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   Agracamala s O Grimório das Casas Tratado de Magia do Caos Wanju Duli 2013

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magie chaos,esoteric

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  • Agracamalas

    O Grimrio das Casas

    Tratado de Magia do Caos

    Wanju Duli

    2013

  • Para todos os caostas brasileiros

  • Agracamalas

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    Sumrio

    Parte 1

    Introduo Interessantssima____________________________9 Captulo 1: As Casas Suficientes_________________________10 Captulo 2: A Religio do Labirinto Sem Fim_______________11 Captulo 3: As Magias Disfuncionais_____________________15 Captulo 4: Um Deus de Brinquedo______________________16 Captulo 5: Bem-vindo ao Jogo das Casas__________________18 Captulo 6: Um Bando de Idiotas________________________19 Captulo 7: Os Bas Riscados___________________________23 Captulo 8: Pinos e Tabuleiro___________________________24 Captulo 9: Um Jogo para Elegantes Imbecis_______________26 Captulo 10: A Arte de Lacrar Espritos em Envelopes________33 Captulo 11: Monte Seu Servidor por apenas R$ 99,90________36 Captulo 12: Sigilos Complexos e Instantneos______________37 Captulo 13: Eu Funciono? ____________________________38 Captulo 14: Evocao de Jos Silva______________________40 Captulo 15: Divinao com Guardanapos_________________41 Captulo 16: Visualizao Sucinta________________________43 Captulo 17: A Moda dos Animais e das Estrelas____________46 Captulo 18: O Teatro dos Bichos_______________________51 Captulo 19: Primeiro Aprenda a Sonhar__________________52 Captulo 20: Os Estados Alterados_______________________54 Captulo 21: Truques de Valor__________________________57 Captulo 22: Gnose na Magia das Casas___________________58 Captulo 23: Aplicao da Cidade Sucinta__________________61 Captulo 24: Criao de Mundos e Deuses_________________63 Captulo 25: Criao de Mentes_________________________65

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    Parte 2

    Introduo no muito Interessante______________________73 Captulo 1: As Casas Mais do que Suficientes_______________74 Captulo 2: War Magick_______________________________76 Captulo 3: Um Servidor para Donzelas___________________82 Captulo 4: Um Servidor para Machos____________________83 Captulo 5: Magia do Caos, uma Escolha Picante____________84 Captulo 6: Eu Sou to Humilde_________________________86 Captulo 7: Tudo Permitido no Meu Rabo_______________87 Captulo 8: Magia do Plstico-bolha com Orgasmo e sem Orgasmo__89

    Captulo 9: A Sociedade Secreta do Cacarejo_______________91 Captulo 10: Precisa de um Mapa?_______________________96

    Leitura Recomendada_______________________________99

  • PARTE 1

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    Introduo Interessantssima

    Na Cidade Sucinta existem quatro casas: a Casa da Dor, a Casa da Velhice, a Casa da Doena e a Casa da Morte. Porm, esses no so os nomes reais das casas, ou todos ficariam assustados. Os moradores preferiram renome-las e disfar-las, pois assim o local receberia mais visitantes. Elas se tornaram uma loja de roupas, uma cafeteria, uma farmcia e uma hospedaria. Dessa forma, os turistas teriam tudo o que precisavam: vestimentas, comida, medicamentos e um lugar para passar a noite.

    No entanto, isso apenas uma fachada. A ltima moda vestir-se com pedaos de pano baratos, coloridos e bregas, e danar para afastar as preocupaes. A cafeteria raramente tem caf ou po, mas sempre tem guardanapos e boas conversas. Todos os remdios so feitos com mel, pois o local infestado de abelhas. Eles quase nunca fazem efeito, mas o paciente pelo menos fica feliz ao provar a mistura, que docinha. E a hospedaria no tem camas, mas a reserva de quartos feita de forma eficiente.

    Apesar de tudo, os habitantes da Cidade Sucinta costumam ter uma vida relativamente longa e feliz. As roupas so feias e o cho duro e desconfortvel. Porm, mesmo com a pouca variedade de comida, eles no passam fome, consomem alimentos saudveis e pegam poucas doenas.

    Essa fantstica cidade localiza-se em outra dimenso, em algum lugar no interior de Acrelndia. Existem apenas quatro habitantes, que so os donos dos estabelecimentos. Eles so magos poderosssimos. Como eles adquiriram tanto poder? Bem, uma longa histria...

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    Captulo 1: As Casas Suficientes Ns no gostamos de longas histrias, ento vamos pular essa

    parte e passar para a descrio das casas, que na Cidade Sucinta so mais importantes que as pessoas:

    Lodofar: Loja dos Farrapos Proprietria: Maria Silva de Lodofar Uma loja de roupas mgicas, na qual cada pea de roupa possui

    propriedades especiais que te livram de diferentes dores psicolgicas que possam porventura lhe acometer. Segundo os boatos, as roupas so to feias que te fazem chorar de pena e voc se esquece de todos os seus problemas.

    Casemcaf: Cafeteria Sem Caf Proprietrio: Jos Silva de Casemcaf Nessa cafeteria as comidas possuem efeito rejuvenescedor: iro

    deixar-lhe com um esprito brincalho, propenso a contar piadas ridculas, embora alguns digam que isso apenas efeito da bebida.

    Fardeme: Farmcia de Mel Proprietria: Maria Silva de Fardeme Na farmcia da cidade os remdios tm um gosto excelente, por

    isso poucos se importam se fazem efeito ou no. A maioria vai fazer um lanche na farmcia em vez de ir cafeteria.

    Agracamalas: A Grande Casa Mal Assombrada Proprietria: Maria Silva de Agracamalas Aqui funcionam simultaneamente uma hospedaria e um

    cemitrio. Mortos e vivos compartilham o mesmo colcho (se tivesse colcho, pois nem cama tem).

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    Captulo 2: A Religio do Labirinto Sem Fim

    Os habitantes da Cidade Sucinta praticam a Religio do

    Labirinto Sem Fim. Isso porque eles se perdem com muita facilidade, mesmo numa cidade pequena como essa. A religio lhes d um senso de direo melhor, mas existe um preo: os praticantes mais fervorosos costumam adquirir uma labirintite danada. Muitos ficam meio surdos e s se entendem aos berros. No adianta muito quando a maior parte dos moradores tem o mesmo nome, para confundir ainda mais os dedicados cidados.

    Os encontros religiosos costumam ocorrer na cafeteria ou na farmcia, pois qualquer tipo de reunio s boa quando tem comida (mesmo que seja um vidro de remdio ou um guardanapo embebido em vinagre).

    Os moradores criaram uma sociedade secreta chamada Sociedade Assombrada do Caf Esfarrapado de Mel, a SACEM. Ningum sabe o que se faz nessa sociedade, de to secreta que ela ; nem mesmo os membros.

    Tudo o que se sabe que eles acabaram acidentalmente adquirindo habilidades mgicas, j que no havia mais nada para fazer na Cidade Sucinta. Dizem que coisas do tipo ocorrem em todos os lugares: as pessoas ficam entediadas e estudam ocultismo. Afinal, magia no serve para nada, mas somente os mais sbios dentre os magos descobriram esse segredo. A coisa mais interessante que se pode fazer com magia brincar com ela.

    Como dizem os papas e papisas de SACEM: Excelente saber arrancar uma risada. Mais excelente ainda arrancar duas. Dobra-te no cho em gargalhadas e conhecers o cheiro da terra sob a qual repousar o teu corpo, pois no h mais camas nA Grande Casa Mal Assombrada.

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    Mas nem s de risos vivem os sucintos. Na verdade, eles so pessoas muito srias e mal humoradas na maior parte do tempo. Ora, o caf est sempre em falta e ningum gosta disso.

    Tudo d errado nessa cidade e os sucintos riem de suas prprias desgraas. A magia mais poderosa no aquela que coloca sua perna de volta no lugar quando ela decepada, mas a que te faz sorrir quando sua perna cai. Era apenas uma perna feia, um amontoado de ossos e carne, foi o que disse a proprietria de Agracamalas quando perdeu o movimento da perna. Agora ela usa cadeira de rodas, mas no se importa. Cadeirantes so altamente respeitados na Cidade Sucinta.

    Malas? pergunta Maria de Agracamalas, quando recebe um cliente. Agraca responde em agradecimento, quando as malas lhe so entregues. Uma mstica.

    Assim como a magia, a religio no tem funo nenhuma para os sucintos. apenas um pretexto para bater papos profundos sobre caf e mel, para fazer apostas e jogos de labirinto em guardanapos.

    De acordo com a religio deles, no princpio havia um grande labirinto e o seu fim levava para a morte. Na vida estamos todos perdidos e trancados no labirinto, percorrendo caminhos que nos levam a trs casas. O objetivo da vida atingir a ltima casa: Agracamalas. Porm, s se pode chegar a ela por acidente e nunca procur-la. Aqueles que a procuram por vontade prpria so chamados de trapaceiros pelos outros jogadores. Sim, os praticantes dessa religio transformaram o labirinto num tipo de jogo de tabuleiro para tornar tudo mais interessante. O jogo to simples que pode ser rabiscado em guardanapos. No fundo, os sucintos j esto de saco cheio desse jogo chato, e jog-lo apenas uma desculpa para tomar o caf sem caf na cafeteria.

    Mas se voc est realmente curioso em saber, eu te explico como se joga essa merda. Pegai vosso guardanapo e vossa caneta! Pegou? timo, isso muito bom. Agora, rabisca um labirinto e

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    quatro casinhas. Mas no desenhe uma casa muito complicada. Utilize a tcnica sucinta aprendida no jardim de infncia (os sucintos apreciam muitssimo a Lei da Parcimnia). Depois de fazer isso, voc ir lanar um dado de quatro faces. Checa a correspondncia:

    1- Lodofar 2- Casemcaf 3- Fardeme 4- Agracamalas Caso caia em Lodofar, dever escolher alguma dor psicolgica

    sua, que deseja que diminua, e envolv-la com tecido. Isso um amuleto. Quanto mais voc joga o Jogo das Casas (ou Jogo de Agracamalas), mais o amuleto se fortalece. Ser o suficiente alcanar outro guardanapo, escrever uma palavra que resuma sua dor (smbolo ou sigilo) e tapar o guardanapo com um quadradinho de pano fechado com um alfinete.

    Caiu em Casemcaf? Bem, escreva o nome de uma comida e jogue caf ou ch sobre esse guardanapo. Pode ser uma comida que voc quer deixar de comer ou passar a comer mais. Outra opo desenhar um sol ou uma lua, caso deseje pegar mais sol ou proteger-se dele. Isso pode ser uma magia para aumentar a tolerncia ao calor ou frio.

    O dado apontou Fardeme? Use o mel para lambuzar o guardanapo, para tratar uma enfermidade, ou mesmo para acalm-lo em relao a ela.

    Ah, Agracamalas? Dever rasgar o guardanapo para afastar uma morte. Ou coloc-lo embaixo do travesseiro para guiar uma pessoa querida que morreu, ou mesmo resolver problemas de sono.

    Posteriormente as regras do jogo sero detalhadas, mas com esse resumo j possvel jog-lo com sucesso. No caso de lhe faltar um dado, substitua pelo Jogo da Caneta, caso tenha algum

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    esprito perto para guiar sua mo para uma das casas. O Jogo do Copo tambm funciona, posicionando quatro casas nos quatro cantos do Tabuleiro Ouija, mas voc no quer fazer isso, certo? Estamos aqui para facilitar a sua vida, e no para complic-la.

