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a criação do fundo de garantia do mercosul: vantagens e proposta

854-A Criacao Do Fundo de Garantia Do Mercosul

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  • a criao do fundo de garantia do mercosul:vantagens e proposta

  • ministrio das relaes exteriores

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    fundao alexandre de gusmo

    Presidente Embaixador Gilberto Vergne Saboia

    Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais

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    Centro de Histria e Documentao Diplomtica

    Diretor Embaixador Maurcio E. Cortes Costa

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao Ministrio das Relaes Exteriores e tem a fi nalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionais e para a poltica externa brasileira.

    Ministrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo, Sala 170170-900 Braslia, DFTelefones: (61) 3411-6033/6034/6847Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.br

  • Braslia, 2011

    A Criao do Fundo de Garantia do Mercosul:Vantagens e Proposta

    rodrigo de azeredo santos

  • Direitos de publicao reservados Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia DFTelefones: (61) 3411-6033/6034Fax: (61) 3411-9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

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    Impresso no Brasil 2011

    CDU: 339.564

    Ficha catalogrfica elaborada pelaBibliotecria Sonale Paiva - CRB /1810

    Santos, Rodrigo de Azeredo.A criao do fundo de garantia do Mercosul :

    vantagens e proposta / Rodrigo de Azeredo Santos. Braslia: Fundao Alexandre de Gusmo, 2011.

    272 p.

    ISBN 978-85-7631-321-2

    1. Exportao. 2. Comrcio Internacional. 3. MERCOSUL.

  • Lista de Tabelas

    Tabela 1.1 - Garantias, Financiamentos e Exportaes em Pases Selecionados (2004-2005)

    Tabela 1.2 - Negociaes recentes de bnus soberanos de pases selecionados no mercado internacional

    Tabela 1.3 - CCR - Transferncias antecipadas (2006)

    Tabela 2.1 - BNDES: Evoluo dos Desembolsos para Financiamento s Exportaes (2000-2007)

    Tabela 2.2 - BNDES-EXIM - Desembolso por pas da Amrica do Sul (US$ MIL)

    Tabela 2.3 - BNDES-EXIM - Desembolsos por modalidade de apoio exportao (US$ Milhes)

    Tabela 2.4 - BID - Carteira com pases da Amrica do Sul

  • Lista de Abreviaturas e Siglas

    ACC Adiantamento de Contrato de CmbioACE Agncia de Crdito ExportaoALADI Associao Latino-Americana de IntegraoALALC Associao Latino-Americana de Livre ComrcioBACEN Banco Central do BrasilBANDES Banco de Desarollo Econmico y Social de VenezuelaBEI Banco Europeu de InvestimentosBID Banco Interamericano de DesenvolvimentoBNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e

    SocialCAF Corporao Andina de FomentoCAMEX Cmara de Comrcio ExteriorCAN Comunidade Andina de NaesCASA Comunidade Sul-Americana de NaesCCR Convnio de Pagamentos e Crditos Recprocos da

    ALADICIC Comit Intergovernamental Coordenador dos Pases

    da Bacia do PrataCII Corporao Interamericana de InvestimentoCIRR Commercial Interest Reference RatesCMC Conselho do Mercado Comum

  • COFIG Comit de Financiamento e Garantia s ExportaesCONCEX Conselho Nacional de Comrcio ExteriorFAT Fundo de Amparo ao TrabalhadorFGE Fundo de Garantia ExportaoFGM Fundo de Garantia do MERCOSULFINEX Fundo de Financiamento ExportaoFLAR Fundo Latino-Americano de ReservasFMI Fundo Monetrio InternacionalFOCEM Fundo para a Convergncia Estrutural do MERCOSULFOMIN Fundo Multilateral de InvestimentosFONPLATA Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia

    do PrataFUMIN Fundo Multilateral de Investimentos do BIDGANCEFI Grupo de Alto Nvel criado para tratar da convergncia

    estrutural no MERCOSUL e do financiamento ao processo de integrao

    GMC Grupo Mercado ComumIIRSA Iniciativa para a Integrao da Infraestrutura Regional

    da Amrica do SulMERCOSUL Mercado Comum do SulMPOG Ministrio do Planejamento, Oramento e GestoMRE Ministrio das Relaes ExterioresOCDE Organizao de Cooperao para o Desenvolvimento

    EconmicoOMC Organizao Mundial do ComrcioPPP Parceria Pblico-PrivadaPROEX Programa de Financiamento s ExportaesRMCCI Regulamento do Mercado de Cmbio e Capitais

    InternacionaisSBCE Seguradora Brasileira de Crdito ExportaoSCE Seguro de Crdito ExportaoSEPLAN Secretaria de Planejamento da Presidncia da RepblicaSGT Subgrupo de Trabalho do MERCOSULSINOSURE China Export and Credit Insurance CorporationSPB Sistema de Pagamentos BrasileiroUE Unio EuropeiaUNASUL Unio das Naes Sul-Americanas

  • Sumrio

    Introduo, 13

    Captulo 1 - A importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes, 19

    1.1 A poltica atual das Agncias de Crdito Exportao, 191.2 Instrumentos pblicos de seguro e de garantia disponveis no

    Brasil, 271.2.1 O Fundo de Garantia Exportao (FGE) e o Seguro de

    Crdito Exportao (SCE), 271.2.2 O Convnio de Pagamentos e Crditos Recprocos (CCR), 38

    Captulo 2 - O BNDES e as instituies financeiras multilaterais regionais, 61

    2.1 O BNDES-EXIM: importncia e limitaes para o financiamento da integrao regional, 612.1.1 O BNDES e as exportaes de longo prazo, 612.1.2 As dificuldades para a ampliao da atuao do Banco, 662.1.3 As restries para a utilizao dos recursos do Banco, 70

    2.2 O sistema de garantias da CAF e as dificuldades de cooperao com o BNDES, 75

    2.3 Possibilidades de cooperao do BID com o BNDES e com os Fundos MERCOSUL, 85

  • Captulo 3 - Antecedentes da criao de mecanismos financeiros do MERCOSUL, 95

    3.1 O Tratado da Bacia do Prata e o FONPLATA, 95 3.1.1 A criao, os objetivos e a organizao do FONPLATA, 983.2 A deciso de transformar o FONPLATA em Banco de

    Desenvolvimento do MERCOSUL, 1013.3 As discusses sobre reduo de assimetrias e a criao do

    FOCEM, 1073.4 As negociaes para a criao do Banco do Sul, 115

    Captulo 4 - A transformao do FONPLATA em Fundo de Garantia do MERCOSUL, 127

    4.1 O desenvolvimento institucional do FONPLATA, 127 4.1.1 Projetos concludos (at 31 de dezembro de 2006), 131 4.1.2 Projetos em fase de execuo (at 31 de dezembro de

    2006), 133 4.1.3 Emprstimos recm-aprovados (2003-2006), 134 4.1.4 Solicitaes em processo de anlise (at 31 de dezembro

    de 2006), 135 4.1.5 Projetos Binacionais (at 31 de dezembro de 2006), 136 4.1.6 Cooperao Tcnica (at 31 de dezembro de 2006), 1364.2 Concluses sobre o histrico das polticas do FONPLATA, 1374.3 A possibilidade de dissoluo do FONPLATA, 1444.4 Proposta de Plano de Transio, 149 4.4.1 A Transio, 151 4.4.2 Critrios e Princpios para o Plano de Transio, 153 4.4.3 Poltica Operacional, 155 4.4.4 Aspectos legais, 1564.5 O Fundo de Garantia do MERCOSUL (FGM), 158 4.5.1 Objetivos e reas de atuao, 160 4.5.2 Composio, Estrutura e Organizao, 163 4.5.3 Poltica Operacional, 168 4.5.4 Capitalizao e administrao financeira, 169 4.5.5 Participao do Brasil, 175

    Concluso, 179

  • Notas, 185

    Referncias Bibliogrficas, 203

    ANEXO I - Circular 3.160 de 2002 do Banco Central do Brasil, 221

    ANEXO II - Tratado da Bacia do Prata, 229

    ANEXO III - Estatuto do FONPLATA, 235

    ANEXO IV - Estatuto do Comit Intergovernametal Coordenador dos Pases da Bacia do Prata, 247

    ANEXO V - Declarao de Fortaleza, 255

    ANEXO VI - Declarao de Barcelona, 257

    ANEXO VII - Regulamento do FONPLATA, 261

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    A questo do financiamento para o desenvolvimento constitui ponto fundamental no s da agenda interna dos pases, mas tambm, cada vez mais, dos processos de integrao regionais e sub-regionais. Alm da utilizao de instituies financeiras multilaterais tradicionais, outros mecanismos relacionados aos temas de financiamento, garantias e investimentos so estabelecidos, a fim de atender necessidades especficas desses agrupamentos econmicos, como a integrao fsica ou a reduo de assimetrias entre os pases-membros. Este trabalho pretende contribuir para os debates sobre o aperfeioamento dos instrumentos financeiros dedicados integrao na Amrica do Sul, especificamente no que diz respeito modalidade de garantias a financiamentos de mdio e longo prazos.

    Os casos especficos da integrao no mbito do MERCOSUL e no contexto sul-americano, prioridades da poltica externa brasileira, esto baseados, sobretudo, em forte compromisso poltico e em acordos comerciais entre os pases participantes reunidos na Unio Aduaneira e na Unio Sul-Americana. Essa nfase nos aspectos comerciais, no entanto, apesar do xito da expanso do comrcio intrarregional, fez com que contenciosos setoriais entre os scios maiores ganhassem grande dimenso e fosse crescente a percepo entre os scios menores de que a integrao no lhes traz benefcios suficientes, uma vez que no tem resultado em efetiva reduo das assimetrias entre os pases-membros.

    Introduo

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    O reconhecimento de que a liberalizao do comrcio no era suficiente para a consolidao dos projetos estratgicos sub-regional e continental conduziu busca, com maior intensidade, de uma integrao econmica e fsica que assegurasse benefcios para todos. Ponto fundamental nesse esforo de integrao passou a ser, portanto, a capacidade de atrao de recursos financeiros para a implementao de projetos que contribuam para o melhor aproveitamento das complementaridades produtivas e para um desenvolvimento econmico e social mais harmnico na regio.

    Atualmente, os pases da Amrica do Sul que lograram obter melhoras significativas nos seus indicadores econmicos1 no tm encontrado dificuldades no acessso a fontes de financiamento, pblicas e privadas, nacionais e multinacionais. Com a alta liquidez dos mercados financeiros internacionais e a disponibilidade de recursos por parte de instituies como, entre outras, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)2, a Corporao Andina de Fomento (CAF)3 e, no caso especfico brasileiro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES)4, o funding para aqueles pases , hoje, abundante. No mbito do setor privado, suas grandes empresas tm, tambm, acesso aos mercados financeiros e de capitais internacionais, e os mercados domsticos oferecem, ainda, alternativas adicionais de financiamento.

