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80 INTELIGÊNCIAARTIFICIALArlindo Oliveira, presidentedo Técnico, antevê robôs
com "direitos" e "um certo
tipo de consciência"
"Robôs inteligentesterão consciência"
«INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL»
Arlindo Oliveira, presidente do Instituto Superior Técnico, antevê que os agentes inteligentes irãoter "direitOS" e "um CertO tipo de Consciência" / Texto João Ramos / Fotos Tiago Miranda
O Numa altura em que a inteligência ar-tificial (IA) está a invadir as nossas vidas,Arlindo Oliveira publica o livro The DigitalMina, em que defende uma tese polémica:os avanços da ciência e tecnologia podempermitir à humanidade criar "seres digi-tais" dotados de consciência.
Porque razão a IA foi durante anos umaárea científica com poucas aplicaçõespráticas e só agora está a haver uma ondade entusiasmo?A IA tem tido altos e baixos e foi mudandoao longo dos anos. A versão mais tradicio-nal, dos anos 70, que os ingleses chamamde "good oldfashion AI", é a que tentou
reproduzir o comportamento inteligentedos humanos. Teve impacto em várias
áreas, como a otimização de processos. A
portuguesa Siscog, que surgiu para otimi-zar os horários dos comboios, é um bom
exemplo. Esta abordagem durou váriasdécadas e deu resultados interessantes,mas não tão sofisticados como se pensava.Ao fim de alguns anos percebeu-se que o
comportamento humano é muito difícil de
formalizar e escrever regras. Curiosamen-
te, estes sistemas de IA tornaram-se muitobons a jogar xadrez ou a otimizar e planearhorários mas nunca conseguiram produ-zir robôs que fizessem coisas tão simplescomo atravessar a rua, subir uma escada
ou dobrar uma peça de roupa.
O que mudou nesta última vaga da IA?
Após períodos de deceção e de entusias-
mo, em vez de tentar formalizar o com-
portamento da inteligência humana,tentou-se encontrar métodos para queas máquinas aprendessem por si: a cha-mada machine learning (aprendizagemautomática). É uma área que está muitoforte e que tem muita gente a trabalharnela. Isto acontece acoplado ao facto de
existirem agora muitos dados acumuladosatravés da Internet, redes sociais, máqui-nas fotográficas digitais, sensores, micro-fones, etc. Hoje, os sistemas são capazesde manipular volumes maciços de dados,
que lhes permitem reconhecer objetos ouseres vivos. Por exemplo, já há sistemas
que distinguem um cão de um gato. Isto
não existia há 20 anos. Não havia milhõesde viagens de carros registados ao detalhe
para que uma máquina pudesse apren-der. Nem havia a capacidade de processa-mento da atualidade. Também surgirammétodos de aprendizagem que, não sendoradicalmente novos, sofreram melhorias
significativas, dando origem ao chamado
deep learning (aprendizagem profunda).Isto vem de uma teoria antiga das redes
neuronais, que apareceu na década de 70mas que não progrediu por não haver naaltura capacidade de computação nemgrandes volumes de dados. Agora já se
conseguem fazer coisas bem interessan-
tes, como conduzir um automóvel, fazerreconhecimento facial ou da fala. São
exemplos os assistentes pessoais Alexa,da Amazon, e Home, da Google. Aindaestamos relativamente longe de sistemas
que sejam completamente inteligentes e
comparáveis com os humanos, mas já es-
tamos muito próximos em algumas tare-fas específicas, que terão grande impactona economia e na sociedade.
Quais?É o caso dos agentes inteligentes que subs-tituem pessoas nos centros de contactotelefónico. Há um enorme potencial paraque muitos cargos sejam ocupados, tor-nando-se uma ameaça ao pleno emprego.As mais ameaçadas são aquelas profissõesintermédias, como as administrativas. Emcerta medida, até os jornalistas, na escritade peças que não exigem grande nível de
profundidade, como o relatório diário dabolsa de valores.
Como está a IA em Portugal?O país está bem posicionado. Há um nú-mero crescente de grupos de investigaçãoportugueses dedicados a esta área. No Ins-tituto Superior Técnico sempre houve essa
tradição, que foi iniciada pelas pessoas
que fundaram a Siscog - Ernesto Mor-gado e João Pavão Martins. Por exemplo,o professor Mário de Figueiredo é umdos maiores especialistas mundiais emaprendizagem automática. E temos outros
grupos relevantes em agentes inteligentes,robótica ou emoção dos computadores.Também a Universidade do Porto, a deCoimbra e a Nova de Lisboa têm gruposrelevantes de lA. ?