    Tudo o que voc precisa para jogar so os seguintes materiais: guardanapo, caneta, dado, retalhos de tecido, caf (ch ou outra bebida) e mel. Pronto! Vai ficar uma sujeira no final, mas se sua me reclamar basta explicar que se trata de um nobre ritual religioso e que ela deve respeitar as prticas de sua religio.

    E quem ganha essa porcaria? No sei. Eu diria que quem ganha o fornecedor de guardanapos, que ir aumentar suas vendas.

    Alm desse jogo sem sentido, os sucintos fazem vrios outros tipos de magias como passatempo. Os rumores dizem que eles se tornaram to poderosos porque no tem televiso na Cidade Sucinta e nem cama para dormir, ento eles precisavam inventar alguma atividade para entretenimento.

    E sabem por que a religio se chama Labirinto Sem Fim? A morte o fim, certo? No, porra. Os sucintos acreditam que depois da morte voc cai em outro maldito labirinto, no qual a casa de sada no a da morte e sim a da vida. Voc cai em Agracabemas, A Grande Casa Bem Assombrada, encarna em outro corpo miservel, e seu objetivo com esse novo corpo ser... jogar o Jogo de Agracamalas.

    Assim, eternamente voc passa de um labirinto para outro, danando entre Agracamalas e Agracabemas. O importante sempre ter um guardanapo por perto para jogar e assoar o nariz, pois voc pegar muitos tipos de doenas diferentes, fsicas, mentais e astrais ao longo de suas encarnaes. A boa notcia que no h o risco de espirrar a alma pelo nariz.

    Reflita sobre isso.

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    Captulo 3: As Magias Disfuncionais Por que voc quer aprender magia mesmo? Voc no precisa de magia. J um ser humano excelente sem

    ela. Contudo, inevitvel passarmos por situaes em que a mente humana fraqueja. Isso o ser humano. Orgulhe-se da sua fraqueza, assim como se orgulha da sua fora. No queira matar metade de voc. No negue a si, no deixe de sentir aquilo que deve ser sentido, por nossa prpria natureza.

    Mas no se orgulhe mais do que pode suportar. Ns precisamos de ajuda. No se envergonhe disso. E nem sempre outros seres humanos, com suas foras e fraquezas, sero capazes de atingir a profundidade de seu problema, to simples e to complexo quanto ele se faz no mundo.

    Mexer com a magia aprender a ter confiana na nossa capacidade de moldar os ditames de nossas mentes.

    Ento voc quer aprender magia, h? Vem. Isso te ser mostrado. Mas depois voc ter que mostrar para si mesmo. Ningum poder faz-lo por voc.

    Magia simples. Voc no gosta de cenouras, mas precisa com-las. Ter que criar um atalho, fsico ou mental (principalmente mental, ou uma combinao de ambos), que te faa comer as benditas cenouras, e que elas desam como mel na sua garganta.

    Um processo fcil como comer uma tortinha de limo, certo? Mas faa o mesmo com a morte. Difcil como o inferno! Bem, no importa. Agracamalas uma hospedaria, e promete tornar o momento da morte um sono sem sonhos. Voc acredita nessas promessas? Eu no acredito. Mas ningum precisa acreditar. Experimente passar uma noite na hospedaria e decida por si mesmo.

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    Captulo 4: Um Deus de Brinquedo Deus existe? Pare, pare, PARE com perguntas sem sentido! No costume

    ver pessoas quebrando a cabea para tentar decidir se o amor ou a dor so reais.

    Ns lidamos com vrias entidades imaginrias e semi-imaginrias o tempo todo. No preciso uma teoria no estilo realismo modal de Lewis para te provar que noutro mundo possvel elefantes cor-de-rosa so to reais quanto voc. No percamos tempo embolando o crebro com filosofia ou cincia para explicar a magia, a no ser que isso te gere espetaculares orgasmos mentais. Magia costuma ter maior impacto na emoo do que propriamente na razo.

    Para fins pragmticos, qualquer coisa pode existir ou no, contanto que aquilo seja til para te gerar certo resultado. Na Magia do Caos isso se chama utilizar a crena como ferramenta.

    Iremos te apresentar um paradigma chamado Cidade Sucinta de Acrelndia, com quatro casas e quatro moradores extraordinrios, que so magos. E se voc quiser se transportar para essa dimenso um dia, ter que acreditar no que dito e entrar nesse paradigma.

    Voc precisa de uma explicao lgica que te convena da existncia desse plano dimensional? Pois adivinhe s: ela no ser dada! Magia funciona? Pouco nos importa!

    Volte para magia bsica. Estude os grimrios famosos, aprenda princpios de moralidade, construa fundamentos, estude leis, somente para destruir tudo isso depois.

    No caosmo as regras so diferentes. No a lgica que define as regras do jogo. Em verdade vos digo: as regras mudam o tempo todo; at mesmo de uma pgina para outra.

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    Isso caos? Para ns, diverso na certa. No sei quanto a vocs, mas no curtimos comer o mesmo feijo com arroz em todas as refeies. Queremos uma montanha-russa na nossa mente.

    Apreciamos um mundo cheio de dimenses, Deuses e fadas coloridos e danantes. Somente um cara muito chato optaria por viver num mundo cinzento e pattico somente porque parece mais convincente da perspectiva lgica. Como sempre, essa opo s til se te d teso.

    Podemos dizer que a Cidade Sucinta real o suficiente para trabalharmos com ela. Caso um dia os usurios desse sistema desejem fazer uma peregrinao religiosa, Acrelndia funciona como a Meca de nosso sistema.

    As quatro casas podem ser acessadas atravs de visualizao e diferentes meios. Alterao de conscincia boa coisa para atingir outros planos, mas no despreze o nosso plano de conscincia atual. Nenhum mais excelente que o outro.

    Os quatro habitantes tm o papel de Deuses, entidades ou amigos imaginrios. Voc poder evoc-los para nossa dimenso ou mergulhar na dimenso deles, dependendo se voc do tipo que curte fazer uma visita a outras terras ou prefere arrumar a casa para receber os convidados.

    As magias apresentadas funcionam de acordo com a intensidade de sua crena no sistema. Se voc deixou de acreditar no Papai Noel por falta de evidncias, esse um problema seu e no nosso. Ns acreditamos no Papai Noel.

    Magos raramente acreditam na magia e magia dificilmente funciona se estamos falando de efeitos mensurveis observados e analisados minuciosamente por intermdio dos cinco sentidos, mquinas ou mtodos cientficos. No entanto, h outros tipos de magia que funcionam com um admirvel grau de sucesso para te dar o que realmente importa: a felicidade. dela que vamos tratar. Mas tambm vamos falar de bolos.

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    Captulo 5: Bem-vindo ao Jogo das Casas

    Ele se chama jogo, pois a nossa prioridade a diverso.

    Felicidade um conceito muitas vezes vago e complexo. O tipo de coisa que pode adquirir pernas e sair correndo quando voc a persegue desesperadamente. Por isso, aceitamos que a tal busca da felicidade no algo claro e determinado. Ns achamos mais interessante sugerir atalhos para encontr-la. Mas no passe tempo demais com ela, ou ir enjoar de sua companhia. Por isso, precisamos de algumas pedras e tristezas no caminho para apimentar a relao. Algo que a lngua portuguesa conhece muito bem, e se chama saudade.

    Um jogo um atalho e um destino. Apenas jogue, ria e curta enquanto dura. O tempo para, o crebro fervilha, o pau endurece, a buceta molha. E a melhor parte: de graa. Voc s precisa encontrar um ou dois amigos trouxas com tempo disponvel para perder em sua companhia.

    E qual a das casas? Elas podem ser estados mentais. Podem ser condies da vida humana. E, segundo a interpretao mais

    ousada: elas podem ser... casas...!! (...!?...!!!...:-)) Agora voc ir acompanhar uma amostra do renomado Jogo de

    Agracamalas. Certamente, aps esta explanao, o funcionamento desse jogo se tornar indubitavelmente claro como gua de esgoto.

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    Captulo 6: Um Bando de Idiotas

    Era uma vez uma cidade to sucinta que s tinha quatro habitaes e quatro habitantes. Esse local possui um nome muito criativo: Cidade Sucinta. As ms notcias so que esse lugar existe at hoje e os habitantes ainda vivem por l, para a infelicidade dos moradores de Acrelndia, que detestam os turistas esquisitos vestidos de caminhantes do deserto, com capas e capuzes, que chegam procurando por uma cidade espiritual escondida, que no contm nada mais que uma loja de roupas sem roupas, uma cafeteria sem caf, uma farmcia sem remdios e uma hospedaria sem camas.

    Pois bem, hoje voc ir acompanhar as fantsticas aventuras de Aparecida da Jornada (porque ela apareceu numa jornada), uma mulata de 30 anos que resolveu viajar de Pernambuco at o Acre a p, apenas com uma vara e um manto marrom com uma etiqueta da Marisa.

    T procura de um guia espiritual que me ensine magia. E que de preferncia ele seja muito gostoso.

    Olha, minha filha, s tem um homem nessa cidade respondeu a proprietria da loja de roupas.

    Danou-se! Onde ele t? Compra uma roupa que te conto. A dona da Loja dos Farrapos era uma negra de 25 anos, com

    black power e um vestido cheio de retalhos coloridos. Convenceu a outra a comprar um pano de cho.

    No minuto seguinte, Aparecida chegou at a Cafeteria Sem Caf, onde Jos Silva, um negro de 40 anos que ficava muito sensual em seu uniforme de garom, atendeu-a prontamente.

    Gostaria de um guardanapo? Quero no, bichinho. Eu quero voc. E os dois fizeram um sexo selvagem atrs do balco.

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    Ora, na verdade no... Moa, o meu namorado Ricardo mora em Rondnia. Eu sou maga. Te quero como meu mentor espiritual. Ento deveria ter aceitado o guardanapo quando ofereci. Por qu? Jos mostrou o guardanapo, no qual havia desenhado um

    smbolo repleto de espirais e setas. Ele habilmente derramou gua fervida sobre ele.

    Aparecida deu um pulo de susto, achando que Jos estivesse tentando queim-la com a gua do bule. Ela atacou-o com sua vara, que errou o alvo e bateu fortemente contra o balco de madeira podre, quebrando-o ao meio (afinal, aquela madeira estava to podre, mas to podre, que diziam que o balco s se mantinha de p por interveno divina).

    Jos, com a mesma expresso calma, saltou para o outro lado, carregando o bule e uma xcara. Durante o salto, foi capaz de encher a xcara com gua, de forma calculada. No final de tudo, ofereceu a xcara para Aparecida, que a aceitou cordialmente.

    Onde t o ch? No momento s temos gua fervida para beber. Feche os

    olhos e imagine que ch. Isso magia! Ela fez como ele sugeriu. De olhos fechados, aspirou o vapor e

    sentiu um odor de camomila. Em seus lbios sentiu o gosto que acalmou seu corao.

    Isso incrvel! Ensine-me, mestre! um lindo xale este que voc tem a. Aparecida fitou o pano de cho que havia comprado em

    Lodofar. Ao prestar ateno nele, foi capaz de ver belezas que outrora no notara. Aqueles buracos abertos naquele tecido sujo... de repente, era como se carregasse vestes de uma rainha. Orgulhosa, ela enrolou o xale em seu pescoo. Como o pano de cho estava molhado, ela deu um grande espirro e limpou o nariz com o guardanapo no qual o homem havia escrito o sigilo.

