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alternativas de financiamento agropecuário:

experiências no Brasil e na América Latina

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Dos autores

Antônio Márcio Buainain é professor assistente doutor do Instituto de Economia (IE) da Universidade de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola (NEA) do Instituto de Economia da Universidade de Campinas e do Grupo de Estudos da Organização da Pesquisa e Inovação (Geopi) do Instituto de Geociências da Unicamp.

Maria Gabriela González, economista, é especialista em Finanças do Banco Mundial e em Programa de Intercâmbio de Funcionários (Staff Exchange Program), com atividades desenvolvidas na Representação do IICA no Brasil entre agosto de 2005 e julho de 2007.

Hildo Meirelles de Souza Filho é professor associado do Departamento de Engenharia de Produção (DEP) da Universidade Federal de São Carlos e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas Agroindustriais (Gepai).

Adriana Carvalho Pinto Vieira, advogada, é mestre em Direito e pesquisadora do Núcleo de Economia Agrícola do Instituto de Economia (IE) da Universidade de Campinas (Unicamp).

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Antônio Márcio BuainainMaria Gabriela González

(coordenadores)

Antônio Márcio BuainainMaria Gabriela González

Hildo Meirelles de Souza FilhoAdriana Carvalho Pinto Vieira

Brasília, 2007

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___________________________________________________________________________________

B917aBuainain, Antônio Márcio. Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina / Antônio Márcio Buainain, Maria Gabriela González, Hildo Meirelles de Souza Filho, Adriana Carvalho Pinto Vieira; coordenadores, Antônio Márcio Buainain, Maria Gabriela González. – Brasília: IICA; Unicamp, 2007.

xii, 228 p.; 15 x 23 cm.

ISBN 978-85-98347-12-7

1. Crédito rural. 2. Crédito rural – estudo de caso – Brasil. 3. Crédito rural – estudo de caso – América Latina. I. González, Maria Gabriela. II. Souza Filho, Hildo Meirelles de. III. Buainain, Antônio Márcio. IV. Pinto Vieira, Adriana Carvalho. V. Título.

CDD 338.1881___________________________________________________________________________________

Catalogação na publicação: Identidade Consultores Associados LTDA.

© dos autores1ª edição: 2007

Direitos reservados desta edição: Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura

Estudo preparado pelo IICA e Unicamp, com o apoio do Banco Mundial, por meio do seu Programa de Intercâmbio de Funcionários com o IICA. O conteúdo reflete as opiniões dos autores e não necessariamente as do Banco Mundial.

© 2007 IICA

Distribuição:Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICASHIS QI 3, Lote “A”, Bloco “F” – Centro Empresarial Terracotta – Lago SulCEP: 71.605-450 – Brasília/DFTel: (61) 2106 5477Fax: (61) 2106 5459www.iica.org.br

Revisão: Marco Aurélio SalgadoProjeto gráfico, capa e diagramação: Grifo Design

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iii

Agradecimentos

Os autores são gratos a todos os que contribuíram, de várias maneiras, para viabilizar esta publicação. O apoio do Dr. Carlos Basco, Representante do IICA no Brasil, foi decisivo para transformar o projeto em realidade; Luis Valdés, Especialista Regional de Projetos da

Região Sul do IICA, sediado na Representação do IICA no Brasil, consciente da relevância do tema, deu o impulso inicial na proposta de coletar as experiências de financiamento rural nos países do Mercosul; Benedicte Boullet, Administradora do Programa de Intercâmbio de Funcionários do Banco Mundial, pelo apoio do convênio que viabilizou a participação de Gabriela González.

Somos particularmente gratos a todos aqueles que contribuíram para enriquecer o estudo e que dedicaram tempo para discutir conosco, quase sempre à distancia, aspectos polêmicos deste apaixo-nante tema, enviaram sugestões e materiais já publicados, revisaram versões preliminares de muitos capítulos, ajudaram com o idioma ou simplesmente injetaram ânimo quando em vários momentos o projeto parecia abandonado. Queremos destacar em particular a colaboração de Jacob Yaron, Erin Bryla, Anjali Kumar e Guido Fernandez, do Banco Mundial; Pedro Nogueira Diogo, do Instituto Bra-sileiro de Administração Municipal; Ademiro Vian, da Federação Brasileira de Bancos; Gloria Peralta Abraham, Representante do IICA no México; Ramon Montoya, Representante do IICA na Costa Rica; Michael Bedoya, Representante do IICA em Canadá; Ernani Fiori, ex-Representante do IICA na Venezuela; Stélio Gama Lyra Junior, do Banco do Nordeste do Brasil S.A; Pablo González, do Banco Los Andes Procredit; Isaac Jaime Oviedo Blades, da Associação Nacional Ecumênica de Desenvol-vimento; Raimundo da Costa Sobrinho, do Departamento de Crédito Fundiário da Secretaria de Reordenamento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Finalmente, pela colaboração não menos importante em diversas fases, nossos agradecimentos a Fernanda Tallarico, Patrícia Porto, Ana Letícia Alves de Matos e Fábio da Silva Gonçalves, todos da Representação do IICA no Brasil; Rafael Reis, estudante do Instituto de Economia da Unicamp que participou da fase inicial do projeto, coletando e resumindo informações que nos foram úteis para o desenvolvimento do trabalho; Marco Aurélio Soares Salgado, revisor do texto, que contribuiu para tor-ná-lo mais leve e legível, e Eduardo Trindade pelo trabalho de composição e apresentação do livro.

Os Autores

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v

Apresentação

Milhões de pequenos agricultores têm estado à margem do processo de desenvolvimento eco-nômico e social em toda a América Latina. Os diagnósticos sobre a marginalização desses agricultores podem variar na ênfase atribuída a um ou outro fator, mas, na maioria dos casos,

as análises acabam incluindo o mesmo conjunto de variáveis explicativas, entre as quais se destacam: a má distribuição da propriedade fundiária, debilidade tecnológica, dificuldade de acesso ao financiamen-to e aos mercados, baixo nível educacional e deficiência das políticas públicas em geral.

Não há dúvidas quanto ao papel essencial do crédito para o desenvolvimento econômico, em particular nas sociedades baseadas em economias de mercado e no empreendedorismo privado. Esse papel não é menor em relação ao setor agropecuário; ao contrário, é até mais relevante devido aos riscos adicionais associados aos fatores climáticos e à maior rigidez para se ajustar às flutuações do mercado. O produtor agropecuário é mais vulnerável e mais dependente de recursos externos para financiar a produção corrente e os investimentos necessários para manter a competitividade, sobre-tudo, os pequenos agricultores, que enfrentam restrições adicionais, tanto em relação ao próprio tamanho, quanto à estrutura socioeconômica polarizada e excludente, que caracterizou a formação da maioria dos países latino-americanos.

Durante décadas, o diagnóstico dominante sobre o tema, e que orientou o desenho e a imple-mentação das políticas públicas e de financiamento, foi o da insuficiência de recursos associada à vigência de condições inadequadas de financiamento para os pequenos agricultores. Em alguns países, como Brasil, México, Argentina ou Colômbia, e em várias e diferentes épocas, os governos implementaram políticas e programas de financiamento e de desenvolvimento rural que absorveram quantidades consideráveis de recursos, cujos resultados ficaram longe do esperado. Como regra geral, os programas de desenvolvimento rural e as políticas de financiamento rural implantados, principalmente nas décadas de 70 e 80, definiam condições especiais de acesso para os pequenos agricultores e taxas de juros reduzidas e fortemente subsidiadas. Ainda assim os resultados foram, na melhor das hipóteses, decepcionantes e, em todos os países, insuficientes para modificar o qua-dro estrutural de exclusão – ou mesmo para reduzir a exclusão e viabilizar a sustentabilidade de parte dos pequenos agricultores.

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Em que pesem os infindáveis debates sobre a qualidade das políticas públicas, não parece haver dúvidas de que o próprio diagnóstico, que atribuía a exclusão dos pequenos agricultores à falta de vontade política, escassez de recursos e condições inadequadas de financiamento, falhou em alguma parte da explicação. Independente da maior ou menor validade dos diagnósticos, o fato é que os Estados Nacionais na América Latina já não estão em condições de manter os custosos programas de crédito rural subsidiados do passado.

A necessidade dos pobres de ter acesso a serviços financeiros aumentou com as reformas estruturais promovidas em quase todos os países da região, e o fracasso dos governos em lidar com o tema abriu espaço para experiências, mais ou menos inovadoras, que vêm sendo implementadas, com ou sem participação do setor público, em muitos desses países. Encontra-se, nesta publicação, um balanço de algumas dessas experiências, mostradas de maneira organizada, seguindo uma metodologia focada nos principais desafios enfrentados pelos programas de crédito rural e buscando informar o leitor, com obje-tividade, facilitar a compreensão sobre o assunto e provocar debates entre os especialistas.

O livro foi preparado também, e talvez principalmente, com o pensamento nos leigos em matéria de economia, profissionais que lidam cotidianamente com os problemas dos produtores rurais e que são, em grande medida, responsáveis pela execução das políticas públicas no meio rural. Esse pú-blico poderá se beneficiar muito do esforço feito pelos autores para apresentar, de maneira simples – e quase sempre agradável –, os problemas complexos que envolvem o financiamento agropecuário, sobretudo aquele orientado para os produtores mais pobres, tradicionalmente excluídos do crédito comercial. O caráter didático da obra não impede os autores de tomarem posição sempre que ne-cessário e possível. Com base nas experiências examinadas, deixam claro que as condições especiais de financiamento não garantem o sucesso das políticas e que, na maioria dos países, as políticas especiais são inviáveis; quando não o são, enfrentam enormes dificuldades para se manter.

Os autores explicitam, ao longo do trabalho, os muitos dilemas enfrentados pelos formuladores das políticas e pelas instituições de financiamento no processo de seleção dos beneficiários, nas exi-gências de garantias e nas condições de financiamento e pagamento. Indicam os limites das políticas de crédito que, sozinhas, dificilmente criam condições para a inserção dos produtores pobres em mercados cada vez mais exigentes.

Este projeto surgiu de uma iniciativa da Unidade de Projetos do IICA Brasil, cuja experiência de campo em vários países revelava não apenas a importância do tema, mas o fato de que as experiên-cias locais de financiamento rural não eram compartilhadas pelos atores e pelas instituições nacio-nais, menos ainda no plano internacional.

A proposta foi desenvolvida graças à entusiasta adesão dos quatro autores e à participação de um grupo de pessoas que colaborou, voluntariosamente, de várias maneiras, desde o envio de mate-rial informativo até entrevistas para esclarecer detalhes sobre experiências abordadas no estudo.

O IICA tem satisfação de colocar este trabalho à disposição do público.

Carlos Américo BascoRepresentante do IICA no Brasil

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Sumário

Lista de quadros, figuras e tabelas ix

Lista das principais siglas utilizadas xi

Abstract xiii

Resumo xv

Resumen xvii

Introdução 1

CRéDITO RURAL E DESENVOLVIMENTO: RACIONALIDADE, INSTITUIçõES E INSTRUMENTOS 5

1. Racionalidade do crédito rural 7

1.1. Por que é necessário ofertar crédito em condições especiais? 7

1.2. Definição do público-alvo e do nível de cobertura 8

1.3. Linhas de financiamento 9

1.4. Condições de financiamento 10

1.5. A institucionalidade dos programas de crédito rural 13

1.5.1. Medidas para obter informações sobre os tomadores de crédito (screening) 15

1.5.2. Mecanismos de incentivos ao cumprimento dos contratos (garantias) 16

1.5.3. Enforcement 17

1.6. Avaliando o desempenho das organizações especializadas em crédito rural 19

1.6.1. Alcance (outreach) 20

1.6.2. Auto-sustentabilidade 21

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2. Organizações envolvidas com o crédito rural 23 2.1. Bancos comerciais oficiais e privados 23 2.2. Instituições de Microfinanças Rurais (IMFRs) 26 2.2.1. Instituições de microfinanças em geral 26 2.2.2. As dificuldades apresentadas para operar no meio rural 28 2.2.3. Cooperativas de crédito 28 2.2.4. Organizações não-financeiras auxiliares 30

3. Outros mecanismos de financiamento e redução de risco 35 3.1. Titularização e financiamento agropecuário 35 3.2. Titularização por meio do fideicomisso financeiro 39 3.2.1. O fideicomisso 39 3.2.2. O fideicomisso financeiro 40 3.3. Leasing financeiro (arrendamento financeiro) 41 3.4. Factoring 42 3.5. Crédito para aquisição de terra: a reforma agrária pela via do mercado 44 3.6. Fundos de aval 47

ESTUDOS DE CASOS SOBRE ExPERIêNCIAS DE CRéDITO RURAL 49

4. Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) 51

5. Caja de Ahorros y Créditos los Andes S.A. F.F.P. 75

6. Programa de Microcrédito Produtivo do Banco do Nordeste (Crediamigo) 85

7. Programa de Microcrédito Rural do Banco do Nordeste do Brasil S.A. (Agroamigo) 91

8. Cresol – Sistema de Cooperativas de Crédito com Interação Solidária 95

9. Financeira Calpiá: modelo de excelência na tecnologia creditícia urbana adaptada ao crédito rural 105

10. A cédula de produto rural 113

11. Titularização de gado de corte: Bolsa Nacional Agropecuária da Colômbia 129

12. Arrendamento financeiro (microleasing) da Associação Nacional Ecumênica de Desenvolvimento (Aned) 133

13. Factoraje Electrónico – Nacional Financiera (Nafin) 143

14. Programa Nacional de Crédito Fundiário 149

15. Fundo Municipal de Aval de Poço Verde 159

16. Programa de Hedging do Banco Multisectorial de Inversiones / Fideicomiso Especial de Desarrollo Agropecuario (BMI/Feda): além da simples redução de risco 167

17. Considerações finais: o desafio de financiar os excluídos 171

18. Matriz – resumo 185

19. Referências bibliográficas 203

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ix

Lista de quadros, figuras e tabelas

QUADROS

Quadro 1. Tecnologia de crédito 13

Quadro 2. Seguro de crédito agrícola 19

Quadro 3. Serviços de assistência técnica e extensão rural no Brasil 31

Quadro 4. Fontes de recursos do Sistema Nacional de Crédito Rural – Brasil 53

Quadro 5. Medidas para evitar preferências na concessão de crédito do Pronaf 59

Quadro 6. Análise dos resultados do Pronaf 68

Quadro 7. Prodernea – capacitação ao produtor rural 72

Quadro 8. Soja verde 114

Quadro 9. Certificado de Mercadorias com Emissão Garantida (CMG) 121

Quadro 10. Fundo de Financiamento da Atividade Leiteira do Uruguai: exemplo de securitização (titularização de crédito) para o financiamento do setor leiteiro 125

Quadro 11. Seguro rural na Bolívia 140

Quadro 12. Agentes que participam da operação de factoring reverso 145

Quadro 13. Corporación de Fomento de la Producción (Corfo) – operações de leasing e factoring para empreendimentos agrícolas maiores 147

FIGURAS

Figura 1. Fluxo Operacional de Letra de Crédito de Agronegócio (LCA) 37

Figura 2. Fluxo Operacional de Certificado de Recibíveis do Agronegócio (CRA) 38

Figura 3. Esquema do factoring 43

Figura 4. Resumo do processo de emissão e circulação da CPR 116

Figura 5. Linha de crédito para aquisição de CPR 117

Figura 6. Funcionamento do arrendamento financeiro da Aned 135

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TABELAS

Tabela 1. Critérios de elegibilidade do Pronaf por grupo de beneficiários 56

Tabela 2. Pronaf – modalidades de financiamento 60

Tabela 3. Pronaf Custeio: estimativa de gastos do Tesouro Nacional com equalização de recursos do FAT e RPE por contrato – Safra 2002/2003 71

Tabela 4. Cresol – condições de financiamento de lavouras 98

Tabela 5. Carteira total da Aned até 31.12.2006 138

Tabela 6. Número de operações e montante financiado por departamento sob a modalidade de leasing até 31.12.2006 138

Tabela 7. Número de contratos de Pronaf Custeio e Pronaf Investimento: Município de Poço Verde (SE) – 1995 a 2001. Ano fiscal 164

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Lista das principais siglas utilizadas

Agroamigo Programa de Microcrédito Produtivo do Banco do Nordeste

Aned Associação Nacional Ecumênica de Desenvolvimento (Bolívia)

Asofin Asociación de Entidades Financieras Especializadas en Micro Finanzas de Bolivia (Bolívia)

Ater Assistência Técnica e Extensão Rural

BBM Bolsa Brasileira de Mercadorias

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM&F Bolsa de Mercadorias & Futuros

BMI Banco Multisectorial de Inversiones (El Salvador)

BNB Banco do Nordeste do Brasil S.A.

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BROU Banco da República Oriental do Uruguai (Uruguai)

CAF Consolidação da Agricultura Familiar

CAF Corporação Andina de Fomento

CDI Certificado de Depósito Financeiro

Cetip Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos

CMDR Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural

CMG Certificado de Mercadorias com Emissão Garantida

Contag Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

Corfo Corporación de Fomento de la Producción

CPR Cédula do Produtor Rural

Crediamigo Programa de Microcrédito do Banco do Nordeste

Cresol Cooperativas de Crédito com Interação Solidária

Emater Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural

Emdagro Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe

FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

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FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador

Feda Fideicomiso Especial de Desarrollo Agropecuario (El Salvador)

FFAL Fundo de Financiamento da Atividade Leiteira (Uruguai)

Finrural Associação de Instituições Financeiras para o Desenvolvimento Rural

FNE Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste

IICA Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura

IMFR Instituição de Microfinança Rural

IMT Imposto Municipal sobre Transferências

Incra Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

ITF Imposto sobre Transações Financeiras

IVA Imposto sobre Valor Agregado

Mapa Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

MCR Manual de Crédito Rural

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MGAP Ministerio de Ganadería, Agricultura y Pesca (Uruguai)

Nafin Nacional Financiera (México)

Nead Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento

ONGs Organizações Não-Governamentais

Oscip Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PCT Programa Cédula da Terra

PME Pequenas e Médias Empresas

PNCF Programa Nacional de Crédito Fundiário

PNMPO Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado

Proagro Programa de Garantia da Atividade Agropecuária

Procera Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária

Prodernea Programa de Desenvolvimento Rural das Províncias do Nordeste Argentino (Argentina)

Prodem Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Educação nos Municípios

Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

Provap Programa de Valorização da Pequena Produção Rural

SAF Secretaria da Agricultura Familiar

Selic Sistema Especial de Liquidação e Custódia

Sibrater Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural

SNCR Sistema Nacional de Crédito Rural

STN Secretaria do Tesouro Nacional

TCU Tribunal de Contas da União

Unicamp Universidade de Campinas

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Abstract

The document is divided in two parts. The first, discusses the importance of rural credit, and presents the rationale that governs the financing of the agricultural sector. It supports the argument that even though interest rates and terms of credit are relevant,

the institutional organization of credit programs is what most influences results for producers as well as financial intermediaries. This institutionality refers to the set of rules and incentives that determine the allocation of resources by said financial intermediaries and the attitude of borrowers towards credit.

Continuing this line of thought, the study discusses the main operational difficulties of financing mechanisms: public targeting and the challenges of client screening given informational asymmetries in rural settings; selection bias associated to the requirement of guarantees on the part of poor rural families, as well as the effectiveness of guarantees in the context of low legal enforcement; incentives for contract enforcement; finally the study discusses two criteria widely recognized and used to measure the success of a rural credit program: outreach and sustainability.

The study then presents a summary of the main forms of financing agricultural activity and describes various organizations that participate in rural credit. Additionally are presented alternative financing mechanisms that have been introduced as a result of the failure of traditional rural credit programs, such as securitization of trusts, leasing, factoring and the creation of guarantee funds.

The second part presents case studies of rural financing experiences in Brazil, and other Latin American countries. These case studies intend to illustrate how credit programs and financial organizations use different their embedded credit technology to respond to the above presented issues of screening, guarantees, enforcement, outreach and sustainability.

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Resumo

O documento está dividido em duas partes. Na primeira, o trabalho apresenta uma reflexão sobre a importância do crédito rural e a racionalidade particular que rege o financiamento no setor agropecuário. é sustentada a tese de que embora taxas de juros e prazos sejam

relevantes, a institucionalidade dos programas de crédito é determinante dos resultados, tanto para os produtores, como para as instituições financeiras. Essa institucionalidade refere-se ao conjunto de regras e de incentivos que pautam a alocação dos recursos pelas instituições financeiras e à atitude dos tomadores de crédito em relação ao uso dos recursos.

Nesta ordem de idéias, o estudo discute as principais dificuldades para operação dos mecanismos de financiamento no meio rural: a quem emprestar (público-alvo); como selecionar os clientes, dada a manifestação das falhas de informação no meio rural (screening); o viés de seleção, associado à exigência de garantias de famílias pobres, e a efetividade das garantias exigidas em um contexto caracterizado por problemas de execução judicial; os mecanismos de incentivos e de cumprimento dos contratos (enforcement); e, finalmente, a discussão de dois critérios usados para avaliar o sucesso dos programas de crédito rural: o alcance e a sustentabilidade dos programas.

À continuação, o estudo apresenta as principais linhas de financiamento e as várias organizações envolvidas no crédito rural, assim como mecanismos de financiamento que vêm sendo introduzidos a partir da crise dos programas, em particular, a titularização, as várias modalidades de fideicomisso, o leasing financeiro, o factoring e o uso de fundos de aval.

A segunda parte apresenta uma série de estudos de casos e mais outros exemplos ilustrativos sobre experiências de financiamento rural, no Brasil e em alguns países da América Latina. Os estudos de casos procuram ilustrar como programas de crédito e de organizações financeiras de diversos tipos usam tecnologias de crédito diferentes para responder ao problema da seleção, das garantias, do cumprimento dos contratos, do alcance de cada programa e da sustentabilidade.

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Resumen

El presente documento está dividido en dos partes. En la primera parte el estudio presenta una reflexión sobre la importancia del crédito rural e la racionalidad que rige el financiamiento al sector agropecuario. Se defiende el argumento de que a pesar de que las tasas de interés

sean relevantes, la institucionalidad de los programas de crédito es componente esencial para la obtención de resultados, tanto para los productores como para las instituciones financieras. Esa institucionalidad se refiere al conjunto de reglas e incentivos que determinan la asignación de recursos por parte de las instituciones financieras y la actitud de los tomadores de crédito con respecto a la utilización de recursos.

En este orden de ideas, el estudio discute las principales dificultades para operacionalizar el financiamiento en el medio rural: la decisión de a que segmento de la población será dirigido (determinación de público meta) y como seleccionar los clientes a la luz de las asimetrías de información características del medio rural (el problema de selección o screening); el sesgo de selección inherente a la exigencia de garantías a las familias pobres y la efectividad de dichas garantías en un contexto caracterizado por problemas de ejecución judicial; los mecanismos de incentivos y de cumplimiento de los contratos (enforcement). Finalmente, se discuten dos criterios usados para evaluar el éxito de los programas de crédito rural: el alcance y la sustentabilidad.

Seguidamente el estudio presenta las principales líneas de financiamiento y las diversas organizaciones involucradas en la oferta de crédito rural, así como algunos instrumentos de crédito que han surgido a partir de la crisis de los programas tradicionales. Estos son titularización, fideicomiso, leasing financiero, factoring y fondo de aval.

La segunda parte del documento presenta una seria de estudios de casos y otros ejemplos ilustrativos sobre experiencias de financiamiento rural en Brasil y en otros países de Latinoamérica. Los estudios de caso pretenden ilustrar como los programas de crédito y las diversas instituciones financieras usan tecnologías de crédito diferentes para responder a los problemas de selección, garantías, cumplimiento de contratos, de alcance y de sustentabilidad.

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Introdução

Em praticamente todos os países da América Latina, o modelo de regulação econômica baseado na intervenção direta e no uso de recursos públicos para financiar o setor privado e bancar o crédito agropecuário, utilizado largamente até meados dos anos 80, esgotou-se ao longo das

últimas duas décadas.

As ações governamentais e o financiamento público vêm se mostrando insuficientes para fomentar a produção agrícola e promover o desenvolvimento local. Reduziu-se a disponibilidade de recursos públicos para financiar a produção e apoiar os agricultores e, mesmo naqueles países que ainda con-tam com programas de crédito rural relevantes, como o Brasil, aos cofres públicos, a operação desses recursos é cada vez mais onerosa, o que indica sua insustentabilidade no médio e no longo prazo.

Todos os fatores correntes apontam para a necessidade de adoção de novos mecanismos privados de financiamento e de políticas públicas – sustentáveis do ponto de vista fiscal e de resultados efe-tivos – focadas tanto na criação de condições adequadas para a atração de investimentos privados, quanto nos agricultores familiares, em especial os mais pobres.

Com exceção, talvez, de Costa Rica e do Chile, países que realizaram reformas liberalizantes nos anos 70 e lograram estabelecer, com certo êxito, mecanismos privados e de mercado de financia-mento da agricultura, na maioria dos países da América Latina, ainda convivem com os resquícios do modelo anterior de intervenção e com o reconhecimento da necessidade de mudanças que, ou se traduzem em tentativas válidas — porém não necessariamente exitosas — de implantar novos mecanismos, ou se esvaem em discursos que não chegam a se materializar em reformas substantivas e mudanças de atitudes. Por outro lado, há a constatação preocupante de que a falência do modelo de financiamento estatal não deu lugar, na maioria dos países, à entrada do setor privado no finan-ciamento do desenvolvimento rural, em particular do grupo de pequenos agricultores camponeses e dos agricultores familiares.

Passados entre 15 e 20 anos do início da implementação das chamadas reformas estruturais na América Latina, não se pode dizer que, no caso do financiamento da agricultura, a evolução da rea-

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lidade tenha de fato correspondido às expectativas otimistas sustentadas nas reflexões que então se faziam sobre as reformas em andamento.

Não há dúvidas de que o mercado substituiu o Estado, com evidentes vantagens, como o principal mecanismo de regulação setorial no que se refere à alocação de recursos dos produtores, decisões de produção, formação de preços e destino da produção; ainda assim, o novo ambiente institucional pró-mercado não foi suficiente para estimular a emergência de mecanismos de financiamentos privados, sobretudo para investimentos e para pequenos agricultores. As evidências parecem indicar que os bancos privados têm sido tímidos no financiamento da agricultura, e que os recursos e os mecanismos têm sido insuficientes para fomentar o desenvolvimento do potencial produtivo latente no setor.

O contexto vigente nos países da região é radicalmente distinto daquele que predominou nas dé-cadas passadas. A inflação deixou de ser o problema determinante da gestão da política econômica e, na maioria dos países, a preocupação dominante é com a retomada do crescimento econômico e com a redução dos níveis elevados de pobreza, rural e urbana.

Os Estados nacionais enfrentam severas e duradouras restrições fiscais e já não têm condições de manter o papel de principal motor da economia. Ao mesmo tempo em que o Estado mantém um papel central na criação de condições e de ambientes adequados e favoráveis para que o setor pri-vado lidere o processo de crescimento, precisa ainda enfrentar com eficácia o problema da pobreza e da marginalidade.

A ampla democratização do continente elevou o nível e a complexidade das demandas da socie-dade, que hoje cobra respostas imediatas e permanentes para a solução de problemas que nos países desenvolvidos foram superados no início do século 20, como o da educação básica universal, segu-rança alimentar e acesso a serviços de saúde e ao transporte. À agenda do passado, ainda longe de ser superada, acrescentam-se novas preocupações, entre as quais: direitos humanos lato sensu, seguridade dos alimentos, segurança pública, meio ambiente e inovações tecnológicas.

As economias estão hoje mais integradas ao mercado internacional e sujeitas às regras de gover-nança global e aos acordos sub-regionais. A concorrência é muito mais acirrada do que no passado, e a maioria dos mercados agrícolas e de manufaturados nos quais os países latino-americanos tinham maior presença e possivelmente alguma vantagem competitiva vem passando por rápido e profundo processo de reestruturação, seja devido à entrada de novos atores, como China e Rússia, seja devido à nova governança global (acordos comerciais e de integração econômica regional e sub-regional).

Neste contexto em movimento, uma questão levantada, tanto para os formuladores de políticas, como para os pesquisadores, diz respeito às alternativas de políticas para promover o desenvolvimento em geral e incluir, neste processo, aqueles segmentos que no passado foram marginalizados.

Na maioria dos países da região, o setor agropecuário e o agroindustrial têm sido responsáveis pela geração de parcela importante da renda nacional, das divisas internacionais e das receitas fis-cais; e, em que pese à urbanização acelerada, pela ocupação da mão-de-obra no campo e na cidade. Embora a agricultura seja um setor estratégico para as economias nacionais, não é como tal reco-

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Introdução �

nhecida no arranjo político que governa a maioria dos países e nem mesmo nas políticas públicas dominantes implementadas durante a última década. Um dos principais obstáculos enfrentados pelos agricultores é a dificuldade de acesso a recursos financeiros para alavancar investimentos e mobilizar o potencial produtivo do setor.

As experiências do passado mostraram que, por si só, a disponibilidade de recursos e os subsí-dios não são suficientes para promover o desenvolvimento sustentável. A lista de distorções em-butidas nos programas de crédito subsidiados é extensa, e inclui, desde concentração de recursos em um número relativamente pequeno de médios e grandes produtores, a estímulo à concentração fundiária, sobremecanização, migração campo–cidade e uso insustentável dos recursos naturais. O desafio, no momento, é enorme: trata-se de mobilizar recursos públicos e privados e canalizá-los para o setor por meio de mecanismos sustentáveis e que promovam a competitividade, uso susten-tável dos recursos naturais e inclusão dos pequenos agricultores aos mercados mais dinâmicos.

O pessimismo que pode abater o analista ao constatar, em uma visão mais macro, que a evolução do mercado de crédito rural não correspondeu às expectativas que se tinha no início dos processos de reformas estruturais, transforma-se em otimismo ao se deparar com a profusão de experiências, com ou sem participação do Estado, implementadas em praticamente todos os países da América Latina. Essas experiências, concentradas, geralmente, em populações específicas e de alcance geo-gráfico limitado, vêm possibilitando um rico aprendizado em como lidar com situações complexas que envolvem o acesso das famílias rurais pobres ao crédito e aos serviços financeiros disponíveis, em regra, para as populações urbanas, para a sustentabilidade dos fundos disponíveis e para a alo-cação eficiente de recursos pelos produtores. Em conseqüência, têm-se:

disponibilização de novos serviços financeiros para grupos de agricultores das mais diversas regiões do continente;

introdução de novas tecnologias financeiras, aperfeiçoadas pela experiência, inclusive com os fracassos;

implementação de novos programas, com resultados em alguns casos promissores e em ou-tros nem tanto;

valorização de novos atores e instituições que, em passado recente, tinham atuação apenas marginal e, hoje, são atores relevantes na facilitação da difícil tarefa de promover o desenvol-vimento econômico e social.

Este trabalho, elaborado entre julho de 2006 e março de 2007, recolhe e sistematiza um conjunto relevante de experiências de financiamento rural que foram ou estão em implementação nos países da América Latina. A coleta de informações começou em janeiro de 2006 e levou em conta suges-tões e materiais disponibilizados por muitas pessoas de diferentes organismos e países. A segunda parte, dedicada aos estudos de casos, apresenta apenas uma amostra das experiências, selecionada tanto em função da disponibilidade de informações, quanto dos critérios técnicos. Ainda assim, procurou-se incluir casos representativos do uso de um amplo conjunto de instrumentos, desde o microcrédito até os novos mecanismos de financiamento por meio de títulos de crédito privados e de

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experiências outras em muitos países da região. Ainda que os autores tenham tentado, foi inevitável o “viés” brasileiro. O País contribui com o maior número de casos analisados no estudo.

O documento está dividido em duas grandes partes: a primeira focaliza os aspectos conceituais relacionados ao crédito rural, assumindo, conscientemente, um caráter quase didático. A opção pelo didatismo decorre da constatação de que o desenho e a implementação de mecanismos de fi-nanciamento rural, no qual intervêm profissionais de diversas áreas, ainda é objeto de controvérsias políticas e sujeito à falta de compreensão de aspectos econômicos relevantes e determinantes para o êxito ou fracasso de muitas iniciativas. São discutidos ainda na primeira parte os objetivos do crédito rural, a questão do foco, o papel e o funcionamento dos vários instrumentos de financiamento e a redução de risco, as condições de financiamento, a institucionalidade dos programas de crédito rural e as organizações envolvidas no financiamento rural.

Sustenta-se a tese, já amplamente difundida e aceita na literatura especializada, que os resultados dos programas de crédito são fortemente condicionados pelo desenho e ambiente institucional no qual se inserem. Procurou-se, por tanto, examinar o papel de alguns aspectos relevantes para o desenho dos programas, entre os quais se destacam os seguintes: screening e seleção de mutuários; os mecanismos de garantia; os incentivos e os mecanismos de enforcement; o alcance do instrumento/programa/política e, por fim, a sustentabilidade. Com base nesses fatores, é proposta uma “metodologia” para organizar a apresentação dos estudos de casos na segunda parte do documento.

Na segunda parte, são apresentados e analisados vários “estudos de casos”. Procurou-se adotar um padrão único para apresentar todos os estudos de casos, incluindo a origem da experiência, o status atual, o público-alvo, as principais linhas e condições de financiamento, as fontes de recursos utilizadas, as garantias, screening, enforcement, alcance e sustentabilidade do instrumento/progra-ma/política de financiamento.

A profundidade com que os vários aspectos são analisados dependeu da qualidade da informação disponível e, em alguns casos, do contato direto com os responsáveis pela experiência. Junto com os estudos de casos são também apresentadas algumas experiências relevantes, de forma mais sintética e sem necessariamente cobrir todos os tópicos da estrutura dos estudos de casos.

A perspectiva dos autores, com a publicação deste estudo, levado a cabo com apoio do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), mas como uma iniciativa pessoal dos parti-cipantes, é contribuir para a difusão de informações, para a reflexão sobre o financiamento da agricul-tura e, principalmente, para o aprimoramento do desenho dos instrumentos e programas públicos e privados.

Antônio Márcio BuainainMaria Gabriela González

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Crédito rural e desenvolvimento: racionalidade, instituições e instrumentos

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1. RACIonALIdAde do CRédIto RuRAL

1.1 Por que é necessário ofertar crédito em condições especiais?

O crédito rural é um serviço essencial para apoiar o desenvolvimento da produção agro-pecuária. Trata-se, como é sabido, de atividade cercada de especificidades que se tra-duzem em um risco econômico elevado. De um lado, encontram-se as incertezas as-

sociadas às próprias variações nas condições naturais como secas, chuvas em excesso ou fora do momento adequado, ocorrências de pragas etc. De outro lado, encontram-se as incertezas associadas às flutuações dos mercados agropecuários e à maior dificuldade de ajustar a oferta às mudanças na conjuntura econômica. Além disso, os principais mercados agropecuários con-tinuam sujeitos a elevados riscos institucionais decorrentes das políticas agrícolas e comerciais dos países desenvolvidos; e aos preços exageradamente voláteis das principais commodities.

Neste contexto, os agricultores enfrentam, mais do que os empreendedores de outros setores, dificuldades especiais para capitalizar-se com recursos próprios e, por isso, dependem da dispo-nibilidade de crédito, em quantidade e condições adequadas, para financiar os investimentos e a produção corrente. Entretanto, os agricultores, notadamente os pequenos e familiares, que sempre tiveram dificuldades para obter crédito, enfrentam, nos últimos anos, problemas ainda maiores de-vido à crise dos programas tradicionais de crédito rural e à lentidão do mercado financeiro privado em assumir um papel ativo, em substituição ao Estado. Em que pese os progressos registrados com a adoção de programas de ajustes estruturais e o controle de processos inflacionários, as condições macroeconômicas vigentes ao longo da última década não propiciaram, como se esperava, um am-biente favorável à consolidação de sistemas de crédito rural para financiar investimentos de longo prazo e associados a atividades de maior risco.

Em muitos países do mundo, sobretudo os desenvolvidos, a oferta de crédito para a agricultura continua sujeita à intervenção governamental. Programas de crédito são criados com objetivo de garantir um fluxo de recursos em quantidade adequada às necessidades e às potencialidades do setor

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e em condições de pagamento que sejam compatíveis com as especificidades, os riscos da atividade e com o nível de capitalização dos produtores rurais, em especial, os mais pobres.

A mobilização de recursos privados e o acesso dos pequenos agricultores a esses recursos, par-ticularmente os mais pobres, enfrentam obstáculos que não podem ser minimizados. De uma parte, as organizações de financiamento não têm experiência no relacionamento com esse público, não dispõem de tecnologia creditícia adequada e não dominam a avaliação de riscos envolvidos nos fi-nanciamentos agropecuários, uma vez que o risco econômico de sua clientela tradicional – que vive e trabalha no meio urbano – é de natureza distinta. De outra parte, parcela dos próprios produtores tem dificuldade para se adequar às exigências a aos padrões envolvidos nas operações de crédito, principalmente em relação às garantias; e, em alguns países, às condições de financiamento. Neste caso, a avaliação de risco feita pelos bancos se traduz em condições que podem não corresponder àquelas que viabilizariam os investimentos privados dos agricultores.

Introduz-se, portanto, uma assimetria entre as condições que viabilizariam a mobilização de recursos privados para financiar a agricultura e as condições que viabilizariam os investimentos pelos agricultores. O desafio do desenho e da implementação de políticas de financiamento é justamente harmonizar os interesses e incentivar esses dois atores-chave. Para tanto, “condições especiais” podem ser necessárias, mas não podem ser confundidas com os subsídios do passado, nem podem se traduzir em políticas e programas insustentáveis do ponto de vista financeiro e ineficazes do ponto de vista dos beneficiários. Várias experiências analisadas na segunda parte deste estudo confirmam a viabilidade de oferecer crédito aos agricultores pobres em condições especiais e ao mesmo tempo sustentáveis.

1.2 definição do público-alvo e do nível de cobertura

A América Latina tem sólida tradição no desenho de políticas públicas universais que atribuem direitos e benefícios legais a todos sem levar em conta que restrições financeiras e operacionais impedem, na prática, o exercício desses direitos pela maioria dos potenciais beneficiários. De-senhar políticas de natureza “populista”, caracterizadas justamente pelo descompasso entre o direito prometido e o direito efetivo, é sempre mais fácil do ponto de vista político, já que reduz os conflitos em torno do desenho e principalmente o ônus de definir, ex ante, os beneficiários e os excluídos da política.

Avaliações de muitas políticas populistas revelam que o ajuste entre disponibilidade de recursos e o processo de seleção dos beneficiários produz duas distorções que não raramente levam a resul-tados opostos aos objetivos da própria política: a) pulverização de recursos para alcançar o maior número de pessoas, o que, em geral, implica subinvestimentos que são ineficazes e não produzem resultados relevantes; b) distorções no próprio acesso devido à seleção adversa associada à assime-tria de informação e à “assimetria de capital social”, determinante – em vários casos da participação – em muitas políticas públicas. Nesse contexto, a definição do público-alvo e do alcance dos instru-mentos de financiamento influencia, de maneira decisiva, o resultado da política.

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O montante disponível de recursos para ser oferecido como crédito em condições especiais é sempre escasso, considerando as enormes insuficiências dos produtores pobres. O inevitável racio-namento de recursos impõe difíceis decisões políticas, já que os mecanismos de alocação associados ao financiamento, por meio do mercado, ficam, no contexto dos programas especiais, pelo menos parcialmente, inoperantes. é necessário definir quanto será oferecido por produtor e/ou por projeto, e quais os critérios de distribuição dos recursos (tipo/tamanho do produtor; nível de renda; região; cultivos/atividades prioritárias ou combinação de vários desses critérios). Trata-se de eleger priori-dades e definir quem será, e quem não será, beneficiado.

Em algumas situações, a decisão poderá estar entre beneficiar um grande número de produto-res, com pequena provisão de crédito para cada um, ou beneficiar poucos, mas com farta dispo-nibilidade de crédito em condições especiais. No primeiro caso, o nível de cobertura do programa poderá ser grande, mas em prejuízo das reais necessidades de recursos por parte de cada produtor. No segundo caso, poucos e bons projetos poderão ser implementados, mas deixando de fora uma grande parcela do público-alvo. Um trade-off cuja solução não é fácil e, não raro, passa por deci-sões de caráter político.

1.3 Linhas de financiamento

Em termos técnicos, é importante considerar que o crédito deve ser suficiente para auxiliar na montagem de sistemas produtivos capazes de viabilizar a geração de renda monetária. Nesse senti-do, os recursos de crédito rural possuem três finalidades ou linhas de financiamento: investimento, capital de giro ou custeio e comercialização. Em alguns poucos países, os produtores contam ainda com linhas especiais de crédito destinadas à aquisição de terras (crédito fundiário).

O crédito destinado à realização de investimentos permite a criação/expansão/manutenção da própria capacidade de produção. Já o crédito destinado ao capital de giro atende às necessidades de recursos para sustentar gastos monetários incorridos durante o processo de produção. O crédito de comercialização é geralmente destinado à sustentação de estoques e opera como instrumento da política de preços e comercialização. Os programas de crédito especial destinados a pequenos agricultores têm priorizado, em sua maioria, as necessidades de recursos para custeio, deixando, em segundo plano, as necessidades de recursos para investimento e apoio à comercialização.

Embora sejam muitas vezes tratados pelo sistema financeiro de forma independente, os créditos para investimento e custeio estão estreitamente relacionados. O desequilíbrio na alocação de recur-sos entre essas duas finalidades pode colocar em risco o próprio objetivo principal de programas de crédito em condições especiais, que é gerar renda para os produtores rurais pobres. Considera-se que a necessidade de capital de giro é diretamente determinada pelo volume de produção corrente que, por sua vez, depende do montante, natureza e conteúdo dos investimentos já realizados e/ou a serem realizados.

Uma alocação de crédito que priorize apenas os gastos com investimento pode não ser suficiente para tornar a atividade economicamente viável, pois o produtor pode não ter capital de giro para

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bancar as despesas ao longo do ciclo produtivo. Da mesma maneira que, na maioria dos casos, tam-pouco resolveria alocar recursos apenas para o custeio.

O crédito de investimento poderá ter sido suficiente para a formação de pastagem, compra de animais e construção de instalações, mas isso não basta para a sustentabilidade econômica do proje-to. Por exemplo, a implantação de um projeto de pecuária bovina exige investimentos em pastagens, cercas, animais de reprodução e construção de instalações; mas também necessita, periodicamente, de recursos complementares para aquisição de medicamentos e de suplementos alimentares. Antes de obter qualquer receita com venda de gado, os produtores terão que comprar medicamentos e suplementação alimentar. Para isso, necessitarão de recursos adicionais, sejam recursos próprios ou de crédito. Na ausência desses recursos, os níveis de produção poderão ficar abaixo do esperado, e a atividade não terá sustentabilidade. Assim, poderá haver dificuldade em recuperar o montante de recursos financeiros que foram destinados ao investimento, criando situações de inadimplência.

O descasamento entre crédito para investimento e para custeio é um dos principais problemas que respondem pela baixa eficácia da utilização dos recursos de muitos programas de crédito, em especial os dirigidos a pequenos agricultores. Portanto, não basta prover crédito para investimento se não houver recursos disponíveis para capital de giro, principalmente se considerarmos que os ciclos de produção na agricultura são mais longos. Do mesmo modo, não é suficiente o produtor irrigar com recursos para custeio se ele não tem condições de realizar os investimentos necessários para fortalecer a estrutura produtiva e manter-se competitivo.

1.4 Condições de financiamento

Além do adequado equilíbrio entre disponibilidade de recursos para investimento e custeio, o desenho de um programa de crédito para a agricultura deve atentar também para as variáveis básicas que definirão as condições do financiamento. Duas variáveis são de extrema importância: o prazo para pagamento e o custo do crédito para o tomador. Ambas devem ser compatíveis com o fluxo de rendimento futuro esperado e influenciam fortemente a capacidade de pagamento do empréstimo.

O custo do crédito para o tomador é composto pela taxa de juros, tarifa cobrada pelo serviço e outros custos de transação incorridos pelo tomador. A taxa de juros reflete, pelo menos parcial-mente, as condições de liquidez da economia; enquanto os custos de transação estão diretamente associados ao grau de facilidade para obtenção de crédito. Os tomadores comparam o custo do cré-dito aos benefícios esperados. Esse custo funciona como instrumento de racionamento dos recursos e da seleção de projetos, cujos rendimentos monetários esperados são baixos, quando comparados com o custo do empréstimo, e mais arriscados. Por exemplo, empréstimos destinados à produção de culturas de subsistência, ou destinados apenas a garantir a segurança alimentar do domicílio, podem gerar suficiente renda não-monetária, mas serão incapazes de gerar renda monetária em montante adequado para atender determinadas condições de pagamento.

Para esse tipo de atividade, seria necessário um nível maior de subsídio ou, no extremo, um programa de doações, em vez de um programa de crédito. Se a taxa de juros é muito alta, muitos

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projetos serão eliminados porque a rentabilidade esperada ficará abaixo da mínima requerida. A pró-pria decisão de quanto produzir, utilizando total ou parcialmente a dotação de recursos disponíveis (terra, trabalho e capital), é afetada pelo custo do dinheiro. Uma linha de financiamento para custeio com elevada taxa de juros reduz os rendimentos líquidos e eleva o risco econômico da operação. Nessas condições, o produtor poderá reduzir o nível de produção (como redução da área plantada) a fim de utilizar menos crédito e, dessa forma, reduzir o risco financeiro.

O raciocínio acima está fundamentado na lógica de maximização de lucro que norteia as deci-sões de produtores patronais ou capitalistas. é sabido que muitos produtores rurais, especialmente pequenos produtores familiares pobres, incorporam também variáveis não-econômicas em suas de-cisões de produção. Entretanto, o fato de esses produtores não orientarem suas decisões exclusiva-mente em função da maximização do lucro significa apenas que as respostas às condições de finan-ciamento podem variar em comparação aos produtores patronais ou capitalistas, mas sempre dentro da mesma lógica exposta acima. Diante de uma elevação do custo financeiro, em lugar de reduzir a área plantada e a produção corrente, como provavelmente fariam os produtores capitalistas, os pequenos produtores familiares podem decidir diversificar a produção e/ou intensificar o trabalho da família a fim de reduzir a dependência de recursos externos. é possível “baratear” a produção usando menos insumos, como fazem os produtores capitalistas/patronais, ainda que isso possa acarretar queda de produtividade e maiores riscos produtivos.

Na agricultura, podemos citar ainda duas características dos sistemas de produção que impõem neces-sidades adicionais para o funcionamento do mercado de crédito. Primeiro, os ciclos de produção são mais longos e sazonais, o que dificulta a compatibilização dos fluxos de receitas com os fluxos de gastos. Se-gundo, há maior variabilidade da renda agrícola devido à dependência de fatores naturais não-controláveis. Tem havido progresso tecnológico no sentido de reduzir a amplitude dos ciclos de produção e criar sistemas produtivos menos sazonais; entretanto, há ainda grande dependência de fatores naturais.

A discrepância entre os fluxos de despesas e de receitas e a variabilidade da renda agrícola tem algumas implicações para o desenho das condições de financiamento:

os prazos de pagamentos dos empréstimos com o fluxo de receita precisam ser compatibili-zados; em muitos casos, as taxas de juros são adequadas, mas projetos de longa maturação e tecnicamente bons não são viáveis devido à incompatibilidade entre o fluxo de receitas e o prazo muito curto para reembolsar o empréstimo;

os prazos devem ser estendidos, ainda mais no caso de produtores rurais com elevados níveis de descapitalização, posto que necessitam de tempo para realizar, pouco a pouco, um con-junto de múltiplos investimentos na montagem do estabelecimento, além de tempo requeri-do para aprendizagem e domínio de novas técnicas de produção;

o capital de giro necessário para sustentar o processo de produção é mais elevado em projetos de longa maturação, e o prazo para reembolso deve se adequar às características da produção;

o risco da atividade é mais elevado, o que requer salvaguardas adicionais para os emprestado-res, incluindo a vinculação do crédito à adoção de tecnologias que reduzam o risco.

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A maior variabilidade da renda agrícola aumenta a dependência dos produtores em relação ao crédito, pois a alternância entre anos bons e anos ruins reduz a capacidade de autofinanciamento dos produtores. Por sua vez, quanto maior o risco, maior será a taxa de juros que os ofertadores de crédito estarão dispostos a cobrar. Esse fato introduz uma inadequação entre as condições exigidas pelos bancos para realizar empréstimos e as condições aceitáveis pelos produtores. Para os bancos, um risco mais elevado requer taxa de juros mais elevada; para o produtor, o efeito seria exatamente o contrário: um nível de risco mais elevado teria que ser “compensado” por taxas mais baixas e por redução da utilização de recursos de terceiros.

Para reduzir os riscos e as incertezas do negócio rural, os bancos exigem garantias que, em último caso, pode atingir os bens do mutuário e de seus avalistas. Como reação, e também para reduzir seus riscos, os produtores rurais desenvolvem uma atitude “conservadora” e cau-telosa em relação aos empréstimos, já que a frustração de uma safra pode custar todo o seu patrimônio. Daí a explicação da presença marcante dos governos, em quase todo o mundo, na área do crédito rural, com objetivo de criar condições especiais de financiamento. Dentre essas condições especiais está a fixação de taxas de juros mais baixas do que se poderia esperar sem a presença do Governo.

As condições do crédito rural são determinantes na dinâmica da agricultura, já que afetam direta e indiretamente as decisões sobre investimento e produção dos produtores. Além disto, a taxa de juros e as demais condições do contrato de financiamento têm um papel relevante na determinação do nível de eficiência da utilização dos recursos. Taxas muito baixas tenderiam a “afrouxar” o rigor na avaliação dos projetos e a própria rentabilidade mínima necessária para financiá-los. Nessas condições, os recursos podem ser utilizados com menos rigor, pois o custo da ineficiência é mais baixo. Taxas de juros mais elevadas produziriam melhor seleção dos projetos, já que apenas os mais rentáveis seriam compatíveis com o pagamento futuro do empréstimo.

Obviamente, os produtores precisam estar mais atentos à eficiência na utilização dos recur-sos para reduzir o risco de fracasso e inadimplência. Ou seja, há uma tensão permanente entre as condições de financiamento, acumulação e eficiência econômica. Quando esta tensão cede em excesso para um lado, com a redução de liquidez e de taxas muito elevadas, compromete-se o processo de acumulação, já que apenas alguns projetos gerarão fluxos de rendimentos futu-ros compatíveis com o pagamento dos juros. De se inferir que taxas baixas em demasia podem produzir o desperdício de recursos escassos, seja pela má seleção de projetos, seja pelo desvio ou má utilização dos recursos.

Considerando as restrições aqui estabelecidas, o desenho de um programa de crédito especial re-quer conhecimento e sensibilidade por parte dos formuladores. As condições de financiamento não podem ser duras a ponto de inibir o processo de acumulação e de geração de renda, mas também não podem ser frouxas a ponto de criar ineficiências e desperdício de recursos públicos. Cabe, portanto, criar arranjos institucionais que sejam capazes de superar esse trade-off.

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QuAdRo 1. teCnoLogIA de CRédIto

Uma tecnologia de crédito cobre todo o escopo de atividades de uma instituição que oferece empréstimos e determina a seleção dos clientes, os tipos de empréstimos ofertados, os montantes e os prazos dos empréstimos e a forma em que se assegurará o pagamento dos mesmos, assim como o acompanhamento e a recuperação dos créditos. A tecnologia de cré-dito é usada para resolver os problemas de informação, incentivos e execução dos contratos que surgem quando ocorre uma transação creditícia.

Um credor de sucesso é capaz de minimizar os custos associados à resolução desses pro-blemas; custos esses que incluem tanto os operacionais, para reduzir riscos, como as perdas por mora ou descumprimento do contrato de crédito.

1.5 A institucionalidade dos programas de crédito rural

Os programas especiais de crédito para produtores rurais, em especial os pobres, buscaram no passado – e muitos continuam buscando – reduzir ao mínimo a burocracia relacionada aos con-tratos, assim como as exigências de garantias, a avaliação dos projetos e o acompanhamento dos resultados. O objetivo é facilitar ao máximo o acesso ao crédito, e a tendência é remover qualquer possível obstáculo da maneira mais direta e simples. O exemplo mais ilustrativo desta estratégia é o tratamento das garantias. Como os produtores pobres têm dificuldades para apresentar as garantias requeridas pelos bancos, os programas especiais simplesmente eliminam essa exigência, sem levar em conta o efeito da medida sobre a dinâmica de financiamento em geral e sobre os resultados es-pecíficos de cada operação de crédito.

Uma avaliação global da institucionalidade dos programas é relevante para responder a questões do tipo: como saber se o produtor será um bom pagador? Como os produtores são incentivados a aplicar os recursos de maneira eficiente e pagar o empréstimo? Quais os incentivos que os demais agentes financeiros têm para que o programa seja bem-sucedido? Quais as “punições” para os agen-tes (produtores, bancos, técnicos da extensão rural envolvidos, etc.) em caso de fracasso ou de desempenho insatisfatório? Sem um sistema de informação, incentivos e punições, os programas especiais de crédito poderão estar fadados a um duplo fracasso. Tem-se a elevação do custo fiscal associado à inadimplência. Por sua vez, subsídios elevados poderão facilmente levar à erosão dos fundos de financiamento, à insustentabilidade financeira e, no limite, à própria descontinuidade do programa. Certamente mais grave, tem-se a efetividade dos programas em termos de melhoria de bem-estar das próprias famílias beneficiadas que poderá ficar limitada devido à má aplicação dos recursos, comprometendo o objetivo final da política.

Em um contexto institucional “frouxo”, os resultados produtivos e financeiros dependeriam, fundamentalmente, das vontades individuais dos agentes (o produtor é bom pagador, o gerente do

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banco é “legal” ou não, o técnico da extensão rural é compromissado com a causa ou é oportunista), não do conjunto de incentivos que orienta e condiciona o comportamento dos agentes.

As novas teorias geradas pela Nova Economia das Instituições (NEI) permitiram perceber que ou-tras variáveis, além da taxa de juros e das condições de financiamento em geral, desempenham papel fundamental no processo de utilização do crédito. Trata-se, na verdade, de avaliar em que medida o contexto no qual estão inseridos os produtores e o próprio desenho institucional dos programas de crédito induzem ou não o processo de acumulação e o uso eficiente dos recursos. Sob essa óptica, a taxa de juros pode ser baixa e, ainda assim, a alocação dos recursos poderá ser eficiente, no sentido de reduzir a má utilização e de criar capacidade sustentável de geração de renda; contudo, uma taxa de juros baixa, associada à permissividade em relação à inadimplência, poderá resultar em alocação ineficiente e desvio de objetivos.

Parte-se do pressuposto de que o ambiente institucional determina o comportamento dos ato-res. Apenas para exemplificar: dois sistemas utilizam contratos de crédito com especificações for-mais iguais (taxa de juros, prazo, colateral, etc.). No sistema A, os agentes financeiros têm grande dificuldade e custos elevados para fazer valer os termos de um contrato, que é desrespeitado por uma das partes. No sistema B, ao contrário do sistema A, os mecanismos de aplicação do contrato (enforcement) são ágeis e os custos de transação são baixos. é provável que os resultados econômi-cos e sociais da utilização do mesmo crédito sejam diferentes nos dois sistemas. No B, mais rígido, a inadimplência não é tolerada, então os agentes financeiros teriam mais confiança para emprestar seus recursos. Os mutuários também seriam mais rigorosos na seleção e utilização desses recursos. Em conseqüência, o risco envolvido para ambas as partes seria mais baixo do que no sistema A, o que permitiria uma taxa de juros também mais baixa. A taxa mais baixa estimularia mais investimen-tos e o sistema cresceria. No caso do sistema A, os agentes financeiros, conscientes das dificuldades de fazer valer os termos do contrato, teriam menos “incentivos” para emprestar recursos e exigiriam uma remuneração mais elevada para compensar o risco igualmente mais elevado. Muitos produtores, por sua vez, conhecendo as “falhas” do sistema, selecionariam com menor rigor os projetos e utili-zariam os recursos com nível de eficiência mais baixo. A inadimplência seria mais elevada devido à dificuldade de fazer cumprir os contratos, e os riscos também seriam mais altos. O comportamento oportunista negativo tenderia a dominar o mercado.

Os atores envolvidos no mercado de crédito rural atuam orientados por um conjunto de regras formais e informais que integram o ambiente institucional1. As regras formais são estabelecidas por leis, normas, regulamentos, etc. As regras informais estão relacionadas às tradições e aos hábitos de comportamento adotados pelos atores em um determinado ambiente. Essas regras, formais e infor-mais, e suas efetivas aplicações, têm um importante papel nas operações envolvendo os agricultores e os agentes de crédito. Elas são capazes de afetar diretamente os custos de transação para ambos, e podem auxiliar ou dificultar os agentes financeiros em algumas de suas tarefas básicas:

a) intercâmbio do consumo de hoje pelo consumo num período posterior (o contrato de crédito);

1. NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance: political economy of institutions and decisions. Cambridge University Press, 1990.

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b) necessidade de obter garantias contra riscos de não-pagamento (garantias);

c) obtenção de informações sobre os requerentes de crédito, ou seja, o processo conhecido como seleção (screening);

d) criação de incentivos para estimular os produtores a utilizarem adequadamente os recursos e a cumprirem com o contrato de financiamento, ou seja, os mecanismos de incentivos;

e) criação de dispositivos de controle para forçar a liquidação dos empréstimos por parte dos tomadores (enforcement).

Os itens 1.3 (Linhas de financiamento) e 1.4 (Condições de financiamento) tratam do contrato de crédito. As próximas seções tratam diretamente de garantias, screening e enforcement, e, indireta-mente, dos incentivos, explícitos e implícitos, embutidos nos esquemas de crédito rural. Tais pontos foram indicados por Hoff, Braverman e Stiglitiz (1993) como centrais para a compreensão do sucesso e insucesso dos mecanismos e programas de financiamento.

1.5.1 Medidas para obter informações sobre os tomadores de crédito (screening)

Informações sobre os tomadores de crédito são importantes para reduzir o risco embutido nas operações de financiamento. A teoria econômica reconhece que operações de crédito estão forte-mente sujeitas ao problema conhecido como assimetria de informações, que afeta a eficiência aloca-tiva do mercado e produz vieses indesejáveis do ponto de vista do bem-estar. Não é trivial superar a assimetria de informação, principalmente quando se está lidando com uma população numerosa, como a de camponeses e de agricultores familiares, e que não participa ativamente do mercado bancário e financeiro. São necessárias informações sobre a viabilidade do projeto a ser financiado, a capacidade do tomador de tornar o projeto bem sucedido — de difícil apreciação ex ante —, além de sua própria reputação em operações de crédito ou de natureza comercial.

Nas atividades agropecuárias, os riscos relacionados ao clima, às doenças ou pragas e as idios-sincrasias de mercado estão sempre presentes, o que faz com que os agentes financeiros avaliem a viabilidade econômica de cada projeto e elejam apenas aqueles que apresentam maiores chances de sucesso. Assim, projetos de alto risco não receberiam o benefício de um crédito em condições especiais. Esse tipo de avaliação envolve expertise e muita informação, ambos com custo elevado ou difícil de obter. Em resumo, procura-se verificar a viabilidade do projeto, a capacidade de pagamento do tomador – e sua disposição para pagar – ou adotar o comportamento oportunista.

Para reduzir os problemas de informação, os agentes financeiros podem recorrer a mecanismos diretos ou indiretos2. O principal mecanismo direto utilizado pelos agentes financeiros para obter informações sobre os tomadores de crédito é o sistema de cadastro. No cadastro, são consideradas informações sobre o inventário da unidade produtiva, indicadores financeiros, histórico de crédito dos agricultores, experiência acumulada na atividade, tecnologia adotada no processo produtivo e relações

2. HOFF, Karla; BRAVERMAN, Avishay; STIGLITZ, Joseph. E. (eds). The economics of rural organization: theory, practice and policy. Oxford University Press, New York, 1993.

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comerciais do agricultor na região. Para elaborar um cadastro detalhado dos clientes, os agentes fi-nanceiros têm custos que, de alguma forma, são incorporados à transação. Na maioria das vezes, são cobradas taxas para elaboração de cadastro, compondo e elevando os custos de transação.

A atomização das unidades de produção agropecuárias e a dispersão geográfica estão entre os fatores que desmotivam os agentes financeiros a operarem com o setor. Essas características dificul-tam e elevam o custo de obtenção de informações tanto sobre as atividades produtivas como as rela-cionadas ao perfil dos tomadores. O custo unitário das operações de crédito torna-se relativamente alto vis-à-vis ao volume de cada operação e, por isso, os agentes financeiros preferem emprestar volumes maiores de recursos para um grupo restrito de agricultores do que quantias pequenas a um número elevado de pequenos produtores.

Dados os elevados custos de obtenção de informações e o risco da atividade, a maioria dos ban-cos comerciais prefere não participar de programas de crédito rural que impõem condições especiais. Para participar sem transferir para os tomadores os custos de construção de cadastros e demais custos de transação, os agentes financeiros poderão reclamar ressarcimento de seus gastos junto ao Governo. Em alguns casos, o custo desse ressarcimento pode ser muito elevado e absorver uma parcela significativa do orçamento que estaria disponível para empréstimos. Dessa forma, as orga-nizações ofertadoras de crédito rural e os formuladores de política devem encontrar mecanismos indiretos e menos custosos para obter informações e elaborar os cadastros.

Muitos agentes financeiros constroem redes de informações compostas por outros agentes fi-nanceiros e também por organizações comerciais, industriais e mesmo sindicatos ou associações de produtores rurais. Além de ampliar a capacidade de obter informações, essa rede possibilita a construção de outros mecanismos de controle e de incentivos ao cumprimento dos contratos, pri-vilegiando os atores envolvidos.

1.5.2 Mecanismos de incentivos ao cumprimento dos contratos (garantias)

Os riscos envolvidos nas operações de crédito podem ser reduzidos a partir da análise do cadas-tro (screening), que também depende de acesso à informação custosa ou difícil de obter. Quando não existem mecanismos indiretos e menos custosos para obter informações e elaborar os cadastros, os agentes financeiros ficam propensos a não realizar as operações de crédito.

Para resolver o problema da falta de informação e/ou o seu elevado custo de obtenção, e para se protegerem de eventuais comportamentos oportunistas ou falhas no projeto, os agentes financeiros adotam outras medidas de proteção, como a exigência de garantias reais (bens de capital, imóveis, avalistas, entrega de parte da safra futura, etc.)3, medida mais freqüente. Obtendo garantias dos to-madores de empréstimo, os agentes financeiros reduzem seus custos com obtenção de informações sobre tomadores, avaliação da viabilidade do projeto e monitoramento das atividades produtivas. O não-cumprimento do contrato por parte dos tomadores implicará em perda das garantias fornecidas.

3. BUAINAIN, Antônio Márcio; SOUZA FILHO, Hildo Meirelles. Elementos para análise e desenho de políticas de crédito para a agricultura familiar. São Carlos: Mimeo, novembro de 2001.

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As garantias, em geral, têm um valor muito maior do que o montante solicitado em empréstimo, justamente para forçar os devedores a cumprirem os contratos e não perderem as garantias ofereci-das. Para a maioria dos agricultores familiares, é impossível atender essas exigências, principalmente por não possuírem o título da propriedade regularizado ou não contarem com um avalista que aten-da ao perfil solicitado. A exigência de garantias, com valores elevados, tornou-se um dos principais fatores a impedir o acesso de agricultores ao crédito rural. Produtores pobres e descapitalizados, que são os que mais necessitam dos recursos, ficam de fora do programa. Mais uma vez, as organizações financeiras se deparam com o desafio de construir mecanismos alternativos para atender a esse pú-blico, sem deixar de considerar a eficiência na administração do crédito. Deve-se ter em conta que a simples liberação das exigências de garantia pode não ser uma medida adequada, pois não soluciona os problemas derivados de eventuais comportamentos oportunistas ou falhas no projeto.

