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1 As 95 Teses afixadas por Martinho Lutero na Abadia de Wittenberg a 31 de outubro de 1517, fundamentalmente "Contra o Comércio das Indulgências": Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade, discutir-se-á em Wittemberg, sob a presidência do Rev. Padre Martinho Lutero, o que segue. Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco, o poderão fazer por escrito. Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém. 1ª Tese Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos... etc., certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo e ininterrupto arrependimento. 2ª Tese E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se ao sacramento da penitência, isto é, à confissão e satisfação, a cargo dos sacerdotes. 3ª Tese Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda sorte de mortificação da carne. 4ª Tese Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência, perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a saber, até à entrada para a vida eterna. 5ª Tese O papa não quer e não pode dispensar de outras penas além das que impôs ao seu alvitre ou nem acordo com os cânones, que são estatutos papais. 6ª Tese O papa não pode perdoar dívida, senão declarar e confirmar aquilo que já foi perdoado por Deus, ou então o faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes casos, se desprezados, a dívida em absoluto deixaria de ser anulada ou perdoada. 7ª Tese Deus a ninguém perdoa a dívida sem que ao mesmo tempo o subordine, em sincera humildade, ao ministro, seu substituto. 8ª Tese Cânones poenitentiales, que são as ordenanças de prescrição da maneira em que se deve confessar e expiar, apenas são impostos aos vivos, e, de acordo com as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos moribundos. 9ª Tese Eis por que o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluindo este de todos os seus decretos ou direitos o artigo da morte e da necessidade suprema.

95 Teses - Martinho Lutero

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As 95 Teses afixadas por Martinho Lutero na Abadia de Wittenberg a 31 de outubro de 1517, fundamentalmente

"Contra o Comércio das Indulgências": Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da

verdade, discutir-se-á em Wittemberg, sob a presidência do Rev. Padre Martinho Lutero, o que segue. Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco, o poderão fazer por escrito.

Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém. 

1ª TeseDizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos... etc.,

certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo e ininterrupto arrependimento.

 2ª Tese

E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se ao sacramento da penitência, isto é, à confissão e satisfação, a cargo dos sacerdotes.

 3ª Tese

Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda sorte de mortificação da carne.

 4ª Tese

Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência, perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a saber, até à entrada para a vida eterna.

 5ª Tese

O papa não quer e não pode dispensar de outras penas além das que impôs ao seu alvitre ou nem acordo com os cânones, que são estatutos papais.

 6ª Tese

O papa não pode perdoar dívida, senão declarar e confirmar aquilo que já foi perdoado por Deus, ou então o faz nos casos que lhe foram

reservados. Nestes casos, se desprezados, a dívida em absoluto deixaria de ser anulada ou perdoada.

 7ª Tese

Deus a ninguém perdoa a dívida sem que ao mesmo tempo o subordine, em sincera humildade, ao ministro, seu substituto.

 8ª Tese

Cânones poenitentiales, que são as ordenanças de prescrição da maneira em que se deve confessar e expiar, apenas são impostos aos vivos, e, de acordo com as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos moribundos.

 9ª Tese

Eis por que o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluindo este de todos os seus decretos ou direitos o artigo da morte e da necessidade suprema.

 10ª Tese

Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e impõe aos moribundos penitências canônicas ou para o purgatório a fim de ali serem cumpridas.

 11ª Tese

Este joio, que é o de transformar a penitência e satisfação, prevista pelos cânones ou estatutos, em penitência ou penas do purgatório, foi semeado enquanto os bispos dormiam.

 12ª Tese

Outrora canônica poenae, ou seja, penitência e satisfação por pecados cometidos, eram impostos, não depois, mas antes da absolvição, com a finalidade de provar a sinceridade do arrependimento e do pesar.

 13ª Tese

Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para o direito canônico, sendo, portanto, dispensados, com justiça, de sua imposição.

 14ª Tese

Piedade ou amor imperfeitos da parte daquele que se acha às portas da morte, necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto menos o amor, tanto maior o temor.

 15ª Tese

Este temor e espanto em si tão só, sem nos referirmos a outras coisas, basta para causar o tormento e o horror do purgatório, pois se avizinham da angústia do desespero.

 16ª Tese

Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um do outro o desespero completo, incompleto ou quase desespero e certeza.

 17ª Tese

Parece que assim como no purgatório diminuem a angústia e o espanto das almas, também deve crescer e aumentar o amor.

 18ª Tese

Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas razões e nem pela Escritura, que as almas do purgatório se encontram fora da possibilidade do mérito ou do crescimento no amor.

 19ª Tese

Parece ainda não ter sido provado que todas as almas do purgatório tenham certeza de sua salvação e não receiem mais por ela, não obstante nós termos esta certeza.

  

20ª TesePor isso o papa não quer dizer e nem compreender com as palavras

“perdão plenário de todas as penas” o perdão de todo o tormento, mas tão só as penas por ele impostas.

 21ª Tese

Eis por que erram os apregoadores de indulgências ao afirmarem ser o homem perdoado de todas as penas e salvo mediante indulgência do papa.

 22ª Tese

Com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas do purgatório das que, segundo os cânones da igreja, deviam ter expiado e pago na presente vida.

 23ª Tese

Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este apenas será dado aos mais perfeitos, que são muitos poucos.

 24ª Tese

Logo, a maioria do povo é ludibriado com as pomposas promessas do indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas.

 25ª Tese

Exatamente o mesmo poder geral que o papa tem sobre o purgatório, qualquer bispo e cura d’almas o tem no seu bispado e na sua paróquia, quer de modo especial e quer para com os seus em particular.

 26ª Tese

O papa faz muito bem em não conceder o perdão às almas em virtude do poder das chaves (coisa que não possui), mas pela ajuda ou em forma de intercessão.

 27ª Tese

Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair na caixa a alma se vai do purgatório.

 28ª Tese

Certo é que, no momento em que a moeda soa na caixa, vem lucro, e o amor ao dinheiro cresce e aumenta; a ajuda, porém, ou a intercessão da igreja tão só correspondem à vontade e ao agrado de Deus.

 29ª Tese

E quem sabe, se todas as almas do purgatório querem ser libertadas, quando há quem diga o que sucedeu com S. Severino e Pascoal.