    No caso dos pases de menor desenvolvimento relativo5, no entanto, o acesso a fontes de financiamento uma questo central. Ausentes dos mercados internacionais, no que se refere captao de recursos, em razo da complexidade de seus desafios econmicos e sociais, e com sistemas financeiros limitados, esses Estados sul-americanos dependem, em grande parte, de instrumentos de instituies multilaterais de crdito que contenham algum grau de concessionalidade.

    importante ressaltar a existncia de uma falha de mercado no contexto do financiamento de projetos de mdio e longo prazos que compem a maior parte da carteira de projetos de integrao regional em razo do baixo interesse por parte do setor financeiro privado, que prefere atuar nas operaes de curto prazo do que assumir riscos prolongados. Faz-se necessria, portanto, a interveno do setor pblico, pela via nacional ou multilateral, de modo a tornar disponveis instrumentos financeiros que viabilizem projetos de longa maturao. Nesses casos, especialmente, a viabilizao das operaes financeiras est associada ao acesso e ao custo do crdito, os quais, por sua vez, esto condicionados

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    introduo

    ao nvel de risco apresentado pelo tomador do financiamento e aos mitigadores de risco oferecidos.

    A participao de instituies privadas no financiamento dos projetos de mdio e longo prazos tambm possvel, e at desejvel. O incentivo a essa participao, contudo, depende de polticas governamentais. Nos projetos de longo prazo, as experincias de mercado e das Agncias de Crdito Exportao (ACEs)6 internacionais sugerem que as redues dos riscos e, consequentemente, dos custos das operaes vm sendo obtidas por meio da concesso de garantias associadas a instrumentos financeiros nacionais ou multilaterais. A modalidade de garantia, desse modo, constitui fator essencial na competitividade dos financiamentos oferecidos e na alavancagem de outras fontes de recurso.

    Existe, no entanto, sobretudo no contexto sul-americano, uma grande carncia de instrumentos governamentais de garantia. No caso dos projetos de integrao regional, esse gargalo poderia ser superado pela ao direta dos Estados, por meio do estabelecimento de mecanismo financeiro coletivo, capaz de prover garantias e, desse modo, de mitigar os riscos das operaes de longa maturao e de alavancar novos recursos financeiros, inclusive privados. Tal instituio multilateral de concesso de garantias deveria concentrar-se em projetos que contribussem para promover o desenvolvimento e a reduo das assimetrias entre os pases do continente. Proposta para o estabelecimento de um mecanismo regional nesse sentido constituir, justamente, o foco principal deste trabalho.

    Para os pases sul-americanos considerados de renda mdia7, o relacionamento com essa instituio multilateral de garantia no se justificaria apenas pela demanda por financiamento, dado o acesso que esses pases possuem nos mercados de crdito domstico e internacional. O valor agregado pelo novo mecanismo regional, sobretudo para o setor privado desses pases, no seria, portanto, os recursos financeiros alavancados, mas seus instrumentos de garantia, sua sinergia com as demais instituies financeiras nacionais e multilaterias, pblicas e privadas alm de sua elevada credibilidade, necessria estruturao de grandes projetos.

    No caso dos pases vizinhos de menor desenvolvimento relativo8, contudo, seria fundamental a capacidade que teria a nova instituio multilateral de alavancar novas fontes de financiamentos. Estes, todavia,

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    deveriam conter algum componente de concessionalidade (como prazos maiores para o pagamento do crdito ou juros menores), que poderia variar, de pas para pas, de acordo com o tamanho e a complexidade dos desafios econmicos e sociais de cada Estado, e com sua capacidade de implementar projetos nacionais de desenvolvimento. De qualquer modo, a concesso de garantias por parte de uma instituio regional multilateral, composta tambm por esses pases, permitiria um grau maior de concessionalidade nos financiamentos de mdio e de longo prazos, uma vez que funcionaria como importante instrumento mitigador de riscos.

    Com relao mobilizao de recursos para capitalizar uma instituio regional, que concederia garantias para os financiamentos de projetos de integrao, a melhor opo parece ser a constituio de um fundo multilateral, o qual contaria com aportes variados de cada pas-membro, de acordo com seu grau de desenvolvimento econmico. Sendo assim, a alternativa de menor custo para os pases que desejassem contribuir para tal instituio seria aquela capaz de aproveitar recursos governamentais j mobilizados para outros fins e que, contudo, no tm apresentado os resultados esperados ou possam ser considerados dispensveis, em vista da oferta de recursos por parte de instituies financeiras pblicas nacionais, privadas e multilaterais.

    O objetivo principal deste estudo , portanto, propor a criao de um fundo multilateral de garantia, no mbito regional. No Captulo 1, ser apresentada a tendncia, cada vez maior, das Agncias oficiais de Crdito Exportao a concentrar seus esforos na concesso de garantias para financiamentos de operaes de mdio e longo prazos. A seo seguinte do captulo ser dedicada aos instrumentos pblicos de garantias mais utilizados no caso brasileiro: o Fundo de Garantia Exportao (FGE)9 e o Convnio de Pagamentos e Crditos Recprocos (CCR)10, da Associao Latino-Americana de Integrao (ALADI)11. Aps ressaltar a importncia histrica da contribuio desses instrumentos para o crescimento das exportaes brasileiras de maior valor agregado, sero analisados elementos que dificultam a sua maior utilizao.

    O Captulo 2 analisar o importante papel que o BNDES tem desempenhado no financiamento das exportaes brasileiras de mdio e longo prazos destinadas aos pases da Amrica do Sul. Essa parte do trabalho abordar, ainda, as dificuldades e as restries para que

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    introduo

    o Banco assuma papel de maior protagonismo como instrumento financeiro da integrao regional. Nesse sentido, as sees seguintes do segundo captulo destacaro as possibilidades de cooperao entre o BNDES, a CAF e o BID, alm dos obstculos operacionais para que o relacionamento entre o banco brasileiro e essas instituies financeiras regionais seja aprofundado, sobretudo nas reas de concesso de garantias e cofinanciamento.

    O histrico das discusses e das negociaes em torno do estabelecimento de um instrumento financeiro prprio do MERCOSUL ser apresentado no Captulo 3, que destacar as decises tomadas em conjunto pelos scios do Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (FONPLATA) de transform-lo em Banco de Desenvolvimento do bloco. Nas sees seguintes do captulo, sero analisados os desenvolvimentos recentes dos processos de integrao no mbito do MERCOSUL e da Unio Sul-Americana, que convergiram para a ideia de criao de novas fontes de recursos como, respectivamente, o Fundo de Convergncia Estrutural (FOCEM)12 e o Banco do Sul13.

    Em todos os captulos, sero apresentadas sugestes de atuao do fundo multilateral de garantia para que este possa contribuir para a soluo dos problemas e dos desafios analisados, especificamente, naquelas partes do trabalho. Desse modo, ser dada ateno especial ao papel complementar que o novo fundo poder exercer nas aes das instituies financeiras que j atuam na regio.

    O ltimo captulo, principal parte propositiva do trabalho, expor, inicialmente, um quadro geral atualizado do FONPLATA, bem como as principais limitaes e fragilidades desse Fundo, em termos de polticas administrativas e operacionais, que tm reduzido, paulatinamente, sua credibilidade junto aos seus scios e sua eficcia para o cumprimento dos objetivos do Tratado da Bacia do Prata. Em seguida, ser apresentada proposta abrangente de Plano de Transio para a extino do FONPLATA e a criao, no seu lugar, de um Fundo de Garantia do MERCOSUL, aberto participao de Estados associados ao bloco, de maior utilidade para os pases-membros. Na seo final, sero analisadas questes centrais relativas configurao e implementao do Fundo de Garantia do MERCOSUL, com propostas no que diz respeito aos seus objetivos, composio, estrutura, poltica operacional, capitalizao e reas de atuao.

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    1.1 A poltica atual das Agncias de Crdito Exportao

    Este captulo abordar temas relativos a instituies e a polticas pblicas de apoio ao comrcio exterior sobretudo no caso de exportaes de mdio e de longo prazos, superiores a dois anos, caracterizadas, em geral, por bens e servios de maior valor agregado14 e ressaltar a importncia do estabelecimento de um sistema de concesso de garantias eficiente, alm da disponibilidade de recursos para financiamentos.

    No caso brasileiro, a instituio de mecanismos pblicos de financiamento, garantia e seguro de crdito s exportaes relativamente recente, quando comparada com o desenvolvimento destes mecanismos em pases desenvolvidos que, por intermdio de Agncias oficiais de Crdito Exportao (ACEs), apoiam suas exportaes desde os anos 192015. Em junho de 1966, a Lei 5025 criou o Conselho Nacional de Comrcio Exterior (CONCEX) e o Fundo de Financiamento Exportao (FINEX), substitudo, em 1991, pelo Programa de Financiamento s Exportaes (PROEX)16. Foi tambm no primeiro ano da dcada de 1990 que o BNDES-EXIM iniciou suas operaes e passou a cumprir importante papel no apoio s exportaes brasileiras, o qual ser analisado em maior detalhe no Captulo 2.

    a seguinte a composio atual do sistema brasileiro de apoio s exportaes:

    Captulo 1A importncia das Garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

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    Instrumentos Pblicos: PROEX-Financiamento, PROEX-Equalizao17, Seguro de Crdito Exportao/Fundo de Garantia Exportao (que sero analisados em seguida neste captulo), todos com recursos oramentrios, e BNDES-EXIM, que utiliza recursos, sobretudo, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

    Instrumentos Privados: instituies financeiras e seguradoras (recursos de mercado).

    importante ressaltar que, no mercado brasileiro de crdito exportao, h uma clara diviso entre o apoio s exportaes de curto prazo, em que existe uma participao significativa do setor financeiro privado, e o apoio s exportaes de mdio e longo prazos, no qual a atuao de instituies privadas praticamente inexistente e, por essa razo, o setor pblico exerce a importante funo de viabilizar os instrumentos financeiros necessrios.

    Os principais instrumentos privados de crdito s exportaes so o Adiantamento de Contrato de Cmbio (ACC)18, com prazo de at 360 dias, e o Adiantamento sobre Cambiais Entregues (ACE)19, com prazo de at 180 dias. Em ambos os casos, o foco do instrumento a garantia de exportao da empresa, em geral atuando no mercado de commodities ou em segmentos com forte liquidez internacional em dlares. Ou seja, o mercado privado oferece crdito, de forma significativa, para os segmentos com baixo risco e para operaes de curto prazo.

    Para se ter uma ideia da comparao da participao dos setores pblico e privado no apoio s exportaes no Brasil, Sennes (2007) destaca que o crdito pblico representou, em 2004, 12% do volume total de crditos exportao, cerca de US$ 5 bilhes, dos quais o BNDES-EXIM foi responsvel por US$ 4 bilhes, e o PROEX, por pouco menos de US$ 1 bilho. O crdito privado, por sua vez, representou 88% do total de crditos exportao, com US$ 41 bilhes (sendo US$ 23 bilhes por meio de ACCs e ACEs, e US$ 17 bilhes via pagamento antecipado de exportaes).