Dentre os mecanismos alternativos, estão os sistemas de aval mútuo e os fundos de aval (ver no Item 3.6, maiores detalhes sobre o funcionamento dos fundos de aval). O risco de inadimplência em grupos e cooperativas de crédito pode ser reduzido com a utilização de mecanismos mútuos de res-ponsabilidade; que por sua vez, podem ser implementados por meio de aval mútuo, com a inadimplên-cia de um indivíduo sendo de responsabilidade de todos. Dessa forma, a todos serão negados futuros empréstimos em caso de inadimplência. Esses instrumentos aumentam a pressão para o monitora-mento dos pares e a auto-seleção. Seu adequado funcionamento, entretanto, depende da existência das regras informais do grupo social que, em regra, estão associadas à cultura e à ética.

A principal função dos fundos de aval é propiciar garantias às organizações financeiras que ope-racionalizam os financiamentos dos programas de crédito. Eles suprem a carência dos agricultores pobres que não possuem as garantias reais exigidas para a concessão do crédito, como avalistas e imóveis. Os fundos são constituídos a partir de diversos arranjos institucionais, com a participação de várias organizações e agentes locais e regionais. Governos locais têm desempenhado um impor-tante papel em experiências bem-sucedidas, colaborando com o aporte inicial de capital para a cons-tituição do fundo e dando suporte para o seu funcionamento. A manutenção do fundo é garantida por uma taxa cobrada sobre o crédito contratado pelo agricultor e avalizado pelo fundo.

1.5.3 Enforcement

A natureza incompleta dos contratos gera custos de transação adicionais, pois os credores têm que adotar medidas no sentido de fazer com que os contratos sejam cumpridos (enforcement) (HOFF; BRA-VERMAN; STIGLITZ, 1993). Entre as salvaguardas contratuais, destacam-se a exigência de garantias reais (hipotecas, alienação fiduciária) e de avalistas, além dos mecanismos indiretos apresentados anterior-mente – contratos vinculados a fornecedores ou agroindústria. As garantias geralmente têm um valor muito maior do que o montante solicitado em empréstimo, para, como já informado, forçar os agriculto-res a cumprirem os contratos e, assim, não perderem as garantias oferecidas.

Além das garantias, contratos bem desenhados procuram reduzir os riscos de default por meio da adoção de condicionalidades, mecanismos de supervisão e monitoramento e, principalmente, pela introdução de incentivos econômicos para reduzir a possibilidade de ocorrência de risco moral

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e para que os credores adotem práticas produtivas e comportamento geral consistente com os com-promissos assumidos.

Como os agricultores familiares, em particular os pobres, têm dificuldades para atender essas exigências, os agentes financeiros podem utilizar instrumentos diretos de monitoramento e de con-trole das atividades produtivas para garantir o cumprimento dos contratos; podem, por exemplo, visitar regularmente a propriedade e verificar in loco se o desempenho dos agricultores está dentro do previsto no contrato. Porém, conforme já mencionado, essa iniciativa é custosa, e requer a dispo-nibilidade de um profissional capacitado para analisar e emitir um parecer técnico sobre o desenrolar das atividades específicas de cada unidade produtiva. Por essa razão os agentes financeiros preferem uma solução mais simples (garantias reais), pois, além de resolver os problemas relacionados aos riscos, não requer um envolvimento mais forte com os agricultores.

Cabe finalmente mencionar que, para incentivar o cumprimento do contrato, o agente financeiro pode estabelecer regras que beneficiem os adimplentes, como reduzir a taxa de juros nas futuras transações ou conceder rebates nas últimas parcelas de pagamento nos contratos que tiveram suas parcelas pagas rigorosamente em dia.

Uma alternativa freqüentemente utilizada é a vinculação do crédito à compra de insumos ou adoção de práticas e tecnologias que reduzam o risco e aumentam a produtividade. O contrato de crédito pode ser vinculado aos fornecedores de insumos ou a indústrias de processamento. Essa vin-culação oferece algumas vantagens, entre as quais se destacam: (a) reduz o problema de aquisição de informações; (b) auxilia no monitoramento da aplicação dos recursos, uma vez que vincula o uso dos recursos à compra de insumos que são necessários para se obter maior produtividade e produtos com maior valor agregado; e (c) incentiva o cumprimento dos contratos, pois uma ação oportunista pode ser punida com a exclusão do agricultor de um vantajoso sistema integrado de crédito e de comercialização. Para muitas regiões, essa opção nem sempre é possível, dada a ausência de organi-zações interessadas em operar tais sistemas.

Os riscos de mercado podem ser reduzidos por meio da concessão de crédito vinculado a com-pradores de produtos agropecuários (traders, agroindústrias, cooperativas de comercialização, etc.). A comercialização antecipada da produção, junto a cooperativas de produtores rurais, e os contratos a termo, junto a agroindústrias, são exemplos desses instrumentos que reduzem riscos associados ao mercado, mas dependem da integração com outras organizações que nem sempre estão presen-tes no ambiente em que se encontram produtores rurais pobres. A operação de crédito poderá ser avalizada pelos compradores que, em troca, poderão exigir exclusividade de compra.

Os sistemas agroindustriais governados por contratos de integração são exemplos desse tipo de arranjo institucional. Eles têm se difundido rapidamente, vinculando pequenos produtores a grandes empresas. Os produtores passam a ter acesso ao crédito, sem grandes exigências de garantias reais, e ao mercado de commodities. Tais sistemas não precisam ser coordenados, exclusivamente, por empresas privadas; podem sê-los por cooperativas ou organizações de produtores rurais. Esse tipo de vinculação, além de reduzir riscos relacionados à produção, garante acesso ao mercado e confere maior estabilidade de preços, reduzindo riscos econômicos e, portanto, contribuindo para reduzir exigências em termos de garantias reais.

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QuAdRo 2. SeguRo de CRédIto AgRíCoLA

Um seguro de crédito agrícola pode se constituir em um mecanismo de proteção do agri-cultor e dos agentes financeiros contra os riscos relacionados ao clima. Em transações de crédito rural que são protegidas por seguro de crédito as exigências de garantias reais podem ser reduzidas. Entretanto, além de pouco utilizado, esse instrumento transfere o problema para as organizações seguradoras e é pouco efetivo como incentivo ao cumprimento do con-trato de crédito. é conhecido o fato de que as organizações seguradoras têm dificuldades em administrar o risco, sobretudo quando operam exclusivamente em um setor de risco elevado como a agricultura. Programas públicos de seguro, que, em geral, ofertam o seguro com prê-mios baixos, têm se tornados deficitários e, por isso, insustentáveis no longo prazo. Por outro lado, prêmios de seguros privados podem ser proibitivos.

1.6 Avaliando o desempenho das organizações especializadas em crédito rural

Em geral, o desempenho de organizações governamentais e não-governamentais que operam crédito rural tem ficado abaixo das expectativas. Muitos programas de crédito tornaram-se dispen-diosos, especialmente em um contexto de reformas estruturais e de cortes nos orçamentos públi-cos. Vários programas governamentais de crédito rural, carregados de elevados níveis de subsídios, alcançam apenas uma minoria dos produtores rurais e, não raro, uma minoria equivocada. Ou ainda, apresentam baixa efetividade em ambientes adversos do ponto de vista econômico, político, social e institucional. Em alguns casos, os subsídios assumem a forma, não intencional, de taxas de juros re-ais negativas, sendo capturados por produtores rurais ricos e politicamente influentes. Organizações financeiras dedicadas ao crédito rural sofreram pesadas perdas associadas seja a uma inadequada indexação em um ambiente inflacionário, seja a uma carteira de empréstimos com altos níveis de inadimplência em uma economia estável.

Organizações e programas especiais de crédito rural tornaram-se muito dependentes de recursos governamentais e não assumiram uma posição de independência e auto-suficiência financeira. Além disso, os custos dos subsídios raramente são calculados e relatados de forma devida. Na ausência de mecanismos institucionais de incentivos ao uso adequado dos recursos e de penalidades para o mau uso e para a inadimplência, os programas de crédito sofrem de problemas relacionados à avaliação inadequada dos financiamentos concedidos, má gestão e ausência de monitoramento, tendo como resultado uma carteira de empréstimos pobre e com risco elevado de inadimplência.

Tentando assegurar atendimento ao público-alvo e evitar o ‘vazamento’ de recursos, houve aumento no custo das operações, tanto para a organização, quanto para os tomadores. Os pro-dutores rurais são muitas vezes obrigados a atender uma longa lista de exigências e a esperar bastante para ter acesso aos recursos, elevando seus custos de transação. Em vários países, foram

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fixados tetos legais para taxas de juros, quase sempre incompatíveis com o nível de risco apresen-tado nas operações de empréstimos rurais. Para reduzir o risco e os custos administrativos, muitas organizações terminaram por favorecer grandes tomadores, penalizando pequenos produtores rurais (YARON, 1994).

A avaliação de desempenho de organizações que operam crédito rural não é tarefa trivial. Não é suficiente utilizar critérios financeiros padronizados para a análise de desempenho. Em geral, os indicadores financeiros não consideram os vários subsídios envolvidos nas operações realizadas e, menos ainda, não guardam relação com os objetivos especiais estabelecidos para essas organizações (YARON, 1997).

A estrutura de avaliação de desempenho estabelecida por Yaron4, em 1992, tem sido aceita na academia e por operadores. Dois critérios assumem fundamental importância na sua proposta: o nível de alcance junto ao público-alvo e a auto-sustentabilidade da organização. Esses critérios não são capazes de prover uma avaliação plena do impacto econômico das operações de crédito, mas se apresentam como proxies quantificáveis da extensão em que os objetivos da organização são alcançados. Além disso, os custos sociais associados à sustentação da organização tornam-se transparentes (YARON, 1997).

1.6.1 Alcance (outreach)

O alcance pode ser utilizado como uma medida híbrida para determinar em que extensão a organização financeira é bem-sucedida no sentido de atingir o seu público-alvo e de atender sua demanda por serviços. Indicadores quantitativos e qualitativos podem ser utilizados para medir a profundidade (tipo de cliente atingido e nível de pobreza do público atingido) e a extensão do alcan-ce (número de clientes atendidos com diferentes tipos de instrumentos) (YARON, 1997).

As organizações de crédito rural sempre tiveram como principais objetivos ofertar crédito e ou-tros serviços financeiros para a população rural. Nesse sentido, o alcance pode ser avaliado segundo o tipo de público atingido e a variedade de serviços financeiros oferecida, incluindo: (i) o valor total e o número total de contratos de empréstimos; (ii) o valor e o número de contas de poupança capta-das; (iii) os tipos de serviços financeiros oferecidos; (iv) o número de agências e de unidades de aten-dimento; (v) a percentagem da população rural atendida; (vi) a taxa de crescimento real dos ativos da organização no passado recente; e (vii) a participação do público feminino. A taxa de crescimento dos ativos é também, sob certas condições, uma proxy para medir o acesso de novas clientes aos serviços financeiros oferecidos.

4. YARON, Jacob. Successful rural finance institutions. World Bank Discussion Papers, n° 150. The World Bank. Washing-ton, D.C., 1992.

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1.6.2 Auto-sustentabilidade

A maioria das intervenções no mercado de crédito rural ocorreu no passado por meio de or-ganizações financeiras estatais. Pouca ênfase foi dada ao critério de auto-sustentabilidade dessas organizações. Em casos em que houve alguma avaliação de desempenho, utilizaram-se indicadores financeiros como taxas de retorno por ação ou do ativo, que seriam mais adequados para organiza-ções de caráter privado ou que procuram maximizar lucros. Para organizações estatais, voltadas para a promoção de desenvolvimento econômico, outros indicadores seriam mais adequados.

Segundo Yaron (1994), a auto-sustentabilidade financeira é alcançada quando o retorno dos investimentos, líquido de qualquer subsídio recebido, iguala ou excede o custo de oportunidade dos fundos. A dependência de subsídios caracteriza uma situação inversa à auto-sustentabilidade. Tra-dicionalmente, as organizações financeiras têm dependido de vários tipos de subsídios, implícitos e explícitos, para assegurar a continuidade de suas operações. Os subsídios mais comuns encontrados são: diferença entre a taxa de juros de mercado e a taxa oferecida em linhas especiais de financia-mento; assunção de riscos cambiais em empréstimos em moeda estrangeira pelo Estado; depósitos compulsórios de outras organizações financeiras ou públicas, remunerados a taxas de juros abaixo daquelas praticadas no mercado; reembolso de custos de operação, total ou parcialmente, pelo Es-tado; isenção de reservas obrigatórias ou investimento forçado.

O volume de subsídios recebidos por uma organização deve ser comparado com o seu volume de negócios. Considerando que os custos iniciais são elevados, é recomendável um approach dinâmico que permita identificar a redução ou o aumento da dependência de fundos governamentais ao longo do tempo. Para eliminar a dependência de subsídios, uma organização deveria:

praticar taxas de juros elevadas o suficiente para cobrir custos financeiros não-subsidiados, bem como custos administrativos, mantendo o valor real de suas ações;

manter uma carteira de empréstimos com baixo nível de inadimplência;

remunerar poupanças com taxas de juros elevadas o suficiente para assegurar que poupanças voluntárias tenham alta participação no portfólio de recursos destinados a empréstimos;

reduzir custos administrativos por meio de procedimentos eficientes que avaliem projetos de investimento e clientes, processem empréstimos, recebam pagamentos, mobilizem e remune-rem poupanças de forma compatível com as taxas cobradas nos empréstimos.

Deve-se deixar claro que a sustentabilidade é função de vários fatores (custos de transação em geral; nível de inadimplência; rentabilidade dos negócios adicionais realizados com o cliente ou com terceiros, a partir da transação de crédito; escala das transações financeiras da organização; condições macroeconômicas, que têm papel determinante na sustentabilidade das instituições que operam com crédito rural), não apenas da presença ou não de subsídios. Além disso, ao avaliar as intervenções públicas ou medidas regulatórias, deve-se ter em conta o conjunto e o contexto, a artificialidade e a consistência das políticas, não apenas medidas isoladas, cujo nível de adequação/inadequação e de consistência/inconsistência muda segundo a situação específica do país ou região.

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2. oRgAnIzAçõeS envoLvIdAS CoM o CRédIto RuRAL

As operações de crédito rural dependem de organizações financeiras e não-financeiras. Dentre as organizações financeiras, encontram-se bancos comerciais, instituições de microfinanças rurais (IMFRs) e cooperativas de crédito. Os bancos comerciais são tradicionais operadores de progra-

mas de crédito, enquanto as IMFRs e as cooperativas de crédito e microcrédito, embora não sejam novas, têm crescido rapidamente por meio de mecanismos inovadores de concessão de crédito. A construção desses mecanismos deve-se à participação crescente de organizações não-financeiras, tais como as orga-nizações de representação dos produtores rurais e os serviços de extensão rural e de assistência técnica.

As seções a seguir descrevem o papel desse conjunto de organizações de caráter financeiro e não-financeiro na provisão de crédito rural.

2.1 Bancos comerciais oficiais e privadosNas últimas décadas, o Estado passou a ter uma atuação mais modesta nos mercados em que

tradicionalmente sua participação era determinante. Para a agricultura, o mercado de crédito rural foi um dos setores em que esse processo pôde ser facilmente percebido. Houve significativa diminuição dos recursos públicos disponibilizados para o financiamento das atividades do setor.

Além da redução da oferta de crédito, os bancos públicos, operadores oficiais dos programas governamentais, seguiram a tendência dos bancos privados de investir em tecnologia de informação para automatizar o atendimento dos clientes, com as prioridades voltadas para os serviços destina-dos à população urbana: movimentação de conta corrente, poupança, pagamentos e recebimento de contas, fornecimento de talão de cheques, crédito pessoal e financiamento de bens de consumo. A oferta de serviços financeiros cresceu rápido, mas voltada fundamentalmente para a população urbana, e seguindo as taxas de juros predominantes no mercado. Os serviços financeiros destinados à população rural, que já não eram muitos, passaram a ser ainda menores.

Em relação à agricultura, os bancos continuaram a atender os clientes consolidados; historicamente, os médios e grandes produtores rurais. Esse público, além de movimentar quantias superiores às dos

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pequenos produtores, sempre teve melhores condições de oferecer garantias reais para as operações de crédito rural e de adquirir outros produtos oferecidos pelos bancos (seguros, títulos de capitalização, poupança, etc.), muitas vezes oferecidos como contrapartidas para a liberação dos recursos solicitados.

Com a criação dos programas especiais de crédito para agricultores pobres, alguns bancos públicos voltaram a aumentar o volume de operações de crédito rural. Os bancos procuram conceder empréstimos utilizando parte dos recursos de diferentes linhas de crédito, com diferentes taxas de juros, isso para ob-ter uma maior rentabilidade nas operações. Assim, recursos para capital de giro (destinados para custeio da produção e outros despesas) podem ser provenientes de linhas de crédito de programas distintos: uma linha pode possuir uma taxa de juros subsidiada; outra, uma taxa de juros de mercado.

Como os recursos das linhas de crédito subsidiados são limitados, ao adotar essa política, os bancos podem atender um público maior e incluir clientes que recebem recursos provenientes ape-nas dos programas subsidiados. Complementando essa política de atendimento aos clientes, os ban-cos adotam uma estratégia de marketing que busca incentivar uma relação de fidelidade do cliente para com o banco. Quanto melhor for o histórico de relacionamento do cliente com o banco, maior poderá ser a proporção de recursos oriundos das linhas de crédito com maior subvenção.

Em regiões em que a economia é diversificada, ou seja, além das atividades agropecuárias, as ati-vidades industriais e comerciais estão presentes. Os bancos atendem os agricultores que já são anti-gos clientes e priorizam a expansão das carteiras de clientes vinculados à indústria e ao comércio. As razões que motivam essa orientação são: (i) a localização geográfica dos clientes; (ii) os montantes de recursos transacionados; (iii) os riscos inerentes às atividades produtivas; e (iv) as taxas de juros praticadas para cada segmento.

Os bancos têm menor interesse em operar com o crédito rural, cuja carteira é mais onerosa, devido ao risco e ao custo de monitoramente que são mais elevados em função do acompanhamento das ativi-dades produtivas, à necessidade de profissionais com especializações técnicas, a visitas de campo e ou-tros. Os agricultores localizados nessas regiões, que nunca tiveram contato com agentes financeiros ou possuem um relacionamento eventual, enfrentam maiores dificuldades para acessar o crédito rural.

Os bancos, públicos ou privados, têm sido encarregados pelos governos de operar programas es-peciais direcionados à agricultura, em geral, a pequenos agricultores e às famílias rurais pobres. Essas instituições têm pouca flexibilidade para modificar as taxas de juros de cada linha de crédito ou mes-mo das demais condições, pois essas já são dadas pelo próprio programa do qual o banco é apenas o operador financeiro. Para compensar o elevado custo de transacionar com os agricultores e para se protegerem dos riscos relacionados às transações, é comum a cobrança de taxas administrativas para operacionalizar o crédito5. Em muitos casos, os bancos, mesmo os públicos, fazem exigências, não for-malizadas, de natureza burocrática (reciprocidade, garantias, etc.) que elevam os custos de transação para o agricultor e dificulta as operações com aqueles menos capitalizados. O resultado é que, por toda parte, os agricultores pobres ainda encontram dificuldades para acessar o crédito bancário.

5. No caso de programas governamentais, essas taxas tendem a ser pagas pelo Tesouro Nacional. Ver Bittencourt (2003).

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Organizações envolvidas com o crédito rural ��

Além da desinformação sobre os principais programas de crédito, um dos principais obstáculos relacionados à concessão do crédito é a ausência de agentes financeiros que adotam, ou desejem adotar, mecanismos alternativos para a operacionalização dos contratos. Estabelece-se uma das principais contradições dos programas oficiais de crédito, em condições especiais, para agricultores pobres: apenas uma pequena parcela do público-alvo corresponde ao perfil dos clientes das organi-zações financeiras que operam as linhas de crédito oficial6. Muitos bancos oficiais trabalham com a lógica de mercado na determinação do perfil de sua clientela sem adotar instrumentos para contor-nar as “falhas” de mercado. Como neste segmento o viés de seleção é forte, o resultado é a exclusão dos pequenos agricultores, independente do seu potencial produtivo e da capacidade para honrar os compromissos assumidos. Estabelece-se assim um conflito entre os objetivos dos programas espe-ciais (facilitar o acesso ao crédito) e a política de operação definida pelos bancos.

Apesar das mudanças institucionais, no sentido de adequar as organizações bancários às neces-sidades dos produtores pobres, vários problemas ainda persistem:

a) conflito entre os objetivos das instituições financeiras, principalmente os bancos (maximizar lucros), e os objetivos dos programas especiais (atender a um público-alvo) está longe de ser vencido. A maioria dessas instituições continua adotando uma postura passiva na operaciona-lização desses programas: não se preocupam em identificar o público potencial em sua área de atuação; adotam estratégias de divulgação ineficientes; e impõem exigências que nem sempre podem ser atendidas pelos agricultores, tais como garantias, avalistas, contrapartidas;

b) ausência de conhecimento dos programas de crédito rural pelos profissionais de extensão rural e pelas organizações de representação dos agricultores (sindicatos, cooperativas e associações);

c) incapacidade dos órgãos de extensão rural para auxiliar os agricultores na elaboração de pro-jetos que levam em consideração as potencialidades de cada unidade produtiva;

d) elevadas taxas cobradas pelos cartórios para registrar contratos e propriedades. Nesse último caso, a ausência de registro de propriedade impede a oferta de garantias reais;

e) vários agricultores são avessos ao risco embutido nos empréstimos, notadamente quando há risco de perder parte do seu patrimônio;

f) muitos agricultores não buscam informações sobre as condições de crédito oferecidas pelos programas especiais;

g) fragilidade do associativismo.

Esses fatores podem ser interpretados como “filtros institucionais” que operam como dispositivos que podem prejudicar ou mesmo anular as regras definidas em uma política pública (ZEZZA; LLAMBI, 2002), ou seja, funcionam como barreiras que não permitem a transmissão plena das regras e dos in-centivos da política aos atores interessados, comprometendo o próprio sucesso da política. A identifi-

6. ABRAMOVAY, Ricardo; VEIGA, José Eli da. Novas instituições para o desenvolvimento rural: o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Texto para discussão n° 641, Convênio Fipe/Ipea n° 7/97. Brasília, Mimeo, abril de 1999.

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina��

cação dos principais filtros institucionais relacionados à política de crédito rural auxilia a compreensão do desempenho dessa política e subsidia a tomada de decisões para torná-la mais eficaz.

A consolidação de instituições de crédito rural que promovem o desenvolvimento dos agricul-tores depende tanto da formulação de políticas que considerem as especificidades do ambiente, no qual ela irá vigorar, quanto da construção gradual e coletiva dos ajustes necessários para garantir sua maior eficiência. Tem-se observado que o melhor desempenho de algumas regiões e países e de programas de crédito para a agricultura mantém forte relação com a atuação efetiva das organizações correlatas ao desenvolvimento da agricultura. As experiências bem-sucedidas estão associadas à capacidade dessas organizações (organizações de representação dos agricultores, organizações de extensão rural) em minimizar os problemas acima apontados.

2.2 Instituições de Microfinanças Rurais (IMFRs)

2.2.1 Instituições de microfinanças em geral�

A abordagem tradicional das finanças tem como foco o setor bancário. A mesma abordagem concebe as finanças como a ciência que estuda a utilização do dinheiro, seu custo, seu rendimento, proteção e controle, captação e reciclagem de distintos produtos. Essa visão funcional de finanças exclui os atores, a intermediação e os seus objetivos.

A microfinança rompe com essa visão e coloca os atores e o contexto local, com todas as suas especi-ficidades, no centro da análise das “finanças” da população tradicionalmente excluída do sistema bancário e financeiro convencional. é o desenvolvimento das finanças a serviço de uma população excluída desse sistema, buscando criar condições para facilitar o acesso dessa população aos serviços financeiros.

Trata-se de uma engenharia financeira orientada para produtos que respondam à necessidade da população pobre e que tem estado à margem da indústria financeira tradicional. A microfinança tem, pois, origem na idéia de democratização do recurso financeiro.

A microfinança, caracterizada como toda e qualquer operação financeira destinada a pessoas e a empresas normalmente excluídas do sistema tradicional ou, ainda, à população de baixa renda8, tem no microcrédito sua principal atividade. Compreende-se o microcrédito como um crédito de peque-na magnitude concedido em larga escala por entidade financeira a pessoas físicas ou jurídicas que tenham como principal fonte de renda aquela proveniente da realização de atividades empresariais de produção de bens e serviços.

7. FONTES, Ângela M. Mesquita; COELHO, Franklin Dias. A expansão das microfinanças no Brasil. [Com a colaboração de Renata Pimentel Lins, Pedro Nogueira Diogo, Raphael Rodrigues da Rocha.] Rio de Janeiro: Ibam/Fundação Ford, 2003. Texto utilizado como referência para discussão desse assunto.

8. Definição presente em texto recente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no qual apa-recem as distintas visões do BNDES, Banco Mundial e BID sobre microfinanças que não diferem quanto à concepção de que se trata de operações financeiras de pequeno valor. MARTINS, Paulo Haus; WINOGRAD, Andrei; SALLES, Renata de Carvalho (2002). Regulamentação das microfinanças. BNDES, Rio de Janeiro apud FONTES (2003).

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Organizações envolvidas com o crédito rural ��

As Organizações Não-Governamentais (ONGs) desenvolvem uma atuação estratégica na qual o componente social da missão é comumente incorporado às práticas adotadas. No entanto, o objetivo social não pode estar desvinculado da necessidade de sustentabilidade e de eficiência operacional, palavras incorporadas ao vocabulário da maior parte das ONGs (que não necessariamente encontram correspondência na prática). A relação entre função social e eficiência financeira coloca-se como um dilema permanente para a maioria das ONGs, embora esteja cada vez mais sólida a concepção con-ciliadora segundo a qual a manutenção e a ampliação dos serviços prestados aos empreendedores excluídos dependem do bom desempenho operacional da instituição.

Um importante aspecto que deve ser considerado em relação às IMFRs é o da sustentabilidade. Se por um lado as instituições de microfinanças podem atender às necessidades de um público particular, essa característica pode, no longo prazo, colocar em risco a própria sustentabilidade, uma vez que as suas atividades serão pouco diversificadas e relacionadas a riscos inerentes às atividades agropecuárias. Essa é uma das principais razões que levam essas organizações a serem dependentes de recursos a fundo perdido, repassados por instituições que têm uma estreita relação com programas sociais.

Ainda assim, há um grupo menor de instituições privadas não-lucrativas que possuem uma concep-ção de microcrédito na qual a ênfase na eficiência operacional ainda não é uma prioridade estratégica. Taxas de inadimplência elevadas, juros baixos e carteiras reduzidas são constantes neste pequeno grupo que, junto com o crédito, desenvolve uma série de outras ações sociais nas comunidades em que atua.

Por fim, existem as estratégias governamentais que contemplam a perspectiva de atuação em lar-ga escala. As estratégias definidas em programas de grande porte estaduais ou regionais demandam um crescimento rápido das operações que dificilmente pode ser acompanhado de controle de risco adequado. Os dados apresentados por alguns programas governamentais são criticados por diversos atores do setor que consideram inviável conciliar uma estratégia centrada na expansão em curto prazo com bons indicadores de desempenho. Não se pode afirmar que os programas governamentais não te-nham preocupação com eficiência financeira, pois isso incorreria em uma generalização não condizente com a realidade; constata-se, no entanto, que a grande maioria desses programas não possui uma preocupação tão sólida com o desempenho financeiro, como as instituições privadas possuem.

é interessante notar que o valor médio do crédito oferecido pelas instituições governamentais é menor que o das ONGs ou organizações privadas. Tal fato se deve à estratégia das instituições pú-blicas que buscam, por razões políticas, alcançar o maior número de pessoas, pulverizando, assim, os recursos disponíveis. Já as ONGs que são obrigadas a manter certo grau de eficiência financeira para continuar operando, não conseguem atender de forma massiva; não atingem o público mais marginalizado. Emergem, imediatamente, alguns questionamentos: a quem cabe atender este públi-co? Como garantir a sustentabilidade deste atendimento?

A questão da incorporação de contingentes expressivos dos grupos mais pobres a um sistema sustentável de microcrédito surge como um dos maiores desafios para a implementação de estraté-gias de desenvolvimento local em regiões mais pobres. A ação pública é necessária e pode contribuir para a mobilização de recursos locais por meio do microcrédito. A questão é saber se esse objetivo pode ser alcançado sem atuar, necessariamente, via crédito subsidiado e não-sustentável. Análises

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qualitativas indicam que medidas para regularização da informalidade, tais como definição de pontos e padronização do comércio informal, fomento à organização associativa dos produtores e capaci-tação gerencial dos empreendedores, podem ser mais efetivas do que a concessão direta de crédito subsidiado. Ainda que este caminho não leve a uma solução absoluta do problema, com certeza, pode ajudar a resolvê-lo. Pode também definir um novo papel para o Governo no contexto da micro-finança, em geral, e das microfinanças rurais, em particular.

2.2.2 As dificuldades apresentadas para operar no meio rural

Desde o final da década de 80, observa-se rápido crescimento do número de instituições dedicadas às microfinanças (IMF), as quais oferecem uma diversidade de serviços financeiros aos pobres, em especial, o crédito de curto prazo. Na América Latina, ao contrário de que se observa na Ásia, o cres-cimento da oferta de serviços de microfinanças tem se concentrado nas áreas urbanas. Essa tendência parece refletir, de um lado, a falta de interesse do setor público em apoiar a expansão da oferta nas áreas rurais. De outro lado, reflete dificuldades reais para alcançar a população rural e desenvolver tec-nologias financeiras adequadas — do ponto de vista da eficiência e dos objetivos sociais — para operar nas áreas rurais, segundo González-Vega (1999a apud NAVAJAS; GONZÁLEZ-VEGA, 2000).

Algumas organizações têm se dedicado, com sucesso, a enfrentar esse desafio limitado em termos de nível de cobertura e de sustentabilidade, ambos significativamente inferiores aos resultados alcan-çados pelas melhores IMF urbanas (NAVAJAS; GONZÁLEZ-VEGA, 2000). Vários fatores contribuem para explicar essa dificuldade: a relativa dispersão dos produtores em territórios vastos, às vezes com dificuldades de comunicação; o acesso dos possíveis clientes aos mercados e a própria fragilidade dos mercados locais onde estes comercializam sua produção; o caráter parcial de subsistência e a maior dificuldade para manter atividades de geração de renda; os riscos climáticos que afetam a produção agropecuária; o baixo nível educacional e a falta de tradição em atividades de mercado.

Outra circunstância é a “concorrência desleal” de programas públicos, que disponibilizam recur-sos subsidiados e, portanto, dificultam a operação das organizações que precisam cobrir seus custos de captação e de operação para sobreviver (RODRÍGUEZ-MEZA; GONZÁLEZ-VEGA, 2003). Mesmo a IMF podendo acessar os recursos do Governo mais baratos para repassar aos mutuários, têm-se evitado essa opção, seja para manter a autonomia, seja para evitar problemas de descontinuidade que afetam os programas públicos na região. Adiante, este tema será revisto com base na rica expe-riência da Caja Los Andes, na Bolívia.

2.2.3 Cooperativas de crédito

As primeiras experiências com cooperativismo de crédito ocorreram na Alemanha, por volta de 1850, tanto para as cooperativas de crédito urbanas, como para as rurais. Além dos princípios cooperativistas, elas tinham uma característica particular: a responsabilidade ilimitada. Quando era necessário recorrer ao mercado para suprir as necessidades de todos os membros, todos os participantes responsabilizavam-se pelos empréstimos obtidos no mercado por meio da garantia solidária. Os empréstimos tinham como

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Organizações envolvidas com o crédito rural ��

prioridade financiar investimentos relacionados à produção, e a principal garantia era o caráter dos par-ticipantes. Os bens de todos eram coletivamente oferecidos como garantia. Portanto, era de interesse de cada sócio admitir apenas indivíduos de boa reputação. Essas cooperativas ficaram conhecidas como “bancos do povo”. Em sua origem, a cooperativa de crédito era uma associação de pequenos poupadores que se uniam para ampliar o acesso a crédito mediante o financiamento mútuo9.

Nos países desenvolvidos, as cooperativas de crédito tornaram-se grandes organizações financei-ras, fundamentais no processo de democratização e de acesso aos serviços oferecidos pelo sistema financeiro. Já nos países em desenvolvimento, o cooperativismo não teve a mesma penetração, em-bora existam experiências de grande êxito. Uma experiência que teve considerável repercussão foi a do Grameen Bank, em Bangladesh, que tinha por objetivo combater a pobreza do país dando uma alternativa para que a população pobre pudesse sair da dependência dos comerciantes agiotas.

O Grameen Bank tem características peculiares e diferentes das cooperativas de crédito cujos membros compartilham responsabilidade ilimitada. No início, o Grameen concedia empréstimos apenas às mulheres, pois acreditava que elas seriam mais prudentes na utilização dos recursos, priorizando as necessidades da família. Outro ponto diferencial dessa experiência está relacionado à pobreza da população atendida. Como os clientes não possuíam garantias reais para oferecer, foi adotado o aval solidário. Inicialmente, os empréstimos eram concedidos a grupos de cinco mulheres que se responsabilizavam em conjunto pelos empréstimos individuais. Caso uma das clientes não pagasse a dívida, as demais se responsabilizariam, sob pena de todas serem desligadas do Banco10.

Outra importante característica do Grameen foi a estratégia utilizada para ampliar sua clientela. Con-sistia em ter funcionários para divulgar as oportunidades oferecidas pelo banco. Esses funcionários, além de identificar os potenciais tomadores de recursos e selecioná-los, tinham, ainda, a função de acompa-nhar os grupos formados e de identificar potenciais lideranças que auxiliariam a garantir o sucesso do gru-po. Essa característica era uma inovação em termos de organizar o atendimento ao público excluído do sistema bancário convencional, pois ainda não existiam as agências bancárias, apenas a figura dos seus agentes de crédito, que se deslocavam até as comunidades interessadas em obter recursos do Grameen.

A experiência do Grameen fornece um modelo para contornar alguns dos problemas relacionados aos programas especiais de crédito destinados a públicos empobrecidos: o dos custos de operação elevada e a seleção dos mutuários.

A maioria das cooperativas de crédito rural surgiu atrelada às cooperativas de produção e de comercialização para viabilizar as operações financeiras entre os agricultores e o mercado de insu-mos agrícolas. Como essas cooperativas seguiram o modelo de desenvolvimento difundido durante a chamada “revolução verde”, somente os agricultores familiares mais capitalizados ou próximos a complexos agroindustriais participaram dessas organizações cooperativas.

9. SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002.

10. GRAMEEN BANK. The grameen reader – training materials for the international. Replication of the Grameen Bank Finan-cial System for Reduction of Rural Poverty. Chittagong: Packages Corporation Limited, 1992.

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As últimas décadas têm revelado um rico processo de aprendizado institucional. Experiências foram iniciadas com fundos rotativos de crédito destinados a pequenos produtores excluídos do sistema oficial de crédito rural. Em alguns países, esse processo resultou no surgimento de uma nova modalidade de cooperativa de crédito rural denominado crédito solidário. Essas cooperativas dife-renciam-se das tradicionais por terem como cooperados agricultores familiares locais e pelo fato de estarem interligadas por uma central de serviços, responsável pela contabilidade e padronização das operações executadas pelas cooperativas que integram o sistema. Adiante, será analisada a interes-sante experiência do Sistema de Cooperativas de Crédito com Interação Solidária (Cresol) no Brasil.

Uma rede de cooperativas tem como objetivo canalizar recursos de diversas fontes (municipal, estadual, federal e internacional), facilitando e simplificando o acesso ao crédito rural para incentivar o desenvolvimento das regiões onde atuam. Para isso, procuram mobilizar as energias provenientes de várias organizações presentes nas comunidades locais, como os sindicatos rurais, a pastoral rural e as organizações não-governamentais.

As cooperativas podem prestar serviços idênticos àqueles oferecidos pelo sistema bancário con-vencional aos agricultores familiares (poupança, empréstimos pessoais, fornecimento de talões de cheques, entre outros). Porém, os recursos captados são reinvestidos em atividades da própria co-munidade, a uma taxa de juro definida pela cooperativa com ampla autonomia. Como as coopera-tivas não possuem um patrimônio do porte apresentado por bancos estatais, elas, muitas vezes, funcionam como intermediadoras entre os agricultores e os agentes oficiais, cuidando das atividades de obtenção de informações e de garantias, formando grupos de agricultores que praticam o aval mútuo ou cruzado, ou, em algumas situações especiais, avalizando as transações, principalmente em operações de investimento. A atuação das cooperativas de crédito acaba por explicitar a falta de sintonia entre os agentes financeiros oficiais, responsáveis pela operacionalização dos programas de crédito destinados a produtores rurais pobres, e os objetivos desses programas.

2.2.4 organizações não-financeiras auxiliares

A ampliação do volume de operações de crédito para os agricultores pobres tem sido possível graças ao auxílio de novas e antigas organizações governamentais e não-governamentais. Essas organizações estabelecem a ponte entre os agricultores e as organizações que operam programas de crédito. Suas ações têm contribuído para reduzir custos de transação dos operadores finais do crédito, bem como reduzir os riscos das operações. Nesse sentido, viabilizam o acesso ao crédito por parte de milhões de produtores. Entre essas organizações, destacam-se dois tipos: os serviços de extensão rural e as organizações de representação de classe.

A partir da década de 80, a diminuição da intervenção do Estado nos diversos setores da economia também se repercutiu na agricultura. Uma das políticas agrícolas mais afetadas foi a associada aos serviços de assistência técnica e extensão rural. Além disso, as organizações que compunham a rede de extensão rural tiveram seus orçamentos reduzidos e as contratações de pessoal dificultada. A prática dessa política durante anos sucessivos levou ao desmantelamento e à precariedade dos serviços de extensão rural.

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Organizações envolvidas com o crédito rural ��

QuAdRo 3. SeRvIçoS de ASSIStênCIA téCnICA e extenSão RuRAL no BRASIL

Os serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) foram iniciados, no Brasil, no final da década de 40, com o objetivo de promover a melhoria das condições de vida da popu-lação rural e apoiar o processo de modernização da agricultura, inserindo-se nas estratégias voltadas à política de industrialização do País. A Ater foi implantada como um serviço privado ou paraestatal, com o apoio de entidades públicas e privadas. Em meados da década de 70, o Governo do presidente Ernesto Geisel “estatizou” o serviço, implantando o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural (Sibrater), coordenado pela Embrater e executado pelas empresas estaduais de Ater nos estados, as Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural). Como parte dos programas de Ater daquela época, durante mais de uma década, a participação do Governo Federal chegou a representar, em média, 40% do total dos recursos orçamentários das Emater, alcançando até 80%, em alguns estados.

Em 1990, o governo do presidente Collor de Mello extinguiu a Embrater, desativando o Sibrater e abandonando claramente os esforços antes realizados para garantir a existência de serviços de Ater no País. As tentativas de coordenação nacional por meio da Embrapa e, poste-riormente, pelo Ministério da Agricultura não foram capazes de evitar que as Emater ficassem à mercê das políticas de ajuste estrutural e das difíceis condições financeiras dos respectivos estados, além de se ver ampliada a influência dos interesses políticos dominantes em cada região sobre os destinos das entidades oficiais de Ater. A participação financeira do Governo Federal, desde os anos 90, caiu abruptamente, passando a ser irrisória em relação ao orçamento das empresas de Ater ainda existentes do setor público, que gira em torno de R$ 1 bilhão por ano. Este afastamento do Estado Nacional resultou em um forte golpe aos serviços, levando a uma crise sem precedentes na Ater oficial, que é tanto maior quanto mais pobre o estado e/ou município. No caso da Extensão Pesqueira, cuja história se assemelha à da Extensão Rural, o processo de desmonte acabou por eliminar quase por completo esses serviços.

A política de Ater (Assistência Técnica e Extensão Rural) foi novamente instaurada pelo Governo Federal, depois de 13 anos de desativados os serviços. O Decreto nº 4.739, pu-blicado no Diário Oficial da União do dia 16 de junho de 2003, que define o Ministério do Desenvolvimento Agrário como o responsável pelas ações de Assistência Técnica e Exten-são Rural (Ater), instaura uma ação fundamental para a garantia da produção e da geração de renda no campo.

Fonte: Política de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ministério de Desenvolvimento Agrário, maio de 2004.

Dentre as principais atividades executadas pelos serviços de assistência técnica e extensão rural estão: o acompanhamento e a orientação das atividades desenvolvidas nas unidades de produção agropecuária e o auxilio à elaboração dos projetos técnicos para a solicitação de crédito rural. A ex-

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tensão rural teve, e continua tendo, importante papel na relação dos agricultores com os bancos11. Historicamente, os agricultores beneficiados por esses serviços foram os que mais solicitaram o cré-dito rural governamental e, por meio desse crédito, adotaram pacotes tecnológicos que aumentaram sua produtividade e renda.

Em muitos programas de crédito para atender produtores pobres, os órgãos estaduais de extensão rural têm sido designados como representantes oficiais do Estado na operacionalização do programa. Eles são os responsáveis por atestar se os agricultores que solicitam recursos desses programas são de fato o público-alvo. Além de fornecer essa certificação, emitem também parecer técnico para as solicitações de financiamento. Para o crédito de custeio, por exemplo, eles auxiliam os agricultores a descrever onde os recursos serão utilizados. Para crédito de investimento, eles devem auxiliar os agricultores a elaborar um projeto técnico, justificando a viabilidade. Por fim, nos casos em que esses serviços são oferecidos gratuitamente, os custos de transação da operação de crédito serão reduzi-dos tanto para os tomadores quanto para os emprestadores.

A limitação dos órgãos de extensão rural para atender às demandas do grande número de agricul-tores tem gerado iniciativas com o objetivo de minimizar os problemas daí decorrentes. Destaca-se a atuação pró-ativa dos extensionistas no sentido de canalizar esforços de outros segmentos da socie-dade (PERACI; BIANCHINI, 2002). Eles interagem com a iniciativa privada (fornecedores de insumos, agroindústrias), instituições financeiras, órgãos de representação dos agricultores (sindicatos, asso-ciações, cooperativas), visando o desenvolvimento da agricultura em seu município ou região.

As organizações de representação dos produtores rurais têm um papel fundamental na discussão e na elaboração das propostas que resultam em desenhos alternativos para ampliar a oferta de cré-dito rural. Essas organizações podem ainda oferecer treinamento para os produtores com o objetivo de melhorar as suas condições de trabalho, abordando temas sobre manuseio e aplicação de agro-tóxicos, preservação do meio ambiente e formas de organização comunitária. Para os agricultores pobres, também são oferecidos cursos que abordam temas relacionados à gestão das atividades pro-dutivas, em que a oferta de crédito governamental é divulgada. Em relação ao acesso ao crédito rural, além de divulgar as possibilidades existentes, podem auxiliar os agricultores familiares a elaborar um projeto de acordo com a realidade das unidades produtivas.

A atuação das organizações de produtores pode ser fundamental para superar os problemas dos agricultores pobres, estimulando a criação de associações, cooperativas ou qualquer outra forma de interação solidária que contribua para romper barreiras da assimetria de informações e da falta de garantias. As organizações de representação e os órgãos de extensão rural governamentais exercem o papel de pressionar os agentes financeiros para que eles pratiquem uma política compatível com as diretrizes definidas pelos programas de crédito, principalmente aqueles destinados com exclu-sividade aos menos capitalizados. Dessa forma, contribuem para eliminar filtros institucionais que impedem o acesso ao crédito.

11. ABRAMOVAY, Ricardo; VEIGA, José Eli da. Novas instituições para o desenvolvimento rural: o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Texto para discussão n° 641, Convênio Fipe/Ipea n° 7/97. Brasília, Mimeo, abril de 1999.

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Como se verá adiante, em vários estudos de casos (como exemplo, o Programa de Desenvol-vimento Rural das Províncias do Nordeste Argentino – Prodernea –, na Argentina; e a Associação Nacional Ecumênica de Desenvolvimento – Aned –, na Bolívia), tanto a provisão de serviços de as-sistência técnica e capacitação, quanto o nível de organização dos produtores desempenham papel importante no funcionamento de muitos programas; em algumas experiências, como a da Aned, o arranjo para a provisão desses serviços é fator responsável pelo êxito do programa.

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3. outRoS MeCAnISMoS de FInAnCIAMento e Redução de RISCo

3.1 titularização e financiamento agropecuário

Na maioria dos países da América Latina, a agricultura tem sido um setor dinâmico e que oferece boas oportunidades de investimento. Apesar disso, não se constitui em pólo de atração de poupan-ça privada que sirva de base para financiar os investimentos em novos negócios e ou para custear a produção corrente. Essa falha de mercado está associada à própria formação e ao funcionamento dos mercados financeiros nos países da região, à herança de instabilidade monetária, a marcos regula-tórios inadequados, à própria insegurança jurídica e aos elevados custos de transação para executar contratos em geral.

O resultado é que, ainda hoje, na primeira década do século 21, os mercados de capitais da região são pouco desenvolvidos até mesmo quando comparados a outros setores das economias nacionais, e os bancos privados não têm presença forte no financiamento de investimentos de longo prazo de maturação, atuando mais no crédito de curto prazo. As reformas econômicas implementadas ou em implementação têm procurado modificar esse contexto, estimular a poupança doméstica e criar condi-ções para transformar a poupança privada em investimentos produtivos, na indústria e na agricultura.

Ainda que a taxa de poupança na região seja relativamente baixa, pelo menos, quando compa-rada a dos países asiáticos, o problema central é transformar poupança em investimento privado. Esse problema tem uma dimensão macro e outra microeconômica. A primeira se refere à absorção da poupança privada pelo financiamento da rolagem da dívida pública e do deficit global do setor público; e ao nível elevado da taxa de juros, incompatível com o custo de oportunidade dos inves-timentos produtivos na maioria dos setores. A segunda diz respeito às garantias, enforcement e custos de transação envolvidos no financiamento ao setor privado. Os suscitados problemas vêm sendo equacionados, no mercado, por meio de operações lastreadas em títulos emitidos com boas garantias e de fácil executabilidade. A redução dos riscos de default e a facilidade de cobrança têm como conseqüência a redução do custo de transação.

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A chamada titularização tem como ponto de partida, ou inspiração, as operações de financia-mento comuns em vários mercados, praticadas entre agentes que se conhecem e que utilizam for-mas pessoais de garantia e enforcement na concessão de crédito. Pequenos comerciantes vendem a prazo para os moradores da vizinhança, e quase não enfrentam problemas de inadimplência; os custos de transação são praticamente negligenciáveis.

Os conhecidos money lenders que operam em comunidades do interior também emprestam di-nheiro com baixíssimo risco. Em ambos os casos, a base da operação é o conhecimento do cliente, a presença de vínculos pessoais entre as partes, o mecanismo de coerção comunitária e a própria relação de dependência do mutuário em relação ao credor. A expansão desses mecanismos informais é difícil exatamente porque não é possível reproduzir a confiança, conhecimento e as relações pes-soais nos quais se assentam. São esses fatores, e não a disponibilidade de recursos, que restringem a magnitude e o alcance desses mecanismos informais de financiamento que transformam poupança privada em crédito.

Na agricultura, um mecanismo de financiamento bastante conhecido é o da venda antecipada da produção, praticada diretamente entre produtores e agroindústria e/ou comerciantes. A venda antecipada, mesmo quando envolve garantias, é uma relação direta e pessoal entre as duas par-tes, que só é viável (custo de transação reduzido) se praticada entre “conhecidos” e no mercado local. O produtor, ao vender antecipadamente a produção, emite um título prometendo entregar o produto; também se prevê que no caso de impossibilidade da entrega do produto, o vendedor re-embolsará o comprador nas condições estabelecidas no título. O comprador, de forma antecipada, compra o produto, adianta o dinheiro e recebe o título emitido pelo produtor, porque sabe que o produto está sendo de fato produzido, conhece a reputação do produtor/vendedor, tem informa-ções sobre seu patrimônio e aceita as garantias disponíveis por ter ciência que a probabilidade de executar o título é baixa.

A venda antecipada é bastante utilizada para financiar os gastos correntes de produção e, em geral, o comprador tem algum tipo de interesse nesta operação, seja na venda de insumos que serão adquiridos com os recursos disponibilizados pela operação, seja no próprio produto que está com-prando para entrega no futuro. Ainda que disfarçada em uma operação comercial, a venda antecipada é um mecanismo de transformação da poupança privada do comprador em crédito para o produtor.

A difusão deste mecanismo informal para outros mercados ou para agentes que não mantém relações estreitas entre si eleva os custos de transação devido aos problemas de screening e de informações sobre o emissor do título e à dificuldade para fazer executar os contratos privados desrespeitados. Por isso, a “popularização” da venda antecipada requer não apenas regulamen-tação própria como também a intervenção de uma instituição financeira — ou outra com grande credibilidade — que funcione como avalista do título que, dessa forma, poderia ser vendido de maneira impessoal para captar recursos que seriam utilizados para financiar a produção. Toma-se por hipótese: o Sr. João da Silva, um produtor do interior do País, pessoa simples, afeito à vida no campo, que goza de grande respeito e credibilidade na comunidade local, tenta vender um título na praça financeira da capital, onde é totalmente desconhecido. O mais provável é que, devido à

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Outros mecanismos de financiamento e redução de risco ��

forte assimetria de informação, voltaria para o interior com os bolsos vazios; ou não encontraria quem confiasse em sua promessa de venda; ou, ainda, lhe seriam exigidas tantas garantias e im-postas tantas condições que o negócio ficaria inviável. Trata-se de um caso clássico de falha de mercado devido à assimetria de informação.

O título avalizado por um banco ou por organização de grande credibilidade torna-se impesso-al e pode ser mais facilmente vendido em vários mercados, independente de informações sobre o emissor. Não importa mais saber quem é o Sr. João da Silva, mas sim a credibilidade do banco ou organização que garante o título. A titularização é uma obra de engenharia financeira que transfor-ma uma transação entre dois agentes em um título impessoal, executável com facilidade e lastreado em garantias de fácil execução. O título (promessa) regulamentado e lastreado em boas garantias do Sr. João da Silva pode ser vendido tanto em sua comunidade como em outras partes, e pode ser utilizado para captar poupança privada e para financiar os bons negócios do Sr. João. A titularização permite, em tese, superar a assimetria de informação que dificulta as operações de crédito privado para o setor, cuja viabilidade passa a depender mais das condições financeiras em si mesmas do que de problemas de assimetria de informação.

4. o banco vende a lca no mercado financeiro.

5. um investidor, interessado nas condições do título, compra a lca.

6. com a receita da venda da lca, o banco obtém novos recursos para aumentar sua capacidade de financia-mento para a agricultura. no vencimento do recebível, o produtor paga sua dívida com o banco, resgatando o título por ele emitido. no vencimento da lca, o banco paga ao investidor, finalizando a operação. o investidor se expõe ao risco do banco emissor da lca.

1. produtor demanda financiamento bancário, objeti-vando custear sua atividade. emite um recebível para garantir a operação (cédula de crédito rural – ccr, por exemplo).

2. após assinatura do recebível, o banco libera o finan-ciamento ao produtor (com base nos recursos livres).

3. no passado, o banco mantinha os recebíveis na te-souraria, aguardando o vencimento. só então teria o retorno do capital imobilizado na operação. agora, o banco pode reunir um lote de recebíveis e emitir uma lca, lastreada nesses recebíveis.

FIguRA 1. FLuxo oPeRACIonAL de LetRA de CRédIto de AgRonegóCIo (LCA)

Fonte: Plano Agrícola e Pecuário 2006/2007 – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), 2006.

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Os mercados vêm operando com vários tipos de títulos. Embora a lógica e fundamento sejam os mesmos, os títulos variam segundo a fonte emissora, as garantias e as modalidades de comercializa-ção e liquidação. Alguns títulos exigem liquidação física, ou seja, o produtor deve entregar o produto prometido na data prevista no título emitido; outros títulos permitem a liquidação financeira, ou seja, o lastro em produto serve apenas de garantia para uma operação de financiamento.

No caso da liquidação física, o produtor vende a produção antecipadamente e emite um título, avalizado pelo seu banco – cédula rural, nota rural, nota do produtor rural ou outra denominação –; o aval não tem força suficiente para garantir ao portador da cédula a entrega da quantidade de produto prevista, mas pelo menos assegura o ressarcimento e a compensação financeira, caso haja inadimplência do contrato de entrega do produto. No final do contrato, o produtor recebe o preço esperado para a data de entrega do produto: preço futuro do produto negociado em bolsa, descontado de um deságio e da comissão paga ao avalista. Com base nesse mecanismo, o pro-dutor rural antecipa a venda da produção e obtém recursos para custear a safra. O título pode ser negociado em bolsas e outros mercados desde que registrado e avalizado no sistema bancário mediante pagamento de comissão. Outros títulos são liquidados financeiramente e não exigem a entrega do produto.

FIguRA 2. FLuxo oPeRACIonAL de CeRtIFICAdo de ReCIBíveIS do AgRonegóCIo (CRA)

Fonte: Plano Agrícola e Pecuário 2006/2007 – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), 2006.

1. produtores, cooperativas e empresas do agronegócio compram insumos em operações financiadas, lastrea-das em recebíveis.

2. a empresa/cooperativa fornecedora dos insumos entrega a mercadoria e acumula recebíveis. estes permanecem na tesouraria a espera do vencimento, imobilizando parte do capital de giro.

3. uma empresa de securitização, organizada sob a for-ma de uma sociedade de propósito específico (spe),

faz a ponte entre empresa detentora dos recebíveis e o investidor. estrutura a operação entre as partes.

4. a securitizadora compra os recebíveis com desconto e emite um cra.

5. vende o cra, lastreado nos recebíveis, ao investidor.

6. no vencimento, o investidor receberá o pagamen-to dos recebíveis diretamente de seus emissores. portanto se expõe ao risco dos produtores rurais ou cooperativas.

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Os títulos também se diferenciam segundo a natureza da operação que o embasa e segundo o emissor. Em alguns casos, a operação original é lastreada na produção futura; em outros, em pro-dução já existente, que é depositada em armazém credenciado e emite um warrant negociável no mercado financeiro. Alguns são emitidos por uma instituição financeira; outros, por empresas que operam no agronegócio; outros ainda por empresas de securitização ou armazenadores creden-ciados. As duas figuras, a seguir, ilustram o funcionamento de dois títulos lançados, em 2006, no Brasil: a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). A titularização permite ampliar a captação de recursos privados para financiar os agricultores, mas dificilmente beneficia os agricultores familiares que não estejam integrados em negócios com as agroindústrias e com as grandes cooperativas. O maior impedimento é o elevado custo de transação envolvido em operações com agricultores isolados e que não estão ainda plenamente integrados ao sistema bancário e não têm qualquer experiência em operações de financiamento.

3.2 titularização por meio do fideicomisso financeiro

3.2.1 o fideicomisso

O contrato de fideicomisso é um instrumento jurídico em virtude do qual uma pessoa, deno-minada “fiduciante”, transfere para outra pessoa, denominada “fiduciária(o)”, um ou mais bens, móveis ou imóveis, que passam a formar um patrimônio separado para que, no vencimento de um prazo determinado ou para o cumprimento de uma condição resolutória12, seja transferido a favor do fiduciante ou de um terceiro, denominado “beneficiário” ou “fideicomissário”. Em outras palavras, mediante a realização de um fideicomisso, transfere-se a propriedade fiduciária de bens ou recursos do fiduciante para o fiduciário, a fim de que este os administre para a consecução de um fim deter-minado em contrato13.

O fideicomisso opera como garantia de resolução imediata e automática de contratos na medida em que o fiduciário, pessoa de confiança, dispõe do patrimônio constituído para honrar o previsto no contrato. O fiduciário disponibiliza que lhe pertence (domínio) e cumpre com um contrato lícito e previsto em lei. Essa figura legal permite a geração de instrumentos de investimento e de financia-mento por intermédio de inovações na administração dos riscos.

O fideicomisso é um instrumento jurídico de uso freqüente nos países anglo-saxões e em alguns hispano-americanos, a exemplo do México, em operações entre privados e como garantia de contratos de financiamento. No Brasil, sua utilização ocorre com freqüência no âmbito da Justiça; mais recente-mente foi regulamentado para estimular contratos de financiamento da agricultura, em particular, na pós-colheita, baseados na entrega do próprio produto como garantia a um armazém fiduciário.

12. Uma condição destinada a por fim num direito já constituído.

13. IICA Argentina (2000).

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Principais vantagens apresentadas pelo fideicomisso em relação aos outros mecanismos14:

isolar os ativos envolvidos na operação do conjunto de ativos do fiduciante, evitando riscos de embargos, concursos de contratos com a mesma garantia, falências etc., que afetam as garantias gerais do produtor;

ser mais flexível que a hipoteca para venda;

ser mais adaptável ao negócio específico que se pretende realizar;

oferecer certeza para a provisão de fundos;

assegurar certeza na provisão de recursos;

assegurar o destino dos recursos;

permitir a coordenação dos vencimentos com os compromissos adquiridos.

Para identificar essa figura jurídica é importante ressaltar a conjunção de três elementos básicos e fundamentais: (i) a fidúcia é uma obrigação que tem como base a confiança depositada naquele que assume a responsabilidade; (ii) a transmissão da propriedade é vinculada a essa fidúcia; (iii) a figura do “fiduciário” é quem recebe os bens e os encargos. No fideicomisso coincidem, necessariamente, a fidúcia e a transmissão da propriedade.

O fideicomisso tem uma característica importante por separar o bem colocado em garantia do patrimônio do fiduciante e do fiduciário, como também do beneficiário e do fideicomissário. é uma regra que tem efeitos importantes, pois protege os bens fideicometidos de eventual ação dos credo-res dos fiduciantes, fiduciários ou qualquer parte envolvida no negócio, salvo quando houver fraude. Os bens fideicometidos somente responderão pelas dívidas contraídas pelo fiduciário de acordo com o contratado e no valor dos bens colocados em garantia.

3.2.2 o fideicomisso financeiro

De acordo com a norma específica, o fideicomisso financeiro é sujeito às regras precedentes, sendo o fiduciário uma entidade financeira ou uma sociedade especialmente autorizada por uma Comissão Nacional de Valores15 para atuar como fiduciário financeiro. O beneficiário são os titula-res de certificados de participação no domínio do fiduciário ou de títulos representativos da dívida garantidos com os bens fideicometidos. A função principal do fideicomisso financeiro é atuar como um veículo de “securitização” ou “titularização” das carteiras de crédito transferidas pelo fiduciante ao fiduciário financeiro (entidade financeira ou sociedade habilitada).

Os fundos fiduciários originados nos fideicomissos financeiros constituem instrumentos rela-tivamente novos e significam um depósito de bens para um fim determinado. Quando o bem é entregue para garantia do contrato pelo fiduciante, este perde a posse do bem; entretanto, o fideico-

14. IICA Argentina (2000).

15. No Brasil, a autorização é da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

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missário também não possui a posse, pois é somente um instrumento garantidor para cumprimento do contrato estipulado.

A vantagem dos fideicomissos é que os bens não integram o patrimônio do fiduciário e não estão sujeitos a ações dos credores, exceto em caso de fraude. Sem dúvida, a carência de jurisprudência e o desconhecimento por parte dos agentes econômicos que poderiam utilizá-los, dificultam o maior uso deste instrumento. Deve ser assinalado que o fideicomisso, por si só, não soluciona todos os problemas de confiança, mas estabelece um marco jurídico operativo que outorga segurança para os negócios desenvolvidos num âmbito de confiança entre os participantes.

A figura do fideicomisso é importante por diminuir os riscos na concessão de créditos, tendo em vista que exigem uma garantia física no momento da outorga do financiamento. Sua utilização pode estimular o desenvolvimento do setor agrícola no país ao proporcionar maior liquidez ao investi-mento por crédito hipotecário. Assim, os títulos com garantia hipotecária representam uma nova solução, permitindo a criação de microcréditos e, em conseqüência, a mobilidade da riqueza, que por sua vez permite melhores condições a populações de menor renda. O exemplo da titularização de gado de corte da Bolsa Nacional Agropecuária da Colômbia, apresentado na seção de estudos de casos, ilustra esta modalidade.

3.3 Leasing financeiro (arrendamento financeiro)

O leasing financeiro é um empréstimo particular que substitui o dinheiro por um bem. O outor-gante proprietário do bem transfere o direito de uso ao tomador ou outorgando e por essa transfe-rência recebe um valor. O outorgante conserva o domínio do bem, que é sua garantia, mas o entrega para usufruto do tomador.

é uma modalidade de financiamento que permite à pequena e à média empresa terem acesso a equi-pamentos novos ou usados que de outra forma não poderiam adquirir; facilita assim o acesso a bens e equipamentos e atua como dinamizador das empresas. Financia-se até 100% do ativo físico sem necessi-dade de imobilizar capital de trabalho nem recorrer ao crédito que, mesmo disponível, aumentaria o pas-sivo da empresa e reduziria sua capacidade de financiar outros bens. De fato, é possível fazer contratos de leasing para equipamentos cujo valor seja superior ao patrimônio do tomador. Dessa forma, a empresa agropecuária poderá se financiar a prazos substancialmente maiores que os comuns praticados na praça, para créditos sobre bens de capital, a taxas de juros muito menores e sem atingir as garantias.

A empresa prestadora (entidade financeira) adquire o bem selecionado pelo cliente tomador e a ele transfere sua utilização por um período determinado de comum acordo. Ao mesmo tempo, a empresa outorga ao tomador uma opção de compra ao final do contrato de leasing (cânon) por um valor residual, fixados pelas partes como uma porcentagem do custo do bem. Durante o período do leasing, o cliente deve abonar ao prestador uma cota preestabelecida em conceito de preço pelo uso. Paralelamente, a empresa prestadora reconhece o direito do cliente de adquirir o bem utilizado ao vencimento do período contratual, mediante o pagamente, neste ato, de uma soma de dinheiro pactuada de antemão e que constitui o valor residual da operação.

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Isso o diferencia do leasing operacional, em que a empresa que oferece este serviço tem como objetivo a exploração de aluguel de bens e a manutenção do contrato de leasing de tal forma que a amortização do bem objeto do leasing possa se repartir ininterruptamente até que o mesmo se de-precie por completo; nesse caso, a empresa não tem interesse em dar ao locatário a opção de compra e, por isso, essa operação não é considerada uma modalidade de financiamento de investimento.

No leasing financeiro, o financiador atua com vocação puramente financeira, proporcionando ao tomador uma forma de financiamento diferente às técnicas tradicionais. O direito de propriedade não cumpre sua função plena – fruir, usar e dispor –, funcionando apenas como garantia da operação de financiamento.

3.4 Factoring

No dia a dia dos negócios, as empresas necessitam financiar os custos correntes (capital de giro), agilizar a recuperação de créditos e sincronizar os prazos de pagamentos com os de recebimentos. Em linhas gerais, o factoring consiste em um conjunto de serviços prestados por uma instituição financeira ou não-financeira de gerenciamento, financeiro e administrativo, da carteira de dívidas de uma empresa cliente. O preço dos serviços pode ser fixo, determinado com antecedência, ou variá-vel, tendo como base o valor movimentado pela empresa de factoring em nome da empresa cliente ao longo de um período determinado.

O factoring é um contrato celebrado entre uma empresa e uma entidade financeira, ou uma socie-dade de factoring, em que a primeira transfere à segunda contas a cobrar, advindas de sua atividade comercial ou prestação de serviços (i.e., cheques pré-datados, vales, notas promissórias, etc.), com a finalidade de obter liquidez. Assim, o financiamento ocorre por meio da compra dos créditos a receber ou documentos selecionados pela entidade financeira, tratando-se, pois, de uma modalidade de financiamento, situação diferente do faturamento de documentos.

