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1 CIEC/UNICAMP URBANA, ano 3, nº 3, 2011 Dossiê: Patrimônio Industrial Inventário do Patrimônio Ferroviário Denise Fernandes Geribello Mestre em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Resumo Tendo em vista a importância do inventário para a preservação e gestão do patrimônio ferroviário, este artigo faz uma reflexão sobre o ato de inventariar e apresenta o inventário integrante da pesquisa de mestrado Habitar o Patrimônio Cultural: o caso do ramal ferroviário Anhumas - Jaguariúna, desenvolvida no Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas. A pesquisa tem como objeto de estudo o trecho da antiga Companhia Mogiana de Estradas de Ferro entre as Estações Anhumas e Jaguariúna, localizado nos municípios de Campinas e Jaguariúna, Estado de São Paulo. O seguinte texto aborda tanto questões gerais a respeito do inventário do patrimônio cultural quanto especificidades do patrimônio material ferroviário. Palavras-chave: Patrimônio Industrial, Patrimônio Ferroviário, Inventário, Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Abstract Considering the important hole of the inventories on the preservation and management of the railway heritage, this article reflects on inventory and presents the inventory made by the master research Inhabiting the Cultural Heritage: the study case of Anhumas Jaguariúna railroad, developed in the History Department of Universidade Estadual de Campinas. This research has a section of the old railroad Companhia Mogiana de Estradas de Ferro as study case. This railroad is located in the cities of Campinas and Jaguariúna, São Paulo State. General issues on cultural heritage inventory and specificities of material railroad heritage are both broach in this article. Keywords: Industrial Heritage, Railroad Heritage, Inventories, Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Nas ultimas décadas, é crescente a produção de inventários do patrimônio cultural. Tais levantamentos são elaborados por entidades de caráter diverso e encerram finalidades e objetos de estudos distintos. A maior parte dos

980-2625-1-PB

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Inventário do Patrimônio FerroviárioDenise Fernandes GeribelloMestre em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

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    URBANA, ano 3, n 3, 2011 Dossi: Patrimnio Industrial

    Inventrio do Patrimnio Ferrovirio

    Denise Fernandes Geribello

    Mestre em Histria pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

    Resumo

    Tendo em vista a importncia do inventrio para a preservao e gesto

    do patrimnio ferrovirio, este artigo faz uma reflexo sobre o ato de inventariar

    e apresenta o inventrio integrante da pesquisa de mestrado Habitar o

    Patrimnio Cultural: o caso do ramal ferrovirio Anhumas - Jaguarina,

    desenvolvida no Departamento de Histria da Universidade Estadual de

    Campinas. A pesquisa tem como objeto de estudo o trecho da antiga Companhia

    Mogiana de Estradas de Ferro entre as Estaes Anhumas e Jaguarina,

    localizado nos municpios de Campinas e Jaguarina, Estado de So Paulo. O

    seguinte texto aborda tanto questes gerais a respeito do inventrio do

    patrimnio cultural quanto especificidades do patrimnio material ferrovirio.

    Palavras-chave: Patrimnio Industrial, Patrimnio Ferrovirio, Inventrio,

    Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.

    Abstract

    Considering the important hole of the inventories on the preservation and

    management of the railway heritage, this article reflects on inventory and

    presents the inventory made by the master research Inhabiting the Cultural

    Heritage: the study case of Anhumas Jaguarina railroad, developed in the

    History Department of Universidade Estadual de Campinas. This research has a

    section of the old railroad Companhia Mogiana de Estradas de Ferro as study

    case. This railroad is located in the cities of Campinas and Jaguarina, So Paulo

    State. General issues on cultural heritage inventory and specificities of material

    railroad heritage are both broach in this article.

    Keywords: Industrial Heritage, Railroad Heritage, Inventories, Companhia

    Mogiana de Estradas de Ferro.