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    Que tal ir at a Farmcia de Mel para tratar o seu resfriado? Ela aceitou a sugesto de Jos e caminhou at l. Em alguns

    segundos chegou at Fardeme, um estabelecimento completamente infestado de abelhas. Quem lhe atendeu foi Maria Silva, uma senhora de 70 anos. Ela usava um coque justo e ficava ainda mais gorda em seu vestido azul apertado, repleto de flores.

    Aceita uma flor, mocinha? Maria acrescentou um pouco de mel na flor e entregou-a para a

    moa. Ao cheirar a flor, Aparecida sentiu-se mais feliz, embora continuasse espirrando.

    Ela notou que havia um smbolo estranho no tecido de seu xale. Enxergou algo parecido numa das ptalas da flor e ficou horrorizada.

    Magia negra! Magia de mel corrigiu Maria. Ela achou que seria melhor correr de l antes que uma das

    abelhas de estimao da proprietria lhe picassem. Mas antes que fizesse isso, sentiu uma tontura e desmaiou. Acordou no interior de uma casa muito mais terrvel.

    Essa quarta casa era escura. Macabra. Vazia. Havia cadveres pelo cho.

    Aparecida gritou. Uma criana numa cadeira de rodas passou pela porta.

    Maria Silva de Agracamalas tinha 10 anos. Seus cabelos negros eram to longos que arrastavam no cho. Sua camisola era branca, mas estava to suja que parecia cinza. Seus braos estavam repletos de fungos, como os de um zumbi. Era apenas uma criancinha que no tomava banho. E que tinha profundos olhos escuros.

    Malas? Sua voz era arrastada e rouca; grave demais para uma criana. Aparecida estava muito assustada para responder. Mariazinha segurou o brao da visitante, alcanando sua rosa. E

    cantou assim:

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    No gosto de rosas, assim como no gosto de pessoas Adocicadas demais, para dizer que j chega A vida no dana contigo, tu danas a vida Somente o bastante, at cansar de danar Te cansa primeiro da vida, antes que ela de ti se canse O mago aquele que escolhe primeiro Uma sada suficiente No somente xales bonitos e mel, mas tambm A minha bailarina prostituta Ela sorve a vida, tira tudo o que deseja At a ltima gota No como tu Boneca maquiada, doces palavras, gentil farsante Existe somente uma cura para a vida O remdio mais exato Sou eu mesma Aparecida dormiu ao som da Balada da Menina Aucarada, que

    o nome original dessa cano. No se sabe se ela morreu ou se ainda est dormindo at hoje em Agracamalas. Tudo que se sabe que Maria tomou a rosa dela.

    Agraca. Era somente uma rosa feia.

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    Captulo 7: Os Bas Riscados

    Existem muitas verses desse jogo religioso praticado pelos sucintos. Eles costumam preferir os tipos mais simples. Quando enjoam dessas verses, inventam outras ligeiramente mais refinadas, para lhes dar novos desafios.

    Como a cidade pequena, os habitantes adquiriram o hobby de enterrar por a mini bas com surpresas mgicas. Os bas em questo se tratam de pedaos de madeira unidos com pregos, que formam caixas tortas.

    Qual o contedo das caixas? Pode ser qualquer coisa. Os dois tipos de bas mais comuns contm presentes e pegadinhas.

    Os presentes podem incluir: amuletos, sigilos, servidores, selos de proteo, selos de ataque... voc pegou a ideia, certo?

    As pegadinhas muitas vezes se disfaram de presentes. Um dia voc resolve utilizar um amuleto de proteo que ganhou de presente e ele te faz cair de cara no cho.

    A denominao bas riscados funciona porque os habitantes tm preguia de construir novas caixas e reutilizam as antigas. A indicao para presente uma mozinha com o polegar levantado. O smbolo da pegadinha a marca de uma pegada. Claro que existem aqueles que no colocam marca nenhuma ou que trocam as indicaes propositalmente, o que torna os avisos praticamente inteis.

    Contudo, a prtica de sair cavando pelas ruas em busca de bas escondidos tornou-se deselegante e pouco prtica. Por isso, nos dias de hoje muitos substituram as caixas por envelopes, que podem ser facilmente escondidos dentro de livros, casacos, dentre outras opes relevantes, algumas consideravelmente embaraosas.

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    Captulo 8: Pinos e Tabuleiro

    Os habitantes no apreciam que outros os vejam realizando prticas esquisotricas clssicas, como ver o futuro nas cartas, em bolas de vidro ou nas entranhas de animais. Por isso, eles resolveram montar uma prtica religiosa em forma de jogo de tabuleiro.

    Eis mais uma verso do Jogo das Casas, particularmente mais longa, reservada somente para os domingos. Entre as refeies eles preferem usar somente os guardanapos. mais rpido, prtico e voc ainda pode palitar os dentes enquanto faz feitios.

    O tabuleiro pode ser entalhado em madeira, mas isso d muito trabalho. Ai, que preguia! Voc pode apenas usar uma folha comum. Com uma caneta ou lpis ir traar um labirinto. Sugerimos que o faa em forma de sigilo, num estilo meio Spare: pegue a palavra Casa e, se for de seu agrado, tire letras repetidas e use somente CAS. Enrole as letras uma na outra e acrescente risquinhos e espirais, para que esse rabisco incompreensvel se parea vagamente com um labirinto.

    Alcance um pininho, um papel amassado ou qualquer coisa que possa ser usada como o bonequinho que o represente. Uma moeda tambm cumpre o servio.

    Para jogar essa merda voc e seu grupo precisaro construir um servidor e aliment-lo regularmente, jogando bastante. Ser esse servidor que guiar a sua mo para que voc continue no caminho correto do labirinto.

    O nome desse servidor ser Curupira das Casas. Isso significa que ele ir te atrapalhar mais vezes do que ajudar, te tirando do caminho certo e ferrando sua evoluo espiritual o mximo possvel. Essa uma lio valiosa, que te ensinar que no fundo no h um caminho certo. Mas esse somente um pretexto para

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    que voc compreenda outra realidade ainda mais mstica e profunda: no h lio nenhuma.

    Nos caminhos do labirinto, voc topar com as trs casas: Lodofar, Casemcaf e Fardeme. Poder cair nelas mais de uma vez, j que voc andar para frente, para trs, voar, etc. Imagine como se esse labirinto fosse tridimensional, ou mesmo quadridimensional. O tempo no estar ao seu favor e tambm poder se mover para trs e para frente variavelmente.

    Ns iremos te dar vrias dicas que te ajudem a jogar o Jogo de Agracamalas corretamente. No entanto, no daremos dicas alm do necessrio, j que sabemos que cada pessoa ir jog-lo de um jeito, e isso muito mais delicioso do que estabelecer regras fixas e definitivas. Mas isso somente mais um pretexto para justificar o fato de que estamos com preguia de inventar regras que se apliquem a todas as situaes possveis. Use sua criatividade e, caso surjam dvidas ao longo do jogo, o Curupira das Casas dar sugestes, que sero sempre excelentes para que seu jogo ocorra da maneira mais organizada possvel.

    Ganha o jogo quem chegar primeiro at a Grande Casa Mal Assombrada. Isso significa que ganha quem consegue morrer primeiro. Portanto, seu objetivo ao longo do jogo ser adquirir o maior nmero de dores e doenas, e envelhecer bastante.

    Caso caia na farmcia, dever torcer para que o remdio fajuto de mel no cure sua ltima doena, mas faa voc adquirir mais uma. Isso poder ser decidido pelo Curupira ou por um dado de trs faces, cujos resultados podero variar entre doente, curado ou sem efeito. As comidas da cafeteria podero auxiliar seu processo de envelhecimento ou te deixar mais saudvel. E as roupas da loja levantaro a sua autoestima ou a baixaro, quando voc se fitar no espelho com as horrorosas vestimentas.

    Como brinde, existe a chance de encontrar bas com presentes ou pegadinhas ao longo da aventura. E agora vamos jogar esse cacete!

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    Captulo 9: Um Jogo para Elegantes Imbecis

    O primeiro requisito para ser permitido como jogador do Jogo

    de Agracamalas ser um imbecil. Pessoas inteligentes e comportadas esto expressamente proibidas de participar. Isso porque as regras so to ilgicas que somente idiotas acompanham o raciocnio.

    Os inteligentes perguntariam: Como se joga essa parte? Onde est a regra para isso? e cada vez que um jogador faz perguntas assim precisa voltar para o incio, como um pino jovem, saudvel e feliz. Ele ter que se esforar desde o comeo para se tornar velho, doente e infeliz, at realizar a faanha admirvel de morrer.

    Por isso o jogo to popular na Cidade Sucinta. S h idiotas morando l, com bastante tempo disponvel.

    Onde est o meu caf? Eu j no disse que gosto do meu caf bem preto? Caf com leite para maricas!

    Quem disse isso foi a proprietria da farmcia local, tambm conhecida por Maria Maria, Maria ao Quadrado ou Maria, j que era gorda o suficiente para equivaler a duas ou mais Marias.

    Dona Maria de Fardeme, eu s lhe dei gua fervida informou Jos, secando um copo por trs do balco remendado no h leite nela.

    A velhinha quebrou a xcara no cho. Levantou-se e soltou o coque. Seus enormes cabelos brancos balanaram conforme ela danava e cantava o Princpio da Evocao do Mui Sagrado e Safado Curupira das Casas.

    Vem, Curupira, sai desse mato a Pira c, mais excitante aqui s nosso convidado de honra para mestre Do Jogo de Agracamalas

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    Nem precisa fazer as malas, pois nem espao tem Para desfaz-las, vem assim nu Sem pele, sem rgos, sem corpo Somente teu esprito basta nessa terra gasta Guerra da sobrevivncia, ganha quem mais ri Eu rio horrores, sou to lerda E cheia de dores, por isso sempre veno essa merda No segundo seguinte, uma bola de fogo entrou voando pela

    janela, quebrando o vidro. Todos pensaram que era o Curupira chegando l da Amaznia, mas no. Era apenas a super estilosa Maria de Lodofar, sempre arrasando com seu black power cheio de presilhas coloridas.

    Por que est carregando uma tocha, Lodofinha? perguntou Jos, fazendo origami com um guardanapo.

    Porque faltou luz outra vez! Quem foi o jumento que se esqueceu de pagar a conta?

    Calem a boca, ingratos! Discutam isso depois. Vocs me chamaram para mestrar esse jogo, e no para usar o meu cabelo como fogueira!

    Quem protestou foi o curupira, cujos cabelos de fogo podiam ser vistos atravs da tocha que a Maria costureira carregava.

    Na verdade, evocar o Curupira das Casas era apenas uma desculpa para que eles tivessem uma fonte de luz durante a noite. Mas esse era um segredo que ningum revelava para Curupira, pois ele s viria se tivesse a sensao de estar fazendo algo importante. Ele apreciava enganar e no ser enganado. Ser tapeado por humanos? Xiiii! A j era demais!

    Mas o Curupira das florestas era indomvel. Ele certamente iria esculhambar o jogo inteiro se estivesse sob sua forma mais rebelde. Por isso, assim que ele chegava os jogadores lanavam um servidor, previamente preparado, no interior de sua cabeleira. Esse sim era o Curupira das Casas, que possua o Curupira.

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    O fogo da tocha tornou-se mais intenso enquanto o Curupira era possudo e incorporava o Curupira das Casas. Seus olhos se reviraram e ele comeou a babar. Por fim, o seu cabelo adquiriu o formato de um moicano e ele tirou um par de culos escuros de dentro de sua saia de folhas.