A empresa recorre a essa cessão ou venda de contas a cobrar com o objetivo de obter recursos fi-nanceiros imediatos, cujo custo será determinado pela taxa de juros e outras taxas combinadas entre as partes. O factor (pessoa jurídica) assume o risco de insolvência de cada um dos devedores cedidos sem recorrer ao cedente em caso de falta de pagamento de algum crédito negociado. Na prática, o factor costuma exigir garantias do cedente para cobrir pelo menos parte do risco da inadimplência dos seus clientes.

Ainda sobre essa modalidade, pode-se fazer uma antecipação ao cedente dos valores a serem rece-bidos. Nessa situação, o factor define os juros correspondentes, descontando-os do crédito liberado. Como garantia de possíveis devoluções, se o crédito cedido não está instrumentado com documentos negociáveis, estima-se um montante de garantia. Em caso de inadimplência por parte do devedor, o factor cobra do cliente o montante de garantia. Este valor se liquida em favor do cedente ao final da operação. Quando o pagamento pelas contas a cobrar é recebido, o factor deduz o montante an-tecipado, desconta os juros e as taxas de serviços e o restante é pago ao cedente. Se o negócio se limitar à prestação de serviço de cobrança pelo factor, remunerada na forma de comissão, o que daí

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resulta é um simples serviço comercial sem financiamento, denominado fomento mercantil. A res-ponsabilidade do cedente limita-se em garantir a existência e a autenticidade do crédito selecionado e aceito pelo factor.

Descrevem-se abaixo as linhas gerais dos mecanismos de funcionamento do factoring16.

Passo �: “O pequeno fornecedor” (“P”) vende um milhão de dólares em tomates para o cliente, uma grande multinacional exportadora, denominada “o grande comprador” (“G”),. “P”, buscan-do elevar a competitividade do seu produto, oferece a “G” 30 dias de prazo e registra a venda como um milhão de dólares em contas a receber. “G” registra as compras como um milhão de dólares em contas a pagar.

Passo �: “P” precisa de capital de giro para continuar o processo de produção e busca alternati-vas para antecipar o recebimento dos créditos em sua carteira. Um factor (“F”) compra as contas a receber de “P” (ou seja, “P” delega suas contas a receber de “G” para “F”). Assim, “P” recebe imediatamente 70% do valor de face da conta a receber (US$ 700 mil). “G” é notificado de que os valores devidos a “P” foram factorados.

Passo �: Em 30 dias, “F” recebe o pagamento total de “G”; e “P” recebe os 30% restantes, menos os juros (sobre os US$ 700 mil) e as taxas de serviço.

16. KLAPPER, Leora. The role of reverse factoring. In: Supplier financing of small and medium sized enterprises. Background paper prepared by the development research group for rural finance innovations. Washington. D.C. World Bank. In: The World Bank Agriculture and Rural Development Department. Rural finance innovations: topics and case studies. Report n° 32.726-GLB. Washington, D.C. April, 2005.

FIguRA 3. eSQueMA do FActoRing

Fonte: The World Bank (2005).

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A operação de factoring oferece vários benefícios, entre os quais se destacam os seguintes17:

criação de uma nova linha de financiamento;

conversão do ativo não-exigível em ativo líquido;

melhoria dos fluxos de caixa e da liquidez;

maior velocidade na rotatividade do capital de giro das empresas;

aumento da capacidade da infra-estrutura produtiva (vendas e endividamento);

profissionalização da gestão e diminuição dos custos administrativos;

possibilidade, no caso de venda em carteira, de rendimento financeiro adicional, em função da taxa de desconto e da data de vencimento média dos créditos cedidos.

O factoring, como mecanismo de financiamento e provisão de liquidez, não tem conseguido in-serir-se de maneira significativa no setor rural dos países do Mercosul, com exceção do Chile, onde parece ter alcançado um bom desenvolvimento. O quadro de Corfo, no Chile, apresentado adiante, sintetiza as condições dos serviços de factoring desta corporação. No entanto, um estudo sobre fac-toring reverso, a partir de experiência no México, demonstra o grande potencial desse instrumento para aproximar o pequeno produtor aos grandes atores do agronegócio dentro da cadeia produtiva, contribuindo para dinamizar a cadeia e elevar a participação do pequeno agricultor na economia.

3.5 Crédito para aquisição de terra: a reforma agrária pela via do mercado

A existência de uma estrutura fundiária concentrada, com terras ociosas, convivendo lado a lado com o desemprego crônico da força de trabalho, revela a incapacidade da sociedade para criar meca-nismos que permitem alocar eficientemente sua disponibilidade de recursos. A reforma agrária é um instrumento utilizado para corrigir essas distorções.

Independente do modelo institucional e dos instrumentos utilizados, qualquer política fundiária tem como objetivo modificar as condições de acesso, a distribuição e o uso da terra. Entretanto, é na forma de arrecadar terras que surgem os maiores conflitos dentro de um programa de reforma agrá-ria. é possível conceber modelos que arrecadam terras por meio de desapropriações, de aquisição de terras no mercado, pela distribuição de terras do Governo e pela reestruturação de áreas privadas.

O modelo tradicional de reforma agrária tem como principal instrumento a desapropriação por interesse social de áreas produtivas não-utilizadas, cujo tamanho supera um determinado limite. Esse mecanismo baseia-se na idéia de que a redistribuição de terras tem um caráter de conflito e, portanto, justifica-se a desapropriação como forma de realizar a transferência forçada de terras sob domínio de latifundiários para os trabalhadores rurais que não têm terra.

17. Extraído da página na web de la Nacional Financiera (Nafin), México. <www.nafin.com>.

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Apesar de necessária, em determinadas situações, a utilização desse modelo pode ter características não desejáveis do ponto de vista da formulação de políticas: maior custo de transação (custos jurídicos que, somados ao valor das indenizações, podem superar o valor de mercado da terra); impossibilidade de captar os movimentos de queda do preço da terra; maior tempo entre a identificação das terras e o assen-tamento de produtores; necessidade de uma pesada máquina burocrática; estímulos indiretos à ocupação ilegal de propriedades (justificada pela pouca agilidade do processo); menor atenção ao desenvolvimento produtivo do assentamento (a máquina burocrática é pressionada para atender as demandas emergen-ciais de acesso à terra); e acúmulo de passivo de infra-estrutura e serviços sociais básicos.

Nos modelos tradicionais de reforma agrária por desapropriação, o Estado assume as funções de arrecadar e distribuir terras, além de assistir, com recursos financeiros e técnicos, à implantação e à consolidação dos assentamentos. Essa centralização eleva bastante os gastos administrativos. Os intrincados trâmites jurídico-burocráticos e a necessária assistência para instalação e consolidação de assentamentos exigem atividades de avaliação, inspeção, pagamentos, crédito, auxílios, assistên-cia técnica, etc. Todo esse processo requer um número muito grande de profissionais qualificados que recebem salários elevados.

Um processo descentralizado pode minimizar os problemas apresentados pelos mecanismos tradi-cionais de redistribuição de terras e, assim, superar a pobreza rural de forma sustentável mais rapida-mente. A redução da burocracia e a eliminação de longas disputas judiciais são fundamentais para dimi-nuir custos e tempo, liberando recursos para aumentar o número de beneficiários. Embora recentes, as experiências de reforma agrária pela via de mercado no Brasil e na Colômbia oferecem algumas lições18.

Na reforma agrária pela via de mercado, alguns critérios gerais para o processo de redistribuição de terra são estabelecidos, sendo concedidos empréstimos em condições especiais para financiar inicia-tivas dos próprios beneficiários. As condições especiais são taxas de juros abaixo do mercado, longo prazo para pagamento e um período de carência para iniciarem-se os pagamentos. Essa última condi-ção é muito necessária, pois os produtores recém-assentados somente serão capazes de gerar renda para pagamento do empréstimo depois que os investimentos produtivos alcançarem maturidade. Esses empréstimos visam primordialmente cobrir o custo de compra da terra, mas podem vincular-se à desti-nação suplementar de recursos para investimentos em infra-estrutura social e capital produtivo.

Nesta modalidade, os próprios beneficiários são responsáveis por tomar decisões sobre a seleção da terra, a negociação do preço, a forma como a terra será distribuída entre as famílias, a definição das atividades agrícolas a serem implementadas e os investimentos a serem realizados. O associa-tivismo deve ser estimulado por meio da concessão de empréstimos diretamente às associações de produtores, que passam a ter autonomia para promover a auto-seleção dos beneficiários e para defi-nir a estratégia produtiva. Quando uma associação assume as obrigações financeiras, essas passam

18. Em 1994, foi aprovada, na Colômbia, uma lei permitindo um processo mais descentralizado para atender as demandas dos trabalhadores rurais. O Governo passou a conceder recursos (a fundo perdido) para a compra de terra. Após um início marcado por sérios problemas operacionais, o programa foi reestruturado para transferir recursos diretamente para as comunidades locais e incentivar a criação e o funcionamento de conselhos municipais, que seriam uma pré-condição para que os municípios se tornassem elegíveis a receber recursos da reforma agrária. No Brasil, a reforma agrária pela via de mercado ganhou dimensão a partir do lançamento do programa-piloto Cédula da Terra, em 1998. O programa brasi-leiro busca alcançar os trabalhadores rurais sem-terra e os produtores com insuficiente área de terra para assegurar sua subsistência e processos sustentáveis de acumulação.

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a ser de responsabilidade mútua de seus membros. Espera-se que tais características do processo criem incentivos e condições para melhor alocação dos recursos.

O mecanismo de acesso à terra via mercado, por não ser conflituoso, dispensa boa parte da estrutura jurídico-administrativa típica da desapropriação. Delega-se à associação de produtores a função de encontrar a terra e negociar a compra. O governo local pode ser chamado a participar, acompanhando a negociação e intervindo em caso de imperfeições, tais como falta de experiência em negociação ou informação sobre o funcionamento do mercado de terras. Assim, o papel do Estado passa a ser mais normativo do que executivo. Não se elimina a possibilidade de ações executivas por parte do governo local, que pode prover assistência técnica e infra-estrutura. Nesse caso, a adminis-tração local, devido ao envolvimento no processo, torna-se mais comprometida.

Ao descentralizar a seleção dos beneficiários e a escolha da terra, o mecanismo oferece vantagens sobre o modelo tradicional de reforma agrária por desapropriação. Por um lado, a seleção da terra não é viesada pelo conflito, dispensando-se mais tempo e importância ao exame criterioso de suas qualidades produtivas (disponibilidade de água, fertilidade, acesso aos mercados, vegetação, etc.). Por outro, a seleção dos beneficiários, realizada por avaliação do próprio grupo, a respeito dos pares, pode assegurar maior comprometimento dos selecionados com o sucesso do empreendimento.

A estrutura de governança deve ser construída de forma a transferir, para os beneficiários e para as comunidades, o poder de decisão e os incentivos que os façam co-responsáveis pelo sucesso ou fracasso dos projetos.

Contudo, a reforma agrária pela via de mercado apresenta pontos críticos. Em primeiro lugar, deve haver um mercado de terras, em que as informações sejam transparentes e não exista proprietário ou grupos de proprietários capazes de impor preços. é possível que apenas em algumas regiões, ou conjunturas econômicas específicas, haja oferta de terras a preços compatíveis com o que se espera de um mercado concorrencial. O caráter cultural da propriedade da terra enquanto símbolo de poder ou riqueza, ou reserva de valor, impede o funcionamento adequado do mercado. Mesmo em situa-ções de crise econômica, quando se poderia esperar que o preço da terra caísse, as transações podem simplesmente não existir. Os proprietários resistem à venda ou podem fixar preços elevados, dado o seu poder de monopólio. Nessas situações, é possível que os novos instrumentos não funcionem adequadamente e que a desapropriação por interesse social seja a única alternativa.

Em segundo lugar, existe o risco de que a descentralização do programa de reforma agrária e a arrecadação de terras pela via de mercado beneficiem muito mais os proprietários do que os traba-lhadores rurais. Em muitas regiões, a estrutura de poder político local é determinada pelos grandes proprietários de terras. A fim de neutralizar possíveis desvios no uso dos recursos, é importante que, em programas descentralizados, as associações sejam estimuladas a negociar condições de aquisição que lhes sejam favoráveis. Entretanto, para a maioria dos pobres rurais, a terra assume um valor que transcende o valor econômico, representando a realização do “sonho da terra própria” e do “pedaço de chão”. A “ansiedade” para ter acesso à terra pode levar à aceitação de imposições extra-mercado e de escolhas não sustentáveis. O fator tempo é crucial no processo de negociação e, dadas as con-dições de pobreza, pode não operar em favor dos pobres.

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Em terceiro lugar, o sistema de condicionantes e de penalidades pode não ser eficaz no sentido de oferecer barreiras ou criar mecanismos de autocontrole. Por exemplo, a exigência de uma organização de produtores como condição para se ter acesso aos recursos, per si, não garante que haverá efetivamente o monitoramento dos pares. Em sociedades pautadas pelo elevado grau de individualismo, é difícil encon-trar organizações de produtores coesas e estáveis. Em condições de pobreza, haverá incentivos para forjar este tipo de organização para se ter acesso aos recursos. Uma vez obtidos os recursos, nada garante que as associações tenham o arranjo institucional necessário para induzir seu uso eficiente.

Em quarto lugar, as relações entre o setor público e o setor privado, em vários países da América Latina, são marcadas por sólida tradição de ruptura de contratos que, muitas vezes, os transforma em um jogo de faz de contas, aumentando a probabilidade de ocorrência da seleção adversa. O Governo define regras sabendo que não tem condições de assegurar sua vigência, e a outra parte as aceita sabendo que não precisará cumpri-las. De uma maneira ou de outra, o acordo é refeito à custa do Tesouro. Questão pertinente é avaliar em que medida a “tradição” de não-cumprimento dos contratos afeta o comportamento dos agentes envolvidos.

Por fim, mesmo onde o mercado de terras não apresenta grandes imperfeições, existe ainda o pe-rigo de o preço da terra elevar-se acima do desejável, devido à própria pressão de demanda exercida pelo programa. Dependendo do volume dos recursos envolvidos, pode haver expansão na demanda por terra suficientemente grande para provocar uma alta de preço. Nesse sentido, é preciso calibrar a oferta de recursos e/ou destiná-los a regiões onde haja adequada oferta de terras.

3.6 Fundos de aval

Os fundos de aval são iniciativas bastante recentes e com origens diferentes19. A principal função dos fundos é propiciar garantias às instituições financeiras que operacionalizam os financiamentos dos programas especiais de crédito para a agricultura familiar. Eles suprem a carência dos agricultores familiares que não possuem as garantias reais exigidas para a concessão do crédito, como avalistas e a titulação da terra. Os fundos são constituídos a partir de diversos arranjos institucionais, com a participação de várias organizações e agentes locais e regionais. Governos locais têm desempenhado um importante papel em experiências bem-sucedidas, colaborando com o aporte inicial de capital para a constituição dos fundos e dando suporte para o seu funcionamento.

A manutenção dos fundos é garantida por uma porcentagem paga, pelos agricultores ou empreen-dedores urbanos, sobre os valores dos contratos aprovados e avalizados pelo fundo. Já sua atuação, consiste em selecionar e garantir um grupo de tomadores de crédito que se avalizam mutuamente em operações junto às instituições de crédito oficiais.

19. PERACI, Adoniram. S.; BIANCHINI, Valter. Fundos garantidores como instrumento de ampliar a cobertura do crédito rural no Brasil – casos do Sul brasileiro. Campinas: Mimeo, 2002. Em 2003, o Governo brasileiro anunciou a criação de um fundo de aval federal para dar suporte ao Pronaf. No mesmo período, governos estaduais criaram fundos de aval com o objetivo de dar suporte às atividades agropecuárias e às mini e micros empresas urbanas, mas com atuação ainda inexpressiva.

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O processo de formação dos grupos e a prática do aval cruzado são mecanismos que tendem a diminuir o comportamento oportunista, pois os candidatos geralmente se conhecem, contribuindo para a qualidade dos grupos constituídos. Os custos com coleta de informação sobre os participan-tes são reduzidos, e a responsabilidade pelo sucesso do grupo age como um incentivo ao esforço individual e à prática coletiva. O monitoramento é feito pelos pares, estimulando um processo de cooperação que é fundamental para o sucesso das atividades produtivas. Apesar de os fundos não emprestarem os recursos para os tomadores, o seu papel é importante para viabilizar o acesso ao crédito e contribuir para o sucesso das atividades dos agricultores, uma vez que as associações ges-toras dos fundos auxiliam na elaboração dos projetos, acompanham as atividades e criam condições para a capacitação dos agricultores envolvidos.

As próprias instituições financeiras, principalmente os bancos estatais, estimulam a consti-tuição dos fundos de aval. Além de protegê-las dos eventuais riscos envolvidos nas operações com os agricultores, trazem outros benefícios como a coleta de informações e seleção dos can-didatos, monitoramento e assistência técnica dos projetos e reduções de custos. Os fundos mo-vimentam, ainda, significativas somas de recursos administrados pelas instituições financeiras e contribuem no processo de operacionalização dos programas de crédito, reduzindo os riscos e os custos dos contratos.

Ao ampliarem o número de agricultores atendidos pelos programas de crédito, os fundos colaboram para gerar uma transformação na comunidade que participa do processo de sua criação e operaciona-lização. O crédito funciona como um catalisador para diversas outras atividades que complementam as necessidades dos agricultores e como o estímulo ao trabalho em grupo, ao aprendizado individual e coletivo e ao contato com a assistência técnica, que acompanha o desenvolvimento das atividades e monitora os projetos. Esse conjunto de atividades é bastante importante para a inclusão social dos agricultores e fortalece as relações entre os diversos agentes que participam do processo.

Embora o sucesso dessas iniciativas seja notório, deve-se considerar que os fundos de aval aca-bam por elevar de forma significativa os custos do crédito para os tomadores. O encarecimento do crédito ocorre devido à necessidade de o agricultor contribuir com uma porcentagem dos valores tomados em empréstimo para a manutenção do fundo.

Fato é que os fundos de aval são uma alternativa para superar obstáculos encontrados pelos agricultores que têm dificuldades para oferecer as garantias exigidas pela rede bancária, mesmo com o encarecimento do crédito devido à cobrança da taxa de contribuição destinada ao fundo. Contudo, essa solução tende a ser uma fase de aprendizado coletivo para que os agentes envol-vidos, principalmente os agricultores, encontrem uma solução estável tanto para o crédito, como para as tantas outras questões relacionadas à gestão das atividades agropecuárias e ao desenvol-vimento rural da comunidade.

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estudos de casos sobre experiências de crédito rural

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4. PRogRAMA nACIonAL de FoRtALeCIMento dA AgRICuLtuRA FAMILIAR (PRonAF)

PAíS: Brasil, 1996.

origem

Na década de 90, dois fatores foram decisivos para a introdução de um programa de apoio à agricultura familiar. Um, as reivindicações dos trabalhadores rurais, que voltaram a ter voz na Constituição de 1988, ganharam destaque nas famosas “Jornadas Nacionais de Luta”, ocor-ridas na primeira metade da década de 90, e conquistaram espaço e força política junto ao Governo Federal. Outro, os estudos realizados conjuntamente pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Re-forma Agrária (Incra)20 mostraram, com maior precisão, a importância da agricultura familiar para o desenvolvimento do meio rural brasileiro, municiando e dando maior objetividade às reivindicações dos trabalhadores.

Em 1994, o Governo Itamar Franco criou o Programa de Valorização da Pequena Produção Rural (Provap), que tinha como objetivo elevar o volume de crédito concedido aos pequenos agricul-tores. Em 1996, com o desdobramento do Provap, surgiu o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que se firmou como a principal política pública de apoio aos agricultores familiares. Dois fatos importantes devem ser registrados: primeiro, em 1995, apenas as ações relativas ao crédito de custeio foram implementadas; segundo, a ampliação do programa para as áreas de infra-estrutura e de capacitação só ocorreu a partir de 1996, quando o Pronaf ganhou maior dimensão e passou a operar nacionalmente.

20. FAO/Incra. Diretrizes de política agrária e desenvolvimento sustentável para a pequena produção familiar. Projeto UTF/BRA/036. Brasília, FAO/Incra, 1994.

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O objetivo geral do Pronaf é fortalecer a agricultura familiar, contribuindo para gerar emprego e renda nas áreas rurais e urbanas e para melhorar a qualidade de vida dos produtores familiares, rompendo com o racionamento de crédito e assegurando recursos a custos reduzidos e compatíveis com a realidade da agricultura brasileira (BUAINAIN; MEIRELLES, 2001).

estrutura atual

O Pronaf está vinculado à Secretaria da Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do Desenvolvi-mento Agrário (MDA). Atua no financiamento das atividades agropecuárias e não-agropecuárias21 exploradas pelos produtores classificados como familiares. Do ponto de vista operacional, o Pronaf concentra-se em quatro grandes linhas de atuação:

a) financiamento da produção: o programa destina anualmente recursos para custeio e investi-mento, financiando atividades produtivas rurais em quase todos os municípios do país;

b) financiamento de infra-estrutura e de serviços municipais: apoio financeiro aos municípios de todas as regiões do país para a realização de obras de infra-estrutura e de serviços básicos;

c) capacitação e profissionalização dos agricultores familiares: promoção de cursos e treinamen-tos aos agricultores familiares, aos conselheiros municipais e às equipes técnicas responsá-veis pela implementação de políticas de desenvolvimento rural;

d) financiamento da pesquisa e extensão rural: destinação de recursos financeiros para a geração e transferência de tecnologias para os agricultores familiares.

Este desenho inicial da política está em constante modificação e aprimoramento, visando dar maior consistência e amplitude ao programa. A estrutura do Pronaf também incorpora um espectro de ações ou componentes que almejam alcançar objetivos mais amplos do desenvolvimento rural, desde o apoio às mulheres até a educação e a formação de jovens agricultores.

Fonte de recursos22

O Pronaf faz parte do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) (ver Quadro 4) e utiliza as se-guintes fontes de recursos: o FAT; fundos constitucionais (FNE, FCO e FNO); recursos próprios dos bancos cooperativos (RPE); recursos de operações oficiais de crédito do Orçamento Geral da União (OGU); e os recursos obrigatórios (MCR 6.2). Entre essas fontes de recursos, apenas o FAT e os RPE demandam equalização das taxas de juros, spread, taxas bancárias e rebates concedidos em algumas modalidades de financiamento.

21. Entende-se por atividades não-agropecuárias os serviços relacionados com o turismo rural, produção artesanal, agrone-gócio familiar e com a prestação de serviços no meio rural que sejam compatíveis com a natureza da exploração rural e com o melhor emprego da mão-de-obra familiar.

22. A seção Fonte de recursos é apresentada com base em Bittencourt (2003).

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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ��

Os recursos do OGU eram auto-equalizáveis até 2000, quando passaram a demandar equaliza-ções do spread bancário nos créditos para os grupos A e B. As outras fontes são auto-equalizáveis, com custos e encargos debitados nas próprias fontes. As portarias de equalização emitidas pela STN/MF definem os prazos e os valores máximos a serem financiados por grupo e por modalidade de crédito para cada agente financeiro. Por sua vez, as instituições financeiras têm autonomia para definir quando, onde e para quem financiar dentro de cada grupo de agricultores.

A SAF/MDA não tem nenhuma gerência sobre este processo e, em geral, não tem nem mesmo acesso à previsão de distribuição dos recursos entre os estados da federação definidos pelos agentes financeiros. A única exceção são os recursos do OGU, pois a SAF pode indicar os estados onde os recursos devem ser aplicados.

QuAdRo 4. FonteS de ReCuRSoS do SISteMA nACIonAL de CRédIto RuRAL – BRASIL

O Brasil é um dos poucos países da América Latina que mantém um grande programa público de crédito rural e um Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), criado em 1965 (Lei n° 4.829). O Manual de Crédito Rural (MCR) consolidou as diretrizes do SNCR, entre elas as modalidades principais do crédito – custeio, comercialização e investimento –, e definiu como público-alvo os produtores rurais e suas cooperativas. No início do SNCR, as principais fontes de recursos eram o Tesouro Nacional e as exigibilidades bancárias (recursos obrigatórios)23.

Desde meados dos anos 80, o Governo procura substituir as fontes orçamentárias por outras que não sejam inflacionárias. Em 1996, autorizou a utilização dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e os extramercados para o crédito rural; em 1987, criou a Poupança Rural para atrair recursos privados; em 1989, implantou os fundos constitucionais de financiamentos das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (FNO, FNE e FCO), previstos pela Constituição de 1988. Hoje, os fundos constitucionais são importantes fontes de recursos para os pequenos agricultores do Norte e Nordeste e para a agricultura em geral. Em 1997, começaram os financiamentos com recursos do Funcafé e do Fundo de Commodities; e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a financiar investimentos no setor agropecuário com recursos do Finame. Em 1998, iniciaram as operações com recursos captados no exterior, por meio da Resolu-

23. A Lei n° 4.829, ao instituir o SNCR, também estabeleceu a obrigatoriedade de os bancos aplicarem parte de seus recursos em crédito rural, exigibilidade que foi regulamentada pelo CMN, em 1967, pelo Manual de crédito rural, em seu Capítulo 6, Seção 2. A regra atual prevê que 25% dos depósitos à vista dos bancos sejam aplicados em crédito rural. A não-aplicação leva ao recolhimento dos recursos ao Banco Central sem qualquer remuneração para a instituição financeira (WEDEKIN, 2005).

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ção n° 63 do CMN24. Em 1999, os bancos cooperativos passaram a disponibilizar parte de seus recursos para o crédito rural com custos equalizados pelo Tesouro Nacional.

Apesar da diversificação das fontes do crédito rural verificada desde a criação do SNCR, os fundos públicos mantêm elevada participação nos financiamentos rurais com recursos do Tesouro Nacional (operações oficiais de crédito), dos fundos constitucionais, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do BNDES/Finame.

Os recursos destinados ao crédito rural são divididos em “controlados” e “não-controlados”, dependendo da fonte dos recursos que os lastreiam. As operações realizadas com recursos con-trolados estão sujeitas aos encargos financeiros estabelecidos pelo CMN. Já os encargos finan-ceiros das operações com recursos “não-controlados” são pactuados livremente entre o agente financeiro e o financiado. Os recursos próprios dos bancos cooperativos e do BNDES, aplicados com taxas de juros determinadas pelo CMN, também são enquadrados como controlados. O Governo aloca recursos orçamentários para equalizar taxas de juros e pagar spread aos bancos em operações com recursos da poupança rural, dos bancos cooperativos, do FAT e do BNDES.

Público-alvo

O público-alvo atendido pelo programa inclui os beneficiários da reforma agrária e os pequenos produtores que se enquadram no conceito de agricultores familiares. Os agricultores familiares são caracterizados com base nos seguintes critérios:

possuir 80% da renda familiar originária da atividade agropecuária;

deter ou explorar estabelecimentos com área de até 4 módulos fiscais25;

explorar a terra na condição de proprietário, meeiro, parceiro ou arrendatário;

utilizar mão-de-obra exclusivamente familiar, podendo manter até dois empregados permanentes;

residir no imóvel ou em aglomerado rural ou urbano próximo; e

possuir uma renda anual máxima de até R$ 60 mil.

24. A consolidação das normas sobre capitais estrangeiros no Brasil veio com a Lei n° 4.131, de 1962, ainda vigente. A Re-solução n° 63 do Banco Central do Brasil permite a captação externa por meio da intermediação de um banco brasileiro para financiamento agrícola.

25. Módulo fiscal é uma unidade de medição de parcela de terra expressa em hectares. Definido pela Lei n° 6.746, de 10 de dezembro de 1979, e regulamentado pelo Decreto n° 84.685/80, é determinado levando-se em conta: a) o tipo de exploração predominante no município: b) a renda obtida no tipo de exploração predominante; c) outras explorações existentes no município que, embora não-predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada; d) o conceito de “propriedade familiar” definido na citada lei.

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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ��

O Pronaf segmenta os agricultores familiares em cinco categorias de beneficiários26. Essa categorização decorreu de um estudo realizado no âmbito do convênio FAO/Incra27, em 1999, que identificou distintos grupos de agricultores familiares de acordo com o nível da renda bruta familiar anual.

Os cinco grupos nos quais está segmentado o público-alvo potencial do Pronaf são os produ-tores: (i) estabilizados economicamente (grupos D e E); (ii) com exploração intermediária, mas com bom potencial de resposta produtiva (grupo C); (iii) com baixa produção e pouco potencial de aumento da produção (grupo B); e (iv) assentados pelo processo de reforma agrária (grupo A). Essa classificação diferenciada dos agricultores permitiu que as regras de financiamentos fossem mais adequadas à realidade de cada segmento social, reduzindo os encargos financeiros e os rebates para os produtores mais pobres e com maiores dificuldades de produção.

A Tabela 1 apresenta os critérios de enquadramento no Pronaf. A elegibilidade e as condições são bem diferenciadas por grupo de beneficiários.

Também podem participar do Pronaf:

os pescadores artesanais que se dedicam à pesca artesanal, com fins comerciais, explorando a atividade como autônomos, seja com meios de produção próprios ou em regime de parceria com outros pescadores igualmente artesanais;

os extrativistas que se dedicam à exploração ecologicamente sustentável;

os silvicultores que cultivam florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo susten-tável daqueles ambientes;

os aqüicultores, maricultores e piscicultores que se dedicam ao cultivo de organismos que tenham na água seu normal ou mais freqüente meio de vida e explorem área não superior a dois hectares de lâmina d'água ou ocupem até 500 m3 (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanque-rede;

as comunidades quilombolas que praticam atividades produtivas agrícolas e/ou não-agrícolas e de beneficiamento e comercialização de seus produtos; e

os povos indígenas que praticam atividades produtivas agrícolas e/ou não-agrícolas e de beneficiamento e comercialização de seus produtos.

26. Essas categorias de beneficiários foram definidas pela Resolução n° 2.629, de 10.8.1999, que passou a integrar as normas gerais do Manual de Crédito Rural.

27. Um primeiro estudo da FAO/Incra já havido sido realizado em 1994, constituindo-se em importante referencial para a clas-sificação quantitativa dos estabelecimentos considerados familiares. Foi a partir desses trabalhos que nasceu a separação entre agricultores patronais e familiares. Uma apresentação detalhada da metodologia e das categorias é feita em livro de autoria dos mesmos consultores responsáveis pelo trabalho do convênio FAO/Incra (GUANZIROLI et. al., 2002).

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tABeLA 1. CRItéRIoS de eLegIBILIdAde do PRonAF PoR gRuPo de BeneFICIáRIoS

gRuPo A gRuPo B gRuPo C gRuPo d gRuPo e

exploram parcela de terra na condição de proprietário, posseiro, arrendatário, parceiro

exploram parcela de terra na condição de proprietário, posseiro, arrendatário, parceiro

residem na propriedade rural ou nas circunvizinhanças urbanas ou em assentamentos rurais

assentados de reforma agrária

obtém, no mínimo, 30% da renda familiar da exploração agropecuária ou outras atividades no estabelecimento

obtém, no mínimo, 60% da renda familiar da exploração agropecuária ou outras atividades no estabelecimento

obtém, no mínimo, 70% da renda familiar da exploração agropecuária ou outras atividades no estabelecimento

obtém, no mínimo, 80% da renda familiar da exploração agropecuária ou outras atividades no estabelecimento

a exploração da fazenda está baseada no trabalho familiar

a exploração da fazenda é predominantemente baseada em trabalho familiar e uso do trabalho contratado apenas sazonal

a exploração da fazenda é predominantemente baseada em trabalho familiar, e o uso do trabalho contratado é permitido (até 2 trabalhadores contratados permanentes)

renda familiar anual bruta não-superior a r$ 2 mil, excluídos os proventos vinculados a benefícios previdenciários decorrentes de atividades rurais

renda familiar anual bruta superior a r$ 2 mil, mas não excedendo r$ 14 mil, excluindo benefícios previdenciários decorrentes de atividades rurais

renda familiar anual bruta superior a r$ 14 mil, mas não excedendo r$ 40 mil, excluindo benefícios previdenciários decorrentes de atividades rurais

renda familiar anual bruta superior a r$ 40 mil, mas não excedendo a r$ 60 mil, excluindo benefícios previdenciários decorrentes de atividades rurais

o grupo a surgiu em 1998, como resultado da integração do antes separado procera (programa especial de crédito para a reforma agrária) e o pronaf. o grupo e foi incorporado ao programa em 2003, quando o teto de limite de renda para elegibilidade do pronaf foi aumentado de r$ 40 mil para r$ 60 mil (us$ 13 mil para us$ 20 mil). tendo o pronaf, por objetivo, transformar pequenas propriedades rurais em propriedades familiares comercialmente sustentáveis, as rígidas condições de elegibilidade procuram manter o foco em pequenas propriedades e evitar fraudes. os proprietários são elegíveis a um número limitado de empréstimos em cada categoria e, assim, tornam-se obrigados a progredir de grupo.

Fontes: Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 2001.

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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ��

Linhas de financiamento

Segundo o Manual de crédito rural, publicado pelo Banco Central do Brasil28, na sua seção de finalidades do crédito, os créditos podem destinar-se a custeio, investimento e integralização de cotas-parte de cooperativas de crédito rural.

Os créditos de custeio destinam-se também ao financiamento das atividades agropecuárias, não-agro-pecuárias e de beneficiamento ou industrialização da produção de agricultores familiares enquadrados nos grupos “A/C”, “C”, “D” ou “E”, de acordo com projetos específicos ou propostas de financiamento.

Os créditos de investimento destinam-se ao financiamento da implantação, ampliação ou mo-dernização da infra-estrutura de produção e de serviços agropecuários e não-agropecuários no esta-belecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas, de acordo com projetos específicos.

Os créditos de custeio para a agroindústria familiar destinam-se a:

a) financiamento de agroindústrias organizadas como pessoas jurídicas com, no mínimo, 90% (noventa por cento) de seus participantes agricultores familiares, enquadrados nos grupos “A/C”, “B”, “C”, “D” e “E”, devendo ter mais de 70% (setenta por cento) da matéria-prima a beneficiar ou a industrializar de produção própria ou de associados/participantes;

b) financiamento de agroindústrias de pessoas físicas, agricultores familiares, enquadrados em um dos grupos citados na alínea anterior, com mais de 70% (setenta por cento) da matéria-prima a beneficiar ou a industrializar de produção própria.

Os créditos para integralização de cotas-partes do capital social de cooperativas de crédito rural destinam-se ao financiamento de associados dessas cooperativas com, no mínimo, 90% (noventa por cento) do seu quadro social ativo composto de agricultores familiares, enquadrados nos grupos “A/C”, “B”, “C”, “D” e “E”, com capital social mínimo de R$ 50 mil e máximo de R$ 500 mil, e com no mínimo 2 (dois) anos de autorização para o funcionamento concedido para o Banco Central do Brasil.

Os créditos destinados a beneficiários enquadrados no Grupo “B” podem cobrir qualquer deman-da que possa gerar renda para a família atendida.

Com base nessas três linhas de financiamento, o Pronaf opera uma série de “programas” ou linhas especiais, voltadas para finalidades e /ou subpúblico específico dentre os que se enquadram nos critérios gerais de elegibilidade. Destacam-se os seguintes:

Agregar. Crédito para investimentos em projetos que contribuam para a agregação de renda à propriedade rural familiar, tais como a exploração do turismo rural, o desenvolvimento de produtos artesanais e o beneficiamento destes, o processamento e a comercialização da pro-dução agropecuária;

Pronaf Mulher. Crédito especial de investimento para projetos de interesse das mulheres agri-cultoras integrantes de unidades familiares que contemplam atividades agregadoras de renda e/ou novas atividades exploradas pela unidade familiar. Devem ser observadas as condições

28. Manual de crédito rural do Departamento de Normas do Sistema Financeiro do Banco Central do Brasil, 2004.

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina��

previstas para os grupos “A”, “A/C”, “B”, “C”, “D” ou “E”, limitado a um crédito para a unidade familiar, em cada grupo, em todo o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), considerando-se, para esse fim, como integrante do mesmo grupo, as mulheres dos grupos “A” e “A/C”;

Pronaf Jovem. Projetos específicos de interesse de jovens agricultores, de 16 a 25 anos, que tenham concluído ou estejam cursando o último ano em centros familiares de formação por alternância ou em escolas técnicas agrícolas de nível médio ou que tenham participado de cursos de formação profissional;

Pronaf Semi-Árido. Crédito especial com juros de 1% ao ano e prazo de pagamento de 10 anos, com até três anos de carência, para os agricultores da região do semi-árido, enquadra-dos nos grupos “A”, “B”, “C” ou “D”. Destinado à construção de pequenas obras hídricas, como cisternas, barragens para irrigação e dessalinização da água;

Pronaf Floresta. Destinado ao financiamento de projetos de silvicultura e sistemas agroflorestais e à exploração extrativista sustentável para produtores enquadrados nos grupos “A”, “A/C”, “C” e “D”. Os juros são de 3% ao ano, com até oito anos de carência e prazo de até 12 anos;

Pronaf Agroindústria. Destinado a produtores enquadrados nos grupos “C”, “D” ou “E”, coope-rativas, associações ou outras pessoas jurídicas formadas com, no mínimo, 90% dos participantes ativos de agricultores familiares e que comprovem, em projeto técnico, que mais de 70% da maté-ria-prima a ser beneficiada ou industrializada seja de produção própria ou de associados participan-tes. A taxa de juros é de 4,5% a.a. para o custeio e de 3% a.a. para as operações de investimento;

Pronaf Agroecologia. Destinado a agricultores familiares enquadrados nos grupos “C” e “D” do Pronaf que pretendem adotar sistemas de produção agroecológicos ou que já utilizam sistemas agroecológicos ou orgânicos, incluindo os custos relativos à implantação e manu-tenção. A taxa de juros é de 3% ao ano.

Os créditos são concedidos de forma individual (formalizado com um produtor para finalidade indivi-dual), de forma coletiva (formalizado com grupo de produtores para finalidades coletivas) e de forma grupal (formalizado com grupo de produtores para finalidades individuais). Nesta última modalidade, é necessário que os produtores apresentem características comuns de exploração agropecuária, estejam concentrados espacialmente e, de forma solidária, assumam a responsabilidade pelo pagamento do empréstimo.

Condições de financiamento

O Pronaf disponibiliza créditos nas modalidades de custeio (para os grupos C, D e E) e de investi-mento (grupos A, B, C, D, e E) com taxas de juros fixas com variação entre 1% a 7.25% a.a., conforme o grupo a que pertence o agricultor e a modalidade de financiamento. Como já se indicou, além dessas linhas de crédito destinadas para a produção individual, grupal ou coletiva, o Pronaf conta com linhas de financiamento específicas para a agroindústria familiar (Pronaf Agroindústria e Agregar) e para o cultivo de atividades florestais que vinculem a sua vertente econômica com a ambiental.

Os limites de financiamentos são definidos por modalidade de crédito e grupo de agricultor. Existem limites adicionais nos valores dos créditos destinados para: algumas atividades que agregam

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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ��

mais renda ao agricultor; agricultores em fase de transição; agricultura orgânica; sistemas agroeco-lógicos de produção; e projetos que envolvam jovens que tenham concluído ou estejam cursando centros familiares de formação por alternância ou escolas técnicas agrícolas de nível médio.

As condições de financiamento variam segundo o grupo de beneficiário, e os agentes financeiros (Bancoob, Bansicredi, Basa, BB, BN e BNDES) devem observar algumas condições especiais, como conceder crédito para um grupo de produtores rurais que apresentam características comuns de ex-ploração agropecuárias e estejam concentrados, espacialmente, por meio de um único instrumento que especifica o montante e a finalidade do financiamento de cada um dos participantes do grupo; bem como a utilização individual dos recursos.

Para a concessão do financiamento, é necessária uma declaração de aptidão, fornecida pela enti-dade de extensão rural pública estadual e por um sindicato, que comprova a condição de agricultor familiar, pescador, aqüicultor ou extrativista. Para as organizações, o processo é o mesmo. De posse dessa declaração, o demandante procura um agente financeiro credenciado que não pode exigir qual-quer reciprocidade29. é considerada infração grave qualquer exigência de reciprocidade pelos agentes financeiros. Admite-se, a critério da instituição financeira credenciada, a substituição do projeto técnico por proposta simplificada de crédito, desde que os investimentos programados envolvam técnicas simples e bem assimiladas pelos agricultores da região ou que tratem de crédito destinado à ampliação de investimentos já financiados30.

A assistência técnica é facultativa e pode ser prestada de forma grupal, quando prevista no ins-trumento de crédito; inclusive, para os efeitos do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), no que diz respeito à apresentação de orçamento, croqui e laudo.

QuAdRo 5. MedIdAS PARA evItAR PReFeRênCIAS nA ConCeSSão de CRédIto do PRonAF

Na prática, os bancos exigem garantias e priorizam o atendimento àqueles com melhor histórico de relacionamento e que podem oferecer outras vantagens, o que explica a concen-tração de créditos no segmento mais estruturado da agricultura familiar nos primeiros anos do Pronaf. Segundo Bittencourt (2003), a separação dos beneficiários do Pronaf entre os grupos C e D, não fazia parte de sua concepção inicial, sendo resultado de problemas enfrentados na sua execução. O grupo C foi criado porque o Pronaf estava atendendo principalmente os agricultores familiares mais estruturados de cada município, seja em função do pouco volume de recursos disponibilizados, seja pelo próprio processo de seleção adotado pelos agentes fi-nanceiros operadores. A divisão em grupos visa garantir uma fatia dos recursos e dar melhores condições dos financiamentos para os segmentos mais descapitalizados.

29. Reciprocidade é quando o agente financeiro condiciona a concessão do crédito à compra de outro produto ou serviço do banco, ou quando a entidade credenciada condiciona o fornecimento da DAP à exigência de ser associado, pagar anuidade ou taxa de emissão. Embora proibida, sabe-se que a exigência é prática corrente no sistema bancário.

30. Portal do Pronaf da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério de Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA).

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tABeLA 2. PRonAF – ModALIdAdeS de FInAnCIAMento

gRuPo BeneFICIáRIoS ModALIdAde FInALIdAde

A assentados da reforma agrária ou beneficiários do programa de crédito fundiário do governo federal

investimento estruturação das

unidades produtivas

A agricultores adimplentes, participantes do programa de recuperação de crédito fundiário da secretaria de reordenamento agrário do mda ou do programa de recuperação de assentados do incra, que não tomaram financiamento de investimento nos grupos “c”, “d” ou “e”

investimento estruturação das

unidades produtivas

A/C assentados da reforma agrária que já contrataram financiamentos do grupo “a”

custeio agricultura e pecuária

B agricultores com renda bruta anual até r$ 2 mil (excluídos os benefícios sociais e aposentadoria decorrentes da atividade rural)

investimento agricultura e pecuária

C agricultores com renda bruta anual acima de r$ 2 mil e até r$ 14 mil (excluídos os benefícios sociais e aposentadoria decorrentes da atividade rural)

investimento agricultura e pecuária

custeio agricultura e pecuária

d agricultores com renda bruta anual acima de r$ 14 mil e até r$ 40 mil (excluídos os benefícios sociais e aposentadoria decorrentes da atividade rural)

investimento agricultura e pecuária

custeio agricultura e pecuária

e agricultores com renda bruta anual acima de r$ 40 mil e até r$ 60 mil (excluídos os benefícios sociais e aposentadoria decorrentes da atividade rural)

investimento agricultura e pecuária

custeio agricultura e pecuária

Fonte: Banco do Brasil. Disponível em: <http://www.agronegocios-e.com.br/>.

teto (R$) JuRoS ReBAteBônuS de AdIMPLênCIA

PRAzoS CARênCIA

até 18 mil 1,15 % ao ano até 45% para pagamento em dia

até 10 anos até 5 anos

até 6 mil 1 % ao ano não tem até 10 anos até 3 anos

de 500,00 até 3 mil 2 % ao ano r$ 200,00 por mutuário até 2 anos não tem

até 1 mil 1% ao ano 25% sobre cada parcela paga até o vencimento

até 2 anos não tem

de 1.500,00 até 6 mil

3% ao ano r$ 700,00 por beneficiário/operação

até 8 anos até 5 anos

de 500,00 até 3 mil 4% ao ano r$ 200,00 por ano até 2 anos não tem

até 18 mil 3% ao ano não tem até 8 anos até 5 anos

até 6 mil 4% ao ano não tem até 2 anos não tem

até 36 mil 7,25% ao ano não tem até 8 anos até 5 anos

até 28 mil 7,25% ao ano não tem até 2 anos não tem

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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ��

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investimento estruturação das

unidades produtivas

A agricultores adimplentes, participantes do programa de recuperação de crédito fundiário da secretaria de reordenamento agrário do mda ou do programa de recuperação de assentados do incra, que não tomaram financiamento de investimento nos grupos “c”, “d” ou “e”

investimento estruturação das

unidades produtivas

A/C assentados da reforma agrária que já contrataram financiamentos do grupo “a”

custeio agricultura e pecuária

B agricultores com renda bruta anual até r$ 2 mil (excluídos os benefícios sociais e aposentadoria decorrentes da atividade rural)

investimento agricultura e pecuária

C agricultores com renda bruta anual acima de r$ 2 mil e até r$ 14 mil (excluídos os benefícios sociais e aposentadoria decorrentes da atividade rural)

investimento agricultura e pecuária

custeio agricultura e pecuária

d agricultores com renda bruta anual acima de r$ 14 mil e até r$ 40 mil (excluídos os benefícios sociais e aposentadoria decorrentes da atividade rural)

investimento agricultura e pecuária

custeio agricultura e pecuária

e agricultores com renda bruta anual acima de r$ 40 mil e até r$ 60 mil (excluídos os benefícios sociais e aposentadoria decorrentes da atividade rural)

investimento agricultura e pecuária

custeio agricultura e pecuária

Fonte: Banco do Brasil. Disponível em: <http://www.agronegocios-e.com.br/>.

teto (R$) JuRoS ReBAteBônuS de AdIMPLênCIA

PRAzoS CARênCIA

até 18 mil 1,15 % ao ano até 45% para pagamento em dia

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até 6 mil 1 % ao ano não tem até 10 anos até 3 anos

de 500,00 até 3 mil 2 % ao ano r$ 200,00 por mutuário até 2 anos não tem

até 1 mil 1% ao ano 25% sobre cada parcela paga até o vencimento

até 2 anos não tem

de 1.500,00 até 6 mil

3% ao ano r$ 700,00 por beneficiário/operação

até 8 anos até 5 anos

de 500,00 até 3 mil 4% ao ano r$ 200,00 por ano até 2 anos não tem

até 18 mil 3% ao ano não tem até 8 anos até 5 anos

até 6 mil 4% ao ano não tem até 2 anos não tem

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até 28 mil 7,25% ao ano não tem até 2 anos não tem

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garantias

Para receber qualquer financiamento, o agricultor deve apresentar garantias ao agente financeiro. Esse assunto está regulamentado no Manual de Crédito Rural (MCR) do Banco Central do Brasil; na Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, que instituiu o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR); e no Decreto-Lei nº 167, de 14 de fevereiro de 1967, que dispõe sobre os instrumentos e as garantias para contratação de operações de crédito rural31.

Na busca de um financiamento, a primeira providência é ter um cadastro sem restrições — ter o nome limpo na praça —, pois o agente financeiro está proibido de conceder financiamento a quem tiver qualquer restrição32. A segunda é apresentar, quando necessário, um bom projeto com viabili-dade técnica, econômica, social e ambiental, além de garantia de assistência técnica efetiva, eficiente e de fácil acesso33. A terceira providência é apresentar as garantias que devem ser livremente nego-ciadas entre os agricultores familiares e o agente financeiro, devendo ser ajustadas de acordo com a natureza e o prazo do crédito, observadas as normas pertinentes do Banco Central do Brasil.

Não é admitida como garantia a constituição de penhor de direitos creditórios decorrentes de aplicação financeira. Os bens que constituem a garantia em penhor cedular devem estar cobertos por um seguro, conforme disposto no Decreto-Lei nº 167, de 14 de fevereiro de 196734.

As garantias variam de acordo com o grupo e o valor de financiamento do beneficiário:

garantia pessoal do próprio beneficiário (Pronaf – grupo B);

hipoteca;

penhor ou alienação fiduciária;

aval solidário.

O manual de operação do Pronaf recomenda aos agentes financeiros credenciados adotar o pe-nhor da safra como garantia na concessão do crédito de custeio (nesse caso, a adesão ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – Proagro – é obrigatória) e o penhor cedular ou alienação fiduciária do bem financiado no caso do crédito de investimento. Também estimula a prática do aval cruzado e dos fundos de aval.

Embora a participação no Pronaf seja condicionada à emissão da declaração de aptidão, o im-portante é que os bancos respondem pelo crédito que atribuem, assumindo o risco das operações. Diferente do que ocorre quando os riscos bancários são inteiramente do Tesouro, os bancos devem selecionar sua clientela levando em consideração tanto a idoneidade do tomador, como a qualidade do projeto em que se fundamenta seu empréstimo (ABRAMOVAY, 2002).

31. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Manual do Plano Safra para a agricultura familiar 2004-2005. Programa Nacional da Agricultura Familiar.

32. Ibidem.

33. Ibidem.

34. Ibidem.

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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ��

Segundo Abramovay (2002), mesmo nos bancos estatais – os únicos autorizados a intermediar recursos subsidiados, como são os do Pronaf –, o desconforto é imenso, já que essas organizações tendem a preferir aqueles com quem trabalham com freqüência. A pressão dos próprios movimentos sociais sobre os gerentes e a melhor definição do público a ser atingido pelo Pronaf permitiram am-pliar, de maneira considerável, a clientela, devido à inclusão dos mais pobres.

O Pronaf busca reduzir o risco de inadimplência em grupos e em cooperativas de crédito, esti-mulando a adoção de mecanismos mútuos de responsabilidade (aval mútuo). O aval mútuo respon-sabiliza e penaliza a todos pela inadimplência de um indivíduo, vedando a todo o grupo o acesso a futuros empréstimos. Esses instrumentos aumentam a pressão para o monitoramento dos pares e para melhorar a auto-seleção dos grupos de mutuários. As mais bem-sucedidas organizações que operam dessa forma são aquelas que começam de baixo para cima; por isso são homogêneas e apre-sentam elevado grau de organização e articulação.

A partir de 1997, para aumentar as garantias bancárias a os empréstimos voltados a populações de baixa renda, muitas prefeituras passaram a estimular a formação de fundos de aval com recur-sos das administrações municipais, dos próprios produtores (recursos tirados dos financiamentos concedidos) e, por vezes, de algumas outras organizações (ABRAMOVAY, 2002). Oficialmente, a inadimplência do Pronaf é baixa, e os fundos de aval contribuem para garantir a devolução dos re-cursos (ver Quadro 6).

Seleção (screening)

Os beneficiários do Pronaf precisam comprovar a condição de agricultor familiar e o enquadramento em um dos grupos do programa mediante Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). A emissão dessa declaração, por organização social reconhecida, é o ponto de partida para a concessão de crédito rural aos agricultores familiares sob condições diferenciadas de encargos financeiros, prazo para reembolso e incentivos diretos sobre o montante do capital utilizado. Tais características são suficientes para justificar a necessidade de se dispor de informações fidedignas e atualizadas sobre os beneficiários atendidos pelo programa, o que é feito por meio das declarações de aptidão ao Pronaf35.

No início, as declarações de aptidão ao Pronaf consistiam em uma simples declaração assinada por um técnico, que identificava o agricultor como familiar, e eram utilizadas para que este tivesse acesso às operações de crédito rural ao amparo do Pronaf. Depois, quando as condições das opera-ções de crédito do Pronaf foram ajustadas para considerar a categorização dos agricultores familiares em A, B, C e D, e, assim, permitir tratamento diferenciado do crédito de acordo com as caracterís-ticas do agricultor familiar, as DAPs passaram a enquadrar os agricultores familiares de acordo com os respectivos grupos.

35. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário. Manual do Plano Safra para a agricultura familiar 2004-2005. Programa Nacional da Agricultura Familiar.

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A DAP deve ser fornecida gratuitamente pelas entidades credenciadas, não sendo exigida a filia-ção ou vínculo do agricultor com a entidade responsável pela emissão da declaração. Na prática, há denúncias de uso político dessa exigência. As entidades que emitem a DAP e os próprios beneficiá-rios assumem responsabilidade solidária, civil e criminal pelo conteúdo e veracidade do documento. Cabe ao agente financeiro conferir as assinaturas dos emitentes e confirmar se a entidade está credenciada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). A entidade que emitir ou assinar declaração falsa poderá sofrer sanções e até a suspensão do credenciamento.

Deve-se destacar que a DAP é fornecida para a unidade familiar de produção como um todo, englobando todos os membros da família que habitam a mesma residência e/ou exploram as mesmas áreas.

Enforcement

As medidas utilizadas para recuperação dos créditos rurais inadimplentes não têm sido efi-cazes no Brasil. De um lado, se os bancos formalizam a inadimplência, precisam assumir o prejuízo, lançar os valores na conta de créditos em liquidação e buscar reparação do dano na Justiça, cuja resposta é lenta, cara e ineficaz. De outro, se as dívidas são refinanciadas (ou re-alizadas operações mata-mata36), os bancos não têm prejuízos e cumprem com as destinações compulsórias do crédito. No caso das instituições financeiras públicas, há indícios de ingerên-cias da esfera política na concessão do crédito e na renegociação de dívidas vencidas (NUNES; NASSAR, 2000 apud BITTENCOURT, 2003), ou seja, em situações de elevada inadimplência, os interesses dos credores e dos devedores convergem para pressionar o Governo a facilitar a renegociação das dívidas.

O comprometimento de recursos com o refinanciamento das dívidas ou com a realização de operações “mata-mata” limita a capacidade de atender a demanda por novos créditos. Os constantes adiamentos dos prazos para efetivação dos pagamentos das dívidas securitizadas ampliam os custos para o Tesouro Nacional com equalização dos juros e criam um efeito ne-gativo junto aos agricultores. Enquanto o processo de negociação estiver sendo alterado, os agricultores buscarão incluir novos financiamentos no processo de negociação, independente-mente de terem ou não sofrido as conseqüências negativas dos planos econômicos ou condições climáticas adversas que geraram o processo de negociação anterior (NUNES; NASSAR, 2000 apud BITTENCOURT, 2003).

Segundo o Banco do Brasil37, até setembro de 2006, a instituição tinha formalizado a prorrogação de 245 mil operações de crédito rural, aproximadamente 93% do total de contratos passíveis de implementação daquele tratamento. Os valores prorrogados totalizavam R$ 5 bilhões.

36. Mata-mata ocorre quando um novo financiamento é realizado para saldar uma dívida vencida de outro financiamento. No Brasil, o Manual de crédito rural proíbe esse tipo de operação quando se trata de recursos controlados do crédito rural.

37. Notícia publicada em 28.9.2006. Fonte: Assessoria de Imprensa Banco do Brasil.

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Em relação aos agricultores familiares, os mecanismos de enforcement são, na prática, débeis; pois, ainda que possam recorrer às garantias, os agentes financeiros têm evitado essa opção por várias razões. Uma, é que o custo de transação é bastante elevado, já que inclui tanto custos mone-tários para realizar cobranças judiciais e extrajudiciais, como o custo político associado a processos contra agricultores familiares. Esse componente não pode ser negligenciado em um país como o Brasil, marcado por profundas desigualdades e assimetrias entre os atores sociais e por longa tradi-ção de “jeitinhos” em favor dos mais poderosos. Em muitos casos executar a garantia com sucesso significa inviabilizar o estabelecimento familiar e onerar justamente aqueles membros do grupo que pagaram sua parte do débito e que têm condições de liderar um processo de melhoria de condições de vida da comunidade. Em segundo lugar, o valor das garantias é pequeno e o custo da recuperação dos créditos é elevado, desestimulando o engajamento em cobranças litigiosas. Outra razão é o fato de que parcela significativa dos mutuários não tem mesmo como pagar a dívida, ainda que ofereça as garantias exigidas. Por último, não se pode desconsiderar o efeito permissivo sobre os agricultores familiares da sucessão de renegociações de débitos ao longo dos últimos 15 anos, assim como da idéia muito difundida – e, no caso, pouco importa se falsa ou verdadeira – de que os ricos nunca são punidos pelas dívidas com os bancos oficiais.

Alcance

O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) representa, segundo Abramovay (2002), uma das mais importantes conquistas dos movimentos sociais do Brasil con-temporâneo. Suas lições vão além do interesse específico do setor agrícola. A pedra de toque do Pronaf consiste na tentativa permanente de imprimir racionalidade econômica a uma política social de caráter redistributivo (ABRAMOVAY, 2002).

O número de contratos firmados pelo Pronaf apresentou crescimento em todo o Brasil desde a sua criação, com destaque recente para as regiões Norte e Nordeste e para os produtores classifica-dos no grupo “B”, beneficiários do microcrédito rural.

Segundo dados oficiais do Ministério de Desenvolvimento Agrário, no ano de 2004, aproxi-madamente 1,57 milhão de pessoas firmaram contratos do Pronaf, contra 953,2 mil, em 2002. O volume de recursos destinado pelo Governo ao financiamento rural de agricultores familia-res também apresentou expressivo crescimento, passando de R$ 2,4 bilhões, em 2002, para R$ 5,6 bilhões, em 2004, o que representa um incremento de 134,2%. Na Safra 2005/2006, foram 1.913.043 contratos, totalizando um investimento de 7,61 bilhões.

O número de contratos firmados pelo Pronaf apresentou crescimento em todo o Brasil nos últi-mos quatro anos, com destaque para as Regiões Norte e Nordeste, especialmente com crédito do grupo “B” do Pronaf, o microcrédito rural. Nessas regiões, os agricultores familiares praticamente não acessavam crédito rural. A partir de 2003, muitos deles passaram a ter acesso ao crédito pela primeira vez. Isso se deve, em grande parte, ao esforço realizado pelas entidades de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater).

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A ampliação e a qualificação do serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural e o Se-guro da Agricultura Familiar, somados aos expressivos resultados alcançados até agora com o apoio das organizações dos agricultores familiares, fazem com que a meta para o ano-safra 2006/2007– julho de 2006 a junho de 2007 – seja de dois milhões de contratos no Pronaf, com a aplicação de R$ 10 bilhões.

O principal limitante financeiro para a expansão do Pronaf não está tanto na disponibilidade de recursos para os empréstimos, mas no alto custo para a equalização dos juros, pagamentos de taxas e spread bancários e nos rebates concedidos nos créditos. Observa-se, portanto, o dilema entre condições especiais, alcance e sustentabilidade.

Sustentabilidade

O Pronaf vem sendo modificado e ampliado para atender ao conjunto de agricultores familiares em todos os municípios e regiões do País. Reconhece-se a importância dos aspectos institucionais que, no caso do Pronaf, significou incorporar, a sua lógica de operação, um conjunto de organizações sociais parceiras e instâncias de representação e de decisão que atuam em todos os âmbitos, dos municípios à esfera federal.

Em tese, os agricultores e suas representações passaram a ter, por meio dos Conselhos Mu-nicipais de Desenvolvimento Rural (CMDRs), maior participação na elaboração e implementação do programa de fortalecimento da agricultura familiar. Observa-se ainda que, seja devido ao direcionamento dos recursos pelo próprio Pronaf, seja devido à adequação das exigências para a concessão do crédito às necessidades dos agricultores familiares – o que em alguns casos se traduziu em redução do rigor alocativo –, aumentou o número de agricultores familiares aten-didos pelo programa.

Como já se mencionou, o Pronaf foi produto da pressão política organizada pelos trabalhado-res rurais liderados pela Confederação Nacional de Trabalhadores da Agricultura (Contag) e, por isso, abriu espaço, desde a sua criação, para uma maior participação dos trabalhadores nos rumos do programa. As regras de funcionamento e alocação de recursos, ao estabelecer aprovação pelos conselhos de desenvolvimento rural que operam nos municípios, estados e país, incentivam a parti-cipação social e a acumulação de capital social por parte dos beneficiários. Trata-se, sem dúvida, de fator positivo para a sustentabilidade do programa, que hoje deixou de ser uma ação de Governo e se transformou em política de Estado.

Contudo, se a sustentabilidade política parece assegurada, restam dúvidas sobre a susten-tabilidade financeira e sobre a própria eficácia como instrumento de promoção da agricultura familiar.

O crescimento dos já elevados custos suportados pela União para equalizar as fontes e pagar os custos bancários do Pronaf tem esbarrado nas restrições fiscais do Estado brasileiro. A menos que

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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ��

sejam alteradas algumas condições do seu funcionamento, essas limitações impedem a ampliação do crédito entre os setores mais descapitalizados da agricultura familiar, além de comprometer a manutenção do Pronaf nos próximos anos (BITTENCOURT, 2003).

Um dos problemas principais é o problema dos custos bancários. De acordo com Abramovay (2002):

“(...) para fazer um empréstimo de R$ 1.300,00 a agricultores com faturamento anual de, no máximo, R$ 10.000,00, o Tesouro gasta R$ 544,36. Desse valor, a metade vai para o agricultor, sob a forma de rebate por pagamento em dia e sub-sídio à taxa de juros, e a outra metade para o Banco do Brasil, a título de spread e de taxa de serviço. Para cada real emprestado a esta categoria de produtores, o Tesouro gasta quarenta e um centavos, dos quais a metade com a intermediação bancária. No caso de um crédito de investimento por oito anos, para cada real emprestado, o Tesouro terá gasto, ao final, nada menos que R$ 1,10, dos quais a metade com a remuneração do Banco do Brasil”.

O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) fez uma avaliação crítica sobre os custos bancários do Pronaf. Em sessão ordinária do Plenário, realizada em maio de 2002, o TCU emitiu a Decisão n° 498/2002, determinando que fossem feitas reavaliações nos valores pagos aos agentes financeiros a título de “taxas bancárias” do Pronaf (na ocasião, a taxa mensal de serviço cobrada pelo BB era de R$ 13,01 por contrato) (BITTENCOURT, 2003).

O relatório do TCU cita que “em termos de inadimplência, o Pronaf não representa, até o mo-mento, ameaça à saúde financeira do BB. Para comprovação dessa afirmativa, registramos que o conjunto de operações do Pronaf apresentou situação de normalidade correspondente a 96,7%, 97,3% e 99,0%, em 31.12.1999, 30.6.2000 e 31.10.2000, respectivamente.” Relata, ainda, que a inadimplência no Pronaf é muito inferior “(...) a toda a área de crédito rural do BB, onde as operações vencidas representaram 48,11%, em 30.6.2000”38.

A avaliação positiva em relação à baixa inadimplência nos financiamentos realizados pelo Pronaf também é destacada por Favaret Filho (2002: 46), que afirma que a taxa de inadimplência do Pronaf no BB gira entre 2% a 3%, bem menor que nos tradicionais mecanismos de crédito. Avaliações reali-zadas pela Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA) apontam para uma inadimplência inferior a 1% nas operações de custeio dos grupos C e D. Para os créditos de investimento, esse percentual sobe para cerca de 2% a 4%. A inadimplência é mais alta para os financiamentos destinados ao grupo A, o qual ainda mantém parte dos problemas en-frentados pelo Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera) durante a sua vigência

38. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário, Secretaria de Agricultura Familiar (MDA/SAF), 2002c; citado por BIT-TENCOURT, 2003.

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(BUAINAIN; SOUZA FILHO, 1998). No entanto, estudo recente de Guanziroli39 revela uma situação um pouco distinta em relação à inadimplência (ver Quadro 6).