    Nas ultimas dcadas, crescente a produo de inventrios do patrimnio

    cultural. Tais levantamentos so elaborados por entidades de carter diverso e

    encerram finalidades e objetos de estudos distintos. A maior parte dos

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    URBANA, ano 3, n 3, 2011 Dossi: Patrimnio Industrial

    inventrios produzida por organizaes governamentais e instituies

    acadmicas, havendo, em alguns casos, parcerias entre estes dois tipos de

    entidade. Os bens imateriais e materiais, tanto mveis quanto imveis, so

    tratados pelos inventrios, que em alguns casos os tomam com objetos isolados

    e, em outros, como conjuntos. A seleo dos objetos inventariados

    estabelecida a partir de recortes temticos e ou espaciais. Os levantamentos

    destes bens tm por objetivo a identificao de elementos de interesse cultural,

    o aprofundamento do conhecimento a seu respeito ou mesmo a fundamentao

    de polticas pblicas e intervenes. De acordo com o objeto de estudo e a

    finalidade, variam o carter das informaes e o grau de detalhamento dos

    levantamentos. Tendo em vista a crescente produo e diversidade dos

    inventrios do patrimnio cultural, uma reflexo a cerca destes levantamentos

    constituiu o ponto de partida para a elaborao do inventrio que integra a

    pesquisa de mestrado Habitar o Patrimnio Cultural: o caso do ramal frreo

    Anhumas Jaguarina1. As discusses que embasaram a criao deste

    inventrio, bem como seu desenvolvimento e resultados, so abordados pelo

    presente texto.

    Importante mencionar que o inventrio tratado pelo presente artigo

    como ferramenta de carter investigativo e no como instrumento jurdico de

    proteo do patrimnio cultural. Esta abordagem se deve s demandas da

    pesquisa a qual o inventrio se vincula, o que no quer dizer que a discusso

    sobre o inventrio enquanto instrumento de proteo seja menos importante e

    necessria.

    A pesquisa Habitar o Patrimnio Cultural: o caso do ramal frreo

    Anhumas Jaguarina tem por objetivo aprofundar o conhecimento sobre as

    relaes funcionais e simblicas entre bens culturais e seus habitantes. O

    trabalho desenvolve o estudo de caso do trecho da linha tronco da antiga

    Companhia Mogiana de Estradas de Ferro2 entre os ptios de Anhumas e

    Jaguarina. Este trecho se estende pelos Municpios de Campinas e Jaguarina,

    1 Pesquisa desenvolvida no Departamento de Histria do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas

    da Universidade Estadual de Campinas, sob orientao da Professora Doutora Silvana Barbosa

    Rubino, com apoio da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo. 2 Inicialmente, esta companhia se intitula Companhia Mogyana de Estradas de Ferro. Em 1888, com o incio das atividades de navegao no Rio Grande, ela passa a se chamar Companhia Mogyana de Estradas de Ferro e Navegao. Posteriormente, em 1923, com a desativao do servio de navegao, volta a ser intitulada Companhia Mogyana de Estradas de Ferro, nome que passa a ser grafado com i em 1937. Neste texto, esta ferrovia ser tratada como Companhia Mogiana.

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    URBANA, ano 3, n 3, 2011 Dossi: Patrimnio Industrial

    localizados na Regio Metropolitana de Campinas, Estado de So Paulo.

    Fundamentado no inventrio do complexo ferrovirio e no levantamento das

    formas de apropriao material e simblica deste complexo por seus habitantes,

    o estudo busca identificar implicaes das diferentes formas de apropriao do

    patrimnio cultural por seus habitantes na sua preservao.