 30ª Tese

Ninguém tem certeza da suficiência do arrependimento e pesar verdadeiros, muito menos certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão dos seus pecados.

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31ª TeseTão raro como existe alguém que possui arrependimento e pesar

verdadeiros, tão raro também é aquele que verdadeiramente alcança indulgência, sendo bem poucos os que se encontram.

 32ª Tese

Irão para o diabo, juntamente com os seus mestres, aqueles que julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência.

 33ª Tese

Há que acautelar-se muito e ter cuidado daqueles que dizem: A indulgência do papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dádiva de Deus, pela qual o homem é reconciliado com Deus.

 34ª Tese

Tanto assim que a graça da indulgência apenas se refere à pena satisfatória, estipulada por homens.

 35ª Tese

Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem livrar almas do purgatório ou adquirir breves de confissão não necessitam de arrependimento e pesar.

 36ª Tese

Tudo o cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados e sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência.

 37ª Tese

Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem breve de indulgência.

 38ª Tese

Entretanto se não devem desprezar o perdão e a distribuição deste pelo papa. Pois, conforme declarei, o seu perdão consiste numa declaração do perdão divino.

 

39ª TeseË extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar

diante do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e, ao contrário, o verdadeiro arrependimento e pesar.

 40ª Tese

O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo; mas a profusão da indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça, pelo menos quando há oportunidade para tanto.

   

41ª TeseÉ necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal, para

que o homem singelo não julgue erradamente ser a indulgência preferível às demais obras de caridade ou melhor do que elas.

 42ª Tese

Deve-se ensinar aos cristãos, não ser pensamento e opinião do papa que a aquisição de indulgências de alguma maneira possa ser comparada com qualquer obra de caridade.

 43ª Tese

Deve-se ensinar aos cristãos, proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta ao necessitado do que os que compram indulgência.

 44ª Tese

É que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro e livre da pena.

 45ª Tese

Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer necessidade e a despeito disto gasta dinheiro com indulgências, não adquire indulgência do papa, mas desafia a ira de Deus.

 46ª Tese

Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura, fiquem com o necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.

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 47ª Tese

Deve-se ensinar aos cristãos ser a compra de indulgência livre e não ordenada.

 48ª Tese

Deve-se ensinar aos cristãos que se o papa precisa conceder mais indulgências, mais necessita de uma oração fervorosa do que de dinheiro.

 49ª Tese

Deve-se ensinar aos cristãos serem muito boas as indulgências do papa enquanto o homem não confiar nelas; mas muito prejudiciais quando, em conseqüência delas, se perde o temor de Deus.

 50ª Tese

Deve-se ensinar aos cristãos que se o papa tivesse conhecimento da traficância dos apregoadores de indulgência, preferiria ver a basílica de São Pedro ser reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.

 51ª Tese

Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por um dever seu, preferiria distribuir o seu dinheiro aos que em geral são despojados do dinheiro pelos apregoadores de indulgência, vendendo, se necessário, a própria basílica de São Pedro.

 52ª Tese

Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira, mesmo se o comissário de indulgências e o próprio papa oferecessem sua alma como garantia.

 53ª Tese

São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de indulgências proíbem a palavra de Deus nas demais igrejas.

 54ª Tese

Comete-se injustiça contra a palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto ou mais tempo à indulgência do que à pregação da palavra do Senhor.

 55ª Tese

A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência, que é a coisa menor, com um toque de sino, uma pompa, uma cerimônia, enquanto o evangelho, que é o essencial, importa ser anunciado mediante cem toques de sino, centenas de pompas e solenidades.

 56ª Tese

Os tesouros da igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências, não são bastante mencionados e nem suficientemente conhecidos na Igreja de Cristo.

 57ª Tese

É evidente que não são bens temporais, porquanto muitos pregadores não os distribuem com facilidade, antes os ajuntam.

 58ª Tese

Também não são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto este sempre são suficientes, e, independente do papa, operam graça do homem interior e são a cruz, a morte e o inferno do homem exterior.

 59ª Tese

São Lourenço chama aos pobres, os quais são membros da Igreja, tesouros da Igreja, mas no sentido em que a palavra era usada na sua época.

 60ª Tese

Afirmamos com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que estes tesouros são as chaves da Igreja, que lhe foram dadas pelo merecimento de Cristo.

 61ª Tese

Evidente é que, para o perdão das penas e para a absolvição em determinados casos, o poder do papa por si só basta.

    

62ª Tese

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O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo evangelho da glória e da graça de Deus.

 63ª Tese

Este tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com que os primeiros sejam os últimos.

 64ª Tese

Enquanto isso o tesouro das indulgências é notoriamente o mais apreciado, porque faz com que os últimos sejam os primeiros.

 65ª Tese

Por essa razão os tesouros evangélicos foram outrora as redes com que se apanhavam os ricos e abastados.

 66ª Tese

Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se apanham as riquezas dos homens.

 67ª Tese

As indulgências, apregoadas pelos seus vendedores como a mais sublime graça, decerto assim são consideradas porque lhes trazem grandes proventos.

 68ª Tese

Nem por isso semelhante indulgência é a mais ínfima graça, comparada com a graça de Deus e a piedade da cruz.

 69ª Tese

Os bispos e os sacerdotes são obrigados a receber os comissários das indulgências apostólicas com toda reverência.

 70ª Tese

Entretanto tem muito maior dever de conservar abertos os olhos e ouvidos, para que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não apregoem os seus próprios sonhos.

 71ª Tese

Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é excomungado e maldito.

 72ª Tese

Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e arrogantes dos apregoadores de indulgências, seja abençoado.

    

73ª TeseDa mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com a

excomunhão aos que em prejuízo do comércio de indulgências procedem astuciosamente.

 74ª Tese

Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles que, sob pretexto de indulgências, prejudicam a santa caridade e a verdade pela sua maneira de agirem.

 75ª Tese

Considerar a indulgência do papa tão poderosa, a ponto de absolver alguém dos pecados, mesmo que (coisa impossível de se expressar) tivesse deflorado a mãe de Deus, significa ser demente.

 76ª Tese

Bem ao contrário afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo pode anular o menor pecado venial no que diz respeito a culpa que representa.