Para Bittencourt (2003):

“(...) os subsídios nas taxas de juros, diferentemente do que tem sido apontado em algumas avaliações internacionais, não são necessariamente prejudiciais [...]. As experiências de cooperativas de crédito demonstram que os créditos com juros subsidiados podem conviver com o microcrédito a juros de mercado, servindo in-clusive como estimulador de instituições de microfinanças, a exemplo do Sistema Cresol. A taxa de juros subsidiada do Pronaf não é o principal incentivador de uma demanda artificial (procurar acessar o crédito apenas porque a taxa de juros é baixa) entre os agricultores familiares. Da mesma forma, a taxa de juros relati-vamente baixa praticada pelo Pronaf não incentiva a especulação financeira com esses recursos; de um lado, o montante é baixo, e os produtores necessitam dos recursos, em geral, de imediato; de outro, o custo de transação para acessar o cré-dito somado aos juros tende a ser maior do que o ganho que adviria da aplicação financeira do recurso”.

QuAdRo 6. AnáLISe doS ReSuLtAdoS do PRonAF40

Segundo o Relatório das Dívidas Rurais, de janeiro de 2004, preparado por um grupo de gestores da Secretaria do Tesouro Nacional, a inadimplência do custeio teria sido de 1,6% nos grupos B, C, D, ou seja, bastante baixa. Isso ocorreria porque o crédito do Pronaf, ao ser controlado por organizações de agricultores e de assistência técnica e extensão rural por meio da declaração de aptidão, impõe rígidas exigências no processo de seleção dos agricultores. Contribuiria, também, a prática do aval (garantia mais moral que efetiva) existente nesse processo seletivo.

Os dados de atraso e inadimplência não são muito altos, em média, porque parte dessas dívidas foi, de fato, renegociada, obtendo-se, portanto, novos prazos de vencimento, o que oculta o verdadeiro atraso dos créditos. O total da renegociação de dívidas, segundo dados do

39. GUANZIROLI, Carlos E. Pronaf – dez anos depois: resultados e perspectivas para o desenvolvimento rural. In: Revista de Economia e Sociologia Rural. Vol. 45, n° 2. Abril/junho, 2007.

40. Idem, ibidem. P. 301-329.

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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ��

Tesouro Nacional (GASQUES et al.41), ascende a R$ 22 bilhões, incluindo as renegociações do Pronaf e de outras despesas do Governo com 11 fundos e programas: securitização, fundos constitucionais, Recoop, tanto da agricultura familiar como da patronal.

Destacam-se, entre os fatores descritos nas pesquisas, que influenciaram negativa-mente o processo de geração de renda dos agricultores, impedindo, portanto, que se viabilizasse o reembolso dos empréstimos, os seguintes:

1) Falta de assistência técnica ou baixa qualidade da assistência técnica: Os rendimentos pre-vistos nos projetos são calculados a partir de coeficientes técnicos distantes da realidade do pequeno agricultor. Este, depois da safra, geralmente verifica que a maioria das atividades em que foram aplicados os recursos do crédito na região não acompanhou a previsão. Con-seqüentemente, os agricultores passam a ter dificuldades para devolver os empréstimos. Além da deficiência técnica, o tamanho do corpo técnico das instituições oficiais de assis-tência técnica seria insuficiente para dar orientação individualizada aos agricultores.

2) Dificuldades no gerenciamento dos recursos do crédito. Os recursos quase nunca são aplicados integralmente na atividade programada. O agricultor realiza econo-mias na adubação e tratos culturais, por exemplo, seja porque existem muitas ca-rências de investimentos em outras atividades produtivas na mesma propriedade agrícola, ou porque ele não tem como sustentar a família até que o projeto comece a dar retorno, e acaba tirando parte do sustento do crédito rural. Isso diminui a possibilidade de pagamento dos créditos, deixando muitos agricultores endivida-dos, o que, psicologicamente, é desastroso para eles.

3) Falta de integração nos mercados, de estrutura de comercialização e de agregação de valor. A visão clássica dos técnicos educados na revolução verde era a de produzir muito com ganhos crescentes de produtividade, sendo necessário para isso pedir empréstimos que viabilizassem a compra dos pacotes tecnológicos recomendados. é comum que quando a produção e a produtividade aumentam, os preços caiam. O ga-nho de produtividade é assim captado pelos intermediários financeiros e comerciais. Na realidade, os agricultores deveriam olhar primeiramente para os mercados, ver seus sinais e produzir aquilo que tem demanda e perspectivas de integração agroin-dustrial. Depois, pensar-se-iam na tecnologia e finalmente no crédito que porventura for necessário para adotar essa tecnologia. A motivação principal para essa virada de olhares é a necessidade de garantir o máximo de apropriação de renda e de valor pelos agricultores familiares. Para isso, é necessário compreender bem a dinâmica dos mercados e não se deixar iludir por promessas de crédito barato e preços bons.

41. GASQUES, José Garcia et al. Agricultura familiar – Pronaf: análise de alguns indicadores. In: xVIII Congresso SOBER. Ribeirão Preto, São Paulo. Julho, 2005.

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina�0

A avaliação dos rebates concedidos nos financiamentos dos grupos “A”, “B” e “C” é diferente e merece um tratamento específico. O rebate concedido para o grupo “A” tem sua origem no Procera e foi mantido na sua transferência para o Pronaf. Apesar do rebate de 40% do valor financiado ser justificável pela frágil situação em que se encontram os agricultores no momento em que são assentados, os subsídios poderiam ser atribuídos paralelamente ao crédito, destinados a investi-mentos na forma de fundo perdido. Quando anexado ao crédito, amplia os custos governamentais junto aos agentes financeiros, além de dificultar a avaliação e a percepção do agricultor sobre o destino do crédito (avaliação econômica dos projetos que serão implementados) e a necessidade do seu pagamento.

O crédito para o grupo “A”, da forma como está é concedido, é considerado pelos agricultores como um direito (benefício) de todos os assentados pela reforma agrária ou pelo crédito fundiário, independente da perspectiva de viabilidade econômica dos projetos a serem executados. Muitas vezes, os agricultores estão mais interessados no rebate – a que terão acesso/direito – do que no próprio investimento a ser financiado (BUAINAIN; SOUZA FILHO, 1998).

Bittencourt (2003) destaca ainda que o subsídio ao capital prejudica o funcionamento deste programa de crédito porque amplia os custos de equalização com o rebate (16,7% e 22% do valor financiado para os créditos de custeio e de investimento, respectivamente) e com o pagamento de spread bancário, criando maior demanda em função do subsídio, não pelo crédito. São muitos os agricultores deste grupo que somente procuram o crédito porque tem o rebate, sem qualquer avaliação adequada da viabilidade econômica do empreendimento que estão financiando. Há casos, inclusive, de agricultores que retiram o valor do subsídio e mantém o restante aplicado no banco até a data do pagamento do empréstimo.

Os financiamentos destinados ao grupo “B” sempre contemplaram a concessão de um rebate de R$ 200,00 ou cerca de 40% do valor financiado (R$ 500,00). Este percentual foi concedido em função da necessidade de o rebate ser superior ao concedido ao grupo “C”, uma vez que o grupo “B” é formado por um grupo social ainda mais pobre. Não foi realizada nenhuma avaliação sobre a necessidade de um rebate dessa magnitude para o tipo de financiamento em questão. Aos pequenos agricultores e empreendedores rurais, o acesso a um financiamento para investimentos (agrícolas e não-agrícolas) sem burocracia é o mais importante. Da mesma forma que, para o grupo “C”, o rebate nos créditos do grupo “B” aumenta a demanda muito mais pelo subsídio do que pelas perspectivas do investimento a ser realizado.

Como não existe risco bancário nessas operações, não há qualquer controle do banco sobre a qualidade de seu uso nem sobre a capacidade de devolução, fazendo com que as operações assumam uma característica de transferência de renda com um alto custo para o Tesouro (custo bancário), maior do que o de uma operação creditícia (ABRAMOVAY, 2001).

Finalmente, Bittencourt (2003), referindo-se aos assentamentos para os quais é destinado o crédito tipo A, afirma que:

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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ��

tABeLA 3. PRonAF CuSteIo: eStIMAtIvA de gAStoS do teSouRo nACIonAL CoM eQuALIzAção de ReCuRSoS do FAt e RPe PoR ContRAto – SAFRA 2002/2003

Agente FInAnCeIRo

gRuPo do

PRonAF

vALoR doS ContRAtoS

(R$)

CuStoS PARA o tn eM % do vALoR FInAnCIAdo

vALoR (R$)Fonte

Agente FInAnCeIRoReBAte AgRIC.

totALSPReAd

tx. SeRv.

SuBt.

Contratos de 12 meses

BB (FAt)d 2.800,00 5,53 8,23 3,85 12,08 17,61 493,22

c 1.200,00 5,53 8,23 8,99 17,22 16,67 39,42 473,02

Bn (FAt)d 2.800,00 5,53 11,45 11,45 16,98 475,43

c 1.200,00 5,53 11,45 11,45 16,67 33,65 403,75

B. Coop. (ReP)

d 2.800,00 12,24 12,24 342,69

c 1.200,00 12,24 16,67 28,91 346,87

Contratos de 9 meses (*)

BB (FAt)d (*) 2.800,00 4,61 6,86 3,21 10,07 14,68 411,02

c 1.200,00 4,15 6,17 6,74 12,92 16,67 33,73 404,77

Bn (FAt)d 2.800,00 4,15 8,59 8,59 12,73 356,57

c 1.200,00 4,15 8,59 8,59 16,67 29,40 352,82

B. Coop. (ReP)

d 2.800,00 9,18 9,18 257,02

c 1.200,00 9,18 16,67 25,85 310,15

Fonte: MF - Portarias de Equalização Pronaf Safra 2002/2003.Elaboração: Bittencourt (2003).

“(...) existe uma forte posição política entre as lideranças de alguns movimentos sociais de que os créditos para a reforma agrária não devem ser pagos pelos agri-cultores, pois se trata do pagamento de uma dívida social do Governo com este seg-mento da população. Esta posição acaba dificultando a avaliação do desempenho desta linha de crédito, pois é impossível saber qual percentual da inadimplência é decorrente da incapacidade de pagamento em função de problemas estruturais e conjunturais (falta de assistência técnica, estradas precárias, falta de infra-estru-tura produtiva, etc.), e qual é devido à decisão política de não pagá-lo”.

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina��

QuAdRo �. PRodeRneA – CAPACItAção Ao PRodutoR RuRAL

O Programa de Desenvolvimento Rural das Províncias do Nordeste Argentino (Prodernea) é um programa de investimento nas áreas rurais cujo objetivo final é reduzir a pobreza rural. Para tanto, busca promover a sustentabilidade da renda e elevar a capacidade de autogestão da população rural e indígena das províncias desta região. O programa presta assistência técnica e/ou financeira para grupos de pessoas pobres que solicitam apoio para desenvolver algum tipo de negócio. Os grupos, integrados por no mínimo 4 pessoas, uma vez aprovada a solici-tação, serão apoiados por um técnico da Unidade da Província e receberão capacitação para implantar e gerir o negócio. Os técnicos assessoraram a fase de detalhamento dos projetos aprovados e indicam o montante necessário para realização do projeto onde o recurso deverá ser investido e como será devolvido o valor emprestado. A capacitação inclui informação so-bre alternativas produtivas para diversificar e elevar a produção, transferências tecnológicas e capitalização das pequenas unidades produtivas e de negócios.

Para alcançar seus objetivos, o programa adota a seguinte estratégia:

minimizar os custos econômicos e sociais associadas ao processo de reformas es-truturais em curso na Argentina, o que implica apoiar a reorganização produtiva dos agricultores pobres e a elevação da competitividade para adequá-los às mudanças institucionais do País. O programa busca diminuir os custos e os riscos que para a inserção do pequeno agricultor nos mercados mais dinâmicos, que oferecem me-lhores oportunidades, são estáveis e possibilitam rentabilidade mais elevada. Neste sentido, busca introduzir melhorias na produtividade das atividades agropecuárias, agroindustriais, em outras atividades rurais não-agropecuárias e na diversificação das atividades econômicas;

promover e consolidar as organizações de pequenos produtores, a fim de fortalecer a institucionalidade local e apoiar a sustentabilidade das associações que atuam na comercialização, compra de insumo, transferência de tecnologias e manejo de fundos rotativos;

contribuir para a preservação do meio ambiente, em geral, e, em particular, dos recursos naturais renováveis dos pequenos agricultores, essenciais para a compe-titividade sustentável;

colaborar para a melhoria das condições de vida da população aborígine, promover a conservação de seus valores culturais e contribuir para reforçar o domínio sobre seus territórios e recursos;

fortalecer as instituições públicas e privadas para o desenvolvimento rural da região.

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Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ��

O programa está dirigido a todas as populações pobres rurais das quatro províncias do Nordeste argentino (Formosa, Corrientes, Chaco y Misiones) que exercem qualquer tipo de ocupação lícita em empreendimentos agropecuários e não-agropecuários produtivos. A meta é atender a 10.570 famílias de pequenas populações rurais de Chaco, Formosa, Misiones y Corrientes e a 3.450 famílias aborígenes (60 comunidades) das três primeiras províncias até dezembro de 2006.

Um público-alvo especial são os jovens, considerados como principais destinatários das novas tecnologias e empreendimentos e das pequenas empresas juvenis rurais de serviços agropecuários e não-agropecuários.

O Prodernea é executado por organismos públicos do setor agropecuário nacional e provin-cial, organizações de pequenos produtores e agentes do setor privado.

Fonte: <http://www.sagpya.mecon.gov.ar/>.

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��

5. cAjA dE AhoRRos y cRéditos Los AndEs S.A. F.F.P.42

PAíS: Bolívia, 1995.

origem

A Financeira Caja de Ahorros y Créditos Los Andes (Caja los Andes) surgiu como um agente de microcrédito, em julho de 1995, tendo como base a carteira, atividades e tecnologia creditícia da ONG Asociación ProCrédito, criada em 1992, fundadora e principal acionista da Caja Los Andes.

O desenvolvimento da tecnologia de crédito rural utilizada pela ProCrédito beneficiou-se de expe-riências em outros países, sobretudo a da Financeira Calpiá, em El Salvador, ambas integrantes da rede de organizações de microfinanças criada pela empresa alemã Internationale Projekt Consult (IPC).

A Caja Los Andes iniciou suas atividades de crédito rural depois de ter operado alguns anos, com êxito, no meio urbano. Antes de 1998, os poucos negócios da Caja Los Andes, em zonas ru-rais, correspondiam a empréstimos para pequenas e médias empresas que, por seus valores e pelas atividades financiadas, em geral, não-agropecuárias, requeriam tecnologia creditícia semelhante à utilizada nas zonas urbanas.

A Caja Los Andes passou a desenvolver uma nova tecnologia de crédito voltada para a área rural e para a agricultura quando passou a operar no mercado do microcrédito rural43. A carteira (bruta) rural da Caja Los Andes começou a ter importância a partir de dezembro de 1998 e, um ano depois, já representava mais de 12% do total. A rápida expansão comprova a existência da demanda reprimida

42. Este estudo de caso tem como referência e fonte básica o trabalho de Rodríguez-Meza e González-Vega (2003).

43. RODRÍGUEZ-MEZA, Jorge; GONZÁLEZ-VEGA, Claudio. La tecnología de crédito rural de Caja Los Andes. Proyecto Sefir, Cuaderno n° 7. Bolivia: Ed. Usaid, 2003.

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por serviços de crédito; comprova também que, apesar das dificuldades de operar no meio rural, é possível desenvolver tecnologia para atendê-la.

Como já se mencionou, a tecnologia de crédito rural da Caja Los Andes nasceu como uma extensão da sua tecnologia urbana de microcrédito, desenvolvida com sucesso na primeira metade da década de 90. A extensão à clientela rural implicou ajustes importantes. No âmbito rural, predominam as ativi-dades agropecuárias. As atividades de serviços, comércio e de manufatura leve que existem nas áreas rurais são, geralmente, secundárias ou dependentes das atividades agropecuárias. Como se sabe, as atividades agropecuárias apresentam diferenças importantes em relação às urbanas, e essas diferenças afetam diretamente as operações financeiras e de crédito.

Por si sós, os riscos enfrentados pelas atividades de natureza agropecuária, incluindo a elevada incidência de eventos exógenos, são suficientes para exigir adaptação de toda a tecnologia creditícia. Além dos riscos, outros fatores, como as especificidades da produção, os descompassos entre fluxos de investimento, gastos correntes e receitas, a forte sazonalidade e a dispersão geográfica também implicam a necessidade de ajustar a tecnologia creditícia rural às características do setor. Essa adap-tação se dá nos mecanismos de seleção dos clientes (screening), de acompanhamento dos emprés-timos (monitoring) e naqueles utilizados para fazer cumprir os contratos (contract enforcement). A estratégia adotada pela Caja Los Andes busca realizar os ajustes necessários e tem como base os princípios da tecnologia de crédito urbano na qual já tinha experiência44.

estrutura atual

Desde janeiro de 2005, após cumprir os trâmites legais perante a Superintendência de Bancos e Entidades Financeiras, a Financeira Caja de Ahorros e Créditos Los Andes opera como Banco Los Andes ProCredit, contando com um patrimônio de aproximadamente US$ 15 milhões.

O banco faz parte do Grupo ProCredit, uma rede de instituições financeiras que conta com 18 membros em países do Leste Europeu, América Latina e África. Essas instituições, cujo acionis-ta majoritário é a ProCredit Holding AG (com constituição legal e sede na Alemanha), têm por objetivo ofertar serviços financeiros para grupos de baixa renda, orientados para a promoção do desenvolvimento econômico e social do público-alvo, e privilegiam o financiamento a empresas, desde às muito pequenas até as médias, visando colaborar para cobrir um importante vácuo no mercado financeiro.

Os principais acionistas do ProCredit Holding AG são instituições internacionais como IFC (del Banco Mundial), KFW e DEG (do Governo alemão), FMO (do Governo holandês) e BIO (do Governo belga); e instituições privadas como IPC e IPC-Invest (Alemanha), Fundação Doën (Holanda), Aso-ciación ProCrédito (Bolívia), Fundação Fundasal (El Salvador), entre outros.

44. RODRÍGUEZ-MEZA, J.; GONZÁLEZ-VEGA, C., op. cit., 2003.

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Caja de Ahorros y Créditos Los Andes S.A. F.F.P. ��

Fonte de recursos

A Caja Los Andes, desde a sua fundação, em 1992, recebe recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), da Corporação Andina de Fomento (CAF), da agência alemã GTZ e do Gover-no da Suíça. A maior parte dos recursos recebidos é destinada à linha de crédito para os seus clien-tes, embora alguns recursos tenham sido usados para o fortalecimento da Instituição. Além disso, a Caja Los Andes recebeu assistência técnica da consultoria alemã Interdizciplinäre Projekt Consult (IPC), que contribuiu para sua tecnologia de empréstimos individuais (NAVAJAS et al., 2000).

Público-alvo

O grupo tem por público-alvo as pequenas e as microempresas. Com o passar dos anos, o gru-po desenvolveu um nível de compreensão profunda dos problemas, potencialidades e importância desse segmento, além de uma cesta de serviços financeiros adequados às necessidades dos micro e pequenos empreendedores.

Hoje em dia, o Banco Los Andes ProCredit oferece empréstimos individuais classificados nas ca-tegorias de Cliente Rural (residentes em zonas rurais) e Cliente Microempresarial, para os setores de comércio, serviços e produção que requerem financiamento para satisfazer necessidades empresa-riais, familiares ou pessoais do cliente. O montante solicitado/concedido vai de Bs 200 (bolivianos) até USD 20 mil. Uma característica comum do cliente rural e microempresarial urbano é a impossi-bilidade de diferenciar entre receitas e gastos da família e receitas e despesas do empreendimento. O Banco Los Andes ProCredit oferece ainda empréstimos para assalariados de até USD 5 mil e para pequenas e médias empresas (PME). Os montantes dos empréstimos das PMEs são a partir dos USD 20 mil e podem chegar a USD 750 mil, abrangendo uma categoria de clientes que não se enquadra na classificação de microfinanças.

Linhas de financiamento

A linha de Crédito Agropecuário não distingue entre empréstimos de investimento e empréstimos de custeio. Outras linhas de crédito disponíveis são: Microempresarial, PME, Habitação e Sazonal.

Condições de financiamento

A tecnologia creditícia da Caja Los Andes busca ajustar os produtos financeiros às demandas, obrigações e capacidade de pagamento dos clientes, o que possibilita assegurar tanto um nível ele-vado de satisfação dos tomadores de empréstimos, quanto uma redução do risco de insolvência de seus clientes, traduzindo-se assim em elevada taxa de cumprimento dos contratos.

Um esquema não-sincronizado de pagamentos com o fluxo de ingressos do cliente, por exemplo, pode se converter em uma carga (extra) difícil de suportar e levar o devedor à posição de inadimplên-

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cia. O ajuste das condições dos empréstimos às características do cliente é uma dimensão tanto da tecnologia creditícia rural, como da urbana que contribui para aumentar o valor presente da relação de longo prazo que se tem com o cliente. Por outro lado, o desafio da tecnologia de crédito apro-priada é responder à demanda do cliente com flexibilidade, mas sem aumentar — pelo menos em demasia — o risco da organização. Nem ao devedor, nem à organização convêm empréstimos muito pequenos ou muito grandes em relação à verdadeira capacidade de pagamento45.

Dentro dos termos e condições do contrato, o analista de crédito da Caja Los Andes tem discricionariedade para definir o montante do empréstimo, o esquema de pagamento, o prazo outorgado e as garantias requeridas de acordo com as características de cada cliente. Essa discri-cionariedade não existe em relação à taxa de juros nominal cobrada, fixada de acordo com parâ-metros estabelecidos pela organização. Quanto ao fato de a taxa de juros efetiva diferir da taxa contratual, isso dependerá do prazo, e não é independente dos outros termos do contrato. Nesse sentido, o analista de crédito, ao fixar o conjunto de condições flexíveis, influi indiretamente so-bre a taxa efetiva de juros cobrada. No caso de empréstimos concedidos a pequenos produtores rurais, pode-se cobrar um encargo de até 2% do montante do empréstimo para o custeio de gastos administrativos no momento do desembolso46. A taxa de juros efetiva média para os empréstimos da Caja Los Andes tem se situado ao redor de 20% ao ano47.

O regimento de crédito, além do mais, estabelece que o montante máximo que a Caja Los Andes pode financiar é igual ao patrimônio do tomador do empréstimo. Na definição do montante a ser concedido, entram em jogo as seguintes variáveis: a quantia demandada pelo tomador, sua capa-cidade de pagamento, o número e o montante dos empréstimos anteriores com a organização, seu histórico de pagamento e a avaliação das garantias que o tomador pode oferecer48.

O esquema de pagamentos e o prazo do empréstimo são definidos levando-se em conta a esta-bilidade dos rendimentos do domicílio e o montante do empréstimo. O propósito é compatibilizar o fluxo de caixa esperado e o fluxo de pagamentos de tal forma que as parcelas de reembolso sejam absorvidas pelo orçamento doméstico (domicílio e empreendimento).

Na elaboração dos contratos de crédito, o uso de garantias e a ameaça de restrições severas ao crédito no futuro, em caso de falta de pagamento, diminuem a possibilidade de inadimplência, so-bretudo quando o tomador tem condições efetivas de pagar (e que, na ausência de mecanismos de enforcement, não pagaria). Por esse motivo, exige-se que as garantias cubram 100% do endividamen-to do cliente. A avaliação das garantias, quando não são explícitas, é de responsabilidade do analista de crédito, que tem incentivos para sobre-segurar sua carteira de crédito e, por isso mesmo, tende a ser bastante conservador na valoração das garantias apresentadas pelos clientes.

45. RODRÍGUEZ-MEZA, J.; GONZÁLEZ-VEGA, C., op. cit., 2003.

46. Idem, ibidem.

47. Tomando como proxy da taxa de juros as receitas financeiras como porcentagem da carteira bruta média. Informações coletadas do portal da Asofin. Bolívia, em novembro de 2006.

48. Idem, ibidem.

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Caja de Ahorros y Créditos Los Andes S.A. F.F.P. ��

A política da organização é construir relações estáveis e de longa duração com seus clientes, e esse relacionamento afeta os termos contratuais. À medida que o cliente estabelece uma reputação de bom pagador, as condições dos empréstimos tendem a ser menos exigentes. A própria taxa de juros é gradualmente reduzida, reflexo da redução do risco e dos custos de transações decorrentes de vários anos de bom relacionamento com o cliente. Essa promessa de redução de taxa de juros, devido ao comportamento do devedor, também funciona como estímulo para o cumprimento dos contratos (RODRÍGUEZ-MEZA, J.; GONZÁLEZ-VEGA, C., 2003).

garantias

O nível de garantia requerido é função primária do montante do empréstimo. Em termos gerais, para empréstimos menores que US$ 7.500, a organização aceita penhores sobre bens do domicílio ou do negócio, sem inscrição, ou documentos em custódia, desde que acompanhados por outros tipos de garantia. Especificamente para o caso de crédito agropecuário, só se aceitam penhores so-bre a produção futura a partir do momento em que sua comercialização seja factível; ainda assim, a avaliação da penhora está sujeita a um grande desconto, o que a torna pouco útil. A penhora sobre o gado é mais bem aceita pela organização.

A atitude conservadora no uso de garantia está associada à debilidade dos mecanismos legais de imposição dos contratos privados, em especial aqueles relacionados à execução de garantias penhoráveis. Na Bolívia, tramitava, há algum tempo, um projeto de lei sobre penhores que não foi aprovado, entre outras razões, porque alguns legisladores não compreenderam a importância do penhor para melhorar o acesso ao crédito de clientelas que não possuem outros ativos adequados para garantir os empréstimos. Essa atitude mostra viés, em favor dos devedores, que, na prática, torna-se contraproducente e reduz as oportunidades de acesso de um grupo relevante de famílias aos serviços de financiamento.

Para empréstimos superiores a US$ 7.500, os tipos de garantias admitidas pela Caja Los Andes são semelhantes aos tradicionalmente aceitos pelos agentes financeiros comuns do mercado boli-viano, como máquinas, equipamentos e veículos, além das hipotecas sobre imóveis. Para emprés-timos grandes, a hipoteca é o tipo de garantia preferido. Os limites em relação ao uso das garantias estão predeterminados no Regimento de Crédito e estabelecem uma política conservadora, que reforça a tendência natural dos analistas de crédito de, sempre que possível, assegurar os emprés-timos com garantias reais.

A atitude conservadora e rígida quanto às garantias, traduzida em exigências que não podem ser atendidas por muitas famílias, e a baixa avaliação dos penhores sobre os ativos dos agricultores (como a colheita futura) indicam que provavelmente um segmento do setor agropecuário que pode-ria ser beneficiado pelos empréstimos está sendo excluído por carecer do tipo de garantia aceito pela Caja Los Andes. Em alguns casos, famílias muito pobres são excluídas por não terem garantias para oferecer; em outros, a exclusão se refere a famílias com garantias de risco elevado ou de execução onerosa no contexto institucional boliviano, caracterizado pela debilidade do marco jurídico para a constituição de contratos e de mecanismos judiciais para fazê-los valer.

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Como a grande maioria dos empréstimos a produtores agropecuários é menor que US$ 7.500, o valor da garantia é dado pela avaliação subjetiva do ativo por parte do tomador, mais do que pelo seu valor real. Aqui, a garantia tem um papel de instrumento para assegurar a recuperação dos valores emprestados por via judicial, com base no valor de mercado do bem. A perda do bem afeta direta-mente o devedor que, para evitá-la, tem incentivos para cumprir em dia o serviço da dívida. Os bens da família, os animais, as ferramentas e outros ativos têm pouco valor nas mãos da organização. A garantia pessoal cumpre mais a função de exercer pressão sobre o financiado do que para fazê-lo pagar o empréstimo. Portanto, a exigência de garantia tem o valor de demonstrar a seriedade e o compromisso da Caja Los Andes com a recuperação dos recursos emprestados, já que esses bens têm pouco ou nenhum valor para a organização como mecanismo para evitar perdas.

Seleção (screening)

Los Andes investe recursos significativos no monitoramento dos candidatos. Pede aos tomado-res que indiquem ativos para servirem de garantia dos empréstimos, mesmo com a evidência de que esses ativos (sofá, televisão, geladeira, etc.) tenham pouco valor para a instituição financeira. O verdadeiro incentivo para o pagamento do débito vem do risco de se perder bens importantes da casa (NAVAJAS et al. 2003).

O monitoramento de Los Andes inclui visitas ao local de trabalho e à residência do tomador. Essas visitas permitem aos analistas de crédito obter informação fidedigna da situação financeira do cliente, baseada não apenas na observação objetiva das condições do domicílio como também em informações de vizinhos, comerciantes locais etc. As visitas ao local são complementadas por consultas com as agências de microfinança ainda em formação na Bolívia. A aprovação final do empréstimo é dada pelo escritório central. A análise permite ainda descobrir os ativos de maior liquidez do tomador e os mais adequados para servir como garantia. Los Andes faz um inventário dos ativos (TVs, geladeiras ou móveis), e o tomador indica os bens mais convenientes para garan-tia, mesmo que a lei proteja esses bens de serem penhorados em caso de ação judicial (NAVAJAS et al. 2003).

Uma vez determinada a capacidade e a disponibilidade de pagamento de acordo com a informação levantada, o analista de crédito define os termos e as condições do contrato de crédito. Esses termos e condições respondem à demanda do cliente, à capacidade de pagamento observada na avaliação, às regras da organização na avaliação das garantias oferecidas e ao montante dos empréstimos, além do comportamento de pagamento em empréstimos anteriores. São os termos e as condições que definem a estrutura de incentivos a influir sobre o comportamento do devedor.

Enforcement

O rigor na avaliação detalhada da capacidade e da disponibilidade de pagamento dos clientes (screening) e na definição dos termos e condições do contrato diminui a necessidade de um acom-panhamento direto dos tomadores (monitoring) após o desembolso do empréstimo. Assim, embora

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Caja de Ahorros y Créditos Los Andes S.A. F.F.P. ��

a primeira etapa do processo de empréstimo seja um pouco cara, a organização tem que investir menos na segunda etapa, sem que o risco necessariamente aumente.

Para alcançar esse objetivo, é de suma importância o bom funcionamento do sistema de informa-ção. As necessidades de informação para o controle dos empréstimos vigentes são alimentadas por um sistema de relatórios diários sobre o estado da carteira e dos clientes em mora. Esses relatórios, gerados a um custo marginal baixo, graças a um sistema de informação criado para facilitar essa tarefa, constituem ferramenta básica de acompanhamento dos clientes pelos analistas de crédito. A familiaridade dos analistas de crédito com os clientes permite que detectem, de pronto, a inadim-plência desses; e avaliar os casos que podem se tornar um problema grave, bem como aqueles que devem ser problemas temporários, desde enfermidades nas famílias, que implicam gastos inespera-dos, até problemas como a dificuldade de acesso aos locais de pagamentos devido à distância.

A habilidade dos analistas permite aos mesmos cuidar de vários clientes na sua carteira, já que não ocorrem custos de visitas de acompanhamento desnecessárias. Quando os problemas de atraso se agravam, os analistas visitam o cliente para identificar as causas. No caso do crédito agropecuário, é comparativamente fácil comprovar se o atraso se deve a fatores conjunturais, climáticos ou problemas pessoais. Quando os problemas se devem a fatores climáticos, nem sempre é possível distinguir em que medida a perda de rendimentos foi também afetada pela negligência do devedor (risco moral).

Na Caja Los Andes, essa distinção tem menos importância, já que a organização exige o cumpri-mento da obrigação em qualquer caso, postura que procura explicitar desde o princípio da relação. Por isso, exige-se do tomador a demonstração da existência de fontes de pagamento adicionais para o caso de quebra de safra. Mesmo quando os atrasos se devem a problemas pessoais (doença), os analistas de crédito têm facilidade em determinar a razão precisa do atraso, o que facilita o processo de negociação com o devedor. Os problemas particulares da família geralmente são conhecidos pela comunidade, o que permite ao analista avaliar a gravidade do caso e a validade da justificativa para o atraso. Nessas visitas o cliente está autorizado a fazer pagamentos ao analista, o que evita um deslocamento extra do tomador e reduz os custos de transação para ambos.

é clara a importância dos dados informais sobre o cliente, obtidos na comunidade, levantados pelo analista. Essas informações são um complemento essencial do conjunto de informação tradicional-mente compilada na aplicação de uma tecnologia de crédito mais convencional, relacionada unicamen-te com a seleção dos clientes, avaliação das atividades produtivas, acompanhamento dos clientes com créditos vigentes e com as ações que a organização toma para garantir o cumprimento dos contratos.

A gestão da informação, notadamente da informal, e o elevado grau de conhecimento do analista de crédito sobre a comunidade49 são elementos importantes da tecnologia de crédito usada por Los Andes. Por isso, é importante que o analista de crédito seja capaz de se comunicar na linguagem dos próprios clientes. Ainda que a maioria dos tomadores entenda o espanhol, o uso de linguagem nativa, como Aymará ou Quéchua, facilita a comunicação e gera maior confiança.

49. Os analistas de crédito são recrutados no meio local e participam das comunidades; por isso têm acesso mais fácil às informações.

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Quanto mais “rurais” os clientes, maior a importância da habilidade dos analistas. No futuro, uma maior penetração da organização em áreas rurais poderá requerer, ainda com maior ênfase, o domínio desses idiomas pelos novos analistas de crédito.

Alcance

Até outubro de 2006, o Banco Los Andes ProCredit tinha uma carteira bruta de US$ 181 milhões, dos quais 5,6 milhões destinados a empréstimos de microcrédito agropecuário; com 77 mil clientes tomadores de crédito, dos quais 4.320 são clientes dos empréstimos de produção agropecuária.

Os clientes da Caja Los Andes, agora Banco Los Andes, se comparados a outras instituições membros da Asociación de Entidades Financieras Especializadas en Micro Finanzas de Bolivia (Asofin), que aten-dem o público rural, é o segundo no País em termos de número de clientes e de montante de emprésti-mos, logo atrás do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Educação nos Municípios (Prodem), que é o fundo financeiro privado que atende o público rural com maior cobertura em âmbito nacional50.

O valor médio dos empréstimos do Banco Los Andes ProCredit era de 1300 dólares até outubro de 2006. Porém, existem outras instituições na Bolívia que atendem a um público ainda mais pobre e que utilizam tecnologia de crédito baseado, entre outros, no aval solidário51.

Segundo Rodríguez-Meza e González-Vega (2003), a avaliação de como a Caja Los Andes é per-cebida nos diferentes mercados rurais é difícil, mas, dada a presença pioneira nas diferentes regiões onde se estabeleceram a ênfase em relação à pontualidade do pagamento e a exigência de garantias, é provável que a sua imagem tenha funcionado como filtro para afastar os clientes “marginais” (aqueles que se enquadram nos requerimentos, mas por pouca margem). Também é provável que essas exigên-cias até impliquem perda de alguns bons clientes, mas o maior número dos excluídos são clientes que ofereceriam maior risco e custos de transação mais elevados. Dado o elevado custo de screening dos clientes potenciais, é bem possível que o resultado líquido para a organização seja positivo. À medida que aumenta a concorrência no mercado de serviços de microfinanças, a organização não pode se dar ao luxo de perder candidatos com potencial, pois será obrigada a investir mais na seleção para reduzir o risco de perda de qualidade da carteira devido ao aumento do número de clientes.

Dentre os clientes com potencial, encontram-se os produtores altamente especializados, que se dedicam a atividades comerciais e que têm pouco ou nenhuma oportunidade de diversificação, mas que terminam excluídos por não poder assegurar o pagamento do empréstimo com outras fontes de renda, além da oriunda da atividade agropecuária, e que só podem demonstrar capacidade e vontade de cumprir o eventual contrato por meio de garantias reais. Muitos não as têm para oferecer e, mesmo quando têm, não são bem aceitas devido aos custos elevados de recuperação decorrentes da debilidade dos mecanismos legais e judiciais na Bolívia (RODRÍGUEZ-MEZA, J.; GONZÁLEZ-VEGA, C., 2003).

50. O Prodem se construiu sobre a base da tecnologia creditícia de Banco Sol, que atendia público rural mais que agora se dedica principalmente ao público urbano.

51. é o caso da Asociación de Instituciones Financieras para el Desarrollo Rural (Finrural).

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Caja de Ahorros y Créditos Los Andes S.A. F.F.P. ��

Sustentabilidade

A Caja Los Andes desenvolveu tecnologia de crédito rural como uma extensão da tecnologia ur-bana, já provada e relativamente bem-sucedida. A ênfase na qualidade do serviço, na minimização dos custos de transação para a organização e para o mutuário; o rigor na seleção e na exigência de garantias; a flexibilidade para adaptar os contratos às exigências e às condições dos clientes; e o compromisso de sustentabilidade e construção de relacionamentos estáveis e de longo prazo são características comuns das operações rurais e urbanas e explicam o êxito da organização. A diversi-ficação de operações, junto com o rigor da tecnologia, reduz a vulnerabilidade da organização, tanto frente ao risco de inadimplência por falha da tecnologia, como frente às crises que podem afetar parte dos clientes.

A sustentabilidade da Caja Los Andes depende da estratégia de expansão futura. De um lado, a expansão não pode ser alcançada com o relaxamento das práticas adotadas, pois essas práticas explicam o êxito e são parte essencial da tecnologia creditícia da organização; de outro lado, a ex-pansão da Caja na área rural coloca-se como um desafio em várias frentes, tanto nos procedimen-tos de seleção e monitoramento, como de enforcement. Os desafios parecem ser o de se expandir – mantendo custos de transação sob controle – e o de crescer – sem perder o controle sobre a qualidade e a potencialidade da clientela.

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6. PRogRAMA de MICRoCRédIto PRodutIvo do BAnCo do noRdeSte (CRedIAMIgo)

PAíS: Brasil, 1997.

origem

O Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB) é um banco público de desenvolvimento, cuja fina-lidade é promover o desenvolvimento sustentável da Região Nordeste do Brasil por meio de finan-ciamento e de suporte à capacitação técnica dos agentes produtivos regionais. Foi criado pela Lei Federal nº 1.649, de 19 de julho de 1952, como uma instituição financeira múltipla e organizada sob a forma de sociedade de economia mista, de capital aberto, tendo mais de 90% de seu capital sob o controle do Governo Federal. Com sede na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, o Banco atua em 1.985 municípios, abrangendo os nove estados da Região Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), o norte de Minas Gerais (incluindo os Vales do Mucuri e do Jequitinhonha) e o norte do Espírito Santo.

Em 1997, o Banco do Nordeste lançou um programa abrangente de microfinança, o Programa de Microcrédito do Banco do Nordeste (Crediamigo), a principal experiência do gênero no Brasil. No final de 2001, atendia cerca de 60% dos clientes empreendedores de instituições de microfinança e era responsável por aproximadamente 45% dos financiamentos a esses clientes (KUMAR, 2005).

O Crediamigo se beneficiou do apoio técnico da Acción Internacional (um grupo com vasta ex-periência em empréstimos solidários em grupo), além da CGAP (Consultative Group to Assist the Poorest), e contou também com financiamento do Banco Mundial (KUMAR, 2005).

O programa adotou os princípios de diferenciação de produtos, separando sua identidade da identidade do BNB por meio de entradas próprias em cada agência bancária. Diferente de alguns

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programas de microfinança de sucesso de outros países, o programa não exige a obrigatoriedade de depósitos em poupança (KUMAR, 2005), à exceção do novo produto lançado em 2006 (Crediamigo Comunidade), baseado na metodologia de bancos comunales (produto que representa aproximada-mente 1% da carteira ativa do programa).

estrutura atual

Em 17 de novembro de 2003, o Banco do Nordeste e o Instituto Nordeste Cidadania firmaram parceria com o objetivo de operacionalizar o programa de microcrédito Crediamigo e a capacitação de seus clientes, já revisada para atender às exigências do Programa Nacional de Microcrédito Pro-dutivo Orientado (PNMPO). O Instituto, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), foi fundado em 1993, durante a Campanha Nacional de Combate à Fome, à Miséria e pela Vida, por iniciativa de funcionários do Banco do Nordeste, os quais, de forma voluntária, contri-buem financeiramente e participam das atividades do Instituto. Atualmente, o Instituto Nordeste Cidadania operacionaliza o Programa Crediamigo em toda a área de atuação do Banco do Nordeste, dispondo para tal de mais de mil colaboradores, dentre assessores administrativos, de crédito, coor-denadores de recursos humanos e técnicos.

De acordo com o termo de parceria, cabe ao Instituto executar o Programa de Microcrédito Crediamigo de acordo com plano de trabalho aprovado pelo Banco do Nordeste, assumindo a res-ponsabilidade pela qualidade e pela eficiência das ações e serviços prestados, bem como pela gestão administrativa de pessoal, inclusive contratação e pagamento.

O Banco do Nordeste mantém a responsabilidade de acompanhar, supervisionar e fiscalizar o cumprimento do termo de parceria; e de proporcionar o apoio necessário ao Instituto Nordeste Cidadania para que seja alcançado o objeto do termo de parceria em toda a sua extensão. O banco mantém como sua responsabilidade o deferimento das propostas de crédito que lhe forem enca-minhadas e a liberação das parcelas concedidas diretamente aos beneficiários. Com esse modelo o Banco do Nordeste atua como instituição de primeiro piso.

Fonte de recursos

As fontes de recursos do programa Crediamigo vêm do Banco Mundial e dos recursos da Lei n° 11.110/05, que direciona 2% dos depósitos à vista captados pelas instituições financeiras para ope-rações de créditos destinados à população de baixa renda e a microempreendedores.

Público-alvo

Os clientes do Crediamigo são pessoas que trabalham por conta própria, donos de pequenos negócios que atuam no setor informal da economia: indústria (marcenarias, sapatarias, carpintarias, artesanatos, alfaiatarias, gráficas, padarias, etc.); comércio (ambulantes, mercadinhos, papelarias,

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Programa de Microcrédito Produtivo do Banco do Nordeste ��

armarinhos, bazares, farmácias, armazéns, restaurantes, vendedores em geral, etc.); e serviços (sa-lões de beleza, oficinas mecânicas, borracharias, etc.). Os clientes que atuam no setor de comércio formam a maioria da carteira do Crediamigo.

O programa permite o acesso da população de baixa renda ao crédito graças à metodologia de aval solidário, em que três a dez microempresários, interessados no crédito, formam um grupo que se responsabiliza pelo pagamento integral dos empréstimos.

Linhas de financiamento

O programa opera linhas de financiamento de até 6 meses para capital de giro e de até 36 meses para investimento fixo, ambos sem carência.

Condições de financiamento

O montante mínimo de empréstimo, na primeira operação, varia de R$ 200 a R$ 700, e cada empréstimo subseqüente pode ser 50% maior que o empréstimo anterior. O empréstimo médio – em dezembro de 2002 – era de R$ 800,03, e, em dezembro de 2006, de R$ 926,41, confirmando o foco na população pobre. A participação de mulheres cresce a cada ano: em 2002, correspondia a 49% dos clientes ativos e, em 2006, já representava 61%.

Os termos dos empréstimos variam de 1 a 6 meses para grupos solidários. As taxas de juros são mais altas do que as praticadas pelos bancos populares, mas menores do que as de crédito ao consumidor ou até mesmo àquelas de empresas de factoring. O objetivo é cobrar uma taxa de juros suficiente para cobrir os custos financeiros de captação, custos operacionais e riscos de crédito, de forma a permitir sua continuidade, expansão e amplo acesso da população excluída. O programa co-meçou com 5% de taxa de juro fixa por mês e, a partir de junho de 2006, passou a praticar taxas de juros que variam de 2% a 4% ao mês, dependendo do valor do financiamento, mais taxa de abertura de crédito que varia de 0,75 a 3%.

O Crediamigo adotou um bônus desde a sua implantação, correspondente a devolução de 15% dos juros pagos, em caso de adimplência. Em 2003, em razão da criação do novo produto “Giro Popular Solidário”, houve mudança na forma de cálculo e redução da taxa de juros para 2% para operações de até R$ 1 mil, com a implantação da cobrança de tarifa de abertura de crédito e extinção do bônus para tal produto. As avaliações posteriores indicaram que não houve impacto na inadimplência. No ano de 2006, o bônus foi suprimido e passou-se a adotar um critério unificado de cobranças de encargos (juros + Tarifa de Abertura de Crédito – TAC) em todas as linhas de crédito do Crediamigo.

Para tomadores de primeira viagem, o empréstimo é liberado de uma só vez em no máximo sete dias úteis após a solicitação, enquanto que para tomadores antigos se exige apenas 24 horas. Os valores iniciais variam de R$ 100,00 a R$ 2 mil, de acordo com a necessidade de capital de giro e a capacidade de pagamento do cliente. Os empréstimos podem ser renovados e alcançar até R$ 8 mil, dependendo da capacidade de pagamento e da estrutura do negócio.

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Seleção (screening)

O Crediamigo adota um manual de boas práticas para salvaguardar sua carteira. Uma micro-empresa, cliente em potencial, deve ter pelo menos um ano de idade com fluxo de caixa adequado. Os membros do grupo solidário devem se conhecer muito bem e morar próximos. A participação de parentes no grupo está restrita a, no máximo, 50% dos seus integrantes, contanto que tenham independência financeira, núcleos familiares distintos, locais de trabalho e atividades distintas. Não é permitida a participação de cônjuges no mesmo grupo. Cada grupo escolhe um representante e adota um nome. Os grupos solidários formados recebem treinamento de agentes de crédito sobre suas responsabilidades e as características do empréstimo.

No início, os empréstimos eram exclusivos para capital de giro. Mais tarde, empréstimos indivi-duais foram introduzidos, baseados no histórico dos clientes (pelo menos dois créditos para grupos solitários). Ao oferecer seguro de vida para seus clientes durante a duração do contrato de emprés-timo, o Crediamigo se protege da morte eventual de seus tomadores (KUMAR, 2005).

Na operacionalização do crédito, o programa adota a metodologia de microcrédito produtivo orientado, que exige o relacionamento direto com os microempreendedores no local onde é execu-tada a atividade econômica. O atendimento dos empreendedores é feito por pessoas treinadas com o fim de efetuar o levantamento sócio-econômico para definição das necessidades de crédito, e há também a prestação de orientação educativa sobre o planejamento do negócio.

garantias

As principais garantias exigidas são o “aval solidário” e o avalista. No caso dos grupos de 3 a 30 pessoas, que sejam amigos, solidários e que morem ou trabalhem próximos, o “aval solidário” é aceito como garantia conjunta para o pagamento das prestações. Para os produtos de giro individual ou investimento fixo é necessário um avalista.

Enforcement

Em anos iniciais de funcionamento, a taxa de inadimplência no Crediamigo era alta; cresceu rapidamente no primeiro ano, seguindo a expansão da concessão de créditos. Em 1999, o sistema de incentivo de comissão para os funcionários, que estimulava a expansão da carteira para “ganhar comissão”, foi modificado e complementado pela instalação de um sistema de monitoramento de carteira para inadimplência no nível do agente de empréstimos (KUMAR, 2005), eliminando os “in-centivos” para a expansão da carteira sem um processo seletivo mais criterioso.

Como resultado, observou-se melhoras em relação à inadimplência. Em 2003, a qualidade da carteira e a produtividade dos funcionários eram boas, comparadas às boas práticas internacionais. Apenas 4% dos empréstimos estavam atrasados, usando uma medida restrita de portfólio de 20 dias, de acordo com requerimentos do Banco Central do Brasil. A taxa anual de perda de créditos era de

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Programa de Microcrédito Produtivo do Banco do Nordeste ��

2,7%, levando-se em conta todos os empréstimos com mais de 360 dias de atraso. Como evidência da produtividade, os agentes de empréstimos com nove meses ou mais de experiência tinham uma média de 313 clientes cada. Gastos com salários, como porcentagem do portfólio de empréstimos, caíram de 139%, em dezembro de 1998, para 27%, em maio de 2001 (KUMAR, 2005).

Em 2006, a qualidade do portfólio e a produtividade de agentes se encontram nos seguintes ní-veis: produtividade de 402 clientes ativos por agente de crédito; inadimplência de 0,73% (valores em atraso de 1 a 90 dias); carteira em risco de 0,6% (saldo devedor das operações em atraso de 30 a 90 dias); perda de 1,08% (saldo devedor das operações em atrasos entre 90 e 360 dias)52.

Alcance

O Crediamigo iniciou suas operações em 5 agências do BNB em novembro de 1997 e expandiu em cinco meses para 50 outras agências, mas com portfólio de baixa qualidade. Com o aprendizado e as mudanças introduzidas a cada ano, o Crediamigo cresceu de forma significativa e em 2006 dis-tribuía seus produtos através de 170 unidades, e contava com 235.729 clientes ativos e um portfólio ativo de R$ 170 milhões. Esses números colocam o Crediamigo entre as maiores instituições de microfinança da América Latina.

Os empréstimos acumulados de 1998 a novembro de 2006 são da ordem de R$ 2,72 bilhões, que representam 3,17 milhões de operações. Com esse desempenho, o Crediamigo consolida-se como o maior programa de microcrédito produtivo orientado do Brasil.

Sustentabilidade

O sucesso do Crediamigo não se limita à sua expansão. A qualidade de sua carteira e a produtivi-dade do seu pessoal está em níveis geralmente associados com as melhores práticas internacionais, segundo Banco Mundial. A taxa de inadimplência da carteira em 31.12.2006 era de 0,73% (valores em atraso de 1 a 90 dias); a carteira em risco era de 0,6% (saldo devedor das operações em atraso de 30 a 90 dias); e a perda, de 1,08% (saldo devedor das operações em atrasos entre 90 e 360 dias).

O Crediamigo é gerenciado por uma unidade de lucros independente do BNB com o objetivo de monitorar o progresso em direção à auto-sustentabilidade e facilitar a eventual separação do BNB. Como parte do BNB, o Crediamigo é supervisionado pelo Banco Central, e ainda não está claro como poderá ser separado do BNB no futuro. Caso opte por um status de SCM53, será necessário que seu capital seja readequado. Até agora, vem recebendo 100% dos fundos do BNB, que é indexado à taxa do Certificado de Depósito Financeiro (CDI), com similaridades ao Sistema Especial de Liquidação e Custódia (taxa de juros overnight; Selic) ou taxa interbancária. No entanto, se o Crediamigo tiver

52. Dados providenciados pelo Dr. Stélio Gama Lyra Junior, superintendente da área de microfinanças e programas especiais do Banco do Nordeste, em 17 de janeiro de 2007.

53. Sociedades de crédito ao microempreendedor, instituições com fins lucrativos, reguladas pelo Banco Central e destinadas a prestar exclusivamente serviços de microcrédito.

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que levantar fundos a partir de seus depósitos (e atender aos requerimentos de reserva) ou contrair empréstimos a taxas de mercado de bancos comerciais ou por intermédio de lançamento de títulos próprios, seu custo de captação poderá aumentar. Em termos de custos operacionais, o Crediamigo tem procurado separar seus custos daqueles do BNB. Embora a contabilidade gerencial do Crediami-go contribua nesse sentido, tal separação é, no entanto, parcialmente dependente da capacidade do BNB de monitorar os centros de custos (KUMAR, 2005).

A lucratividade do programa tem melhorado ao longo dos anos e, desde 2002, apresenta retornos positivos sobre os ativos médios. O programa apresentou melhora na taxa de retenção de emprésti-mos (aproximadamente 78%, em 2006), e o número de novos clientes por assessor de crédito vem crescendo, indicando que o acesso contínuo ao microcrédito é tanto essencial, quanto procurado. Das 170 unidades, 162 são operacionalmente sustentáveis.

Aprender a manter um portfólio de qualidade é uma mudança-chave que o Crediamigo enfrenta no controle de gastos operacionais, que alcançaram o percentual de 37% dos ativos totais em de-zembro de 2002 (KUMAR, 2005). De acordo com o Relatório Anual Crediamigo/2002, o indicador de eficiência operacional são os citados gastos operacionais/saldo de empréstimos, confirmando que a expansão propiciou – e permitiu – ganhos de eficiência operacional. Em 2005, esse indicador (efi-ciência operacional) ficou em 24,08%. O Crediamigo tem mantido seus custos baixos e melhorado o foco no cliente. Para isso, a separação do seu pessoal do pessoal do BNB é condição necessária. Ao mesmo tempo em que pode remunerar seus funcionários, segundo sua própria capacidade, a separa-ção permite a adoção de treinamentos especializados, a oferta de bônus e incentivos apropriados e, principalmente, evita a inclusão na categoria de funcionários públicos, incompatível com a dinâmica e a flexibilidade exigida pelas operações de microfinanças. Sua diferenciação de imagem nas agências também o favorece nos requerimentos de operações de agências (KUMAR, 2005).

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�. PRogRAMA de MICRoCRédIto RuRAL do BAnCo do noRdeSte do BRASIL S.A. (AgRoAMIgo)

PAíS: Brasil, 2005.

origem e estrutura atual

Em 2004, o Agroamigo iniciou suas operações em caráter-piloto nas agências de Floriano (PI) e Oeiras (PI). Em janeiro de 2005, o Banco Nordeste do Brasil S.A. e o Instituto Nordeste Cidadania celebraram um segundo termo de parceria, visando operacionalizar o programa de microcrédito rural Agroamigo em toda a rede do banco.

O programa foi criado com o objetivo inicial de atender agricultores familiares no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), classificados como grupo “B”, agricultores familiares que integram a faixa de menor renda.

O Agroamigo adota metodologia específica de microcrédito rural, desenvolvida conjuntamente entre o Banco Nordeste do Brasil S.A., Cooperação Alemã de Desenvolvimento (GTZ) e Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), dentro dos conceitos estabelecidos pelo Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO).

Hoje, o programa está presente em todos os estados da Região Nordeste, no norte de Minas Gerais e do Espírito Santo e em 169 agências do banco, atendendo a 734 municípios por intermédio da atuação de 366 assessores de microcrédito rural.

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina��

Fonte de recursos

O financiamento é realizado com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nor-deste (FNE); e podem ser também utilizados recursos do Tesouro Nacional (STN).

Público-alvo

Inicialmente, agricultores(as) familiares, com renda bruta anual de até R$ 3 mil, que explorem parcela de terra na condição de proprietários, posseiros, arrendatários ou parceiros; e que desenvol-vam atividades agrícolas e não-agrícolas no meio rural.

Linhas de financiamento

O programa opera linhas de investimentos em atividades agropecuárias e não-agropecuárias desen-volvidas no meio rural, podendo contemplar verbas para custeio limitado a 35% do valor da proposta.

Condições de financiamento

O crédito é de até R$ 1,5 mil por operação, com juros de 1% ao ano, e direito a bônus de 25% sobre o principal e juros, quando os pagamentos forem realizados até o vencimento. Ao atingir o teto de R$ 4 mil, os financiamentos são concedidos sem bônus de adimplência. O prazo de pagamento é de até dois anos, com carência de até 12 meses, de acordo com o plano de negócio e a atividade financiada.

Seleção (screening)

A metodologia de microcrédito rural está baseada naquela adotada pelo Programa Crediamigo, uma linha de microcrédito urbano, com adaptações, operacionalizada pelo Banco do Nordeste e que tem, como principal característica, a forte presença local do assessor de microcrédito rural, ator a receber treinamento específico da metodologia de microcrédito produtivo orientado, com enfoque comportamental e de desenvolvimento sustentável.

A metodologia do Agroamigo é constituída de 9 fases que se complementam, a saber: (i) abertura de área; (ii) mapeamento do mercado; (iii) promoção e palestra informativa; (iv) elaboração do plano de negócios; (v) aprovação da proposta de crédito; (vi) desembolso do crédito; (vii) administração do crédito; (viii) gerenciamento da carteira e (iv) renovação do crédito.

Na abertura da área, para inteirar-se da realidade do município onde vai atuar, o assessor realiza o levantamento sócio-econômico a partir de dados secundários, que serão complementados durante as visitas de campo.

No mapeamento do mercado, e para iniciar o trabalho no município, o assessor articula-se com as entidades locais envolvidas com a agricultura familiar para estabelecer parcerias de apoio ao programa.

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Programa de Microcrédito Produtivo do Banco do Nordeste: Agroamigo ��

Na fase de promoção, o assessor divulga o programa. Para tanto, são realizadas palestras in-formativas nas comunidades rurais para o seu público-alvo, oportunidade em que são repassadas informações sobre documentação necessária e condições do crédito.

Num momento seguinte, denominado de elaboração do plano de negócios e formalização da pro-posta, o assessor recebe a documentação do cliente na própria comunidade, discute com ele sua intenção de negócio, presta orientação educativa para o crédito e sobre o negócio proposto e elabora o plano de negócios.

Nas fases seguintes, o crédito é aprovado por um comitê da agência. O desembolso do referido crédito é realizado na própria comunidade, ocasião em que o assessor realiza uma apresentação sobre as responsabilidades dos produtores quanto ao retorno do crédito e entrega-lhes um carnê para o pagamento do financiamento que pode ser efetuado em qualquer banco ou correspondente bancário, além de um calendário em que são marcados os dias previstos para reembolso do crédito.

Nas fases relacionadas à administração do crédito e ao gerenciamento da carteira, o assessor realiza visitas, individualmente, a 30% do total de produtores de sua carteira, para prestar-lhes orientação quanto à correta aplicação do crédito e verificar se o crédito foi aplicado corretamente. Além disso, é realizado acompanhamento grupal por meio de reuniões feitas na comunidade com os demais produtores componentes da carteira do assessor.

Paralelamente, é realizado ainda um trabalho de monitoria pelo Instituto Nordeste Cidadania para avaliar a atuação do assessor em campo, bem como para saber se as determinações metodoló-gicas estão sendo colocadas em prática.

Em cada estado, o programa mantém um assessor administrativo com a função de atuar como coordenador estadual do programa e de acompanhar junto aos assessores a realização das metas projetadas para cada ano, notadamente, no que diz respeito à contratação dos financiamentos, ao índice de inadimplência, à composição da carteira e outros fatores. Para tanto, mensalmente são dis-ponibilizados diversos relatórios que permitem o monitoramento integral do programa e a correção de rumos quando se fizerem necessários.

garantias

O programa não exige garantias tradicionais; e trabalha apenas a garantia pessoal do tomador do crédito.

Enforcement

Para acompanhar as operações de crédito, os assessores visitam sistematicamente os clientes, realizando – inclusive – acompanhamento grupal. Além das visitas de orientação do próprio as-sessor, são realizadas visitas de verificação de investimentos por outro assessor lotado na mesma agência. A visita habitual proporciona maior proximidade entre o assessor e o cliente, garantindo maior adimplência do crédito.

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina��

Considerando os valores acumulados até o final de 2006, o programa registra inadimplência de 0,76%. Como forma de aperfeiçoamento do programa, um processo foi implantado de monitora-mento que consiste em verificar se a metodologia preconizada está sendo aplicada. Adicionalmente, foram criadas funções de assessores administrativos que acompanham as ações do programa no âmbito estadual.

Alcance

O Agroamigo aplicou, em 2005, R$ 17.493.750,00, correspondendo a 18.131 operações. Com a ampliação do programa em 2006, a carteira acumulada (2006) era de R$ 168 milhões, envolvendo 156 mil operações de crédito; Quanto ao gênero, a porcentagem de mulheres financiadas alcança 47,3% do total. Ademais, o programa busca diversificar os financiamentos por atividade econômica como forma de reduzir risco para os agricultores. Em 2006, a porcentagem de atividades não-agríco-las exploradas no meio rural e financiadas pelo Agroamigo foi de 16%.

Sustentabilidade

O Instituto Nordeste Cidadania, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Os-cip), responsável pela implementação do programa, opera com custos inferiores aos que teria o Ban-co Nordeste, caso tivesse optado pela implementação direta do programa. Os assessores utilizam motocicleta, tanto por razões de custo, como de agilidade no deslocamento para as comunidades atendidas. A sustentabilidade do programa depende da manutenção das fontes de recursos “ba-ratos”; e da capacidade de se expandir com custos e inadimplência baixos, desafio difícil para um programa voltado para o meio rural e que realiza empréstimos praticamente sem garantias reais.

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8. CReSoL – SISteMA de CooPeRAtIvAS de CRédIto CoM InteRAção SoLIdáRIA

PAíS: Brasil, 1995.

origem

O Sistema de Cooperativas de Crédito com Interação Solidária (Cresol) foi criado em 1988, a partir de um conjunto de fundos rotativos54, para atender agricultores familiares e assentados das regiões sudoeste e centro-oeste do Paraná. Esses fundos surgiram em decorrência da mobili-zação dos agricultores contra a diminuição dos recursos e as alterações no processo de seleção e exclusão do sistema de crédito brasileiro, que ocorreram no inicio da década de 80. Eram fundos administrados por organizações vinculadas ou originárias do trabalho das Comunidades Eclesiais de Base e funcionavam com recursos oriundos de entidades internacionais de apoio a organizações não-governamentais (ONGs).

A experiência com fundos rotativos foi importante para que as lideranças do sudoeste e do centro-oeste do Paraná tomassem consciência da importância do uso sustentável dos recursos e conduzissem as organizações emergentes de microfinanças na direção de um sistema economica-mente sustentável (BITTENCOURT, 2000), ainda que na prática os fundos não fossem necessa-riamente rotativos, com o esgotamento dos recursos bem rápido, e o reembolso dos empréstimos praticamente nulo.

Em junho de 1995, foi criada a primeira Cresol, seguida, posteriormente, por mais quatro cooperativas. As cinco primeiras cooperativas criaram as condições necessárias para a formação

54. Os fundos rotativos são fundos constituídos a partir da contribuição das famílias ou estimulados por um capital externo, que pode proceder de diversas fontes, como recursos da cooperação nacional e internacional, por intermédio do orça-mento das organizações não-governamentais (ONGs), e recursos de políticas públicas governamentais. O que diferencia os fundos rotativos é a metodologia de retorno dos recursos, com compromisso voluntário de devolução, à medida que as iniciativas vão se consolidando e se auto-sustentando.

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da Cooperativa Central Base de Serviços Cresol (Cresol-Baser), com o objetivo de financiar a agri-cultura familiar nos estados em que opera e apoiar o sistema, sobretudo nas áreas de software, normatização, contabilidade, formação e na interlocução com os bancos, governos e demais en-tidades dos agricultores.

A central teve um papel fundamental no desenvolvimento e conformação do sistema, apoiando as cooperativas de crédito que naquele momento careciam de informações básicas sobre o fun-cionamento e a gestão das cooperativas. A atuação da Cresol-Baser permitiu a padronização da informação básica e das técnicas de controle sobre as quais se apóia o funcionamento do sistema (BITTENCOURT; ABRAMOVAY, 2001).

estrutura atual55

A Cresol é um sistema integrado de cooperativas singulares de crédito, centrais de regionais de serviços (bases) e uma cooperativa central de crédito, com atuação nos três estados da Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). São 47 cooperativas singulares, além da sede central, em Chapecó, e das quatro bases regionais, localizadas em Chapecó e Curitibanos (SC) e em Erechim e Constantina (RS).

Constituídas e dirigidas por agricultores familiares, as cooperativas se organizam de forma ver-tical, sendo a Cresol-Baser a responsável pelo relacionamento com o Banco Central e o Governo Federal, administrando os programas de crédito.

As cooperativas de crédito possuem administração autônoma, composta por diretoria eleita, em assembléia geral, com mandato de três anos. A fiscalização é realizada por um conselho fiscal da co-operativa eleito a cada ano, acompanhada diariamente pela Cresol-Baser, que analisa a contabilidade das cooperativas e realiza auditorias semestrais nas suas filiadas.

A Cresol-Baser, a partir dessa análise, apresenta sugestões administrativas e operacionais para as cooperativas filiadas, às quais cabem as decisões sobre sua implementação. A estratégia é manter parcerias com diferentes organizações da agricultura familiar, seja no plano local, regional ou nacio-nal, visando preservar uma linha de atuação coerente com os interesses da agricultura familiar. As ONGs, cooperativas de produção, de eletrificação e de habitação e sindicatos estão entre os parcei-ros estratégicos do sistema.