    O complexo ferrovirio estudado constitudo por um ramal frreo que

    ultrapassa 23 quilmetros de comprimento e conta com mais de 30 edificaes

    de tipologias diversas distribudas em seis ptios. Apesar de possuir algumas

    edificaes remanescentes do traado inicial da Companhia Mogiana, inaugurado

    em trs de maio de 1875 (MATOS, 1981, p.71), o trecho estudado resultante

    da retificao da ferrovia, que se estendeu de 1919 a 19453 no segmento

    analisado. Este trecho foi desativado em 1977 (RIBEIRO, 2007, p. 14), aps a

    encampao da Companhia Mogiana pelo governo estadual em 19524, e sua

    integrao Ferrovia Paulista S/A em 1971 (RIBEIRO, 2007, p. 14). Em 1977, o

    trecho foi cedido em comodato Associao Brasileira de Preservao

    Ferroviria5 (ABPF) (RIBEIRO, 2007, p. 14), que implantou o trem turstico

    intitulado Museu Ferrovirio Dinmico Viao Frrea Campinas Jaguarina no

    local em 19846. Mesmo com a sua incorporao Rede Ferroviria Federal e,

    posteriormente, a transferncia Unio, o trecho continua sob posse da ABPF,

    que ainda opera no local o trem turstico.

    3 RELATRIOS da Directoria da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro para a Assemblea Geral de 1920 a 1945. 4 BOLETIM da Unio dos Ferrovirios Aposentados da Mogiana, Dez., 1992, p.4. 5 A Associao Brasileira de Preservao Ferroviria (ABPF) foi fundada em 1977 e rene interessados na preservao e divulgao da histria ferroviria no Brasil. A entidade teve como modelo associaes existentes na Europa e nos Estados Unidos da Amrica. 6 ABPF Boletim, Dez., 2003, n. 10, p.4.

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    URBANA, ano 3, n 3, 2011 Dossi: Patrimnio Industrial

    Figura 1. Ptios ferrovirios do conjunto estudado

    Alm do patrimnio imvel, constitudo por edifcios, obras-de-arte e infra-

    estrutura, o conjunto conta com grande acervo de bens mveis, composto por

    maquinrio e material rodante, e com habitantes e freqentadores que

    conservam tcnicas e saberes associados s atividades ferrovirias. Pelo fato da

    anlise da arquitetura e de suas formas de apropriao constituir o foco da

    pesquisa, apenas edifcios foram incorporados ao estudo. Por constituir um

    universo bastante amplo, foram abordados apenas os edifcios dotados de forma

    e dimenso que possibilitam a utilizao como espao de permanncia. Dessa

    forma, edificaes de pequena monta como casas de fora e pequenos depsitos

    no foram incorporados ao trabalho. Este recorte se deve aos limites de tempo e

    ao tema da pesquisa, o que de modo algum significa que os elementos deixados

    de fora possuam menor relevncia. Muito pelo contrrio.

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    URBANA, ano 3, n 3, 2011 Dossi: Patrimnio Industrial

    Importante mencionar que, apesar do objeto de estudo se inserir em uma

    categoria bastante especfica patrimnio industrial ferrovirio a pesquisa

    busca abord-lo sem perder de vista as questes mais abrangentes a cerca do

    patrimnio cultural e das disciplinas arquitetura e urbanismo. Conforme

    menciona Khl, necessrio

    ...tentar estabelecer linhas temticas que permitam indagaes que, por

    um lado, aprofundem aspectos especficos da discusso (arquitetura

    ferroviria, por exemplo) e, por outro, sejam articuladas com debates

    abrangentes em campos como a histria, sociologia, antropologia e

    restauro que possibilitem uma compreenso mais ampla dos vrios

    aspectos vinculados ao legado da industrializao (2009, p. 46).

    Assim sendo, as anlises que fundamentam a elaborao do levantamento

    partem de uma abordagem das caractersticas gerais do inventrio do patrimnio

    cultural e, em um segundo momento, tratam das especificidades do patrimnio

    ferrovirio.

    A seleo dos edifcios constituiu o ponto de partida para a elaborao do

    inventrio. Tendo como recorte temtico os edifcios do conjunto ferrovirio da

    antiga Companhia Mogiana com forma e dimenso que possibilite sua utilizao

    enquanto espao de permanncia e como recorte espacial o trecho entre as

    estaes Anhumas e Jaguarina, foram listados os bens a serem inventariados.

    Resultou desta atividade uma lista contendo vinte e nove edificaes de

    tipologias diversas, entre elas estaes, habitaes e caixas dgua (Tabela 1). A

    definio dos bens a serem levantados se mostrou fundamental, mas no

    suficiente, para embasar a elaborao do inventrio. Antes de definir sua forma e

    contedo, ainda se fizeram necessrias reflexes acerca do ato de inventariar e

    anlises de inventrios produzidos por entidades diversas.