    Agora sim aprovou Jos de Casemcaf, alisando a barba vai um cigarro a, camarada?

    Opa! exclamou Camarada Curu das Casas Sim, como no?

    Curiosamente, os habitantes da Cidade Sucinta no tinham dinheiro para caf ou remdios, mas sempre sobrava um trocado pra cigarro. Os boatos diziam que eles fumavam capim.

    Z, Camarada Curu, Lodofinha e Maria Maria pegaram um cigarro e se acomodaram numa das mesas. Z fez questo de apoiar as pernas em cima da mesa. Afrouxou sua gravata borboleta e abriu os primeiros botes da camisa, deixando mostra um pouco de seu peito msculo peludo, para o delrio geral da galera.

    Todos bateram as canecas de gua fervida, num brinde. E assim foi dado incio ao Jogo das Casas. At que houve uma batida na porta.

    Ignorem sugeriu Maria ao Quadrado apenas a proprietria amalucada de Agracamalas, querendo jogar. No deixem, pois ela sempre estraga a emoo, conseguindo morrer antes de todos.

    As batidas na porta continuaram e foram seguidamente ignoradas. Curupira apontou um jogador aleatoriamente.

    Tu comea! decidiu Camarada Curu, apontando o Z. No justo! protestou Maria de Lodofar S porque ele

    tem pelos nesse peito gostoso e ns no? Pois eu tenho o penteado mais bonito. Olha s a minha cabeleira!

    O seu argumento muito bom concordou Camarada Curu e por isso tu vai jogar depois desse cara aqui.

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    Maria de Fardeme ficou zangada, mas resolveu no reclamar antes que iniciassem um debate ontolgico para decidir quantos Deuses habitavam a cabeleira da outra Maria.

    Ningum tinha moedas sobrando, pois todos eram pobres. Por isso eles decidiram jogar com o dedo. Curu segurou a mo de Z enquanto este fechou os olhos, guiando-o atravs do tabuleiro, at que ele atingiu um ba.

    Abre ou no abre, parceiro? perguntou Curu. Vou abrir. Curu passou-lhe um dos envelopes e Z retirou um papelzinho

    dobrado. Abriu, cheio de alegria. Ganhei um sigilo de proteo. Merda! Como me livro dele? Se quiser, joga ele pelo labirinto sugeriu Curu. Z desenhou o sigilo do papel em algum lugar do labirinto. Na

    vez de Lodofinha, ela tropeou no sigilo, que grudou nela como chiclete.

    Ih, esse grudou comentou Camarada Curu s tira com remdio. Ou arrancando o brao.

    Vou tirar meu brao fora decidiu Maria de Lodofar. No ba no qual ela mesma tropeou, encontrou uma adaga

    para constranger espritos e usou-a para cortar o brao. Porm, o sigilo do papel enroscou-se com o desenho do

    labirinto, fazendo com que ele mudasse a direo. O labirinto guiou-a para fora do papel, at a caneca de gua fervente.

    a tua vez, , abelhuda. Maria Maria fechou os olhos e, quando abriu-os de novo, viu

    que seu dedo estava numa regio sem caminho nenhum. Caiu ngua, se ferrou! H, h, h! Eu morri afogada? No, curou-se de todas as doenas e ainda achou um peixe

    para comer. Maria ao Quadrado agarrou Camarada Curu pelos cabelos,

    furiosa.

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    No te preocupa que Lol caiu na caneca esclareceu Curu mas ela ficou toda queimada com a gua fervente, cruzes!

    Maria de Lodofar deu um grito de comemorao. Enquanto isso, Z topou com um servidor trapaceiro que o levou para outra dimenso e de l saiu sem uma perna e sem um brao. No final, Z e Lodofinha estavam com poucas partes dos membros sobrando, cheinhos de doenas, esfomeados, j bem avanados em idade, enquanto Maria abelhuda estava super jovem e saudvel com uma cesta cheia de frutas. At que ela encontrou um Deus dentro de um dos bas.

    Que Deus esse? perguntou Maria de Fardeme. Camarada Luison, um dos sete monstros lendrios revelou

    Camarada Curu um macaco de olhos vermelhos, com barbatanas de peixe e um cacete pra l de respeitvel.

    Eu quero trepar com ele. Mas ele o Deus da morte! Basta pedir para que ele te mate e

    voc ganha o jogo! No me interessa! Eu quero esse Deus na minha cama agora! Maria Maria passou o resto do jogo transando com ele e

    desistiu de morrer to cedo. At que no final, quando Z e Lodofinha estavam quase achando um jeito de chegar a Agracamalas, Maria Maria optou por permitir que o Deus a matasse, para que assim continuassem transando em Agracabemas pela eternidade. Ela ganhou o jogo e cantou. Lodofinha ficou emburrada.

    Eu estava com quatro tipos diferentes de lepra e voc no me matou, Curu filho da puta! xingou Maria de Lodofar Da prxima vez eu chamo o Saci para mestrar. Minha morte ser gloriosa!

    Maria de Agracamalas surgiu na cafeteria, quebrando a porta da frente. Entrou arrastando as rodas e cuspiu em todos. Inclusive no respeitvel cabelo de fogo do Curupira das Casas.

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    Se no me convidarem para o jogo outra vez, meu servidor ir devorar seus ps. Inclusive os seus, Curupira!

    No! gritou Camarada Curu No os meus lindos ps virados!

    Um servidor em forma de fantasma saiu da boca de Maria Silva de Agracamalas, e cantou:

    No me convidaram para a festa, por qu? Sei danar, sei babar, sei cuspir Sei at cair, tremer e morrer Da prxima vez no morrero no jogo, velhacos E sim na vida, hei de atropel-los Com minha cadeira de rodas Agora moda morrer dessa maneira Suas peruas, cachorros sarnentos Venham comer na minha mo Aqui tem veneno Mas tambm tenho balas Docinhas, bem na cabea Curupira assobiou e chamou seu porco do mato. Saiu em

    disparada de l, montado nele. Deixou seu cachorro Papa-Mel sob a guarda de Z, pois o achou muito simptico.

    A menina desenhou uma estrela de oito pontas no pulso de cada um dos trs.

    Precisaro de mais vidas que o gato, pois irei mat-los de oito maneiras.

    Ganha o jogo quem morre ou quem mais engraado? perguntou Jos.

    Quem morre rindo sorriu Mariazinha. Pois eu acho que isso no tem graa nenhuma comentou

    Maria de Lodofar.

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    Mas existe um lado bom nisso tudo observou Maria de Fardeme o meu bolo preferido sabor milho.

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    Captulo 10: A Arte de Lacrar Espritos em Envelopes

    Para lacrar um esprito num envelope, primeiro voc precisa de

    um envelope. Depois de um esprito. Voc tambm poder obter um esprito antes, caso ele seja comportado e espere quietinho at voc achar um envelope.

    Coloque o esprito no interior do envelope e feche-o com cola. Recomendamos cola em basto, pois no suja os dedos. Pronto! A est o seu esprito dentro de um envelope. melhor do que um cachorro, pois no faz coc.

    Mas voc deve estar se perguntando: como fao para conseguir um envelope e um esprito?

    A parte de conseguir um envelope a mais complicada, pois voc precisar encontrar uma papelaria e pagar bastante por um. Alguns lugares cobram dez centavos, ento nesse dia certifique-se de economizar o valor que separou para comprar seu chiclete.

    Para obter uma entidade mais fcil. Pode ser que uma delas esteja perdida por a, vagando no seu quarto ou numa igreja. Caso voc seja ocultista, bem provvel que tenha uma ou duas entidades dormindo no seu guarda-roupa. Especialmente se voc for um magista iniciante, que no aprendeu direito a fazer um bom banimento. Quer se livrar delas? Apenas abra seu guarda-roupa e ria por cinco ou dez minutos. Mas precisa ser uma risada muito sincera, seno as entidades apenas riro mais alto. H quem diga que alegria espanta espritos ruins, mas diramos que sua voz desafinada expulsa todos os tipos de espritos, ento, se quiser dormir tranquilo, cantar pode ser mais eficiente.

    Existem muitas lutas de anjos e demnios na igreja, mas a maior parte some rapidinho na hora da cantoria. Ah, ento por isso que eles cantam! Isso mesmo.

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    Mas se no tiver a sorte de encontrar uma entidade voando no seu teto, sugerimos que voc altere seu estado de conscincia para achar uma. Calma, perfeitamente possvel contatar entidades ou fazer magias sem alterar o estado de conscincia! Use essa opo apenas se voc viver numa rea menos badalada ou se voc for um desafinado.

    Quer conhecer as casinhas das entidades? O jardim, o irmo, a namorada, etc? Ento v at elas, usando tcnicas como sonhos lcidos, viagens astrais, meditaes ou visualizaes.

    Porm, para prender uma entidade num envelope, melhor traz-la para a sua casa, a no ser que voc use um envelope astral e prenda-a em outra dimenso. Mas d muito trabalho alterar a conscincia sempre que quiser us-la. Ento recomendamos que voc a arraste para c.

    Sugerimos que voc faa uma visualizao e escolha uma entidade super legal. Visite os seus planos astrais preferidos at que vocs fiquem amigos e ela aceite tomar um ch com voc.

    Caso voc seja um mago old school, pode traar um crculo arcano cheio de sigilos e desenhos coloridos bem bonitos. E fique l parado em p como um idiota, segurando uma espada. Assim que a entidade surgir, lute contra ela, sacuda sua espada no ar, faa uma expresso bem escandalosa de dor quando ela der-lhe um soco astral, e prenda-a dramaticamente dentro do envelope assim que ela cair em sua armadilha super bem bolada (que voc maquinou secretamente, pois a entidade nunca teria a ideia bvia de espiar seus pensamentos).

    Mas por que apontar a espada para sua amiguinha? Eu sugiro que voc prepare um ch, altere sua conscincia e converse com Lilithiquita (arranje um apelido para que ela confie em voc mais facilmente. Quem sabe ela at aceite dormir no envelope por vontade prpria).

    Mas estudar e investigar onde habitam as entidades clssicas da magia tradicional muito trabalhoso. Que tal criar a sua prpria?

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    Isso se chama montar um servidor. Ou brincar de tamagotchi, o que praticamente a mesma coisa.

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    Captulo 11: Monte Seu Servidor por apenas R$ 99,90

    Primeiro alcance uma folha de papel de carta e desenhe a forma

    de sua entidade com canetinhas coloridas e glitter. Coloque abaixo todas as caractersticas do servidor, por exemplo: fortalecido pelo elemento ar e enfraquecido pelo fogo; serve para espalhar fofocas, cor-de-rosa e usa um batom vermelho. Adora limo. Odeia bombom.

    Detalhe as caractersticas o quanto quiser. Voc pode fazer uma obra de arte no seu desenho ou apenas dois traos. Pode escrever uma redao de dez pginas sobre ele ou apenas um pargrafo. Depende da funo que ele ter. Caso seja simples, pode ser substitudo por um sigilo de longa durao. Caso a funo seja de natureza mais complexa, desenvolva um servidor bem vvido.

    Crie um receptculo ou ache um. Pegue uma velha Barbie, por exemplo, e coloque seu servidor fofoqueiro dentro dela. Todo dia fortalea-o com gotas de limo num horrio especfico e guarde todos os bombons para voc.

    Qual a utilidade de seu servidor ter fraquezas? Se um dia ele se portar como um cuzo, voc enfia uma no desgraado.