    O setor financeiro privado no tem, em geral, interesse em assumir os riscos, polticos e comerciais, de exportaes de longo prazo, a no ser que haja um sistema eficiente de seguro de crdito e de garantias em funcionamento. Essa falha de mercado, somada escassez de recursos privados para financiar operaes de longo prazo, o chamado mercado incompleto, justifica, no Brasil e no exterior, a interveno

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    a importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

    do setor pblico para viabilizar solues para esse setor especfico das exportaes nacionais.

    No que diz respeito ao financiamento de longo prazo, no entanto, no caso especfico do Brasil e da Amrica do Sul, existe uma diversidade de fontes de recursos pblicos, nacionais (como o BNDES, o Banco de Desenvolvimento da Venezuela e o Banco de La Nacin, da Argentina) e multilaterais (BID, CAF, FONPLATA e, no futuro, Banco do Sul). H, por outro lado, uma grande carncia de sistemas de garantias, em parte pelas falhas e vcios dos mecanismos existentes (conforme ser apresentado mais adiante neste trabalho).

    H que se ressaltar que maiores e melhores (menor custo) financiamentos para operaes de longo prazo, incluindo projetos de infraestrutura, dependem de seguros de crdito, os quais, por sua vez, so influenciados pelas garantias obtidas. Quanto maiores e mais bem estruturadas as garantias, menores os prmios cobrados pelos seguros de crdito e, portanto, menor o risco para os financiadores e mais atrantes os custos para os prestatrios.

    Foi exatamente em razo da relao direta entre aqueles fatores que, nos anos 1980, os governos dos pases desenvolvidos passaram a verticalizar a organizao institucional de seus programas oficiais de apoio s exportaes, unindo as operaes de financiamento, garantia e seguro em uma nica entidade. A dcada de 1990 foi marcada por um boom na criao de novas ACEs ao redor do mundo, j com essa caracterstica.

    O Brasil, na verdade, iniciou seu esforo de estruturar uma poltica de apoio creditcio s exportaes baseado, sobretudo, em financiamentos, ressalta Sennes (2007, p. 2)

    [...] em um momento em que as principais ACEs do mundo j se deslocavam, amplamente, desse segmento para os setores de seguros e garantias aos crditos de exportao, em particular para aqueles de longo prazo, com considerveis riscos polticos.

    Como consequncia, outra caracterstica marcante do caso brasileiro, quando comparado aos casos dos pases desenvolvidos, o relativo baixo grau de cobertura em termos de seguro e garantias aos crditos de longo prazo oferecidos pelos instrumentos pblicos. A relao garantias/financiamento chega a 81% no caso dos Estados Unidos (2004) e 50% na Alemanha (2005), enquanto que no Brasil essa relao foi de apenas 15% em 2004 e 25% em 2005 (SENNES, 2007).

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    Isso significa que h uma diferena importante de atuao entre as principais ACEs no exterior e os instrumentos brasileiros. Esse fato pode ser verificado ao analisarmos a tabela, a seguir, que traz os valores de garantias, de financiamentos e de exportaes, no perodo 2004-2005, em pases selecionados:

    Tabela 1.1 - Garantias, Financiamentos e Exportaes em Pases Selecionados (2004-2005)

    Fonte: SENNES, 007.

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    a importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

    Essa tendncia a uma elevada relao garantias/financiamentos nos pases desenvolvidos pode ser explicada, em grande parte, por uma mudana importante no conjunto de regras comuns do chamado Arrangement on Guidelines for Officially Supported Export Credits20, da Organizao de Cooperao para o Desenvolvimento Econmico (OCDE)21. Desde que as ACEs dos pases-membros da Organizao passaram a adotar as Commercial Interest Reference Rates (CIRR)22 que introduziram um piso para as taxas de juros cobradas no financiamento s exportaes, de modo a disciplinar a atuao daquelas agncias e evitar prticas abusivas de competio comercial houve um redirecionamento na orientao das polticas pblicas de apoio s exportaes nos pases desenvolvidos. Uma vez que passou a existir uma limitao ao que se poderia conceder em termos de financiamento j que h uma taxa de juros de referncia mnima , as ACEs redirecionaram seus esforos para o campo do seguro de crdito e garantias, de modo a oferecer instrumentos financeiros mais competitivos.

    A restrio da competitividade das ACEs na modalidade de financiamento direto, somado ao fato de que o mercado privado internacional passou a contar com maior liquidez graas expanso da economia mundial e dos fluxos de capitais fez com que a principal funo das ACEs dos pases desenvolvidos passasse a ser o oferecimento de garantias e de seguros de crdito para bancos comerciais ou instituies financeiras multilaterais. Ao oferecer tais garantias e seguros, as ACEs possibilitam que as empresas exportadoras possam usufruir de financiamentos a taxas de juros mais baixas.

    Conforme destaca Sennes (2007, p. 8):

    Desde o incio da dcada de 90, a competitividade das ACEs passou a ser determinada pelos termos oferecidos para as modalidades de seguro e de garantia s empresas exportadoras, como o limite do valor das transaes apoiadas pelas

    ACEs, as modalidades de risco cobertas pelas agncias oficiais e os prmios de risco cobrados.

    Como as agncias oferecem termos muito semelhantes no que se refere a limites de valores das operaes e ao percentual de coberturas dos riscos assumidos (poltico e comercial), a competio passou a se

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    concentrar, sobretudo, nos custos dos prmios dos seguros, que, por sua vez, so diretamente influenciados pelos tipos de garantias estruturadas para cada operao.

    Com o objetivo de disciplinar, tambm, os subsdios oficiais relacionados aos prmios de risco cobrados pelas ACEs em seus seguros de crdito, a OCDE adotou, em 1997, o chamado Knaepen Package23, que estabeleceu regras para a definio de prmio de risco mnimo, baseado no risco de crdito soberano do pas importador. Os pases participantes do Arrangement da Organizao passaram a seguir pontos de referncia comuns para a precificao mnima do seguro, a partir da introduo do sistema Minimum Premium Benchmark (MPB)24, em abril de 1999, que determinou o prmio mnimo do seguro somente em funo da classificao de risco-pas definida pela prpria OCDE. Desde ento, o modelo de estruturao de garantias colocado disposio daquelas agncias passou a ser fator determinante do nvel de competitividade das ACEs e do sucesso de suas polticas de apoio s exportaes nacionais.

    Alm das ACEs dos pases-membros da OCDE, essa tendncia de reorientar as polticas pblicas de apoio s exportaes para os campos do seguro de crdito e das garantias tem ocorrido, tambm, entre agncias de pases em desenvolvimento com destaque no comrcio internacional. Estima-se que as ACEs chinesas, por exemplo, se tornem as maiores entidades provedoras de financiamento e garantia s exportaes no mundo em 2010, oferecendo um total de crdito de mdio e de longo prazos de US$ 40 bilhes no perodo 2006-2010 (SENNES, 2007). A China, no entanto, no faz parte da OCDE e, portanto, no obrigada a obedecer as regras estipuladas nos diversos acordos internacionais no mbito da instituio, relacionados a crditos oficiais exportao.

    A estrutura institucional de apoio s exportaes chinesas formada pelo China Exim Bank (provedor de financiamento direto), a China Export and Credit Insurance Corporation (SINOSURE), que oferece garantia e seguro de crdito s exportaes, e o China Development Bank, que tem, tambm, atuado no setor de financiamento direto s exportaes, em conjunto com linhas de apoio a investimentos diretos chineses no exterior.

    A principal ACE na China a SINOSURE, fundada, em 2001, a partir da fuso do departamento de seguro de crdito exportao do

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    a importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

    China Exim Bank e a Peoples Insurance Company of China. A China decidiu, portanto, criar uma agncia especfica para a concesso de garantias e seguro de crdito para apoiar a enorme expanso de suas exportaes. A SINOSURE, que, inicialmente, concentrou suas operaes no apoio aos financiamentos de curto prazo, desenvolve, cada vez mais, seus mercados de mdio e de longo prazos para o apoio s exportaes chinesas para mercados considerados de alto risco, como a frica, o Oriente Mdio e as antigas repblicas soviticas. As aes da Corporao nos mercados de maior valor agregado se desenvolveram por meio de parcerias com bancos estrangeiros. Desde 2001, a SINOSURE ofereceu cobertura, na forma de seguro e de garantias, para 80 grandes projetos de exportao, passando, nos mercados de mdio e longo prazos, de US$ 940 milhes no primeiro ano de atuao para US$ 3.5 bilhes, em 2005, e uma estimativa de atingir US$ 30 bilhes em 2010. (SENNES, 2007)

    Cada vez mais, portanto, as modalidades de seguro de crdito e garantias so determinantes do grau de competitividade das exportaes de longo prazo. O fato de as ACEs serem bastante incipientes no Brasil, em particular, e na Amrica do Sul, em geral, implica formas de atuao ainda bastante conservadoras e poucas alternativas de instrumentos financeiros para os setores exportadores dos pases do continente, sobretudo no campo das garantias. Essa caracterstica agravada, ainda mais, dada a falta de escala do setor financeiro sul-americano voltada atividade exportadora no mercado de longo prazo, o que torna ainda mais forte o argumento de falha de mercado no mbito continental.

    Este trabalho est baseado, justamente, na premissa de que, no caso dos pases da Amrica do Sul, em geral, e do MERCOSUL, em particular, uma das restries mais importantes ao incremento do volume de financiamentos disponvel para projetos de integrao est associada ausncia de um sistema regional de garantias de crdito.

    As polticas pblicas nacionais de crdito s exportaes de longo prazo nesses pases deveriam seguir a tendncia mundial e promover a estruturao de sistemas mais eficientes de garantias e de seguro de crdito. Algumas sugestes nesse sentido, no caso brasileiro, sero apresentadas mais adiante.

    Ademais, do mesmo modo, as instituies financeiras multilaterais que atuam nos pases sul-americanos (BID, CAF, FONPLATA e, em breve, Banco do Sul) deveriam contar, tambm, com modelos de seguro

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    de crdito e de garantias que tornem mais atraentes, em termos de reduo de custos, os seus financiamentos para exportaes e para projetos de investimento de longo prazo. Nesses casos, a melhor opo parece ser a de aprimorar os instrumentos existentes daquelas instituies, incluindo a promoo de uma verdadeira complementaridade entre eles, de modo a melhor servir aos interesses dos pases-membros e de suas empresas exportadoras.

    Esse mesmo tema ganha contornos ainda mais relevantes quando se refere ao processo de integrao regional no mbito do MERCOSUL, tendo em vista as reconhecidas assimetrias entre os pases do bloco e os recursos necessrios para financiar projetos que reduzam a percepo de que a integrao tem beneficiado apenas os scios maiores do agrupamento. Os Estados engajados nesses processos deveriam envidar esforos conjuntos para o estabelecimento de um mecanismo multilateral eficiente de garantias que possibilitasse a alavancagem de financiamentos, a custos mais atraentes, para projetos de integrao e de reduo de assimetrias.