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    URBANA, ano 3, n 3, 2011 Dossi: Patrimnio Industrial

    Tabela 1. Listagem das edificaes inventariadas por ptio ferrovirio

    Ptio Anhumas Ptio Pedro

    Amrico Ptio

    Tanquinho

    Ptio Desembargador

    Furtado

    Ptio Carlos Gomes

    Ptio Jaguarina

    Estao Estao Estao Estao Estao Estao

    Casa de Portadores 1

    Casa de Portadores

    Casa de Portadores 1

    Casa de Portadores 1

    Casa de Portadores 1

    Caixa dgua

    Casa de Portadores 2

    Casa de Telegrafista 1

    Casa de Portadores 2

    Casa de Portadores 2

    Casa de Portadores 2

    Armazm

    Casa de bombeiro

    Casa de Telegrafista 2

    Casa do pessoal da lavagem

    Casa de Turma 1

    Caixa dgua Casa de Turma

    1 Caixa dgua

    Casa de Turma 2

    Casa de Turma

    2 Casa de Feitor

    Casa de Feitor

    O inventrio consiste no registro, descrio e classificao de bens

    selecionados. Esta ferramenta articula de maneira sistematizada informaes

    previamente existentes sobre o objeto a dados gerados pelo inventariante. Sua

    estrutura sistemtica, alm de orientar o olhar durante os levantamentos em

    campo e arquivo, tambm baliza o desenvolvimento de material grfico,

    fotogrfico e textual, permitindo, desta forma, certa padronizao no

    levantamento. Tal configurao permite o cotejo de dados de forma objetiva,

    possibilitando tanto as anlises propostas por seu autor quanto as apreciaes de

    outros pesquisadores com os mais diversos enfoques, entre eles possveis

    intervenes que venham ocorrer no objeto. Tambm decorre do carter

    sistemtico do inventrio a possibilidade de abastecimento contnuo de dados.

    primeira vista, o inventrio pode parecer um arrolamento imparcial de

    dados de cunho estritamente tcnico, porm o carter das informaes nele

    apresentadas est ligado ao ponto de vista do inventariante, seja ele um

    individuo ou uma entidade. So as questes tidas como relevantes por seu autor

    que compem o levantamento. Estas questes so organizadas segundo

    prioridades por ele impostas. As ferramentas de pesquisa, como, por exemplo,

    equipamentos de dimensionamento e anlises laboratoriais, so selecionadas e

    utilizadas de acordo com critrios por ele colocados. Assim, a forma e o contedo

    do inventrio, alm de se relacionarem s peculiaridades do objeto e finalidade

    do levantamento, se relacionam perspectiva de seu autor, que, por sua vez,

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    decorre de diversos fatores, como sua formao, experincia e contexto.

    Portanto, pode-se dizer que o inventrio temporal e culturalmente inserido.

    A respeito da descrio de pinturas, Baxandall afirma que ela menos

    uma representao do quadro, ou mesmo uma representao do que se v no

    quadro, do que uma representao do que pensamos ter visto nele (2006, p.

    44). De maneira anloga, pode-se dizer que o inventrio, mais do que

    representar um objeto, representa o que considerado relevante a respeito dele.

    O inventrio no almeja, ento, substituir o contato com o objeto ou o objeto em

    si, mas apresentar um ponto de vista sobre ele. Logo, alm de informar a

    respeito da trajetria de um dado objeto e de sua situao em determinada

    poca, o inventrio tambm expe a perspectiva pela qual tal objeto

    considerado e quais informaes a seu respeito so tidas como relevantes em

    um determinado perodo.

