ecossistema mangue. Fonte: as autoras.

    Figura 6: Foto de duas tabelas construdas pelos alunosdeficientes visuais com auxlio dos graduandos e da

    profissional de AEE para a mostra cultural com dadossobre o ecossistema mangue. Fonte: as autoras.

    A repercusso

    A professora regente participava comocoordenadora de um grupo de estudos noMulticurso Matemtica1. Essa uma formao

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    continuada de professores realizada atravs daparceria entre a Secretaria da Educao do Estado ea Fundao Roberto Marinho. Em um dosencontros de 2009, ela relatou sua prtica com a

    incluso de alunos com deficincia visual em salasde ensino regular. O trabalho foi selecionado parareceber a equipe do Multicurso e participar dagravao de um vdeo. Para todos os alunos daturma foi uma experincia empolgante, poistiveram a oportunidade de falar sobre o cotidianodas aulas e divulgar o trabalho que realizaram paraa mostra, alm de vivenciarem a dinmica de umagravao profissional. Os alunos videntes deramseus depoimentos sobre a convivncia com oscolegas deficientes visuais, vice-versa. Umaemissora de televiso local tambm realizou umareportagem sobre a gravao desse vdeo comdepoimentos da professora regente, dos alunos doensino mdio e dos universitrios envolvidos.

    Concluindo: convite reflexo

    As experincias aqui relatadas nos convidama algumas reflexes, dentre as quais, destacamos:

    (1) A importncia de recursos pedaggicosadaptados para garantir que os educandos comdeficincia visual possam atingir os mesmos nveis

    de aprendizagem matemtica de seus colegasvidentes.(2) A necessidade de se repensar o apoio ao

    professor regente, uma vez que a elaborao eproduo de materiais pedaggicos diferenciadospara os alunos com deficincia visual, demandamtempo, empenho e criatividade.

    (3) A relevncia de grupos de estudo epesquisa bibliogrfica sobre experincias bem-sucedidas e limitaes e possibilidades dos alunoscom tais caractersticas.

    (4) Podemos refletir tambm sobre a

    importncia de estabelecermos parcerias entre asescolas de educao bsica e as universidades,mantendo um dilogo constante para a produo deum conhecimento que possa ser compartilhado evivenciado por todos.

    (5) A necessidade de se reservar tempo nacarga horria do professor regente e dos alunosdeficientes visuais para que se renam com oscolaboradores externos ou internos para a produode material e adaptao de metodologias.

    A registrar que, apesar do sucessoreconhecido por todos os envolvidos, infelizmente,

    no ano letivo de 2010 no houve mais espao naestrutura curricular para essas aulas devido a umareestruturao na carga horria escolar.

    Finalmente, destacamos que, a construo demateriais adaptados e de metodologias especficas,para as diversas reas do conhecimento escolar, emespecial no ensino mdio, constitui-se um campo

    frtil para pesquisas. Em geral, os profissionais quepesquisam trilhando os caminhos da educaoinclusiva no so os licenciados nas reasespecficas, o que, muitas vezes, pode se tornar umempecilho para o aprofundamento e a compreensode alguns contedos.

    Nota:

    1 Mais informaes disponveis em

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    VYGOTSKY, L. S. A formao social da mente.Org. Michael Cole et al. 6 ed. So Paulo: MartinsFontes,1998.

    Sobre as autoras:

    Hellen Castro Almeida Leite: Licenciada em Matemtica (2002) e mestre em Educao (2004) peloPPGE/UFES. Especialista em deficincia visual. Professora do Centro de Educao da UFES e coordenadorado PIBID/Pedagogia, atuando nos seguintes temas: deficincia visual, estgio supervisionado e ensino dematemtica e cincias. Email:[email protected]

    Bruna Zution Dalle Prane: Licenciada em Matemtica (2009) pela UFES. Psgraduada em Educaoinclusiva pelo CESAP (2010). Assistente tcnica da Escola de Gestores UFES. Professora da redeparticular e Estadual de ensino e do curso de Pedagogia da Faculdade de Educao (FDE). Email:[email protected]

    Ctia Aparecida Palmeira: Licenciada em Matemtica (1999) pela Universidade Federal do Esprito Santo(UFES). Mestranda em Educao pelo PPGE/UFES. Professora efetiva da rede estadual de ensino do Estadodo ES. Formadora de professores do programa Gestar II - Matemtica. Email: [email protected]

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]