    Tambm no mbito do MERCOSUL, poderiam ser aproveitadas as estruturas e os mecanismos j existentes para desenvolver uma maior sinergia entre fontes nacionais de financiamento, de seguro e de garantias como o Seguro de Crdito Exportao, SCE, e o BNDES (Brasil), o Banco de La Nacin (Argentina) e o BANDES (Venezuela) e multilaterais como o Convnio de Pagamentos e Crditos Recprocos, CCR, no mbito da ALADI, e o Fundo para a Convergncia Estrutural do MERCOSUL, o FOCEM e, ao mesmo tempo, estabelecer um Fundo de Garantia que daria o apoio necessrio a esses instrumentos financeiros. A criao de tal fundo poderia ser facilitada, por exemplo, com a transformao do FONPLATA. Proposta nesse sentido ser apresentada no captulo 4 deste trabalho.

    O estabelecimento de um fundo regional de garantias para o MERCOSUL no representa, portanto, fator que promova a substituio ou a concorrncia com os mecanismos nacionais e multilaterais existentes, mas sim alternativa complementar a esses instrumentos. No caso brasileiro, sero examinadas e propostas medidas, nas prximas sees, para o melhor uso do FGE e dos financiamentos do BNDES, incluindo o relacionamento do Banco de Desenvolvimento brasileiro com a CAF e com o BID. No campo das relaes financeiras e comerciais na

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    a importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

    regio, a experincia do CCR, por sua vez, mostra a importncia de um fundo de carter multilateral sul-americano. O compromisso dos pases com um instrumento percebido como fator facilitador de negcios , na verdade, essencial. Nesse sentido, fundamental aperfeioar o CCR e, ao mesmo tempo, estabelecer um sistema de garantias multilateral que possua algumas de suas caractersticas.

    1.2 Instrumentos pblicos de seguro e de garantia disponveis no Brasil

    Esta seo pretende apresentar os principais instrumentos financeiros pblicos, nas modalidades de seguro de crdito e de garantia, com os quais o Brasil conta, hoje, para promover o seu comrcio com os pases vizinhos no somente no mbito do MERCOSUL, mas em toda Amrica do Sul e discutir suas dificuldades e limitaes atuais para que atuem de maneira mais ampla como facilitadores da integrao regional. A anlise mais detalhada ficar restrita, portanto, a mecanismos nacionais (o Fundo de Garantia s Exportaes e Seguro de Crdito Exportao) e ao mecanismo multilateral tradicionalmente utilizado pelo pas (o Convnio de Crdtos Recprocos, CCR) para garantir suas exportaes de bens e servios.

    1.2.1 O Fundo de Garantia Exportao (FGE) e o Seguro de Crdito Exportao (SCE)

    O Fundo de Garantia Exportao (FGE) foi criado pela Medida Provisria n 1.583-1, de 25 de setembro de 1997. Aps consecutivas reedies, a Medida Provisria foi convertida na Lei n 9.818, de 23 de agosto de 1999. O FGE, de natureza contbil e vinculado ao Ministrio da Fazenda, tem como finalidade dar cobertura s garantias prestadas pela Unio nas operaes de Seguro de Crdito Exportao (SCE). (BNDES, 2007a)

    O SCE tem por objetivo segurar as exportaes brasileiras de bens e servios contra os riscos comerciais, polticos e extraordinrios que possam afetar as transaes econmicas e financeiras vinculadas a operaes de crdito exportao.

    O Decreto 3.937, de 25 de setembro de 1997, regulamenta o seguro, a garantia dada pela Unio, a Seguradora de Crdito Exportao e o

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    Fundo de Garantia Exportao. A Seguradora Brasileira de Crdito Exportao (SBCE) uma companhia privada, constituda sob a forma de sociedade annima, com a finalidade de atuar na rea de seguro de crdito exportao como guich nico do SCE na concesso de cobertura contra riscos comerciais e polticos, com recursos do FGE, s exportaes brasileiras de mdio e longo prazos.

    O patrimnio inicial do FGE constituiu-se mediante a transferncia de 98 bilhes de aes preferenciais nominativas (PN) de emisso do Banco do Brasil S.A. e 1,2 bilho de aes, tambm PN, de emisso da antiga Telecomunicaes Brasileiras S.A. (TELEBRS). (BNDES, 2007a)

    De acordo com o artigo 3 da Lei 9.818/99, so recursos do FGE:

    1. o produto da alienao das aes; 2. a reverso de saldos no aplicados; 3. os dividendos e a remunerao de capital das aes; 4. o resultado das aplicaes financeiras dos recursos; 5. as comisses decorrentes da prestao de garantia; e 6. os recursos provenientes de dotao oramentria do Oramento

    Geral da Unio.

    O BNDES o gestor do FGE, conforme o Artigo 8 da Lei 9.818/99, regulamentado pelo Decreto n 4.929, de 23 de dezembro de 2003.

    Em 18 de fevereiro de 2004, por intermdio do Decreto n 4.993, publicado em 19 de fevereiro de 2004, foi criado o Comit de Financiamento e Garantia s Exportaes (COFIG) colegiado integrado, entre outros, pelo Ministrio das Relaes Exteriores com as atribuies de enquadrar e acompanhar as operaes do Programa de Financiamento s Exportaes (PROEX) e do Fundo de Garantia Exportao (FGE), estabelecer os parmetros e condies para concesso de assistncia financeira s exportaes e de prestao de garantia da Unio (BNDES, 2007a). O MRE tem, portanto, voz ativa na definio dos critrios de utilizao do FGE, e, dessa forma, pode exercer papel importante na reviso e no aprimoramento desses critrios. Algumas propostas nesse sentido sero apresentadas mais adiante nesta seo.

    O Seguro de Crdito Exportao foi criado para indenizar os exportadores brasileiros que no recebam os crditos concedidos ao cliente no exterior, seja por motivo comercial (no pagamento por falncia ou mora) ou poltico (moratrias, guerras, revolues, entre outros).

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    a importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

    So as seguintes as formas de concesso de seguro:

    (i) Operaes de curto prazo: so aquelas com pagamentos em at dois anos. H dois grupos:

    Vendas externas com pagamentos em at 180 dias; Faturamento entre 180 dias e dois anos. Essa modalidade de seguro coberta, exclusivamente, pelo setor

    privado.

    (ii) Operaes de mdio e longo prazos: so aquelas caracterizadas por exportaes financiadas com prazos de pagamento superiores a dois anos e, em geral, esto relacionadas a projetos envolvendo bens de capital, estudos e servios ou contratos com caractersticas especiais. As solicitaes de seguro de crdito nessa modalidade so analisadas pela SBCE e garantidas pela Unio. Isso significa que o lastro para garantir as operaes, nesses casos, provido pelo Governo Federal, por meio do Fundo de Garantia Exportao (FGE), cabendo SBCE a anlise tcnica e a emisso das aplices, que podem ser de dois tipos:

    Suppliers Credit: a aplice emitida em favor do exportador, que concede crdito ao seu cliente no exterior. Porm, o exportador poder solicitar um refinanciamento (mediante o desconto dos ttulos de crdito oriundos da operao de exportao), transferindo ao banco financiador o direito s indenizaes cobertas pela aplice de seguro.

    Buyers Credit: a aplice emitida em favor dos bancos. O exportador recebe o pagamento vista de seu comprador, que obtm um financiamento junto ao banco financiador.

    De acordo com o BNDES (2007a), so os seguintes os tipos de riscos cobertos pelo SCE:

    Risco de pr-crdito (fabricao): o risco de fabricao definido pela impossibilidade de o segurado fabricar os bens ou executar os servios contratados pelo importador, em razo da ocorrncia de um dos fatos geradores de sinistro que afete o importador

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    ou seu pas. A cobertura fornecida durante esse perodo est relacionada aos custos incorridos pelo exportador at o momento da interrupo contratual.

    Risco de Crdito (ps-embarque): aps o embarque das mercadorias, ou aps o cumprimento das obrigaes contratuais do exportador, existe o risco de que o comprador no pague sua dvida. A cobertura fornecida nesse estgio refere-se s somas devidas pelo importador.

    Conforme consta do Relatrio de Gesto ao COFIG, de dezembro de 2007, elaborado pelo BNDES, o FGE contava, em novembro do mesmo ano, com ativos circulantes (aplicaes financeiras, ttulos e valores mobilirios) da ordem de R$ 11.8 bilhes, e um patrimnio lquido (recursos recebidos, capital integralizado e lucros acumulados) tambm de R$ 11.8 bilhes, ou US$ 6.6 bilhes ao cmbio do ltimo dia daquele ms. O patrimnio lquido do Fundo aumentou 763% no perodo compreendido entre dezembro de 2001 e novembro de 2007, contra 764% de aumento do ativo, ao passo que, nos ltimos 12 meses, os acrscimos foram, respectivamente, de 44% e 43%. Os nmeros demonstram a evoluo altamente positiva dos resultados da gesto dos recursos do FGE nos ltimos anos.

    Outro dado significativo do FGE o seu reduzido grau de alavancagem (exposio vigente total/patrimnio lquido), de apenas 1.2 vezes at novembro de 2007, a exposio total era de US$ 8 bilhes, enquanto o PL, como indicado anteriormente, era de US$ 6.6 bilhes. Ou seja, o FGE encontra-se em situao extremamente segura, em razo de seu reduzido grau de alavancagem. guisa de comparao, os Acordos de Basileia25 que determinam linhas gerais de padres de superviso, diretrizes e recomendaes de melhor prtica bancria consideram seguro, ainda, um ndice de alavancagem de at oito vezes.

    O baixo grau de alavancagem do FGE, por outro lado, significa que h, atualmente, uma grande ociosidade com relao utilizao de seus recursos. Isso ocorre porque, ultimamente, o Seguro de Crdito Exportao utilizado, sobretudo, em operaes cursadas no mbito do Convnio de Pagamentos e Crdito Recproco (CCR), motivadas pelo fato de que, nesses casos, o risco-pas, em uma escala de classificao de 1 a 7, sempre considerado o menor possvel, ou seja,

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    a importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

    de nvel 1, conforme Resoluo da CAMEX, de dezembro de 2003, que ser analisada em maior detalhe na prxima seo deste trabalho. Raramente, portanto, esse tipo de seguro realizado em operaes fora do CCR, pois, quando estas ocorrem, tm custo de seguro de crdito, prmio de seguro, precificado conforme a classificao de risco do pas de 1 a 7 (de acordo com parmetros da OCDE), o que encarece a operao de exportao para pases com risco elevado e, muitas vezes, por isso, a inviabiliza. Alm disso, para operaes cursadas fora do CCR, so solicitadas, frequentemente, contragarantias, que, por encarecerem o custo final do financiamento, acabam por levar o potencial beneficirio a desistir da operao.