    O inventrio, com seu carter sistemtico, constitui uma importante

    ferramenta para dar conta de demandas do momento de sua elaborao. Com o

    passar de anos, meses e, em alguns casos, at mesmo dias aps sua concluso,

    os objetos inventariados sofrem modificaes. Dessa forma, o inventrio adquire

    valor documental, revelando informaes sobre as formas e usos pretritos de

    um bem. Como mencionado acima, o inventrio pode revelar, ainda, a

    perspectiva a partir da qual os objetos so investigados em determinada poca e

    local.

    Antes de desenvolver o inventrio proposto pela presente pesquisa e,

    assim, determinar a forma de tratamento do objeto, foi realizada uma anlise de

    inventrios existentes. Primeiramente foi desenvolvido um levantamento de

    inventrios produzidos por diversas entidades, do qual dez inventrios foram

    selecionados para compor uma apreciao mais especfica. Estes dez inventrios,

    indicados na Tabela 2, tiveram sua estrutura e contedo analisados com vistas a

    fundamentar a elaborao do inventrio proposto pela presente pesquisa.

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    Tabela 2. Inventrios analisados

    Inventrio Instituio Local Ano

    Inventrio do patrimnio imvel de Aores Instituto Aoriano de Cultura Aores 2008

    Inventrio de proteo do acervo cultural Secretaria de Indstria

    Comrcio e Turismo da Bahia Salvador/BA 1984

    Inventrio do patrimnio ferrovirio Instituto do Patrimnio

    Histrico e Artstico Nacional Braslia/DF 2007

    Arrolamento de conhecimento e varredura do patrimnio ferrovirio da extinta Rede Ferroviria

    Federal

    Coordenao Tcnica Patrimnio Ferrovirio/IPHAN

    Braslia/DF 2009

    Ficha de inventrio dos bens imveis tombados pelo Municpio de Campinas

    Coordenaria Setorial do Patrimnio Cultural da Prefeitura Municipal de

    Campinas

    Campinas/SP 2003

    Percorsi di Catalogazione e Documentazione Centrale per Catalogo e La

    Documentazione do Ministero per i Beni e Le Attivit Culturali

    Italia

    Inventrio de proteo ao acervo cultural de Minas Gerais (IPAC/MG)

    Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais

    Minas Gerais 2008

    Inventrio das vilas operrias de Campinas (1930-1960)

    Coordenaria Setorial do Patrimnio Cultural da Prefeitura Municipal de

    Campinas/ Universidade Estadual de Campinas

    Campinas/SP 2009

    Projeto inventrio de bens culturais imveis Instituto Estadual do

    Patrimnio Cultural do Rio de Janeiro

    Rio de Janeiro/RJ

    2004

    Inventrio da Regio Central de Campinas

    Coordenaria Setorial do Patrimnio Cultural da Prefeitura Municipal de

    Campinas/ Universidade Estadual de Campinas

    Campinas/SP 2007

    A anlise apontou a existncia de pontos comuns aos inventrios

    pesquisados. Dados referentes localizao, propriedade, ao uso, ao estado de

    conservao e preservao, ao histrico do edifcio, proteo legal e

    caracterizao arquitetnica, construtiva e estilstica integram todos os

    levantamentos. Apesar de aparecerem de maneira mais ou menos detalhada e,

    s vezes, com diferentes denominaes, estes dados esto presentes em todos

    estes inventrios.

    Em uma parcela dos levantamentos, os edifcios so abordados como

    elementos isolados, tanto no espao quanto no tempo. Em grande parte dos

    inventrios, as formas de insero territorial so pouco desenvolvidas, no

    evidenciando as relaes do imvel nem com seu entorno imediato nem com o

    tecido da cidade. Alm de impedir sua leitura na trama urbana, tal forma de

    olhar o bem dificulta sua percepo enquanto elemento integrante de conjuntos

    arquitetnicos ou urbansticos. A respeito do recorte temporal, a maioria dos

    inventrios tem como foco a poca de construo do edifcio e o momento de

    elaborao do levantamento, de forma que a percepo do processo de evoluo

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    do objeto comprometida. A restrio dos levantamentos ao contexto de

    formao do edifcio e a sua situao atual pode estar ligada busca da

    sociedade por suas origens e tentativa de as conectar de alguma forma com o

    tempo presente, esforando-se, dessa forma, no sentido de criao de um

    vnculo com o passado.