    Voc pode se livrar dele a qualquer momento, assim que sua tarefa estiver cumprida. Largue-o em outra dimenso se for o caso, dentro do seu armrio, num envelope, no vaso preferido de sua me...

    E por que ele custa cem contos? Porque voc precisa comprar papel de carta, canetinha e glitter, se no tiver. O efeito o mesmo com papel higinico e caneta BIC.

    Mas voc um mago to chique que ir pagar cem contos adicionais pela Barbie, e o valor total sair por R$ 199,90.

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    Captulo 12: Sigilos Complexos e Instantneos

    Em situaes que exigem solues urgentes, empregue medidas

    rpidas. Os sigilos esto a para isso. Um dia, um cara chamado Austin Osman Spare inventou um

    processo mgico chamado sigilizao, no qual voc escreve uma palavra numa forma pictrica, carrega-a com energia e depois se esquece dela. Certo!

    Os sucintos usam um negcio semelhante a sigilos, pois eles rabiscam smbolos em tudo que canto: roupas, paredes, pele... mas o smbolo no precisa necessariamente corresponder a uma palavra. Tambm pode ser um desenho intuitivo que represente uma ideia.

    Uma entidade pode ter um selo particular, que ser aqui descrito como um nome pictrico que dever ser ativado no momento de cham-la.

    O uso de sigilos, selos, smbolos e toda a parafernlia similar pode corresponder a um feitio. Em poucas palavras, um feitio uma forma simplificada de magia. Para fazermos uma analogia, o sigilo usado quando sua operao no to complexa a ponto de demandar um servidor. Um feitio um processo mais breve que no exige necessariamente uma magia ritualstica mais elaborada e de longa durao.

    Exemplos: um sigilo para curar uma dor de cabea, e um servidor para lhe garantir sade ao longo daquele ano. Um feitio para fazer o gato bombado da esquina olhar para voc, e um procedimento cerimonial para te tornar mais desejvel por um longo tempo.

    E isso funciona? Vamos testar.

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    Captulo 13: Eu Funciono?

    No funciona. Voc um fracasso como ser humano. Um rob poderia substitu-lo.

    Estamos brincando, claro. Voc maravilhoso, nico, especial, e todos querem ser seu amigo. Mas se voc se sentir solitrio, volte ao captulo 11 e siga a receita de como produzir um amigo imaginrio.

    Ele funciona? Mas claro que sim. Ele to real quanto voc desejar que ele seja. E a eficcia do seu sigilo, feitio ou procedimento mgico ir depender do quanto voc confiar nele e em si mesmo.

    Imaginao e confiana so elementos extremamente poderosos. H momentos em que voc s conseguir realizar um sonho lcido ou viagem astral se simplesmente acreditar que pode. Isso usar a crena como ferramenta.

    Muitos magistas tradicionais possuem dificuldade em aceitar os paradigmas criativos e ousados da Magia do Caos porque confiam e acreditam mais em procedimentos e magias que possuem maior tradio e antiguidade, e que foram inventados por outras pessoas (cabala, astrologia, informaes de grimrios antigos, etc).

    Para ser um caosta, voc pode utilizar receitas prontas de outros livros, mas tambm dever confiar em sua capacidade criativa de adaptar o que for necessrio e criar suas prprias receitas.

    No trabalhe muito buscando resultados especficos demais e facilmente mensurveis, pois isso poder ferir a sua confiana. E ela precisa estar forte para a magia.

    Portanto, no recomendamos que iniciantes (ou mesmo um mago foda, se assim optar) utilize uma magia para adquirir o brao metlico da aliengena Vriska Serket, em dois segundos. Isso muito especfico, caramba!

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    Um mago ruim pode fazer falhar a magia mais confivel e renomada, contida num grimrio escrito quinhentos anos atrs, testada incontveis vezes por respeitveis mestres, bl,bl,bl. Por outro lado, um mago que saca truques mgicos, atalhos mentais escondidos e sempre tem uma carta na manga ser capaz de utilizar o sistema mgico mais estpido e altamente duvidoso (como este que apresentado no livro que voc tem em mos) com um fantstico grau de sucesso.

    Seguindo essa lgica, praticamente qualquer tipo de magia ou sistema, por mais imbecil que parea, possvel de ser usado, contanto que o mago saiba faz-lo funcionar.

    E como faz-lo funcionar? Aqui vem a parte mais mgica do processo. No basta acreditar: voc deve convencer tanto o seu consciente como seu inconsciente de que aquilo legtimo.

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    Captulo 14: Evocao de Jos Silva

    possvel evocar qualquer habitante da Cidade Sucinta e traz-lo para seu quarto. Ento vamos exemplificar esse processo com o Z da cafeteria, pois sabemos que voc est ansioso para t-lo no seu quarto.

    Poderamos explicar esse processo atravs dos modos de construo e fortalecimento energtico de um crculo cerimonial, mas evidente que voc deseja coloc-lo diretamente na sua cama, ento estaremos lidando com um retngulo cerimonial.

    Primeiramente, prepare um caf bem forte, pois o odor ir atra-lo rapidinho, l da outra dimenso. Conforme bebe lentos goles do caf, concentre-se e visualize Jos Silva de Casemcaf, em seu uniforme de garom, perguntando a voc com uma voz muito sensual: Aceita um caf? Oh, perdo. No momento s temos gua fervida.

    Isso certamente ir excit-lo profundamente e deix-lo de pau durssimo, ou com a buceta molhadinha. Utilize essa energia sexual e direcione-a para o caf, que ir adquirir o poder mgico de atrair o Z, assim que ele sentir a fora dos seus feromnios pulsantes misturados com a cafena.

    Atente para seus sentidos fsicos e observe-o chegar. Sinta seu cheiro, sua presena. Bebam o caf juntos, troquem um beijo longo e foda-o bem forte.

    Lembre-se: se voc for homem, mais provvel que ele se sinta atrado por voc. Mas se voc for mulher, no desista. Ainda h uma chance de ele ceder aos seus charmes.

    Mas voc deve estar se sentindo culpado, perguntando-se, entre lgrimas: Mas e Ricardo?. Ora, se isso te faz ficar com a conscincia tranquila, incorpore o Ricardo de Rondnia para dentro de voc antes de comearem. tiro e queda!

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    Captulo 15: Divinao com Guardanapos

    Para realizar a divinao com guardanapos da Cidade Sucinta

    voc precisar de cinco guardanapos. Em quatro deles desenhe quatro casinhas (lembre-se: casinhas estilo jardim de infncia, nada de arte super realista em guardanapos), cada uma delas com um smbolo.

    E que smbolo deve ser esse? Um L, um C, um F e um A dentro de cada casa ser de bom tamanho. Tambm possvel rabiscar um sigilo com o nome de cada casa. O importante que fique bonitinho e legvel.

    Escreva no quarto guardanapo: V fazer sexo. Embaralhe os guardanapos. Assegure-se de fazer essa divinao

    num dia em que estiver resfriado, para melhores resultados. Pea mentalmente para que as entidades do Labirinto Sem Fim guiem-lhe em sua jornada divinatria at os recnditos de sua mente inconsciente.

    De olhos fechados, sinta o odor de cada guardanapo, at que um deles lhe produza uma vontade de espirrar. Ou pode ser que perto de um deles o ranho escorra com mais fluncia e voc sinta que aquele. Seja como for, assoe o nariz de preferncia antes que o ranho caia na mesa (a no ser que voc deseje analisar o formato em que ele caiu e fazer uma divinao. Mas isso para magos avanados).

    Analise os resultados: Lodofar: caso tenha assoado o nariz com essa casa, significa

    que o seu problema possui uma natureza mais psicolgica do que propriamente fsica. Sugerimos que prepare um amuleto feito de tecido (enrole esse guardanapo dentro de um pedao de tecido e feche-o com um alfinete, lembra?) e fortalea-o regularmente,

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    tendo sempre em mente a questo que precisa solucionar. Pode ser um amuleto para aumentar a confiana, diminuir ansiedade, etc. Caso o amuleto no lhe d tantos resultados, evoque Maria de Lodofar para que debatam o assunto. Evoque-a vestindo uma roupa super fashion e escandalosa, produza-se bastante. Somente assim ela vir.

    Casemcaf: assou o nariz aqui? Pode significar que voc precisa

    de mais maturidade para lidar com certas questes. Ou o contrrio: voc est sendo muito ranzinza e precisa de um esprito jovial e brincalho. Siga o exemplo de Jos, que est com 40 anos e inteirao. Questes relacionadas velhice e alimentao tambm se encaixam aqui. Seja como for, um amuleto com pingos de caf ou a evocao de Z ir resolver o seu problema, ou no mnimo lhe garantir uma bela... reflexo.

    Fardeme: espirrou? Sade! Aqui a casa da farmcia e voc

    precisa de uma cura, ou pelo menos adocicar a sua vida com as abelhas. Use mel no seu amuleto, ou evoque Maria de Fardeme.

    Agracamalas: j era, voc vai morrer. No, claro que no! Ou

    melhor, um dia vai morrer sim, mas pode no ser a sua hora. Esse o guardanapo dos fins e recomeos, e dos distrbios do sono. Rasgue o guardanapo ou coloque-o embaixo do travesseiro. Evoque Maria de Agracamalas e prepare-se para ver fantasmas e mos invisveis pelo seu quarto. Ela vai te ensinar a lidar com o medo.

    V fazer sexo: se tirar esse guardanapo, significa que o seu

    problema mais simples do que parece. Relaxe, tome uma cerveja e transe. Saia com os amigos e v ver o sol! Compre um iate.

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    Captulo 16: Visualizao Sucinta Ns j ensinamos o processo de trazer os habitantes da

    Cidade Sucinta para esse mundo. Agora iremos orient-los no mtodo contrrio: ser o hspede em vez de atuar como anfitrio, visitando os sucintos em sua cidade.

    Sente-se em posio de ltus, meio-ltus ou numa cadeira. Tambm possvel realizar essa visualizao deitado, de p, caminhando, correndo, pulando num p s... faa o que te gera melhores resultados. A visualizao de olhos abertos exige mais experincia (como no caso de evocaes no interior do Crculo da Arte), ento faz-la de olhos fechados ser prefervel.

    Primeiramente, escolha uma das casas. Caso deseje, coloque uma msica de fundo que tenha a ver com a casa (uma macabra, Requiem de Mozart ou heavy metal para Agracamalas; uma msica dance, techno, trance, dubstep ou funk para Lodofar; rap, reggae, jazz ou MPB para Casemcaf; para Fardeme sem msica, pois Maria Maria odeia msica). Tambm pode selecionar um defumador com aroma caracterstico, contanto que no seja um incenso txico de vareta que te mate at o fim da meditao.

    Preferencialmente, sente-se ou deite em local calmo. Tambm possvel escolher uma localizao relacionada (cemitrio para Agracamalas, hospital para Fardeme, bar para Casemcaf e um banco de espera de provador de roupas para Lodofar), ou simplesmente medite em seu quarto ou numa praa.

    Voc deve imaginar a si mesmo na casa. A seguir, as orientaes:

    Lodofar: Imagine uma loja de roupas velha, ou mesmo um

    brech. As paredes esto descascadas e h retalhos imundos jogados por todos os lados, at formando um caminho de panos de cho por onde voc passa. Observe as roupas despedaadas e

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    bregas da vitrine. Veja todas as cores, note como a moda pode ser reinventada o tempo todo, de acordo com as convenes e a ocasio. A sua vida tambm no pode ser reinventada conforme voc deseja? E principalmente a sua mente? Prove algumas roupas e observe-se no espelho com elas. Rena as suas favoritas e relacione cada pea de roupa a um problema que voc deseja solucionar. Imagine que quando veste a roupa de seu problema, ele resolvido, pois sua mente muda e tudo subitamente se transforma. Ei, veja l Maria de Lodofar, como super estilosa e sorridente, com seu vestido rodado sujo e cheio de cores. Aquela perua! Voc mais bonita que ela, querida! D um tapa na cara daquela vaca e mostre como seus peitos so maiores.