    No caso especfico do BNDES, por exemplo, seu Superintendente da rea de Comrcio Exterior, Luiz Antonio Arajo Dantas26, ressaltou:

    O Banco tem evitado realizar operaes que exijam contragarantias, com as operaes fora do CCR, pois caso estas no sejam estruturadas corretamente pelo beneficirio do financiamento o Banco pode perder o direito indenizao

    do seguro. Tal fato j ocorreu no passado recente.

    Embora o uso do CCR deva ser estimulado, por se tratar de um mecanismo multilateral eficiente para a promoo do comrcio intrarregional, muitos pases sul-americanos tm buscado, por diversas razes, diminuir o curso no Convnio de operaes de longo prazo de risco soberano (pblico). Tal tendncia ser analisada em maiores detalhes, tambm, na prxima seo. O problema que para a precificao do prmio do seguro de crdito de operaes cursadas fora do CCR, com risco soberano, so utilizados parmetros de risco-pas defasados, baseados em critrios da OCDE, como apontado na seo anterior, determinados em 1997 e revistos esporadicamente, sem a mesma rapidez e preciso da atualizao feita pelo mercado financeiro privado. Ou seja, aqueles critrios no acompanham a rpida evoluo positiva das economias da maioria dos pases sul-americanos, sobretudo nos ltimos cinco anos.

    A classificao de risco-pas da OCDE considera oito categorias de risco, que variam de 0 a 7 (do risco mais baixo ao mais elevado). Em outubro de 2007, era a seguinte a classificao de risco-pas dos pases sul-americanos, de acordo com o sistema de clculo adotado pela OCDE:

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    Argentina 7, Bolivia 7, Brasil 3, Chile 2, Colmbia 4, Equador 7, Guiana 7, Paraguai 6, Peru 4, Uruguai 4 e Venezuela 6. Vale ressaltar que a metodologia utilizada pela OCDE para determinar a classificao de risco de um determinado pas baseada no Country Risk Assessment Model (CRAM), elaborado pela Organizao, o qual leva em considerao aspectos quantitativos, como o histrico de pagamentos do pas analisado, bem como suas situaes financeira e econmica. Ademais, a OCDE realiza uma avaliao qualitativa, que considera o risco poltico e outros fatores de risco includos no modelo de clculo do risco-pas. Os pormenores da metodologia do CRAM so considerados confidenciais pela OCDE e, portanto, no so publicados27.

    Prioridade da poltica externa do Governo brasileiro, o processo de integrao regional deveria receber tratamento preferencial e particular em relao aos procedimentos para definir a classificao de risco-pas a ser utilizada para o clculo do prmio de seguro dos financiamentos das exportaes brasileiras de longo prazo, no cursadas no CCR, para os pases da Amrica do Sul. Faz-se necessria uma atualizao dos parmetros usados nesse processo, atualizando-os melhoria da situao econmica de grande parte dos pases do continente algo que, inclusive, o mercado financeiro privado j realizou e adequando-os s polticas prioritrias de promoo e de apoio integrao regional, mantendo-se, contudo, a transparncia e o embasamento tcnico-financeiro necessrios para preservar o patrimnio e a credibilidade do FGE. Caberia ao Comit de Financiamento e Garantia s Exportaes definir as novas diretrizes que promoveriam tais mudanas. Como membro do COFIG, o MRE deveria estimular e, at mesmo, propor a realizao de reunio especfica para discusso da adequao das diretrizes das polticas pblicas nas reas de financiamento, de seguro de crdito e de garantia s exportaes aos objetivos dos processos de integrao sub-regional e continental. Devem-se buscar, sobretudo, alternativas para o aperfeioamento da metodologia da precificao do seguro de crdito para operaes de risco soberano que envolvam exportaes brasileiras de longo prazo cursadas fora do CCR.

    Nesse sentido, importante ressaltar que a Resoluo 2.575 do BACEN, de 17 de dezembro de 1998, que tornava pblica deciso do Conselho Monetrio Nacional, redefiniu os critrios aplicveis aos

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    a importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

    financiamentos das exportaes brasileiras ao amparo do PROEX, entre outros pontos, da seguinte maneira:

    Art 2 Nos financiamentos de que trata esta Resoluo observar-se-: (...)c) taxa de juros: compatvel com a praticada no mercado internacional.

    Ora, tomando como base o que estabelece a Resoluo acima, o custo do prmio do Seguro de Crdito Exportao cobrado em financiamentos do PROEX para operaes de exportao acima de dois anos (mdio e longo prazos), cursadas fora do CCR, deveria ser compatvel com as taxas praticadas pelo mercado internacional, j que o custo do seguro compe o custo final dos juros cobrados do prestatrio. Deveriam ser utilizados, portanto, os parmetros usados regularmente pelo mercado internacional para classificar o risco dos pases, como, por exemplo, o ndice EMBI+ (Emerging Markets Bond Index), elaborado pelo banco JP Morgan, empregado como referncia (benchmark) no mercado financeiro privado para medir o risco-pas, e no os critrios desatualizados da OCDE, que, geralmente, indicam risco-pas maior do que aquele utilizado, de fato, pelo mercado internacional.

    A confiana que a forma de clculo do EMBI+ inspirou nos investidores fez com que o ndice se tornasse a principal referncia do mercado internacional sobre o desempenho dos ttulos dos pases emergentes. Os riscos desses ttulos no so estabelecidos de maneira aleatria: so usadas como referncia as notas que cada pas recebe das empresas de classificao de risco (como Standard & Poors e Moodys), instituies independentes, especializadas na determinao e na divulgao do risco de corporaes, de instituies financeiras e de pases. Na verdade, poder-se-ia utilizar como referncia o EMBI Global, criado em 1993, composto por um grupo ainda maior de pases. Esse indicador incorporou pases com renda per capita mdia ou baixa que participam do mercado internacional de ttulos, ainda que de forma menos expressiva. A inteno foi a de dar uma ideia ainda mais ampla das oscilaes dos mercados dos pases emergentes. So os seguintes os pases cujos ttulos de dvida compem o EMBI Global: frica do Sul, Argentina, Brasil, Bulgria, Chile, China, Colmbia, Coreia do Sul, Costa do Marfim, Crocia, Equador, Egito, El Salvador, Filipinas,

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    Hungria, Lbano, Malsia, Marrocos, Mxico, Nigria, Panam, Repblica Dominicana, Rssia, Tailndia, Tunsia, Turquia, Ucrnia, Uruguai e Venezuela.

    Portanto, o EMBI Global incorpora o rating de ttulos de dvida de nove dos doze pases que fazem parte do CCR (as excees so Bolvia, Paraguai e Peru). O fato que, como ser analisado na prxima seo deste captulo, muitas vezes esses pases no tm interesse em cursar uma operao de longo prazo no mbito do CCR, em razo de limitaes internas de seu sistema bancrio ou de restries de carter fiscal ou de ambas. Portanto, o financiamento de exportaes brasileiras de longo prazo com recursos pblicos, fora do CCR, deveria apresentar alternativa para nossos vizinhos, com custo atraente e competitivo, a ser obtido com uma melhor precificao do custo do seguro, usando, para isso, garantias concedidas por um fundo multilateral e a referncia atualizada do EMBI Global para a classificao do risco-pas, utilizada pelo mercado financeiro internacional, e no os parmetros defasados da OCDE.

    Em 2 de outubro de 2007, por exemplo, o EMBI referente Argentina era de 151 pontos, ou seja, o mercado avaliava que o retorno mdio dos preos dos papis argentinos estava 1.51% acima do retorno de ttulos semelhantes do Tesouro dos Estados Unidos (referncia para o mercado de papis de baixssimo risco). No mesmo dia, os EMBIs para Equador, Venezuela e Uruguai eram, respectivamente, 611 pontos, 419 pontos e 218 pontos. Vale ressaltar que, ao utilizar-se a classificao de risco-pas da OCDE para o clculo do preo do seguro de crdito para operaes cursadas fora do CCR (muito acima do EMBI, pois a OCDE classifica Argentina e Equador como nvel de risco 7, Venezuela 6 e Uruguai 4), o custo do financiamento com recursos pblicos brasileiros seria excessivamente elevado, quando comparado com a prtica do mercado financeiro internacional.

    Outra opo realizar uma comparao com o custo de captao desses pases quando do lanamento, no mercado financeiro internacional, de seus bnus soberanos de longo prazo, conforme indicado na tabela a seguir:

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    a importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

    Tabela 1.2 Negociaes recentes de bnus soberanos de pases selecionados no mercado internacional

    Pas Curto/ano Yield Longo/ano YieldBrasil 2015 6,20% 2040 6,29%Argentina 2012 7,70% 2033 9,96%Peru 2016 6,17% 2037 6,90%Equador 2012 12,70%Colmbia 2014 6,32% 2037 7,45%Venezuela 2016 8,24% 2027 8,775Chile 2013 5,43%Panam 2015 6,40% 2036 6,44%Mxico 2015 5,83% 2027 7,25%

    Fonte: Bloomberg , agosto de 2007.

    Tomemos como exemplos os casos de Argentina, Colmbia e Peru. Os bnus soberanos de curto prazo desses pases foram negociados, em agosto de 2007, a uma taxa de, respectivamente, 7.7% (prazo de cinco anos), 6.32% (prazo de sete anos) e 6.17% (prazo de nove anos). Essas so as taxas, portanto, praticadas pelo mercado privado internacional, o chamado custo all-in, que leva em considerao os riscos comercial e poltico, os custos de administrao, de seguro e do prprio financiamento. Caso fossem concedidos financiamentos a esses pases com recursos do BNDES, em operaes cursadas fora do CCR, o clculo do custo do financiamento teria de levar em considerao o custo do BNDES (LIBOR fixa de 5 anos, usualmente utilizada nos emprstimos do BNDES, equivalente a 5.17%, em mdia, em agosto de 2007, + 1% de custos operacionais e spread) somado ao custo do seguro de crdito (cujo clculo utiliza a classificao de risco correspondente da OCDE: 7, no caso da Argentina, e 4, nos casos de Colmbia e Peru). De acordo com clculo realizado pela SBCE, o custo do seguro de crdito no caso argentino (para operao com prazo de cinco anos), seria de 3.17%, que, somado a LIBOR de cinco anos + 1%, resultaria em um custo total de 9.34%. No caso colombiano, o custo do seguro de crdito (para operao com prazo de sete anos) seria de 1.12%, e no caso peruano, (prazo de nove anos) seria de 1.39%, o que significariam custos finais dos financiamentos da ordem de, respectivamente, 7.29% e 7.56%.

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    Ou seja, nos trs casos, o custo total cobrado ao prestatrio por um financiamento com recursos pblicos brasileiros (9.34%, 7.29% e 7.56%), fora do CCR, que utiliza os parmetros da OCDE para o clculo do preo do seguro de crdito, estaria, significativamente, acima do custo praticado pelo mercado financeiro privado internacional (7.7%, 6.32% e 6.17%). Isso sem contar as comisses usualmente cobradas pelo BNDES (comisses de compromisso e de administrao), caso a caso, que elevariam ainda mais essas diferenas (considera-se, em mdia, um impacto adicional no custo do financiamento da ordem de 0.3% com o pagamento dessas comisses).