    Outra questo pouco desenvolvida pelos inventrios a infra-estrutura

    existente nos edifcios. A presena ou ausncia de pavimentao, abastecimento

    de gua, gs encanado, rede de esgoto e de energia eltrica, telefone, internet...

    pode demonstrar o grau de representatividade de determinada regio ou edifcio

    frente municipalidade, a qualidade de vida e as demandas de seus habitantes

    ou usurios, bem como o estgio de consolidao de uma regio. Assim sendo, a

    insero de informaes relativas infra-estrutura se faz necessria para uma

    melhor leitura do objeto e de seu contexto.

    A falta de especificao das fontes de informaes chama ateno em

    grande parte dos levantamentos analisados. Freqentemente as obras e arquivos

    consultados so mencionados apenas na parte final da ficha, sem vinculao das

    informaes s suas respectivas fontes. Dessa forma, a citao de dados

    contidos no levantamento ou mesmo sua verificao comprometida.

    Alm de apresentar semelhanas em seus contedos, a estrutura dos

    inventrios analisados tambm se aproxima. Os levantamentos, em sua maioria,

    so apresentados sob forma de tabelas, cujos campos se agrupam por

    categorias, contendo espaos para textos e imagens. Na maior parte dos casos,

    os espaos para imagens, geralmente fotografias, plantas e mapas, so escassos

    e demasiado pequenos. A impossibilidade de anlise do objeto, ou de detalhes

    dele, e de seu entorno atravs das imagens as transforma em mera ilustrao.

    Por se tratar de uma pesquisa sobre o patrimnio industrial ferrovirio, o

    inventrio proposto, alm de contar com as informaes pertinentes ao objeto

    arquitetnico, deve dar conta das especificidades desta categoria. Elementos

    como a relao do edifcio com o ptio ferrovirio e a linha, a presena de

    maquinrio ou material rodante, no so contemplados, a no ser por

    inventrios especficos. As sistemticas de inventrio elaboradas pelo Instituto do

    Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN) para o levantamento do

    Patrimnio Ferrovirio serviram como base para o entendimento destas

    demandas especficas. Trata-se do Inventrio do patrimnio ferrovirio e do

    Arrolamento de varredura e conhecimento: patrimnio ferrovirio extinta

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    RFFSA, ambos elaborados pela Coordenao Tcnica do Patrimnio Ferrovirio

    do Departamento de Patrimnio Material e Fiscalizao para embasar as aes

    relacionadas atribuio colocada ao IPHAN pela Lei 11.483/2007 de

    receber e administrar os bens mveis e imveis de valor artstico, histrico

    e cultural, oriundos da extinta RFFSA, bem como zelar pela sua guarda e

    manuteno 7

    Os principais aspectos especficos ao patrimnio ferrovirio presentes

    nestes levantamentos so a insero do objeto na linha frrea e a presena

    elementos integrados ao conjunto. A fim de situar o objeto na trama ferroviria,

    proposta a identificao dos ramais e sub-ramais existentes, assim como da

    seqncia das edificaes. Alm de mapeada, a linha tambm caracterizada

    quanto a suas operaes ativa, desativada ou erradicada. Quanto aos

    elementos integrados ao conjunto, proposta a identificao de mobilirio,

    equipamentos de escritrio, maquinrio, ferramentas e acervo documental.

    Tendo em vista as peculiaridades do objeto de estudo, assim como as

    reflexes e anlises de inventrios, foi desenvolvido um sistema de levantamento

    que visa, primeiramente, identificar o universo em que o objeto se insere e,

    posteriormente, aprofundar os conhecimentos a respeito edifcio. Para tanto

    foram elaborados dois tipos de fichas, intituladas ficha do conjunto e ficha do

    edifcio, que comportam nveis diferenciados de informaes encerrando objetos,

    objetivos e abrangncias especficas.