 77ª Tese

Afirmar que nem mesmo São Pedro, se no momento fosse papa, poderia dispensar maior indulgência, constitui insulto contra São Pedro e o papa.

 78ª Tese

Dizemos, ao contrário, que o atual papa, e todos os que o sucederam, é detentor de muito maior indulgência, isto é, o evangelho, dom de curar, etc., de acordo com o que diz 1 Corinto 12.6-9.

 79ª Tese

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Alegar ter a cruz de indulgências, erguida e adornada com as armas do papa, tanto valor como a própria cruz de Cristo é blasfêmia.

 80ª Tese

Os bispos, padres e teólogos que consentem em semelhante linguagem diante do povo, terão de prestar contas desta atitude.

 81ª Tese

Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a indulgência, torna difícil até homens doutos defenderem a honra e dignidade do papa contra a calúnia e as perguntas mordazes e astutas dos leigos.

 82ª Tese

Haja vista exemplo como este: Por que o papa não livra duma só vez todas as almas do purgatório, movido pela santíssima caridade e considerando a mais premente necessidade das mesmas, havendo santa razão para tanto, quando, em troca de vil dinheiro para a construção da basílica de São Pedro, livra inúmeras delas, logo por motivo bastante infundado?

   

83ª TeseOutrossim: Por que continuam as exéquias e missas de ano em

sufrágio das almas dos defuntos e não se devolve o dinheiro recebido para esse fim ou não se permite os doadores busquem de novo os benefícios ou prebendas oferecidos em favor dos mortos, quando já não é justo continuar a rezar pelos que se acham remidos?

 84ª Tese

E: Que nova santidade de Deus e do papa é esta a consentir a um ímpio e inimigo resgate uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e não livrar esta mesma alma piedosa e amada por Deus do seu tormento por amor espontâneo e sem paga?

 85ª Tese

E: Por que os cânones de penitência, isto é, os preceitos de penitência, que faz muito caducaram e morreram de fato pelo desuso,

tornam a remir mediante dinheiro, pela concessão de indulgência, como se continuassem em vigor e bem vivos?

 86ª Tese

E: Por que o papa, cuja fortuna é maior do que a de qualquer Creso, não prefere construir a basílica de São Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro de cristãos pobres?

 87ª Tese

E: Que perdoa ou concede o papa pela sua indulgência àqueles que pelo arrependimento completo tem direito ao perdão ou indulgência plenária?

 88ª Tese

Afinal: Que benefício maior poderia receber a igreja se o papa, que atualmente o faz uma vez ao dia cem vezes ao dia concedesse aos fiéis este perdão a título gratuito?

 89ª Tese

Visto o papa visar mais a salvação das almas mediante a indulgência do que o dinheiro, por que razão revoga os breves de indulgência outrora por ele concedidos, quando tem sempre as mesmas virtudes?

 90ª Tese

Desfazer estes argumentos muito sutis dos leigos, recorrendo apenas à força e não por razões sólidas apresentadas, significa expor a igreja e o papa ao escárnio dos inimigos e desgraçar os cristãos.

 91ª Tese

Se, portanto, a indulgência fosse apregoada no espírito e sentido do papa, estas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.

 92ª Tese

Fora, pois, com todos este pregadores que dizem à igreja de Cristo: Paz! Paz! Sem que haja paz!

 93ª Tese

Abençoados, porém, sejam todos os pregadores que dizem à igreja de Cristo: Cruz! Cruz! Sem que haja cruz!

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 94ª Tese

Admoeste-se os cristãos a que se empenhem em seguir seu Cabeça, Cristo, através da cruz, da morte e do inferno;

 95ª Tese

E desta maneira mais esperem entrar no reino dos céus por muitas aflições do que confiando em promessas de paz infundadas.

 

MARTINHO LUTERO

Lutero aos 46 anos (Lucas Cranach o Velho, 1529)Martinho Lutero (Eisleben, 10 de Novembro de 1483 — Eisleben, 18

de Fevereiro de 1546) foi um teólogo alemão. É considerado o pai espiritual da Reforma Protestante.

PRIMEIROS ANOS DE VIDA

Martinho Lutero, cujo nome original em alemão era Martin Luther era filho de Hans Luther e Margarethe Lindemann. Nascido em 1483 e morto em 1546. Mudou-se para Mansfeld, onde seu pai dirigia várias minas de cobre. Tendo sido criado no campo, Hans Luther deseja

que seu filho viesse a tornar-se um funcionário público, melhorando assim as condições da família. Com este objetivo, enviou o jovem Martinho para escolas em Mansfeld, Magdeburgo e Eisenach.Aos dezessete anos, em 1501, Lutero ingressou na Universidade de Erfurt, onde tocava alaúde e recebeu o apelido de "O filósofo". O jovem estudante graduou-se em bacharel em 1502 e o mestrado em 1505, o segundo entre dezessete candidatos[1]. Seguindo os desejos paternos, inscreveu-se na escola de Direito dessa Universidade. Mas tudo mudou após uma grande tempestade, com descargas elétricas, ocorrida neste mesmo ano (1505): um raio caiu próximo de onde ele estava, ao voltar de uma visita à casa dos pais. Aterrorizado, gritara então: "Ajuda-me, Sant'Ana! Eu me tornarei um monge!"Tendo sobrevivido aos raios, deixou a faculdade, vendeu os seus livros com exceção dos de Virgílio, e entrou para a ordem dos Agostinianos, de Erfurt, a 17 de julho de 1505.[2]

VIDA MONÁSTICA E ACADÊMICA

Lutero com a tonsura monástica

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O jovem Martinho Lutero dedicou-se por completo a sua vida no mosteiro, empenhando-se em realizar boas obras a fim de agradar a Deus e servir ao próximo através de orações por suas almas. Dedicou-se intensamente à meditação, às auto-flagelações, muitas horas de oração diárias, às peregrinações e à confissão. Quanto mais intentava ser agradável ao Senhor, mais dava-se conta de seus pecados[3]

Johann von Staupitz, o superior de Lutero, concluiu que o jovem necessitava de mais trabalhos, para afastá-lo de sua excessiva reflexão. Ordenou portanto ao monge que iniciasse uma carreira acadêmica. Em 1507 Lutero foi ordenado sacerdote. Em 1508 começou a lecionar teologia na Universidade de Wittenberg. Lutero recebeu seu bacharelado em Estudos Bíblicos a 19 de março de 1508. Dois anos depois visita Roma, de onde regressa bastante decepcionado. [4]

Em 19 de outubro de 1512, Martinho Lutero graduou-se Doutor em Teologia e a 21 de outubro deste ano foi "recebido no Senado da Faculdade Teológica", com o título de "Doutor em Bíblia". Em 1515 foi nomeado vigário de sua ordem, tendo sob sua ordem onze monastérios.Durante este período estuda o grego e o hebraico, para aprofundar-se no significado e origem das palavras utilizadas nas Escrituras - conhecimentos que logo utilizaria para a tradução da Bíblia.