    Tudo isso comprova que a precificao do prmio do seguro no mbito do SCE encontra-se defasada com relao prtica do mercado internacional e, por isso, no segue o determinado pelo Conselho Monetrio Nacional. preciso, portanto, fazer cumprir a Resoluo do BACEN: taxa de juros compatvel com a praticada no mercado internacional. Na verdade, a avaliao para a precificao do custo do seguro de crdito para operaes cursadas fora do CCR est sendo, atualmente, mais rigorosa do que a anlise feita pelo mercado internacional sobre o risco-pas de nossos vizinhos.

    Com vistas a aumentar a utilizao dos recusos do FGE, reduzir sua ociosidade e torn-los mais eficientes na viabilizao de exportaes de bens e servios brasileiros de maior valor agregado que, em geral, esto relacionadas a projetos importantes de infraestrutura nos pases vizinhos seria fundamental corrigir a precificao do prmio do seguro para aquelas operaes cursadas fora do CCR, conforme apontado nos pargrafos anteriores, de modo a estabelecer uma alternativa mais atraente para o prestatrio.

    Outra opo importante para realizar uma correo na precificao do seguro de crdito para exportaes de longo prazo nas quais o risco soberano (em geral, financiamentos para entidades pblicas), que no exclui as alternativas apresentadas anteriormente, poderia ser o estabelecimento de um Fundo de Garantia multilateral, composto pelos pases da regio, com volume adequado de capital, status de credor preferencial e com caractersticas que assegurassem a conversibilidade e a transferibilidade de seus recursos. Tais qualidades permitiriam que esse fundo obtivesse a classificao de risco necessria para conceder garantias a baixo custo para os financiamentos de operaes de longo

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    a importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

    prazo, o que implicaria a alavancagem desses financiamentos e a reduo do prmio do seguro cobrado por seguradores de crdito, beneficiando, assim, exportadores e prestatrios.

    Justificativa adicional para a criao de um mecanismo regional de garantias parte tambm da observao da metodologia utilizada pelo FGE na gesto de riscos: so impostos limites concentrao de exposio por risco-pas, o que resulta na repartio dos recursos alocados como seguro de crdito, que, por sua vez, pode causar um rpido esgotamento do limite especfico por pas, restringindo, assim, o crescimento das exportaes brasileiras de longo prazo para aqueles mercados. O COFIG poderia, por exemplo, definir limites maiores para a exposio do FGE com pases sul-americanos, sobretudo tendo em vista a baixa alavancagem do Fundo nacional, como foi destacado anteriormente. Essa imposio de limites de exposio de risco por pas algo comum, e defensvel, no campo da administrao de carteiras de seguros de crdito. As garantias concedidas pelo fundo multilateral poderiam reduzir a exposio por pas do FGE, abrindo espao para novas operaes por parte do fundo brasileiro. Por possuir status de credor preferencial consolidado em acordo internacional entre os pases-membros, devidamente aprovado nos parlamentos nacionais e concedido, tambm, por outras instituies financeiras multilaterais que contam com a mesma qualificao, como o FMI, o Banco Mundial e a CAF o fundo de garantia multilateral no teria sua atuao to limitada por restries com relao a exposies por risco-pas.

    Deve ser ressaltado, ainda, que, no Brasil, at nos casos em que as operaes de longo prazo so cursadas no CCR, utiliza-se, tambm, o seguro de crdito. Mesmo usando o nvel 1 de risco-pas (por se tratar de operao cursada no CCR) como base para o clculo do prmio do seguro, a acumulao de garantias (pois, como se ver a seguir, muitos pases sul-americanos exigem de suas empresas contragarantias para cursar a operao via CCR) encarece, de qualquer modo, o custo final do financiamento, o que o torna menos atraente, ainda que seja concedida alguma equalizao dos juros. A vinculao do uso do CCR com o seguro lastreado pelo FGE, somada s contragarantias exigidas pelas autoridades dos pases importadores para operaes de longo prazo, no serve, portanto, para estimular o uso dos dois instrumentos. Ao contrrio, torna-os menos atraentes e, consequentemente, subutilizados. Nesses

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    casos, a acumulao de instrumentos de garantias encarece o custo final do financiamento. Novamente, a existncia de um fundo multilateral garantidor poderia contornar essa situao, na medida em que o uso do CCR com a garantia concedida pelo fundo poderia dispensar as contragarantias exigidas pelos pases importadores.

    O grau de ociosidade do FGE tende a ser mantido ou, at, a ser ampliado, se levarmos em considerao, ainda, outras dificuldades atuais, que desestimulam a maior utilizao do CCR, analisadas a seguir.

    1.2.2 O Convnio de Pagamentos e Crditos Recprocos (CCR)

    O atual Convnio de Pagamentos e Crditos Recprocos (CCR) tem origem no sistema contemplado no Acordo de Pagamentos e Crditos Recprocos entre os Bancos Centrais dos pases da ento Associao Latino-Americana de Livre Comrcio (ALALC), assinado na Cidade do Mxico em 22 de setembro de 1965. Naquele momento, os pases- -membros da ALALC estavam motivados a promover o livre comrcio na Amrica Latina, porm diante de sistemas bancrios ainda incipientes na maioria daqueles pases e sistemas cambiais e polticas monetrias distintas fazia-se necessrio o estabelecimento de instrumento financeiro que concedesse maior segurana e confiana ao comrcio intrarregional e, desse modo, possibilitasse sua expanso.

    O Acordo de 1965 criou, ento, um sistema de compensaes entre os Bancos Centrais dos pases, com caractersticas de um mecanismo financeiro multilateral, isto , com conversibilidade (converso imediata, para dlares dos Estados Unidos, dos pagamentos efetuados por suas instituies em moeda local), transferibilidade (remessa, sem barreiras, dos dlares correspondentes aos pagamentos efetuados por suas instituies, ou seja, o sistema garante que no momento em que determinado Banco Central for debitado, este transferir os recursos devidos sem enfrentar obstculos de qualquer espcie) e de reembolso (a aceitao irrevogvel dos dbitos que lhes forem imputados, resultantes de operaes cursadas sob o Convnio).

    Aps a assinatura do Tratado de Montevidu, em 1980, que criou a Associao Latino-Americana de Integrao (ALADI), em substituio ALALC, o sistema passou por ajustes e complementaes e, em 25 de agosto de 1982, os Presidentes e Governadores dos Bancos Centrais

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    dos onze pases-membros da nova Associao assinaram o Convnio de Pagamentos e Crditos Recprocos (CCR), que manteve as mesmas caractersticas bsicas do sistema anterior. Participam do CCR, hoje, Argentina, Bolvia, Brasil, Chile, Colmbia, Equador, Mxico, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e Repblica Dominicana (extra-ALADI). Cuba, embora membro pleno da ALADI desde 1999, no faz parte do CCR. O CCR foi concebido, originalmente, portanto, com o propsito de facilitar o intercmbio comercial da regio, ao permitir a reduo das transferncias internacionais em um cenrio de escassez de divisas que marcou a dcada de 1980.

    importante ressaltar que, com um regulamento prprio extremamente rgido, praticamente inalterado por mais de 40 anos, o sistema de Pagamentos e Crditos Recprocos um dos raros acordos que sobreviveu a diversas crises de seus pases-membros, de carter poltico-institucional e econmico-financeiro, incluindo mudanas de regimes polticos, processos de hiperinflao e grande diversidade de pacotes econmicos, que abalaram os pases da Amrica Latina durante as ltimas dcadas. Ao longo de sua histria, o sistema, estabelecido em 1965 e aprimorado em 1982, sempre funcionou corretamente, sem que houvesse problemas de default entre os pases que o constituem. Ainda durante os perodos mais difceis das economias desses pases, como a crise da dvida externa, que se abateu sobre a regio na dcada de 1980, ou durante crises polticas e financeiras mais recentes, os Bancos Centrais que participam do Convnio nunca deixaram de cumprir seus compromissos no mbito do CCR.

    O mecanismo do CCR constitui-se, na prtica, em um sistema de compensao de pagamentos, operacionalizado pelos bancos centrais participantes, por meio de compensaes quadrimestrais, que considera os perodos janeiro/abril, maio/agosto e setembro/dezembro. A compensao em dlares dos Estados Unidos efetivada na semana seguinte ao fechamento de cada quadrimestre. Baseado em um sistema denominado Liquidao Diferida pelo Lquido (LDL), so cursados e compensados pagamentos internacionais entre os bancos centrais dos pases-membros, de modo que, logo aps o encerramento de cada perodo de compensao, somente se transfere ou se recebe, de acordo com o resultado deficitrio ou superavitrio, o saldo global do banco central de cada pas perante os demais. O Centro de Operaes do CCR, centralizador de todas

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    as transaes cursadas no Convnio e das informaes sobre os seus resultados, est localizado em Lima, no Banco Central da Reserva, do Peru.

    O CCR envolve, na verdade, quatro atores diferentes: os usurios (exportadores e importadores), os agentes (bancos comerciais), os fiadores e aplicadores do Convnio (os bancos centrais dos pases da ALADI) e os Governos dos pases-membros (que garantem o sistema). Por se tratar de um mecanismo multilateral, o CCR oferece, do ponto de vista dos atores que o compem, vantagens de garantias recprocas no que se refere a conversibilidade, transferibilidade e reembolso.

    Alm das regras comuns estveis, que praticamente no sofreram modificaes em mais de 40 anos, e das vantagens advindas de seu carter multilateral, outra explicao para o sucesso do Convnio a sua simplicidade. O CCR , na verdade, uma cmara de compensao. No foi criado nenhum instrumento financeiro especial para viabiliz-lo e, para cursar operaes no seu mbito, utilizam-se os instrumentos tradicionais aplicados no comrcio exterior, como cartas de crdito, notas promissrias e ordens de pagamento.

    Os sistemas utilizados na operacionalizao do Convnio datam de mais de duas dcadas e encontram-se, obviamente, defasados, expondo-o a erros e riscos. Por essa razo, decidiu-se pela implantao de nova tecnologia na modernizao do sistema de pagamentos, o que ocorreu durante o ano de 2008. Nesse sentido, os bancos centrais, sob a coordenao do Centro de Operaes do CCR, vm desenvolvendo novos sistemas de informao, com foco em melhor automao e, consequentemente, em uma reduo significativa de riscos operacionais.

    O sistema que interliga o Banco Central do Brasil aos demais bancos centrais dos pases da ALADI utiliza um mecanismo de transferncia diria de dados em bloco, por interveno manual. Esse programa evoluir de um sistema local para um sistema centralizado, no qual o fluxo das informaes exigidas para a concretizao das operaes de importao e exportao se dar em tempo real. O modelo j amplamente utilizado no Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB)28. Segundo o Banco Central do Brasil (2007), a medida exigir, oportunamente, que as instituies financeiras brasileiras credenciadas a operar com o CCR busquem adequar seus programas e sistemas ora utilizados ao novo modelo a ser definido. Essa modernizao conferir ao sistema mais funcionalidade

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    e segurana, maior celeridade nas gestes necessrias e facilitar a automao dos processos internos das instituies financeiras envolvidas.