    A ficha do conjunto tem como objeto cada um dos ptios ferrovirios

    estudados. Nesta escala de abordagem o ptio tratado enquanto conjunto e

    so analisadas tanto as relaes entre os elementos que o compe, quanto as

    relaes entre o ptio, enquanto unidade, e o territrio. Alm do estudo destas

    relaes, integram a ficha informaes a respeito de sua localizao, tanto em

    relao cidade quanto linha, caracterizao, propriedade, histrico, assim

    como da legislao incidente no conjunto.

    Cada uma das edificaes selecionadas levantada atravs de uma ficha

    do edifcio. Esta abordagem especfica do imvel tem como objetivo identificar

    suas caractersticas arquitetnicas e construtivas, alm de traar seus processos

    de transformao em diversas esferas, como modificaes em sua materialidade,

    7 Lei 11.483/2007 de 31 de maio de 2007.

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    propriedade e em suas formas de uso. O levantamento destas transformaes

    permite a anlise de implicao de modificao de um aspecto nos demais.

    Informaes a respeito de sua localizao, tanto em relao cidade quanto

    linha, caracterizao, estado de preservao e conservao, infra-estrutura,

    assim como da legislao incidente, constam na ficha do edifcio.

    Ambas as fichas possuem um cabealho comum, que facilita a

    identificao das relaes de pertencimento entre edifcios e conjuntos. As

    categorias e campos presentes na ficha do conjunto e do edifcio esto listados

    na Tabela 3. Os tpicos indicados nesta tabela correspondem s informaes

    textuais. Alm destes campos, as fichas contam com espaos para insero de

    imagens, constitudas, majoritariamente, por fotografias, mapas e croquis.

    Importante notar que as informaes incorporadas ao inventrio so

    acompanhadas de suas respectivas referncias entre parnteses e ao final da

    ficha se situa a bibliografia.

    Apesar do primeiro contato com as edificaes, conferido pela listagem das

    edificaes selecionadas, e da anlise de inventrios, foram necessrias revises

    nas fichas aps o incio dos levantamentos. Tais modificaes se devem a

    questes no previstas na elaborao inicial, que surgiram ao longo dos

    levantamentos de campo.

    Tabela 3. Fichas de inventrio

    Categorias Campos

    Fic

    ha

    do

    Co

    nju

    nto

    Identificao do estudo Recorte territorial, Recorte temtico, Objeto de anlise, Palavras chave

    Localizao Municpio/UF, Sub-Prefeitura, Localidade, Cdigo Postal, Endereo, Contexto

    Georreferenciamento Latitude, Longitude, Altitude

    Relao com a rede ferroviria Linha, Km da linha, Operao

    Objeto de anlise Natureza do bem, Categoria, Bens do conjunto

    Propriedade Propriedade, Posse, Contato

    Perodo de construo Ano, dcada, sculo, Observaes Histrico Histrico do conjunto Situao Insero territorial, Implantao Legislao incidente Instrumentos urbansticos

    Instrumento urbanstico, Lei, Data, Observaes

    Legislao incidente Proteo do Patrimnio

    Esfera, Tipo, Data de abertura do processo, Data da resoluo, Grau de proteo, observaes

    Fontes e documentao de referncia

    Bibliografia, Arquivos pesquisados, Fortuna crtica

    Anexos Elaboraes grficas, Fotografias, Documentos variados Preenchimento Preenchido por, Data, observaes

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    URBANA, ano 3, n 3, 2011 Dossi: Patrimnio Industrial

    Categorias Campos F

    ich

    a d

    o I

    m

    ve

    l

    Identificao do estudo Recorte territorial, Recorte temtico, Objeto de anlise, Palavras chave

    Localizao Municpio/UF, Sub-Prefeitura, Localidade, Cdigo Postal, Endereo, Contexto

    Georreferenciamento Latitude, Longitude, Altitude Relao com a rede ferroviria Linha, Km da linha, Operao

    Objeto de anlise Natureza do bem, Categoria, Tipologia, Denominao, Bens Integrados