A TEOLOGIA DA GRAÇA DE LUTERO

O desejo de obter os graus acadêmicos levaram Lutero a estudar as Escrituras em profundidade. Influenciado por sua formação humanista de buscar ir "ad fontes" (às fontes), mergulhou nos estudos sobre a Igreja Primitiva. Devido a isto, termos como "penitência" e "honestidade" ganharam novo significado para ele, já convencido de que a Igreja havia perdido sua visão de várias das verdades do cristianismo ensinadas nas Escrituras - sendo a mais importante delas a doutrina da chamada "Justificação" apenas pela fé. Lutero começou a ensinar que a Salvação era um benefício concedido apenas por Deus, dado pela Graça divina através de Jesus Cristo e recebido apenas com a fé.[5]

Mais tarde, Lutero definiu e reintroduziu o princípio da distinção própria entre o Torá (Leis Mosaicas) e os Evangelhos, que reforçavam sua teologia da graça. Em conseqüência, Lutero acreditava que seu princípio de interpretação era um ponto inicial

essencial para o estudo das Escrituras. Notou, ainda, que a falta de clareza na distinção da Lei e dos Evangelhos era a causa da incorreta compreensão dos Evangelhos de Jesus pela Igreja de seu tempo, instituição a quem responsabilizava por haver criado e fomentado muitos erros teológicos fundamentais.A CONTROVÉRSIA POR CAUSA DAS INDULGÊNCIAS

Além de suas atividades como professor, Martinho Lutero ainda laborava como pregador e confessor na igreja de Santa Maria, na cidade. Também pregava habitualmente na igreja do Castelo (chamada de "Todos os Santos" - por causa de ali haver uma coleção de relíquias, estabelecidas por Frederico II de Sabóia). Foi durante este período em que o jovem sacerdote deu-se conta dos efeitos em se oferecer indulgências aos fiéis, como se fossem fregueses.A indulgência é a remissão (parcial ou total) do castigo temporal que alguém permanece devedor por conta dos seus pecados, de cuja culpa tenha se livrado pela absolvição. Naquele tempo qualquer pessoa poderia comprar uma indulgência, quer para si mesmo, quer para um parente já morto que estivesse no Purgatório. O frade Johann Tetzel fôra recrutado para viajar através dos territórios episcopais do arcebispo Alberto de Mogúncia, promovendo e vendendo indulgências com o objetivo de financiar as reformas da Basílica de São Pedro, em Roma.Lutero viu este tráfico de indulgências como um abuso que poderia confudir as pessoas e levá-las a confiar apenas nas indulgências, deixando de lado a confissão e o arrependimento verdadeiro. Proferiu, então, três sermões contra as indulgências em 1516 e 1517. Segundo a tradição, a 31 de outubro de 1517 foram pregadas as 95 Teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, com um convite aberto ao debate sobre elas. Estas teses condenavam a avareza e o paganismo na Igreja como um abuso, e pediam um debate teológico sobre o que as Indulgèncias significavam. Para todos os efeitos, nelas ele não questionava diretamente a autoridade do Papa para conceder as tais indulgências.As 95 Teses foram logo traduzidas para o alemão e amplamente copiadas e impressas. Ao cabo de duas semanas haviam se espalhado por toda a Alemanha e em dois meses por toda a Europa. Este foi o primeiro episódio da História em que a imprensa teve papel primacial, pois facilitava uma distribuição simples e ampla de qualquer documento.

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A RESPOSTA DO PAPADO

Depois de fazer pouco caso de Lutero, dizendo ser ele um "alemão bêbado que escrevera as teses", e afirmando que "quando estiver sóbrio mudará de opinião"[6] o Papa Leão X ordenou em 1518 ao professor de teologia dominicano Silvestro Mazzolini que investigasse o assunto. Este denunciou que Lutero se opunha de maneira implícita à autoridade do Sumo Pontífice, quando discordava de uma de suas bulas. Declarou ser Lutero um herege e escreveu uma refutação acadêmica a suas teses. Nela, mantinha a autoridade papal sobre a Igreja e condenava cada "desvio" como uma apostasia.Lutero replicou de igual forma, dando assim início à controvérsia.Enquanto isto, Lutero tomava parte da convenção dos agostinianos em Heidelberg, onde apresentou uma tese sobre a escravidão do homem ao pecado e a graça divina. No decorrer da controvérsia sobre as indulgências, o debate se elevou até ao ponto de duvidar do poder absoluto e autoridade do Papa, pois as doutrinas de "Tesouraria da Igreja" e "Tesouraria dos Merecimentos", que serviam para reforçar a doutrina e venda e das indulgências, haviam se baseado na bula papal "Unigenitus" (de 1343), do Papa Clemente VI. Por causa de sua oposição a esta doutrina, Lutero foi qualificado como heresiarca e o Papa, decidido a suprimir por completo com seus pontos de vista, ordenou que fosse chamado a Roma, viagem que deixou de ser realizada por motivos políticos.Lutero, que anteriormente professava a obediência implícita à Igreja, negava agora abertamente a autoridade papal e apelava para que fosse realizado um Concílio. Também declarava que o papado não formava parte da essência imutável da Igreja original.Desejando manter-se em relações amistosas com o protetor de Lutero, Frederico, o Sábio, o Papa engendrou uma tentativa final de alcançar uma solução pacífica para o conflito. Uma conferência com o representante papal Karl von Miltitz em Altenburgo, em janeiro de 1519 levou Lutero a decidir guardar silêncio, assim como seus opositores, como também a escrever uma humilde carta ao Papa e compor um tratado demonstrando suas opiniões sobre a Igreja Católica. A carta escrita nunca chegou a ser enviada, pois não continha nenhuma retratação. E no tratado, que compôs mais tarde, Lutero negou qualquer efeito das indulgências no Purgatório.Quando Johann Eck, em Carlstadt, desafiou um colega de Lutero para um debate em Leipzig, Lutero juntou-se à discussão (27 de

junho-18 de julho de 1519), no curso do qual negou o direito divino do solidéu papal e da autoridade de possuir o "poder das chaves", que, segundo ele, haviam sido outorgados à Igreja (como congregação de fé). Negou que a salvação pertencesse à Igreja Católica ocidental sob a autoridade do Papa, mas que esta se mantinha na Igreja Ortodoxa, do Oriente. Depois do debate, Eck afirmou que forçara Lutero a admitir a semelhança de sua própria doutrina com a de João Huss, que havia sido queimado numa fogueira.