    As operaes cursadas no CCR desenvolvem-se da seguinte maneira: o importador solicita ao seu banco que emita uma carta de crdito para o banco do exportador, em favor do exportador. Portanto, o incio da operao tem procedimento exatamente igual ao daquelas operaes que no cursam no CCR. Em seguida, o exportador, ou o importador, pode solicitar que a carta de crdito tenha curso no CCR ( necessrio que os bancos sejam devidamente credenciados por suas autoridades monetrias para operar com o CCR). O banco emissor da carta conceder, simplesmente, um nmero especfico ao documento, o cdigo que indicar, para os bancos centrais, que a operao ser cursada no mbito do Convnio. Isso significa que a operao ter seu reembolso realizado, de maneira irrevogvel, pelo CCR. No dia do vencimento da operao, o banco comercial do exportador solicita ao Banco Central do seu pas que debite o valor correspondente do Banco Central do pas do importador. O banco comercial do exportador recebe, assim, por parte de seu Banco Central, o pagamento antecipado (antes da compensao quadrimestral entre os bancos centrais membros do CCR) e, em seguida, paga diretamente o exportador. O Banco Central do pas do importador autoriza tal dbito, o que significa que est assumindo o risco banco comercial do importador (demonstra confiana de que o banco do importador pagar a operao, portanto, corre apenas o risco financeiro desse banco comercial e o risco do seu pas, e no o risco empresa importadora), autorizado por ele a operar no CCR. O Banco Central do pas do importador, portanto, no est garantindo a empresa importadora propriamente dita e, por isso, no corre o risco comercial. O banco do importador, por sua vez, cobrar do importador (nas condies e prazos pactuados entre eles), correndo, este sim, portanto, o risco comercial da operao. No final de cada quadrimestre, so realizadas as compensaes de dbitos e crditos entre os bancos centrais.

    Conforme ressaltou a ex-assessora da Cmara de Comrcio Exterior (CAMEX), Maria da Glria Rodrigues Cmara29:

    O exportador elimina o risco comercial da operao, uma vez que seu banco comercial se relaciona diretamente com o banco central de seu pas. Para o

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    importador, por sua vez, cursar a operao no CCR tambm pode ser uma grande vantagem, sobretudo para as pequenas e mdias empresas.

    Empresas desse porte, em geral, no tm classificao de risco suficientemente boa para que o exportador, ou o seu banco, esteja disposto a correr o risco comercial da operao. Mesmo garantido por um banco comercial local, o importador passa, ainda, muitas vezes, por essa dificuldade, j que, em razo de fragilidades do sistema financeiro de seu pas, o banco do exportador s se dispe a correr o risco da operao se a carta de crdito emitida pelo banco do importador for confirmada por banco de primeira linha, o que encarece e, por isso, pode inviabilizar a operao.

    Todos os pases-membros do CCR negociam, bilateralmente, linhas de crdito concedidas mutuamente. Em 31 de dezembro de 2006, por exemplo, o Brasil e a Venezuela contavam com uma linha de crdito recproca no valor de US$ 200 milhes (ALADI, 2007). Isso significa que o saldo das operaes, compensadas a cada quadrimestre, no poder ultrapassar aquele limite (por exemplo, se a Venezuela cursou no CCR exportaes para o Brasil no valor de US$ 100 milhes naquele perodo, o Brasil poder cursar, no mesmo perodo, exportaes para a Venezuela at o valor de US$ 300 milhes, e vice-versa). Diariamente, os bancos centrais acompanham a evoluo dessas operaes, examinam e comparam os saldos com o limite da linha bilateral acordada.

    Isso equivale a dizer que o Banco Central de um determinado pas pode dever, durante quatro meses, valores at o limite negociado bilateralmente (o que limita o grau de risco-pas assumido e o nvel de exposio entre os bancos centrais). Aps quatro meses, as compensaes so realizadas, os saldos so zerados (pagos), e o processso inicia-se novamente.

    A compensao uma maneira tambm de se evitar a utilizao de divisas. Ao longo de seu funcionamento, o CCR canalizou operaes em um valor total de US$ 226.5 bilhes de dlares, e apenas o equivalente a US$ 77.2 bilhes de dlares em divisas foram efetivamente transferidos, o que significa que, para realizar os cancelamentos dos saldos, foi necessrio utilizar somente a soma correspondente a 34% do valor total das operaes cursadas. (ALADI, 2007)

    As regras que estabelecem o funcionamento do CCR tm amparo em dois instrumentos principais da ALADI: o Convnio (acordo entre os bancos centrais participantes do CCR) e o Regulamento (conjunto

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    de normas que detalha as definies e a operacionalizao do Convnio entre os bancos centrais participantes). (ALADI, 2007)

    Alm dos dispositivos do Convnio e do Regulamento, regras comuns a todos os pases participantes, os bancos centrais exercem a prerrogativa de editar normas internas. Essa outra caracterstica que explica a longevidade do CCR: apesar da rigidez das regras comuns para os pases que fazem parte do CCR, aos bancos centrais concedida a flexibilidade de regulamentar internamente, no seu pas, as operaes cursadas no mbito do Convnio, sem ter de consultar os demais bancos centrais. Os bancos centrais podem, ento, ditar suas prprias regras sobre o que, quem e como cursar no CCR. Tal flexibilidade, aliada estabilidade das regras multilaterais do Convnio, , em grande parte, garantia do xito do CCR, uma vez que, alm da segurana jurdica transmitida pelas regras comuns e pelas vantagens da multilateralidade, as autoridades monetrias no enfrentam restries que impeam a preservao de sua autonomia.

    Nesse contexto, so os bancos centrais que autorizam bancos comerciais nacionais a operar no mbito do CCR. Cada banco central elege, no seu pas, os bancos comerciais (matrizes e filiais) que operaro com o Convnio e informa aos demais onze bancos centrais que compem o sistema a relao das instituies autorizadas. O Banco Central do Brasil, por exemplo, estabelece, para cada banco privado autorizado a operar com o Convnio (em dezembro de 2006, o Brasil tinha 293 filiais de bancos comerciais autorizadas a operar com o CCR), determinado limite operacional (teto mximo em dlares), a ser observado na emisso e na concesso de avais em instrumentos cursveis no CCR.

    Baseado em parmetros como liquidez, solvncia e demanda, cada filial dos bancos autorizados a trabalhar com o CCR tem, portanto, limite operacional negociado previamente com o seu banco central. Este, dessa forma, perante os demais bancos centrais, se responsabiliza pelas filiais de bancos comerciais que autoriza a operar com o CCR. Tal princpio tem fundamento, uma vez que os bancos centrais conhecem muito bem a sade financeira dos bancos comerciais que supervisionam e, por sua vez, os bancos comerciais conhecem melhor as empresas exportadoras e importadoras, que so, em geral, suas clientes. Dessa forma, bancos centrais e bancos comerciais podem administrar melhor os riscos que esto dispostos a correr.

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    Com relao aos pagamentos no mbito do Convnio, caso determinado pas passasse por problemas de liquidez e, portanto, tivesse dificuldades de realizar o pagamento na data do vencimento da operao, teria esse pas a opo de prorrogar o pagamento at a data da prxima compensao quadrimestral e, eventualmente, graas compensao entre crditos e dbitos, talvez no viesse a ser necessria a transferncia de divisas. Haver casos, no entanto, em que a transferncia ser necessria (quando os dbitos superarem os crditos com outro pas). Nesses casos, se um pas deixar de honrar algum pagamento por ocasio da compensao multilateral quadrimestral do CCR, o Convnio determina o acionamento do Programa Automtico de Pagamento (PAP), mecanismo que estabelece um parcelamento do valor devido em quatro prestaes mensais. O PAP foi criado em 1991, mas, at o momento, nunca foi utilizado. Pelo PAP, o saldo devedor pode ser dividido em quatro parcelas iguais, no mximo, com taxa de juros LIBOR + 2%, considerada alta. Se a primeira parcela no for paga, o Banco Central credor informa os outros Bancos Centrais (ou seja, em caso de inadimplemento, o devedor fica com sua imagem prejudicada no s com o credor especfico, mas tambm com todos os demais scios, com todo o sistema CCR). O PAP s pode ser utilizado uma vez a cada seis compensaes quadrimestrais, ou seja, uma vez a cada dois anos. Se o devedor no pagar at o final do prazo estipulado pelo PAP, o pas suspenso do CCR.

    Como se trata de uma linha de crdito de curto prazo, e no mbito de um mecanismo multilateral, na eventualidade de um pas entrar em default, este no poderia levar o caso para ser negociado em outro frum, como o Clube de Paris (restrito para dvidas bilaterais entre governos). Ainda em uma situao de baixssima liquidez, com o pas em moratria, a linha de crdito do CCR talvez seja a melhor linha que aquele pas dispe para manter seu comrcio exterior, pois, alm de reduzir a necessidade de utilizao de suas reservas internacionais, as linhas de curto prazo de mercado certamente sero mais caras para o pas naquela situao. Trata-se, portanto, de outra razo pela qual os pases-membros do Convnio concedem prioridade aos pagamentos das operaes cursadas no mbito do CCR, mesmo nos momentos em que o pas atravessa um perodo de baixa liquidez ou de crise financeira.

    A norma do Banco Central do Brasil que disciplina o funcionamento do CCR est inserida no Regulamento do Mercado de Cmbio e

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    Capitais Internacionais (RMCCI)30, em seu Captulo 17. O sistema montado no Brasil para fazer com que o BACEN mitigue o risco do CCR passou a incluir a contratao de um seguro de crdito junto Seguradora Brasileira de Crdito Exportao (SBCE), tendo como fonte de recursos o Fundo de Garantia Exportao (FGE), para exportaes de mdio e longo prazo (acima de dois anos). Tal exigncia, ressaltada na seo anterior, somada s contragarantias que tambm so demandadas por muitos pases sul-americanos para que a operao tenha curso no CCR, encarece o custo final do financiamento. Prejudica tambm a competitividade, justamente, das exportaes brasileiras de bens e servios de maior valor agregado que, muitas vezes, contribuem para a maior integrao fsica regional, como servios de engenharia e de construo em obras de infraestrutura. A existncia de um Fundo multilateral de garantia, conforme destacado anteriormente, poderia contornar essa situao e restabelecer a atratividade dos financiamentos para as exportaes de mdio e longo prazos, promovendo, assim, maior competitividade das empresas exportadoras brasileiras.