    Casemcaf: Mentalize um barzinho chinelo que fica num fim

    de mundo. O balco est todo remendado, assim como a janela. As mesas e cadeiras foram pregadas de qualquer jeito por um carpinteiro que fez o trabalho como o nariz dele. Pensando melhor... esse nariz muito bem estruturado. Por trs do balco, secando copos e fazendo origami com guardanapos est um negro muito quente, maduro e com sorriso Colgate. De repente, voc nota que a descrio da cafeteria no importa mais, pois voc apenas quer analisar o garom, conversar com ele e descobrir se tem alguma chance com esse furaco.

    Fardeme: Uma farmcia toda branca, cheia de colmeias. Voc

    subitamente nota que a proprietria possui algum tipo de fixao por abelhas, ou pouco dinheiro para comprar remdios, pois o mel cura todas as doenas. Mas no que cura mesmo? Seu crebro anda amargo demais e precisa de doura. Aceite a flor que Maria Maria lhe oferece, enquanto tenta espantar as abelhas pelo caminho. Note que a mulher parece um abajur e como seria possvel acender uma lmpada nela. Voc quer ser uma velhinha estilosa como ela quando ficar mais velha, pois quando entra em

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    transe ela balana seus cabeles como se estivesse num show de heavy metal. (no caso de voc ser um homem, mire-se no exemplo de Jos. Ele te levar para o bom caminho assim como o pastor guia suas ovelhas).

    Agracamalas: escurido, horror, uma aranha sobre sua cabea.

    As escadas rangem e voc continua subindo, at que uma menina pula de uma cadeira de rodas e agarra seu pescoo. Voc d um grito, mas se acalma ao ver um passarinho na cabea dela. No deve ser m pessoa, voc pensa, at que percebe que o passarinho

    na verdade era um abutre que arranca sua cabea. O seu corpo agora repousar no cho com os hspedes cadveres.

    As casas so realmente pequenas e sem muitos mveis ou

    atrativos. De vez em quando voc pode encontrar um quadro ou uma cadeira nova, mas no mximo isso. As coisas apenas apodrecem e ficam cada vez mais velhas. Do lado de fora h mato, abelhas e flores. uma cidade muito simptica e feliz.

    Note que possvel combinar o poder de duas ou mais casas, ou mesmo conectar atividades de visualizao com divinao e evocao. No apontaremos todas as possibilidades, que so muitas, mas sinta-se livre para deixar sua imaginao e esprito aventureiro flutuarem.

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    Captulo 17: A Moda dos Animais e das Estrelas

    Maria de Lodofar estava irritada, pois seus belos trajes estavam

    imundos de terra. Ela havia passado as ltimas horas cavando pela cidade e no encontrou sequer um ba. E olha que ela estava usando um utenslio mgico especialmente energizado para a ocasio: uma p, que ela consagrou com os tecidos mais elegantes que possua e com o elemento terra, para que encontrasse tesouros escondidos.

    No entanto, sua busca foi um fracasso. Ela foi at a farmcia se queixar com sua xar.

    Ningum mais enterra bas nessa cidade? Como vou passar minhas tardes agora? J costurei todos os tecidos que eu tinha, j os descosturei e remendei-os de volta!

    Eu acho que voc precisa de um bicho de estimao sugeriu Maria de Fardeme eu tenho minhas abelhas mgicas.

    E de que forma elas so mgicas? perguntou Lodofinha, monotonamente.

    O mel delas cura todas as doenas. Eu no sei nada sobre isso! gritou Maria de Lodofar. Por que est gritando? Maria de Fardeme perguntou, em

    tom igualmente alto. Porque estou com uma labirintite que suas abelhas no curam,

    seu abajur intil! Voc est com inveja porque no arranjou ainda um

    companheiro mgico. Lodofinha bateu a porta e saiu de l. Mas talvez a abelhuda

    tivesse razo: um animal de poder daria um sentido novo sua existncia. E mais gastos ao seu bolso furado.

  • Agracamalas

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    Resolveu ir at a cafeteria conversar com Jos. Entrou l e apoiou os braos no balco, inclinando-se e balanando a bunda. Quem sabe ele a notasse daquela vez.

    Ei, Z, conserta minha p? Jos deixou o copo de lado e analisou a p. O que h de errado nela? perguntou Z. Olhe para a alma dela e veja como est triste. Eu vejo muitas almas aqui dentro concluiu Jos mas

    nenhuma delas a alma da p e sim dos bichinhos que comem a terra.

    Eu posso adot-los como animal totem? No vejo porque no. Meu animal agora Papa-Mel. E que raios vem a ser isso? perguntou Lodofinha. O cachorro do Curupira. Ele me deu. E deu o macaco para

    Agraca. Que macaco? O Deus guarani Luison. Aquela menina metida tem um Deus de estimao?

    perguntou a moa, indignada Eu quero Luison para mim. Irei arranc-lo dela.

    E caminhou at A Grande Casa Mal Assombrada. Na entrada havia um tapete velho, no qual estava escrito: Quem entra no sai. Lodofinha achava um aviso muito pretensioso, pois j tinha entrado naquela casa muitas vezes e sado de l no mximo com algumas teias de aranha enroscadas na roupa, mas viva.

    Mariazinha, voc t a, caramba? T sim, ora bolas. Mas pra entrar aqui s acertando uma

    charada. Ai, que saco. Eu s quero seu macaco. O que o que , tem pernas, mas no tem pernas? Hein? No t te escutando! O que o que , tem cabea, mas no tem cabea? Joga o teu macaco a, e depois a gente conversa.

  • Wanju Duli

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    A resposta para a primeira charada sou eu respondeu Mariazinha e a resposta para a segunda voc!

    Maria de Lodofar agarrou a menina da cadeira de rodas pela gola da camisola.

    Quem tem cabea, mas no tem cabea? ameaou Lodofinha.

    Um louva-a-deus no acasalamento, claro respondeu Mariazinha o que o que , no tem macaco e no tem macaco? Voc!

    E Mariazinha fechou a porta na cara dela. Maria de Lodofar revirou os olhos. Era esse o resultado de conversar com crianas. Ela pelo menos devia ter treinado para inventar charadas decentes.

    Caiu a noite e Maria de Lodofar viu as Trs Marias no cu. Ei, somos ns! ela se deu conta. Ela ligou estrelas com o dedo, como quem liga pontos, e

    formou as imagens das quatro casas nos quatro cantos, e do grande labirinto no centro. O cu no fundo, de um tom azul profundo, enquanto a noite no cara completamente. At que uma bola de fogo cruzou o cu, em torno de onde traara as quatro casas.

    Curupira pronunciou ela, com desgosto. E decidiu que iria ca-lo para roubar seu porco do mato.

    Convocou as outras Marias para lhe ajudarem e revelou o que descobrira.

    De agora em diante, nossos novos nomes na sociedade secreta sero Mintaka, Alnilan e Alnitaka, para honras as estrelas! props Lodofinha e nessa noite iremos caar o curupira.

    No se meta com esse mano, ou ele no ir mais mestrar o nosso jogo alertou Fardeme.

    Tem razo concordou Lodofar ento vou me enfiar no mato e procurar coruja.

    Tenta achar Cabur sugeriu Mariazinha. No, eu quero... uma Rasga-Mortalha!

  • Agracamalas

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    Ela anuncia os mortos disse Maria ento esta minha. Se acharmos, voc me d seu macaco sugeriu Lodofinha. Feito! E as duas partiram juntas para o meio do mato. Fardeme deu

    de ombros e voltou para as suas abelhas, deixando que as crianas se divertissem com suas corujas escandalosas.

    Fardeme levou sua p mgica e Agracamalas um travesseiro mgico. Assim que ouviram o grito da Rasga-Mortalha sentiram um frio na espinha.

    Ora, eu nem tenho medo observou Mariazinha mas aquele macaco logo ali parece meio ameaador. Quer pegar pra voc?

    No um macaco, o Mapinguari! gritou Fardeme O que ele t fazendo aqui na nossa cidade?

    Desde o lanamento do Grimrio das Casas estamos ficando populares.

    Mapinguari enxergou as duas, com o seu olho da testa. Tentou devor-las com sua boca da barriga e as duas saram em disparada.

    Voc no uma maga, a senhora da morte? perguntou Lodofinha Por que no o ataca?!

    Porque Luison se apaixonou por ele. Com sua bocarra, Mapinguarinho fez uma respeitvel felao

    no falo muito respeitvel de Luison. E tudo isso foi feito com muita nobreza. Eles se casaram, tiveram muitos filhos e viveram felizes para sempre.

    Apenas... pegue a sua Rasga-Mortalha, pois eu j me cansei de acontecimentos estranhos nessa noite!

    Mariazinha obedeceu e voltou para a cidade com sua coruja. Lodofinha resolveu pegar para si os microorganismos que passeavam na terra mida de sua p.

    At Mapinguari arranjou um namorado e eu aqui solteirona suspirou Maria de Lodofar, tristemente.

  • Wanju Duli

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    No se preocupe, eu tenho um servidor feio e intil em forma de fantasma, que no serve nem pra cantar. Dou pra voc disse Mariazinha.

    E voltou para sua casa. Maria de Lodofar colocou o servidor em forma de fantasma em

    sua boca. Ele ficou para fora, fazendo barulho. Bu... bu... E Lodofinha ficou l parada, com a cabea de lado, os olhos

    esbugalhados e a boca aberta escorrendo baba at o amanhecer.

  • Agracamalas

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    Captulo 18: O Teatro dos Bichos Entram a coruja, o cachorro, a abelha e o micrbio. Rasga-Mortalha: Eu mato mais do que grito. Anuncio, mas

    no vejo. O fato um mito escondido para mim, que no conheo o beijo, mas conheo o fim.

    Papa-Mel: Eu papo mais papo que mel. Conversa furada

    bem recebida aos olhos do mundo. Abelha Rainha: Eu reino e o poder no chega minha boca.

    Lnguas se enroscam como dedos, mas almas se fitam sob um olhar gelado.

    Micrbio da P: Eu cavo segredos. Enterro os sinceros e

    mostro os mentirosos. A escolha no tem escrpulos. Rasga-Mortalha: Eu mato. Papa-Mel: Eu papo. Abelha Rainha: Eu reino. Micrbio da P: Eu cavo. Ela me trocou por bichos-da-seda e

    fantasmas. Saem.

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    Captulo 19: Primeiro Aprenda a Sonhar

    Para entender a Magia do Caos, voc ter que fazer magia como

    quem sonha: os sonhos so muitas vezes ilgicos, insanos, divertidos, assustadores, empolgantes, criativos em sua aparente aleatoriedade, mas penetram em nossa mente com uma atmosfera mgica.

    Voc nem sempre precisa estar no controle. Sonhos lcidos so diverso na certa, mas tambm interessante apenas observar e se maravilhar com a atividade de nossas outras mentes.

    Somos muitas pessoas, muitas mentes, muitas almas, muitos mundos. No somos absolutamente nada. Um pouco de tudo, uma existncia interdependente de todas as pores de existncias.