AUMENTA A CISÃO

Lutero durante os acontecimentos

Martinho Lutero

Não parecia haver esperanças de entendimento. Os escritos de Lutero circulavam amplamente, alcançando a França, Inglaterra e Itália em 1519, e os estudantes dirigiam-se a Wittenberg para escutar Lutero, que naquele momento publicava seus comentários sobre a

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Epístola aos Gálatas e suas "Operationes in Psalmos" (Trabalho nos Salmos).

As controvérsias geradas por seus escritos levaram Lutero a desenvolver suas doutrinas mais a fundo, e o seu "Sermão sobre o Sacramento Abençoado do Verdadeiro e Santo Corpo de Cristo, e suas Irmandades", levou mais além o significado da eucaristia para o perdão dos pecados e ao fortalecimento da fé naqueles que o recebem, e ainda apoiava a realização de um concílio a fim de restituir a comunhão.O conceito luterano de "igreja" foi desenvolvido em seu "Von dem Papsttum zu Rom" (Sobre o Papado de Roma), uma resposta ao ataque do franciscano Augustin von Alveld, em Leipzig (junho de 1520); enquanto o seu "Sermon von guten Werken" (Sermão das Boas Obras), publicado na primavera de 1520, era contrário à doutrina católica das boas obras e dos atos como meio de perdão, mantendo que as obras do crente são verdadeiramente boas, quer para o secular como para o clérigo, se ordenadas por Deus.

Os tratados de 1520

A Nobreza alemã

A disputa havida em Leipzig em 1519 fez com que Lutero travasse contato com os humanistas, especialmente Melanchthon, Reuchlin e Erasmo de Roterdão, que por sua vez também influenciara ao nobre Franz von Sickingen. Von Sickingen e Silvestre de Schauenbur queriam manter Lutero sob sua proteção, convidando-o para seus castelos na eventualidade de não ser-lhe seguro permanecer na Saxônia, em virtude da proscrição papal.Sob estas circunstâncias de crise, e confrontando aos nobres alemães, Lutero escreveu "À Nobreza Cristã da Nação Alemã" (agosto de 1520), onde recomendava ao laicado, como um sacerdote espiritual, que fizesse a reforma requerida por Deus mas abandonada pelo Papa e pelo clero. Pela primeira vez Lutero referiu-se ao Papa como o Anticristo[7].As reformas que Lutero propunha não se referiam apenas a questões doutrinárias, como também aos abusos eclesiásticos: a diminuição do número de cardeais e outras exigências da corte papal; a abolição das rendas do Papa; o reconhecimento do governo secular; a renúncia da exigência papal pelo poder temporal; a abolição dos Interditos e abusos relacionados com a excomunhão; a abolição das

peregrinações nocivas; a eliminação dos excessivos dias santos; a supressão dos conventos para monjas, da mendicidade e da suntuosidade; a reforma das universidades; a abrogação do celibato do clero; a união dos boêmios; e, finalmente, uma reforma geral na moralidade pública.

O cativeiro babilônico

Lutero gerou polêmicas doutrinárias em seu "Prelúdio no Cativeiro Babilônico da Igreja", em especial no que diz respeito aos sacramentos.

Eucaristia - apoiava que fosse devolvido o "cálice" ao laicado; na chamada questão do dogma da transubstanciação, afirmava que era real a presença do corpo e do sangue do Cristo na eucaristia, mas rechaçava o ensinamento de que a eucaristia era o sacrifício oferecido por Deus.

Batismo - ensinava que apenas trazia a justificação apenas se combinado com a fé salvadora em o recebedor; de fato, mantinha o princípio da salvação inclusive para aqueles que mais tarde se convertiam.

Penitência - afirmou que sua essência consiste na palavra de promessa de desculpas recebidas com fé.

Para ele, apenas estes três sacramentos podiam assim ser considerados, pois sua instituição era divina e a promessa da salvação de Deus estava conexa a eles; mas, em sentido estrito, apenas o batismo e a eucaristia seriam verdadeiros sacramentos, pois apenas estes tinham o "sinal visível da instituição divina": a água no batismo e o pão e vinho da eucaristia. Lutero negou, em seu documento, que a confirmação, o matrimônio, a ordenação sacerdotal e a extrema unção fossem sacramentos.

Liberdade de um Cristão

Da mesma forma, o completo desenvolvimento da doutrina de Lutero sobre a salvação e a vida cristã foi exposta em "A liberdade de um cristão" (publicado em 20 de novembro de 1520, onde exigia uma completa união com Cristo mediante a palavra através da fé, e a inteira liberdade do cristão como sacerdote e rei sobre todas as coisas exteriores, e um perfeito amor ao próximo.

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A excomunhão

A 15 de junho de 1520 o Papa advertiu a Lutero, com a bula "Exsurge Domine", onde ameaçava-o com a excomunhão, a menos que num prazo de sessenta dias repudiasse 41 pontos de sua doutrina, selecionados em seus escritos. Em outubro de 1520 Lutero enviou seu escrito "A liberdade de um cristão" ao Papa, acrescentando a frase significativa:

"Eu não me submeto a leis ao interpretar a palavra de Deus". Enquanto isto, um rumor chegara de que Johan Ech saíra de Meissem com uma proibição papal, enquanto este se pronunciara realmente a 21 de setembro. O último esforço de paz de Lutero foi seguido em 12 de dezembro da queima da bula, que já tinha expirado há 120 dias, e o decreto papa de Wittenberg, defendendo-se com seus "Warum des Papstes und seiner Jünger Bücher verbrannt sind" e "Assertio omnium articulorum". O Papa Leão X excomungou Lutero a 3 de janeiro de 1521, na bula "Decet Romanum Pontificem".A execução da proibição, com efeito, foi evitada pela relação do Papa com Frederico III da Saxônia, e pelo novo imperador, Carlo I da Espanha (Carlos V) que julgou inoportuna apoiar as medidas contra Lutero, diante de sua posição face a Dieta.