    As instituies bancrias participantes do CCR tm autorizao, de carter geral, para emitir cartas de crdito e notas promissrias referentes compra ou venda de mercadorias ou de servios vinculados a operaes comerciais cujo pagamento tenha sido conduzido pelo sistema, bem como para conceder aval nessas notas promissrias e em letras correspondentes a operaes comerciais, observadas as disposies do Regulamento do Convnio. Os bancos autorizados podem efetuar pagamentos, no seu pas, de instrumentos admitidos pelo CCR, correspondentes a operaes diretas e oriundas de instituies autorizadas de pases conveniados, observadas as disposies em vigor.

    Assim, cada banco central define a forma da operacionalizao do CCR no seu pas, podendo modificar suas disposies legais e, desse modo, algumas vezes at restringir, de acordo com a orientao de suas polticas econmicas internas, as garantias, as operaes e os instrumentos passveis de curso.

    No caso brasileiro, tais disposies sofreram modificaes ao longo dos ltimos anos, sobretudo no perodo entre 2000 e 2004, motivadas, no nicio, por reaes a polticas adotadas pelo principal parceiro comercial na regio, a Argentina.

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    No final de 1999, em razo da grave crise financeira pela qual passava, a Argentina proibiu que fossem cursadas no CCR importaes superiores a 360 dias e passou a exigir constituio de garantias equivalentes a 100% do valor das operaes em montante superior a US$ 100.000, cursadas no mbito do Convnio. Tal fato se explicava pela inteno do Governo argentino, no anunciada publicamente naquele momento, de abandonar a paridade cambial entre o peso e o dlar (um dos fundamentos do plano econmico que j durava uma dcada). Com isso, muitos bancos comerciais nacionais certamente passariam por grandes dificuldades de solvncia, com falta de liquidez para cumprir seus compromissos financeiros, incluindo aqueles referentes s operaes cursadas no CCR, o que, nesse caso, faria com que o Banco Central argentino tivesse de honr-los. Por essa razo, o Banco Central argentino imps aquelas restries para operaes cursadas por intermdio do Convnio.

    Em 2000, as autoridades do Banco Central do Brasil reagiram medida adotada pela Argentina, editando tambm regras de carter restritivo para operaes cursadas no CCR. A Circular 2.982 do Banco Central brasileiro, de 10 de maio daquele ano, restringiu valores e prazos das operaes no s de importao, como havia feito a Argentina, mas tambm de exportao, o que foi ainda mais grave. A justificativa apresentada pelas autoridades monetrias brasileiras era a de que no era papel do Banco Central correr riscos comerciais de exportaes. Conforme ressaltado anteriormente, os bancos centrais, no mbito do CCR, garantem, na verdade, as operaes financeiras e no as comerciais. As autoridades monetrias garantem que os bancos comerciais conveniados, autorizados pelo prprio Banco Central, que os supervisionam e que lhes concedem limites para operar no CCR, cumpriro com suas obrigaes; e no garantem, portanto, as empresas (exportadoras e importadoras). O risco, desse modo, no comercial, e sim bancrio. Esse risco, porm, reduzido, uma vez que o Banco Central conhece muito bem a sade financeira dos bancos que supervisiona. Portanto, a justificativa apresentada para restringir as operaes cursadas no Convnio era, na verdade, uma falcia.

    A Circular 2.982 determinava o seguinte:

    Art. 1 Restringir o curso sob o Convnio de Pagamentos e Crditos Recprocos CCR aos instrumentos de pagamento relativos a:

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    a importncia das garantias nas polticas pblicas de promoo das exportaes

    I - importaes realizadas para pagamento em at 360 dias; II - exportaes realizadas para recebimento em at 360 dias.

    Ora, no que diz respeito s importaes do Brasil provenientes dos pases-membros do Convnio, faz-se necessrio recordar que a maior parte delas composta por commodities e matrias-primas, ou seja, bens de baixo valor agregado. Portanto, essas importaes so realizadas por meio de operaes de prazo inferior a 360 dias. Na verdade, 90% delas tm prazo de, no mximo, 180 dias31. Isso demonstra quo incua foi a medida adotada pela Circular 2.982, do ponto de vista das importaes.

    No que se refere s exportaes, ao divulgar tal deciso, era como se o Banco Central do Brasil, na verdade, estivesse sinalizando aos parceiros do Convnio a inteno de no mais querer receber garantias para as exportaes brasileiras superiores a 360 dias, as quais, ao contrrio das importaes, estavam relacionadas, em geral, a bens e servios de maior valor agregado.

    De fato, outros bancos centrais dos pases-membros da ALADI aproveitaram essa deciso do Banco Central do Brasil para adotar, tambm, medidas que levassem proibio de cursar operaes de importao com prazos maiores de 360 dias alguns pases, como o Peru, as transformaram em Lei pois, desse modo, no precisariam conceder garantias para operaes com prazo superior a um ano, diminuindo, portanto, seu risco financeiro. Em primeiro lugar, alguns desses pases no contavam, ainda, com sistema bancrio to slido como o brasileiro e, portanto, aos seus bancos centrais interessava diminuir o risco bancrio assumido nas operaes cursadas pelo CCR. Em segundo lugar, muitos desses pases estavam em condies de captar no mercado privado recursos mais baratos para financiar seu comrcio exterior, oferecendo garantia soberana. Seus bancos centrais no se sentiam estimulados, por isso, a cursar operaes de longo prazo no CCR, uma vez que, alm de assumir o risco bancrio, estariam, tambm, assumindo o risco do Tesouro Nacional (as importaes de servios, por exemplo, eram, em grande parte, contratadas por Ministrios ou outros rgos da administrao pblica). Era como se estivessem, portanto, assumindo dvidas do Tesouro local e, desse modo, comprometendo seu nvel de reservas internacionais, quando, na verdade, poderiam estar realizando as operaes com recursos mais baratos do mercado, e com risco total

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    assumido pelo Tesouro do pas, e no pela autoridade monetria. Por fim, muitos dos pases-membros da ALADI passavam, tambm, por severos ajustes fiscais, impostos por programas negociados com o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e, portanto, seus bancos centrais tiveram muito limitada sua capacidade de assumir dvidas do setor pblico, exatamente o que faziam ao cursar no CCR operaes de importaes com vencimentos acima de 360 dias, pois os tomadores desses recursos eram, em geral, rgos pblicos.

    Hoje, j que o mercado financeiro internacional encontra-se com liquidez elevada, muitos daqueles pases preferem tomar recursos no mercado privado para financiar suas importaes de maior valor agregado, com aval direto do Tesouro. Essas operaes tm sido estruturadas, muitas vezes, com Fideicomissos, uma espcie de fundo de aval constitudo pelo Governo, o qual garante que, no vencimento da operao, haver recursos para pagar o financiamento contratado. Argentina, Colmbia, Equador, Peru e Venezuela so exemplos de alguns pases que tm preferido utilizar a estrutura de Fideicomissos para viabilizar suas importaes de maior valor agregado.

    Existiam, portanto, vrios fatores motivadores para que os demais pases do Convnio tambm tomassem medidas que restringissem, internamente, as operaes de importao cursadas no CCR, e a Circular 2.982 do BACEN brasileiro fez disparar e acelerar a entrada em vigor dessas medidas. Pelo fato de que a maior parte das exportaes brasileiras para aqueles pases, cursadas no CCR, correspondia a operaes de longo prazo (bens e servios de maior valor agregado) e as importaes, em geral, representavam operaes de curto prazo (matrias-primas e commodities), o Banco Central do Brasil era, na verdade, o maior beneficirio do sistema do CCR, pois as caractersticas de multilateralidade do Convnio, j mencionadas anteriormente, permitiam reduzir, significativamente, os riscos de recebimento, de liquidao, das operaes de prazo maior (em geral, de maior risco, comparadas s operaes de curto prazo). Com a Circular 2.982, o BACEN praticamente eliminou essa vantagem que possua.

    A referida Circular determinava, ainda, o seguinte:

    Art. 2 Dispor que o valor referente a instrumento de pagamento relativo importao cursado sob o Convnio de Pagamentos e

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    Crditos Recprocos CCR deve ser objeto de recolhimento ao Banco Central do Brasil, em dlares dos Estados Unidos, na mesma data do registro do referido instrumento no SISBACEN, caso o registro seja efetuado a partir de 15 de maio de 2000, inclusive. Art. 3 Esclarecer que o recolhimento de que trata o item anterior ser devolvido ao banco autorizado a operar no CCR: I - na data de recebimento do aviso de negociao no exterior, se o instrumento de pagamento for carta de crdito vista; ou

    II - na data do vencimento do instrumento, nos demais casos. Art. 4 Determinar que, na mesma data da devoluo de que trata o artigo anterior, o banco deve promover novo recolhimento ao Banco Central do Brasil.

    O recolhimento do valor da importao, como garantia ao Banco Central, determinado pela Circular, constitua outro fator de desestmulo aos bancos comerciais brasileiros para cursar operaes de importao no CCR. O BACEN queria, dessa forma, eliminar o seu risco bancrio na operao, mas, de fato, gerou um grande desinteresse por parte dos bancos autorizados em continuar a usar o Convnio para as operaes de importao. Tal fato criou uma dificuldade adicional para os importadores brasileiros, alm da restrio do prazo. A reduo das operaes de importao passou a limitar, tambm, as exportaes cursadas no mecanismo, dados os limites das linhas de crdito bilaterais de compensao negociadas entre o Brasil e os demais pases-membros do Convnio. Por exemplo, dada a linha bilateral de US$ 200 milhes negociada com a Venezuela, se nossas importaes de origem venezuelanas cassem de US$ 100 milhes para US$ 10 milhes, ento o Brasil s poderia cursar, naquele perodo quadrimestral, exportaes para a Venezuela em valores de at US$ 210 milhes (200 + 10), e no poderia aproveitar o limite concedido pela linha de cursar exportaes de valores maiores, como US$ 300 milhes (200 + 100), caso o pas continuasse a importar US$ 100 milhes da Venezuela por intermdio do CCR.

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    Em suma, a circular do BACEN causou um impacto extremamente negativo no Brasil e junto aos demais scios do Convnio, para um sistema que vinha funcionando a contento, e prejudicou, desse modo, a promoo do comrcio entre os pases-membros da ALADI.

    Somente em outubro de 2002, o Banco Central do Brasil procurou desfazer, parcialmente, o equvoco que o levou a prejudicar a utilizao do CCR por parte de exportadores e importadores brasileiros, mas provocou outra grande dificuldade para os financiadores, que persiste at hoje. Pela Circular 3.16032, de 30 de outubro daquele ano, que entrou em vigor no ms de dezembro seguinte, o BACEN decidiu:

    Art. 1 Admitir, a partir de 10 de dezembro de 2002, inclusive, o curso sob o Convnio de Pagamentos e Crditos Recprocos (CCR) de instrumentos de pagamento com prazo superior a 360 dias, contados da data de sua emisso.

    Art. 2 Os reembolsos do Banco Central do Brasil decorrentes das operaes de exportao brasileira amparadas em instrumentos de pagamento com prazo superior a 360 dias so efetivados a cada quadrimestre, nos