A gestão das cooperativas é feita pelos próprios agricultores associados, acompanhados pela central e pelas bases regionais. Cada cooperativa possui um comitê de crédito e um grupo de agentes de desenvolvimento e crédito que contribuem para ampliar o controle social e garantir uma gestão transparente e eficaz.

55. A seção Estrutura atual é apresentada com base em Bittencourt (2000).

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Cresol – Sistema de Cooperativas de Crédito com Interação Solidária ��

Os agentes de desenvolvimento e crédito atuam nas comunidades captando recursos e apresen-tando propostas de geração de renda voltadas ao desenvolvimento local. Têm o papel de organizar a base para exercer o controle social e promovem as políticas da cooperativa junto às comunidades.

Fonte de recursos

O Sistema Cresol recebe fundos de fontes externas: Pronaf e a linha de microcrédito de BNDES. Além disso, as receitas das cooperativas do Sistema Cresol são recebidas com operações de crédito (juros pagos pelos empréstimos com recursos próprios e de repasse), aplicações dos recursos ex-cedentes no Banco do Brasil, prestação de serviços, recebimento de financiamentos provisionados (reversões de provisões) e outras receitas gerais56.

Público-alvo

O quadro social é composto unicamente por agricultores familiares – cujas atividades incluem a produção principalmente das culturas de milho, soja, feijão, leite, frango e suíno. Podem ser as-sociados das cooperativas do Sistema Cresol todos os agricultores familiares acima de 18 anos que explorem, sob qualquer condição, área inferior a quatro módulos rurais, além das pessoas físicas que desempenham funções técnicas voltadas ao meio rural e os funcionários ou colaboradores das cooperativas de crédito. é permitida a associação de mais de um membro da família, o que ocorre com freqüência, verificando-se muitos casos de participação do pai, mãe e filho no quadro social da cooperativa (BITTENCOURT; ABRAMOVAY, 2001).

Ainda, podem associar-se pessoas jurídicas, desde que desenvolvam atividades agropecuárias ou agroindustriais, cuja maior fonte de renda provenha de atividades agropecuárias.

Linhas de financiamento

A cooperativa opera com as seguintes linhas de financiamentos:

microcrédito: financiamento individual ou coletivo para diversificação da produção e para impulsionar atividades artesanais e não-agrícolas;

cédula rural pignoratícia: direcionado para compra de insumos, equipamentos e implementos agrícolas que o associado necessita para dar um impulso à produção;

financiamento habitacional: financiamento para aquisição de casa própria voltado aos agri-cultores de baixa renda. Parte dos recursos utilizados a título de fundo perdido, com prazo

56. BITTENCOURT, Gilson Alceu; ABRAMOVAY, Ricardo. Inovações institucionais no financiamento à agricultura familiar: o Sistema Cresol. Apresentação para o Seminário Interno da FAO: “Dilemas y perspectivas para el desarrollo regional en Brasil con énfasis en la agrícola y lo rural en Brasil en la primera década del siglo xxI”. Santiago, de 11 a 13 de dezembro, 2001.

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e prestações acessíveis para o associado. A Cresol executa os programas habitacionais em conjunto com o Governo Federal e os governos estaduais;

financiamento para a lavoura;

consórcio: operado em conjunto com a Sponchiado, a Cresol iniciou um grupo de consórcio para a aquisição de resfriadores de leite. Em seguida, serão abertos novos grupos para aquisi-ção de carros, motos e equipamentos.

Condições de financiamento

No crédito pessoal, as taxas cobradas são em torno de 4,5% a.m., e a base de cálculo pela fórmu-la TJLP+comissão+juros. Esse cálculo define um limite máximo para todas as cooperativas; o limite mínimo é dado pelo resultado e pela rentabilidade de cada cooperativa. A taxa para cheque especial cobrada é em torno de 6,5% a.m, definida pela Central, com juros simples e a taxa de CRP (crédito rural pignoratício, com recursos próprios) cobrada em torno de 2,88%. No entanto, há cooperativas trabalhando com taxas de 2% e 1,5%.

Na linha do financiamento para a lavoura, a Cresol coloca à disposição do associado financia-mentos do Pronaf e do Proger nas seguintes modalidades:

tABeLA 4. CReSoL – CondIçõeS de FInAnCIAMento de LAvouRAS

CuSteIo JuRoS InveStIMento JuRoS

Pronaf C r$ 3 mil 4% até r$ 6 mil 3%

Pronaf d r$ 6 mil 4% até r$ 18 mil 3%

Pronaf e r$ 28 mil 7,25% até r$ 36 mil 7,25%

Proger r$ 48 mil 8,75%

Fonte: www.cresolcentral.com.br.

Os prazos para os financiamentos de custeio são de até doze meses e de investimento de até oito anos. O valor do custeio pode variar conforme o tipo de cultura.

Pelas regras atuais do Sistema Cresol, os associados podem tomar empréstimo de até doze vezes o valor de suas quotas-partes integralizadas, considerando a soma de todas as linhas de financiamento disponíveis pela cooperativa, seja de recursos próprios ou de repasses. Para um associado que integra-lizou R$ 150,00, o valor máximo que pode ser financiado, somando todos os tipos de financiamento, é de R$ 1.800,00. Para emprestar R$ 10 mil, são necessários R$ 833,00 integralizados. O percentual de endividamento por associado vem caindo nos últimos anos: de 25 vezes para 20; de 20 para 15 vezes; e, atualmente, 12 vezes. Essa redução do nível de endividamento é fruto da experiência adquirida pelo

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Cresol – Sistema de Cooperativas de Crédito com Interação Solidária ��

próprio Sistema Cresol ao longo da sua existência, demonstrando, em termos gerais, os limites aceitá-veis de endividamento dos agricultores familiares (BITTENCOURT; ABRAMOVAY, 2001).

As cooperativas do Sistema Cresol não cobram taxas extras (além dos juros) de seus associados para o uso de contas correntes, fornecimento de talão de cheques, depósitos cooperativos ou em-préstimos pessoais. A única taxa cobrada é sobre emissão de cheque com valor inferior a R$ 20,00. Neste caso, é cobrado R$ 0,50 por folha. Além desse custo seletivo, os agricultores também pagam CPMF57 sobre a movimentação de sua conta na cooperativa. Nos financiamentos realizados com re-cursos oficiais de crédito, é cobrada dos agricultores beneficiados uma taxa anual de R$ 10,00, valor referente aos custos de cadastro58.

Seleção (screening)

Para o ingresso nas cooperativas do Sistema Cresol, o agricultor deve ser indicado por algum coo-perado de sua comunidade. Uma vez indicado, o agricultor solicitante é obrigado a participar de um processo de capacitação, oportunidade em que a ele serão apresentados os seus direitos e deveres de associado, bem como a forma de funcionamento da cooperativa. Após o cumprimento desses re-quisitos, é realizada a análise da documentação básica –consulta aos registros dos órgãos de defesa ao crédito (SPC, Serasa ou Cadin59), e o conseqüente encaminhamento ao conselho administrativo que, por sua vez, concede ou não o aval final.

Após a aprovação do conselho, o agricultor deve depositar, no mínimo, a quantidade de quotas definidas estatutariamente, equivalente a 10 sacas de milho. Por fim, é realizado o cadastro sócio-econômico do agricultor. A partir do momento em que o agricultor é aceito na cooperativa, ele está apto a tomar qualquer tipo de empréstimo ofertado pelo Sistema Cresol60.

garantias

O Sistema Cresol aceita e utiliza diversos tipos de garantias para os empréstimos realizados. Em caso de empréstimos pequenos, a própria quota de capitalização serve de garantia, não exigindo a

57. A Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Finan-ceira (CPMF) é um tributo brasileiro de aplicação federal. A CPMF passou a vigorar em 23 de janeiro de 1997, baseado na edição da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996. A contribuição foi extinta em 23 de janeiro de 1999, tendo sido substituída pelo IOF até seu restabelecimento, em 17 de junho de 1999. Sua alíquota, que era originalmente de 0,20%, foi elevada na época de seu restabelecimento para 0,38% e, posteriormente, abaixada para 0,30%, em 17 de junho de 2000, e novamente para 0,38%, em 19 de março de 2001. A contribuição deve vigorar até 2007.

58. BITTENCOURT, Gilson Alceu; ABRAMOVAY, Ricardo. Inovações institucionais no financiamento à agricultura familiar: o Sistema Cresol. Apresentação para o Seminário Interno da FAO: “Dilemas y perspectivas para el desarrollo regional en Brasil con énfasis en la agrícola y lo rural en Brasil en la primera década del siglo xxI”. Santiago, de 11 a 13 de dezembro, 2001.

59. Instituições brasileiras de informação e análise de financeira: Serviço de Proteção ao Crédito (SPC); Serasa (empresa que atua em análise e informação para decisões de crédito e apoio a negócios); Cadastro Informativo de Créditos não-Quita-dos do Setor Público (Cadin).

60. Idem, ibidem.

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hipoteca de imóveis. Para empréstimos maiores, é exigido avalista, penhora ou hipoteca (dependendo do valor do empréstimo e da modalidade de financiamento). De maneira geral, para operações realiza-das no âmbito do Pronaf D, exige-se penhor ou avalista. No caso do Pronaf C, é exigida a garantia do aval solidário61, modalidade na qual um grupo, com média de cinco associados, toma empréstimos em conjunto e se tornam avalistas uns dos outros. O interessante nesta modalidade é que, em caso de não-pagamento, a ordem de preferência é invertida: em vez de notificar primeiro o devedor e depois seu respectivo avalista, ambos são notificados simultaneamente (FONTES, 2003).

Em termos de garantias, o sistema jurídico das cooperativas permite ao Sistema Cresol maior flexibilidade do que às Oscips e SCMs62, tendo em vista que as garantias utilizadas pela instituição são somente o aval de terceiros e aval solidário.

No entanto, alguns agricultores preferem o penhor de máquinas e estruturas facilmente removí-vel, em razão do incômodo em pedir aval a terceiros. O bem penhorado deve estar segurado durante toda a duração do empréstimo. A garantia real tem que ser de 1,3 vezes o valor do empréstimo. Con-tudo, mesmo havendo alguma resistência ao aval de terceiros, o aval solidário ainda é a forma mais freqüente de garantia utilizada: somados os contratos que utilizam hipoteca e penhor, a avaliação é de que totalizem algo em torno de 17% do total (FONTES, 2003).

Enforcement63

O cooperado que não quitar seu financiamento, será de pronto impedido de pleitear outro financia-mento. Entretanto, os cooperados, que cumprirem suas obrigações dentro dos prazos estabelecidos, poderão pleitear, sem burocracia, financiamentos com recursos próprios da cooperativa, com priorida-de na liberação dos recursos oficiais do Pronaf na safra seguinte. Em caso de inadimplência do coopera-do, o princípio básico de cobrança é a renegociação, considerando, sobretudo, a sua situação.

Para alguns financiamentos, a prática de exigir um avalista contribui para uma melhor e mais efetiva cobrança. Quando o avalista é quem salda a dívida, cabe a ele o direito de regresso, ou seja, cobrará do agricultor que ele avalizou.

O aval solidário para os créditos grupais têm surtido efeito bastante positivo e educativo para o quadro social. Nesses casos, quando um membro do grupo não quita sua dívida, ela é assumida pelo restante do grupo. Esse procedimento cria um controle social do grupo sobre o conjunto de seus membros e sobre a própria cooperativa. Na Safra 1999/2000, houve uma média de 10 casos por cooperativa, em razão de que um dos membros do grupo de aval solidário não pagou sua parte no

61. O aval solidário é uma modalidade em que um grupo de agricultores dá o aval ao crédito de um deles: diferentemente do crédito solidário, em que não é necessário que o grupo inteiro seja tomador de crédito.

62. As Oscips no Brasil são ONGs com o título de “Organizações Sociais de Interesse Público”, concedido pelo Governo Federal; são registradas no Ministério da Justiça, sem finalidade lucrativa, e isentas do controle do Banco Central. Já as SCMs, Sociedades de Crédito ao Microempreendedor, são instituições com fins lucrativos, reguladas pelo Banco Central, e destinadas a prestar exclusivamente serviços de microcrédito.

63. A seção de Enforcement está apresentada com base em Bittencourt e Abramovay (2001).

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Cresol – Sistema de Cooperativas de Crédito com Interação Solidária �0�

financiamento. A situação mais comum é o grupo criar mecanismos de cobrança do inadimplente (normalmente em produto), eliminando-o do grupo no ano seguinte. Além disso, o grupo controla os seus membros no caso de mudança ou abandono da atividade agropecuária.

Quando esses mecanismos não surtem efeito, faz-se necessário acionar a cobrança judicial e, por último, nos casos mais complicados, uma empresa de cobrança particular, terceirizada, busca reaver pelo menos o valor principal.

O nível de inadimplência no Sistema Cresol varia segundo a modalidade de crédito. Para os finan-ciamentos com recursos próprios das cooperativas, as taxas de inadimplência giram em torno de 4% para o cheque especial, 8% para o crédito pessoal (CAC)64 e 3,5% para o Crédito Rural com Recursos Próprios (CRP). Na modalidade de financiamentos com base em recursos oficiais de crédito, a taxa de inadimplência na data de vencimento dos contratos é de 5%. De 3 a 4% dessas inadimplências acabam sendo renegociadas, reduzindo-se, assim, a inadimplência final para 1 a 2%. Já no caso dos créditos pessoais e rurais, a inadimplência varia muito segundo as cooperativas pertencentes ao Sistema (BITTENCOURT; ABRAMOVAY, 2001), o que pode indicar rigor diferenciado tanto no que diz respeito à seleção (screening), quanto ao enforcement dos contratos.

As cooperativas fazem provisão dos créditos vencidos e não liquidados, a fim de que não sejam pegas de surpresa em relação à inadimplência. De acordo com as normas do Banco Central, a partir de 15 dias de inadimplência de um contrato, a cooperativa é obrigada a provisionar 0,5% do valor financiado. Após 30 dias, devem ser provisionados 3%, e, a partir daí, o percentual a ser provisio-nado aumenta até os seis meses após o vencimento do contrato, quando o valor do financiamento deverá estar provisionado em 100%. Por volta de 20 a 25% das provisões de financiamento são recuperadas. Para o crédito com recursos próprios, as taxas reais de inadimplência caem para apro-ximados 3% no cheque especial, 6% no empréstimo pessoal e 2,6% para o CRP (BITTENCOURT; ABRAMOVAY, 2001).

Alcance

Em 1995, o Sistema, que possuía apenas quatro cooperativas em 2004, já dispunha de 75 co-operativas com mais de 42 mil associados nos três estados da Região Sul. A organização contava com 10 anos de operações, ligadas a microcrédito e financiamento rural a pequenos empreendedores associados, com 32.711 associados e com 47.257 operações creditícias ativas. Suas operações são controladas por procedimentos de controles internos estabelecidos pela Central Cresol-Baser, com um patrimônio líquido de R$ 15,2 milhões.

Na Safra 2004/2005, foram gastos R$ 35,8 milhões com o Pronaf Custeio e R$ 31 milhões para o Pronaf Investimento, sendo que R$ 48,3 milhões emprestados foram com recursos próprios, com um valor médio de R$ 1.530,00 por empréstimo.

64. Contrato de Abertura de Crédito – empréstimo pessoal com um prazo máximo de quatro meses para pagamento.

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Sustentabilidade

A comparação entre receitas e despesas do Cresol demonstra que as contas estão bem “aperta-das”, refletindo a política adotada pelo sistema, que trabalha com uma margem operacional muito pequena, subsidiando a criação de novas cooperativas e assumindo os riscos dos financiamentos de seus associados.

O prejuízo decorrente da inadimplência de financiamentos concedidos pelo Banco do Brasil pode ser coberto com recursos do fundo de reserva (aval), criado por algumas cooperativas para este fim, permitindo, dentro de certos limites, os prejuízos das cooperativas (BITTENCOURT; ABRAMOVAY, 2001).

O custo operacional das cooperativas também varia de cooperativa para cooperativa, e é muito afetado pelo nível de inadimplência. Quanto menor a inadimplência, menor o custo de transação associado à cobrança e recuperação do crédito. Em geral, o custo operacional médio das cooperativas com a máquina administrativa, despesas com a Central, software de gestão, provisões e despesas de captação, gira em torno R$ 100,00 a R$ 260,00 ao ano por associado, dependendo da cooperativa. A cooperativa singular considerada como modelo ideal pela Cresol-Baser operava, no início da dé-cada, com um custo de R$ 144,00 por associado/ano, ou R$ 12,00 por sócio/mês (BITTENCOURT; ABRAMOVAY, 2001).

Com a eliminação dos talões de cheques, decorrente de seus custos operacionais, estima-se que haveria uma redução dos custos das cooperativas de R$ 200,00 para R$ 150,00/ano por associado, embora também reduzissem as receitas com essa operação (cheque especial) e, provavelmente, os próprios depósitos. Computando os custos para repassar o Pronaf, estima-se redução de aproximada-mente R$ 8,00 ao mês por contrato. Contudo, em razão das cooperativas contarem com outras formas de captar e prestar serviços, esse custo fica abaixo de R$ 10,00. O custo bem poderia aumentar, caso a cooperativa tivesse a necessidade de montar uma estrutura específica para repassar o Pronaf (BITTEN-COURT; ABRAMOVAY, 2001).

No sistema, para contratos médios de R$ 1.800,00 por agricultor, o custo de operacionalização do Pronaf gira em torno de R$ 8,00 por contrato ao mês. Isso significa que com apenas 5% a título de spread, o sistema pode cobrir os custos administrativos e operacionais para trabalhar com esta linha de financiamento, incluindo os riscos de inadimplências.

Deve-se destacar que o Banco do Brasil recebe pelo menos o dobro desse montante em sua operação de Pronaf, e que nem sempre o serviço prestado atende às demandas dos clientes ligados à agricultura familiar (BITTENCOURT; ABRAMOVAY, 2001).

Ainda segundo Bittencourt e Abramovay (2001, p. 20):

“(...) pode-se dizer que o caráter localizado e a intencional limitação de tamanho das cooperativas permitem, em princípio, que as redes sociais que a constituem abram o caminho para uma significativa redução dos custos de transação bancá-

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ria, explicando assim o paradoxo delas serem economicamente mais viáveis que os sistemas convencionais, quando se trata de atingir este tipo de público. Ao mesmo tempo, elas funcionam a partir de um conjunto de controles externos, objeto de administração financeira padronizada que indicam claramente o potencial de ex-pansão e universalização do Sistema”.

O funcionamento do Sistema Cresol indica a viabilidade de uma organização financeira susten-tada pela coesão de uma rede local e pela aplicação de saudável tecnologia creditícia adaptada ao contexto local e às exigências do seu público-alvo. é preciso notar que a experiência do Sistema Cresol é bastante particular, e está marcada por várias circunstâncias relevantes que possivelmente dificultem a reprodução do “modelo” em outras áreas, como a própria história da Região Sul, cujo povoamento seguiu modelo distinto do dominante no resto do País. Um dos traços mais marcantes desse modelo foi em certa democratização do acesso à terra, que permitiu o desenvolvimento da agricultura familiar e de comunidades rurais mais estáveis. Neste ambiente, desenvolveram-se laços comunitários tradicionais, tanto os associados à origem da população de migrantes, como ao traba-lho social da Igreja Católica e outras organizações.

Nas localidades em que tais características não existem, os passos para um sistema descentra-lizado de crédito serão certamente mais lentos e mais tímidos. Outro fator importante refere-se à fonte de recursos públicos, ofertados em condições especiais por meio das cooperativas, que se colocam como intermediárias entre o Governo e os pequenos produtores. Essa prestação de serviço eleva, sem dúvida, o “valor” da cooperativa para os associados, e facilita sua operação.

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9. FInAnCeIRA CALPIá: ModeLo de exCeLênCIA nA teCnoLogIA CRedItíCIAuRBAnA AdAPtAdA Ao CRédIto RuRAL65

PAíS: El salvador, 1995.

origem

Os acordos de paz de 1992 abriram o caminho para reformas políticas e econômicas em El Salvador, entre as quais a privatização do sistema bancário, à exceção do Banco de Fomento Agropecuário (BFA) e do Banco Hipotecário, a redução do protecionismo e a liberalização eco-nômica em geral (BOYCE, 1995 apud NAVAJAS, S.; GONZÁLEZ-VEGA, C.)66. Tanto a guerra quanto a paz atraíram doadores internacionais de todos os tipos, e a prestação de serviços financeiros aos pobres foi deixada nas mãos de uma gama de programas assistenciais desarticu-lados, financiados por doadores internacionais. A concessão de crédito em condições especiais se converteu principalmente num paliativo para a pobreza (DANBY, 1995 apud NAVAJAS, S.; GONZÁLEZ-VEGA, C.)67.

Operando em um meio no qual as ONGs dedicadas às finanças não eram rigorosas na co-brança de empréstimos, e na ausência de uma cultura de pagamento, a Calpiá foi obrigada a significativo investimento na divulgação de seu verdadeiro propósito: criar uma fonte sustentá-vel de serviços financeiros de qualidade para um segmento do mercado que se encontrava suba-tendido. Essa atitude foi fortalecida com a decisão de que o serviço creditício faria empréstimos baseados apenas na capacidade e na disponibilidade de pagamento, tanto a membros quanto a não-membros da Associação das Micro e Pequenas Empresas (Ampes). O crescimento contínuo

65. Este estudo de caso tem como referência e fonte básica o trabalho de Navajas e González-Vega (2001).

66. NAVAJAS, Sergio; GONZÁLEZ-VEGA, J. Claudio. Innovación en las finanzas rurales: Financiera Calpiá en El Salvador. Basis Research, Madison Wisconsin. Central América Program Publications and Outputs. Junio, 2001.

67. Idem, ibidem.

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de uma carteira saudável, apesar do ambiente desfavorável, e o fortalecimento da organização que contou com a assistência técnica da Internationale Projekt Consult (IPC) conduziram à transformação do serviço creditício da Financeira Calpiá em um intermediário financeiro regula-do pelas autoridades competentes, em 1995.

estrutura atual

Depois de operar com sucesso e solidez durante nove anos no sistema financeiro salvadorenho, a Financeira Calpiá se transformou, em 1° de junho de 2004, no Banco ProCredit. O padrão de microfi-nanças da financeira garantiu que, sob a nova denominação social, Banco ProCredit, fosse o primeiro banco especializado em atender exclusivamente as micro, pequenas e médias empresas (MIPYME) de El Salvador. Com a transformação em banco, a instituição passou a ser um dos 18 estabelecimentos bancários que integram e aproveitam a experiência de uma rede de microfinanças, somando-se às mais de 200 agências que operam ao redor do mundo.

Fonte de recursos

Um programa de crédito patrocinado pela Agência de Assistência Técnica Alemã (GTZ) foi o antecessor da Financeira Calpiá. O programa, operado por uma organização não-governamental cha-mada Associação das Micro e Pequenas Empresas (Ampes), iniciou suas atividades em 1988, antes do término da guerra civil, oferecendo empréstimos a seus associados. O serviço creditício da Ampes era lastreado em recursos provenientes de doadores internacionais.

A estrutura atual do Banco ProCredit é o resultado da associação de parceiros técnicos, com expertise em microfinanças, e impulsionadores da rede de microfinanças mundiais: as empresas alemãs IMI AG e IPC GmbH, assim como a participação de acionistas internacionais como a companhia de investimentos do Governo alemão, Deutsche Investitions (DEG); a International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial; e a Corporação de Investimentos do Governo holandês, a FMO.

Público-alvo

A Financeira Calpiá opera com o público de áreas urbanas e de áreas rurais. Nas áreas urbanas, a maioria dos clientes são microempresários, ou seja, uma clientela mais heterogênica. Já os clientes potenciais da Calpiá incluem, na maior parte, famílias de zonas rurais que não têm acesso a serviços financeiros formais. Assim, nas zonas rurais, a influência potencial da Calpiá é maior e mais diver-sificada do que nas zonas urbanas.

A importância relativa da clientela rural situa-se ao redor de 20% do número total de clientes, o que tem reflexo sobre o portfólio, a diversificação e as estratégias de gerenciamento de riscos da organização.

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Financeira Calpiá: Modelo de excelência na Tecnologia Creditícia Urbana adaptada ao Crédito Rural �0�

A tecnologia de crédito Calpiá

A Financeira Calpiá é uma instituição líder na América Latina na expansão da fronteira financeira às zonas rurais, e sua evolução e êxito apoiaram-se em importantes inovações na tecnologia de cré-dito. Entender a tecnologia de crédito de uma organização de microfinanças como a Calpiá, os pro-blemas que esta tecnologia busca resolver e os desafios que esta organização ainda enfrenta, é chave para extrair lições sobre o que se pode fazer e o que não se pode fazer no campo do crédito rural.

A Financeira Calpiá entende o seguimento de mercado da seguinte forma:

A empresa familiar é uma unidade econômica indivisível de renda e gastos (quer dizer, uma carteira conjunta de atividades econômicas). Assim, a capacidade e a disponibilidade de pa-gamento devem ser avaliadas para a unidade como um todo: empresa e domicílio.

Um maior número de fontes alternativas de pagamento é sempre melhor do que a concentra-ção da carteira da família em apenas uma atividade. A diversificação de sua carteira de ativi-dades facilita o controle de risco pela família e assim melhora sua capacidade de pagamento. Essa diversificação reduz a necessidade de a OMF variar sua própria carteira para manter o risco a um nível aceitável. A existência de fontes alternativas de fundos para o pagamento do empréstimo também reduz os problemas de fluxo de caixa das famílias e facilita o cum-primento do plano de amortização. Isso permite à OMF incorporar aos termos do contrato pagamentos freqüentes como um mecanismo de acompanhamento (monitoring) do cliente.

Uma relação de longo prazo é mais valiosa do que apenas uma transação, tanto para o toma-dor, quanto para o credor. Ambas as partes investem na relação de longo prazo para desfrutar do acúmulo de informações e diminuir os custos de transação. Devido ao fato de que os tomadores rurais têm poucas fontes de crédito alternativas, a permanência e a confiabilidade da relação com o credor é valorizada.

As famílias pobres sempre têm ativos que podem ser usados como garantias não-tradicionais. Calpiá entende que a garantia é útil se serve como incentivo para o pagamento do emprésti-mo. Existe um incentivo para pagar o empréstimo tomado, sendo que a garantia diminui os benefícios esperados pelo tomador no caso de descumprimento do contrato. Além disso, a exigência – e eventual execução – da garantia serve como um sinal poderoso aos potenciais clientes sobre a seriedade da organização na cobrança dos empréstimos. Isso ocorre mesmo quando os ativos aceitos como garantia possuem um baixo valor de mercado, em comparação com o tamanho do empréstimo (por exemplo, móveis ou eletrodomésticos do lar em trans-ferência de pagamento).

Em resposta a uma demanda de crédito bem atendida, a Calpiá oferece serviços com as seguintes características principais:

Os empréstimos são desenhados para cada demanda individual. A decisão da Calpiá de es-pecificar os termos e condições do empréstimo de acordo com as circunstâncias individuais permite aos seus clientes desfrutarem de um conjunto mais amplo de oportunidades produti-

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vas, além de oferecer à organização a oportunidade de incrementar sua lucratividade em cada empréstimo.

O produto oferecido é a expectativa de estabelecer uma relação de longo prazo, na qual está implícita a promessa de uma seqüência de serviços financeiros a termos e condições cada vez melhores.

Os oficiais de crédito (analistas) são o veículo mais importante (e, na maioria das vezes, o úni-co) entre a Calpiá e os seus clientes. Com o objetivo de aproveitar a estrutura de incentivos que esse contato pessoal implica, os oficiais de crédito são encarregados da maioria das atividades de concessão de empréstimos (seleção, acompanhamento e execução do contrato). Essa situa-ção permite à Calpiá desfrutar de economia de escala e redução de custos operacionais.

O desempenho dos oficiais determina a qualidade e a produtividade dos serviços oferecidos pela Calpiá, fazendo com que exista um cuidadoso processo de seleção e de treinamento desses analistas. Além disso, um sistema de incentivos monetários, baseados no resultado da carteira de cada oficial de crédito, é utilizado para induzir um manejo apropriado do risco e diligência no desempenho das tarefas.

A rapidez na decisão de liberação do empréstimo é altamente apreciada pelos clientes. A Calpiá avalia seus potenciais clientes em um tempo relativamente curto. Além disso, tanto a aceitação como a negativa de uma solicitação se faz em curto espaço de tempo. Os clientes recorrentes não sofrem nenhuma interrupção na continuidade de seu financiamento.

A Calpiá realiza uma análise profunda de seus clientes e acompanha a utilização dos fundos. Essa prática é aplicada não porque a Calpiá tenha interesse de que o empréstimo seja utili-zado para usos específicos (crédito dirigido). Pelo contrário, a Calpiá está apenas interessada na capacidade de pagamento do cliente. O acompanhamento dos seus clientes é apenas para detectar mudanças que possam afetar o nível de risco do tomador. Se o nível de risco perma-nece inalterado, ainda que se mude o destino original dos fundos, os oficiais de crédito não se preocupam pela mudança ocorrida. A Calpiá entende que seus clientes – melhor que ninguém – percebem as mudanças em suas oportunidades de produção e incentiva-os a ajustar suas decisões às mudanças que ocorrem ao seu redor. Esse tipo de prática tem sido útil, por exem-plo, para manter os atrasos em estágios muito baixos, mesmo na época do El Niño.

O acompanhamento contínuo de seus clientes, feito por meio de visitas casuais do oficial de crédito dentro da sua rotina diária de trabalho, tem um papel importante neste segmento de mercado. Tais contatos reforçam a relação entre o tomador e o credor, e são também sinal da seriedade da Financeira Calpiá na exigência no pagamento dos empréstimos.

Um eficiente sistema de administração e informação está na base do trabalho dos oficiais de crédito (por exemplo, informação atualizada sobre atrasos está disponível diariamente para os agentes).

Ativos não-tradicionais (com um alto valor de uso, mas com baixo valor de mercado) e ativos tradicionais (como hipotecas de moradias) são aceitas em garantia.

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Os contratos são executados para assegurar o pagamento do empréstimo e para enviar um sinal aos demais clientes sobre o firme propósito de cobrar o empréstimo sem importar as circunstâncias (credibilidade).

garantias

A capacidade e a disposição para pagar um empréstimo são influenciadas por diferentes fatores; um deles é a possibilidade de perder os bens que foram oferecidos em garantia. A perda desses bens é a primeira conseqüência da falta de pagamento. Na Calpiá, um contrato típico de empréstimo, em geral, não faz exceção a esta regra. O contrato estabelece claramente que as regras do empréstimo serão seguidas ao pé da letra, independente das condições que causaram o atraso (como uma queda inesperada de preços). Os meios judiciais só são usados quando são ágeis e abrangentes. Quando o sistema legal é ineficiente e complicado, o credor deve encontrar formas alternativas para assegurar o pagamento das obrigações.

Na Calpiá, as garantias têm três papéis importantes: a) diminuem as vantagens do devedor em caso de falta de pagamento; b) servem como um sinal para os devedores; c) reduzem as perdas do agente financeiro em caso de default. No entanto, essas três funções não estão sempre presentes. Utensílios do lar – um refrigerador, por exemplo –, embora possam ter valor reduzido de venda (até mesmo em comparação ao valor do empréstimo), têm um alto valor de uso para o cliente, o que reforça os incentivos para que honre o empréstimo. Embora também haja bens com alto valor de revenda, esses têm pouco valor para a Calpiá devido a um sistema legal ineficiente.

Na prática, o número de garantias e seu valor ultrapassam o mínimo requerido pela organização. Os oficiais de crédito junto com os gerentes de cada sucursal têm autoridade para aumentar os re-querimentos caso achem necessário.

Na visita ao cliente, o oficial de crédito procura conversar também com a esposa. Sua inclusão como fiadora é comum na Calpiá, sendo que seu consentimento mostra o compromisso de toda a unidade familiar frente à nova obrigação. Um grande número de bens é aceito como garantia. Uten-sílios do lar e móveis são os bens aceitos com mais freqüência (televisores, refrigeradores, cozinha e mesas). Os oficiais de crédito tentam incluir a maior quantidade de artefatos e móveis; as vantagens deste tipo de garantia são várias:

no caso de execução, o tamanho desses bens facilita seu translado até as sucursais da Calpiá;

é mais fácil executar artefatos pequenos do que grandes;

alguns desses bens em garantia têm um alto valor de uso; logo, sua perda influi positivamente no comportamento dos tomadores;

as restrições legais para retirar bens como esses são menores do que as que existem para outros tipos.

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Em ordem de importância, depois dos artefatos domésticos, segue-se para a maquinaria e o gado. A quarta e menos comum forma de garantia é a hipoteca de um imóvel. A hipoteca é aceita apenas quando o montante emprestado justifica os custos de transação associados a ela. O resgate de uma hipoteca pode levar até um mês, o que em atividades agrícolas é bastante tempo.

Alcance

O desempenho da Financeira Calpiá é caracterizado por suas extraordinárias conquistas tanto na cobertura, quanto na sustentabilidade, além dos resultados sem paralelo em El Salvador e na maioria dos países da América Latina. Um dos indicadores de sua cobertura é o número de empréstimos vi-gentes. Dado que todos os empréstimos são aprovados e liberados individualmente, esse é também um bom indicador do número de clientes que são atendidos pela Calpiá.

A Financeira realizou sérios esforços para impulsionar a mobilização de depósitos, o que per-mitiu à organização oferecer a seus clientes uma maior variedade de serviços, reduzindo-se assim a dependência de fundos externos.

Sustentabilidade

A Calpiá é uma organização solvente e apresenta taxa de lucratividade crescente desde sua criação: em 1999, os lucros chegaram a mais de US$ 1 milhão, o que faz com que venha registrando um desem-penho superior ao resto do sistema bancário na maioria dos indicadores financeiros, como o desempenho da carteira (o percentual de carteira de risco é aproximadamente a metade do registrado pelos bancos salvadorenhos); e o desempenho da organização em termos de rentabilidade (retornos em relação ao patrimônio). Graças ao desempenho, foi reconhecida pelo Banco Multissetorial de Investimentos, e por vários anos, como a melhor instituição de microfinanças em El Salvador; recebeu, inclusive, o prêmio como a melhor organização de microfinanças da América Latina, oferecido pelo BID em 1999.

A Financeira Calpiá é um dos poucos exemplos de uma financiadora formal rural com sucesso na América Latina. Sua principal contribuição ao desenvolvimento de práticas sustentáveis nas finanças rurais é a transferência e adaptação de sua tecnologia de crédito usada em áreas urbanas para as rurais. Tal contribuição é importante por duas razões. Por um lado, o incremento da oferta de servi-ços financeiros rurais incluiu tanto o financiamento de atividades agrícolas como não-agrícolas nas áreas rurais; por outro lado, a transferência exigiu um esforço deliberado e sistemático de adaptação da tecnologia de crédito às áreas rurais, o que gerou novos aprendizados, permitiu à organização entender melhor a natureza e a magnitude dos desafios de operar no meio rural e adotar os ajustes necessários para superar as dificuldades do crédito agrícola.

Leva tempo para aprender as características de um novo entorno. Neste novo contexto, no qual passou a atuar, a Calpiá utilizou diferentes estratégias para superar os problemas típicos da variância de risco, informação, incentivos e execução do contrato no meio rural. O processo de aprendizagem

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Financeira Calpiá: Modelo de excelência na Tecnologia Creditícia Urbana adaptada ao Crédito Rural ���

vem se dando ao longo de vários anos. Em outras partes do mundo, o desenvolvimento de uma nova tecnologia de microcrédito leva até uma década. Possivelmente, as lições extraídas destes experi-mentos permitirão reduzir a duração de um inevitável período de gestação. O processo, complexo, requer experimentos, aprendizagem no caminho, formalização de novos procedimentos, equipe pro-fissional de administradores e tamanho suficiente para gerar economia de escala.

Embora não tenha terminado o processo de aprendizagem, importantes lições já podem ser reti-radas da experiência da Calpiá sobre o crédito rural:

O acervo de conhecimento requerido para entender as atividades agrícolas e conseguir esta-belecer a capacidade de pagamento de um agricultor é consideravelmente mais complexo do que o requerido para as zonas urbanas. Para responder a esses desafios, contratou técnicos em crédito rural com educação formal em agricultura e, sempre que possível, com alguma ex-periência prática em atividades agrícolas. O nível de salários demandados aumenta os custos de seleção e de acompanhamento dos tomadores de empréstimos.

O processo de acesso a novos mercados (abrir uma nova agência rural) é o resultado de um estudo de mercado conduzido pelos próprios técnicos em crédito. Na maioria dos casos, o estudo de mercado é realizado por técnicos que estarão a cargo da nova agência. O estudo de mercado tem um objetivo duplo. Primeiro, facilitar o design dos produtos às condições locais e conhecer melhor a demanda. Segundo, os técnicos obtêm um primeiro contato com o mer-cado no qual vão trabalhar. A organização se compromete com o atendimento da demanda específica de serviços financeiros de cada um de seus clientes.

Os rendimentos correlacionados que conduzem a riscos sistemáticos constituem graves pro-blemas nas áreas rurais. Esse desafio é enfrentado pela Calpiá em três planos diferentes. Pri-meiro, a família: realçar a importância da diversificação da carteira das atividades econômicas do lar (requerimento implícito que não parece ser um problema para os pequenos agricultores, cujas atividades são diversificadas, mas que podem ser uma restrição para agricultores mé-dios ou mais especializados). Segundo, a carteira rural: responder a uma demanda de crédito global. Todas as atividades rurais (não apenas a agricultura) são potencialmente financiáveis. Por fim, a carteira total: os nexos urbanos/rurais permitem a Financeira Calpiá reduzir o risco global. Isso ocorre não porque uma atividade seja menos arriscada do que a outra, mas sim porque a correlação entre as atividades rurais e urbanas tende a ser menor que a correlação no interior de cada setor.

Os tipos de ativos aceitos como garantias são diversos. Em ordem de importância, os ativos aceitáveis são eletrodomésticos e móveis, maquinaria, gado e hipoteca da casa, da terra ou ambos. Os eletrodomésticos e móveis da casa são preferidos porque são mais fáceis para retirar e vender, caso falte o pagamento, em comparação a objetos maiores e especializados (como maquinaria). As exigências de garantias não excluem os arrendatários da obtenção de um empréstimo. A Calpiá tem demonstrado que é possível prestar serviços também aos agricultores que não são donos da terra. Isso é estendido ao universo de tomadores rurais em El Salvador.

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Outra inovação foi a resposta às condições idiossincráticas rurais. O crédito de custeio é oferecido nos meses de pico e os termos e condições dos empréstimos se ajustam aos ciclos agrícolas.

A acessibilidade ao domicílio é um componente-chave da tecnologia. Isso permite um conta-to contínuo entre os oficiais de crédito e os tomadores (baixos custos de acompanhamento) e até a eliminação da garantia, caso seja necessário (execução civil do contrato). Assim, agricultores com potencial de pagamento, que vivem em áreas remotas, com dificuldade de acesso, não são clientes potenciais.

A tentativa de diferenciar-se dos concorrentes ao oferecer um serviço com pouca burocracia (em contraste ao Bônus Financeiro Anual – BFA) e ao enviar sinais de ser uma instituição permanente (em contraste às ONGs). Essa diferenciação incrementa o valor presente de uma relação de longo prazo com a instituição e fortalece a estrutura de incentivos para o paga-mento do empréstimo.

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10. A CéduLA de PRoduto RuRAL

PAíS: Brasil, 1994.

origem

A Cédula de Produto Rural (CPR), criada pela Lei n° 8.929, de 22 de agosto de 1994, é um título de promessa de entrega futura (comercialização antecipada) de produtos agropecuários, podendo ser emitido pelos agricultores e suas organizações (associações e cooperativas).

Trata-se da regulamentação e padronização de operações de venda antecipada, praticada larga-mente no Nordeste como “venda na folha” até os anos 70, e, no Centro-Oeste, como “venda de Soja Verde”, a partir de meados da década de 80.

No Nordeste, a venda na folha era uma relação assimétrica entre os pequenos produtores, a maioria parceiros, arrendatários e moradores, e os proprietários da terra e comerciantes locais. A venda antecipada “na folha” transferia todo o risco para os pequenos produtores e funcionava como um mecanismo de provisão assegurada de mão-de-obra barata e de fidelidade ao proprietário/co-merciante, já que os produtores viviam endividados e, por isso, eram obrigados a manter intocável a mesma relação de produção.

No caso da região Centro-Oeste, a venda antecipada estabeleceu-se como uma relação mercan-til-financeira mais simétrica entre produtores de porte médio e grande e empresas comerciais ou agroindustriais. Trata-se de uma relação com vantagens para ambos os contratantes: as empresas têm interesse, seja na venda de insumos, seja em assegurar a disponibilidade de matéria-prima a preço conhecido; os produtores, ao vender antecipadamente, eliminam o risco de preço e obtém recursos para financiar o custeio da produção.

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QuAdRo 8. SoJA veRde

O contrato de venda de soja verde é um contrato “de gaveta”, firmado entre um pro-dutor e uma empresa antes da colheita da soja. O contrato define a quantidade vendida, preço e prazo para a entrega. O produtor recebe parte do valor da venda no fechamento do contrato, e o restante na liquidação do mesmo, com a entrega da soja após a co-lheita. O preço é determinado pelo preço futuro da soja no mercado internacional (a referência básica é a Bolsa de Chicago). Sobre o percentual adiantado, recai uma taxa de desconto (por não se tratar de empréstimo, os contratantes não se referem ao desconto como juros), que tem como base a taxa de juros para aplicações correntes no mercado financeiro, e não a taxa de juros final cobrada dos tomadores de crédito. Como o spread bancário é elevado, é um bom negócio para os dois: o comprador de CPR recebe pelo di-nheiro adiantado a mesma remuneração paga por aplicações conservadoras no mercado financeiro; e o vendedor de CPR obtém recursos a custo bem inferior ao do mercado e ainda garante o preço de venda do produto.

Os principais objetivos da CPR Física são: a) financiar a produção por meio da venda antecipada do produto pelo agropecuarista; b) garantir o suprimento de matérias-primas pela venda antecipada da produção agroindustrial; c) vender insumos, utilizando-se da troca de insumos por produção agrícola, por intermédio de empresas que transacionam insumos (operações de troca); d) fornecer alternativa de investimentos via fundos (GONçALVES et al., 2005).

estrutura atual

Em 2000, a Medida Provisória n° 2.017 regulamentou a adoção da CPR Financeira (atualizada pela MP n° 2.042-9/2000). Em 2001, a Lei Federal n° 10.200, de 14 de fevereiro de 2001, criou a CPR com liquidação em dinheiro. A CPR com liquidação financeira é um título financeiro com as mesmas características da CPR Física, diferenciando-se pela possibilidade de liquidação em dinheiro na data de vencimento.

A evolução foi uma conseqüência da própria regulamentação da operação, inicialmente res-trita a produtores e empresas interessadas na venda de insumos — tendo como garantia a pró-pria produção facilmente comercializável — e na garantia de matéria-prima para processamento

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A Cédula de Produto Rural ���

ou exportação. Na medida em que o título vai adquirindo confiabilidade no mercado financeiro, passa a interessar operadores por si só e que não têm maiores vínculos com o mercado físico de produtos agropecuários. Para eles, a liquidação em espécie é um custo, não uma vantagem. A financeirização plena da CPR, tal como propugnado pela BM&F, facilitou a entrada, neste mercado, de outros agentes econômicos (como investidores externos), fundos de investimentos e fundos de pensão, ampliando assim as fontes e os recursos para o financiamento do setor agropecuário.

A CPR Financeira reduz custos de transação da operação de venda antecipada da produção e permite aos produtores e cooperativas optar pela liquidação com entrega do produto ou liquidação financeira. Nessa modalidade, define-se por contrato um preço de referência (ou índice de preços) para determinar o valor de resgate no vencimento (GONçALVES et al., 2005).

A Figura 4 e a Figura 5 explicam e ilustram a estrutura da operação com CPR. No primeiro caso, o produtor necessita de recursos para financiar a produção corrente, não quer tomar crédito bancário direto e decide emitir um título, uma Cédula do Produtor Rural, para captar o recurso. Procura o banco para avaliar o título, negocia as garantias e custo do aval. Uma vez avalizado, o título é registrado na Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos (Cetip) e pode circular no mercado financeiro.

Na ilustração da Figura 4, o título é oferecido no leilão eletrônico da Bolsa de Mercadoria e adquirido por agentes que participam dos leilões, seja agroindústria ou fundo de investimento. No final da colheita, o produtor vende o produto e resgata o título negociado, mantido em custódia na Cetip, responsável por cancelar automaticamente a operação, informando e liberando a todos os participantes de quaisquer obrigações futuras. A lógica da ilustração da Figura 5 é a mesma, com a diferença que o banco emite commodities notes no exterior para captar recursos de poupadores externos que serão utilizados para financiar os produtores rurais e as operações com CPR.

Independente da fonte dos recursos, as condições vigentes no mercado financeiro e cambial – taxas de juros e política cambial – definem o custo básico das operações com CPR. O custo da operação é ainda onerado pela cobrança do aval, o qual deve refletir o risco associado ao tomador e ao negócio, e por outros custos de transação.

Em relação às operações lastreadas em recursos captados no mercado doméstico, o piso para a taxa de juros é determinado pelo custo de oportunidade para a aplicação financeira dos recursos dos agentes que participam das cadeias agroindustriais e financiam os produtores. O elevado spre-ad entre essa taxa e a taxa de juros para crédito comercial de curto prazo (desconto de duplicatas e capital de giro) possibilita realizar operações de CPR a uma taxa vantajosa para os produtores, ainda que o custo final seja elevado.

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Quanto às operações lastreadas em captações externas, a remuneração deve incluir o juro do-méstico e o risco cambial, ou seja, a expectativa de desvalorização da taxa de câmbio somada a um percentual para cobrir o risco envolvido – em geral, equivalente ao prêmio cobrado para realizar uma operação de hedge no mercado futuro. O custo final da CPR será, portanto, afetado pela taxa de juro internacional, pela taxa de juro praticada em operações com o Brasil (taxa internacional acrescida do componente para cobrir o risco do país), pela expectativa de variação cambial e por um prêmio para cobrir o risco cambial. O Banco do Brasil realiza leilões das CPRs que recebem seu aval e opera com a CPR Exportação para vendas de produtos no mercado internacional com entrega física (GONçALVES et al., 2005).

Atualmente a operação com CPR envolve várias instituições, dentre as quais se destacam a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), o Banco do Brasil, as organizações dos agricultores (associações e cooperativas) e as agroindústrias.

FIguRA 4. ReSuMo do PRoCeSSo de eMISSão e CIRCuLAção dA CPR

Fonte: Marques, Caffagni e Souza (1997).

* transferência por meio de endosso.

** central de custódia e de liquidação financeira de títulos.

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A Cédula de Produto Rural ���

Fonte de recursos

Os recursos para operações com títulos financeiros do agronegócio, como a CPR, provêm principal-mente de três fontes básicas que interagem, quais sejam: os recursos das operações bancárias na compra de CPRs – em especial o Banco do Brasil; os recursos das empresas nacionais (tradings, cooperativas, agroindústrias, empresas vendedoras de insumos), captados em operações de Adiantamento sobre Con-trato de Câmbio (ACC) e outros mecanismos; os recursos próprios ou captados pelas grandes tradings internacionais de commodities que operam na agricultura brasileira.

Público-alvo

O CPR é um instrumento que só pode ser útil para grandes produtores68. Sua possível utilização pelos produtores familiares fica na dependência de uma substancial redução de seu custo financeiro

68. O valor médio das CPRs não pode ser tomado como um indicador do tamanho do produtor ou da área cultivada de um produto particular, já que a prática corrente é que um mesmo produtor emite várias CPRs à medida que vai precisando de recursos para custear a produção. Ver, sobre o assunto, o interessante estudo de Sousa e Pimentel (2005).

FIguRA 5. LInhA de CRédIto PARA AQuISIção de CPR

Fonte: Banco do Brasil.

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e da ação das cooperativas e associações de produtores. De toda maneira, não parece que a CPR possa vir a desempenhar um papel relevante no financiamento do produtor familiar; é possível que mesmo os produtores familiares em condições de realizar operações de CPR prefiram manter o es-quema de venda antecipada.

Linhas de financiamento

Custeio, comercialização e quaisquer outras gastos do produtor. Trata-se de um empréstimo privado, e o produtor tem inteira autonomia para decidir a utilização do recurso.

Condições de financiamento

A CPR não é um empréstimo, mas um título lastreado em produto, cuja emissão tem o propósito primordial de alavancar recursos para financiar as atividades do produtor. Trata-se, neste sentido, de um instrumento de financiamento não creditício. As “condições de finan-ciamento” são determinadas por dois fatores primários: a taxa de juros vigente no mercado financeiro doméstico, que determina em grande medida o deságio aplicado sobre o preço de venda, e o custo do aval.

Embora o deságio seja influenciado por vários fatores (como oferta e demanda de títulos; ex-pectativas em relação ao comportamento da produção e dos preços; necessidade das agroindús-trias de assegurar matéria-prima etc.), seu piso é o custo de oportunidade do dinheiro aplicado na compra da cédula, determinado pela taxa de juros líquida que o comprador poderia obter, caso decidisse aplicar essa soma no mercado financeiro (taxa Selic – Sistema Especial de Liquidação e Custódia). O custo do aval é influenciado pelo portfólio do cliente no banco avalista e pelas ga-rantias oferecidas.

Em algumas regiões, a concorrência entre as agroindústrias, em particular nos “anos bons”, leva ao pagamento de preços mais compensadores e à cobrança de taxas de juros mais reduzidas, o que reduz o custo do financiamento. Em muitas áreas essa concorrência não existe, e as condições da venda antecipada são bem desvantajosas para os produtores, sobretudo os de menor porte, cujo po-der de barganha junto às agroindústrias são pequenos. Segundo Gasques et al. (2004b), os encargos financeiros que embutem o aval bancário, os juros, o deságio e o registro na Central de Custódia e de Liquidação de Títulos, tem variado entre 25% e 30% ao ano.

Além do custo financeiro direto da operação, a CPR pode ter um custo muito mais elevado se os preços de mercado no momento da liquidação forem superiores aos preços utilizados como base para a venda da cédula. Assim, a CPR reduz a possibilidade de o produtor se beneficiar de elevações de preços durante o período de produção e/ou após a colheita, na entressafra. Na prá-tica, funciona como um redutor do preço recebido pelo produtor que pode ser mais elevado do que o custo financeiro do crédito rural, e dificilmente serve como uma alternativa em larga escala para o crédito de custeio. é um instrumento muito útil e difundido em outros países para grupos

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reduzidos de produtores de commodities, com mercados já estruturados e presença marcante de agroindústrias e traders.

O custo financeiro da CPR é um fator que limita sua utilização como instrumento mais abran-gente de política pública.

garantias

A garantia básica é o próprio penhor da safra, estabelecido no contrato, com a área da lavoura demarcada. Na situação na qual o cliente já atingiu seu limite de crédito junto ao banco — comum no Brasil devido às renegociações de dívida —, o banco exige o aval de um terceiro. No caso das CPR físicas, a principal garantia solicitada de produtores estabelecidos na região e com crédito na praça é o penhor da safra. Para clientes novos, muitas empresas exigem o aval de terceiros. é rara a solicita-ção da propriedade como garantia, até porque a propriedade já está vinculada a outros empréstimos tomados pelos produtores.

Seleção (screening)

A regulamentação da CPR contribuiu para criar um ambiente de visibilidade, transparência e segurança das operações; para atrair agentes financeiros para esse mercado e também reduzir os custos envolvidos. O screening é feito na ponta, pelos bancos, cooperativas e empresas que mantém relacionamento direto com os produtores, com quem mantém negócios. A base do screening são as informações bancárias e comerciais. Também conta o conceito amplo do produtor no local (bom produtor, trabalhador, bom pagador etc.), ainda que esse conceito termine por pouco afetar as con-dições do negócio.

No entanto, os “bons clientes” são disputados pelos bancos e pelas empresas, e antes de fecha-rem o negócio promovem uma concorrência entre os potenciais parceiros, propiciando algum tipo de benefício, seja nas condições de emissão da CPR, seja em outras operações de crédito.

Na outra ponta da colocação da CPR no mercado, os negócios foram muito facilitados pela cria-ção da Bolsa Brasileira de Mercadorias (BBM), iniciativa da BM&F, e de outras sete bolsas regionais de mercadorias. A BBM opera um sistema integrado de registro eletrônico e funciona como clearing house para transações com contratos agropecuários, inclusive as operações com CPR. O sistema permite o acesso eletrônico à informação e a oportunidades de negócios para cerca de 400 traders que operam no Brasil, sendo possível oferecer e comprar contratos, registrar operações e garantir a custódia dos títulos.

No final de outubro de 2004, em menos de um ano de operação, quase 70 mil contratos tinham sido registrados na BBM, com um volume total financiado de US$ 900 milhões. A BBM aumenta a agilidade das transações e oferece transparência, confiabilidade e credibilidade para o mercado secundário de CPRs. Uma das maiores vantagens do sistema é que ele permite que potenciais inves-tidores vejam os títulos que estão garantindo suas operações (SOUSA; PIMENTEL, 2005).

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Enforcement

Os progressos e aperfeiçoamentos na estruturação e regulamentação dos novos mercados de títulos financeiros, como a CPR, são notórios. O mais importante atributo da CPR é a redução de riscos ao longo de toda a cadeia. O tomador inicial, seja banco ou empresa, está protegido pelas garantias de fácil execução oferecidas pelo produtor. O comprador secundário do título está protegido pelo aval do banco (ou empresa), ambos pagáveis de imediato, sem contestação, no caso de inadimplência do produtor. O título avalizado garante rápida execução em caso de não-cumprimento ou quebra de contrato por parte do emissor; portanto, evita discussões in-termináveis na justiça sobre o mérito da questão. Esse é o maior incentivo para os compradores de CPR. Em muitos casos, uma garantia bancária adicional é também requerida, o que diminui riscos e reduz custos da operação.

A CPR pode ainda ser registrada no Escritório de Registro de Títulos juntamente com o número de registro da propriedade onde o plantio foi feito. Isso gera um controle sobre quantas CPRs são emitidas na mesma propriedade (GONçALVES et al., 2005) e evita o risco de emissões sem lastro. Nestas condições, o produtor tem fortes incentivos para cumprir o contrato, já que o custo da inadimplência é elevado.

No entanto, apesar do arranjo institucional da CPR reduzir as margens para comportamento oportunista, experiência recente (2005) mostrou fragilidade em relação à proteção às empresas da quebra de contrato por parte de produtores que se recusaram a entregar a produção pelo preço acer-tado, inferior ao de mercado no momento da colheita.

Alguns produtores recorreram à Justiça, que lhes assegurou o “direito” de vender sua produção ao preço corrente de mercado, sancionando a ruptura do contrato. Trata-se de um precedente peri-goso, que pode comprometer os negócios futuros de venda antecipada e elevar o custo de transação devido à incorporação do “risco calote”, quando os preços de mercado no momento da entrega forem superiores ao contratado.

Alcance

O sucesso da CPR praticamente eliminou o antigo Contrato Soja Verde – que hoje está restrito quase que somente aos contratos entre sojicultores e agroindústrias de insumos para transações com insumos prazo/safra – e ocupou, de forma definitiva, todo o espaço do Certificado de Mercado-ria com Emissão Garantida (CMG).

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QuAdRo 9. CeRtIFICAdo de MeRCAdoRIAS CoM eMISSão gARAntIdA (CMg)

O Certificado de Mercadoria com Emissão Garantida (CMG) foi criado, em 1994, por inicia-tiva exclusiva da Bolsa de Cereais de São Paulo. O CMG representava um contrato mercantil de compra e venda de mercadorias, emitido pelo detentor da mercadoria, seja produtor rural, cooperativa, beneficiador ou agroindústria, garantido por seguradora ou banco e negociado nas bolsas de cereais e bolsas de mercadorias conveniadas com a Central de Registro. Em uma versão, o CMD-G, exigia pagamento à vista e entrega de mercadoria no ato; em outra, o CMF-G, previa pagamento à vista, mas entrega futura da mercadoria. No ano de implantação, em 1993/1994, o CMG mobilizou recursos da ordem de US$ 140 milhões. No primeiro semestre de 1995, movimentou US$ 3,5 bilhões, valor similar aos US$ 3,8 bilhões aplicados pelo crédi-to rural oficial de janeiro a maio de 1995 (GASQUES; VILLA VERDE, 1995 apud GONçALVES; MARTIN; RESENDE; RODRIGUEZ VEGRO, 2005)69.

Na concepção de seu formulador, o CMG traria para:

o produtor rural, a oportunidade de vender a preços adequados e a possibilidade de venda antecipada, gerando financiamento da produção e da comercialização;

o mercado físico, a centralização, a organização e a auto-regulação das transações com commodities, que elevariam o volume transacionado;

o comprador, a segurança de um mercado organizado e transparente;

o mercado de capitais, a diversificação do portifólio de alternativas;

o Governo, a libertação das amarras da legislação nas licitações para compra de es-toques estratégicos (SOBOLL, 1993 apud GONçALVES; MARTIN; RESENDE; RODRI-GUEZ VEGRO, 2005)70.

Na mesma época, surge a Cédula de Produto Rural (CPR), criada pela Lei n° 8.929, de 22 de agosto de 1994. Numa visão da época em que foi lançada, é relevante destacar que “o finan-ciamento por meio da Cédula de Produto Rural abre interessantes possibilidades de negociação que podem complementar e até alavancar o crescimento dos mercados derivativos. O uso dos contratos futuros e de opções agropecuários, junto com a natureza contratual do novo título e o perfil das necessidades dos potenciais usuários, pode dar nova feição ao crédito agrícola” (FRICK, 1995ª apud GONçALVES; MARTIN; RESENDE; RODRIGUEZ VEGRO, 2005, p. 70)71.

69. GONçALVES, J. S.; MARTIN, N. B.; RESENDE, J. V. de; RODRIGUEZ VEGRO, C. L. Novos títulos financeiros do agronegócio e novo padrão do financiamento setorial. Informações Econômicas, São Paulo, v. 35. Julho, 2005.

70. Idem, ibidem.

71. Idem, ibidem.

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Com a regulamentação, a CPR mostrou-se vantajosa e conquistou o mercado: “enquan-to o CMG é um titulo que pode ser emitido pelo detentor da mercadoria; a CPR somente pode ser emitida pelo produtor rural ou cooperativa. O CMG apenas pode ser negociado em bolsas de cereais e mercadorias, enquanto a CPR pode ser negociada em bolsas e em operações de balcão (fora das bolsas). O CMG é considerado um papel de difícil circulação porque não permite o endosso para revenda, enquanto a CPR pode ser transferida por endosso, aspecto considerado básico para sua aceitabilidade, tendo em vista que dá maior liquidez ao título” (GASQUES; VILLA VERDE, 1995 apud GONçALVES; MARTIN; RESEN-DE; RODRIGUEZ VEGRO, 2005, p. 71)72.

A CPR converteu-se logo em um instrumento importante de alavancagem financeira e de apoio à comercialização de commodities agropecuárias. Embora usadas para negociar produtos como soja, milho, café e gado, algumas cooperativas e/ou produtores verticalmente integrados também emitem CPR para produtos semiprocessados como açúcar, álcool e farelo de soja. A CPR permite não apenas o financiamento da colheita, mas também melhor gestão dos riscos de preço para o produtor, que pode fixar seus débitos em quantidade de sua moeda própria — o produto que produz.

Este aspecto atraiu mais e mais produtores, cuja maioria tinha sofrido nos anos anteriores devido à crescente disparidade entre seus débitos e o valor de seus produtos nos vários anos em que a economia brasileira experimentou três dígitos de taxas de inflação anual (SOUSA; PIMENTEL, 2005).

No meio rural, as operações de CPR tem enfrentado limites devido ao seu custo relativamente elevado, que tem têm como piso a remuneração dos títulos públicos (Selic), acrescido dos adicio-nais já mencionados. Ao lado do mercado de CPRs registradas, opera outro: o de CPRs de “gave-ta”, não registradas para fugir do custo inerente ao mercado formal.

Em 2004, segundo dados da instituição, o Banco do Brasil movimentou, em CPRs registradas, o valor de R$ 4,47 bilhões, o que representou um crescimento de 192% quando comparado com os registros de 2003: R$ 1,53 bilhão (GONçALVES et al., 2005). Entretanto, no mercado das denominadas CPRs de “gaveta”, a partir das informações dos agentes, estima-se que, para cada CPR registrada, cinco CPRs de “gaveta” são emitidas. Se esta estimativa for de fato correta, os negócios realizados com lastro nesses papéis atingiram, em 2004, o montante de R$ 23,35 bi-lhões (GONçALVES et al., 2005), três vezes o valor do crédito oficial previsto para aquele ano.

Outra limitação do alcance da CPR é a concentração de negócios com poucas commodities e a exclusão dos pequenos produtores. Tal como está desenhado, “a CPR é um instrumento que só

72. Idem, ibidem.

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pode ser útil para grandes produtores; sua possível utilização pelos produtores familiares fica na dependência de uma substancial redução de seu custo financeiro e principalmente da ação das cooperativas e associações de produtores” (BUAINAIN, 2007, p. 62). Outro fator de exclusão é a exigência de uma quantidade mínima de produtos que excedem o volume total produzido pelos pequenos agricultores (GASQUES; VILLA VERDE, 1995).

A superação deste entrave requer ação tanto da política pública, desenhando condições para facilitar o acesso, quanto dos próprios produtores, cuja organização em associações de caráter econômico é condição para participar deste tipo de mercado. Há, portanto, que se encontrar e desenvolver mecanismos que ampliem a base sócio-rural dos agropecuaristas que operam com vendas antecipadas no mercado financeiro. Nas bases atuais a simples redução do custo da CPR não seria suficiente para ampliar de forma significativa a participação dos pequenos agricultores no mercado de títulos como a CPR73.

Sustentabilidade

As operações de CPR, registradas e de gavetas, são hoje prática corrente no meio rural brasileiro, com destaque para as regiões mais dinâmicas do agronegócio. Em termos gerais, sua sustentabili-dade está atrelada à própria sustentabilidade do agronegócio e à solvência dos produtores rurais. As únicas hipóteses de interrupção do fluxo de negócios com CPR são a falência massiva dos agri-cultores ou uma crise de liquidez que afete a capacidade de financiamento dos agentes tomadores primários da CPR, vale dizer, bancos comerciais e empresas que operam no setor. O custo do dinhei-ro, determinante primário do custo da CPR, pode afetar a demanda e o volume de negócios, mas dificilmente implicaria eliminação do próprio mercado.

A evolução do mercado de CPR depende de vários fatores, listados por Sousa e Pimentel (2005), entre os quais se destacam os seguintes: (i) funcionamento do programa de crédito ofi-cial, que ainda disponibiliza recursos em condições especiais para o setor (os recursos públicos são cada vez mais insuficientes para atender à demanda, como atesta a própria expansão da CPR, que tende a se expandir à medida que aumente o gap entre demanda e disponibilidade de crédito oficial); (ii) o interesse dos bancos comerciais na operação com CPR74; (iii) a manutenção de um marco regulatório e legal adequado para assegurar a rápida execução dos contratos; (iv) a expan-são da rede de armazéns qualificados para a guarda do produto; e (v) a melhor padronização dos produtos comercializados.

73. Não é esta a opinião de outros autores, que consideram que com o custo do dinheiro mais baixo se ampliam as possibili-dades de inserção dos pequenos produtores nas operações com títulos de produtores rurais (GONçALVES et al., 2005).