Castello Wartburg em Eisenach

A DIETA DE WORMS

O Imperador Carlos V inaugurou a Dieta real a 22 de janeiro de 1521. Lutero foi chamado a renunciar ou confirmar seus ditos e foi-lhe outorgado um salvo-conduto para garantir-lhe o seguro deslocamento.A 16 de abril Lutero apresentou-se diante da Dieta. Johann Eck, assistente do Arcebispo de Trier, mostrou a Lutero uma mesa cheia de cópias de seus escritos. Perguntou então a Lutero se os livros eram seus e se ele acreditava naquilo que as obras diziam. Lutero pediu um tempo para pensar na sua resposta, o que lhe foi concedido. Este então isolou-se em oração, e depois consultou seus aliados e amigos, apresentando-se à Dieta no dia seguinte. Quando a Dieta veio a tratar do assunto, o conselheiro Eck pediu a Lutero que respondesse explicitamente:

"Lutero, repeles seus livros e os erros que eles contêm?" Lutero então ripostou:

"Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros argumentos da razão - porque não acredito nem no Papa nem nos concílios já que está provado amiúde que estão errados, contradizendo-se a si mesmos - pelos textos da Sagrada Escritura que citei, estou submetido a minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não posso nem quero retratar-me de nada, porque fazer algo contra a consciência não é seguro nem saudável."

De acordo com a tradição, Lutero então proferiu essas palavras:"Nao posso fazer outra coisa, esta é a minha posição. Que Deus me ajude![8]

Nos dias seguintes seguiram-se muitas conferências privadas para determinar qual o destino de Lutero. Antes que a decisão fosse tomada, Lutero abandonou Worms. Durante seu regresso a Wittenberg, desapareceu.O Imperador redigiu o Édito de Worms a 25 de maio de 1521, declarando Martinho Lutero fugitivo e herege, e proibindo suas obras.

PROCESSO ROMANO

Em Junho de 1518 foi aberto o processo contra Lutero, com base na publicação das suas 95 Teses. Alegava-se que este incorria em heresia, a ser examinado pelo processo. Nas aulas que dava na Universidade de Wittenberg, espiões registram os comentários

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negativos de Lutero sobre a excomunhão. Depois disso, em agosto de 1518, o processo é alterado para heresia notória. Lutero é convidado para ir a Roma, onde desmentiria sua doutrina.

O selo de Lutero.

Lutero recusa-se a fazê-lo, alegando razões de saúde e pretende uma audiência em território alemão. O seu pedido baseia-se no argumento (Gravamina) da Nação Alemã. O seu pedido foi aceito, ele foi convidado para uma audiência com o Cardeal Caetano, durante a reunião das cortes (Reichstag) imperiais de Augsburg. Entre 12 e 14 de Outubro de 1518, Lutero fala a Caetano. Este pede-lhe que revogue a sua doutrina. Lutero recusa-se a fazê-lo.Do lado romano, o caso pareceu terminado. Por causa da morte de Imperador Maximiliano I (Janeiro de 1519), houve uma pausa de dois anos. O Imperador tinha decidido que o seu sucessor seria Carlos (futuro Carlos V). Por causa das pertenças de Carlos em Itália, o papa renascentista Leão X receava o cerco do estado da Igreja e procurava evitar que os príncipes-eleitores alemães (Kurfürsten) renunciassem a Carlos.O papel de protetor de Lutero assumido por Frederico, o sábio levou a que Roma pedisse a Karl von Miltiz que intercedesse junto ao príncipe por uma solução razoável. Após a escolha de Carlos V como imperador (26 de junho de 1519), o processo de Lutero voltará a ser reatado.Em junho de 1520 reaparece a ameaça no escrito "Exsurge Domini", em Janeiro de 1521 a bula "Decet Romanum Pontificem". Com ela foi excomungado Lutero. Seguiu-se a ameaça oficial do imperador (Reichsacht).

Notável é no entanto que Lutero foi mais uma vez recebido em audiência, que também deixou claras as diferenças entre o papado e o rei/imperador. Carlos foi o último rei (após uma reconciliação) a ser coroado imperador pelo papa. A 17 e 18 de Abril de 1521 Lutero é ouvido na Dieta de Worms (conferência governativa) e após ter negado a revocação da sua doutrina, é publicado o Édito de Worms, banindo Lutero.

EXÍLIO NO CASTELO DE WARTBURG

O seqüestro de Lutero durante a sua viagem de regresso foi arranjado. Frederico, o sábio ordenou que Lutero fosse capturado no seu retorno da Dieta de Worms por um grupo de homens mascarados a cavalo, que o levaram para o Castelo de Wartburg, em Eisenach, onde ele permaneceu por cerca de um ano. Deixou crescer a barba e tomou as vestes de um cavaleiro, assumindo o pseudónimo de Jörg. Durante este período de retiro forçado, Lutero trabalhou na sua célebre tradução da bíblia para o alemão.