O futuro da inteligência Arlindo Oliveira defendeque o atual novo fôlego da inteligência artificialirá permitir criar uma nova geração de sistemas"conscientes". Parceiros ou rivais dos humanos?
> E passagem do conhecimento para o
mundo dos negócios?Também estamos bem posicionados. Alémda Siscog, há uma nova vaga, em que se
destaca a Feedzai, que aplica técnicas de
machine learning na deteção de fraudes.A Unbabel faz tradução automática e a
Talkdesk também usa algumas técnicasde IA no software para call centers. E hávárias startups que estão a aplicar estas
técnicas aos seus nichos de mercado.
Mas não são as grandes multinacionais
que estão a investir mais em IA?É verdade. As famosas GAFA (Google,Amazon, Faccbook c Apple) c a Micro-soft estão a gastar fortunas nesta área. E
não podemos esquecer a IBM, que teminvestido em sistemas cognitivos comoo Watson. Estão a criar uma plataformaaberta, a Open lA, para que não se estejaa reinventar a roda. E há outras empresasque usam a IA na analítica de negócios,como é o caso da SAS.
Apesar de haver grupos de investigação,há massa crítica em Portugal em termosde recursos humanos?Toda a área das tecnologias de informaçãoe comunicação (TIC) está sob grande pres-são do mercado. Se tivéssemos o dobro ou
o triplo de profissionais a serem formados,todos teriam emprego. Nesse âmbito, a área
de IA é relevante, mas é uma entre várias.
Há uns anos, até tínhamos o problema ao
contrário: formávamos muitas pessoas emIA e não tinham assim tanta saída. Agoratemos a situação inversa: a oferta não chega
para a procura. Não estamos a falar só de
engenharia informática, também as pes-soas com formação em áreas como mate-mática aplicada ou engenharia biomédicatêm formação base nesta área. A iniciativado Ministério da Educação InCode, queprocura chamar para esta área de progra-mação de computadores profissionais de
áreas científicas, poderá ajudar, mas nãoresolve o problema. Nem todos têm de
ser doutorados ou mestres. Os institutos
politécnicos também têm um importan-te papel a desempenhar na formação de
especialistas em TIC. Mas para criar novas
empresas e novos serviços é preciso umaformação avançada. Há empresas que se
querem instalar em Portugal e já não con-
seguem encontrar quadros qualificados.
LIVRO
Como a ciênciípode redefinira humanidade
"O que é que os computadores, ascélulas e os cérebros têm em comum?"Este é o ponto de partida do livro The
Digital Mmd, da autoria de ArlindoOliveira, recentemente publicadoem língua inglesa pela editora norte--americana The MIT Press. O atual
presidente do Instituto Superior Técnico
começa por dar uma resposta óbvia:
"Os computadores são equipamentoseletrónícos desenhados por humanos;as células são entidades biológicas
que foram criadas através da evolução;os cérebros são os contentores eos criadores do nossa consciência."
Depois identifica um traço comum:"Os computadores, as células e oscérebros são, de uma forma ou de
outra, dispositivos de processamentode informação." O autor, que édocente universitário em Ciências da
Computação, constata também que "a
capacidade do cérebro humano não foi
até agora igualada por qualquer máquinaexistente ou ser vivo conhecido".Talvez não por muito tempo, graças aos
avanços na ciência e tecnologia, queestão a criarseres digitais. "A consciência
não é uma característica puramentehumana", defende o autor ementrevista à EXAME. Uma tese que nãoé consensual na comunidade científica
e que tem uma explicação para Arlindo
Oliveira: "À medida que os sistemasse tornarem mais sofisticados eacumularem informação e competênciasem áreas mais diversas, irão adquirindouma coisa parecida com consciência."
Uma visão que traz consigo diversas
interrogações de ordem metafísica,centrais para o futuro da humanidade e
que até agora eram apenas suscitadasnos romances e filmes de ficçãocientífica. Será o cérebro humano o
único sistema capaz de hospedar um
ser com consciência? Caso esses seres
digitais com consciência venham a seruma realidade, quais os problemas e
implicações sociais, legais e éticas?Serão esses seres digitais parceiros dos
humanos ou podem tornar-se rivais?