    O problema comea quando buscamos definies absolutas e definitivas. Isso magia. Isso no . Isso funciona. Isso falha. Isso est certo. Isso est errado.

    Voc gosta de fazer viagens astrais? De atingir estados alterados de conscincia na meditao? timo, explore e se maravilhe, mas no se fascine demais. Voc gostaria de passar a sua vida inteira sonhando e se esquecer de viver?

    Existem muitos tipos de vida e h tempo para explorar todas elas. Inclusive aps a morte. Isso porque h muitos tipos de tempo. E muitos tipos de morte. E tambm no h tempo nenhum, vida nenhuma e morte nenhuma.

    A vida no mais extraordinria que a morte, e nem a morte mais extraordinria que a vida. Os estados alterados no so mais excelentes do que este no qual voc se encontra.

    Um mago no mais poderoso que outro por possuir domnio de vrias formas de gnose excitatria e inibitria. Cada pessoa

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    sente a vida de uma maneira e a pensa de um jeito. Nenhum igual e isso lindo.

    Os seus sonhos nunca sero iguais aos sonhos de outra pessoa, seja na vida, na morte, no sono ou na magia.

    Ento primeiro respire. Vida e morte acontecem a cada momento, na inspirao e expirao. A morte apenas uma expirao mais longa.

    Como voc tem certeza que h vida aps a morte? No uma vida igual a essa, pois nada igual. Mas voc sonha a cada noite, como uma pequena morte, e acorda no dia seguinte. Os estados alterados mostram um algo a mais diferente e religies e sistemas de ocultismo criaram muitos nomes para esses estados.

    Ningum tem certeza de nada e se houvesse a certeza seria muito chato. No caosmo voc no busca certezas e respostas, apenas faz experimentos e os esquece depois, como esquece sigilos; apenas para fingir que no sabia de nada e se maravilhar outra vez, com outra forma de fazer magia que antes desconhecia.

    Viver e esquecer, isso mgico. Uma nova vida e um novo esquecimento. Um sonho diferente a cada noite, um acontecimento singular a cada dia.

    Voc tem algum controle, mas no todo o controle, pois a vida te enche de surpresas. A morte uma grande surpresa.

    Ento no seja ranzinza querendo acertar magias ou achar respostas. Seno, quando errar ou no encontrar o que busca, vai se desapontar.

    Por isso, faa magia como quem sonha. Como quem no se preocupa em acordar, deita com prazer e aguarda curiosamente o novo sonho.

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    Captulo 20: Os Estados Alterados

    No, estados alterados no so indispensveis para fazer magia... (quantas vezes isso j foi dito, e ainda ser dito?)

    A maioria das pessoas comea a estudar ocultismo porque se maravilha com poderes psquicos ou outros efeitos fantsticos que a magia pode proporcionar.

    E, de fato, a magia pode gerar as coisas mais incrveis para aqueles que investigam a fundo. Mas a magia em si vai muito alm disso. Na verdade, essa no a parte essencial.

    Imagine que voc escolheu uma profisso ou emprego apenas porque d muito dinheiro. E o seu foco sempre o dinheiro, voc no est nem a para os conhecimentos que ir adquirir, no se preocupa em tentar gostar da profisso ou entend-la, admir-la.

    Caso voc busque apenas o resultado final do processo (numa analogia, a morte) ir se esquecer do caminho (a vida). Muitas pessoas dizem isso, mas tentemos aplicar esse conceito para a prtica mgica.

    No fundo, voc quem escolhe o que est no final. Pode ser que a morte no seja o fim. Muita gente escolhe que seja. Ento veja que se trata de uma opo. Caso voc no deseje que seja, no ser. Pode continuar. O labirinto possui outros caminhos, atalhos escondidos, e A Grande Casa Mal Assombrada no era o destino, mas apenas a porta que levaria para um novo labirinto completamente diferente.

    Quem coloca os poderes psquicos ou estados alterados como meta, pode ter uma jornada espiritual muita dura e vazia, assim como no caso do dinheiro. Uma escolha como essa no ser condenada ou tida como errada, mas felicidade e diverso so to importantes que fundamental analisar como voc arquitetou o seu labirinto mental de conquistas.

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    Existem muitas formas de fazer magia, de viv-la. Como se costuma dizer, muitos magos nem mesmo sabem que so magos. E alguns que dizem que o so esto mais longe da magia do que pensam.

    No ser definida uma forma de magia verdadeira e melhor, pois muitas delas so vlidas. Apenas trazemos uma questo interessante: estados alterados muitas vezes surgem por acaso para quem no os busca.

    Quem vive a magia com calma e pacincia pode acabar topando com presentes mentais ao longo da jornada. No jainismo, recorrente se dizer que ao longo da meditao topamos com alguns reinos de criaturas divinas que nos do presentes. Esses presentes podem ser sensaes intensas de xtase, revelaes ou mesmo poderes psquicos, alguns temporrios e outros definitivos.

    empolgante a ideia de encarar essas capacidades como presentes e no como resultado de nosso mrito. um bom exerccio de humildade, embora no seja ruim orgulhar-se de si mesmo e ser convencido de vez em quando!

    O que mais se v que quanto mais se pratica magia, mais nos maravilhamos com as coisas simples da vida. Isso no significa que devemos desprezar as coisas complexas. No hermetismo comum se ouvir que dois estados podem ser manifestaes de uma mesma coisa, somente diferindo em grau. Por isso, na Magia do Caos nada ignorado; nem a magia obtida atravs da evocao de uma entidade poderosssima de um grimrio antigo e nem a magia que viria da evocao do vilo de um videogame.

    Sendo assim, se voc se ocupar apenas de estudar a magia e pratic-la de forma a valorizar coisas simples que ela oferece, se maravilhando com o que antes parecia chato (uma profisso, por exemplo), no ir se chatear se no vierem poderes psquicos (o dinheiro, nesse exemplo), mas alguma coisa acaba chegando, seja uma pequena surpresa ou algo realmente excelente. Uma coisa certa: o seu maior presente foi o conhecimento adquirido, o

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    caminho, a jornada. E o que vier de brinde tem um gosto ainda melhor.

    Ns no temos pleno controle sobre poderes, e nem sobre o que acontece do lado de fora, ou com a parte fsica de nosso corpo. No entanto, podemos optar por fortalecer a parte sob a qual podemos comandar com mais exatido, que a maneira que nos sentimos conforme os eventos acontecem.

    Em vez de usar magia para tentar desesperadamente curar uma doena, melhor nos focarmos para acalmar a mente cada vez mais diante da presena da doena. Esse ato poder at trazer um brinde (a cura de fato). O mago que se foca apenas no lado de fora, querendo curar de qualquer forma, e esquece a mente, ir se desesperar se a tentativa de cura falhar.

    No errado buscar efeitos externos com a magia, mas o foco deve ser a mudana interna, e a externa pode vir como um presente, que ns nem mesmo temos certeza se um presente de fato, j que no conhecemos ao certo o que vem aps a morte.

    Ns no vemos a realidade tal como ela , mas como ela nos apresentada atravs de nossos sentidos. Qual o sentido de procurar verdades quando possumos um crebro que raciocina somente representaes e sentidos fsicos que captam sombras? Uma dana no escuro pode gerar em nossa mente um efeito to poderoso quanto a alegria de contemplar o sol.

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    Captulo 21: Truques de Valor

    OK, digamos que voc deseje alterar seu estado de conscincia para realizar alguma magia. sempre bom variar e experimentar coisas novas, contanto que voc no desvalorize o nosso estado atual de conscincia por causa disso. Os vivos invejam os estados de conscincia dos mortos e os mortos invejam os dos vivos... que tal admirar todos eles?

    Existem os estados alterados leves e os profundos. Para atingir um estado leve, basta concentrar-se momentaneamente num objeto, at mesmo de olhos abertos. Poder manter seus olhos focados numa direo fixa, at que sinta uma sensao ligeiramente especial e tranquila. Outro mtodo realizar uma atividade fsica repetidas vezes, um movimento. Esses dois seriam um estado leve gerado por gnose inibitria e excitatria, respectivamente.

    Caso opte por estados profundos, basta seguir um mtodo um pouco mais hardcore do mesmo exerccio. Em vez de fitar a chama de uma vela fixamente, feche os olhos e realize uma meditao longa, na qual voc mantm os olhos fixos diretamente para frente, at seus olhos piscarem rapidamente (uma reproduo do REM do sono), seu corpo enrijecer, tudo comear a girar, etc. Voc perceber claramente quando passou para outro estado de conscincia. O equivalente a um estado de movimento seria uma dana num ritmo muito intenso, algo forte, at no sentir mais seu corpo ou tornar-se um com ele.

    Os estados alterados leves so ideais para lanar sigilos, realizar feitios simples ou para algumas formas de divinao. Os estados profundos so indicados para trabalhar com servidores complexos, evocaes e magia cerimonial. Obviamente, h excees para ambos.

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    Captulo 22: Gnose na Magia das Casas

    Experimente alterar seu estado de conscincia para realizar

    alguns procedimentos descritos nesse livro. Voc observar que os efeitos sero os mais diversos.

    Alguns modos dessa magia no exigem a alterao imediata e muitos deles podem ser realizados com sucesso atravs de uma alterao leve. Indicamos que experimente pouco a pouco e que no se aborrea caso no consiga sentir as pessoas, as casas, as mensagens, os planos, tanto quanto gostaria.

    A maior parte dos seus aparentes fracassos no vem da sua inabilidade de entrar em gnose e sim da sua falta de confiana em dado processo. Uma pessoa que tem a habilidade de saltar pelas dimenses como quem pula corda, usando um dos aforismos do Grimrio dos Gnios, pode, ainda assim, enfrentar profundas frustraes quando no o consegue da forma que gostaria.

    Citando o trecho apropriadamente, o quarto e o quinto aforismo:

    O senhor que comanda sua prpria dimenso ser capaz de saltar pelas

    outras como quem pula corda O tolo que deseja conhecer os outros mundos sem viver o seu como aquele

    que anseia viajar para terras distantes sem antes conhecer sua prpria terra Portanto, uma das formas mais poderosas de magia aprender a

    no ficar frustrado quando as coisas no ocorrem como voc desejava. Na verdade, uma habilidade muito mais excelente do que ser um poderosssimo mago que transforma gua em vinho ou ressuscita

  • Agracamalas

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    os mortos. Aprenda a aceitar que gua gua, e que vinho vinho; e que os vivos morrem.

    Porm, no cristalize demais esse pensamento a ponto de torn-lo inquebrantvel. Aceite tambm que a gua nem sempre gua se voc a imaginar de outra maneira, assim como os habitantes da Cidade Sucinta tomam gua fervida imaginando que ela caf ou ch. E entenda que os vivos nem sempre morrem, mas que podem apenas passar para outro tipo de vida num grau diferente. Uma vida que no exatamente vida, pois no a vida que voc conhece. E a morte que no exatamente a morte que voc conhece, e nem poderia ser, j que voc no a conhece... ou j se esqueceu da sensao.

    Na Magia do Caos, o riso uma das armas mais poderosas. O riso sincero, espontneo, gera alterao de conscincia imediata e uma alegria imensa (sendo a alegria o objetivo final de tudo, incluindo a magia).

    E de repente esse grimrio esquisito comea a fazer sentido. Mas no fique muito feliz. Ele no foi escrito para fazer sentido.