Martínho Lutero pregando no Castelo Wartburg, quadro de Hugo Vogel

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Com o início da moradia de Lutero em Wartburg começou um período construtivo de sua carreira como reformista. Em seu "deserto" ou "Patmos" (como ele mesmo chamava, em suas cartas) de Wartburg, começou a tradução da Bíblia, da qual foi impresso o Novo Testamento em setembro de 1522.Produziu outros escritos, preparou a primeira parte de seu guia para párocos e "Von der Beichte" (Sobre a Confissão), em que nega a obrigatoriedade da confissão, e admite como saudável a confissão privada voluntária. Também escreveu contra o Arcebispo Albrecht, a quem obrigou com isto a desistir de retomar a venda das indulgências; enquanto que em seus ataques a Jacobus Latomus avançou em sua visão sobre a relação entre a graça e a lei, assim como sobre a natureza revelada pelo Cristo, distinguindo o objetivo da graça de Deus para o pecador, que, por acreditar, é justificado por Deus devido à justiça de Cristo, pois a graça salvadora reside dentro do homem pecador; e ainda que o "princípio da justificação" é insuficiente, ante a persistência do pecado depois do batismo - pela inerência do pecado em cada boa obra.Lutero amiudadamente escrevia cartas a seus amigos e aliados, respondendo-lhes ou perguntando-lhes por seus pontos de vista e respondendo-lhe aos pedidos de conselhos. Por exemplo, Felipe Melanchthon lhe escreveu perguntando-lhe como responder à acusação de que os reformistas renegavam a peregrinação, e outras formas tradicionais de piedade. Lutero lhe respondera em 1 de agosto de 1521:

"Se és um pregador da misericórdia, não pregues uma misericórdia imaginária, mas sim uma verdadeira. Se a misericórdia é verdadeira, deve penitenciar ao pecado verdadeiro, não imaginário. Deus não salva apenas aqueles que são pecadores imaginários. Conheça o pecador, e veja se os seus pecados são fortes, mas deixai que tua confiança em Cristo seja ainda mais forte, e que se alegre em Cristo que é o vencedor sobre o pecado, a morte e o mundo. Cometeremos pecados enquanto estivermos aqui, porque nesta vida não há um só lugar onde resida a justiça. Nós todos, sem embargo, disse Pedro (2ª Pedro 3:13), estamos buscando mais além um novo céu e uma nova terra onde a justiça reinará".

Seu quarto no castelo de Wartburg, em Eisenach.

Enquanto isto, alguns sacerdotes saxões haviam renunciado ao voto de castidade, ao tempo em que outros tantos atacavam os votos monásticos. Lutero, em seu De votis monasticis (Sobre os votos monásticos), aconselhava a ter mais cautela, aceitando no fundo que os votos eram geralmente tomados "com a intenção da salvação ou à busca de justificação". Com a aprovação de Lutero em seu "De abroganda missa privata (Sobre a abrogação da missa privada), mas contra a firme oposição de seu prior, os agostinianos de Wittenberg realizaram a troca das formas de adoração e terminaram com as missas. Sua violência e intolerância, certamente, desagradaram a Lutero, que em princípios de dezembro passou uns dias entre eles. Ao retornar para Wartburg, escreveu "Eine treue Vermahnung... vor Aufruhr und Empörung" (Uma sincera admoestação por Martinho Lutero a todos os cristãos para que se resguardem da insurreição e rebelião). Apesar disto, em Wittengerg, Carlstadt e o ex-agostiniano Gabriel Zwilling reclamavam pela abolição da missa privada e da comunhão em duas espécies, assim como a eliminação das imagens nas igrejas e na abrogação do celibato.

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REGRESSO A WITTENBERG E OS SERMÕES INVOCAVIT

Ao fim de 1521, os anabatistas de Zwickau se entregam à anarquia. Contrário a tais concepções radicais e temendos seus resultados, Lutero regressa em segredo a Wittenberg a 6 de março de 1522. Durante oito dias, a partir de 9 de março (domigo de Invocavit) e concluindo no domingo seguinte, Lutero pregou outros tantos sermões que tornaram-se conhecidos como os "Sermões de Invocavit".Nestas pregações Lutero aconselha uma reforma cuidadosa, que leve em consideração a consciência daqueles que ainda não estão persuadidos a acolher a reforma. A consagração do pão foi restaurada por um tempo e o cálice sagrado foi ministrado somente aqueles do laicado que o desejaram. O cânon das missas, devido ao seu caráter imolatório, foi suprimido. Devido ao sacramento da confissão haver sido abolido confrontou-se com a necessidade que muitas pessoas ainda tinham de confessar-se e buscar assim o perdão. Esta nova forma de serviço foi dada a Lutero em "Formula missæ et communionis" (Fórmula da missa e Comunhão), de 1523. Em 1524 apareceu o primeiro hinário de Wittenberg, com quatro hinos.

Como esta parte da Saxônia ser governada pelo Duque Jorge, que proibira seus escritos, Lutero declarou que a autoridade civil não podia promulgar leis para a alma, em seu "Über die weltliche Gewalt, wie weit man ihr Gehorsam schuldig sei" (Autoridade Temporal: em que medida deve ser obedecida).

A GUERRA DOS CAMPONESES

A guerra dos camponeses (1524-1525) foi de muitas maneiras uma resposta aos discursos de Lutero e de outros reformadores. Revoltas de camponeses já tinham existido em pequena escala Flandres (1321-1323), França (1358), Inglaterra (1381-1388), durante as guerras hussitas do século XV, e muitas outras até o século XVIII, mas muitos camponeses julgaram que os ataques verbais de Lutero à Igreja e sua hierarquia significavam que os reformadores iriam igualmente apoiar um ataque armado à hierarquia social. Por causa dos fortes laços entre a nobreza hereditária e os líderes da Igreja que Lutero condenava, isto não seria surpreendente.Já em 1522, enquanto Lutero estava em Wartburg, colaboradores seus perverteram seus ensinamentos e passaram a pregar