    Propriedade Propriedade, Posse, Contato Perodo de construo Ano, dcada, sculo, Observaes Autoria Interveno, Autor, Titulao, Data Histrico Histrico do edifcio Cronologia dos usos Uso, Perodo, Observaes (Campo passvel de repetio) Cronologia de propriedade Proprietrio, Perodo, Observaes (Campo passvel de repetio)

    Caracterizao arquitetnica rea edificada, Nmero de pavimentos, Configurao espacial, Tcnica construtiva, Caractersticas formais, Demais componentes da edificao

    Infra-estrutura Infra-estrutura Estado de conservao Sntese do estado de conservao, Observaes Grau de alterao Sntese do grau de alterao, Observaes Legislao incidente Instrumentos urbansticos

    Instrumento urbanstico, Lei, Data, Observaes

    Legislao incidente Proteo do Patrimnio

    Esfera, Tipo, Data de abertura do processo, Data da resoluo, Grau de proteo, observaes

    Fontes e documentao de referncia

    Bibliografia, Arquivos pesquisados, Fortuna crtica

    Anexos Elaboraes grficas, Fotografias, Documentos variados Preenchimento Preenchido por, Data, observaes

    Aps a definio das fichas, o inventrio foi preenchido a partir de

    levantamentos mtricos, grficos e fotogrficos em campo. Os nicos

    equipamentos utilizados nos levantamentos de campo foram cmera fotogrfica

    e trena laser, no foram feitas prospeces e as analises foram feitas a olho nu.

    Tambm foram pesquisadas fontes primrias, compostas, principalmente, por

    relatrios elaborados pela Companhia Mogiana e escassos croquis e plantas do

    complexo ferrovirio, e secundrias, integradas por publicaes e trabalhos

    acadmicos que tratam da rea de estudo, alm de dicionrios de arquitetura e

    construo.

    Por se tratar de um primeiro levantamento do complexo ferrovirio em

    questo, este inventrio no tem carter definitivo nem total. A proposta foi

    reunir a maior quantidade de informao possvel em um determinado perodo

    de atividade, tanto para desenvolver a anlise proposta pela pesquisa, quanto

    para gerar um banco de dados que possa ser complementado e utilizado em

    pesquisas futuras, com enfoques diversos. A fim de facilitar seu acesso e difuso,

    o inventrio foi consolidado em meio digital.

    O inventrio resultou em seis fichas de ptios ferrovirios e 29 fichas de

    edificaes. Este material permite identificar pontos de aproximao e diferenas

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    significativas existentes no prprio complexo ferrovirio, embasando, desta

    forma a anlise proposta pela pesquisa.

    Longe de ditar uma forma mais correta ou eficiente para a elaborao de

    um inventrio, este artigo buscou relatar uma experincia e levantar questes a

    respeito de elementos que foram considerados relevantes neste caso especfico.

    Acredita-se que o essencial para um levantamento, independentemente de suas

    especificidades, seja a reflexo a respeito do conceito de inventrio e dos

    inventrios relativos ao tema estudado. Dessa forma, possvel intensificar o

    dilogo entre as informaes de diferentes levantamentos de um mesmo tema

    ou objeto.

    BIBLIOGRAFIA

    ABPF Boletim, Dez., 2003, n. 10

    BAXANDALL, Michael. Padres de inteno: a explicao histrica dos

    quadros. So Paulo: Companhia das Letras, 2006.

    BOLETIM da Unio dos Ferrovirios Aposentados da Mogiana, Dez., 1992.

    KHL, Beatriz M. Preservao do patrimnio arquitetnico da

    industrializao: problemas tericos de restauro. Cotia: Ateli Editorial, 2008.

    MATOS, Odilon N. Caf e Ferrovias: a evoluo ferroviria de So Paulo e

    o desenvolvimento da cultura cafeeira. So Paulo: Arquivo do Estado, 1981.

    RELATRIOS da Directoria da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro

    para a Assemblea Geral de 1920 a 1945.

    RIBEIRO, Suzana Barreto. Na linha da preservao: o leito frreo

    Campinas Jaguarina. Campinas: Direo Cultura, 2007.