74. Os autores chamam a atenção para o papel desempenhado pelo Banco do Brasil: “The adoption of the instrument by Banco do Brasil as a way to diversify its performance in the credit system; the fact that BB’s branch network is widespre-ad throughout rural areas, and due to its rich risk evaluation system of the producer based on long historical data, was fundamental in the reduction of transaction costs of the operations. It provided the required scale to reduce transaction costs and justified larger investments on IT systems” (SOUSA; PIMENTEL, 2005).

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Como já se comentou, o custo do dinheiro trava o pleno desenvolvimento dos negócios com títulos financeiros. Ainda assim, enfrentando as dificuldades da realidade macroeconômica, a BM&F vem registrando um expressivo crescimento no número de contratos com produtos agropecuários, saltando de 778 mil contratos negociados, em 2003, para 1,05 milhão, em 2004.

é preciso ampliar ainda mais esse espaço de administração de risco em bolsas para consolidar um ambiente de credibilidade contratual na agricultura brasileira. Os negócios em bolsa tendem a crescer nos períodos de crise de credibilidade entre agentes das cadeias de produção decorrente do não-cumprimento dos contratos firmados. Em 2004, por exemplo, foram realizados 7.225 contratos envolvendo, em média, 29,2 mil toneladas por mês. Apenas nos dois primeiros meses de 2005, ocor-reram 7.985 contratos com 107,8 mil toneladas por mês. A razão foi que, “após o calote tomado na safra passada, quando produtores deixaram de honrar contratos de compra antecipada de soja, as indústrias e os exportadores decidiram aumentar suas operações na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F): o contrato futuro da bolsa garante o recebimento da mercadoria no vencimento do papel” (KASSAI apud GONçALVES et al., 2005, p. 73).

A estratégia dos agentes atuantes nas cadeias de produção do agronegócio representa um ele-mento crucial na definição do futuro do mercado de títulos dos produtores. A quebra de credibilida-de gerada pelo não-cumprimento de contratos firmados por parcela de produtores — contaminando assim todo o universo produtivo — que, diante da variação positiva dos preços não entregam as quantidades estipuladas de produtos, debilita o mercado e reduz os incentivos para os agentes manterem o fluxo de financiamento por meio de CPR. Boa parte das tradings que operam neste mer-cado poderia garantir, ainda que com custo de transação mais elevado, suas posições, negociando apenas nas bolsas de mercadorias. A repetição de situações de inadimplência pode se traduzir em custos de transação superiores àqueles nas operações em bolsa, e reduzir os incentivos presentes nas transações com CPR. A ruptura do contrato produz um ambiente de desconfiança entre os elos da cadeia que, em última análise, acabam se voltando contra o próprio segmento agropecuário, na medida em que, em negociações futuras, os financiadores embutirão um custo do risco de quebra do contrato, elevando os custos de transações. Essa situação se traduzirá em um aumento da taxa de juros (GONçALVES et al., 2005).

A experiência recente indica que a CPR tem potencial elevado para se expandir como instrumen-to de financiamento do produtor rural brasileiro; e revela que este tipo de operação pode servir de embrião para novos instrumentos assemelhados, que sirvam para lastrear operações de captação realizadas diretamente por pequenas cooperativas de crédito, as quais seriam repassadas aos produ-tores a taxas inferiores às praticadas no mercado. Logo, a operação torna-se possível porque os cus-tos de operação e de transação dessas cooperativas são menores do que os dos bancos comerciais; mas essa possibilidade depende da regulamentação de um regime especial que não lhes retire essa vantagem, permitindo-lhes pagar mais ao poupador do que ao sistema financeiro e cobrar menos do tomador (BUAINAIN, 2007).

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A agroindústria uruguaia participa de forma importante para a geração do produto nacio-nal. Apenas em 2005, as exportações da cadeia leiteira superaram US$ 200 milhões. Desde o final da década passada, a atividade leiteira sofria uma forte crise financeira, com relevantes impactos socais, associada às mudanças nas políticas macroeconômicas dos países sócios do Mercosul e ao elevado endividamento decorrente de investimentos realizados durante o ciclo de expansão, interrompido abruptamente com a desvalorização da moeda brasileira (Real), em 1999. Outros fatores que se sucederam a este agravaram a situação: crise na Argentina; proble-mas climáticos, febre aftosa e desvalorização da moeda uruguaia (Peso Uruguaio).

A crise, inicialmente localizada, transformou-se em uma crise setorial de endividamento, com elevada inadimplência entre os produtores de leite e virtual interrupção do fluxo de cré-dito, crucial para a provisão de capital de giro utilizado para custear o plantio de forrageiras e aquisição de ração e medicamentos. Estima-se que a dívida dos produtores de leite, no ano de 2002, era cerca de US$ 120 milhões; e o maior credor, com 90% da dívida, era o Banco da República Oriental do Uruguai (BROU).

Dado o potencial competitivo da cadeia do leite, o Governo considerou necessária uma intervenção para superar a crise. No entanto, com base em experiência anterior ocorrida no próprio Uruguai, entendeu não ser viável, nem desejável, a absorção da dívida pelo Tesouro da República; e que o Banco da República Oriental do Uruguai (BROU), o Ministerio de Ganadería, Agricultura y Pesca (MGAP), os laticínios e os produtores deveriam buscar soluções financeiras no próprio mercado.

A resposta foi o Fundo de Financiamento da Atividade Leiteira (FFAL), concebido como um instrumento para capitalizar a cadeia leiteira no Uruguai, canalizar recursos para capital de giro e apoiar a reativação desta atividade. Criado em 2002, pela Lei n° 17.582, com o objetivo de financiar o setor por um período de 15 anos, tem como base a capitalização antecipada de recebíveis de baixo risco (receitas futuras da venda de leite) e, como garantia, a retenção de uma porcentagem das receitas futuras derivadas da venda de leite para pasteurização.

Os principais objetivos para a criação da FFAL foram:

redução do endividamento financeiro do setor leiteiro. Para esse fim, foram destinados 60% dos fundos recebidos pela emissão de Certificados Representativos de Inversión (CRI) para abatimento das dívidas dos produtores com o Banco da República Oriental do Uruguai (BROU);

QuAdRo 10. Fundo de FInAnCIAMento dA AtIvIdAde LeIteIRA do uRuguAI: exeMPLo de SeCuRItIzAção (tItuLARIzAção de CRédIto) PARA o FInAnCIAMento do SetoR LeIteIRo

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dotar o setor leiteiro de liquidez para atender suas necessidades de capital e de trabalho, minorando as conseqüências decorrentes da recessão do mercado interno e a redução dos preços internacionais dos produtos do setor. Para isso, foram destinados 40% dos fundos arrecadados;

reduzir o efeito negativo da inadimplência na contabilidade do BROU. A utilização de 60% dos fundos arrecadados para abatimento das dívidas dos produtores criou uma importante liquidez que permitia ao banco expandir suas operações de financiamento e, mais importante, retirou os produtores da lista de inadimplentes, situação que impedia a contratação de novos empréstimos.

A engenharia financeira – para viabilizar as operações do fundo – intentou compatibilizar os interesses de vários stakeholders e atender a um conjunto de exigências legais e institucionais. De um lado o BROU, principal credor dos produtores, teria que fazer concessões para viabilizar a rene-gociação da dívida e voltar a financiá-los. A renegociação era de interesse do banco, mas precisava estar lastreada em possibilidade real de liquidação da dívida e, principalmente, apresentar garantias efetivas para os novos empréstimos. De outro lado, era preciso buscar uma fonte de recursos para montar o fundo de financiamento que seria destinado a produtores em situação financeira precá-ria. Neste tipo de operação, o mais comum era o financiamento público, à custa do Estado. Essa opção era inviável devido às restrições fiscais vigentes no Uruguai e à própria orientação da política econômica de reduzir o papel do Estado interventor. A alternativa era fazer uso do recurso privado, e o Ministerio de Ganadería, Agricultura y Pesca do Uruguai iniciou negociações com possíveis investidores do setor privado interessados em participar do fundo, que seria criado com base na antecipação parcial de títulos de financiamento que seriam emitidos pelo FFAL.

Os Fundos de Pensão do Uruguai (AFAPs) mostraram-se interessados nos títulos de um fundo como o do FFAL, pois são obrigados por lei a manter uma porcentagem de sua carteira em investimentos em atividades produtivas no País. O valor acordado com os investidores foi de US$ 26 milhões, sendo que um milhão de dólares seria dirigido para pequenos produtores com tratamento especial. Porém, as leis também impõem limite ao valor do investimento dos fundos por opção, o que impedia a um único fundo assumir os riscos do FFAL. A solução foi mais uma vez engenhosa, e exigiu uma composição de interesses entre os quatro fundos de pensão do País – República AFAP, Afinidad AFAP, Integración AFAP e Unión Capital AFAP – que adquiriram do Fundo, em conjunto, uma cédula chamada Certificado Representativo de Inversi-ón (CRI), com rendimento mínimo de 11% em dólares americanos.

O prazo do papel não está fixado e dependerá do tempo necessário para recuperar os US$ 26 milhões de dólares emprestados aos fundos de pensão. Foi assim que as administradoras de fundos de pensão, por meio da securitização de um fluxo de receitas futuras do setor lácteo, adiantaram dinheiro para permitir a criação do FFAL, que por sua vez viabilizou a reinserção dos produtores de leite ao mercado financeiro e a recuperação de uma atividade produtiva relevante para o País.

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A Cédula de Produto Rural ���

A FFAL garante o aporte de novos recursos para financiamento de curto prazo e para o abatimento da dívida dos produtores que participam do fundo com o banco credor (BROU). Os novos recursos são garantidos pela retenção da cifra de 0,84 pesos por litro das vendas anteci-padas das indústrias de leite (nacional e importado), destinadas ao consumo (pasteurizado ou leite longa vida), que é depositado em conta do Ministerio de Ganadería, Agricultura y Pesca.

Foi instrumentado, ainda, um mecanismo pelo qual, com a porcentagem do fundo desti-nado para abatimento das dívidas, o banco credor adquiria títulos do Tesouro que, na época, estavam bastante depreciados, pelo valor de mercado, aceitando, assim, a liquidação da dívida pelo valor de face (valor nominal). Desse modo, cada dólar aportado pelo FFAL signi-ficou, efetivamente, 1,7 dólares para pagamento da dívida, amortizando aproximados 35% da dívida do setor.

Os titulares do FFAL são o Ministerio de Ganadería, Agricultura y Pesca (MGAP) e o Mi-nistério de Economia e Finanças (MEF). A securitização do fluxo de receitas futuras do FFAL, formada pela retenção das vendas, ficou a cargo do Banco ACAC, que emitiu os CRIs respalda-dos nos fluxos de fundos cedidos pela FFAL. O Banco ACAC atua também como fiduciário no processo de emissão de títulos do FFAL em valores destinados à oferta pública.

Embora a solução tenha sido de mercado, a negociação com os fundos e o banco credor (BROU) foi feita sob coordenação do MGAP. A solução não é apenas financeira; exige, ainda, a concorrência de outras políticas. Durante a vigência do FFAL, o MGAP ficou responsável pela fixação de preços ao longo da cadeia: devendo ser considerado o quanto recebe o produtor – de cada quota de litro de leite entregue na indústria – e o preço da matéria-prima. Esse diferencial dos preços dá origem ao capital de cada produtor que, multiplicado pelo total de litros desti-nados ao consumo (nacional ou importado), determina o fluxo de fundos da FFAL. O capital da FFAL se ajusta semestralmente em função da desvalorização passada. Além da necessidade de uma política de preços ao produtor, a utilização da retenção compulsória como garantia exige mecanismos de monitoramento e supervisão no elo-chave da cadeia leiteira.

Encontra-se em fase de aprovação (maio/2007), o FFAL2, com previsão de aporte de US$ 40 milhões, cuja quantia tem o objetivo de atender basicamente os problemas de endividamento, conservação dos recursos naturais e financiamentos para consolidar o crescimento do setor. O administrador do fundo será o Banco de Crédito Rural, pelo prazo de 7 (sete) anos. Com este financiamento do fundo, espera-se que o BROU e outros investidores (como as AFAPs, Banco de Seguros e a Bolsa de Valores) participem ativamente.

O MGAP espera que este fundo se converta em um instrumento a servir, no futuro, como ferramenta de financiamento para o setor, e que seja mantido ao longo do tempo, uma vez que tem como objetivo complementar o aporte realizado pelo FFAL anterior, no que se relaciona ao endividamento dos produtores.

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Um segundo aspecto a ser considerado é que o fundo permitirá – junto ao Proyecto Produc-ción Responsable (PPR) – executar, em curto prazo, investimentos que se estimam imprescin-díveis para a conservação dos recursos naturais, especialmente no que se refere ao manejo dos efluentes, grande preocupação dos pecuaristas e da indústria no futuro (médio prazo).

Outra preocupação refere-se ao aporte de recursos para os produtores do setor (financia-mento de investimentos em sistemas de ordenha, instalações para o frio, maquinário agrícola, cercas e outras instalações), devido às necessidades observadas, principalmente, dos pequenos e médios produtores.

O projeto apresentado no parlamento estabelece que a FFAL2 terá um período de carência de um ano, prazo em que se espera a amortização do FFAL anterior.

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11. tItuLARIzAção de gAdo de CoRte: BoLSA nACIonAL AgRoPeCuáRIA dA CoLôMBIA�5

país: ColômBia, 2000.

origem e estrutura atual

Desde junho de 2000, o Governo colombiano incentiva a chamada “titularização” em operações de financiamento ao segmento de “gado de corte”, abrindo aos pecuaristas a possibilidade de acesso direto a novas fontes de recursos do mercado de capitais e de poupadores em geral. Em dois anos, foram injetados mais de 30 milhões de dólares nessas operações.

A titularização é uma operação típica de crédito; no momento da emissão do título, há definição e acordo do rendimento fixo a ser pago, o que difere de títulos de participação, em que os fundos captados para investimento são remunerados em função da rentabilidade final, e o tomador corre os riscos do negócio.

Não é o pecuarista que emite os títulos. é um patrimônio autônomo nos quais bens do pecuarista são transferidos e se isolam de seu próprio patrimônio, de modo que se o pecuarista, por alguma cir-cunstância, tem seu patrimônio próprio envolvido em processo judicial por algum compromisso prévio, o patrimônio autônomo fica excluído do processo.

Essa característica gera uma segurança jurídica distinta em relação ao bem que está em pro-priedade de um pecuarista. No processo de titularização, participam como agentes o originador e a fiduciária. O originador é o pecuarista que cede, mediante a assinatura de um contrato de fidúcia mercantil irrevogável, os novilhos magros que vão começar o processo de engorda ou de confina-mento, e os direitos de pastagem para alimentá-los durante o período de tempo; a fiduciária recebe os bens e gera o fideicomisso.

75. Este estudo de caso tem como referência e fonte básica o trabalho do Instituto Plan Agropecuario (Uruguai, 2003).

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O patrimônio autônomo não é uma pessoa jurídica independente, mas é sujeito de direitos e de-veres, mecanismo de garantia e fonte de pagamento das obrigações adquiridas por meio da emissão de títulos. é o patrimônio que emite os títulos, vende-os aos investidores e paga as obrigações ao final do contrato, além de devolver o remanescente aos originadores (pecuaristas).

Várias organizações participam diretamente da operação, entre elas:

o agente fiduciário: Fiducolombia S.A. que, como porta-voz do patrimônio autônomo, emite os valores, arrecada os recursos provenientes da emissão de títulos e se relaciona juridica-mente com os investidores;

o originador: é o pecuarista que transfere os novilhos e se compromete a alimentá-los e a cuidar do gado durante todo o processo. O pecuarista é, em outras palavras, encarregado da custódia dos ativos sob a supervisão técnica e operacional da Cebar Ltda. (organização en-carregada da gerência do negócio);

patrimônio autônomo: mecanismo de garantia e fonte de pagamento das obrigações adquiridas, contraídas com a emissão dos títulos; é constituído mediante um contrato de valores, “Fidúcia Mercantil e Conformado”, sujeito de direitos e obrigações, por meio do qual o pecuarista entrega o gado de corte e os direitos de pastagem para a formação de um “patrimônio autônomo”, com personalidade jurídica própria e totalmente separado do patrimônio dos pecuaristas que dele participam; a administração também é independente e a cargo de um fiduciário;

o estruturador: é a Banca de Investimentos da Bolsa Nacional Agropecuária, que é encarregado do desenho técnico, jurídico e financeiro do processo de titularização;

o colocador: é a corretora na Bolsa de Valores encarregada de oferecer no mercado de capitais os títulos emitidos;

o administrador da emissão: é o Depósito Central de Valores que se encarrega da custódia, registro e administração dos títulos;

a sociedade qualificadora de valores: é a entidade que faz o estudo de risco da emissão, com o objetivo de outorgar uma qualificação que sirva como referência para os investidores;

o investidor: é o agente que subscreve e adquire os títulos.

A grande diferença com os fundos fechados de investimento, ou com qualquer outro fundo, é que se compra um papel com 100% de segurança de cobrança. Em outras palavras, não se é dono de nenhum novilho específico, mas sim de um título que dá direito a reclamar o capital mais os juros ao término do processo.

Seleção (screening)

A firma operadora seleciona os pecuaristas e as áreas aptas para engordar o gado. Depois é feita a seleção do gado, que deverá ser apto para a engorda. Realiza-se o acompanhamento técnico dos

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Titularização de Gado de Corte: Bolsa Nacional Agropecuária da Colômbia ���

pecuaristas na definição de um plano de manejo nutricional e sanitário, e os animais que entram no processo são marcados com o ferro do patrimônio autônomo. A cada mês, 10% dos animais são pesados para verificar se estão engordando conforme o acordado. Finalmente, os novilhos são co-mercializados e é elaborado um informe de gestão sobre a evolução do gado para o fiduciário.

garantias/Enforcement

O pecuarista cede a propriedade, faz o processo de engorda, maneja tecnicamente o gado – com um ganho médio mínima de 550 gramas por dia –, submete a informação requerida, permite a visita de inspeção e acompanhamento e acata as recomendações de manejo. O gado é do patrimônio au-tônomo. Se o pecuarista descuidar da engorda, o gado é transferido para outra fazenda – a custo do pecuarista –, onde se termina a engorda do gado e se liquida a operação. O gado transferido para o patrimônio autônomo serve de garantia e, ao mesmo tempo, de enforcement, já que do sucesso da engorda depende também o lucro do pecuarista originador.

Alcance

Em dois anos desde o início do programa, foram injetados mais de 30 milhões de dólares nessas operações. O potencial deste instrumento é grande, e sua expansão dependerá de vários fatores, entre os quais se destacam: a seriedade e o sucesso das experiências pioneiras; a rentabilidade e a atratividade do negócio para as pessoas responsáveis pela organização e gestão do fundo; a rentabi-lidade oferecida vis-à-vis as alternativas para o poupador/investidor que adquire os títulos; e o marco regulatório em construção pari passu à difusão da experiência.

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���

12. ARRendAMento FInAnCeIRo (micRoLEAsing) dA ASSoCIAção nACIonALeCuMênICA de deSenvoLvIMento (Aned)�6

PAíS: Bolívia, 1997.

origem

A Associação Nacional Ecumênica de Desenvolvimento (Aned) foi fundada na Bolívia como uma ONG, em 13 de junho de 1978, sob o nome o Comité Nacional da Ecumenical Church Loan Fund (Eclof), uma organização registrada em Genebra, Suíça, em 1946, com o objetivo de prover crédito para famílias de baixa renda excluídas do sistema bancário, no meio urbano e rural. A Aned foi a primeira entidade na Bolívia a oferecer serviços financeiros especializados a esses segmentos marginalizados.

O programa de arrendamento financeiro (microleasing) da Aned surgiu em 1997, como projeto-piloto, com uma doação da Fundação Interamericana de Desenvolvimento (IAF) em resposta às demandas de muitos produtores rurais de financiamento para aquisição de máquinas e equipamentos que permitiriam elevação significativa da produtividade e renda. A Aned tentou satisfazer essa demanda por meio do cré-dito associativo; porém, o programa não obteve sucesso devido à inadimplência elevada.

A experiência demonstrou que os incentivos para o pagamento de somas mais altas eram mui-to débeis quando não havia uma garantia real envolvida. Por outro lado, os programas de crédito solidário oferecidos pela Aned tampouco podiam satisfazer a essa demanda, pois a maioria eram empréstimos de curto prazo e pequeno valor. O desafio era, então, desenvolver um produto finan-ceiro que facilitasse a aquisição de ativos fixos por produtores pobres e, ao mesmo tempo, contasse com garantias para assegurar o pagamento do empréstimo, em um contexto no qual a maioria das famílias tem pouca, ou nenhuma, garantia real para oferecer.

76. Este estudo de caso tem como referência e fonte básica o trabalho de Alvarado e Galarza (2002).

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina���

estrutura atual

A Aned é uma instituição privada sem fins lucrativos e, por sua natureza jurídica, não é su-pervisionada pela Superintendência de Bancos, o que a proíbe de captar recursos junto ao público em geral. Tal restrição, no entanto, não a impede de realizar operações de crédito. Atualmente, a Associação passa por uma fase de auto-regulação, ou supervisão privada, realizada pela Finrural (Associação de Instituições Financeiras para o Desenvolvimento Rural).

O produto financeiro do microleasing (contratos de arrendamento/venda), desenvolvido em 1997, foi relançado, a partir de 2004, no marco do Convênio de Financiamento e Cooperação Técnica com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), denominado “Projeto de Expansão de Arrenda-mento Financeiro (microleasing) Produtivo Rural”.

A operação de leasing envolve a própria Aned – como provedora de crédito –, a associação de produtores, as empresas de comercialização de máquinas e equipamentos e outras organizações que atuam na prestação de serviços de apoio, como as de extensão rural e as cooperativas de produtores.

Fonte de recursos

O programa tem operado com fundos da cooperação internacional, desde 2004, por meio do Con-vênio de Financiamento e Cooperação Técnica com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), denominado “Projeto de Expansão de Arrendamento Financeiro (microleasing) Produtivo Rural”.

Público-alvo

Os clientes típicos do programa de arrendamento financeiro da Aned são camponeses pobres, com baixo nível educacional e limitada experiência prévia no manejo dos equipamentos financiados. A análise do perfil dos clientes em carteira, em 1999, revela que 55% tinham até o nível funda-mental e somente 5% tinham completado o ensino médio. A análise revela ainda que o tempo de experiência no manejo de motobombas e de outros equipamentos simples variava entre 3 meses e 2 anos. Finalmente, os usuários de motobombas – que são os bens onde se concentram a maioria das operações – são camponeses que cultivam entre 0,2 e 2 hectares de hortaliças.

Linhas de financiamento

As modalidades de crédito tradicionais que a Aned oferece são: crédito associativo, dirigidas ao financiamento de capital de giro e de investimento, e linhas de crédito dirigidas ao financiamento de outros programas ou organizações creditícias. A linha de microleasing é dirigida ao financiamento de investimentos em máquinas e equipamentos para uso agropecuário77.

77. Dados atualizados até 31 de dezembro de 2006 revelam que a demanda de equipamentos para microleasing é concentra-da em fumigadoras, motosserras, aradores e geradores de energia.

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Arrendamento Financeiro (microleasing) da Associação Nacional Ecumênica de Desenvolvimento (Aned) ���

Condições de financiamento

Ao longo do tempo, a Aned estabeleceu relações com revendedoras dos equipamentos deman-dados para leasing pelos seus clientes que se mostraram muito importante para o êxito da operação de financiamento por meio de microleasing. As revendedoras assumiram o ônus do treinamento no uso do equipamento, reduzindo bastante os custos do programa e, possivelmente, melhorando a própria utilização do mesmo. Como a Aned compra produtos em maior quantidade, os preços que ela consegue são melhores do que os que qualquer produtor poderia obter individualmente; também permite uma melhor assistência técnica e manutenção dos equipamentos financiados a custos mais baixos, pois mantém peças de reposição em estoque.

O microleasing é uma operação de montantes pequenos. A Aned adquire um equipamento so-licitado por um cliente e o entrega para uso do produtor durante determinado tempo, em troca do pagamento de cotas periódicas. A propriedade, porém, é da Aned (veja o esquema abaixo). Ao tér-mino do prazo acordado, o cliente tem a opção de adquirir a propriedade do bem, caso pague a cota denominada valor de resgate, definido no momento da contratação do leasing.

O aspecto primordial do contrato, que viabilizou o acesso aos equipamentos e contornou a difi-culdade de garantias reais, é o fato de que a propriedade do bem é separada do seu uso econômico. Essa operação de leasing não requer nenhum tipo de garantia, pois o equipamento constitui, em si mesmo, a garantia da operação, e pode ser retomado a qualquer momento. A possibilidade de perder o uso do equipamento funciona ao mesmo tempo como incentivo para o cumprimento do contrato e também para reduzir o custo da eventual inadimplência.

FIguRA 6. FunCIonAMento do ARRendAMento FInAnCeIRo dA Aned

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina���

A forma dos contratos de arrendamento financeiro é muito importante; não é só possibilitar o uso durante o período do leasing, mas também facilitar a aquisição dos equipamentos, pois esse é o objeti-vo final do programa. Para isso, é preciso incluir incentivos, ao término dos contratos, a fim de que os usuários façam a opção de ficar com os equipamentos mediante o pagamento do valor de resgate.

O contrato contempla os seguintes pontos:

a) um primeiro pagamento, que oscila entre 15% e 25% do valor do equipamento e constitui um incentivo para o seu bom uso e manutenção;

b) prazo contratual não superior a 2/3 do valor econômico ou a vida útil do equipamento – incluindo a depreciação –, ou cinco anos, para evitar que os clientes se desanimem a adquirir maquinário ou equipamentos obsoletos/depreciados;

c) valor residual (ou última cota) que seja relativamente baixo, para incentivar os produtores a adquirir a propriedade dos equipamentos. Trata-se de assegurar que o valor do equipamento, descontado o equivalente à sua depreciação, seja maior do que o montante da cota residual.

Os montantes financiados sob esta modalidade vão desde US$ 500 até US$ 40 mil. O prazo deve ser de, no máximo, cinco anos; e o custo de 16% a 17% anuais em dólares. As cotas de pagamento são flexíveis e se estruturam em função do fluxo de caixa dos clientes. Além disso, o contrato estabelece facilidades para pagamentos antecipados. Como se pode ver no exposto até aqui, um elemento impor-tante presente nos contratos de arrendamento financeiro da Aned é o serviço personalizado.

Segundo dados atualizados até 31 de outubro de 1999, em 35,9% dos contratos, o prazo de paga-mento das operações de arrendamento financeiro foi estabelecido segundo um plano de pagamentos desenvolvido de acordo com as atividades do cliente. Até o tempo atual, a proporção de financiamentos com planos de pagamentos “à medida” permanece em 35%78. Além disso, poucas são as operações nas quais os pagamentos são feitos mensal ou bimensal: na maioria dos casos, os pagamentos são realizados duas ou três vezes ao ano. Essa estrutura de prazos requer que os funcionários encarregados pelo progra-ma realizem um manejo bastante cuidadoso da liquidez, para cobrir os custos operacionais mensais.

A flexibilidade dos prazos tem uma grande importância, tanto para o programa, quanto para os clientes: para a Aned, requer “cuidado” devido à compatibilidade entre despesas correntes e fluxos de receitas; para os clientes, alivia a pressão corrente, mas exige, também, “cuidado”, a fim de não se descuidar de fazer “caixa” para cobrir o pagamento no momento acertado.

garantias

Como o contrato inicial é de leasing, e não de financiamento para a aquisição, a garantia é o próprio equipamento. Embora sua exposição ao risco seja baixa, e o arrendamento financeiro ofereça vantagens sobre outros produtos da Aned – que não contam com garantias tão sólidas como a ma-nutenção da propriedade do equipamento –, os contratos de leasing não são protegidos por seguros – o que reduziria ainda mais a exposição da Aned ao risco. Como a própria Associação tem garantias

78. Entrevista com Isaac Jaime Oviedo Blades, chefe da Unidade de Leasing, em 16 de março de 2007.

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Arrendamento Financeiro (microleasing) da Associação Nacional Ecumênica de Desenvolvimento (Aned) ���

limitadas para oferecer ao adquirir o equipamento, e opera sem proteção de seguro, atrai poucos investidores e mantém a dependência de recursos da cooperação internacional para se expandir.

Seleção (screening)

Como o arrendamento financeiro é feito em campos onde a Aned possui bastante tempo de experiên-cia, a instituição já acumulou um conhecimento prévio que facilita o processo de seleção de clientes.

é comum encontrar produtores que demandam leasing e que já foram clientes da Aned em outros produtos. O conhecimento do setor e da clientela proporciona uma primeira base de informação para a seleção dos clientes que desejam adquirir maquinário ou equipamento pelo arrendamento financeiro.

Os requisitos para os demandantes desse produto incluem: não ter dívidas vencidas com a Asso-ciação e demonstrar ter de 6 meses a 2 anos de experiência na atividade em que pretendem utilizar o equipamento ou o maquinário.

No caso de equipamentos mais complexos, como tratores, é necessária a comprovação de, pelo menos, dois anos de experiência no manejo do equipamento. Isso é muito importante para mini-mizar as probabilidades de que o equipamento seja mal utilizado, dificultando o cumprimento dos pagamentos do arrendamento.

Enforcement

Como os equipamentos são geralmente novos e possuem garantia do fabricante, não há um maior acompanhamento do uso. é normal os revendedores oferecerem cursos de manejo e de manu-tenção aos clientes, e colocarem-se à disposição para esclarecimento de dúvidas surgidas durante a utilização. A consumação do contrato de arrendamento financeiro ocorre quando os clientes pagam a última parcela e exercem sua opção de compra.

No caso de não-cumprimento de alguma parcela, a Aned envia uma carta lembrando o atraso e adverte sobre as medidas que serão tomadas caso o atraso persista. Passados 15 dias, são cobradas as taxas de mora. Caso o atraso chegue a 60 dias, a Aned procede com a recuperação do equipamen-to, que poderá ser oferecido novamente a outro cliente ou vendido.

Alcance

Mesmo sendo um programa relativamente pequeno dentro da carteira da Associação, o arren-damento financeiro cresceu de maneira significativa e ganhou importância entre os programas de crédito da Instituição. Em 31 de dezembro de 1997, esta modalidade tinha apenas 143 clientes, e um saldo em carteira de aproximadamente US$ 126 mil – 2,2% da carteira da Aned. Até dezembro de 2006, a linha de microleasing havia financiado 490 operações de arrendamento de equipamentos no valor de US$ 703 mil, de uma carteira total de US$ 12 milhões (equivalentes a empréstimos), passando a representar 5,85% do total da carteira.

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina���

tABeLA 5. CARteIRA totAL dA Aned Até 31.12.2006

dePARtAMento MontAnte eM uS$

Santa Cruz 3.719.986,62

La Paz 3.538.937,68

Potosí 2.159.902,69

tarija 1.218.678,03

Beni 565.125,91

oruro 644.084,24

Sucre 169.157,26

total 12.015.872,43

Fonte: Aned.

A média dos contratos de microleasing, até dezembro de 2006, era de 1.435 dólares em âmbito nacional. Pode-se inferir que o maquinário financiado é destinado aos pequenos produtores rurais. é possível ainda observar que a média de contratos do departamento de Oruro foi de 369 dólares, e a média do departamento de Santa Cruz foi de 3.019 dólares, o que demonstra que os empréstimos para departamentos mais ricos eram, em média, maiores.

Com respeito à cobertura geográfica, em dezembro de 2006, a Aned estava presente em 8 dos 9 departamentos da Bolívia (La Paz, Beni, Oruro, Potosí, Tarija, Santa Cruz, Sucre e Cochabamba). A rede de agências contava com 12 regionais e 21 sucursais, o que permitia cobrir mais de 170 municí-pios da área rural. Porém, o arrendamento financeiro estava concentrado em 6 departamentos, sen-do La Paz e Santa Cruz os principais em termos de número de operações e de volume financiado.

tABeLA 6. núMeRo de oPeRAçõeS e MontAnte FInAnCIAdo PoR dePARtAMento SoB A ModALIdAde de LEAsing Até 31.12.2006

dePARtAMento n° de oPeRAçõeS MontAnte FInAnCIAdo

Beni 4 7.814,99

La Paz 256 193.003,02

oruro 4 1.477,51

Potosi 15 12.284,81

Santa Cruz 148 446.816,76

tarija 63 41.645,71

total 490 703.042,79

Fonte: Aned

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Arrendamento Financeiro (microleasing) da Associação Nacional Ecumênica de Desenvolvimento (Aned) ���

Sustentabilidade

Embora não estejam disponíveis informações sobre o retorno financeiro do programa, sabe-se que a taxa de juros de mercado, até 1998, era de 15,6%, e a taxa de juros cobrada nas operações de leasing era de 17%79. Esse pequeno spread indica a possibilidade de obtenção de lucros líquidos para a Aned; mais importante é a constatação de que, mesmo operando com taxas superiores à do mer-cado, o negócio apresentava resultados positivos também para os produtores, tal como se depreende da expansão da demanda e da reduzida inadimplência.

A taxa de inadimplência do programa foi nula até dezembro de 1998 e, em outubro de 1999, era inferior a 8% para os atrasos a partir de cinco dias. Porém, dados atualizados até 2006 indicam que a inadimplência subiu a 15%, na seara nacional, devido às fortes inundações ocorridas no departamento de Santa Cruz, o mais rico do país e o de maior volume financiado com o programa de microleasing.

O programa enfrenta desafios que devem ser abordados para permitir sua popularização. O primeiro desafio se refere ao próprio financiamento, que opera com fundos da cooperação internacional, limitados em relação ao requerido para a aquisição de ativos fixos. Os recursos outorgados pelo programa do BID, de US$ 400 mil (complementados pela Aned com mais US$ 200 mil), já foram utilizados na íntegra, e a organização tem procurado se financiar e expandir suas atividades80 com recursos de outras instituições européias, como ETHOS e Ecocredit. Além disso, é muito importante que os recursos obtidos tenham relação com os prazos das operações; quer dizer, devem ser recursos de médio ou longo prazo e com juros que permitam realizar operações com taxas moderadas, como tem sido até o momento.

Os financiamentos oferecidos no mercado financeiro privado, ou são muito caros, ou exigem garantias hipotecárias além da capacidade dos pequenos produtores. Com relação às garantias, a Aned está avaliando a possibilidade de que a mesma carteira possa servir como garantia por meio de mecanismos como a titularização dos contratos, dado que o título de propriedade dos bens está nas mãos da própria Aned81.

A falta de um mercado de seguros afeta a exposição ao risco do programa em tela e repercute tanto nas decisões dos agricultores de fazer o leasing, quanto no custo da operação. Atualmente, a instituição mantém segurados apenas alguns equipamentos cuja operação tem grande risco, como é o caso de caminhões que trabalham em áreas isoladas. No entanto, na maior parte dos casos, o equipamento financiado não está segurado.

Evidentemente, as dificuldades para impulsionar um mercado de seguros para os equipamentos financiados com operações de arrendamento financeiro são muito grandes e vão além das possibili-dades da Aned. Até dezembro de 2006, a ausência de um mercado de seguros continuava sendo um obstáculo para a popularização desta modalidade de financiamento.

79. Em 2007, a taxa de mercado ativa é de 18% em USD.

80. Entrevista com Isaac Jaime Oviedo Blades, chefe da Unidade de Leasing, em 16 de março de 2007.

81. Esta possibilidade ainda não se materializou, mas está sendo considerada, conforme informações colhidas na entrevista com Isaac Jaime Oviedo Blades, chefe da Unidade de Leasing, em 16 de março de 2007.

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QuAdRo 11. SeguRo RuRAL nA BoLívIA

A oferta de seguros de ramos gerais para atender às necessidades dos clientes das insti-tuições de microfinanças é praticamente inexistente na Bolívia. Basicamente, o único produto que se comercializa é o seguro contra incêndio, como garantia dos créditos outorgados, por meio de apólices sub-rogadas às entidades financeiras, outorgando as coberturas de incêndio, raio e explosão, em que a soma segurada corresponde ao valor do mercado de bens. Neste contexto, a Aned tem limitações para segurar os equipamentos financiados sob a modalidade microleasing, tomando em conta sua cobertura rural e as apólices oferecidas pelas compa-nhias de seguro.

Fonte: Entrevista com Isaac Jaime Oviedo Blades, chefe da Unidade de Leasing, em 16 de março de 2007.

Um dos requisitos que a Aned pede aos solicitantes do programa de leasing é a comprovação de experiência no uso do equipamento que será financiado. Isso é compreensível, posto que, com este requisito, minimizam-se os riscos que poderia gerar o uso inadequado do maquinário. No entanto, à medida que o programa cresça, é evidente que será mais difícil encontrar clientes potenciais com essas características e, talvez, quem mais necessite utilizar ativos fixos sejam exatamente pessoas que nunca operaram tais equipamentos. Por isso, um ponto que a popularização deste programa deve abordar é o de como capacitar esses usuários sem que isso signifique elevar muito os custos de operação ou a taxa de juros.

Existe um limbo legal82 no qual se desenvolvem as ações do programa de arrendamento financeiro da Aned. A lei de bancos não parece clara, pois estabelece que as empresas de arrendamento finan-ceiro, nas quais haja participação patrimonial de empresas financeiras, estão sujeitas à regulação da Superintendência de Bancos. Como não há participação de empresa financeira no patrimônio da Aned, as operações do programa de leasing não requerem tal supervisão83. Ainda assim, alguns inter-pretam que apenas as instituições financeiras regulamentadas estão autorizadas a realizar operações de leasing. Essa incerteza afeta a expansão do programa de arrendamento financeiro da Aned, cuja viabilidade no futuro exigirá uma definição mais clara no âmbito legal. Da sua parte, a Associação aspira constituir uma instituição especializada em operações de arrendamento financeiro, separada do resto dos programas e dos produtos financeiros que oferece.

O programa de arrendamento financeiro também enfrenta o desafio de profissionalizar seu qua-dro de pessoal para que seja mais eficiente na orientação de usuários e na busca do equipamento mais adequado à realidade econômica e produtiva dos produtores. Os clientes muitas vezes não têm uma idéia clara dos equipamentos mais adequados às suas necessidades e muito menos da oferta

82. Os programas de arrendamento financeiro na Bolívia funcionam graças a um decreto supremo, pois existe apenas um projeto de lei que está parado no Congresso para regulamentar esse tipo de atividade (entrevista com Isaac Jaime Oviedo Blades, chefe da Unidade de Leasing, em 16 de março de 2007).

83. A Aned vendeu sua participação patrimonial na EcoFutura, uma FFP boliviana, em 2004. Fonte: entrevista com Isaac Jaime Oviedo Blades, chefe da Unidade de Leasing, em 16 de março de 2007.

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Arrendamento Financeiro (microleasing) da Associação Nacional Ecumênica de Desenvolvimento (Aned) ���

existente no mercado. Os analistas, se melhor capacitados, poderiam desempenhar um papel posi-tivo na orientação dos usuários.

Por fim, um fator que está fora do alcance da Aned é o aspecto tributário. As operações de arrendamento financeiro estão sujeitas a três impostos: o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de 13% do valor de compra; o Imposto sobre Transações Financeiras (IT), de 3% dos juros cobrados; e o imposto Municipal sobre as Transferências (IMT), de 1% sobre o valor residual (valor de opção de compra) do maquinário84. Tudo isso cria um custo de aproximadamente dois pontos porcentuais na taxa de juros cobrada pela Aned nessas operações. Para reduzir esses custos, dever-se-ia trabalhar a opinião pública ou lobby para que as autoridades alterem a carga tributária. Porém essa é uma tarefa que ainda não foi iniciada.

O financiamento do programa é um aspecto crucial, tanto do ponto de vista do alcance junto ao público, como para a formação de uma empresa especializada em operações de arrendamento finan-ceiro de baixo valor que atende à demanda de sua clientela. Como não é fácil para os agricultores conseguir financiamento para maquinário, também não tem sido fácil para a Aned obter financia-mento para expandir um programa com as características do leasing financeiro.

Apesar de os recursos oferecidos no mercado financeiro serem mais abundantes, instituições como a Aned têm dificuldades para acessá-los devido às exigências destes mercados. Dessa forma, a popularização do programa requer um grande trabalho de promoção do produto, não apenas entre produtores e revendedores de insumos, mas também entre possíveis financiadores. Isso obriga a realização de um esforço para mostrar o impacto do programa entre os produtores e para alcançar resultados financeiros positivos e manter boas perspectivas para o futuro. O esforço deve começar com o trabalho de produzir informação financeira que mostre, de modo claro e contundente, a ren-tabilidade e a sustentabilidade do programa.

Com a popularização do programa, abre-se a possibilidade de incorporar produtores sem expe-riência na utilização dos equipamentos, um problema que pode ser abordado por convênios com as revendedoras ou por intermédio de projetos específicos de capacitação, de maneira tal que nem os custos do programa nem a taxa de juros cobrada sejam significativamente afetados.

84. Valores atualizados até março de 2007.

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13. FActoRAjE ELEctRónico – nAcionAL FinAnciERA (nAFIn)85

PAíS: méxiCo, 2000.

origem

A Nacional Financeira (Nafin) foi criada pelo Governo mexicano, em 1934, como banco de desenvolvimento estatal para atuar no fomento das atividades comerciais. Em 2000, a Nafin foi reestruturada, e o foco passou a ser o fomento de micro e pequenas empresas (MPEs) que corres-pondem a aproximadamente 99% das empresas formais registradas no País. A Nafin deixou de ser uma financeira stricto sensu; para tanto, utiliza-se de instrumentos financeiros e de treinamento e assistência técnica.

estrutura atual

Desde o ano 2000, a Nafin opera uma plataforma eletrônica de “factoring reverso”, inserida no programa “Cadenas Productivas”, cujo objetivo é facilitar capital de giro para pequenos fornecedores.

O programa visa a fortalecer os vínculos entre pequenos fornecedores e grandes compradores; firmas que, em sua maioria, têm acesso a linhas de crédito bancárias disponíveis no País. Já os for-necedores são geralmente micro e pequenas empresas que têm dificuldade para obter financiamento no sistema bancário formal devido à insuficiência de garantias, à pequena magnitude das operações e aos custos elevados de transação.

85. Este estudo de caso tem como referência e fonte básica o trabalho The World Bank (2005).

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina���

A Nafin, como um serviço adicional, disponibiliza contratos de financiamento de até 50% dos pedidos confirmados por grandes compradores aos fornecedores cadastrados. Como a Nafin não requer avalista, não cobra taxas e disponibiliza financiamentos a taxas de juros fixas. Esse serviço permite às MPEs obter acesso à capital de giro suficiente para atender suas demandas.

Fonte de recursos

Orçamento federal.

Público-alvo

O público-alvo do programa de factoring reverso da Nafin são as micro e pequenas empresas inseridas em arranjos produtivos como fornecedoras de insumos e serviços a empresas maiores.

Linhas de financiamento

Custeio.

Condições de financiamento

A Nafin não cobra comissões da micro e pequena empresa e oferece taxas de juros pré-fixadas. O programa está aberto à participação dos bancos em geral, que competem pelos créditos que os fornecedores têm a receber. As empresas têm, portanto, a opção de escolher a instituição com a qual prefere trabalhar e que oferece as melhores condições. O factoring também reduz os custos de tran-sação associados com o gerenciamento do empréstimo para pequenos fornecedores. Normalmente, as microempresas e as pequenas empresas (MPEs) rurais gastam demasiado tempo e dinheiro para ir até seus clientes na cidade apresentar contas, receber pagamentos e pagar fornecedores. Utilizando o factoring dos seus créditos, a empresa diminui seus custos de cobrança por meio da terceirização do gerenciamento dos seus recebimentos.

garantias

O programa de factoring reverso permite aos pequenos fornecedores vender a crédito para os grandes compradores e usar esses mesmos créditos como lastro para financiar seu capital de giro.

A operação é bastante simples: a grande empresa emite um título de crédito para o pequeno for-necedor que, por sua vez, usa o factoring reverso para descontar o título de imediato em condições mais favoráveis do que obteria caso decidisse tomar um crédito direto junto aos bancos. No caso do factoring reverso, a operação está lastreada em título emitido por grande empresa que já opera com o banco e, por isso, oferece, em tese, risco menor.

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Factoraje Electrónico – Nacional Financiera (Nafin) ���

Seleção (screening)

No factoring reverso, o risco de crédito é igual ao risco de default dos grandes compradores, e não ao risco da MPE. Para reduzir os custos e acelerar as o processo, as transações de factoring da Nafin são executadas por uma plataforma eletrônica que provê serviços de factoring on-line. Essa plataforma eletrônica também promove a competição entre os bancos para atuarem como factor das contas a receber das empresas fornecedoras.

Enforcement

Em mercados emergentes, o factoring não tem tido um desenvolvimento significativo devido à deficiência de informação; à ocorrência de fraudes, como créditos fantasmas, consumidores ine-xistentes, etc.; à falta de regulamentação; à concorrência de emprestadores informais e dificuldade de enforcement; e à execução das garantias. Para transpassar esses obstáculos, a Nafin utiliza o factoring reverso. Neste tipo de factoring, o agente financeiro adquire as contas a receber apenas de compradores que já têm reputação no mercado e com bom histórico financeiro. Assim, a instituição financeira só precisa colher informações creditícias e calcular o risco de crédito de grandes firmas, geralmente mais transparentes, evitando o risco desconhecido de emprestar às MPEs.

QuAdRo 12. AgenteS Que PARtICIPAM dA oPeRAção de FActoRing ReveRSo

Grande comprador. Os benefícios para o grande comprador consistem no gerenciamento dos seus pagamentos pela instituição financeira, podendo também desenvolver uma relação mais sólida com os seus fornecedores. Além disso, os compradores diminuem seus custos administrativos e de processamento por terceirizarem seus departamentos de pagamento (por exemplo, o comprador passa um cheque para o banco em vez de passar para vários fornecedores). Disponibilizando ao fornecedor financiamento de capital de giro, os compradores podem melhorar a sua reputação e a relação com seus fornecedores, ao mesmo tempo em que reduzem seus próprios custos de tomada de empréstimos pela negociação dos prazos de pagamento com os fornecedores.

Instituições financeiras. O factoring reverso, diferentemente do factoring normal, requer que os agentes financeiros encontrem informações creditícias de apenas uma ou duas grandes firmas, o que permite ao financiador diminuir seus custos de informação e o risco de crédito. Os financiadores podem ainda desenvolver uma nova relação com as MPEs, construir um histórico de crédito dessas firmas e vender outros produtos. Além disso, as instituições financeiras podem diversificar seus portfólios entre as indústrias e aumentar seus financiamentos sem, no entanto, aumentar seus riscos.

Pequeno fornecedor. O programa provê aos pequenos fornecedores liquidez instantânea ao viabilizar o desconto imediato dos créditos gerados pelas vendas a prazo. Transferindo o ris-co de empréstimo para o comprador, a Nafin pode oferecer factoring hipotecado para as MPEs independente do histórico creditício dessas empresas. Além do mais, a Nafin não cobra taxas (para o vendedor) e oferece taxa de juros pré-fixada.

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Alcance

A Nafin vem obtendo sucesso na provisão de serviços financeiros para MPEs mexicanas. Em meados de 2004, o “Cadenas Productivas” operava com 190 grandes compradores (quase 45% do setor privado) e mais de 70 mil microempresas e pequenas empresas (de um total de 150 mil forne-cedores participantes). Cerca de 20 instituições financeiras domésticas, incluindo bancos e financei-ras independentes, participam do programa. A Nafin já realizou mais de um milhão e duzentas mil transações – 98% de MPEs – uma média de 4 mil operações por dia.

A penetração da Nafin no meio rural ainda é pequena, e tem potencial para crescer em segmen-tos e em cadeias produtivas que envolvem uma ou duas grandes empresas articuladas a um grande número de pequenos produtores. é o caso da produção de aves, suínos e fumo no Brasil.

Sustentabilidade

O factoring é um instrumento útil para o financiamento de micro e de pequenas empresas inse-ridas em cadeias produtivas como fornecedores de grandes compradores e empresas. No entanto, programas de factoring de sucesso requerem apoio governamental para o estabelecimento de um ambiente legal e regulatório que permita a comercialização eletrônica segura de créditos a receber.

Este programa de factoring é usado como modelo no México para a automação de outras agên-cias governamentais e prestadores de serviços. O sucesso do programa depende do suporte legal e regulatório oferecido pela Lei de Assinatura Eletrônica e Segurança, que deveria servir de modelo para outros países em desenvolvimento.

O modelo adotado no México tem potencial para revigorar e dar novo enfoque a um banco de desenvolvimento estatal. O programa tem mostrado que, além de financiamentos, um banco de desenvolvimento deve prover treinamento e informação. Imprescindível, pois, é o apoio governa-mental para estabelecer um ambiente legal e regulatório que permita a comercialização segura e eletrônica dos créditos.

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Factoraje Electrónico – Nacional Financiera (Nafin) ���

QuAdRo 13. coRpoRAción dE FomEnto dE LA pRoducción (CoRFo) – oPeRAçõeS de LEAsing e FActoRing PARA eMPReendIMentoS AgRíCoLAS MAIoReS

A Corporación de Fomento de la Producción (Corfo), organismo estatal chileno, criado em 1939, com o objetivo de fomentar a atividade produtiva nacional por meio de créditos orien-tados para financiamento de longo prazo para investimentos em bens de capital, máquinas e ferramentas, oferece, desde 1997, opções de leasing e factoring para todos os setores produti-vos da economia chilena, incluindo a agricultura.

programas de lEasing

Crédito Corfo Investimento: dirigido a empresas chilenas que desenvolvem atividades produti-vas (agricultura, pecuária, silvicultura, pesca) com vendas anuais de até US$ 30 milhões. O crédi-to Corfo é um crédito ou leasing de até US$ 5 milhões, incluindo um máximo de 30% para capital de giro, com prazos de pagamento de 3 a 10 anos e períodos de carência de até 24 meses.

Leasing Pyme: financia o arrendamento com opção de compra de equipamentos, maquinário e bens de capital novos para empresa privadas, pessoas jurídicas ou físicas, legalmente esta-belecidas no Chile, com vendas de até US$ 10 milhões/ano. é um financiamento de até 100% do valor dos bens e serviços elegíveis, cujo valor de compra não exceda 25 mil unidades de fomento (UF 25 mil) – excluído o IVA. é outorgado em dólares ou em unidades de fomento. Tem taxa de juros fixa e prazos de pagamento de 2 a 6 anos. O financiamento, na forma de operação de leasing, é outorgado pelos bancos comercias, com recursos da Corfo.

financiamento de capital de trabalho via faCtoring

é um financiamento de custeio para empresas que a Corfo canaliza por meio de empresas de factoring para que estas comprem os documentos, faturas ou títulos de crédito emitidos por pequenas e médias empresas, correspondentes a suas vendas (contas a cobrar). A empresa de factoring adquire esses documentos pagando adiantada uma parte do valor, quantia com a qual as PMEs obtêm recursos para capital de giro.

O público-alvo são pequenas e médias empresas (pessoas jurídicas ou físicas com giro comer-cial) emissoras dos documentos “factorizáveis”, com vendas de até UF 100 mil/ano – excluído o imposto ao valor agregado (IVA). O valor máximo de vendas anuais se amplia para US$ 10 milhões, no caso das empresas exportadoras que usam a modalidade de factoring internacional.

O objetivo é facilitar o acesso a capital de trabalho de pequenas e médias empresas que obtêm liquidez por meio da venda ou cessão de créditos a empresas de factoring. Para tanto, a Corfo financia exclusivamente as empresas de factoring, bancárias e não-bancárias, em deter-minadas condições de taxa de juros, para que realizem operações de redesconto de títulos das PMEs. A pequena ou média empresa deve contatar diretamente as empresas de factoring que têm convênio com a Corfo para operar esta linha de financiamento.

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14. PRogRAMA nACIonAL de CRédIto FundIáRIo

PAíS: Brasil, 1997.

origem

O Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), que teve origem no Programa Cédula da Terra (PCT), também conhecido como “reforma agrária pelo mercado”, foi lançado em 1997 e implementado, como piloto, em cinco estados brasileiros (Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco e Minas Gerais) no início de 2003. O principal produto do programa é uma linha de crédito fundi-ário para a aquisição de terras por agricultores pobres, com pouca ou nenhuma disponibilidade de terra. Durante a fase piloto, o PCT foi executado pelos próprios estados participantes, sob coorde-nação e orientação técnico-metodológica do Banco Mundial e do Ministério de Desenvolvimento Agrário, por intermédio de uma unidade de gestão autônoma, o Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento (Nead).

Algumas motivações levaram ao lançamento do PCT: uma delas foi oferecer um mecanismo adicional de arrecadação e promoção de acesso dos pobres à terra que evitasse os custos econô-micos, políticos e sociais das desapropriações; outra, oferecer e testar uma concepção alternativa de acesso à terra, na qual o Governo, em vez de desapropriar judicialmente grandes proprietários e depois distribuir a terra, financia a aquisição de terras por parte de famílias pobres rurais orga-nizadas em associações.

estrutura atual

Em 2003, o Programa Cédula da Terra foi transformado no Programa Nacional de Crédito Fundi-ário (PNCF) e estendido para 13 estados da Federação (incluindo os cinco já citados). O programa é executado pelo Governo Federal, por intermédio do Ministério de Desenvolvimento Agrário, com

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a participação de bancos públicos (Banco do Nordeste e Banco do Brasil), dos governos estaduais e das organizações de representação dos trabalhadores rurais, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

O PNCF apresenta uma estrutura descentralizada, em que o Governo Federal, os governos es-taduais e municipais e as organizações civis têm participação na execução e controle. A descentra-lização tem como objetivo promover a integração de diversas ações complementares que são, ou deveriam ser, implementadas no âmbito local para que o próprio programa maximize seus impactos. O crédito para aquisição de terras por parte de uma associação local deve se configurar como um be-nefício a ser complementado por outros programas, como os vinculados à infra-estrutura, educação, saúde, saneamento e combate à pobreza.

Cabe aos governos estaduais prover apoio técnico aos projetos do PNCF, o que inclui as etapas de formulação e implantação. Os governos estaduais devem elaborar e aprovar planos estaduais de implementação do programa, definindo objetivos, metas, público-alvo, regiões prioritárias e estra-tégias. A execução desses planos deve ser realizada por equipes técnicas mantidas pelos governos estaduais, as quais são também responsáveis por avaliar propostas de financiamento, aprová-las em instância final, bem como monitorar os projetos.

Os governos municipais assumem a responsabilidade de criar as condições de funcionamento dos conselhos de desenvolvimento rural, que devem participar nas decisões relativas ao encami-nhamento de propostas e monitoramento de projetos beneficiados. Cabe também aos governos municipais integrar as ações complementares que, em sua maioria, são de sua responsabilidade. Os conselhos devem ser compostos por representantes do governo local e por uma maioria represen-tativa das organizações da sociedade civil, particularmente as associações comunitárias rurais. Essa formação deve ser tal que garanta a participação das comunidades e o controle social dos projetos aprovados sob sua égide.

As associações de agricultores são as beneficiárias diretas dos recursos, sendo de sua res-ponsabilidade a administração do uso dos recursos e o arranjo associativo necessário para o pagamento do empréstimo. Elas possuem autonomia para decidir aspectos cruciais do programa: seleção dos beneficiários (associados); escolha e negociação da terra a ser comprada; elaboração de proposta de financiamento; identificação de investimentos comunitários a serem realizados; escolha dos prestadores de assistência técnica; e definição das formas de organização da associa-ção e da produção.

Fonte de recursos

Os recursos iniciais do programa (fase-piloto do Programa Cédula da Terra) totalizaram US$ 150 milhões, dos quais US$ 45 milhões oriundos de recursos do Governo Federal, destinados à aquisição de terras; US$ 90 milhões provenientes de empréstimo do Banco Mundial; US$ 6 milhões aportados pelos governos estaduais participantes; e US$ 9 milhões correspondentes à contrapartida das comunidades, principalmente sob a forma de força de trabalho. Na 2ª fase, que

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Programa Nacional de Crédito Fundiário ���

teve início em 2003, estavam previstos US$ 230 milhões para 4 anos, repartidos de igual maneira entre os parceiros.

Esses recursos compõem o Fundo de Terras e da Reforma Agrária, fundo especial de natureza contábil, criado em 1998, com objetivo de financiar o PNCF e o Programa de Desenvolvimento e Integração de Assentamentos Rurais.

Público-alvo

O público-alvo do programa são os trabalhadores rurais sem-terra e produtores rurais com terra insuficiente para assegurar sua sustentabilidade ou subsistência (assalariados, parceiros, posseiros e arrendatários). Existem limites máximos de renda e patrimônio familiar para a inscrição no progra-ma, conforme descrito nas linhas de financiamento abaixo. Tais limites são baixos o suficiente para incluir como beneficiários apenas os trabalhadores rurais pobres.

O financiamento poderá ser concedido aos trabalhadores, as suas associações, cooperativas ou a outras formas de organização. Na prática, o programa financia a aquisição de terras por meio de associações, cooperativas e outras formas de organização; o empréstimo é concedido à organização, não a indivíduos.

Linhas de financiamento

Os empréstimos destinam-se basicamente a duas finalidades: (1) aquisição de terras (subprojeto de aquisição de terras – SAT); e (2) realização de investimentos comunitários (subprojeto de inves-timentos comunitários – SIC).

Esta linha de investimento comunitário inclui o financiamento de construção ou reforma de residência; instalação de abastecimento de água para consumo humano e animal; rede de eletri-ficação; abertura ou recuperação de acessos internos; construção ou reforma de cercas; investi-mentos na implantação inicial da atividade rural a ser explorada na propriedade adquirida. Uma parcela do SIC pode ser usada para financiar a manutenção da família durante os primeiros seis meses do projeto; também é possível destinar até R$ 720,00 (setecentos e vinte reais) para a con-tratação de assistência técnica para a implantação e o acompanhamento da execução do projeto de financiamento.

Cada projeto aprovado é composto pelos dois subprojetos já mencionados: o financiamento para aquisição de terras (subprojeto de aquisição de terras – SAT) e os investimentos comunitários (subprojeto de investimentos coletivos – SIC). O programa não fixa um valor máximo por hectare a ser emprestado para a compra da terra. Entretanto, é fixado um valor máximo de empréstimo a ser concedido por beneficiário. Esse teto será composto pela soma de recursos para o SAT e o SIC. Portanto, os beneficiários podem alocar os recursos entre aquisição de terra e investimentos comu-nitários. Isso introduz um mecanismo de incentivos interessante para evitar a aquisição de terras sobrevalorizadas e estimular a boa negociação por parte dos compradores.

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Os imóveis são escolhidos pelos próprios beneficiários, mas devem obedecer alguns requisitos mínimos:

não sejam passíveis de desapropriação, isto é, com área inferior a 15 módulos fiscais, ou com área superior a 15 módulos, mas considerados produtivos;

sejam imóveis cujos proprietários possuam título legal e legítimo de propriedade e de posse e sobre os quais não incidam gravames que possam impedir sua transferência legal;

não se situem em reservas indígenas ou em áreas protegidas por legislação ambiental ou não confinem com as referidas áreas;

tenham preços condizentes com os de mercado e apresentem condições que permitam o seu uso sustentável.

Existem três linhas de financiamento que se diferenciam segundo as características do público a ser atendido:

Combate à Pobreza Rural – CPR. Essa linha destina-se a trabalhadores e regiões mais pobres. O público-alvo é composto por agricultores com renda familiar anual máxima de R$ 5.800,00 e patrimônio familiar máximo de R$ 10 mil. Os subsídios dessa linha são os mais generosos do programa: do total financiado, somente o valor correspondente à aquisição do imóvel e aos custos de cartório, medição, topografia, demarcação de áreas de reserva legal e preservação permanente, parcelamento da área e o ITBI são reembolsáveis. O valor corres-pondente aos itens de infra-estrutura básica e produtiva, financiada de forma coletiva, até o limite de R$ 9 mil por família beneficiária, não é reembolsável, ou seja, é a fundo perdido. Somente grupos que estejam legalmente constituídos na forma de associações, cooperativas ou condomínios podem ter acesso aos recursos dessa linha. Há restrição de atendimento a algumas regiões do País. A linha está disponível apenas para atender as regiões Nordeste, Sul e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

Consolidação da Agricultura Familiar (CAF). Dentro da linha CAF, o beneficiário deverá apresentar renda familiar anual máxima de R$ 15 mil e patrimônio familiar máximo de R$ 30 mil. Ao contrário da linha CPR, grupos informais ou produtores individualmente podem ter acesso aos recursos. Por outro lado, por se tratar de um público menos pobre, todo o valor financiado é reembolsável. Em termos regionais, essa linha é mais abrangente que a CPR: está disponível em 21 estados, alcançando todas as regiões do País.

Nossa Primeira Terra – NPT. Destina-se aos filhos de agricultores familiares ou trabalhadores de 18 a 24 anos, bem como a estudantes de escolas agrotécnicas e escolas Família Agrícola. Para aqueles organizados em grupos, são aceitos até 30% dos membros com idade superior a 28 anos. O objetivo é beneficiar os filhos de pequenos produtores familiares, cujas terras não são mais suficientes para sustentar todos os filhos adultos e suas respectivas famílias; e jovens com capacitação técnica, mas sem terra. O beneficiário pode enquadrar-se às linhas CPR ou CAF, respeitando as características, limites de renda e patrimônio fixados para cada uma. Para efeito de enquadramento, é aceita a renda e o patrimônio do pai ou do próprio jovem.

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Programa Nacional de Crédito Fundiário ���

Condições de financiamento

O financiamento global está sujeito a um teto que, em 2007, era de R$ 40 mil por família parti-cipante da associação beneficiária. A aprovação da proposta de financiamento está condicionada à apresentação de um projeto técnico que demonstre a necessidade dos investimentos a serem finan-ciados, bem como a viabilidade técnica, ambiental e econômica da(s) atividade(s) agropecuária(s) a ser(em) explorada(s). Dessa forma, uma associação de 10 famílias poderia obter um financiamento de, no máximo, R$ 400 mil. Esse montante inclui os subprojetos para aquisição da terra (SAT) e para investimentos comunitários (SIC).

Na primeira versão do programa, os recursos alocados para aquisição de terras (SAT) deveriam ser pagos integralmente, enquanto o montante destinado ao SIC deveria ser pago apenas parcial-mente (até 50% poderia ser não-reembolsável). Tratava-se de um estímulo adicional para o início das atividades produtivas e de um mecanismo de incentivar uma boa negociação na compra da terra. Esse mecanismo foi construído para estimular os beneficiários a buscar o melhor preço da terra e a economizar na aquisição da terra. De fato, como a diferença entre o valor do SAT e o valor máximo financiável poderia ser utilizada como SIC, quanto menor o SAT, maior seria o montante de recursos não-reembolsáveis recebidos na forma de SIC. Uma forma de reduzir o SAT e aumentar o SIC, dentro do valor máximo financiável, é reduzir o preço pago por hectare de terra. Portanto, havia um incen-tivo para economizar na compra da terra. Entretanto, há um trade-off, pois não se pode escolher terras de valor muito baixo e de má qualidade para aumentar a parcela de recursos recebidos como doação, sob pena de não ter uma base adequada (terra de boa qualidade) para a geração do fluxo de renda necessário para pagar o empréstimo. Eles devem, então, encontrar a melhor posição entre preço da terra e qualidade.

Em 2005, esse mecanismo foi alterado, pois ambos, SIC e SAT, passaram a estar sob as mesmas condições de pagamento, conforme descrito a seguir:

juros. São estabelecidas taxas de juros diferenciadas de acordo com o montante total finan-ciado por domicílio: até R$ 5 mil, 3%; de R$ 5 mil a R$ 15 mil, 4%; de R$ 15 mil a R$ 25 mil, 5,5%; de R$ 25 mil a R$ 40 mil, 6,5%;

bônus de adimplência. Para adimplentes, é concedido um bônus, sobre o principal e sobre os juros, que varia de 15 a 40%, de acordo com a região. Essa gratificação está condicionada ao cumprimento do previsto no projeto. Um bônus adicional, que varia de 5% a 10%, é con-cedido para os agricultores que comprarem a terra com mais de 10% de desconto em relação a seu preço de referência, conforme o Monitoramento do Mercado de Terras – Seab/Deral/MDA. Esse é o novo estímulo à redução do preço da terra.