mensagens revolucionárias por toda a Alemanha. Enfatizava-se a formação de um grupo de "santos"(espalharam boatos de que estes santos, seriam a causa da derrota da Igreja Católica), com a tarefa de lutar contra a autoridade constituída e promover a aniquilação dos "ímpios"(i. católica). Um desses pregadores foi Tomas Müntzer.A mensagem escatológica de Müntzer, na verdade, tinha pouco a ver com a proposta dos camponeses, tanto que ele procurou a nobreza da Saxônia para obter apoio. Com a negativa destes e a eclosão dos conflitos camponeses no sudoeste alemão, ele logo viu o instrumento para a concretização de seus planos.Lutero desde cedo prevenira a nobreza e os próprios camponeses sobre a revolta e particularmente sobre Müntzer, um dos "profetas do assassínio", colocando-o como um dos mentores do movimento camponês. Lutero escreveu a Terrível História e Juízo de Deus sobre Tomas Müntzer, inaugurando essa linha de pensamento.Na iminência da revolta (1524), Lutero escreveu a Carta aos Príncipes da Saxônia sobre o Espírito Revoltoso, mostrando a tirania dos nobres que oprimiam o povo e a loucura dos camponeses em reagir através da força e a confiar em Müntzer como pregador. Houve pouca repercussão deste escrito.Ainda em 1524, Müntzer mudou-se para a cidade imperial de Mühlhausen, oferecendo-se como pregador. Lutero escreveu a Carta Aberta aos Burgomestres, Conselho e toda a Comunidade da Cidade de Mühlhausen com o propósito de alertar sobre as intenções de Müntzer. Também este escrito não teve repercussão, pois o conselho da cidade limitou-se a pedir informações sobre Müntzer na cidade imperial de Weimar.O principal escrito dos camponeses eram os Doze Artigos, onde as reinvidicações foram expostas. Neles haviam artigos de fundo teológico (direito de ouvir o Evangelho através de pregadores chamados por eles próprios) e artigos que tratavam dos maus tratos (exploração nos impostos, etc.). Os artigos eram fundamentados com passagens bíblicas e pedia-se que se alguém pudesse provar pelas Escrituras que aquelas reinvidicações eram injustas, eles as abandonariam, e entre aqueles que se consideravam dignos de fazer tal coisa estava o nome de Lutero.De fato Lutero escreveu sobre os Doze artigos em seu livro Exortação à Paz: Resposta aos Doze artigos do Campesinato da Suábia, de 1525. Nele Lutero ataca os príncipes e senhores por

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cometerem injustiças contra os camponeses e ataca os camponeses pela rebelião e desrespeito à autoridade.Infelizmente também esse escrito não teve repercussão e durante uma viagem de Lutero pela região da Turíngia ele pôde testemunhar as atrocidades cometidas pelos camponeses, motivando-o a escrever o Adendo: Contra as Hordas Salteadoras e Assassinas dos Camponeses. Tratava-se de um apêndice de Exortação à Paz..., mas cedo tornou-se um livro separado. O Adendo foi publicado quando a revolta camponesa já estava no final e os príncipes cometiam atrocidades contra os camponeses derrotados, de modo que o escrito causou grande revolta na opinião pública contra Lutero. Nele, Lutero encorajava os príncipes a castigar os camponeses, até com a morte.Tal repercussão negativa obrigou Lutero a pregar um sermão no dia de pentecostes de 1525 que tornou-se o livro Posicionamento do Dr. Martinho Lutero Sobre o Livrinho Contra os Camponeses Assaltantes e Assassinos, onde o reformador contesta os críticos e reafirma sua posição anterior.Como ainda havia repercussão negativa, Lutero novamente se posiciona sobre a questão no seu Carta Aberta a Respeito do Rigoroso Livrinho Contra os Camponeses, onde lamenta e exorta contra a crueldade que estava sendo praticada pelos príncipes mas reafirma sua posição anterior.Por fim, a pedido de um amigo, o cavaleiro Assa von Kram, Lutero redigiu Acerca da Questão, Se Também Militares Ocupam uma Função Bem-Aventurada, em 1526, com o propósito de esclarecer questões sobre consciência do cristão em caso de guerra e sua função como militar.

OBRAS IMPORTANTES

Foi o autor de uma das primeiras traduções da Bíblia para o alemão, algo que na altura não era permitido pela Igreja católica sem especial autorização eclesiástica. Lutero não foi o primeiro tradutor da Bíblia para o alemão. Já havia traduções mais antigas. A tradução de Lutero, contudo, suplantou as anteriores. Além da qualidade da tradução, foi amplamente divulgada em decorrência da sua difusão por meio da imprensa, desenvolvida por Gutenberg em 1453.O latim, a língua do extinto Império Romano, permanecia a lingua franca européia, imediatamente conotada com o passado romano glorioso, uma era de ciência, de progresso económico e civilizacional, sendo também a língua dos textos sagrados tal como estes foram

transmitidos às províncias do império romano, por mais longínquas que fossem, nos menos de 100 anos que separam a oficialização da religião cristã pelo Imperador Romano Teodósio I em 380 d.C. e a deposição do último imperador de Roma pelo Germânico Odoacro em 476 d.C., data avançada por Edward Gibbon e convencionalmente aceite como ano da queda de Roma (Império Ocidental). O fim da perseguição da religião cristã pelo império romano tinha-se dado em 313 d.C. (Ver: Édito de Milão, Concílio de Niceia, Constantino I, A história do declínio e queda do império romano, Santo Jerónimo).No entanto, o domínio do latim era, no século XVI, no fim da Idade Média e princípio da chamada Idade Moderna, apenas o privilégio de uma percentagem ínfima de população instruída, entre os quais os elementos da própria igreja. A tradução de Lutero para o alemão foi simultaneamente um acto de desobediência e um pilar da sistematização do que viria a ser a língua alemã, até aí vista como uma língua inferior, dos ignorantes, plebeus. (É preciso adicionar que Lutero não se opôs ao latim, e ele mesmo publicou uma edição revisada da tradução latina da Bíblia (Vulgata). Lutero escrevia tanto em latim como em alemão. A tradução da Bíblia para o alemão não significou, portanto, rejeição do latim como língua acadêmica.)     Notas

 

1. ↑ Schwiebert, p. 128. 2. ↑ Schwiebert, p. 136. 3. ↑ Roland H. Bainton, "The Gospel," em Here I Stand: a Life of

Martin Luther (New American Library, 1950), pp. 40-42. 4. ↑ Vidal, p. 108 5. ↑ Markus Wriedt, "Luther's Theology," en The Cambridge

Companion to Luther (Cambridge University Press, 2003), pp. 88-94.

6. ↑ Philip Schaff, History of the Christian Church (Charles Scribner's Sons, 1910), 7:99; W.G. Polack, The Story of Luther (Concordia Publishing House, 1931), p. 45.

7. ↑ Martinho Lutero, An Open Letter to The Christian Nobility of the German Nation Concerning the Reform of the Christian Estate, 1520, trad. C. M. Jacobs, em Works of Martin Luther: With Introductions and Notes, Volumen 2 (A. J. Holman Company, 1915; Project Wittenberg, 2006)

8. ↑ "Frase extraída de página luterana alemã.

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