Estas são algumas das perguntas a queArlindo Oliveira procura responder.
Recebo quinzenalmente potenciais inves-tidores que pedem 300 engenheiros infor-máticos. Digo lhes que são bem vindosmas que nada posso fazer e que vão ter quecompetir com outros investidores por esse
talento. No Técnico tentamos responder às
solicitações do mercado de trabalho. Por
exemplo, vamos criar um mestrado emData Science (ciência dos dados) para pes-soas com formação superior quantitativa.
O seu livro 77ie Digital Mmd abordatambém as implicações civilizacionaisda lA. O que se perspetiva a curto e médio
prazo?Para tentar antecipar o que aí vem devemosverificar o que aconteceu com a Primeira
Revolução Industrial. As pessoas trabalha-vam no campo e mudaram se para os cen
tros urbanos para trabalhar em fabricas e
grandes empresas. Depois, a revolução dos
computadores alterou um pouco a nossa
vida, porque passámos a ter telemóvel e
computador em casa. Mas na componentesocial não houve grandes mudanças. Vive-mos numa sociedade que não se alterouassim tanto entre estas revoluções indus-triais. O que a IA pode trazer, em poucasdezenas de anos, é uma mudança profun-da, em que desaparece o trabalho fabril e a
ideia de pleno emprego e começa a havertrabalho a tempo parcial. A outra alteraçãomais profunda tem a ver com a chegada de
tecnologias tão disruptivas como a realidade
virtual. Até podemos chegar a situações que
parecem ficção cientifica: o aparecimentode outros seres que não são humanos, como
sejam robôs, com um elevado nível de in-
teligência e com direitos. Ainda estamos a
dezenas de anos para se j ustificar essa preo-cupação, mas também não vai ser na vés-
pera que se devem discutir essas questões.
Os robôs e agentes inteligentes tambémtêm direitos?É uma questão séria, mas que levará algumtempo a colocar-se. A União Europeia jálançou esta discussão, que tem implica-ções práticas. Quando um carro autónomo
atropelar uma criança por ter tido uma má
decisão, de quem é a culpa? Dos projetis-tas do software? Do fabricante do carro?
Da autarquia, que não colocou um sinal?
Todos os sectores de atividade irão serafetados pela IA? Incluindo o sectorindustrial?
Todas as áreas vão ser afetadas, umas maisdo que outras. Há situações cm que a auto-
mação ou robotização não faz sentido poruma questão económica, porque é mais
vantajoso pagar salários a pessoas em vezde fazer fortes investimentos em robôs.
Como iremos proteger a privacidade coma IA a invadir as nossas vidas?No futuro, poderemos ter sistemas sofisti-cados a controlarem os nossos movimen-tos. Vai ser muito difícil conservar a pri-vacidade individual. Atualmente há muita
informação sobre os nossos movimentos,registada através das passagens na Via Ver-de ou dos levantamentos feitos através do
cartão bancário, informação essa que nãoc coligida numa entidade central.
O livro Homo Deus, de Yu vai NoahHarari,afirma que a humanidade caminha parao "dataísmo", o fascínio pelos dados.Concorda?Harari tem uma perspetiva interessan-
te, mas não acho que cada pessoa se irátransformar num simples modelo de umsistema dominado pela informação.
Até que ponto uma máquina pode serconsciente e tersentimentos?Essa questão entra no campo da metafí-sica. Ter consciência, para alguns, é teralma. As visões, aí, são variadas. Há pes-soas que acham que os sistemas se podemtornar muito sofisticados mas que nuncachegarão a adquirir consciência, uma ca-racterística puramente humana. Eu não
partilho dessa teoria. Defendo que, à me-dida que os sistemas se tornarem maissofisticados e acumularem informaçãoe competências em áreas mais diversas,irão adquirindo uma coisa parecida comconsciência. Nos seres humanos tambémnão sabemos muito bem o que é cons-ciência. Defendo que a consciência é umefeito lateral de um processo muito com-plexo que tem a ver com autopreservaçãoe o instinto para nos mantermos intactos.Da mesma forma, à medida que os siste-mas inteligentes irão sendo mais comple-xos e procurarem cumprir uma missão,
começarão a exibir consciência. Porém,nunca teremos forma de saber se essas
máquinas são conscientes, da mesma for-ma que não sabemos se uma pessoa é, ou
não, consciente. O