Os prazos de financiamento são longos e compatíveis com a natureza do financiamento:

financiamentos até R$ �� mil: 14 anos (incluída a carência); carência de 24 meses; paga-mento, no terceiro ano, dos juros dos primeiros 12 meses;

financiamentos superiores a R$ �� mil: prazo de 17 anos (incluída a carência); carência de 24 meses; pagamento, no terceiro ano, de uma parcela integral (juros e principal).

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina���

Os beneficiários poderão antecipar o pagamento das parcelas somente após o oitavo ano da liberação do financiamento. Na antecipação das parcelas restantes, incidirão descontos de até 9% a.a. (nove por cento ao ano) sobre a parcela, cálculo pró-rata pelo período de antecipação do pagamento.

garantias

Há garantia sob a forma legal de hipoteca ou alienação fiduciária do imóvel financiado para os financiamentos individuais e para os grupos informais. Para os grupos formais, além das citadas garantias, a garantia fidejussória também é exigida. Em outras palavras, a propriedade adquirida com o financiamento do programa funciona como garantia para o empréstimo. A propriedade da terra comprada não é transferida em caráter definitivo para a associação de produtores, e as escrituras individuais, ou em nome da própria associação, só poderão ser concedidas quando o empréstimo estiver quitado. O risco de perder a propriedade – ou de que ela não seja escriturada em termos de-finitivos para os beneficiários – induz o pagamento do empréstimo. Para os grupos formais, além da propriedade, todos os beneficiários entram como avalistas individuais e solidários dos demais, de tal maneira que se um não quitar sua dívida, todos podem ser prejudicados.

Nos casos de desistência, o beneficiário poderá ser substituído por outro, desde que preencha os requisitos do programa e apresente anuência do conselho municipal e das unidades técnicas regionais e estaduais.

Seleção (screening)

O PNCF determina critérios mínimos de entrada, baixa renda e baixo patrimônio, conforme estabelecidos nas linhas de financiamento já descritas. Uma vez comprovada a obediência a esses critérios, o processo de seleção dos beneficiários é o de auto-seleção entre os pares para formar a associação e o de auto-seleção pelo próprio programa. Tanto a decisão de aderir ao programa (não ao da reforma agrária constitucional), como a identificação dos membros que compõem o grupo, é de inteira responsabilidade dos próprios beneficiários. Supõe-se que a auto-seleção acarreta melhor escolha dos beneficiários e que reduziria o oportunismo ex ante, ou seja, a seleção adversa.

O projeto técnico e a relação dos beneficiários auto-selecionados devem ser encaminhados para a apreciação da instituição estadual responsável pelo programa e pelo Conselho Estadual de De-senvolvimento Rural, integrado por representantes do setor público e do privado e de entidades de representação dos trabalhadores rurais. A instituição estadual e o conselho examinam a validade dos documentos pessoais, os parâmetros para aquisição da terra e a consistência do projeto téc-nico, aprovando-o ou não. Uma vez aprovado, os nomes dos proponentes são enviados ao banco encarregado da operação de financiamento para screening, que veta a participação de famílias com dívidas vencidas, seja por créditos ao consumidor, seja decorrente de empréstimos prévios feitos pelo Pronaf, Banco do Nordeste e Banco do Brasil.

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Programa Nacional de Crédito Fundiário ���

Estudos realizados pela Unicamp em 2000 e 2003 demonstraram que os beneficiários do programa-piloto, na média, apresentaram várias características desejáveis para o sucesso de projetos deste tipo. Destacavam-se, entre outras, um nível de educação ligeiramente superior à média dos pobres, mas o suficiente para produzir efeito positivo sobre a renda; a atenção à experiência de vida, enriquecida pela dura vivência da migração que amplia a visão de mundo e coloca o migrante em contato com novas rea-lidades, novos mercados e desafios; as fortes raízes locais e campestres dos beneficiários. O resultado foi atribuído à própria estrutura de governança do programa e ao funcionamento adequado do mecanismo de auto-seleção dos beneficiários. A auto-seleção levou à adesão de famílias pobres que apresentam algumas características desejáveis e que deveriam ser importantes para o êxito dos projetos.

Por outro lado, os mesmos estudos revelaram que o programa de reforma agrária constitucional selecionava produtores em condições de vida menos favoráveis, o que indicaria alcance de público mais pobre dentre os pobres. Isso não significa dizer que os beneficiários do PCT não atingiam os pobres rurais, mas apenas que o nível de pobreza dos produtores do programa tradicional era mais acentuado do que o dos beneficiários do PCT.

Neder et al. (2002) realizaram análise econométrica, utilizando dados sócio-econômicos co-letados de amostras de beneficiários do programa tradicional e do PCT e informações obtidas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/1999. Os autores concluíram que o nível de pobreza dos beneficiários dos dois programas era maior do que o da população pobre rural nos estados, o que sugere inferir que foram selecionados os mais pobres dentre os pobres rurais.

Os mesmos estudos realizados pela equipe da Unicamp também constataram problemas com o processo de auto-seleção, em geral, associados à formação de grupos artificiais, seja por iniciativa de lideranças locais (dos produtores e até dos proprietários), ou de políticos e dos próprios sindicatos, todos legitimamente interessados, por razões distintas, em viabilizar e promover o programa e a transação com a terra. Esses problemas podem explicar, pelo menos em parte, a rotatividade entre os beneficiários, com a troca de sócios em muitas associações.

Deve-se notar que o Governo deixou, mais de uma vez, de cumprir o contrato de financiamento, e que, no período de 1999-2000, o programa foi paralisado, fato que seguramente comprometeu as expectativas de muitos beneficiários e deve ter contribuído para a decisão de muitos produtores de “abandonar” a associação. A fim de reduzir as possíveis distorções no processo de seleção e de desistência, o PNCF introduziu um período de capacitação técnica das famílias que solicitam crédito para aquisição de terras. A capacitação inclui componentes de uso de tecnologia, gestão da produ-ção, organização social e econômica, informação sobre políticas públicas e associativismo.

Enforcement

Com o associativismo, as obrigações de conduta que os associados passam a ter uns para com os outros podem levar a uma diminuição do oportunismo ex post. Além disso, por meio das associa-ções, os indivíduos podem ter seus custos de transação diminuídos, principalmente com compra de insumos, venda de produtos, etc.

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina���

A obrigatoriedade de pagamento da dívida, sob risco de perder a terra, funciona como um incen-tivo ao desenvolvimento –, pois os beneficiários sabem que, caso não cumpram com o pagamento, correm o risco de perder a terra – e enforcement para o pagamento da dívida. Essa regra ainda funcio-na como um redutor da seleção adversa, já que os próprios beneficiários procuram excluir do grupo membros da comunidade conhecidos como “encrenqueiros”, “cachaceiros” ou “folgados”.

A hipótese conceitual que embasa o programa é que a obrigatoriedade de pagamento do valor financiado para a compra do ativo terra quebraria a relação “Estado paternalista – pobre desampara-do”, que recebe o ativo. O beneficiário deixaria de ser um tutelado do Estado e passaria a ser tratado como um cidadão que firmou um contrato de financiamento, com obrigações e direitos de ambas as partes bem especificados.

As obrigações do Estado não poderiam ser interrompidas unilateralmente, como ocorre com freqüência com as políticas sociais ou obras financiadas com o orçamento do setor. A ausência de tutela do Estado levaria o beneficiário a criar independência — manifestada no pagamento da dívida — e o incentivaria a buscar maior produtividade por meio de esforço próprio. O conjunto de regras do programa funcionaria, portanto, como incentivo para melhorar o desempenho e geraria projetos mais sustentáveis e com custo de implementação mais baixo quando comparado ao modelo consti-tucional de reforma agrária, devido à redução dos gastos com monitoramento por parte dos órgãos financiadores. A aquisição do ativo segue, assim, o caminho comum às transações comerciais de um mercado de terras.

Alcance

Entre 2003 e 2006, foram realizadas aproximadamente 14 mil operações de crédito e assentadas mais de 40 mil famílias em uma área de 840 mil hectares. O montante de recursos emprestados foi de cerca de R$ 900 milhões (aproximadamente US$ 500 milhões) durante esse período. Conside-rando-se o número de famílias beneficiadas e a demanda por terra por parte do movimento social, pode-se afirmar que o alcance do PNCF ainda é pequeno. Cerca de 10 mil famílias têm sido benefi-ciadas por ano.

Sustentabilidade

Por intermédio desse programa, o Governo, em vez de gastar recursos a fundo perdido para de-sapropriação de terra, fornece crédito para que os beneficiários comprem essa terra no mercado (por meio de associação). A aquisição do ativo segue, assim, o caminho comum às transações comerciais de um mercado de terras. A implementação do PCT pode desonerar o Governo e, a princípio: (i) reduzir os custos burocráticos – uma vez que não há desapropriação e o mecanismo é descentrali-zado; (ii) permitir melhor seleção de terra, já que os próprios produtores escolhem o ativo de acordo com suas necessidades; (iii) proporcionar o menor preço para as terras, haja vista que os produtores devem comprar a terra por um preço que eles consideram justo e possível de ser pago (BUAINAIN; SILVEIRA; TEóFILO, 2000).

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Programa Nacional de Crédito Fundiário ���

Vários traços do desenho do programa estimulam seu bom funcionamento e devem facilitar sua sustentabilidade, entre os quais se destacam o processo de auto-seleção dos beneficiários, a aquisi-ção das terras e o incentivo para iniciativas associativas. A seletividade é estimulada pela obrigação de pagar o empréstimo sob risco de perder a posse da propriedade. Neste contexto, os produtores buscam selecionar seus pares entre aqueles mais empreendedores, “sérios” e “trabalhadores”.

Outro fator é a indução, sem imposição, do associativismo. Uma vez que a dívida é conjunta, muitas famílias têm juntado esforços para explorar uma atividade em conjunto com a finalidade de assegurar o pagamento do empréstimo. Essa atividade, normalmente mais rentável, não estaria ao alcance dos produtores isolados. Além disso, o crédito associativo tem estimulado a construção de capital social.

O Programa Cédula da Terra tenta reverter o conjunto de desincentivos que prevalecem no mode-lo tradicional de reforma agrária. A redução de conflitos no processo de aquisição de terras elimina os elevados custos de transação envolvidos na desapropriação, que incluem desde longos e custosos processos judiciais, responsáveis por onerar o preço final da terra desapropriada, até os desvios de conduta e corrupção freqüentemente denunciados pela imprensa. Outra situação é o fato de a terra ser adquirida por meio de empréstimo a favor de uma associação, introduzindo, assim, um incentivo para que os beneficiários escolham com cuidado a terra e negociem um valor de compra mais baixo. Deve-se considerar que a diferença entre este valor e o teto estabelecido pelo Governo converte-se em um empréstimo, de baixo custo, para investimentos comunitários. Tem-se ainda o fato de que, desde o início, a comunidade sabe que se trata de um empréstimo para a compra de terra que deve necessariamente estar atrelado a um projeto de desenvolvimento, ou seja, o acesso à terra está vinculado à uma articulação entre os governos federal, estadual e municipal, e aos conselhos repre-sentativos da sociedade civil, visando o sucesso do empreendimento.

Já no modelo de desapropriação, na maioria das vezes, a intervenção governamental visa lega-lizar a posse da terra obtida por meio de ocupações ilegais. O retorno dos investimentos, em uma situação em que há melhor planejamento e comprometimento inicial, é maior, esperando-se que a emancipação realmente ocorra e num prazo mais curto.

O maior problema em relação à sustentabilidade é a dependência de fundos públicos para fun-cionar. Neste sentido, o Governo Federal pode ter cometido um erro estratégico ao não utilizar o programa-piloto para adquirir experiência e desenvolver tecnologia adequada com o intuito de lidar com o financiamento de terras que seriam utilizadas, ao final do projeto, pelo sistema bancário, na operação de uma linha regular de financiamento. O fato de permanecer como um programa especial, bancado pelo Governo Federal, implica muitas incertezas em relação ao futuro.

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15. Fundo MunICIPAL de AvAL de Poço veRde86

PAíS: Brasil, 1997.

origem

O Fundo Municipal de Aval de Poço Verde, uma iniciativa da Prefeitura de Poço Verde, Estado de Sergipe, foi criado pela Lei Municipal nº 209, de 25 de março de 1997, com o objetivo de alavancar o desenvolvimento econômico e social do município. Nos anos de 1995 e 1996, não houve finan-ciamento para o setor agrícola no município. Com a criação do Pronaf, em 1996, surgiu a idéia de se criar um fundo de aval para viabilizar, junto ao Banco do Brasil, operações de crédito de investimento e o financiamento da produção.

Trata-se de um mecanismo de compartilhamento do risco do empréstimo entre o produtor, o fun-do e o Banco do Brasil. O objetivo geral é potencializar a vocação econômica do município e desen-volver o capital social local, de forma mais específica o associativismo. Concede aval aos pequenos produtores para operações de crédito junto ao Banco do Brasil. Para obter a concessão de crédito, o produtor rural deve se organizar em grupos de até dez pessoas, o que, em tese, estimula a troca de informação entre as famílias, o desenvolvimento de redes informais de proteção social, o estabele-cimento de novos canais de comunicação com o poder local e a emergência de novas lideranças que se tornam responsáveis pelos grupos de aval. Tudo isso contribui para o enfraquecimento das forças políticas tradicionais, associadas ao atraso e ao paternalismo social.

Dentre os benefícios esperados destacam-se os seguintes: permitir aos pequenos proprietários o acesso ao financiamento rural e urbano; possibilitar a inclusão da pequena propriedade rural no

86. Este caso é apresentado com base em Caldas (2000). Referências a outras fontes são feitas diretamente no texto.

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processo de produção, por intermédio de linhas de crédito específicas; permitir a transação legal dos imóveis; promover o registro de imóveis e a regularização de títulos de propriedade, passo necessá-rio para melhorar as informações sobre a propriedade da terra e viabilizar, no futuro, a utilização do título em operações de financiamento.

estrutura atual

A gestão estratégica do fundo está a cargo do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR), órgão consultivo e deliberativo, integrado por representantes da sociedade civil e do poder público municipal e estadual. O conselho define os objetivos, as metas e a estratégia geral do plano municipal. A estratégia operacional e a execução são de responsabilidade da própria prefeitura, em parceria com diversas instituições, como o Ministério da Agricultura – por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) –, o Banco do Brasil e a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro). Os projetos devem estar inseridos e “em consonância com o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural” (Lei Municipal nº 209/97)87.

Um parceiro importante do fundo de aval é o Ministério da Agricultura que, por intermédio do Pronaf, que possui linhas de financiamento para vários dos programas estabelecidos no Plano Muni-cipal de Desenvolvimento Rural (ver estudo de caso do Pronaf para informações sobre as principais linhas de ação). De certa forma, os oito programas do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural de Poço Verde estão relacionados com as quatro linhas de ação do Pronaf. O fundo de aval está direta-mente ligado à linha de financiamento da produção do agricultor familiar.

O Banco do Brasil é o agente financeiro do fundo e se responsabiliza pela liberação dos recursos para os participantes do Fundo Municipal de Aval e pela cobrança dos empréstimos realizados. Trata-se, de fato, de uma parceria entre a prefeitura e o banco, com divisão de res-ponsabilidades e riscos.

A Emdagro é responsável pela prestação de assistência técnica aos agricultores beneficiários do Fundo Municipal de Aval. Outro ator importante é o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Poço Verde que, além de compor o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, também é respon-sável pelo fornecimento da declaração de aptidão, documento necessário à obtenção do crédito. O documento é fornecido gratuitamente e comprova que o produtor tem condições de obter o crédito e que o dinheiro será investido na produção.

87. O Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural estabeleceu oito programas prioritários para fortalecer a economia local, gerar emprego e renda: Programa de Desenvolvimento Agroindustrial; Programa de Apoio à Exploração de Culturas de Subsistência; Programa de Fortalecimento da Pecuária; Programa de Fortalecimento da Infra-Estrutura Hídrica, por meio da ampliação de barragens comunitárias, da perfuração de poços artesianos e construção de cisternas; Programa de Preservação do Meio Ambiente; Programa de Fortalecimento da Estrutura de Apoio à Agropecuária; Programa de Apoio à Pequena Indústria e Programa de Apoio à Infra-Estrutura Básica.

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Fundo Municipal de Aval de Poço Verde ���

Fonte de recursos

O Fundo Municipal de Aval é composto por receitas orçamentárias da Secretaria Municipal de Agricultura e Recursos Hídricos, até o limite de 30%; receitas orçamentárias da Secreta-ria Municipal de Desenvolvimento Comunitário e Ação Social, até o limite de 14%; quaisquer doações de entidades públicas e privadas que desejam participar de programas de redução de disparidades sociais; rendimentos gerados por aplicações financeiras dos recursos disponíveis; retorno dos financiamentos avalizados e pagos pelo fundo; e contribuições efetuadas pelo be-neficiário do fundo.

Os recursos do Fundo Municipal de Aval devem, por lei, representar 50% do valor total fi-nanciado aos tomadores de crédito. Numa situação ideal, esses recursos deveriam servir apenas de garantia e, em caso de inadimplência, o valor da dívida seria cotizado entre os membros do grupo, sem que houvesse a necessidade de retirar recursos do Fundo Municipal de Aval. Assim, o aval solidário acaba diminuindo as despesas do fundo municipal com a inadimplência, graças às relações de dependência e favor que se estabelecem entre os membros de cada grupo. O fun-do de aval não intervém nas operações de custeio do Pronaf que não exigem o aval dos produ-tores. Em 2001, o percentual de depósito garantia foi reduzido de 50% do valor do empréstimo para 15%.

Público-alvo

Os beneficiários diretos da “concessão de aval pelo Fundo Municipal de Aval são os micro e pequenos produtores que desenvolvem atividades produtivas no setor agropecuário” (Artigo 5° da Lei n° 209/97, que instituiu o Fundo Municipal de Aval). De acordo com essa definição legal, qualquer indivíduo que produza ou beneficie produtos agropecuários pode recorrer ao fundo. é importante observar que o programa não beneficia apenas o proprietário, mesmo porque há um sério problema em termos de regularização fundiária no município, mas também parceiros, pos-seiros e arrendatários.

Embora o público beneficiário seja abrangente, até o momento, o fundo só concedeu aval para produtores rurais que se enquadram nas pré-condições definidas pelo Pronaf, um pouco mais restri-tiva que a definida pelo Artigo 5° da Lei n° 209/97 (ver seção do Pronaf sobre o assunto).

No início, o programa atendia um beneficiário por família, com área máxima de três hectares cul-tivados. A partir do segundo ano, passou a atender individualmente cada membro da família, desde que estivesse enquadrado nos requisitos do Pronaf. A área cultivada passou para 5,5 hectares por pessoa, permitindo a uma família com cinco membros contratar até 27,5 hectares.

Linhas de financiamento

O fundo de aval apóia linhas de crédito para custeio e investimento. Na prática, tem sido usado para operações de custeio. A baixa cobertura de contratos de investimento é atribuída, por Peraci e

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Bianchini (2002), à falta de regularização fundiária e à dificuldade do próprio fundo para operacio-nalizar contratos de longa duração. Essa dificuldade deve-se à legislação da administração pública brasileira, que restringe o prazo para o comprometimento de recursos orçamentários.

Condições de financiamento

Os limites de concessão de crédito variam segundo o perfil e o tempo de participação no fun-do. Para solicitantes “de primeira viagem”, o valor máximo é de R$ 879,30 e a área máxima que lhes é permitido plantar corresponde a 3 hectares. Para os demais, o valor e a área máxima são, respectivamente, R$ 1.465,50 e 5,5 hectares. A liberação de recursos ocorre em três parcelas. A primeira, no valor de metade do empréstimo, o produtor recebe já no momento de concessão do crédito. A liberação da segunda parcela, no valor de 30% do empréstimo, depende da apresen-tação de um laudo técnico emitido pela Emdagro e ocorre após a germinação, um mês depois da primeira parcela. O restante do dinheiro (20%) sai no período da colheita, cerca de dois meses após a concessão do crédito.

Para quem solicita empréstimo pela primeira vez, o pagamento é parcelado em duas prestações, sendo que a primeira vence 90 dias após a colheita e, a segunda, 30 dias após a primeira prestação. Os demais solicitantes devem pagar o empréstimo de uma vez, 90 dias após a colheita. A taxa de juro total é de 5,75%, ou seja, 1,88% ao mês.

garantias

No programa de Poço Verde, procura-se enfrentar um dos principais gargalos com que se depara qualquer projeto de desenvolvimento rural baseado na pequena propriedade: a garantia de crédito ao pequeno produtor. O que chama a atenção é a criatividade local na interação com um programa federal, o Pronaf, que se mostrava impermeável à realidade dos pequenos produtores, permitindo assim que o programa se tornasse efetivo (PERACI; BIANCHINI, 2002).

Os créditos são individuais e o aval é solidário. As regras são simples: uma vez concedido o crédito, cada indivíduo beneficiado deposita 25% do empréstimo em conta poupança individual. O município garante, a partir do Fundo Municipal de Aval, o depósito de outros 25% do valor do empréstimo numa conta vinculada à operação. Com isso, de cada R$ 1 mil emprestados, o Banco do Brasil tem garantia real de R$ 500,00. O fato de haver poucas exigências para a concessão do em-préstimo (exige-se apenas a carta de aptidão simplificada, emitida pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais ou pela Emdagro), possibilita ampliar o número de pessoas beneficiadas88.

Para o Banco do Brasil, essa forma de financiar a produção representa transação segura, já que o solicitante de crédito tem cobertura do seguro Proagro obrigatório, que cobre 70% da frustração

88. CALDAS, Eduardo de Lima. Novas experiências de gestão pública e cidadania. Organizadores: Marta Ferreira Santos Farah, Helio Batista Barboza. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. 296 p.

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Fundo Municipal de Aval de Poço Verde ���

da safra em decorrência de mudança climática, no primeiro ano de empréstimo. O seguro não cobre frustração provocada por problemas no plantio. é por isso, inclusive, que a segunda parcela do em-préstimo só é liberada após a emissão do laudo técnico pela Emdagro. Em caso de frustração da safra por esse motivo, os 30% restantes são cobertos pela poupança do solicitante89.

A formação de grupos de aval evita que os produtores rurais tornem-se presa de agiotas ou, no caso de parceiros e arrendatários, fiquem dependentes dos proprietários. Em vez de se vincularem a uma única liderança, numa relação paternalista ou clientelista, dispõem agora de um número muito maior de “lideranças” (os responsáveis pelos grupos de aval), numa relação baseada na solidarieda-de. Dessa forma, o crédito passa a ser garantido como direito, e não como favor ou esmola90.

Seleção (screening)

O processo de solicitação de crédito tem início com a solicitação de uma carta de aptidão do agri-cultor familiar junto ao Sindicato de Trabalhadores Rurais ou à Emdagro. Uma vez emitida a carta, o trabalhador organiza um grupo de até 10 membros e submete seu nome à aprovação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, responsável pelo Fundo Municipal de Aval. Em seguida, esse trabalhador rural preenche um cadastro simplificado no Banco do Brasil que, por sua vez, verifica junto ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e outros órgãos se os solicitantes estão, de fato, aptos a receber o crédito solicitado. Todo esse procedimento visa “avaliar” se o candidato se enquadra no perfil do público beneficiário do fundo. À continuação, em um processo muito rápido, os créditos são concedidos pelo Banco do Brasil. A rapidez do processo é importante para que não se percam os prazos do calendário agrícola.

Enforcement

Por ser um mecanismo de aval de empréstimo, e não um instrumento de crédito, o fundo de aval apenas garante o pagamento do empréstimo, e não realiza, direta ou indiretamente, empréstimos. De cada R$ 1 mil emprestados, o Banco do Brasil tinha, inicialmente, garantia real de R$ 500,00. Em 2001, a garantia foi reduzida para 15%.

Para o Banco do Brasil, essa forma de financiar a produção representa uma transação segura, já que o solicitante de crédito tem cobertura do seguro Proagro obrigatório que cobre 70% da frus-tração da safra em decorrência de mudança climática, no primeiro ano de empréstimo. é por isso, inclusive, que a segunda parcela do empréstimo só é liberada após a emissão do laudo técnico pela Emdagro. Em caso de frustração da safra por esse motivo, os 30% restantes são cobertos pela pou-pança do solicitante91.

89. Idem, ibidem.

90. Idem, ibidem.

91. Idem, ibidem.

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina���

Alcance

O Município de Poço Verde tornou-se o maior produtor de feijão do Estado de Sergipe graças à atuação do fundo de aval que contribuiu para dinamizar o mercado local, elevando o número de contas, contratos de financiamento e volume de depósitos e operações financeiras, beneficiando diretamente o Banco do Brasil.

O alcance da parceria entre o Banco do Brasil e a prefeitura pode ser medido pela evolução do número de contratos de financiamento fechados entre o banco e os agricultores após a criação do Fundo Municipal de Aval: de 29 contratos anteriores, saltou para 680 contratos de custeio agrícola, dos quais 482 com o aval do fundo, em 1997; e 792 (692 com o aval do fundo), em 1998; em 1999, chegou a 1.350, sendo 1.234 com a garantia do fundo de aval, movimentando R$ 1.650.000,00. De 2000 para 2001, o número de contratos reduziu abruptamente. A queda pode ser explicada por dois fatores, os quais apontam para o problema de sustentabilidade do fundo e para sua limitação como instrumento de promoção de desenvolvimento local quando usado sem o apoio de outras políticas: 1) a insuficiência de recursos para manter o mesmo número de contratos; e 2) a ocorrência da seca na região, que expulsa produtores e inviabiliza a produção mesmo se os produtores contarem com recursos para cultivar.

A Safra de 1999 alcançou a marca de R$ 10 milhões, com a recuperação em todos os setores do município, inclusive elevação da arrecadação de impostos. Os agricultores familiares de Poço Verde, que nunca tiveram conta bancária, alguns sequer tinham os documentos pessoais, vêm se transfor-mando em pequenos empreendedores que contratam com bancos, geram e contribuem para geração de mais de 1.500 empregos no campo. Dados do IBGE/96 registram que 55% da população de Poço Verde permaneciam vivendo no campo.

tABeLA �. núMeRo de ContRAtoS de PRonAF CuSteIo e PRonAF InveStIMento: MunICíPIo de Poço veRde (Se) – 1995 A 2001. Ano FISCAL

Ano CuSteIo % InveStIMento %

1995 0 0 0 0

1996 0 0 15 0,6

1997 918 36,7 18 0,7

1998 761 30,4 0 0

1999 1.422 56,8 0 0

2000 1.877 74,9 0 0

2001 1.193 47,66 9 0,35

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário – Secretaria da Agricultura Familiar.Elaboração: Deser, Peraci e Bianchini (2002).

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Fundo Municipal de Aval de Poço Verde ���

Sustentabilidade

O êxito e a expansão acelerada do número de contratos nos primeiros 4 anos de funcionamento do fundo evidenciaram limites para manter o ritmo sem modificar a composição financeira e as regras iniciais, que previam a garantia de 50% dos valores emprestados — dos quais 25% provenientes dos agricultores, que sacam a cada final de ano agrícola, e os outros 25% da articulação de fundos da Prefeitura Municipal. Após o período inicial de aprendizado, que permitiu inclusive a coleta de informações sobre a inadimplência, no ano de 2001, o Conselho Municipal convenceu o Banco do Brasil a baixar para 15% o valor garantido pelo fundo, sendo que 10% seriam de responsabilidade dos agricultores e 5% da Prefeitura Municipal.

O problema da seca é também agudo. Nos primeiros anos de funcionamento do fundo, a região não sofreu estiagens generalizadas que afetassem toda a produção local. Em 2001, a região foi atin-gida por uma seca forte que acarretou perda total da safra e inviabilizou o cumprimento de todos os 1.080 contratos garantidos pelo fundo e pelo Proagro, que cobriu 100% dos empréstimos. Essa seca revelou a fragilidade do fundo de aval, que teria “quebrado” sem a cobertura do Proagro. Revelou, também, a dificuldade de operar em área sujeita a secas periódicas sem o apoio complementar de outras políticas, como assistência técnica e de redução do próprio risco climático.

Mesmo com a alternativa do Proagro, observa-se uma inadimplência anual de 15%, responsável pela descapitalização do fundo. O efetivo depositado, em 1998, pelo Governo do Estado foi de R$ 268.817,00 (duzentos e sessenta e oito mil, oitocentos e dezessete reais), inicialmente para bancar a expansão do número de contratos. Em 2000, foi de R$ 87.000,00 (oitenta e sete mil reais), já para cobrir a inadimplência; e, em 2001, em razão do volume de cobrança, alcançou R$ 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil reais).

O fundo de aval enfrenta a mesma limitação do Pronaf, que pretende promover o desenvolvimen-to rural com base, sobretudo, em política de crédito, o que tem acarretado maiores subsídios, seja na forma de rebate, redução de taxa de juro ou cobertura de inadimplência, sem promover mudanças estruturais que alicercem o desenvolvimento sustentável. Outros elementos importantes para o desenvolvimento da agricultura familiar (assistência técnica, seguro-renda, habitação, desenvolvi-mento tecnológico, linhas específicas de pesquisa) não têm acompanhado o ritmo de expansão do crédito rural. Especificamente para o caso do Nordeste e em relação à experiência de Poço Verde, a expansão do crédito de custeio não está sendo acompanhado pela expansão do crédito de investi-mento e não está inserido em estratégias de convivência com o semi-árido. Também é importante ressaltar a elevada contrapartida financeira exigida dos agricultores no processo que, em última instância, viabiliza um agente de crédito de elevados custos para uma região empobrecida.

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16. PRogRAMA de hEdging do BAnco muLtisEctoRiAL dE invERsionEs / FidEicomiso EspEciAL dE dEsARRoLLo AgRopEcuARio (BMI/

FedA): ALéM dA SIMPLeS Redução de RISCo92

PAíS: El salvador, 2003.

origem

O objetivo inicial do Banco Multisectorial de Inversiones (BMI) era garantir o fluxo de crédito pré-safra para o setor agrícola, responsável por segmentos importantes da economia salvadorenha, como café e algodão, e pela ocupação de mão-de-obra. O BMI, um banco de investimento estatal, é responsável pela administração do Fideicomiso Especial de Desarrollo Agropecuario (Feda) e do Pro-grama de Garantia Agropecuária (Progara), cujo objetivo é reduzir o risco de inadimplência associado às flutuações do preço internacional das commodities produzidas em El Salvador.

A criação do Progara baseou-se na constatação de que se os preços de commodities na Bolsa de NY caíssem abaixo do custo de produção local, haveria um default generalizado, e o fundo de fidei-comisso se descapitalizaria, tornando-se insolvente. Para evitar ou reduzir esse risco, o BMI criou um programa de cobertura de risco (hedging) em operações com futuros, garantindo uma linha de crédito especial para as chamadas de margem (margin calls), eliminando assim o risco da transação por eventual incapacidade de o produtor atender à chamada de margem. Dessa forma, o Progara oferece garantias aos bancos comerciais responsáveis pelo crédito rural disponibilizando crédito diretamente aos tomadores de empréstimos (exportadores e processadores, cooperativas e alguns grandes produtores) que estejam cobertos por operações de hedge.

92. Este estudo de caso tem como referência e fonte básica o trabalho de Tiffen e Fernandez (2005).

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O objetivo deste programa de cobertura de risco, o Programa de Risco Zero, era, portanto, re-duzir os efeitos negativos da volatilidade de preços sobre a renda dos produtores e, dessa maneira, garantir o pagamento do custeio da safra oferecido aos produtores (e a sustentabilidade do fundo de garantia, o Progara).

estrutura atual

O Programa de Risco Zero do BMI tem objetivo e foco bem definidos. O principal objetivo do pro-grama é, primeiramente, garantir o fluxo de crédito para os produtores. Além disso, é necessário que o crédito, em geral intermediado via processadores ou exportadores, alcance os produtores no estágio inicial do ciclo de produção. O crédito agrícola é repassado aos processadores e exportadores via ban-cos privados, com garantia de 100% do capital (não os juros). O nível de garantia, dado pelo Governo, é mais alto do que os níveis normais em créditos agrícolas, que é de 50% (sendo parte de uma isenção especial ao setor cafeeiro). Os níveis de aportes financeiros e de transações de hedging são baseados: (i) na produção dos anos anteriores; e (ii) nas vendas correntes ou projetadas do produto.

O pagamento do café entregue pelo produtor ocorre pelo mesmo processo bancário, livre de bu-rocracias para empréstimos e balanço da transação de cobertura de risco (que é uma mera operação contábil). O pagamento líquido que o produtor recebe é baseado no preço segurado.

Iniciado em 2003, o programa-piloto parece ter alcançado resultados positivos. Uma primeira avaliação revela uma cobertura de 8% da produção nacional de café sem ocorrência de inadimplência no pagamento do crédito ou na entrega das commodities. Deve-se destacar que o piloto vem sendo implementado em uma conjuntura favorável de preços. Também tem demonstrado um número sig-nificativo de efeitos, diretos e indiretos, positivos:

acesso sustentável ao crédito pelos produtores parcialmente garantido pelo Progara;

taxa de juros mais baixas;

melhoria das práticas comerciais e da cultura comercial dos cafeicultores (menos especulação, mais pensamento progressista);

acesso a instrumentos de cobertura de risco sem necessidade de abrir contas nos bancos (para os produtores);

aproveitamento, por parte dos produtores, das conjunturas de preços favoráveis e otimização dos retornos das diferenças de mercado em favor dos próprios produtores.

Fonte de recursos

Os fundos para cobrir as chamadas de margem são providos por uma linha especial do Feda dentro de seus fundos de financiamento e de garantia para a agricultura. O montante é acordado e projetado anualmente. Se o montante a ser usado pelo programa for maior do que o previsto, o BMI pode usar, mediante resolução do seu conselho de diretores, parte dos seus ativos líquidos para cobrir as margens até o café ser pago e as transações de cobertura de risco com futuros desfeitas.

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Programa de Hedging: além da simples redução de risco ���

Público-alvo

Produtores rurais.

Alcance

No primeiro ano, havia apenas uns poucos usuários registrados (um processador com 800 pro-dutores). No segundo ano, sete processadores (com 1.880 produtores de café e algodão afiliados). Modificações no sistema operacional e nas regras de funcionamento foram introduzidas ao final de cada ciclo, incorporando, dessa forma, as lições aprendidas com a execução do programa. No terceiro ano, em 2005-2006, esperava-se um rápido crescimento no nível de participação (de 8% para 30% da produção nacional de café). O BMI considera que, a partir de 2007, o programa entrará na fase de consolidação e, no longo prazo, alcançará o objetivo de 50% da produção de café.

Sustentabilidade

O projeto é bem visto pela maioria dos usuários e representantes da indústria, que o considera bem concebido, transparente e eficiente (há apenas um pequeno orçamento destinado à adminis-tração necessária para operar a unidade de cobertura de riscos, por exemplo). Os usuários fazem os pedidos de transações com futuros, gerenciadas pelo administrador do Programa de Risco Zero, que é terceirizado pelo BMI. O sistema operacional é baseado em um conjunto de contratos e obrigações interconectadas. Os usuários devem assinar um “contrato mãe” com o Feda, instituição responsável por estabelecer direitos e responsabilidades de cada parte. Produtores e bancos estão também envol-vidos nesse conjunto de obrigações (como a obrigação de fixar o preço do café dentro de cinco dias do acordo de venda) e nos procedimentos para o programa de cobertura de risco. Além do contrato mãe, há contratos separados, mas correspondentes, para cada parte.

O sistema está estabelecido de maneira a não deixar espaço para a especulação. Falhas ou am-bigüidades têm sido eliminadas pela introdução de ajustes graduais a partir da experiência que vai se acumulando. Sanções podem ser utilizadas em caso de especulação — que o programa proíbe de maneira explícita — embora, na prática, o sistema não impeça: os volumes que podem ser segurados devem representar até 50% da produção física da commodity (café ou algodão) e do montante de em-préstimos recebidos. Não entregar o café que foi segurado tem impacto negativo para o fundo e, por isso, é punido com várias sanções, que incluem desde a perda de acesso a novos créditos, cobrança integral dos custos de fechamento da posição e processos criminais, até prisão por fraudar o Estado (pois os recursos são oriundos do Governo).

O fundamento para essa tentativa de criar um sistema de provisão/recuperação de crédito é o elevado endividamento do setor cafeeiro nacional (mais de US$ 250 milhões). A dívida foi acumula-da no final da década de 90 e em 2001, em razão da queda do preço do café. Como os preços caíram durante duas safras sucessivas, os agricultores ficaram com grandes volumes de café em estoque e impossibilitados de pagar o financiamento e custos adicionais gerados pela queda de preços no mer-

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cado de café de Nova Iorque. Em 2001, a dívida foi reestruturada em um fundo chamado Fideicomiso Ambiental para la Conservación del Bosque Cafetalero (Ficafe), pagáveis em mais de 20 anos (com dois anos de carência, cujo término ocorreu em 23 de setembro de 2005).

Com exceção de recursos obtidos junto a fontes externas, como a Fundação Rabobank ou outros credores internacionais do setor cafeeiro, os repasses feitos por meio do sistema bancário salvado-renho, com a garantia do Feda (do Governo), podem ser acompanhados por transações de cobertura de risco. O programa de cobertura de risco e o sistema de crédito, atualmente em funcionamento, poderiam colocar um fim na especulação e na prática comum e arriscada de estocar, às vezes, sem a devida análise do mercado, para vender a produção de café.

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1�. ConSIdeRAçõeS FInAIS: o deSAFIo de FInAnCIAR oS exCLuídoS

Ao longo deste trabalho, foram percorridas várias experiências de financiamento agropecuário que têm em comum o desafio de incluir os agricultores, em particular os pequenos e mais pobres, aos serviços financeiros, hoje essenciais para, pelo menos, acompanhar as exigên-

cias de mercados —mesmo locais — cada vez mais competitivos.

A modernização e a “industrialização” da produção rural não eliminaram alguns traços próprios desta atividade que justifica a necessidade de financiamentos especiais e que leva em conta as es-pecificidades dos processos produtivos, econômicos e sociais da agricultura. No passado, essa ne-cessidade se confundiu com créditos fortemente subsidiados, concedidos por organismos públicos muitas vezes em função de critérios políticos que sequer levavam em conta a qualidade e sustenta-bilidade dos projetos financiados.

A despeito do relativo êxito de alguns programas de crédito, no que diz respeito à modernização tecnológica no campo, na maioria dos países, os programas de crédito subsidiados apresentaram subs-tanciais distorções fiscais, alocativas e, em muitos casos, não foram capazes de alcançar os pequenos agricultores. Independente dos resultados alcançados, a realidade que se impõe em quase toda a região é a da impossibilidade fiscal e financeira de sustentar custosas políticas de crédito público. Brasil e Mé-xico são os únicos países que, apesar das restrições fiscais, mantém programas públicos importantes na promoção do desenvolvimento rural e no financiamento dos agricultores, pequenos ou não.

Os programas de financiamento são de fato importantes na medida em que fornecem recursos aos produtores para implementar projetos produtivos que não seriam viáveis apenas com capital próprio. A revisão das concepções que orientam a formulação de políticas de financiamento reve-lou que não é suficiente facilitar o acesso aos recursos, e que a institucionalidade dos programas também é muito importante para explicar os resultados e o impacto que os recursos terão sobre a dinâmica produtiva e sobre o nível de bem-estar dos beneficiários. Embora as condições de finan-ciamento sejam relevantes, a análise das experiências de financiamento rural permite afirmar que o contexto no qual estão inseridos os produtores, assim como o próprio desenho institucional dos

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programas de crédito, desempenha um papel fundamental no processo de utilização do crédito. Nesse sentido, os programas de crédito, além de contribuir para remover o gargalo da escassez de recursos, funcionam como mecanismos de “incentivo” e, como tal, têm enorme potencial para afetar positivamente a alocação dos recursos e o esforço dos produtores rurais.

Os principais elementos que compõem o desenho dos programas de crédito são a definição do público-alvo, as condições de financiamento, os mecanismos de seleção dos tomadores de crédito (screening) e os mecanismos de incentivos para que os contratos sejam cumpridos e respeitados (garantias e enforcement).

A análise das experiências confirma que todos esses elementos afetam os resultados microeco-nômicos do crédito rural. Quando se consideram os resultados, é preciso incluir também o alcance e a sustentabilidade dos programas.

Questão do foco: público-alvo e seleção

A questão do foco envolve dois aspectos distintos. O primeiro refere-se à definição do público-alvo e da população de beneficiários em geral; o segundo está ligado aos mecanismos de seleção (screening) utilizados pelas instituições financeiras para selecionar, dentro do público-alvo, os clien-tes que incluem tanto critérios diretos de elegibilidade, como regras e condições de funcionamento e financiamento que operam como mecanismos implícitos de seleção.

As experiências analisadas mostram, pelo menos, três tipos de abordagem para a definição do público-alvo.

Algumas políticas definem o público pela própria utilização do recurso, ou seja, o crédito rural dirige-se aos produtores rurais sem restrições. Essas são políticas de alcance universal, pois a po-pulação definida é o universo de agricultores e produtores rurais do País.

Outras políticas definem o público-alvo por categoria, como é o caso do Pronaf, no Brasil, dirigi-do a agricultores familiares; da experiência de financiamento aos pecuaristas, na Colômbia; ou ainda dos cafeicultores, em El Salvador.

Por fim, uma terceira modalidade é o corte do público-alvo por tamanho ou nível de renda, como nos casos dos programas da Aned, na Bolívia, focados em produtores mais pobres e excluídos do sistema bancário comercial.

O caso mais sofisticado de focalização é o do Pronaf, que utiliza um conjunto de variáveis (nível de renda, local de moradia e participação do trabalho familiar no processo produtivo) e critérios para definir a categoria de agricultor familiar. O mais importante é a participação de organizações sociais reconhecidas pelos próprios agricultores familiares que “certificam” que o demandante se enquadre na categoria de agricultor familiar.

Trata-se, sem dúvida, de um poderoso instrumento de controle de possíveis vazamentos para po-pulação fora do público-alvo e de estímulo à participação social. No entanto, a exigência só pode ser adotada se e quando as organizações sociais têm suficiente capilaridade territorial para que o certifi-

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cado de aptidão não signifique um obstáculo adicional para o acesso ao crédito. Além disso, é preciso monitorar para evitar o “abuso de poder” por parte das organizações responsáveis pela certificação.

Dada a restrição de recursos, é evidente que os vários e conhecidos dilemas que envolvem a questão do foco manifestem-se, plenamente, nas políticas de financiamento rural. Como na prática é quase impossível atender a todo o universo, políticas de alcance universal embutem mecanismos implícitos de auto-seleção que nem sempre produzem os melhores resultados. De um lado, observa-se que algumas exigências e condições do financiamento excluem ou afastam parte dos possíveis beneficiários; de outro lado, apenas parte dos produtores elegíveis demanda recursos do sistema. é o caso do crédito rural no Brasil, dirigido a todos os produtores rurais, mas que, na prática, tem canalizado recursos principalmente para grupos de produtores mais capitalizados e inseridos em ca-deias agroindustriais – como no microcrédito da Caja Los Andes, em que as exigências excluem bons candidatos ao crédito. Certo é que muitos produtores rurais podem ser excluídos por não atenderem a algumas das exigências feitas, parte das quais podem, inclusive, ser exageradas. Entretanto, na maioria das vezes, as exigências, ainda que excessivas, em termos de papéis e de burocracia, são as utilizadas pelo sistema bancário em praticamente todo o mundo: cadastros, certidões de proprieda-des, projetos de investimento, avalistas etc.

As exigências são consideradas, na prática, condições necessárias para participar do sistema financeiro. Assumindo que o público-alvo deste tipo de financiamento são aqueles que podem aten-der a essas pré-condições, o viés de seleção, no caso, é muito mais resultado das oportunidades di-ferenciadas de produção e de investimentos do que de mecanismos de exclusão devido às exigências embutidas nos financiamentos.

Nas políticas públicas, o foco universal produz uma tentação populista de multiplicar os benefícios sem a multiplicação equivalente dos recursos. Isso se traduz em redução do montante financiado por produtor, independente do projeto e/ou da capacidade de pagamento que, em muitos casos, não per-mite ao produtor realizar os investimentos desejáveis e nem adequar a escala de produção à potencia-lidade total dos recursos. A experiência revela que uma vez lançada a política como “direito” de todos, é muito difícil restringi-la sem provocar reações contrárias. Por sua vez, políticas focadas também costumam provocar oposição dos que ficaram de fora. Muitos governos têm preferido o caminho mais fácil: prometer direitos universais e racionar durante a implementação, de acordo com a disponibilidade de recursos e nível de pressão política. Os resultados de políticas de financiamento que adotam essa orientação não têm sido positivos e nem as políticas se mostrado sustentáveis.

A importância da divulgação entre o público-alvo

A quase totalidade dos programas e das linhas de financiamento examinadas são objetos de auto-seleção, ou seja, o produtor toma a decisão de realizar ou não o empréstimo com base em sua própria percepção de se enquadrar dentro do grupo público-alvo e, mais importante ainda, da sua percepção de poder cumprir com as condições do contrato. Isto significa que a informação sobre as condições verdadeiras do financiamento, os riscos e potencialidades implícitas e explícitas na deci-são de tomar ou não o empréstimo, são extremamente importantes para que os produtores possam avaliar a conveniência ou não de utilizar tal instrumento.

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A importância do acesso à informação, sobretudo no meio rural, em que a população se encontra bem dispersa (às vezes, distante das cidades ou, até mesmo, isoladas), não aparece com clareza nos relatos sobre o funcionamento dos programas de financiamento. Exceto o Agroamigo, programa do Banco do Nordeste do Brasil, em nenhum outro programa a estratégia de comunicação/informação sobre os serviços oferecidos fica explícita, o que propicia refletir mais lacunas dos estudos do que a inexistência e a falta de importância prática da informação.

No caso de programas públicos, encontra-se farto material impresso circulando nas repartições responsáveis, muitos deles com conteúdo, linguagem e formato que não refletem a necessidade de informar o produtor rural. A divulgação de instrumentos alternativos como o factoring, o leasing e até a titularização, pouco compreendidos entre a população rural não inserida em cadeias agroindustriais, muitas vezes é limitada a meios aos quais os agricultores têm pouco acesso (internet, por exemplo).

Já com as experiências de ONGs e de cooperativas de produtores, que enfrentam de forma mais severa a restrição de recursos, o mecanismo de difusão da informação parece ser informal, realizado boca a boca, a partir de reuniões das organizações com seus membros e da própria comunidade. Dada a importância do acerto inicial — seja devido ao efeito da demonstração, seja devido à imagem junto aos financiadores e à própria comunidade— para a boa evolução das iniciativas de financiamento aos mais pobres, recomenda-se, para o futuro, atenção em relação ao tema da informação sobre as alternativas de financiamento ou sobre um programa específico junto ao público-alvo.

Seleção e condicionalidades

O segundo aspecto da questão do foco refere-se aos mecanismos utilizados pelas instituições que operam o crédito ou o financiamento para selecionar os seus clientes. Trata-se de um dos ele-mentos mais importantes de qualquer tecnologia de crédito, já que afeta o custo de transação ex ante (os custos de levantar/analisar informação e de manter/atualizar cadastros sobre os clientes) e o custo de transação ex post (nível de inadimplência e custos de cobrança e recuperação de crédi-tos e garantias). é também um dos elementos mais complexos, em especial quando o público-alvo dos programas é um rol de famílias mais pobres, sem acesso ao sistema bancário, com pequena ou nenhuma experiência prévia em operações de financiamento, baixo nível educacional, vivendo em pequenas comunidades rurais, muitas vezes isoladas e com dificuldade de acesso.

A análise dos casos incluídos neste estudo revelou que praticamente todas as experiências bem-sucedidas em termos de sustentabilidade estão alicerçadas em boas práticas de seleção; muitas organizações já contavam com experiência urbana, mas tiveram que adaptar suas tecnologias às especificidades do mundo rural. Aqui se revela a importância da assimetria informacional que não se resolve com a elaboração de cadastros, já que parte dos clientes não tem antecedente e nem patri-mônio relevante para reportar. Essa assimetria só é minimizada pela informação “informal”, colhida cuidadosamente junto à comunidade, e pela habilidade e capacidade da organização de acumular conhecimento sobre os clientes, vizinhos, comunidades e assim por diante. é um procedimento

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lento e que depende da presença de representantes qualificados e confiáveis da organização nas comunidades onde vivem seus clientes em potencial.

Não é por outra razão que se observa, em experiências tão distantes e distintas, como são as do Agroamigo, na Região Nordeste do Brasil, e a da Caja de Ahorros, nos Andes bolivianos, a presença do “assessor do programa” ou do “analista de crédito”, responsáveis pela difusão dos programas e principalmente pelo contato com a comunidade, coleta de informações sobre os clientes e posterior acompanhamento dos contratos.

é no processo de seleção que se manifesta, de maneira mais aguda, as condicionalidades que tendem a excluir mutuários que não atendem às exigências feitas para acessar o financiamento. No passado, a seleção era determinada pela elevada burocracia e pela exigência de garantias reais. A burocracia afastava grande parte dos clientes, com baixa ou nenhuma escolaridade e sem qualquer familiaridade com o manuseio de documentos. As garantias reais estavam além do alcance da maio-ria dos pequenos agricultores, incluindo aqueles com títulos de propriedade legítimos, porém irre-gulares. As experiências mais recentes, relatadas e analisadas neste estudo, revelam que essas exi-gências hoje incluem experiência prévia na utilização do equipamento financiado, projetos técnicos consistentes, disponibilidade de outras fontes de renda – além da atividade a ser financiada –, local de moradia estável, documentos pessoais em ordem, folha corrida policial limpa e disponibilidade de garantias que possam ser facilmente mobilizadas para cobrir a eventual inadimplência.

As experiências relatadas revelam que as condicionalidades tradicionais vêm sendo superadas, pelos menos em parte. A burocracia foi simplificada e os cadastros já não espantam os clientes como no passado. A própria presença freqüente do agente de crédito na comunidade permite um trata-mento mais “amigável” para os inevitáveis papéis. Além disso, a maioria das organizações e progra-mas de crédito rural voltados para os mais pobres já não exige garantias de bem imóveis, de difícil execução em caso de inadimplência; a preferência tem recaído sobre bens de consumo doméstico e aval de outros membros da comunidade. Ainda que muitos não consigam atender a esses requisitos, a exclusão é muito mais baixa do que no caso de exigência de bem raiz.

Muitos programas, em particular os de microcrédito, têm aberto mão das garantias – ou mesmo aceitando a exclusão de outros benefícios valorizados pela família – e trabalhado com base em incen-tivos que se materializam em acesso a fluxos contínuos e crescentes de financiamento.

Não é de surpreender um fato constatado em quase todas as experiências que dispõem de infor-mações, que é a correlação positiva entre rigor nas exigências e o nível de adimplência dos contra-tos. O rigor não é resultado taxativo de regras duras, mas sim da seriedade na aplicação das regras; também não significa, necessariamente, a exigência de propriedades da terra como garantia, mas de ativos valorizados e úteis pelas famílias, ainda que de baixo ou nenhum valor de mercado. Observa-se, portanto, uma relação clara entre o rigor, que é excludente, e o êxito e a sustentabilidade dos programas. Uma questão a ser aprofundada em novas pesquisas é avaliar o perfil das famílias exclu-ídas pelo rigor na seleção usado pelas instituições de financiamento e como apoiá-las para inseri-las em processos sustentáveis de desenvolvimento.

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Papel dos sistemas de informação

Os sistemas de informação são essenciais para o bom funcionamento dos programas de financia-mento rural, e muitas organizações especializadas no financiamento no meio rural têm investido na construção de cadastros sobre os clientes.

As experiências analisadas revelam que nenhum cadastro substitui a informação informal so-bre o cliente, adquirida por meio do conhecimento pessoal que se estabelece entre os agentes das organizações e os clientes, efetivos e potenciais. Em um contexto de mecanismos de cobrança débeis, só este conhecimento permite separar os problemas provocados por negligência do de-vedor daqueles relacionados a fatores climáticos ou outro que possa de fato justificar um atraso. Tal conhecimento permite ainda antecipar os problemas e preveni-los, negociar alternativas sem romper o contrato vigente e, no limite, fazer a cobrança sem comprometer a imagem da organiza-ção perante a comunidade.

Inadimplência e garantias

Alguns dos programas e ou instrumentos de financiamento revisados são respostas à situação de inadimplência que afetou de forma abrangente a muitos ramos da agropecuária regional na última década.

Na década passada e no início da corrente, em vários países da América Latina, foram ob-servadas situações de inadimplência generalizada em linhas de financiamentos rurais, feitos por bancos comerciais, públicos ou privados. Dentre os muitos casos, destacam-se a crise financeira dos produtores rurais no Brasil e na Argentina, dos produtores de leite no Uruguai e dos cafei-cultores em El Salvador. Independente dos fatores que provocaram a situação, a crise revelou a insuficiência das garantias reais, tanto para evitar “inadimplências sistêmicas”, como para reduzir de forma significativa o impacto negativo sobre o sistema financeiro. Em praticamente todos os países, os bancos não tiveram condições políticas e institucionais para executar as garantias, medida que teria provocado um agravamento da crise e uma considerável depreciação dos ativos. O resultado foi a virtual interrupção dos fluxos de financiamento ao setor, situação que apenas permitia a sobrevida dos produtores sem, no entanto, oferecer qualquer perspectiva de superação das dificuldades e, mais importante, de aproveitar novas oportunidades que sur-giam nos mercados para reduzir a inadimplência.

Em cada país, a superação da crise de inadimplência dos produtores rurais assumiu um for-mato particular e exigiu arranjos institucionais próprios com custos financeiros e fiscais dife-renciados. Em alguns casos, como o do Uruguai, estabeleceu-se um fundo de financiamento ao setor leiteiro com base em recursos mobilizados a partir da titularização da venda antecipada do leite. O fundo, financiado pelos fundos de pensões privados daquele país, passou a financiar capital de giro para os produtores manterem a produção e a amortização das dívidas, sendo os empréstimos garantidos pelo desconto compulsório de um percentual do leite entregue à indústria processadora.

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Considerações Finais: o desafio de financiar os excluídos ���

No Brasil a solução envolveu a securitização da dívida bancada pelo Tesouro Nacional. Os produtores tiveram a dívida renegociada em prazo bastante alongado, e os bancos credores re-ceberam, em troca, títulos do Tesouro. A lição importante é a insuficiência das garantias como mecanismo de enforcement, no caso do crédito rural, em situações (que podem ser freqüentes), de problemas climáticos ou de mercado que atinjam o conjunto dos produtores, e não empresas isoladas que não têm sucesso, como ocorre no meio urbano. Na prática, as garantias são usadas como recurso de última instância, até porque, às instituições financeiras, interessa continuar emprestando e financiando, e não receber tratores, máquinas e até terras como pagamento de parte da dívida contraída. Essa experiência de inadimplência “sistêmica” revela a importância de se articular o financiamento a outras políticas voltadas para redução de risco natural e econômico que afetam a agricultura.

Mecanismos de enforcement: fortes ou fracos?

O que se observa é que os mecanismos de enforcement aplicados à agricultura familiar e a produ-tores pobres são, na prática, pouco resistentes. Ainda que possam recorrer às garantias, os agentes financeiros têm evitado essa opção por várias razões. Uma delas, o fato de o custo de transação ser bastante elevado, já que inclui tanto custos monetários para realizar cobranças judiciais e extrajudi-ciais, como o custo político associado a processos contra agricultores familiares. Em muitos casos, executar a garantia com sucesso significa inviabilizar o estabelecimento familiar e onerar justamente aqueles membros do grupo que pagaram sua parte do débito e que têm condições de liderar um processo de melhoria de condições de vida da comunidade.

Outra razão: valor das garantias pequeno e o custo da recuperação dos créditos elevado, o que desestimula o engajamento em cobranças litigiosas. Além disso – tem-se aqui uma terceira razão – uma parcela significativa dos mutuários não tem mesmo como pagar a dívida, ainda que tenham oferecido formalmente as garantias exigidas.

Por último, no caso brasileiro, por exemplo, não é possível desconsiderar o efeito permissivo sobre os agricultores familiares da sucessão de renegociações de débitos, ao longo dos últimos 15 anos, nem tampouco desprezar a idéia muito difundida — e no caso pouco importa se falsa ou ver-dadeira — de que os ricos nunca são punidos pelas dívidas com os bancos oficiais.

Já as organizações privadas e/ou não-governamentais tendem a ser mais rigorosas na concessão dos empréstimos, na seleção dos clientes e na exigência de garantias e cobranças das dívidas. A possibilidade de sucesso, neste caso, de maneira crucial, depende das características da tecnologia de crédito, que precisa ser flexível para se adaptar às condições dos clientes sem perder o rigor, e de sua aplicação caso a caso. Essas organizações tendem a ser mais “conservadoras” na concessão do crédito/financiamento, e o processo de seleção tende a excluir os mais pobres dos pobres. A debili-dade das garantias e as dificuldades de cobrança, em caso de inadimplência, têm funcionado como limitante para o montante da operação, o que restringe o benefício que produtores com capacidade de pagamento poderiam obter do financiamento.

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Informação e alcance

A dificuldade informacional é um gargalo importante para a ampliação da escala de operação de programas alicerçados, em parte, sobre o relacionamento de natureza quase pessoal que se estabe-lece entre o agente da organização e a comunidade, assim como para a replicação dessas tecnologias de crédito em outras áreas.

Espera-se que essa dificuldade se reduza na medida em que se amplie a inserção das comuni-dades nos mercados financeiros e que as operações de crédito e financiamento ganhem maior am-plitude. Com isso, os cadastros formais deverão ser valorizados pela informação acumulada pelas organizações pioneiras. Assim, os próprios demandantes dos serviços já terão um histórico para reportar e embasar suas demandas.

Nesse sentido, uma contribuição do setor público para reduzir a assimetria de informação seria a elaboração de cadastros básicos sobre as famílias rurais que possam servir de base para facilitar a ação das organizações privadas que atuam com financiamento. é um assunto delicado, uma vez que envolve direitos de privacidade, mas é possível equacionar de maneira satisfatória, assegurando ao entrevistado a opção do sigilo informacional.

tecnologia de crédito e alcance

À exceção do Pronaf e do Programa de Microcrédito do Banco do Nordeste do Brasil, que atin-giram escalas de centenas de milhares de famílias beneficiadas, a maioria das políticas de financia-mento rural tem abrangência geográfica relativamente limitada, e alcança uma proporção baixa do público-alvo em geral, ainda que em termos absolutos os números sejam expressivos. O alcance está diretamente relacionado à disponibilidade de recursos, como no caso dos empréstimos sob o meca-nismo de microleasing, da Aned; e à própria tecnologia de crédito utilizada, como no requerimento de integração, em cadeia produtiva, no factoring reverso eletrônico da Nafin.

De fato, as organizações privadas têm operado principalmente com base em fundos rotativos limitados, oriundos de doações e/ou empréstimos de organismos internacionais; e, mesmo realizan-do operações de baixo valor unitário e de elevada rotatividade, não têm capacidade para atingir um público tão massivo quanto os programas públicos.

As tecnologias que têm se mostrado mais adequadas para responder aos desafios enfrentados para operar no meio rural, em especial junto ao público excluído do sistema bancário, não são me-canicamente transferíveis de uma parte a outra; ao contrário, pode-se caracterizá-las como “artesa-nais”, no sentido de que sua construção é laboriosa, exigente em tempo e habilidades que não estão disponíveis para contratação no mercado. Com efeito, essas tecnologias exigem formação de pessoal capacitado, acumulação de conhecimento dos territórios nos quais atua, busca de informação sobre os clientes efetivos e potenciais e desenvolvimento de capital social necessário para articular insti-tuições, agentes e pessoas na sustentação do desenvolvimento local.

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Trata-se de um processo lento, para o qual não se vislumbra um atalho que não implique um relaxamento do conjunto de práticas que compõe o alicerce das tecnologias de crédito rural – já aplicadas, com aparente êxito –, no que se referem aos desafios de beneficiar os mais pobres e ao mesmo tempo de manter a sustentabilidade.

Alcance e sustentabilidade

Ao lado de tecnologias de crédito que valorizam o processo de seleção dos mutuários, também foram observadas outras que privilegiam os mecanismos de definição do público-alvo e os de controle de informações, a fim de evitar vazamento para pessoas que não atendam aos critérios estabelecidos.

A adequação aos critérios que definem os possíveis beneficiários se traduz em “direito” aos be-nefícios do Programa, como ocorre no Pronaf brasileiro. Somente instituições ou políticas públicas podem adotar essa abordagem que produz dois cenários prováveis. No primeiro, como os recursos não são suficientes para atender à demanda, a seleção é feita por mecanismos implícitos de seleção, utilizados pelos agentes responsáveis pela implementação da política, nem sempre consistentes com os próprios objetivos explícitos da política. Na primeira fase do Pronaf (1996-2003), a maior parte dos recursos foi alocada para o custeio de poucos produtos e beneficiou o segmento mais consolidado da agricultura familiar presente em poucos estados da Região Sul do País. Investimentos privados e ou em infra-estrutura, que poderiam reduzir a vulnerabilidade da agricultura familiar e potencializar a capacidade de produção, um dos principais objetivos da política, não foram prati-camente contemplados com recursos neste período. Ou seja, diante do racionamento de recurso, o “direito” de todos se transformou em “privilégio” de uma minoria que, por variadas razões, tem acesso aos benefícios da política.

O segundo cenário é o da expansão dos recursos para beneficiar um número maior de pessoas e de intervenção administrativa/operacional para reduzir os problemas de viés de seleção dentro da categoria, tal como ocorreu no próprio Pronaf, a partir de 2004. O problema é associado à susten-tabilidade do programa, devido ao crescimento tanto da demanda, como da inadimplência, ambos associados ao próprio “direito” ao crédito. A alternativa recomendável seria associar a manutenção do “direito” a “deveres” e ao mérito pelo bom uso dos recursos, o que exigiria, no caso do Pronaf, a introdução de maior rigor no processo de alocação dos recursos entre os beneficiários e o estabele-cimento de mecanismos de acompanhamento dos resultados alcançados pelas famílias.

Sustentabilidade e condições de financiamento

Um dos grandes desafios dos programas de crédito rural tem sido a sustentabilidade das orga-nizações e dos fundos específicos que operam neste segmento, notadamente quando envolve os produtores mais pobres.

A experiência revela que as condições especiais de alocação do crédito rural têm sido responsável pela erosão acelerada dos fundos, cujo retorno não cobre a inflação nem os custos operacionais e

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financeiros dos programas/instituições. As principais causas encontradas são a baixa remuneração do capital emprestado; os custos de operação excessivamente elevados, inerentes à dispersão geo-gráfica e à baixa densidade de população que caracterizam a vida rural; e a má alocação dos recursos de programas mantidos pelo setor público que resulta em atrasos, elevação de custos operacionais e inadimplência. Talvez ainda mais grave seja a falta de evidências claras de que pelo menos esses programas produzam benefícios sustentáveis para os beneficiários que poderiam servir de contra-argumentos para as evidências em contrário.