    Os magos costumam ficar contentes quando as peas do quebra-cabea comeam a se encaixar, mas no caos isso no existe. O caos caos porque no pode ser domado, simplesmente no se encaixa. Citando um trecho de Velevi, adaptado:

    Voc gosta do caos? Ele no te agrada? No gosto quando no tenho controle sobre ele. Mas ento no seria caos. Seria como enrolar um novelo de l todo

    bagunado que seu gatinho insiste em desfiar. O caos livre. No possui senhor e indomvel. Eis seu encanto.

    Isso perigoso. No desejo que acontea. Preciso impedir. Voc no pode ter o controle de tudo, sabia? Se contiver a fria da

    natureza por muito tempo, um dia ela explodir. Voc ainda tem seus dois olhos. Ento ainda pode assistir ao espetculo

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    Tente achar sentido em tudo, mas no tente demais. O crebro

    no alcana. Mas o crebro alcana piadas e gera risadas. Ainda bem, pois se fssemos inteligentes demais poderamos no rir de coisas estpidas e a vida seria to mais chata...

    Sendo assim, v em frente e use alguma piada imbecil desse grimrio para atingir uma gnose, SE FOR CAPAZ.

  • Agracamalas

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    Captulo 23: Aplicao da Cidade Sucinta

    Agora sero dadas as diretrizes para que voc extraia o que h

    de melhor no sistema das casas. Quanto mais a Cidade Sucinta se torna real na sua mente, mais

    ela adquire existncia de fato. E para que algo ganhe vida, preciso que seja experimentado pelo maior nmero de sentidos fsicos, pelas mais variadas circunstncias, pelo maior tempo possvel, por diferentes formas e possibilidades.

    Por esse motivo o sistema foi apresentado, suas caractersticas e particularidades, de muitos jeitos. Inicialmente descrito naturalmente, como qualquer outra cidade seria descrita. A seguir, voc notou que era uma cidade de magos, repleta de amuletos, utenslios mgicos, uma religio singular e com uma cultura extica. Foram dadas algumas explicaes da perspectiva lgica e artstica. O essencial que o sistema cative, mas que tenha utilidade e aplicao.

    Voc poder usar muitas partes desse sistema sabendo que foi originalmente montado para que possamos lidar mais facilmente com realidades como dor, doena, velhice e morte. Esse fato, embora tenha sido dito na primeira linha, no salta aos olhos, mas pode ser sentido inconscientemente atravs da utilizao dessa magia.

    Mantenha em mente que quando voc sentir alguma dor psicolgica, preocupaes, angstia ou qualquer estado mental extremamente difcil de lidar (seja ele leve, gerando um desconforto, ou to forte que te faa sentir tdio, vazio, tristeza ou confuso profunda), voc poder acessar o plano astral da Loja dos Farrapos, pois ele foi construdo especificamente com esse propsito. possvel utilizar um selo da casa para se acalmar;

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    realizar uma visualizao de seu interior, transportando-se para l para confortar sua mente; evocar Maria de Lodofar, que sempre ter uma roupa para se encaixar na sua dor e faz-la diminuir.

    O mesmo se d em relao s outras casas. Visite a Cafeteria Sem Caf caso sinta algum desconforto relacionado a problemas de velhice ou alimentao (cada casa opera sob dois smbolos, sendo a anterior dor e roupas, pois os smbolos representam um sofrimento e uma necessidade bsica de sobrevivncia, respectivamente).

    V at a Farmcia de Mel para tratar de doenas e buscar medicamentos, ou chame Maria de Fardeme para gui-lo. Caso voc deseje lidar mentalmente com a realidade de uma doena, combine duas casas: Lodofar e Fardeme.

    Finalmente, Agracamalas lida com morte e problemas de habitao ou lar; o sentir-se em casa. Opera sob perdas de um ente querido ou quando se est para morrer e se deseja algum lugar seguro para lidar com sua dor e superar o medo, Agracamalas foi feita especificamente para isso. E Maria de Agracamalas est sempre s ordens para ajudar.

    Esses planos j foram construdos, e esto sendo fortalecidos at agora, enquanto esse grimrio escrito. Como diria Grant Morrison, essa escrita possui um efeito de hiper-sigilo para fortalecer o sistema. Quanto mais ele explicado, pensado, usado, cada vez que emoes so geradas envolvendo-o diretamente, ele se torna mais forte. Tudo isso magia. Magia no apenas balanar uma varinha ou espada num crculo cerimonial. Magia at mesmo pode ser realizada e ativada enquanto se escreve (a chamada Magia da Eloquncia, do Grimrio da Eloquncia). Phil Hine chamou as magias no ritualsticas de magia de mos vazias.

    Que tal tentar por si mesmo o poder do processo?

  • Agracamalas

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    Captulo 24: Criao de Mundos e Deuses

    Para criar um mundo, primeiro voc precisa ter em mente

    muito claramente aquilo que deseja, pois se os resultados forem indesejveis voc ter que aprender a destruir um mundo.

    Por outro lado, um bom exerccio criar um mundo completamente indesejvel. Assim voc aprende a valorizar o seu prprio mundo e para de reclamar.

    Algumas vezes no gostamos do lugar no qual vivemos, quem ns somos, quem est ao nosso redor e as circunstncias em que nos encontramos. Queremos que tudo se transforme. Desejaramos ser qualquer outra coisa do que aquilo que somos, fugir para qualquer outro lugar, estar na presena de outras pessoas, em qualquer outra situao possvel.

    Voc pode criar muitos mundos e Deuses e manter a sua mente imersa neles pelo maior tempo possvel. Nesse caso, seria melhor aprender a criar uma nova mente e no um mundo.

    Mergulhar para outra dimenso no serve para fugir da sua, e sim para aprender a aceitar todas as realidades ao seu redor, por mais detestveis ou amveis que paream. Surpreendentemente, s vezes tambm repudiamos aquilo que amor, pois ele pode ser terrivelmente assustador.

    Uma mo no ser passada em sua cabea e um mundo tranquilo no lhe ser entregue num pacotinho de presente. Nenhum cu perfeitamente calmo, onde reina a absoluta alegria, o perdo e uma beleza perdida.

    Tudo isso voc j tem: todos os cus e infernos que deseja ou que aceita. Por isso a magia no necessria. Ela sempre esteve em voc, mas de forma descontrolada.

  • Wanju Duli

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    As quatro casas podem te confortar, mas tambm lhe apresentaro lados terrveis, que devem ser vistos com aceitao.

    A Magia do Caos lida com mudana de paradigmas. Todas as ideias defendidas nesse grimrio esto no interior de um paradigma. impossvel viver fora de um.

    Sendo assim, caso deseje agir de forma oposta a tudo que dito, faa isso, contanto que anote seus resultados para saber se funciona. O que funciona para uma pessoa pode falhar para outra. Ainda bem, porque seno teria um s tipo de comida no supermercado.

    Experimente tambm criar uma mente disfarada de mundo; ou um mundo disfarado de mente. Passe em Lodofar para pegar umas fantasias emprestadas. Disfarce sua mente, fique irreconhecvel at para si mesmo. Apavore-se! Voc se disfarou de outro algum e agora se ama pela primeira vez, pelo miservel fato de que no mais voc mesmo...

    Eis o convite para o baile de mscaras. Vem.

  • Agracamalas

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    Captulo 25: Criao de Mentes

    Z e as trs Marias resolveram se fantasiar no Carnaval. Foram at a Loja dos Farrapos, se vestiram de tecidos, taparam a cara e saram correndo pelas ruas.

    Mas Maria de Lodofar desistiu rpido da brincadeira. Ainda estou embaixo da roupa. Como posso fingir que no

    sou eu mesma, se eu me vejo embaixo o tempo todo? Voc est enganada. No h nada embaixo. Quando Jos disse isso, Maria de Lodofar tirou a capa e a

    mscara, revelando o rosto. Viu s? Aqui estou eu! No vejo nada disse Jos tem pele por cima atrapalhando.

    Aposto que tambm deve ter carne e ossos. Voc est embaixo de tudo isso?

    Tem razo, no h nada embaixo concordou Lodofinha mas tambm h tudo. Ento eu sou a roupa, sou a grama e tambm sou o sol.

    Mariazinha e Maria Maria ainda saltitavam, se disfarando de monstros mitolgicos. Mariazinha dava giros radicais com sua cadeira e Maria Maria pulava mais alto que um cabrito, com os cabelos brancos ao vento, repletos de folhas enroscadas. Danando com elas estavam Rasga-Mortalha e Abelha Rainha. As duas Marias cantaram juntas:

    Eu no quero ser ningum que no seja eu mesma No quero estar em nenhum lugar que no seja aqui Eu amo ele, ela, ela, ele, isso, isto e aquilo l Amo e odeio em igual medida Eu sou a ona, a capivara, o Boitat e a arara Sou sol, lua, vero, primavera Eu mudo o tempo todo, nunca sou eu mesma duas vezes

  • Wanju Duli

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    Como eu poderia desejar ser eu Se eu nunca sou eu? O tempo nunca passa igual A ona comeu a capivara, a capivara agora ona Eu morri, matei, deitei na terra e no fogo E agora sou mundo A noite desmaiou e a lua surgiu no cu. O mundo mudou de

    novo e todos ficaram felizes. Todos amavam ser eles mesmos, mas tambm amavam ser todas as outras coisas.

    No fundo, o mundo mudava sempre, mas ao mesmo tempo nunca se movia. Era eternamente imvel. Era a mente que se mexia e achava que todo o resto se mexia junto.

    Mariazinha foi dormir. E recebeu uma mensagem dos cus. Rasga-Mortalha conversou com a lua e voltou para lhe contar.

    Mariazinha no teria mais que um ano de vida. Ela jamais completaria onze anos.

    Ao saber disso, uma lgrima escorreu do rosto de Maria de Agracamalas. A lua tinha contado para Maria Maria que ela viveria at os cem anos, portanto teria mais trinta pela frente. Os outros dois tambm teriam pelo menos mais algumas dcadas. Ento por que ela precisava ir embora?

    Ela sentiu que ficava cada vez mais doente. Foi at a Farmcia de Mel no dia seguinte e comeu tanto mel que ficou com dor de barriga. Ainda assim, a doena no sarava.

    Mariazinha ficou deprimida. Nem as roupas bonitas da loja lhe encantavam mais. Ela tentou se vestir de todos os jeitos, mas de que adiantava estar tudo lindo l fora se sua mente estava inquieta?

    Estava um dia lindo, o sol brilhava com fora. Um vento fresco, a grama macia. Mas Mariazinha tocava tudo aquilo e no sentia nada. Como o mundo parecia subitamente to vazio, sendo que ele estava mais belo do que ela jamais o vira?

  • Agracamalas

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    Ela resolveu ir at a cafeteria falar com Z. Ela sentou-se no balco, com uma expresso meio tristinha.

    As suas olheiras esto mais profundas do que de costume observou Jos de Casemcaf.

    Z, eu vou morrer em breve. Voc a senhora da morte. Eu sei. Mas eu tenho medo da morte. Ainda bem. Seria preocupante se no tivesse. Jos deu a ela uma xcara. Mariazinha provou, esperando que

    seus lbios sentissem o gosto de gua fervida. Mas pela primeira vez sentiu algo diferente. A gua tinha gotas de limo.

    Se voc teme a morte significa que feliz e que tem coisas das quais sentir falta prosseguiu Z triste quem no teme nada. Para eles, nada na vida tem valor.

    Eu sei de tudo isso observou Mariazinha ainda assim, estranha essa sensao. mgica, meio desconfortvel, mas tambm picante. Meio deliciosa, uma angstia gelada. Aquece, mata e revive. Eu posso ser tudo