Antes de tudo, é preciso destacar a falácia de que as condições especiais e a prática de taxa de juros subsidiadas sejam exigências essenciais para alcançar e beneficiar os pequenos produtores rurais e as famílias mais pobres. Em todos os países incluídos no estudo, as experiências mais bem-sucedidas – dêem relação a alcançar os objetivos propostos com sustentabilidade – são justamente aquelas que usam o mercado como parâmetro na alocação dos recursos, que praticam taxas de juros próximas (quase sempre um pouco acima) das taxas de mercado e que são rigorosas no processo de seleção dos beneficiários, bem como exigentes em relação à cobrança. Mais ainda, as informações disponíveis para muitos dos casos analisados permitem inferir que as condições de financiamento e maior rigor na seleção e cobrança não foram incompatíveis com a geração de benefícios para os usuários, nem causa de significativas distorções seletivas.

Relatos pontuais sobre a atuação da Cresol, no sul do Brasil, e da Caja Los Andes, no altiplano boliviano, confirmam tanto o foco em famílias de baixa renda, como os benefícios sociais possibili-tados pelos financiamentos. é provável, ou certo, que os mais pobres dentre os pobres tenham sido excluídos, mas este argumento não pode ser usado como avaliação negativa dessas iniciativas, até porque não há qualquer evidência de que o acesso ao crédito seja de fato uma opção válida para esses grupos extremamente pobres.

Os pontos mais importantes para a sustentabilidade dos programas são a fonte de recursos, a contenção do custo operacional, a manutenção de um portfólio de bons clientes, o baixo nível de inadimplência e a cobrança realista pelos serviços financeiros. As experiências analisadas revelam uma variedade de caminhos/alternativas engenhosas, visando melhorar a sustentabilidade dos pro-gramas de financiamento rural.

O Banco do Nordeste do Brasil “terceirizou” a execução dos programas Agroamigo e Crediamigo para uma instituição privada com o objetivo explícito de reduzir os custos de pessoal, que seriam muito mais elevados no caso de implementação direta, feita por funcionários do próprio banco.

A Cresol, com atuação no sul do Brasil, concentrou parte dos serviços em uma cooperativa cen-tral a fim de reduzir os custos de operação das pequenas cooperativas locais.

Na Bolívia, onde os custos de deslocamento e de comunicação são elevados, a Caja Los Andes utili-za agentes de crédito com múltiplas funções e autoridade para cobrar, alocar créditos dentro de certos limites, receber prestações e monitorar os contratos, reduzindo, desta forma, os custos operacionais.

O rigor no processo de seleção e de cobrança é comum em muitas experiências – caso exemplar é o da Financeira Calpiá. O fato é que a baixa inadimplência associada a uma estrutura enxuta são

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fatores-chave para a expansão sustentável das organizações financeira que atuam no meio rural com recursos captados no mercado ou oriundos da cooperação internacional. Mesmo aquelas que operam com fontes públicas têm procurado manter baixos os custos e reduzir a inadimplência. Neste contexto, a tecnologia de crédito adotada tem papel fundamental, e uma boa medida para governos interessados em estimular o acesso dos pobres ao crédito é financiar o desenvolvimento de tecnologias apropriadas para a realidade local, em vez de subsidiar permanentemente a operação de programas deficitários em nome do social.

Sustentabilidade e fonte de recursos

A maior restrição enfrentada pelos programas de financiamento é a disponibilidade de recursos para dar início e atender a expansão da demanda. No Brasil, os programas voltados para os agricul-tores familiares e para as famílias mais pobres vêm contando com ampla oferta de recursos públicos, parcialmente subsidiados por fontes orçamentárias. Pelo menos no passado recente, a dependência de recursos públicos se traduziu em instabilidade no financiamento das políticas públicas, dificul-dades de manter estratégias consistentes de longo prazo e intervenções prejudiciais de natureza política em relação aos objetivos e meios utilizados.

é preciso reconhecer os progressos institucionais registrados em muitos campos na maioria dos pa-íses da região. Ainda que possa parecer precipitado avaliar pelo passado, seria incauto não alertar para os riscos da dependência excessiva de fontes públicas de financiamento. Também é preciso reafirmar a constatação inicial de que a maioria dos países não tem condições para bancar programas relevantes de financiamento rural, o que reforça a importância de viabilizar fontes alternativas no setor privado.

Muitas organizações vêm operando com base em doações e ou empréstimos de organizações inter-nacionais. Essas fontes servem para constituir fundos rotativos, cuja reprodução requer a cobrança de taxas de juros realistas, pelo menos próximas à praticada pelo mercado. Na verdade, o maior problema dos produtores rurais mais pobres não são as taxas de juros de mercado, mas a falta de acesso ao cré-dito e a serviços financeiros; além disso, as condições de mercado não têm se mostrado incompatíveis com a rentabilidade dos produtores, sendo, pois, essenciais para a manutenção do valor dos fundos rotativos. O problema de sustentabilidade, neste caso, está associado à rigidez das condições do em-préstimo e à limitação de recursos que impede a expansão das experiências bem-sucedidas.

Fundos de aval

Os fundos de aval têm se proliferado pela região e são, muitas vezes, apresentados como uma panacéia para a deficiência de garantias de parte dos produtores. As experiências – sobre as quais se dispõe de estudos – revelam tanto a utilidade quanto os limites dos fundos de aval.

Fundos de aval comunitários, constituídos com a contribuição dos próprios participantes, ten-dem a ser geridos de forma mais cautelosa e funcionam, em geral, como catalisadores para outras atividades de caráter comunitário e para o desenvolvimento do capital social. Quando o benefício

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é condicionado à contribuição para o fundo, cada participante funciona como fiscal dos demais, reduzindo comportamentos oportunistas e coberturas fraudulentas. Contudo, a exigência de contri-buição exclui famílias muito pobres e restringe o universo dos que têm acesso às garantias do fundo para buscar financiamento. Fundos constituídos com recursos públicos, ou doações de organismos internacionais, têm alcance mais amplo do que os fundos comunitários, mas enfrentam problemas de gestão e sustentabilidade.

é preciso ter claro que o fundo de aval não resolve o problema de screening nem de falta de ga-rantia, mas apenas transfere ambos para o próprio fundo, cuja sustentabilidade depende da fonte de recursos, da adequada seleção e da capacidade de enforcement dos contratos. Quando colocados como alternativa fácil para o acesso ao crédito (relaxamento da seleção e enforcement), os fundos de aval tendem a fracassar e/ou a exigir sempre novos aportes de recursos, o que na melhor das hipó-teses restringe seu alcance.

As análises indicam que os fundos lidam de forma adequada com a inadimplência ocasional e isolada, mas enfrentam problemas quando a inadimplência é generalizada e está associada à perda de safra devido aos fatores climáticos. Nessas situações, a cobertura das dívidas erode de maneira bastante rápida o fundo, que perde condições de continuar atuando. Fica muito claro que o fundo de aval não substitui nem funciona como seguro, equívoco cometido por muitas propostas de criação de fundos de aval.

A titularização como fonte alternativa de recursos

Um problema comum a todos os países é a restrição de fundos públicos que, no passado, fo-ram usados pelos programas de financiamento rural. Operações de crédito realizadas por agentes privados também são comuns na região, seja entre produtores e comerciantes e ou indústrias, seja entre produtores e bancos comerciais. Essas operações, cuja importância é maior do que se imagina, sempre foram lastreadas, pelo menos em parte, em formas pessoais de garantias e enforcement.

Alternativa para captar recursos privados de uma maneira mais abrangente, e que vem sen-do adotada em vários países, é a chamada titularização. Embora a experiência seja recente, já é possível constatar que as vantagens da operação são de fato grandes e inegáveis. O volume de recursos captados multiplica-se de maneira acelerada em todos os países; as condições de financiamento são pelo menos equivalentes e ou melhores do que as vigentes no mercado de crédito bancário; os prazos são mais flexíveis e, o acesso, para os produtores com lastro bancá-rio e comercial, facilitado.

A titularização não pode ser apresentada como panacéia para a restrição de financiamento. Como qualquer fundo de investimento, está sujeita aos movimentos de liquidez da economia e tende a atrair mais recursos nas fases de crescimento e de boas oportunidades; e a se retrair no anticíclico. Atua na captação de recursos de curto e de médio prazo; por isso, tende a refletir as condições de financiamento vigentes no mercado de empréstimos de curto prazo, nem sempre compatíveis com as particularidades da agricultura.

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é um tipo de modalidade que exige clientes com lastro bancário ou com relações estáveis com traders, agroindústrias e grandes comerciantes e, dificilmente, beneficia os agricultores familiares que não estejam integrados com agroindústrias e grandes cooperativas. A expansão e a sustentabi-lidade deste tipo de mecanismo dependerão do marco regulatório vigente em cada país.

A experiência fraudulenta dos títulos de boi gordo e o fracasso do negócio da avestruz no Brasil, no passado recente, certamente impactarão na disposição do pequeno e do médio investidor em aplicar recursos em novos fundos voltados para a agricultura. é provável, portanto, que, pelo menos de imediato, a titularização fique restrita aos fundos de pensão, aos investidores institucionais e às grandes operadores no mercado financeiro.

Um enorme desafio para a política pública é encontrar mecanismos para tornar todos esses títulos mais acessíveis aos produtores menos privilegiados, como uma maneira de diminuir a de-pendência de recursos públicos. Pelo menos parte destes recursos poderia ser utilizada para abaixar o custo dos citados instrumentos para o produtor e ampliar as disponibilidades das alternativas de financiamento por meio de agentes de crédito como nos programas de microcrédito aqui apresen-tados. Isso aumentaria o alcance destes instrumentos privados e contribuiria para o fortalecimento da cultura de cumprimento de contratos que outros programas mais fracos, do ponto de vista do enforcement, não têm podido assegurar.

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MICRoCRédIto

noMePAíS / Ano

PRogRAMA nACIonAL de FoRtALeCIMento dA AgRICuLtuRA FAMILIAR (PRonAF).BRASIL (1996).

origem e estrutura atual – fonte de recursos

origem: programa de valorização da pequena produção rural (provap), 1994, em resposta às reivindicações dos trabalhadores rurais;

programa nacional de apoio à agricultura familiar (pronaf), criado em 1996.

estrutura atual:

vinculado à secretaria da agricultura familiar (saf) do ministério do desenvolvimento agrário (mda);

opera quatro instrumentos e um conjunto de programas específicos:a) financiamento da produção;b) financiamento de infra-estrutura e serviços municipais;c) capacitação e profissionalização dos agricultores familiares;d) financiamento da pesquisa e extensão rural.

Fonte de recursos: fontes do sistema nacional de crédito rural (sncr): fat, fundos constitucionais (fne, fco e fno), recursos próprios dos bancos cooperativos, recursos de operações oficiais de crédito do orçamento geral da união (ogu) e os recursos obrigatórios (mcr 6.2).

Público-alvo – linhas e condições de financiamento

Público-alvo: beneficiários da reforma agrária e produtores enquadrados no conceito de agricultores familiares.

os produtores são classificados em 5 grupos:

(i) estabilizados economicamente (grupos d e e);(ii) com exploração intermediária, mas com bom potencial de resposta produtiva (grupo c);(iii) com baixa produção e pouco potencial de aumento da produção (grupo b) e;(iv) os assentados pelo processo de reforma agrária (grupo a).

Linhas de financiamento: crédito de custeio, crédito de investimento e crédito individual.

Condições de financiamento:custeio (para os grupos c, d e e);investimento (grupos a, b, c, d e e): taxas de juros fixas, variando entre 1% a 7,25% ao ano;limites de financiamentos definidos por modalidade de crédito e grupo de agricultor;condições de financiamento variam segundo o grupo de beneficiário e os agentes financeiros.

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18. MAtRIz – ReSuMo

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garantias garantias: as garantias variam de acordo com o grupo e o valor de financiamento do beneficiário nas alternativas:a) garantia pessoal do próprio beneficiário; b) hipoteca; c) penhor ou alienação fiduciária; d) aval solidário.

a fim de evitar o desvio na alocação dos recursos para produtores que não se enquadram no público-alvo do pronaf, as organizações locais atestam a condição de agricultor familiar de cada pretendente ao crédito.

a partir de 1997, para aumentar as garantias bancárias a empréstimos voltados a populações de baixa renda, muitas prefeituras estimularam a formação de fundos de aval, com recursos das administrações municipais, dos próprios produtores e, por vezes, de outras organizações.

Seleção (screening)

screening: os beneficiários do pronaf precisam comprovar a condição de agricultor familiar e o enquadramento em um dos grupos do programa mediante declaração de aptidão ao pronaf (dap), ponto de partida para a concessão de crédito rural aos agricultores familiares sob condições diferenciadas de encargos financeiros, prazo para reembolso e incentivos diretos sobre o montante do capital utilizado.

a dap é fornecida para a unidade familiar de produção como um todo, englobando todos os membros da família que habitam a mesma residência e/ou exploram as mesmas áreas.

Enforcement Enforcement: em relação aos agricultores familiares, os mecanismos de enforcement são, na prática, débeis. ainda que possam recorrer às garantias, os agentes financeiros têm evitado essa opção por várias razões. em primeiro lugar, o custo de transação é bastante elevado, já que inclui tanto custos monetários para realizar cobranças judiciais e extrajudiciais, como o custo político associado a processos contra agricultores familiares. este componente não pode ser negligenciado em um país como o brasil, marcado por profundas desigualdades e assimetrias entre os atores sociais. em segundo lugar, o valor das garantias é pequeno.

Alcance (outreach)

Alcance: o pronaf representa uma das mais importantes conquistas dos movimentos sociais do brasil contemporâneo. suas lições vão além do interesse específico do setor agrícola que consiste na tentativa permanente de imprimir racionalidade econômica a uma política social de caráter redistributivo.

segundo dados oficiais do ministério de desenvolvimento agrário, no ano de 2004, aproximadamente 1,57 milhão de pessoas firmaram contratos do pronaf, contra 953,2 mil, em 2002.

o volume de recursos destinado pelo governo ao financiamento rural de agricultores familiares também apresentou expressivo crescimento, passando de r$ 2,4 bilhões, em 2002, para r$ 5,6 bilhões, em 2004, o que representa um incremento de 134,2%. na safra 2005/2006, foram 1.913.043 contratos, totalizando um investimento de 7,61 bilhões.

Sustentabilidade Sustentabilidade: o crescimento dos elevados custos suportados pela união para equalizar as fontes e pagar os custos bancários do pronaf têm esbarrado nas restrições fiscais do estado brasileiro. no entanto, essas limitações impedem a ampliação do crédito entre os setores mais descapitalizados da agricultura familiar, além de comprometer a manutenção do pronaf nos próximos anos.

o principal limitante financeiro para a expansão do pronaf está no alto custo para a equalização dos juros, pagamentos de taxas e spread bancários, e nos rebates concedidos nos créditos.

desde que haja recursos para a equalização das fontes, especialmente do fat, ainda há margem para crescimento. há ainda os recursos dos fundos constitucionais e os recursos obrigatórios.

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Matriz – resumo ���

noMePAíS / Ano

cAjA dE AhoRRos y cRéditos Los AndEs s.A. F.F.P. BoLívIA (1995).

origem e estrutura atual – fonte de recursos

origem: como agente de microcrédito, surgiu em julho de 1995, tendo, como base, a carteira, atividades e tecnologia creditícia da ong asociación ProCrédito, criada em 1992, fundadora e principal acionista da Caja de ahorros.

estrutura atual: desde 2005, a financeira Caja de ahorros e Créditos los andes opera como Banco los andes ProCredit.

Fonte de recursos: desde a sua fundação, em 1992, recebe recursos do banco interamericano de desenvolvimento (bid), da Corporación andina de fomento (caf), da agência alemã gtZ e do governo da suíça. além disso, a Caja los andes recebeu assistência técnica da consultoria alemã interdizciplinäre Projekt Consult (ipc), que contribuiu para sua tecnologia de empréstimos individuais.

Público-alvo – linhas e condições de financiamento

Público-alvo: o Banco los andes ProCredit oferece empréstimos individuais classificados nas categorias de cliente rural e cliente microempresarial para os setores de comércio, serviços e produção.

o Banco los andes ProCredit também oferece empréstimos para assalariados e para pymes (empresas pequenas e médias).

Linhas de financiamento: a linha de crédito agropecuário não distingue entre empréstimos de investimento e empréstimos de custeio.

Condições de financiamento: o analista de crédito da Caja los andes tem discricionariedade para definir o montante do empréstimo, o esquema de pagamento, o prazo outorgado e as garantias requeridas de acordo com as características de cada cliente. esta discricionariedade não existe em relação à taxa de juros nominal cobrada. a taxa de juros efetiva média para os empréstimos da Caja los andes tem se situado ao redor de 20% anuais.

garantias garantias: para empréstimos menores a us$ 7.500 são aceitos penhores sobre bens do domicílio ou do negócio, sem inscrição. para empréstimos até us$ 7.500 são aceitos documentos de custódia, desde que acompanhados por outros tipos de garantia. para o crédito agropecuário são aceitos penhores sobre a produção futura a partir da comercialização.

para empréstimos superiores a us$ 7.500, as garantias aceitas pela Caja los andes são semelhantes às tradicionalmente aceitas pelos agentes financeiros como máquinas, equipamentos e veículos, além das hipotecas sobre imóveis.

para empréstimos grandes, utiliza-se o mecanismo da hipoteca.

Seleção (screening)

screening: o banco los andes investe significativos recursos no monitoramento dos candidatos. pede aos tomadores que indiquem ativos para servirem de garantia dos empréstimos. o verdadeiro incentivo para o pagamento do débito vem do risco de se perder bens importantes da casa. o monitoramento de los andes inclui visitas ao local de trabalho e à residência do tomador. as visitas ao local são complementadas por consultas com as agências de microfinança, ainda em formação na bolívia, sendo que a aprovação final é dada pelo escritório central.

Enforcement Enforcement: o rigor na avaliação detalhada da capacidade e da disponibilidade de pagamento dos clientes (screening) e na definição dos termos e condições do contrato diminui a necessidade de um acompanhamento direto dos tomadores (monitoring), após o desembolso do empréstimo.

assim, a organização tem que investir menos na segunda etapa, sem que o risco necessariamente aumente.

na Caja los andes, exige-se o cumprimento da obrigação em qualquer caso, requerendo do tomador a demonstração da existência de fontes de pagamento adicionais para o caso de quebra de safra.

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Alcance (outreach)

Alcance: até outubro de 2006, o Banco los andes Procrédit tinha uma carteira de us$ 181 milhões dos quais us$ 5,6 milhões foram destinados a empréstimos de microcrédito agropecuário com 77 mil clientes tomadores de crédito.

os clientes da Caja los andes, agora Banco los andes, se comparados a outras instituições membros da asociación de Entidades financieras Especializadas en micro finanzas de Bolivia (asofin), que atendem o público rural, é o segundo no país em termos de número de clientes e de montante de empréstimos, logo atrás do prodem, que é o fundo financeiro privado que atende o público rural com maior cobertura em âmbito nacional.

porém, existem outras instituições na bolívia que atendem a um público ainda mais pobre e que utilizam tecnologia de crédito baseado, entre outros, no aval solidário.

Sustentabilidade Sustentabilidade: a Caja los andes desenvolveu sua tecnologia de crédito rural como uma extensão da tecnologia urbana relativamente bem-sucedida.

a ênfase na qualidade do serviço se dá na minimização dos custos de transação para a organização e para o mutuário, no rigor da seleção e na exigência de garantias, na flexibilidade para adaptar os contratos às exigências e às condições dos clientes e no compromisso de sustentabilidade e construção de relacionamentos estáveis e de longo prazo.

a diversificação de operações, junto com o rigor da tecnologia, reduz a vulnerabilidade da organização, tanto frente ao risco de inadimplência por falha da tecnologia, como frente às crises que podem afetar parte dos clientes.

a sustentabilidade da Caja depende da estratégia de expansão futura. o desafio parece ser o de se expandir, mantendo o crescimento e os custos de transação sob controle, sem perder o controle sobre a qualidade e a potencialidade da clientela.

noMePAíS / Ano

MICRoCRédIto PRodutIvo do BAnCo do noRdeSte: CRedIAMIgo. BRASIL (199�).

origem e estrutura atual – fonte de recursos

origem: o banco do nordeste foi criado, em 1952, tendo por finalidade promover o desenvolvimento sustentável da região nordeste brasileira por meio de financiamento e de suporte à capacitação técnica dos agentes produtivos regionais.

em 1997, lançou o crediamigo, que se beneficiou do apoio técnico da acción internacional, além da Consultative group to assist the Poorest e contou com financiamento do banco mundial.

estrutura atual: atualmente, o instituto nordeste cidadania operacionaliza o crediamigo em toda a área de atuação do banco do nordeste.

Fonte de recursos: as fontes de recursos do programa crediamigo vêm do banco mundial e da lei n° 11.110/2005, que direciona 2% dos depósitos à vista captados pelas instituições financeiras para operações de créditos destinados à população de baixa renda e aos microempreendedores.

Público-alvo – linhas e condições de financiamento

Público-alvo: os clientes do crediamigo são pessoas que trabalham por conta própria, donos de pequenos negócios que atuam geralmente no setor informal da economia.

o programa permite o acesso da população de baixa renda graças à metodologia de aval solidário em que de três a dez microempresários, interessados no crédito, formam um grupo que se responsabiliza pelo pagamento integral dos empréstimos.

Linhas de financiamento: o programa opera linhas de financiamento de até 6 meses para capital de giro e de 36 meses para investimento fixo, ambos sem carência. o empréstimo subseqüente pode ser 50% maior do que o empréstimo anterior.

Condições de financiamento: os termos para empréstimos variam de 1 a 6 meses para empréstimos a grupos solidários. as taxas de juros são mais altas do que as praticadas pelos bancos populares, mas menores do que as de crédito ao consumidor ou até mesmo aquelas de empresas de factoring.

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Matriz – resumo ���

garantias garantias: as principais garantias exigidas são o “aval solidário” e o avalista. no caso dos grupos de 3 a 30 pessoas, que sejam amigos, solidários e que morem ou trabalhem próximos, o “aval solidário” é aceito como garantia conjunta para o pagamento das prestações.

para os produtos de giro individual ou de investimento fixo é necessário um avalista.

a participação de parentes no grupo está restrita a, no máximo, 50% dos seus integrantes, contando que tenham independência financeira, núcleos familiares e locais de trabalho distintos. não é permitida a participação de cônjuges no mesmo grupo.

Seleção (screening)

screening: uma microempresa cliente deve ter pelo menos um ano de idade com fluxo de caixa adequado. grupos solidários formados recentemente recebem treinamento de agentes de crédito sobre suas responsabilidades e sobre as características do empréstimo.

na operacionalização do crédito, o crediamigo adota a metodologia de microcrédito produtivo orientado que exige o relacionamento direto com os microempreendedores no local.

o atendimento dos empreendedores é feito por pessoas treinadas com o fim de efetuar o levantamento sócio-econômico para definição das necessidades de crédito, e há também a prestação de orientação educativa sobre o planejamento do negócio.

Enforcement Enforcement: em 1999, o sistema de incentivo de comissão para os funcionários, que estimulava a expansão da carteira para “ganhar comissão”, foi modificado e complementado pela instalação de um sistema de monitoramento de portfólio para inadimplência no nível do agente de empréstimos, eliminando os “incentivos” para a expansão da carteira sem um processo seletivo mais criterioso.

a qualidade de sua carteira e a produtividade do seu pessoal está em níveis geralmente associados com as melhores práticas internacionais.

a taxa de inadimplência do programa, em 2006, foi de 0,73% (valores em atraso de 1 a 90 dias).

carteira em risco de 0,6% (saldo devedor das operações em atraso de 30 a 90 dias).

perda de 1,08% (saldo das operações em atraso entre 90 e 360 dias).

Alcance (outreach)

Alcance: o crediamigo iniciou suas operações em 5 agências do bnb, em novembro de 1997. em cinco meses expandiu para 50 outras agências, mas com portfólio de baixa qualidade.

hoje em dia, o crediamigo distribui seus produtos por 170 unidades, e é uma das maiores instituições de microfinanças da américa latina, com 235.729 clientes ativos e um portfólio ativo de r$ 170 milhões.

os empréstimos acumulados de 1998 a novembro de 2006 são da ordem de r$ 2,72 bilhões, que representam 3,17 milhões de operações. com esse desempenho, o crediamigo consolida-se como o maior programa de microcrédito produtivo orientado do brasil.

Sustentabilidade Sustentabilidade: a lucratividade do programa tem melhorado ao longo dos anos e desde 2002 apresenta retornos positivos sobre os ativos médios.

das suas 170 unidades, 162 são operacionalmente sustentáveis.

o crediamigo tem mantido seus custos baixos e melhorado o foco no cliente por meio da separação do seu pessoal dos do bnb. não apenas vem permitindo a adoção de treinamentos especializados e oferecendo bônus e incentivos, como também tem sido poupado do pagamento da necessidade do pagamento de salários gerados por trabalhadores do setor público e funcionários de bancos formais.

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noMePAíS / Ano

MICRoCRédIto PRodutIvo do BAnCo do noRdeSte: AgRoAMIgo. BRASIL (2004).

origem e estrutura atual – fonte de recursos

origem e estrutura atual: em janeiro de 2005, o banco nordeste do brasil s.a. e o instituto nordeste cidadania celebraram um segundo termo de parceria, visando operacionalizar, em toda a rede de agência do banco, o programa agroamigo, criado com o objetivo inicial de atender agricultores familiares no âmbito do pronaf, classificados como grupo “b”. o programa adota metodologia específica de microcrédito rural, desenvolvida entre o banco nordeste do brasil s.a., a gtZ – cooperação alemã de desenvolvimento e o ministério do desenvolvimento agrário (mda), dentro dos conceitos estabelecidos pelo programa nacional de microcrédito produtivo orientado (pnmpo).

Fonte de recursos: o financiamento é realizado com recursos do fundo constitucional de financiamento do nordeste (fne). podem ser utilizados recursos do tesouro nacional (stn).

Público-alvo – linhas e condições de financiamento

Público-alvo: inicialmente, agricultores familiares que exploram parcela de terra na condição de proprietários, posseiros, arrendatários ou parceiros, e desenvolvem atividades agrícolas e não-agrícolas no meio rural.

Linhas de financiamento: linhas de investimentos em atividades agropecuárias e não-agropecuárias desenvolvidas no meio rural, podendo contemplar verbas para custeio, limitado a 35% do valor da proposta.

Condições de financiamento: o programa opera linhas de investimentos em atividades agropecuárias e não agropecuárias desenvolvidas no meio rural, podendo contemplar verbas para custeio. o prazo de pagamento é de até dois anos, com carência de até 12 meses, de acordo com o plano de negócio e a atividade financiada.

garantias garantias: o programa não exige garantias tradicionais; apenas a garantia pessoal do tomador do crédito.

Seleção (screening)

screening: a metodologia de microcrédito rural está baseada no crediamigo, tendo como principal característica a forte presença local do assessor de microcrédito rural, que recebe treinamento específico da metodologia de microcrédito produtivo orientado, com enfoque comportamental e de desenvolvimento sustentável.

a metodologia do agroamigo é constituída de 9 (nove) fases. na fase (iv), de elaboração de plano de negócios, o assessor recebe a documentação do cliente na própria comunidade, discute com ele sua intenção de negócio, presta orientação educativa para o crédito e sobre o negócio proposto e elabora o plano de negócios.

Enforcement Enforcement: para acompanhar as operações de crédito, os assessores visitam os clientes. além das visitas de orientação do próprio assessor, são realizadas visitas de verificação de investimentos por outro assessor lotado na mesma agência. até o final de 2006, o programa registra inadimplência de 0,76 %. como forma de aperfeiçoamento do programa, foi implantado um processo de monitoração que consiste em verificar se a metodologia preconizada está sendo aplicada. adicionalmente, foram criadas funções de assessores administrativos que acompanham as ações do programa no âmbito estadual.

Alcance (outreach)

Alcance: o agroamigo aplicou, em 2005, r$ 17.493.750,00, correspondendo a 18.131 operações. com a ampliação do programa, em 2006, tem acumulado uma carteira de r$ 168 milhões, envolvendo 156 mil operações de crédito.

Quanto ao gênero, a porcentagem de mulheres financiadas alcança 47,3% do total. o programa vem buscando diversificar os financiamentos por atividade econômica como forma de reduzir risco para os agricultores.

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Matriz – resumo ���

Sustentabilidade Sustentabilidade: a oscip instituto nordeste cidadania, responsável pela implementação do programa, consegue operar com custos inferiores aos que teria o banco nordeste, caso tivesse optado pela implementação direta do programa.

os assessores utilizam motocicleta, tanto por razões de custo, como de agilidade no deslocamento para as comunidades atendidas.

noMePAíS / Ano

SISteMA de CooPeRAtIvAS de CRédIto CoM InteRAção SoLIdáRIA (CReSoL).BRASIL (1995).

origem e estrutura atual – fonte de recursos

origem: em 1995, foi criada a primeira cresol, seguida, posteriormente, por mais quatro cooperativas. as cinco primeiras cooperativas garantiram a constituição das condições necessárias para criar a cooperativa central base de serviços cresol (cresol – baser), com o objetivo de financiar a agricultura familiar nos estados em que opera e apoiar o esse tipo de sistema.

estrutura atual: a cresol é um sistema integrado de cooperativas singulares de crédito, centrais de regionais de serviços (bases) e uma cooperativa central de crédito, com atuação nos estados do paraná, santa catarina e rio grande do sul.

constituídas e dirigidas por agricultores familiares, as cooperativas se organizam de forma vertical, sendo a cresol – baser responsável pelo relacionamento com o banco central e com o governo federal, administrando os programas de crédito.

os agentes de desenvolvimento e crédito atuam nas comunidades, captando recursos e apresentando propostas de geração de renda voltadas ao desenvolvimento local.

Fonte de recursos: o sistema cresol recebe fundos de fontes externas: pronaf e linha de microcrédito do bndes. além disso, as receitas das cooperativas do sistema cresol são recebidas com operações de crédito (juros pagos pelos empréstimos com recursos próprios e de repasse), aplicações dos recursos excedentes no banco do brasil, prestação de serviços, recebimento de financiamentos provisionados (reversões de provisões) e outras receitas gerais.

Público-alvo – linhas e condições de financiamento

Público-alvo: o quadro social é composto por agricultores familiares que explorem área inferior a quatro módulos rurais.

É permitida a associação de mais de um membro da família, o que ocorre com freqüência, verificando-se muitos casos de participação do pai, mãe e filho no quadro social da cooperativa.

ainda, podem associar-se pessoas jurídicas, desde que desenvolvam atividades agropecuárias ou agroindustriais e cuja maior fonte de renda provenha de atividades agropecuárias.

Linhas de financiamento: microcrédito, cédula rural pignoratícia, financiamento habitacional e financiamento para a lavoura.

Condições de financiamento: no crédito pessoal, as taxas são em torno de 4,5% ao mês. o crédito é calculado pela fórmula tJlp+comissão+juro. a taxa para cheque especial, definida pela central, está em 6,5% ao mês, juros simples. o crédito rural pignoratício está no patamar de 2,88%, mas há cooperativas trabalhando com 2% e uma com 1,5%.

na linha do financiamento para a lavoura, a cresol coloca à disposição do associado financiamentos do pronaf e do proger.

as cooperativas do sistema cresol não cobram taxas extras (além dos juros) de seus associados para o uso de contas correntes, fornecimento de talão de cheques, depósitos cooperativos ou empréstimos pessoais.

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garantias garantias: as garantias aceitas pela instituição são: aval de terceiros e aval solidário. a hipoteca, por sua vez, é feita sobre a terra nua.

a garantia real tem que ser de 1,3 vezes o valor do empréstimo. no entanto, mesmo havendo alguma resistência ao aval de terceiros, o aval solidário ainda é a forma mais freqüente de garantia utilizada.

não é exigida hipoteca de imóveis para os financiamentos. para empréstimos maiores, é exigido avalista, penhora ou hipoteca (a depender do valor do empréstimo e da modalidade de financiamento).

Seleção (screening)

screening: para o ingresso nas cooperativas do sistema cresol, o agricultor deve ser indicado por algum cooperado de sua comunidade. uma vez indicado, o agricultor solicitante é obrigado a participar de um processo de capacitação. após o cumprimento destes requisitos, é realizada a análise da documentação básica, consultando os registros nos órgãos de defesa ao crédito. depois da aprovação do conselho, o agricultor deve depositar, no mínimo, a quantidade de quotas definidas, estatutariamente, equivalente a 10 sacas de milho.

por fim, é realizado o cadastro sócio-econômico do agricultor. a partir do momento em que o agricultor é aceito na cooperativa, ele está apto a tomar qualquer tipo de empréstimo ofertado pelo sistema cresol.

Enforcement Enforcement: o cooperado que não quitar seu financiamento, será automaticamente impedido de pleitear outro financiamento. entretanto, os cooperados, que cumprirem suas obrigações dentro dos prazos estabelecidos, poderão pleitear, sem burocracia, financiamentos com recursos próprios da cooperativa, com prioridade na liberação dos recursos oficiais do pronaf na safra seguinte.

o aval solidário para os créditos grupais têm surtido efeito positivo e educativo para o quadro social.

as taxas de inadimplências no sistema cresol variam de acordo com a modalidade de crédito. para os recursos próprios das cooperativas, as taxas giram em torno de 4% para o cheque especial; 8% para o crédito pessoal (cac); e 3,5% para o crédito rural com recursos próprios (crp).

Alcance (outreach)

Alcance: em 1995, o sistema possuía apenas quatro cooperativas. Já em 2004, dispunha de 75 cooperativas com mais de 42 mil associados nos três estados da região sul.

a organização, com 10 anos de operações ligadas a microcrédito e a financiamento rural para pequenos empreendedores associados, contava com 32.711 associados e com 47.257 operações creditícias ativas.

na safra 2004/2005, foram gastos r$ 35,8 milhões com o Pronaf Custeio e r$ 31 milhões para o Pronaf investimento, sendo que r$ 48,3 milhões emprestados foram com recursos próprios, com um valor médio de r$ 1.530,00 por empréstimo.

Sustentabilidade Sustentabilidade: a comparação entre receitas e despesas do cresol demonstra que as contas estão bem “apertadas”, refletindo a política adotada pelo sistema, que trabalha com uma margem operacional muito pequena, subsidiando a criação de novas cooperativas e assumindo os riscos dos financiamentos de seus associados.

o custo operacional das cooperativas varia muito de acordo com cada cooperativa e com as taxas de inadimplência.

o sistema cresol oferece a demonstração prática de que é possível construir uma organização financeira sustentada pela coesão de uma rede local com conhecimentos interligados e pela aplicação de saudável tecnologia creditícia adaptada ao contexto local e às exigências do público-alvo. a experiência está marcada por várias circunstâncias relevantes, que possivelmente dificultam a reprodução do “modelo cresol”. outro fator importante refere-se à fonte de recursos públicos, ofertados em condições especiais por meio das cooperativas, que se colocam como intermediárias entre o governo e os pequenos produtores. essa prestação de serviço eleva, sem dúvida, o “valor” da cooperativa para os associados e facilita sua operação.

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Matriz – resumo ���

tItuLARIzAção

noMePAíS / Ano

A CéduLA de PRoduto RuRAL. BRASIL (1994).

origem e estrutura atual – fonte de recursos

origem: a cédula de produto rural (cpr) foi criada em 1994. É um título de promessa de entrega futura de produtos agropecuários, podendo ser emitido pelos agricultores e suas organizações. os principais objetivos da CPr física são:

financiar a produção por meio da venda antecipada do produto pelo agropecuarista; garantir o suprimento de matérias-primas por meio da venda antecipada da produção agroindustrial;vender insumos por intermédio de operações de troca;fornecer alternativa de investimentos via fundos.

estrutura atual: em 2000, foi regulamentada a adoção da CPr financeira e, em 2001, foi criada a CPr com liquidação em dinheiro.

atualmente, a operação com cpr envolve várias instituições, dentre as quais se destacam a bolsa de mercadorias & futuros (bm&f), o banco do brasil, as organizações dos agricultores (associações e cooperativas) e as agroindústrias.

Fonte de recursos: os recursos para operações com títulos financeiros do agronegócio, como a cpr, provêm principalmente de três fontes básicas que interagem: os recursos das operações bancárias na compra de cprs, em especial o banco do brasil; os recursos das empresas nacionais (tradings, cooperativas, agroindústrias, empresas vendedoras de insumos) captados em operações de accs e outros mecanismos; e os recursos próprios ou captados pelas grandes tradings internacionais de commodities que operam na agricultura brasileira.

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Público-alvo – linhas e condições de financiamento

Público-alvo: a cpr é um instrumento útil para grandes produtores. sua possível utilização pelos produtores familiares fica na dependência de uma substancial redução de seu custo financeiro e da ação das cooperativas e associações de produtores.

Linhas de financiamento: custeio, comercialização e quaisquer outras gastos do produtor. trata-se de um empréstimo privado, e o produtor tem inteira autonomia para decidir a utilização do recurso.

Condições de financiamento: os encargos financeiros têm variado entre 25 e 30%. a cpr é um instrumento de financiamento não creditício. as “condições de financiamento” são determinadas por fatores primários: a taxa de juros vigente no mercado financeiro doméstico, que determina em grande medida o deságio aplicado sobre o preço de venda, e o custo do aval.

embora o deságio seja influenciado por vários fatores, entre os quais a oferta e a demanda de títulos, as expectativas em relação ao comportamento da produção e dos preços são favoráveis, pois há, ainda, a necessidade das agroindústrias de assegurar matéria-prima etc.

o custo de oportunidade do dinheiro aplicado na compra da cédula é determinado pela taxa de juros líquida que o comprador poderia obter caso decidisse aplicar esta soma no mercado financeiro (taxa selic – sistema especial de liquidação e custódia).

o custo do aval é influenciado pelo portfólio do cliente no banco avalista e pelas garantias oferecidas.

garantias garantias: a garantia básica é o próprio penhor da safra, estabelecido no contrato, com a área da lavoura demarcada. na situação na qual o cliente já atingiu seu limite de crédito junto ao banco — comum no brasil devido às renegociações de dívida —, o banco exige o aval de um terceiro.

no caso da CPr física, a principal garantia solicitada de produtores estabelecidos na região e com crédito na praça é o penhor da safra. para clientes novos, muitas empresas exigem o aval de terceiros. É rara a solicitação da propriedade como garantia, até porque, em geral, a propriedade já está vinculada a outros empréstimos tomados pelos produtores.

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Seleção (screening)

screening: o screening é feito pelos bancos, cooperativas e empresas que mantém relacionamento direto com os produtores. a base do screening são as informações bancárias e comerciais.

na outra ponta da colocação da cpr no mercado, os negócios foram facilitados pela criação da bolsa brasileira de mercadorias (bbm), iniciativa da bm&f com outras sete bolsas regionais de mercadorias.

a bbm opera um sistema integrado de registro eletrônico e funciona como clearing house para transações com contratos agropecuários, inclusive as operações com cpr. este sistema permite o acesso eletrônico à informação e oportunidades de negócios para as tradings que operam no brasil, sendo possível oferecer e comprar contratos, registrar operações e garantir a custódia dos títulos.

uma das maiores vantagens do sistema é que ele permite que potenciais investidores vejam os títulos que estão garantindo suas operações.

Enforcement Enforcement: o mais importante atributo da cpr é a redução de riscos ao longo de toda a cadeia. o tomador inicial, seja banco ou empresa, está protegido pela garantia de fácil execução oferecida pelo produtor. o comprador secundário do título está protegido pelo aval do banco (ou empresa); logo, o título é pagável, de imediato, sem contestação, no caso de inadimplência do produtor.

o título avalizado garante rápida execução em caso de não-cumprimento ou quebra de contrato por parte do emissor.

em muitos casos, uma garantia bancária adicional é requerida, o que diminui riscos e reduz custos da operação.

a cpr pode ser registrada no cartório de registro de títulos e documentos, juntamente com o número de registro da propriedade onde o plantio foi feito. isso gera um controle sobre quantas cprs são emitidas na mesma propriedade, o que evita o risco de emissões sem lastro.

Alcance (outreach)

Alcance: embora usadas para negociar produtos como soja, milho, café e gado, algumas cooperativas e/ou produtores verticalmente integrados também emitem cpr para produtos semiprocessados como açúcar, álcool e farelo de soja.

no meio rural, as operações de cpr têm enfrentado limites devido ao seu custo elevado, que tem têm como piso a remuneração dos títulos públicos (selic).

ao lado do mercado de cprs registradas, opera outro, de cprs de “gaveta”, não registradas para fugir do custo inerente ao mercado formal.

estima-se, a partir das informações dos agentes, que para cada cpr registrada há a emissão de cinco cprs de “gaveta”.

outra limitação do alcance da cpr é a concentração de negócios com poucas commodities e a exclusão dos pequenos produtores. tal como está desenhado, “a cpr é um instrumento que só pode ser útil para grandes produtores. sua possível utilização pelos produtores familiares fica na dependência de uma substancial redução de seu custo financeiro e principalmente da ação das cooperativas e associações de produtores.”

a superação deste entrave requer ação tanto da política pública, desenhando condições para facilitar o acesso, como dos próprios produtores, cuja organização em associações de caráter econômico é condição para participar deste tipo de mercado.

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Matriz – resumo ���

Sustentabilidade sustentabilidade: as operações de cpr atualmente são prática corrente no meio rural brasileiro, sobretudo nas regiões mais dinâmicas do agronegócio. em termos gerais, sua sustentabilidade está atrelada à própria sustentabilidade do agronegócio e à solvência dos produtores rurais. as únicas hipóteses de interrupção do fluxo de negócios com cpr são a falência massiva dos agricultores ou uma crise de liquidez que afete a capacidade de financiamento dos agentes tomadores primários da cpr.

a evolução do mercado de cpr depende de vários fatores, entre os quais se destacam os seguintes:

funcionamento do programa de crédito oficial;o interesse dos bancos comerciais na operação com cpr;a manutenção de um marco regulatório e legal adequado para assegurar a rápida execução dos contratos; a expansão da rede de armazéns qualificados.

a bm&f registra um expressivo crescimento no número de contratos com produtos agropecuários, mas ainda é preciso ampliar o espaço de administração de risco em bolsas para consolidar um ambiente de credibilidade contratual na agricultura brasileira.

a experiência recente indica que a cpr tem potencial elevado para se expandir como instrumento de financiamento do produtor rural brasileiro. ainda quanto à experiência, esta revela, que este tipo de operação pode servir:

de embrião para novos instrumentos assemelhados;

para lastrear operações de captação realizadas diretamente por pequenas cooperativas de crédito, os quais seriam repassados aos produtores a taxas inferiores às praticadas no mercado.

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FActoRing

noMePAíS / Ano

FActoRing ReveRSo dA naCional finanCEira (nAFIn). MéxICo (2000).

origem e estrutura atual – fonte de recursos

origem: criada em 1934, pelo governo mexicano, como banco de desenvolvimento estatal para atuar no fomento das atividades comerciais. em 2000, foi reestruturada e o foco passou a ser o fomento de micro e de pequenas empresas (mpes), que correspondem a 99% das empresas formais registradas naquele país.

estrutura atual: desde o ano 2000, a nafin opera uma plataforma eletrônica de “factoring reverso”, inserida no programa “cadeias produtivas”, cujo objetivo é facilitar capital de giro para pequenos fornecedores.

o programa visa a fortalecer os vínculos entre pequenos fornecedores e grandes compradores, em geral, firmas que têm acesso a linhas de crédito bancárias disponíveis no país.

Fonte de recursos: orçamento federal.

Público-alvo – linhas e condições de financiamento

Público-alvo: micro e pequenas empresas inseridas em arranjos produtivos como fornecedoras de insumos e serviços a empresas maiores.

Linhas de financiamento: custeio.

Condições de financiamento: a nafin não cobra comissões de micro e de pequena empresa e oferece taxas de juros pré-fixadas.

o programa está aberto à participação dos bancos em geral, que competem pelos créditos que os fornecedores têm a receber. as empresas têm, portanto, a opção de escolher a instituição com a qual prefere trabalhar e que oferece as melhores condições.

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garantias garantias: o programa de factoring reverso da nafin permite aos pequenos fornecedores vender a crédito para os grandes compradores e usar esses mesmos créditos como lastro para financiar seu capital de giro. a operação está lastreada em título emitido por grande empresa que já opera com o banco. oferece, assim, teoricamente, risco menor.

Seleção (screening)

screening: no factoring reverso, o risco de crédito é igual ao risco de default dos grandes compradores, e não igual ao risco da mpe.

para reduzir os custos e acelerar o processo, as transações de factoring do nafin são executadas por uma plataforma eletrônica que provê serviços de factoring online. essa plataforma eletrônica também promove a competição entre os bancos para atuarem como factor das contas a receber das empresas fornecedoras.

Enforcement Enforcement: em mercados emergentes, o factoring não tem tido um desenvolvimento significativo (deficiência de informação; ocorrência de fraudes, como créditos fantasmas, consumidores inexistentes, etc.; falta de regulamentação; concorrência de emprestadores informais e dificuldade de enforcement e de execução das garantias).

para transpassar esses obstáculos, o nafin utiliza o factoring reverso.

Alcance (outreach)

Alcance: em 2004, estendeu as “cadeias produtivas” com 190 grandes compradores (aproximadamente 45% do setor privado) e mais de 70 mil pequenas e micro empresas (de um total de 150 mil fornecedores participantes).

em torno de 20 instituições financeiras domésticas estão participando, incluindo bancos e financeiras independentes.

Sustentabilidade Sustentabilidade: o programa de factoring do nafin é usado como um modelo para a automação de outras agências governamentais e prestadores de serviços. o sucesso do programa depende do suporte legal e regulatório oferecido pela lei de assinatura eletrônica e segurança, que deveria servir de modelo para outros países em desenvolvimento.

o programa tem mostrado que além de financiamentos, um banco de desenvolvimento também pode prover treinamento e informação.

o programa requer apoio governamental para estabelecer um ambiente legal e regulatório que permita a comercialização segura e eletrônica dos créditos.

LEAsing

noMePAíS / Ano

ARRendAMento FInAnCeIRo dA AsociAción nAcionAL EcuménicA dE dEsARRoLLo (aned).

BoLívIA (199�).

origem e estrutura atual – fonte de recursos

origem: a aned foi fundada como uma ong, em 1978. primeira entidade na bolívia a oferecer serviços financeiros especializados a segmentos marginalizados.

em 1997, surgiu o programa de arrendamento financeiro (microleasing).

estrutura atual: a aned é uma instituição privada sem fins lucrativos e por sua natureza jurídica não é supervisionada pela superintendência de bancos, o que a proíbe de captar recursos junto ao público em geral, não lhe impedindo, no entanto, de realizar operações de crédito.

Fonte de recursos: fundos da cooperação internacional. desde 2004, recebe recursos do convênio de financiamento e cooperação técnica com o banco interamericano de desenvolvimento.

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Matriz – resumo ���

Público-alvo – linhas e condições de financiamento

Público-alvo: camponeses pobres, com baixo nível educacional e limitada experiência prévia no manejo dos equipamentos financiados.Linhas de financiamento: a linha de microleasing é dirigida ao financiamento, investimentos em máquinas e equipamentos para uso agropecuário.Condições de financiamento: os montantes financiados sob esta modalidade vão desde 500 até 40 mil dólares. o prazo deve ser de, no máximo, cinco anos, e o custo de 16% a 17% anuais, em dólares. as cotas de pagamento são flexíveis e se estruturam em função do fluxo de caixa dos clientes.

garantias garantias: como o contrato inicial é de leasing, e não de financiamento para a aquisição, a garantia é o próprio equipamento. embora sua exposição ao risco seja baixa e o arrendamento financeiro ofereça vantagens sobre outros produtos da aned, os contratos de leasing não são protegidos por seguros. como a própria aned tem garantias limitadas para oferecer ao adquirir o equipamento – e opera sem proteção de seguro –, atrai poucos investidores e mantém a dependência de recursos da cooperação internacional para se expandir.

Seleção (screening)

screening: como o arrendamento financeiro é feito em campos em que a aned possui experiência, existe na instituição um conhecimento prévio que facilita o processo de seleção de clientes. o conhecimento do setor e da clientela proporciona uma primeira base de informação para a seleção dos clientes que desejam adquirir maquinário ou equipamento por meio de arrendamento financeiro.os requisitos para os demandantes desse produto incluem:

não ter dívidas vencidas com a aned;demonstrar ter de seis meses a dois anos de experiência em atividade na qual pretendem utilizar o equipamento.

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Enforcement Enforcement: como os equipamentos são geralmente novos e possuem garantia do fabricante, não há um maior acompanhamento do uso. a consumação do contrato ocorre quando os clientes pagam a última parcela e exercem sua opção de compra.no caso de não-cumprimento de alguma cota, a aned envia uma carta lembrando o atraso e adverte sobre as medidas que serão tomadas caso persista o atraso. passados 15 dias, são cobradas taxas moratórias. caso o atraso chegue a 60 dias, a aned procede com a recuperação do equipamento, que poderá ser oferecido novamente a outro cliente ou mesmo vendido.

Alcance (outreach)

Alcance: o arrendamento financeiro registrou crescimento elevado e sólido, tomando parcela importante dentro dos programas de crédito da aned. em 31 de dezembro de 1997, esta modalidade tinha apenas 143 clientes e um saldo em carteira de 126.058 dólares – 2,2% da carteira da aned. até dezembro de 2006, a linha de microleasing havia financiado 490 operações de equipamentos no valor de 703 mil dólares, duma carteira total de empréstimos de 12 milhões de dólares. a aned está presente em la paz, beni, oruro, potosí, tarija, santa cruz, sucre y cochabamba, com cobertura em mais de 170 municípios da área rural.

Sustentabilidade Sustentabilidade: o programa enfrenta desafios que devem ser abordados para permitir sua popularização. o primeiro desafio se refere ao próprio financiamento. o programa opera com fundos de cooperação internacional, limitados em relação ao requerido para aquisição de ativos fixos. o segundo desafio refere-se à falta de um mercado de seguros, o que afeta a exposição ao risco do programa em tela. há repercussão tanto nas decisões dos agricultores de fazer o leasing, quanto no custo da operação.outros desafios são: a incerteza legal na qual o programa atua; o desafio de profissionalizar seu quadro de profissionais; o possível relaxamento dos requisitos para os solicitantes de leasing em termos de experiência no uso das maquinarias e as implicações que aquilo pode acarretar em termos de inadimplência; e os impostos a que estão sujeitas as operações de arrendamento financeiro que acrescenta os custos da transação.

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AQuISIção de teRRAS

noMePAíS / Ano

PRogRAMA nACIonAL de CRédIto FundIáRIo (PnCF). BRASIL (199�).

origem e estrutura atual – fonte de recursos

origem: o programa nacional de crédito fundiário (pncf) foi lançado em 1997 com o nome de programa cédula da terra (pct).

o crédito ofertado tem como objetivo permitir que os agricultores pobres tenham condições de acesso por meio da compra. foi desenvolvido pela secretaria de reordenamento agrário do ministério do desenvolvimento agrário (sra/mda) para acelerar o processo de reforma agrária em curso no brasil.

estrutura atual: em 2003, o pct foi transformado no programa nacional de crédito fundiário (pnfc) e estendido para 13 estados da federação. É executado pelo governo federal, por intermédio do ministério de desenvolvimento agrário, com a participação de bancos públicos (banco do nordeste e banco do brasil), dos governos estaduais e das organizações de representação dos trabalhadores rurais.

o pncf tem uma estrutura descentralizada onde cabe aos governos estaduais prover apoio técnico aos projetos do pncf. os governos municipais assumem a responsabilidade de criar as condições de funcionamento dos conselhos de desenvolvimento rural, que devem participar nas decisões relativas ao encaminhamento de propostas e monitoramento de projetos beneficiados.

as associações de agricultores são as beneficiárias diretas dos recursos, sendo de sua responsabilidade a administração do uso dos recursos e o arranjo associativo necessário para o pagamento do empréstimo.

Fonte de recursos: governo federal, banco mundial e governos estaduais.

Público-alvo – linhas e condições de financiamento

Público-alvo: trabalhadores rurais sem-terra e produtores rurais com terra insuficiente para assegurar sua sustentabilidade ou subsistência (assalariados, parceiros, posseiros e arrendatários).

Linhas de financiamento: os empréstimos destinam-se basicamente a duas finalidades:

1) aquisição de terras – chamado de subprojeto de aquisição de terras (sat); e 2) realização de investimentos comunitários, denominado subprojeto de investimentos coletivos (sic).

o programa não fixa um valor máximo por hectare a ser emprestado para a compra da terra. entretanto, é fixado um valor máximo de empréstimo a ser concedido por beneficiário.

existem três linhas de financiamento que se diferenciam segundo as características do público a ser atendido:

combate à pobreza rural (cpr);consolidação da agricultura familiar (caf);nossa primeira terra (npt).

Condições de financiamento: são estabelecidas taxas de juros diferenciadas de acordo com o montante total financiado por domicílio, entre 3 e 6,5% ao ano;para adimplentes é concedido um bônus sobre o principal;os beneficiários poderão antecipar o pagamento das parcelas somente após o oitavo ano da liberação do financiamento.

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garantias garantias: há garantia sob a forma legal de hipoteca ou alienação fiduciária do imóvel financiado para os financiamentos individuais e para grupos informais. para os grupos formais além destes, exige-se garantia fidejussória.

nos casos de desistência, o beneficiário poderá ser substituído por outro, desde que preencha os requisitos do programa e apresente anuência do conselho municipal, das unidades técnicas regionais e estaduais.

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Matriz – resumo ���

Seleção (screening)

screening: o pnfc determina critérios mínimos de entrada, baixa renda e baixo patrimônio, conforme estabelecidos nas linhas de financiamento. uma vez comprovada a obediência a esses critérios, o processo de seleção dos beneficiários que acessam o programa por meio de grupos é o de auto-seleção dos pares.

uma vez aprovado, os nomes dos proponentes são enviados ao banco encarregado da operação de financiamento para screening, que veta a participação de famílias com dívidas vencidas, seja por créditos ao consumidor, seja decorrente de empréstimos prévios feitos pelo pronaf, banco do nordeste e banco do brasil.

Enforcement Enforcement: com o associativismo, as obrigações de conduta que os associados passam a ter uns para com os outros pode levar a uma diminuição do oportunismo ex post e ter diminuição nos seus custos de transação, principalmente com compra de insumos, venda de produtos, etc.

a obrigatoriedade de pagamento da dívida, sob risco de perder a propriedade, funciona como um incentivo ao desenvolvimento.

a ausência de tutela do estado leva o beneficiário a criar independência por meio do pagamento da dívida, incentivando-o a buscar maior produtividade por meio de esforço próprio.

a aquisição do ativo segue, assim, o caminho comum às transações comerciais de um mercado de terras.

Alcance (outreach)

Alcance: entre 2003 e 2006, foram realizadas aproximadamente 14 mil operações de crédito e assentadas mais de 40 mil famílias em uma área de 840 mil hectares. o montante de recurso emprestado girou em torno de r$ 900 milhões durante esse período.

o alcance do pnfc ainda é pequeno. apenas cerca de 10 mil famílias têm sido beneficiadas por ano.

Sustentabilidade Sustentabilidade: por meio desse programa, o governo, em vez de gastar recursos a fundo perdido para desapropriação de terra, fornece crédito para que os beneficiários comprem, por meio de associação, essa propriedade no mercado.

a implementação do pncf pode desonerar o governo e, a princípio: (i) reduzir os custos burocráticos; (ii) permitir melhor seleção de terra; (iii) proporcionar menor preço para as terras.

vários traços do desenho do programa estimulam seu bom funcionamento e devem facilitar sua sustentabilidade, com destaque para o processo de auto-seleção dos beneficiários, a aquisição das terras e o incentivo para iniciativas associativas.

outro fator é a indução, sem imposição, do associativismo. uma vez que a dívida é conjunta, muitas famílias têm juntado esforços para explorar uma atividade em conjunto com a finalidade de assegurar o pagamento do empréstimo.

o programa nacional de crédito fundiário, assim como seu programa-piloto, o programa cédula da terra, tenta reverter o conjunto de desincentivos que prevalecem no modelo tradicional de reforma agrária.

o maior problema em relação à sustentabilidade é a dependência de fundos públicos para funcionar. neste sentido, o governo federal pode ter cometido um erro estratégico ao não utilizar o programa-piloto para adquirir experiência e desenvolver tecnologia adequada para lidar com o financiamento de terras que seriam utilizadas, ao final do projeto, pelo sistema bancário na operação de uma linha regular de financiamento. o fato de permanecer como um programa especial bancado pelo governo federal implica muitas incertezas em relação ao futuro.

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Alternativas de financiamento agropecuário: experiências no Brasil e na América Latina�00

FundoS de gARAntIA

noMePAíS / Ano

Fundo MunICIPAL de AvAL de Poço veRde. BRASIL (199�).

origem e estrutura atual – fonte de recursos

origem: criado por uma lei municipal de poço verde, em 1997, o fundo municipal de aval tem por objetivo alavancar o desenvolvimento econômico e social do município. o fundo é um programa de divisão do risco do empréstimo entre o produtor, o fundo e o próprio banco do brasil, com objetivo de potencializar a vocação econômica do município e desenvolver o capital social local, em particular, o associativismo. estrutura atual: a gestão estratégica do fundo está a cargo do conselho municipal de desenvolvimento rural (cmdr), órgão consultivo e deliberativo, integrado por representantes da sociedade civil e do poder público municipal e estadual.a estratégia operacional e a execução são de responsabilidade da própria prefeitura, em parceria com diversas instituições: o ministério da agricultura — por intermédio do pronaf, o banco do brasil e a empresa de desenvolvimento agropecuário de sergipe (emdagro).Fonte de recursos: o fundo municipal de aval é composto por receitas orçamentárias da secretaria municipal de agricultura e recursos hídricos; receitas orçamentárias da secretaria municipal de desenvolvimento comunitário e ação social; quaisquer doações de entidades públicas e privadas que desejem participar; rendimentos gerados por aplicações financeiras dos recursos disponíveis; retorno dos financiamentos avalizados e pagos pelo fundo; e contribuições efetuadas pelo beneficiário do fundo.

Público-alvo – linhas e condições de financiamento

Público-alvo: os beneficiários diretos da concessão de aval pelo fundo municipal de aval são os pequenos produtores do setor agropecuário.embora, em tese, o público beneficiário seja abrangente, até o momento, o fundo só concedeu aval para produtores rurais que se enquadram nas pré-condições definidas pelo pronaf.no início, o programa atendia um beneficiário por família, com área máxima de três hectares cultivados. a partir do segundo ano, passou a atender individualmente cada membro da família, desde que estivesse enquadrado nos requisitos do pronaf. Linhas de financiamento: o fundo de aval apóia linhas de crédito para custeio e investimento.Condições de financiamento: a liberação de recursos ocorre em três parcelas:a primeira, no valor de metade do empréstimo, o produtor recebe já no momento de concessão do crédito; a segunda parcela, no valor de 30% do empréstimo, depende da apresentação de um laudo técnico emitido pela emdagro e ocorre após um mês depois da primeira parcela; o restante do dinheiro (20%) sai no período da colheita, cerca de dois meses após a concessão do crédito.para quem solicita empréstimo pela primeira vez, o pagamento é parcelado em duas prestações, sendo que a primeira vence 90 dias após a colheita e a segunda 30 dias após a primeira prestação. os demais solicitantes devem pagar o empréstimo de uma vez, 90 dias após a colheita.

garantias garantias: os créditos são individuais e o aval é solidário. as regras são simples: uma vez concedido o crédito, cada indivíduo beneficiado deposita 25% do empréstimo em conta poupança individual; o município garante, a partir do fundo municipal de aval, o depósito de outros 25% do valor do empréstimo numa conta vinculada à operação. o fato de haver poucas exigências para a concessão do empréstimo (exige-se apenas a carta de aptidão simplificada, emitida pelo sindicato de trabalhadores rurais ou pela emdagro) possibilita ampliar o número de pessoas beneficiadas.para o banco do brasil, essa forma de financiar a produção representa uma transação segura, já que o solicitante de crédito tem cobertura do seguro proagro obrigatório, que cobre 70% da frustração da safra em decorrência de mudança climática, mas não cobre frustração provocada por problemas no plantio. caso a frustração da safra seja por esse motivo, os 30% restantes são cobertos pela poupança do solicitante.dessa forma, o crédito passa a ser garantido como direito, e não como favor ou esmola.

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Matriz – resumo �0�

Seleção (screening)

screening: o processo de solicitação de crédito tem início com a solicitação de uma carta de aptidão do agricultor familiar junto ao sindicato de trabalhadores rurais ou à emdagro. uma vez emitida a carta, o trabalhador organiza um grupo de até 10 membros e submete seu nome à aprovação do conselho municipal de desenvolvimento rural, responsável pelo fundo municipal de aval. em seguida, esse trabalhador rural preenche um cadastro simplificado no banco do brasil que, por sua vez, verifica junto ao serviço de proteção ao crédito (spc) e outros órgãos se os solicitantes estão, de fato, aptos a receber o crédito solicitado. todo esse procedimento visa precisamente “avaliar” se o candidato se enquadra no perfil do público beneficiário do fundo.

Enforcement Enforcement: por ser um mecanismo de aval de empréstimo, e não um instrumento de crédito, o fundo de aval apenas garante o pagamento do empréstimo, e não realiza, direta ou indiretamente, empréstimos.

para o banco do brasil, essa forma de financiar a produção representa uma transação segura, já que o solicitante de crédito tem cobertura do seguro proagro obrigatório, que cobre 70% da frustração da safra em decorrência de mudança climática, no primeiro ano de empréstimo. É por isso, inclusive, que a segunda parcela do empréstimo só é liberada após a emissão do laudo técnico pela emdagro. em caso de frustração da safra por esse motivo, os 30% restantes são cobertos pela poupança do solicitante.

Alcance (outreach)

Alcance: o alcance da parceria entre banco do brasil e a prefeitura pode ser medido pela evolução do número de contratos de financiamento fechados entre o banco do brasil e os agricultores após a criação do fma: de 29 contratos antes do fundo, saltou para 680 contratos de custeio agrícola, dos quais 482 com o aval do fundo, em 1997; e para 792 (692 com o aval do fundo), em 1998. em 1999, chegou a 1.350, sendo 1.234 com a garantia do fundo municipal de aval, movimentando r$ 1.650.000,00.

nos anos 2000 e 2001, o número de contratos reduziu abruptamente. a queda pode ser explicada por dois fatores, os quais apontam para problema de sustentabilidade do fundo e para a limitação deste como instrumento de promoção de desenvolvimento local quando usado sem o apoio de outras políticas: a insuficiência de recursos do fundo para manter o mesmo número de contratos e a ocorrência da seca na região, que expulsa produtores e inviabiliza a produção, mesmo se os produtores contarem com recursos para cultivar.

Sustentabilidade Sustentabilidade: o êxito e a expansão acelerada do número de contratos nos primeiros quatro anos de funcionamento do fundo evidenciaram limites para manter o ritmo sem modificar a composição financeira e regras iniciais, que previam a garantia de 50% dos valores emprestados. desses valores, 25% eram provenientes dos agricultores que sacam a cada final de ano agrícola, e outros 25% da articulação de fundos da prefeitura municipal.

em 2001, o conselho municipal convenceu o banco do brasil a baixar para 15% o valor garantido pelo fundo, sendo que 10% seriam de responsabilidade dos agricultores e 5% da prefeitura municipal.

mesmo com a alternativa do proagro, observa-se uma inadimplência anual de 15%, responsável pela descapitalização do fundo.

o fundo enfrenta a mesma limitação do pronaf, que pretende promover desenvolvimento rural com base principalmente em política de crédito, o que tem acarretado maiores subsídios (seja na forma de rebate, redução de taxa de juro ou cobertura de inadimplência) sem promover mudanças estruturais que alicercem o desenvolvimento sustentável.

outros elementos importantes para o desenvolvimento da agricultura familiar, tais como a assistência técnica, seguro-renda, habitação, desenvolvimento tecnológico e linhas específicas de pesquisa e outras não têm acompanhado o ritmo de expansão do crédito rural.

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